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Avaliação laboratorial

da urina
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever como ocorre a formação da urina e de que modo pode


ser feita a sua análise física.
 Identificar os elementos a serem examinados na análise química e
no sedimento urinário.
 Reconhecer a aplicabilidade do exame de urina de 24 horas, assim
como os seus aspectos positivos e negativos.

Introdução
O exame de urina de rotina está entre os exames de maior solicitação
pelos médicos. A análise física, química e microscópica da urina é fre-
quente nos laboratórios de análises clínicas em razão da sua capacidade
de refletir a função renal e possibilitar o acompanhamento de doenças
do trato urinário.
Neste texto, você vai aprender como a urina é formada nos néfrons,
unidades funcionais do rim. Além disso, você vai identificar os elementos
a serem examinados na urinálise e reconhecer a aplicabilidade do exame
de urina de 24 horas.

Formação da urina e análise física


O sistema urinário desempenha importantes funções em nosso organismo.
Dentre eles, pode-se destacar o equilíbrio ácido-base, a manutenção da pressão
arterial, a produção de hormônios e, principalmente, a excreção de produtos
indesejados do metabolismo. O sistema urinário humano é composto por rins,
ureter, bexiga e uretra. Nos rins, localizam-se os néfrons, unidades funcionais

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de formato tubular que realizam filtração do plasma sanguíneo, secreção e


reabsorção de eletrólitos e moléculas.
A formação da urina no interior do rim é um processo coordenado que
inclui eventos de filtração, reabsorção e secreção. Durante a passagem do
sangue pelos rins, células e macromoléculas como proteínas são filtradas
pelo glomérulo. Água, eletrólitos e moléculas alcançam o túbulo contorcido
proximal, parte metabólica mais ativa do néfron. Nesse segmento, são reab-
sorvidos cerca de 60 a 80% do volume filtrado glomerular, incluindo sódio,
cloreto, potássio, bicarbonato, sulfato, fosfato e moléculas como glicose e
aminoácidos. Além disso, o túbulo contorcido proximal secreta cerca de 90%
dos íons hidrogênio presentes na urina. O filtrado, então, percorre a alça de
Henle, estrutura responsável por reabsorver íons cloreto e sódio sem reabsorver
água simultaneamente. Nesse sítio, há a formação de urina diluída. Por fim,
a urina em formação atinge o túbulo contorcido distal, no qual a atividade
secretora é predominante. A regulação do equilíbrio ácido-base ocorre nesse
segmento do néfron, por meio de reabsorção de sódio e bicarbonato e secreção
de íons hidrogênio e potássio. A urina recém-formada passa então pelo túbulo
coletor em que o excesso de água será reabsorvido pela ação do hormônio
ADH. Após sair do néfron, a urina percorre o ureter, sendo armazenada na
bexiga até ser dispensada pela uretra.
A urina, produto da excreção renal, é um líquido corporal formado no
interior dos néfrons e a análise da sua composição é amplamente utilizada na
prática médica para a avaliação da função renal. Nesse contexto, a atividade
dos rins de cada indivíduo pode ser analisada por meio do exame de urina de
rotina ou pelo exame de urina de 24 horas. Neste último, é possível dosar o
clareamento de creatinina e calcular a taxa de filtração glomerular.
A urinálise é indicada para:

 auxiliar no diagnóstico de doenças;


 realizar a triagem de uma população quanto a doenças assintomáticas,
congênitas, hereditárias ou de origem renal;
 monitorar a evolução de uma doença;
 monitorar a efetividade ou as condições de terapia.

