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São Paulo
2020
Nathália de Bortole Perosa Ravagnani
São Paulo
2020
INTRUDUÇÃO
DESENVOLVIMENTO
Desse modo, cada individuo para crescer e deixar de ser infantil deve superar o
apego ao princípio do prazer, e enfrentar o princípio de realidade e para tanto dominar
seus instintos, aceitar e saber lidar com as frustrações que a realidade impõe, tornando-
se autônomo e não escravo dos desejos, sobretudo os infantis. Por estar baseada no
princípio do prazer, como algo que sempre se impõe, e não na ideia de tendência ao
amadurecimento, Freud induz à concepção de que o paciente, quando pode, agarra-se ao
bem bom e não quer sair do lugar. Para Winnicott, a natureza humana impulsiona
sempre o indivíduo a amadurecer, de modo que o ficar retido não é uma posição
buscada, não tem a ver com um caro e saudoso infantilismo e sim, uma imaturidade.
Isso altera substancialmente a compreensão do problema e a tarefa do analista caso
queira empreender a cura. “Quando recebe o que necessita, o bebê winnicottiano, assim
como o paciente, incorpora os cuidados ambientais, e vai em frente.” (DIAS, 2010,
p.30)
Assim sendo, no exercício da prática clínica, tal como proposto por Winnicott,
deve-se tomar como modelo a dinâmica que caracteriza o bebê no colo da mãe. O
analista, tal como a mãe, deve dar condições ambientais que sustente o processo de
amadurecimento do seu paciente. É nesse sustentar que está baseado o manejo, fruto de
uma comunicação profunda do analista com o paciente, este precisa sentir que o
primeiro se adapta às suas necessidades, que ele é confiável, previsível, não o
decepciona, não o retalia, não impõe seus sentidos e intenções, e sim oferece uma
relação humana viva e direta. (Cf. Fulgencio, 2011)
Especificidades do manejo
Descobrimos que, quando estamos face a face com um homem, uma mulher
ou uma criança, estamos reduzidos a dois seres humanos de mesmo nível. As
hierarquias caem. Posso ser médico, enfermeiro, assistente social, um parente
que vive na mesma casa – ou, a propósito, psicanalista ou padre. Não faz
diferença. Relevante é a relação interpessoal, em todos os seus ricos e
complicados matizes humanos. (WINNICOTT, 1960, p. 108)
Essa troca humana gera a possibilidade de auscultar o coração do paciente,
estabelecendo um tipo de comunicação profunda e silenciosa que confere à dupla
analista-paciente uma intimidade ímpar – no sentido de rara e particular e talvez, nos
casos mais graves, no sentido de única, por não ter sido experimentada antes. Isso dá ao
paciente a possibilidade de confiar no analista. É nessa peculiar e confiável
comunicação que deve estar baseada o manejo. Na verdade, pode-se dizer que o manejo
é isso, quando se pode entrar nesse tipo de troca, já se está manejando.
Nesses casos, o manejo se mostra fundamental, por se tratar de pessoas que não
se constituíram num EU e são carentes de experiências de natureza pré-verbal, pré-
simbólica e pré-representacional, ou seja, muito anteriores a palavra. Winnicott (1955)
afirma que a análise desses pacientes deverá lidar com os estágios iniciais do
desenvolvimento emocional, anteriores ao estabelecimento da personalidade como uma
entidade, são casos em que a estrutura pessoal não está solidamente integrada. Lidar
com essas problemáticas exige um tipo de trabalho em que o manejo se torna mais
importante que a interpretação. A ênfase é transferida de um aspecto para outro. “O
comportamento do analista, por ser suficientemente bom em matéria de adaptação à
necessidade, é gradualmente percebido pelo paciente como algo que suscita a esperança
de que o verdadeiro EU poderá finalmente correr os riscos implícitos em começar a
experimentar viver.” (WINNICOTT, 1955-1956, p. 395)
A teoria concebida originalmente para a compreensão das neuroses é
insuficiente para dar conta da compreensão e do tratamento das patologias psicóticas ou
dos episódios de natureza psicótica que surgem no tratamento analítico. Winnicott é
incisivo ao afirmar que “a técnica psicanalítica clássica é inaplicável no tratamento da
esquizofrenia” (Winnicott 1964, p. 372).
