Você está na página 1de 4

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


Programas Curriculares – Ano Letivo: 2019
(Ensino Médio Regular, Ensino Médio Integrado, PROEJA)
Laboratório Prática Ensino de Filosofia I
Prof Fernando Maia
Frederick Chame de Mello Caldas

Considerações sobre o Programa de Filosofia do Ensino Médio Regular e Integrado

O plano de ensino de filosofia traçado para as turmas de ensino médio tem como fio
condutor, acima de tudo, a apresentação e desenvolvimento dos problemas clássicos que
permeiam a história do pensamento ocidental. Nesse sentido, visamos cumprir o objetivo de
fomentar o exercício das capacidades reflexivas e argumentativas do estudante, de modo a
auxiliar no desenvolvimento da sua autonomia intelectual e postura crítica. Quanto ao método
para dar seguimento às propostas que visamos, optamos por privilegiar a clareza do conteúdos
proposicionais elaborados ao longo da história. Assim, pretendemos encurtar o caminho
obscurantista que pode ser suscitado por idiossicransias de um determinado autor, a fim de que o
aluno possa interagir em algum grau com as idéias apresentadas, apesar do curto tempo
disponível na sala de aula. Também exaltamos o cuidado para com reduções exacerbadas,
capazes de distorcer tanto o discurso do filósofo examinado quanto o próprio fazer filosófico.
Ademais, com o andamento do curso, esperamos mostrar ao aluno a fragilidade das crenças do
nosso tempo, uma vez que se torne explicita a datação de uma série de preconceitos, assim como
também estarão submetidas aos critérios rigorosos da dúvida cética.

RESPOSTA

A influência exercida pela epistemologia francesa sobre as investigações arqueológicas