Nos laboratórios de análises clínicas, o exame de urina de rotina é realizado


em três etapas. Primeiramente, realiza-se a análise física da urina, na qual as
propriedades físicas como cor, aspecto, odor e densidade serão avaliadas. Em
seguida, é realizada a análise química ou a pesquisa de elementos anormais.
Nessa etapa há a determinação de pH, proteínas, glicose, corpos cetônicos,

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sangue, bilirrubina, urobilinogênio, nitrito e leucócito esterase. As análises


químicas podem ser feitas por meio da interpretação da tira reagente ou por
métodos automatizados. Por fim, a sedimentoscopia ou a análise microscópica
busca por elementos figurativos presentes no sedimento urinário. Como o
próprio nome sugere, o exame microscópico pode ser realizado manualmente
por meio da visualização e da contagem das estruturas no microscópio óptico,
ou pode ser realizado com o auxílio de equipamentos.

Análise física da urina


A análise física constitui a primeira etapa da examinação da urina. Nessa
fase, são levados em consideração os seguintes aspectos:
Cor: a urina normal apresenta coloração amarelada, resultado da eliminação
de três pigmentos: urocromo (amarelo), uroeritrina (vermelho) e urobilina
(laranja). No entanto, pode-se observar na prática laboratorial amostras de
urinas com cores variadas. Dentre elas, destacam-se:

 Urina incolor ou amarela pálida: é um indicativo de diluição da urina.


É encontrada após consumo excessivo de líquidos, poliúria, diabetes
melito, diabetes insípido, doenças renais com baixa capacidade de
concentrar urina e hipercalcemia sem desidratação.
 Urina amarela escura ou laranja: sugere concentração da urina. É
geralmente encontrada em condições como desidratação, febre, queima-
duras e uso de medicamentos como rifocina, nitrofurantoína e derivados
de piridina. Também é comum em indivíduos cuja alimentação apresenta
excesso de carotenoides.
 Urina vermelha ou rosa: indica presença de sangue ou pigmentos
derivados do anel heme da hemoglobina. Adicionalmente, alguns ali-
mentos ou drogas podem tornar a urina avermelhada. Contaminação
durante a coleta da amostra pelo fluido menstrual também pode gerar
urina de cor vermelha.
 Urina de cor âmbar: sugere presença de bilirrubina. É frequente em
pacientes com patologias hepáticas. A urina pode conter bilirrubinas
em razão de alterações no metabolismo de pigmentos biliares.
 Urina marrom ou preta: é sugestivo da presença de melanina. Ocorre
principalmente nos casos de melanoma. Pode ocorrer também em razão
de oxidação das hemácias, presença de mioglobina, envenenamento
com fenol e uso do medicamento metronidazol.

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 Urina verde ou azul: indica a presença de corantes. É frequentemente


encontrada em pacientes em uso de antissépticos urinários que contêm
azul de metileno ou fenol. Urinas azuladas também podem ser obtidas
em infecções do trato urinário por Pseudomonas spp.

Aspecto: análise do grau de transparência da amostra de urina. A urina


normal recém-coletada é transparente, podendo apresentar certa opacidade em
razão da precipitação de cristais e/ou muco. Urinas turvas indicam excesso de
elementos figurados como bactérias, leveduras, leucócitos, hemácias, cilindros,
cristais e/ou material fecal. Amostras coletadas fora da recomendação também
podem apresentar turvação. Nesse caso, a urina pode apresentar contaminantes
externos como talcos, cremes e outros.
Odor: normalmente, a urina tem um odor característico, sui generis, em
razão da presença de ácidos voláteis. Entretanto, é comum encontrar amostras
de urina com o cheiro anormal, fato este que pode sugerir condições patológicas
ou armazenamento inadequado. Dentre os odores frequentes em amostras de
urina, pode-se destacar:

 Amoniacal: odor amoniacal é causado pela degradação da ureia por


bactérias. É sugestivo de má conservação da urina, amostra envelhecida
ou infecção do trato urinário.
 Pútrido: a urina apresenta mau cheiro e é fortemente sugestivo de
infecção urinária.
 Cetônico ou frutoso: a presença de corpos cetônicos na urina causa tal
odor. É muito comum encontrar odor cetônico em amostras de pacientes
com diabetes descompensado.

