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Registro: 2021.

0000411646

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Cível


nº 2088963-18.2021.8.26.0000, da Comarca de Araçatuba, em que é
impetrante D. P. DO E. DE S. P. e Paciente M. D. C. (MENOR).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial


do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
Denegaram a ordem. V. U., de conformidade com o voto do relator, que
integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIS


SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE) (Presidente sem voto),
MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E
DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 28 de maio de 2021.

GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL)


Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº 49.344
HABEAS CORPUS Nº 2088963-18.2021.8.26.0000
Comarca: Araçatuba (Execução de Medidas Socioeducativas nº
0003223-64.2020.8.26.0032)
Juízo de Origem: 2ª Vara das Execuções
Impetrante: Defensoria Pública
Paciente: M. D. C.

HABEAS CORPUS Infância e Juventude Atos infracionais


equiparados aos crimes de roubo e roubo majorado Medida
socioeducativa de internação Pedido de extinção da medida ou sua
conversão em liberdade assistida Relatório da Fundação CASA
favorável à substituição da medida de internação por liberdade
assistida Manutenção da internação Atos infracionais graves
Circunstâncias dos fatos e condições pessoais do adolescente que
evidenciam a necessidade da continuidade da internação Ausência
de ilegalidade Decisão fundamentada Magistrado que não está
adstrito à conclusão de relatórios emitidos pela unidade de internação
ou qualquer outro órgão auxiliar da justiça Aplicabilidade do
princípio do livre convencimento Inteligência da Súmula nº 84, do E.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Ausência de violação a
quaisquer dos princípios e diretrizes socioeducativas aplicáveis à
espécie Constrangimento ilegal não configurado Ordem denegada.

VISTOS.

A Defensoria Pública impetra ordem de


habeas corpus em favor de M. D. C., adolescente
com 14 anos de idade, que foi responsabilizado pela
prática de atos infracionais equiparados a roubo e
roubo majorado e se encontra em cumprimento de
medida socioeducativa de internação (Execução de
Medidas Socioeducativas nº

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0003223-64.2020.8.26.0032, da 2ª Vara das


Execuções da Comarca de Araçatuba).
Aduz a impetrante, em síntese, estar o
paciente sofrendo constrangimento ilegal, pois, não
obstante o parecer técnico favorável à substituição
da medida de internação por liberdade assistida (fls.
65/68) e manifestação da defensoria pela extinção
ou designação de audiência (fls. 107/108), o MM.
Juízo a quo houve por bem manter a internação (fls.
110/112).
Alega, assim, que o r. decisum, a um
só tempo: a) contrariou as conclusões alcançadas no
relatório oferecido pelo setor técnico da Fundação
CASA; b) deixou de aplicar à hipótese concreta os
comandos normativos da Lei nº 12.594/12 (Lei do
SINASE), e do ECA; e c) ofende os princípios da
brevidade e excepcionalidade.
Argui, ainda, “quanto à prática da
falta disciplinar, além da nulidade da r. decisão
porquanto não determinou a designação de
audiência para oitiva do adolescente, não poderia
ter sido levada em consideração, pois praticada
após o encaminhamento de relatório conclusivo” (fl.
03).

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Por isso, pleiteia o deferimento de


liminar e, ao final, a concessão da ordem “para
cassar a decisão de primeiro grau que determinou
a continuidade da medida de internação,
extinguindo-a ou, de modo subsidiário, aplicando
medida em meio aberto” (fl. 07).
Indeferida a liminar e dispensadas as
informações (fls. 120/128), em seu parecer, a douta
Procuradoria Geral de Justiça opinou pela
denegação da ordem (fls. 137/146).

É o relatório.