de Michel Foucault foi amplamente admitida pelo filósofo. Tendo isso em vista, o objetivo
portado a cabo por Roberto Machado foi encontrar nessa relação uma chave para o entendimento
do projeto foucaultiano. E através de Jean Canguilhem - um expoente da epistemologia - foi
possível explicitar as semelhanças e diferenças entre ambos, com base no fio condutor
expressado sobre os conceitos de ruptura, história recorrente e análise ao nível do conceito. .
O tópico da análise carrega consigo parte do núcleo de ambos os projetos, e com ele um
ponto de encontro entre ambas as teses examinadas por Machado. A saber: tanto a epistemologia
quanto a investigação arqueológica são tipos peculiares de construção histórica. Não são
histórias meramente descritivas e factuais, mas histórias conceituais. Diferem, contudo, quanto à
profundidade das suas análises. Enquanto a epistemologia tem por objeto a ciência – e com isso a
razão –; a arqueologia, apesar das suas metamorfoses em cada obra, tem em vista algo mais
profundo: os saberes. Essa diferença tem raízes na compreensão de verdade abarcada por cada
uma delas.
Segundo a ótica da epistemologia, a ciência seria o âmbito propriamente encarregado de
alcançar a verdade. Haveria uma estreiteza, por definição, entre ciência e razão; e toda verdade –
implicitamente dada como racional – só seria possível segundo um processo científico. Nesse
sentido, a ciência seria constituinte de normatividade; o critério rumo ao progresso da verdade.
Mas resta esclarecer ainda qual seria o motor do processo científico-racional. Para Canguilhem,
o conceito manifesta a atividade científica, uma vez que nele se dá a representação em
linguagem das observações empíricas. E, portanto, empregar uma história das ciências não seria
outro que empregar uma história dos conceitos. Reconstruir a ciência de um tempo significaria
trazer à tona a síntese dos conceitos na sua especificidade temporal e relacional, isto é, com os
demais conceitos dados em um mesmo contexto.
Na arqueologia, por outro lado, o conceito não passa de uma parte daquilo que está em
jogo – o discurso. O discurso ultrapassa o conceitual; ele é pré-conceitual. Examinam-se na
arqueologia as regras que tornam possível o aparecimento dos conceitos. Sob essas
circunstâncias, a pergunta pela verdade nos moldes científicos não só revela-se contingente, mas
também põe em dificuldades a noção de progresso (o que ficará claro nas divagações sobre
história recorrente). Interessa, quando refletimos sobre o discurso, não a verdade como algo em
si, mas sim compreender as práticas do homem que se efetivam como saber. Eis a positividade
do discurso.
Da análise conceitual, contudo, não é suficiente para distinguir plenamente a diferença
das historias conceituais contra as histórias descritivas. Mesmo a epistemologia e sua pretensão
de progresso não pensaram a história sem descontinuidades. A noção de progresso para os
epistemólogos seria derivada do acréscimo em coerência e em número de verdades presente em
toda a história. Pois ainda os erros seriam fonte de positividade; afinal, se não o forem no
presente, certamente o foram no passado. O presente haveria de ser superado. Contudo, as
ciências, para cada avanço, não estariam de modo algum enraizadas num continuísmo. De fato, a
história das ciências seria um esforço para mostrar em que medida o passado hoje superado foi
em algum momento a superação de um passado anterior. Por meio dela, os saltos e rupturas
conceituais entre cada superação seriam evidenciados. A razão para isso se daria pela
erroneidade em apontarmos precursores. Pois a ruptura não seria, para Canguilem, um
acontecimento único ou singular, mas ocorreria sucessiva e parcialmente ao nível do conceito.
Formar conceitos não seria algo subordinado à instauração de cientificidade, mas sim a sua
condição de possibilidade – o que certamente constitui um ponto de aproximação com Foucault.
Outra ruptura apontada por Canguilhem foi com relação ao conhecimento vulgar. Percepções –
centrais para o conhecimento vulgar – deixam de ser na ciência o meio privilegiado de encontro
ao objeto, nessa perspectiva. Em vez disso, o imediato daria vez ao racionalmente construído,
próprio do científico.
Quanto a arqueologia, as rupturas se apresentam sempre na dimensão das formações
discursivas, dos conjuntos de saberes constituídos das interrelações conceituais estabelecidas
numa época. Variam apenas ao longo dos seus escritos no que concerne a extensão dessas
rupturas. Em História da Loucura a ruptura é menos radical, sem nunca envolver rupturas
absolutas em diferentes épocas; reaparecem, todavia, segundo a ascensão de práticas políticas e
saberes a tratarem do louco. Por outro lado, As Palavras e as Coisas deixa patente as rupturas
através da noção de épistêmè – a regularidade discursiva que permeia uma época. Isto é, cada
época seria dotada de uma épistêmè ordenadora e homogeneizante dos saberes. Já a
heterogeneidade, as rupturas, portanto, seriam realizadas na transição entre èpistêmès.
Enfim, vemos tanto na epistemologia de Canguilhem quanto na arqueologia de Foucault
interpretações sobre o problema da recorrência na história. Próprio do trabalho epistemológico, o
presente faria parte do mesmo processo já patente anteriormente, que é aquele rumo à verdade. E
por isso, ele poderia servir de critério judicativo para apontar o falso contido no passado. Ou
seja, haveria uma quebra entre a reconstrução histórica tradicional voltada para os fatos, mas sim
os fatos seriam tratados como idéias. Na arqueologia, voltamos a nos deparar com variações
conforme as obras nas quais ela está presente. História da Loucura foi um livro permeado,
segundo a interpretação de Machado, por uma espécie de recorrência às avessas. A verdade das
teorias da loucura expostas na investigação seria o contrário de um conhecimento, julgada
segundo um critério atemporal – contrapondo-se assim ao julgamento segundo o presente da
epistemologia. O Nascimento da Clínica permaneceu contra os termos de recorrência histórica,
tendo em destaque as cambiantes análises do conceito de conhecimento médico ao longo da
história. Cada época teria seus critérios para pensar tal conceito, de modo a fazer emergir
rupturas das suas próprias condições que se impunham com o tempo. Já em As Palavras e as
Coisas não há sequer possibilidade de falar em progresso ou processo entre saberes – mais uma
vez excluindo a idéia de recorrência histórica. Mesmo a noção de verdade torna-se problemática
nessa perspectiva, pois todo critério para identificá-la seria pertencente a um tipo específico de
discurso. A verdade comumente concebida não seria outro que uma configuração histórica
passível de invalidação num outro saber. Com essas considerações podemos observar as
diferenças presentes entre as investigações históricas peculiares propostas por Foucault e
Canguilhem.
QUESTÃO 2

Na parte “método” do capítulo “o dispositivo da sexualidade”, Michel Foucault analisa a


formação de um tipo de saber sobre o sexo, não em termos de repressão ou de lei, mas de poder.
Analise o que o poder não é, e o que o poder é, nesse contexto do livro História da Sexualidade
1: a vontade de saber.

RESPOSTA

A noção foucaultiana de “poder” não tem em vista a apenas uma instituição tal como o
estado – coercivo através de leis bem delimitadas. Não haveria tampouco algo em específico
capaz de ressoar sobre toda uma sociedade como uma causa primeira ou privilegiada do poder
em Foucault. O poder seria, em verdade, algo maior. Para o filósofo, o poder seria uma força
tensionante expressa em todas as relações discursivas. Não uma força unilateral, versada sob um
fim preestabelecido, mas uma força múltipla e variante conforme suas relações. Nessa teia de
relações imanente à sociedade haveria espaço para apoios e influências entre relações ou mesmo
isolamentos formadores de subconjuntos relacionais. Isto é, haveria no poder formações de
sistemas e até mesmo contradições ou desigualdades. Ao passo que o sujeito, transpassado por
meio ao poder, seria um ponto de resistência.1

11
Optamos por entregar uma resposta concisa, tendo em vista que tivemos acesso a apenas duas páginas da
parte “método”, além de uma folha comportando esquemas expositivos acerca do poder.

Você também pode gostar