Densidade: nessa análise física, mede-se a proporção de solutos presente na


amostra de urina. A medida da densidade é usada para a obtenção de informa-
ções sobre o estado de hidratação do paciente, a capacidade concentradora ou
diluidora renal e a presença de solutos na urina. A densidade normal da urina
situa-se entre 1,010 a 1,030. Uma densidade baixa é encontrada na urina diluída
e na urina de pacientes com diabetes insípido. Já uma densidade elevada pode
ser encontrada em amostras de urina de indivíduos com diabetes melito, em
razão da presença de glicose. De forma geral, alterações na densidade podem
ser observadas em amostras de pacientes com doenças renais que podem
provocar alterações na concentração da urina.

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Análise química e microscópica da urina


Após a análise física da urina, realiza-se a examinação dos componentes
químicos e microscópicos da amostra. Durante a análise química, é importante
a determinação dos seguintes parâmetros:
pH: a medida do pH urinário permite a avaliação do equilíbrio ácido-base
do organismo. O pH normal situa-se entre 5 e 6. Variações de pH podem ser
observadas em condições patológicas e em casos de má conservação da amos-
tra. Um pH alcalino, por exemplo, pode indicar armazenamento inadequado
da urina, sendo obtido por meio da transformação da ureia em amônia. Já o
pH alcalino em amostras frescas é indicativo de infecções no trato urinário,
alcalose metabólica ou hiperventilação respiratória. Ao contrário, o pH ácido é
observado nos estados de acidose metabólica, inanição, diarreia grave, diabetes
melito e anormalidades na secreção e na reabsorção de ácidos e bases pelos
túbulos renais. Adicionalmente, fatores alimentares podem provocar variações
na medida do pH urinário. Indivíduos com alimentação rica em proteínas e
carne geralmente apresentam urina mais ácida, ao passo que vegetarianos
têm tendência a apresentar uma urina mais alcalina, em razão do bicarbonato
proveniente de frutas e vegetais.
Proteínas: permite avaliar a perda urinária de proteínas que acompanha
frequentemente as nefropatias. A urina normal apresenta uma quantidade
muito pequena de proteínas, que, por sua vez, não é detectada pela maioria
dos regentes utilizados. A proteinúria é sugestiva de lesão na estrutura glome-
rular do néfron, indicando deficiência deste em filtrar corretamente proteínas
plasmáticas e outras macromoléculas.
Glicose: a presença de glicose na urina, ou glicosúria, auxilia o diagnóstico
de diabetes melito e diabetes renal, condição esta em que há a diminuição
da reabsorção de glicose nos túbulos renais. Em condições fisiológicas não é
comum encontrar glicose na urina.
Cetonas: a cetonúria, isto é, a presença de corpos cetônicos na urina, é
um achado laboratorial frequente no estado de cetose. A expressão corpos
cetônicos se refere a três produtos intermediários do metabolismo de lipídeos:
ácido acetoacético, ácido β-hidroxibutírico e acetona. A identificação de
cetonas na urina é comum em casos de diabetes descompensada.
Bilirrubina: a presença de bilirrubina na urina permite o diagnóstico de
icterícias e hepatopatias. Em condições fisiológicas não é normal encontrar
bilirrubina em amostras urinárias.
Urobilinogênio: o urobilinogênio é um pigmento originado por meio da
degradação da bilirrubina pelas bactérias intestinais. Parte do urobilinogênio