Extrai-se dos autos que o paciente


cumpre medida socioeducativa de internação, em
virtude da prática de atos infracionais equiparados
aos crimes de roubo e roubo majorado, sendo que a
execução das medidas foi unificada, nos termos do
artigo 45 da Lei nº 12.594/2012 (fls. 09/10 e 27).
Segundo consta, não obstante a
existência de relatório conclusivo, da Fundação
CASA, pela substituição da medida de internação
por liberdade assistida (fls. 65/68) e manifestação
da defensoria pela extinção (fls. 107/108), entendeu

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o MM. Juízo a quo ser o caso de se manter a medida


socioeducativa de internação (fls. 110/112).
Pretende a defesa “a extinção da
medida socioeducativa de internação do paciente
ou, subsidiariamente, a substituição pela medida
de liberdade assistida” (fl. 07).
Ab initio, anoto que, embora haja
previsão de recurso específico contra a decisão em
tela, entendo deva ser relativizada tal regra para
admitir-se o exame da matéria ora versada pela via
estreita e célere do habeas corpus.
Contudo, reputo ser o caso de se
denegar a ordem.
Compulsados os presentes autos,
apura-se que, a despeito da existência de relatório
da equipe técnica da Fundação CASA sugerindo a
substituição da medida de internação por liberdade
assistida (fls. 65/68) e manifestação da defensoria
pela extinção (fls. 107/108), o MM. Juízo a quo
houve por bem conservar a internação aplicada ao
reeducando, invocando, para tanto, os seguintes
fundamentos, verbis:
“(...) Não é caso de extinção da medida
socioeducativa, tampouco de sua substituição.

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Apesar de a brevidade nortear a medida de


internação e existir relatório técnico favorável ao
adolescente, que se encontra internado há 1 ano,
entendo que ele deve ser melhor avaliado e
observado, dada a gravidade do ato infracional
que praticara, consistente ato equiparado ao
delito de roubo e, primordialmente, em razão da
recente prática de falta disciplinar. Quanto à
falta disciplinar, restou comprovado que o
adolescente, após discussão com outro interno,
praticou agressões físicas contra o outro
adolescente, as quais resultaram na perda de um
dente (fls. 94), restando caracterizada a prática
de infração de natureza grave. Demonstradas
estão, pois, a periculosidade do adolescente e a
necessidade de um maior tempo de observação por
meio da internação, para seu próprio bem e para
garantia da segurança da sociedade. Ademais,
tenho que ao Juiz é permitido rejeitar o laudo
pericial quando haja motivo para tanto, não
estando vinculado ao que nele é sugerido. É o que
ocorre na hipótese destes autos, porquanto a
gravidade do ato infracional, somada à prática
da falta grave, demanda um período de tempo
maior para melhor avaliação do adolescente,
certo que o tempo já cumprido de internação, ao
meu ver, não leva à conclusão de que ele está apto
para retornar ao convívio social. (...) Quanto aos
requerimentos formulados pela Defensoria
Pública, ressalto que o contraditório para
aplicação da sanção disciplinar foi devidamente
observado, de sorte que a autoridade competente

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atribuiu a sanção após garantir a manifestação


da defesa do adolescente. Ademais, a eventual
prática de ato infracional equiparado ao delito de
lesões corporais, com observância do devido
processo legal, será eventualmente apurada em
investigação e processo próprios, o que não
ocorrerá nestes autos. Ante o exposto, com
fundamento no artigo 121, § 2º, do E.C.A.,
mantenho a internação do adolescente M. D. C.”
(fls. 110/112).

E sobredito decisum, além de


suficientemente motivado, nos moldes do disposto
no artigo 93, inciso IX, do Texto Magno e demais
dispositivos legais aplicáveis à hipótese (como se
verifica a partir da simples leitura da transcrição
supra), deu solução jurídica correta ao caso em
análise, devendo, pois, ser conservado.
Desde logo, imperioso registrar que,
pese embora a existência, nos autos do feito
originário, de relatório da equipe técnica da
Fundação CASA sugerindo a substituição da medida
socioeducativa de internação por liberdade assistida
(fls. 65/68), é cediço e inquestionável que, em face
do postulado do livre convencimento motivado, o
Julgador não está adstrito às conclusões externadas