Segundo Winnicott, existem muitas variedades de psicoterapia, que deveriam
depender não dos pontos de vista do terapeuta, mas das necessidades do paciente ou do
caso. “Quando possível, aconselhamos psicanálise. Quando não for possível, então
pode-se criar uma modificação adequada.” (WINNICOTT, 1961/2016, p. 93). Ele diz
que um “um psiquiatra praticante precisa ser capaz de passar de um tipo de psicoterapia
para o outro com facilidade, e até fazer os três tipos ao mesmo tempo, se necessário.
(WINNICOTT, 1961/2016, p. 101)
Cada paciente faz, portanto, um tipo de transferência, contato e comunicação,
demandando cuidados diferentes. Um diagnóstico inicial, que considere em qual etapa
do amadurecimento o indivíduo se encontra, bem como as condições do seu meio, pode
auxiliar o analista no exercício da sua prática, de modo a resgatar as tarefas da mãe
suficientemente boa como guia para o manejo.
No inicio, na fase da dependência absoluta, na qual, em geral, estão estagnados
os pacientes psicóticos, é preciso que a mãe (e o analista) se adapte de modo absoluto às
necessidades de seu bebê (e seu paciente), tornando-se devotada (o) a ele, funcionando
como objeto subjetivo, tão adaptada (o) que parece criada (o) pelo bebê (paciente). Ao
mesmo tempo, é preciso que ela (e ele – o analista) conserve contato com o mundo, para
proteger o bebê (e o paciente) do que ele ainda não dá conta de experimentar,
garantindo um ambiente estável, previsível e seguro. Winnicott fala que esse conjunto
de cuidados, que inclui o próprio bebê (paciente) e seu entorno, poderia ser entendido
como uma extensão do segurar no colo. Tudo que ainda não pode ser sustentado, até o
si-mesmo, vai para o colo e às vistas da mãe (analista):
Vocês podem perceber que muito do que uma mãe faz com uma criança
poderia ser chamado de “segurar”. Não é só o segurar concreto, que por si já
é muito importante, constituindo um ato delicado que só pode ser realizado
pelas pessoas certas, e de modo delicado; muito do cuidado com a criança
corresponde a uma interpretação cada vez mais ampla da palavra “segurar”.
(...) Doenças de qualidade psicótica exigem que organizemos um tipo
complexo de “segurar” que inclui, se necessário, o cuidado físico.
(WINNICOTT, 1961, p.99 e p.102)
Todas essas experiências e cuidados talvez nunca tenham sido vividos pelo
paciente. Muitas vezes, é na relação com o analista, que o paciente, pela primeira vez,
entrará em contato com esses elementos essenciais do ambiente, o que lhe permitirá
retomar sua trilha no processo de amadurecimento. Winnicott afirma que uma das
características da transferência com os pacientes que se encontram presos aos estágios
mais primitivos é o fato de que devemos permitir que o passado do paciente se torne
presente. “Enquanto na neurose de transferência o passado vem ao consultório, neste
tipo de trabalho é mais correto dizermos que o presente retorna ao passado, e é o
passado.”(WINNICOTT, 1955-1956, p. 396)
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Dias, E.O. (1999). Sobre a confiabilidade: decorrências para a prática clínica. Natureza
Humana. vol.2, p. 283-322.
Dias, E.O. (2010). O cuidado como cura e como ética. Winnicott e-prints[online]. vol.5,
n.2, pp. 21-39.
Dias, E.O. (2017). Interpretação e manejo na clínica winnicottiana. São Paulo: DWW.
Editora. 2017. Versão eletrônica.
Winnicott. D.W. (1963). Os doentes mentais na prática clínica. In: D.W. Winnicott. O
Ambiente e os Processos de Maturação. (cap. 23). Porto Alegre: Artmed, 1983.
Winnicott, D.W. (1960). A Cura. In D.W. Winnicott. Tudo começa em casa. pp.105-
114. São Paulo: Martins Fontes, 2016.