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é reabsorvido no intestino e excretado pela urina. Em condições patológicas


como em hepatopatias e hemólise (causa icterícia), há a elevação do urobili-
nogênio na urina.
Sangue: a hematúria, ou seja, a presença de sangue na urina, é um achado
laboratorial que auxilia no diagnóstico e no acompanhamento de lesões de
origem pré-renal, renal (túbulos do néfron) e pós-renal; de hemoglobinúrias
(hemoglobina na urina), que acompanham as doenças hemolíticas; e de mio-
globinúrias (mioglobina na urina), que acompanham as lesões musculares.
Nitrito: a identificação de nitrito na urina sugere a presença de bactérias
redutores do nitrato, principais causadoras de infecções urinárias. No entanto,
a pesquisa de nitrito negativa não descarta a possibilidade de infecção urinária,
visto que alguns micro-organismos não redutores do nitrato também podem
provocar patologias do trato urinário.
Leucócito esterase: leucócito esterase é uma enzima presente nos grânulos
azurófilos dos leucócitos que pode ser detectada por meio da tira reagente. A
pesquisa positiva auxilia no diagnóstico de patologias de natureza infecciosa
no trato urinário.
Após a examinação dos componentes químicos urinários, realiza-se a
sedimentoscopia, ou seja, a análise dos elementos microscópicos da urina. A
análise do sedimento urinário é feita por meio da centrifugação da amostra
seguida de observação, identificação e quantificação dos elementos figurativos,
como hemácias, leucócitos, células epiteliais, cilindros, cristais, bactérias e
leveduras. Dessa forma, nesta etapa, analisa-se:
Hemácias: em condições fisiológicas, baixos números de hemácias podem
ser encontrados na urina. São visualizadas no formato de disco bicôncavo,
sem núcleo e com diâmetro de cerca de 7 micra. Hemácias dismórficas, isto
é, com formato atípico apresentando projeções, vesículas ou mesmo estando
fragmentadas, são indicativas de hematúria de origem glomerular. A presença
de hemácias com alterações morfológicas no sedimento urinário merece
investigação profunda da função renal.
Leucócitos: assim como as hemácias, os leucócitos em baixos números
podem ser encontrados no sedimento urinário em condições fisiológicas. A
maioria dos leucócitos na urina são polimorfonucleares neutrófilos. Estes
se apresentam como células redondas, um pouco maiores que as hemácias,
repletas de grânulos citoplasmáticos. A visualização de grande quantidade de
leucócitos é sugestiva de infecção urinária. Nesses casos, geralmente pode-se
observar também um número elevado de bactérias.
Células epiteliais: a presença de células epiteliais no sedimento urinário
é um achado laboratorial normal. Elas estão presentes na urina em razão da

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descamação do epitélio urogenital no momento da coleta. Três tipos de células


epiteliais podem ser encontrados na sedimentoscopia: células epiteliais esca-
mosas, células do epitélio de transição e células do epitélio renal.
Cilindros: estrutura mucoproteica de formato cilíndrico que se forma no
interior dos túbulos renais. Os cilindros são formados a partir da secreção da
proteína de Tamm-Horsfall pelas células epiteliais tubulares e sua estrutura
característica reflete o formato da luz do túbulo. São elementos exclusivamente
renais e sua aparência varia de acordo com os materiais que estão transitando
pelo túbulo renal no momento de sua formação e pelo período de tempo que
eles permanecem no túbulo. Dessa forma, podemos ter:

 Cilindros hialinos: formados pela polimerização da proteína de Tamm-


-Horsfall, portanto, se apresentam como estruturas claras, semitrans-
parentes, incolores e com refringência semelhante ao meio. São o tipo
de cilindro mais frequentemente encontrado em amostras de urina e só
tem significado clínico quando em número elevado, podendo significar
glomerulonefrite, pielonefrite ou doença renal crônica.
 Cilindros celulares: são formados pela aglutinação de elementos ce-
lulares presentes na luz tubular, à matriz proteica. Nesse contexto,
podemos ter:
 Cilindros hemáticos: têm hemácias agregadas à estrutura cilíndrica
mucoproteica. É um indicativo de sangramento no interior do néfron.
Pode estar presente na glomerulonefrite e na nefrite lúpica.
 Cilindros leucocitários: constituídos de leucócitos aprisionados na
matriz proteica. É sugestivo de infecção ou inflamação no interior do
néfron. Em casos de pieolonefrite, é um achado laboratorial frequente.
 Cilindros epiteliais: são aqueles que contêm células epiteliais dos
túbulos renais no interior da matriz proteica. Sua presença no sedimento
urinário pode indicar lesão tubular.
 Cilindros granulosos: estruturas que apresentam granulações em seu
interior em razão da desintegração dos componentes celulares presen-
tes anteriormente. As granulações podem ser finas ou grosseiras. A
presença de cilindros granulosos na sedimentoscopia significa estase
do fluxo urinário.
 Cilindros céreos: esses cilindros são muito refringentes e apresentam
fissuras características. São formados pela degeneração do material
granular presente anteriormente. É um forte indicativo de estase do
fluxo urinário.