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nos laudos confeccionados pelos órgãos auxiliares


do Juízo, podendo, inclusive, afastá-las, desde que o
faça, fundamentadamente, à luz das especificidades
da causa sub judice (como verificado na presente
sede).
Importante destacar, ainda, que a
atividade desenvolvida no processo de execução é
jurisdicional e, portanto, cabe ao Poder Judiciário
proferir decisão final sobre os incidentes ocorridos,
como a extinção, manutenção ou substituição de
uma medida socioeducativa.
A propósito, de tão pacífico tal
entendimento, este Egrégio Tribunal editou a
Súmula nº 84, que dispõe, litteris: “O juiz, ao
proferir decisão na execução da medida
socioeducativa, não está vinculado aos laudos da
equipe técnica”.
Por outro lado, é fato que a gravidade
dos atos infracionais praticados pelo adolescente
análogos aos crimes de roubo e roubo majorado
pode (e deve) ser considerada ao longo da supervisão
e acompanhamento judicial da medida
socioeducativa, reclamando, inclusive, maior
cautela, por parte do MM. Juízo a quo, no tocante à

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decisão acerca da extinção da internação ou sua


substituição por liberdade assistida.
Acresce ponderar, também, a
circunstância de o paciente, recentemente, ter se
envolvido em grave ato de indisciplina (praticou
agressões físicas contra outro interno da Fundação,
resultando na perda de um dente - fls. 101/103), o
que é igualmente passível de sopesamento na
atividade judicial de supervisão e acompanhamento
da execução da medida socioeducativa não se
revelando suficiente, para esvaziar referidas
ponderações judiciais, a alegação de que a “prática
de falta disciplinar (...) não poderia ter sido levada
em consideração, pois praticada após o
encaminhamento de relatório conclusivo” (fl. 03).
Outrossim, quanto à alegação de
nulidade do procedimento disciplinar, uma vez que
“não determinou a designação de audiência para
oitiva do adolescente”, como bem observou o d.
Julgador de Primeira Instância, “o contraditório
para aplicação da sanção disciplinar foi
devidamente observado, de sorte que a autoridade
competente atribuiu a sanção após garantir a
manifestação da defesa do adolescente” (fl. 112).

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Em outras palavras, a conjuntura


adrede referida qual seja, apresentar o adolescente
histórico de envolvimento na seara infracional e
atos de indisciplina , a par das demais
circunstâncias indicadas linhas atrás, também
demanda maior prudência do Magistrado ao decidir
sobre a extinção da internação, ou sua substituição
por intervenção mais branda, haja vista a consabida
finalidade ressocializante que norteia e orienta a
aplicação e execução das medidas socioeducativas.
Sendo assim, diante de tal estado de
coisas, ressoa nítida a necessidade de se avaliar, de
maneira mais precisa e duradoura, as condições
pessoais do reeducando e seu progresso psicológico
e educacional (haja vista encontrar-se ele em um
gradativo processo de assimilação de valores) para,
só então, autorizar-se, com a devida prudência, o
abrandamento ou encerramento de seu
acompanhamento por parte do Estado.
Vê-se, pois, em face das considerações
acima externadas, que, in casu, a decisão de
manutenção, por ora, da medida socioeducativa de
internação, longe de violar quaisquer dos comandos
normativos inscritos no Estatuto da Criança e do

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Adolescente, na Lei do SINASE e na Carta da


República, deu, isto sim, correta aplicação a todos
os princípios e diretrizes socioeducativas aplicáveis
à espécie, atendendo, ademais, ao metaprincípio da
proteção integral.
Em suma, afeiçoa-se acertada, na
situação concreta, a manutenção, por ora, da
intervenção socioeducativa de internação, não
havendo cogitar-se, sob quaisquer dos enfoques
abordados pela combativa defesa na petição inicial
do presente writ, da extinção de tal medida ou sua
conversão em liberdade assistida.

Diante do exposto, denego a ordem.

GUILHERME G. STRENGER
Presidente da Seção de Direito Criminal
Relator

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