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 Cristais: variações de pH, temperatura e concentração urinária alteram


a solubilidade de sais presentes na urina. Consequentemente, estes se
precipitam e formam sais. Eles são frequentemente encontrados no
sedimento de urina e raramente têm significado clínico. Os cristais
urinários podem ser classificados de acordo com a acidez da urina.
Portanto, podemos ter cristais de urinas ácidas como urato amorfo,
cristais de ácido úrico e oxalato de cálcio; e cristais de urinas alcalinas,
a exemplo de fosfato amorfo, fosfato triplo, biurato de amônio, fosfato
de cálcio e carbonato de cálcio. Adicionalmente, podemos encontrar
cristais de origem iatrogênica, ou seja, formados a partir do uso de me-
dicamentos. Cristais anormais formados a partir de defeitos metabólicos
e que podem ser indicativos de patologias diversas incluem cristais de
cistina, tirosina, leucina, colesterol e bilirrubina.
 Flora bacteriana: é normal encontrar bactérias no sedimento urinário.
Elas podem aparecer como cocos ou bastonetes e têm movimento no
exame a fresco. Flora bacteriana aumentada sugere infecção no trato
urinário. No entanto, é importante ter em mente que somente o número
elevado de bactérias na urina não é suficiente para diagnosticar tal con-
dição. A grande quantidade de micro-organismos na sedimentoscopia
só é significativa em associação com sintomas e sinais clínicos ou em
gestantes e pacientes imunossuprimidos.
 Muco: material constituído de mucoproteínas de baixo peso molecular
que atravessam a membrana glomerular. Tem aparência filamentosa ao
microscópio. Não tem significado clínico.

Exame de urina de 24 horas


O exame de urina de 24 horas é requisitado quando almeja-se obter informações
a respeito do clareamento de creatinina pelos rins e/ou para a dosagem da
proteinúria. O clareamento de uma substância presente no plasma corresponde
ao volume de plasma clareado, depurado ou eliminado dessa substância por
um volume dado de urina, em um determinado tempo. A substância a ser
utilizada para essa medida deve ser completamente filtrada pelo glomérulo e
não deve sofrer reabsorção, secreção e metabolização pelos túbulos renais. A
creatinina é o marcador endógeno que obedece tais requisitos, sendo, portanto,
a substância mais utilizada para essa avaliação. Por meio do clareamento,
se avalia o ritmo de filtração glomerular. O resultado do exame de ritmo

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de filtração glomerular é expresso em mL/min/1,73 m 2 (1,72 m2 = valor da


superfície corporal média).
De forma geral, esse exame informa a capacidade de excreção renal a partir
da eliminação de creatinina, ou seja, o quanto de creatinina o rim consegue
filtrar ao longo de um período de 24 horas. Dessa forma, diferentemente do
exame de urina de rotina, todo o volume urinário excretado pelo paciente
durante 24 horas deve ser coletado em frasco adequado e armazenado devida-
mente. Como esse exame é coletado durante o período de um dia, minimiza-se
consideravelmente variantes comportamentais como ingestão excessiva de
água antes da coleta e dieta diferente da habitual. Dessa forma, esse exame
reflete a função renal de forma homogênea, sem interferências de alterações
do metabolismo biológico durante o ciclo circadiano. Entretanto, pelo fato de a
coleta ocorrer fora do laboratório e depender quase exclusivamente da correta
execução do paciente, esse exame pode apresentar muitos erros pré-analíticos.
Portanto, apesar de ser um exame muito bom para a avaliação da função
renal, recomenda-se o uso de fórmulas que utilizam a dosagem de creatinina
plasmática para calcular a taxa de filtração glomerular e o clareamento de
creatinina de forma mais confiável.
O exame de urina de 24 horas também pode ser aplicado para a dosagem de
proteínas na urina. Atualmente, esse exame é considerado padrão ouro para a
determinação da proteinúria, desde que a amostra seja coletada corretamente. A
dosagem de proteínas na urina é um exame rotineiro no laboratório de análises
clínicas e é solicitado quando há a suspeita de lesão glomerular e/ou doença
renal. Como a albumina é a proteína mais abundante no plasma sanguíneo, é
comum utilizar a palavra albuminúria para se referir ao acúmulo anormal de
proteínas na urina. Nesse contexto, uma microalbuminúria se refere a uma
proteinúria branda, caracterizada por baixos níveis de albumina urinária.
Similarmente, uma macroalbuminúria é relacionada a uma alta concentração
de albumina na urina.
Uma proteinúria positiva pode ser transitória e um achado insignificante,
ou pode ser uma indicação inicial de uma lesão renal. Diariamente, cerca de
170 l de plasma sanguíneo são filtrados através da membrana basal glomerular.
As proteínas são retidas, com exceção daquelas de baixo peso molecular que
estarão no filtrado primário. As células do túbulo contorcido proximal são
responsáveis pela reabsorção ou pela degradação dessas proteínas.
É possível verificar uma proteinúria fisiológica da ordem de 50 mg/24
horas. Cerca da metade dessas proteínas correspondem às proteínas de Tamm-
-Horsfall, que, como abordado anteriormente, são glicoproteínas secretadas
pelas células tubulares e também são conhecidas como uromucoides. Aproxi-

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madamente 30% corresponde à albumina. Globulinas também são verificadas


na proteinúria fisiológica. A partir desse valor (50 mg de proteínas/24 horas),
uma proteinúria patológica pode ser observada. É importante ressaltar que a
presença de proteínas na urina pode ser de origem renal e não renal. Dessa
forma, podemos ter:
Proteinúria benigna: originada a partir de condições fisiológicas, não
associadas com morbidade. Exercícios físicos rigorosos, gravidez, estresse
emocional, hipertensão arterial ou mesmo posição ortostática no momento
da coleta podem causar proteinúria de caráter transitório. Tais condições mo-
dificam o fluxo sanguíneo renal, provocando maior aporte sanguíneo dentro
do glomérulo. A proteinúria benigna também pode ter caráter idiopático,
ou seja, sem razão conhecida. Esse tipo de proteínuria é muitocomum em
crianças e adultos jovens assintomáticos. É provável que este seja um efeito
fisiológico ou funcional, uma vez que os pacientes estão em uma faixa etária
de hiperatividade.
Proteinúria por sobrecarga: é causada por uma superprodução de pro-
teínas plasmáticas de baixo peso molecular, que são filtradas pelo glomérulo.
A quantidade de proteínas no filtrado ultrapassa a capacidade de reabsorção
destas pelos túbulos renais, gerando eliminação de proteínas na urina. Exemplo:
proteinúria de Bence Jones, caracterizada pela excreção de cadeias leves de
imunoglobulinas. É comum observar essa condição em pacientes com mieloma.
Proteinúria tubular: lesão nos túbulos renais prejudica a reabsorção de
proteínas de baixo peso molecular.
Proteinúria glomerular: forma mais grave de proteinúria. Causas pato-
lógicas como glomerulonefrites, glomerulonefrose, diabetes melito e lúpus
eritematoso causam um aumento na permeabilidade glomerular às proteínas,
principalmente à albumina, proteína mais abundante no plasma sanguíneo.
Na proteinúria de origem glomerular pode-se verificar uma perda de 3 a 6 g
de proteínas por dia. Esse tipo de proteinúria requer atenção especial, uma
vez que tal condição antecede a insuficiência renal.
Geralmente, espuma abundante em amostras de urina é indicativo de
presença de proteína acima dos níveis fisiológicos. É importante ressaltar
que todas as análises realizadas no exame de urina de rotina, ou seja, análises
física, química e microscópica, também podem ser feitas em uma alíquota da
amostra de urina de 24 horas.

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No link a seguir, você pode calcular o seu clareamento


renal de creatinina por meio dos seguintes dados:
concentração de creatinina plasmática, idade, peso,
gênero e raça (SOCIEDADE...., 2017).

https://goo.gl/gNX9wk

A análise laboratorial da amostra de urina de rotina é realizada em diversas


etapas e todas elas são importantes para a correta avaliação da função renal e
para o auxílio diagnóstico de patologias. Adicionalmente, a análise da amostra
da urina de 24 horas é essencial para uma examinação mais detalhada da
atividade fisiológica dos rins, sendo possível obter informações sobre a depu-
ração de creatinina, a taxa de filtração glomerular e a proteinúria de 24 horas.

Doença Renal Crônica (DRC)


Segundo a National Kidney Foundation (EUA) (2013), a Doença Renal Crônica é um
termo geral para um conjunto de doenças heterogêneas que afetam a estrutura e a
função dos rins, tendoapresentação clínica variável a depender da causa, da severidade
e da velocidade da progressão da doença.
O diagnóstico da DRC é realizado a partir de alterações na taxa de filtração glomerular
e e/ou presença de marcadores de dano renal por um período de tempo determinado.
Nesse contexto, um ritmo de filtração glomerular menor que 60ml/min/1,73m2 por três
meses é suficiente para a constatação da DCR. De forma similar, achados laboratoriais
como albuminúria, presença de dismorfismo eritrocitário e/ou cilindros hemáticos na
sedimentoscopiae alterações nos níveis séricos ou urinários de eletrólitos pelo mesmo
período de tempo concluem o diagnóstico de DRC.
Anormalidades da estrutura renal detectadas em exames de imagem e história de
transplante renal também são achados significantes no momento da conclusão do
diagnóstico.

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1. Os rins desempenham importantes corretamente a alteração na cor da


funções biológicas e contribuem urina com a sua possível causa.
para a homeostasia do organismo. a) Urina amarela/alaranjada:
Assinale a alternativa que sugestivo de desidratação.
apresenta corretamente as Também pode ser encontrada
principais funções dos rins. em amostras de urina de
a) Excreção dos produtos indivíduos com alimentação
indesejados do metabolismo, rica em carotenoides, como
produção de células sanguíneas cenoura e mamão.
e manutenção do equilíbrio b) Urina âmbar: causada pela
ácido-base e da pressão arterial. presença dos pigmentos
b) Produção de hormônios, urocromo, uroeritrina e urobilina.
manutenção do equilíbrio c) Urina avermelhada: sugere
ácido-base e da pressão arterial a presença do pigmento
e excreção dos produtos bilirrubina. Também
indesejados do metabolismo. pode ser encontrada em
c) Produção de células sanguíneas, casos de contaminação
manutenção da pressão pelo fluido menstrual no
arterial, participação no momento da coleta.
metabolismo de lipídeos e d) Urina marrom ou preta: causada
produção de hormônios. pela presença de corantes
d) Excreção dos produtos oriundos de medicamentos
indesejados do metabolismo, antiglicemiantes orais.
manutenção do equilíbrio e) Urina azul ou verde: sugestivo
ácido-base e da pressão de infecções urinárias
arterial e participação no por Escherichia coli.
metabolismo de lipídeos. 3. O diabetes melito é uma patologia
e) Produção de hormônios, no metabolismo de carboidratos que
manutenção da pressão causa alterações nas características
arterial, excreção dos físicas e químicas da urina. Assinale a
produtos indesejados do alternativa que indica corretamente
metabolismo e participação os principais achados que auxiliam
no metabolismo de lipídeos. no diagnóstico de diabetes melito.
2. O exame físico da urina compreende a) Urina concentrada, cor alaranjada
a análise de características como cor, e densidade urinária alta. É
odor, aspecto e densidade. Amostras possível identificar uma alta
de urinas podem apresentar cores concentração de glicose e
variadas de acordo com a condição proteínas no exame químico.
fisiopatológica do paciente. Assinale b) Urina diluída, cor amarela pálida
a alternativa que correlaciona ou incolor e densidade baixa.

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No exame químico, é comum 5. O exame de urina de 24 horas


encontrar glicosúria e proteinúria. é requisitado quando se deseja
c) Urina concentrada, cor alaranjada obter informações a respeito do
e densidade da urina alta. No clareamento de compostos pelos
exame químico, há a presença rins e/ou para a dosagem da
de glicose e corpos cetônicos. proteinúria. Em relação a esse exame,
d) Urina diluída, cor amarela assinale a alternativa correta.
pálida ou incolor e densidade a) A amostra de urina para a
baixa. No exame químico. é realização desse exame é
possível identificar corpos obtida por meio da coleta
cetônicos e proteínas. de todo o volume urinário
e) Urina diluída, cor amarela excretado pelo paciente em
pálida ou incolor e densidade um período de 24 horas.
da urina alta. No exame b) O exame é solicitado para
químico, é comum encontrar a avaliação de depuração
glicosúria e cetonúria. ou clareamento de ureia
4. A análise do sedimento urinário é plasmática pelos rins.
uma etapa importante na urinálise c) O exame de urina de 24 horas,
que permite a identificação e diferentemente do exame de
a quantificação de elementos urina de rotina, sofre poucas
figurados. Dentre os componentes interferências pré-analíticas.
que podem ser visualizados d) O valor de referência para a
no microscópio, qual deles é proteinúria dosada a partir
exclusivamente de origem tubular? do exame de urina de 24
a) Cristais. horas é 75 mg/24 horas.
b) Muco. e) O ritmo de filtração glomerular
c) Cilindros. é avaliado por meio da
d) Hemácias. dosagem de proteínas na
e) Leucócitos. amostra de urina de 24 horas.

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14 Avaliação laboratorial da urina

Referência

SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA. Calculadoras. São Paulo, 2017. Disponível


em: <https://sbn.org.br>. Acesso em: 21 nov. 2017.

Leituras recomendadas
BURTIS, C.A; ASHWOOD, E.R.; BRUNS, D. Tietz: fundamentos de Química Clínica. 6. ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
CARNEIRO, E. C. R. L.(Org.). Estadiamento e progressão da DRC. São Luís, 2016.
ECHEVERRY, G.; HORTIN, G. L.; RAI, A. J. Introduction to urinalysis: historical perspectives
and clinical application. In: RAI, A. J. (Ed.) The Urinary Proteome: methods and protocols.
New York: Humana Press, 2010. p. 1-12.
HARDY, P. E. Urinalysis interpretation. Neonatal Netw, New York, v. 29, n. 1, p. 45-49,
2010. doi:10.1891/0730-0832.
KIRSZTAJN, G. M. Avaliação do ritmo de filtração glomerular. Jornal Brasileiro de Patologia
e Medicina Laboratorial, Rio de Janeiro, v. 43, n. 4, p. 257-264, 2007.
MUNDT, L. A.; SHANAHAN, K. Graff’s textbook of routine urinalysis and body fluids.
Philadelphie: Lippincott Williams & Wilkins, 2010.
NATIONAL KIDNEY FOUNDATION. Clinical Practice Guideline for Lipid Management
in Chronic Kidney Disease. Kidney International Supplements, Cranford, v. 3, n. 3, 2013.

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