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COMPREENSÃO DO SUICÍDIO NA VISÃO DE TRÊS CORRENTES

PSICOLÓGICAS: TEORIA PSICANALÍTICA, TEORIA SISTÊMICA E

EXISTENCIAL-FENOMENOLÓGICA

Suicide in understanding of three current visions psychological: theory psychoanalytic,

systemic theory and existencial-phenomenological

Lenir Rodrigues Minghetti1


Lilia Aparecida Kanan2

Recebido em: 16 mar. 2014


Aceito em: 10 dez. 2014

RESUMO: A elaboração do presente artigo objetivou promover uma discussão de cunho


teórico acerca do suicídio. Estudar a morte por suicídio é uma tarefa árdua e difícil, pois é um
tema que gera indiscrições, especulações e expectativas e, principalmente a ansiedade do
pesquisador em contribuir com o desvelar desta realidade, para expondo-la objetivamente por
meio de esclarecimentos, via estudos sistemáticos e científicos para encontrar soluções que
amenizem o seu impacto ou evitem a sua concretização. O suicídio, do ponto de vista
psicológico, é um fenômeno desafiador para diversas correntes teóricas. Contemos de 10 a 15
idéias na cabeça e, ninguém tem muito mais do que isso no pensamento; e giramos
diariamente horas e horas, em função destes 15 pontos. “O que quer dizer que depois de cinco
anos de girar em torno disso, ninguém mais agüenta se ouvir”. Deste modo, o indivíduo,
chega a um ponto de não agüentar mais as idéias, os pensamentos negativos e acaba com a
sua dor, tirando a vida, e assim o suicídio é apensa a confissão de que a existência “não vale à
pena”. Deste modo este artigo apresentará entendimentos do suicídio na visão de três
correntes psicológicas: teoria psicanalítica, teoria sistêmica e existencial-fenomenológica.
Como conclusão é imperativo expor que a psicologia possui recursos técnicos que podem
minimizar as reincidências e o impacto social ocasionado por esta demanda.
PALAVRAS-CHAVE: Vida. Morte. Finitude. Psicologia. Existência.

ABSTRACT: The preparations of this article promote the theory discussion about
suicide. Study the death by suicide is an arduous and difficult task, because it is a topic
that generates indiscretions, speculations, expectations and, especially anxiety
researcher in contributing to the unveiling of this reality, for exposing it objectively
through clarification, via systematic and scientific studies to find solutions to mitigate
their impact or prevent their achievement. The suicide, from a psychological point of
view, is a challenging phenomenon for various theoretical perspectives. Let us count 10
to 15 ideas in mind, and no one has much more than that in thought; and rotate daily

1
Psicóloga; Pós Graduação em Gestão de Recursos Humanos - UNISUL. E-mail:
lenir.minghettipsi@gmail.com.
2
Doutora em Psicologia e professora do curso de Psicologia, da UNIPLAC. E-mail: lak@uniplac.net.

RIES, ISSN 2238-832X, Caçador, v.3, n.2, p. 9-32, 2014.


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hours and hours, according to these 15 points. "What means that after five years to turn
around it, no one else bears to hear." So, the individual comes to a point not take any
more ideas, negative thoughts and ends with their pain, taking the life, so suicide is
attached confession that existence "not worth it". Therefore, this article will present
suicide understanding the vision of three psychological schools, psychoanalytic theory,
systems theory and existential - phenomenological how conclusion is imperative to
expose that psychology has technical resources that can minimize relapses and the
social impact caused by this demand.
Keywords: Life. Death. Finitude. Psychology. Existence.

1 COMPREENSÃO PSICANALÍTICA DO SUICÍDIO

Este artigo é uma breve contextualização do Trabalho de Conclusão de Curso, do


Curso de Psicologia da Universidade do Planalto Catarinense, apresentado como requisito
para obtenção do grau Bacharel em Psicologia. Onde se procurou descrever algumas correntes
psicológicas que estudaram e descreveram o suicídio.

Dentro de uma visão psicanalítica, o suicídio é uma situação psicótica, que pode ser
observada na dinâmica do sujeito suicida, aparecendo fantasias inconscientes primitivas que
corroboram com os fatores desencadeantes do ato suicida. Segundo D’Assumpção,
D’Assumpção, D’Assumpção, Bessa, (1984), nem toda a pessoa que tenha ou cometa o
suicídio é psicótica, mesmo com a sintomatologia carregada de internações, tentativas
anteriores, surtos, etc. A psicose atuaria no suicídio em determinados núcleos e componentes
psicóticos de personalidade, que podem permanecer inativos e neutralizados, porem em
determinados momentos emergem, de modo súbito, brusco e violento, como de modo mais
lento e gradual (D’ASSUMPÇÃO et.al, 1984).

Além das psicoses citadas, Freud, em seus estudos não se interessou com
profundidade pelo problema do suicídio: “ele se ocupou do tema por meio da análise de
alguns casos clínicos para compreender o processo doloroso do luto e os aspectos mais
destrutivos dualismo pulsional” (WERLANG, MACEDO e KRUGER, 2004, p.75).

Freud (1915, apud Werlang et.al, 2004), em seus achados clínicos de identificou
manifestações de desejo suicida em uma tentativa de compreendê-los em associação com os
sintomas dos seus pacientes. Salientou a forma patológica do luto e melancolia, expondo que
o que dá margem a doença, esta além de uma perda por morte, trazendo como co-vilão
sentimentos postos de amor e ódio. Expôs que junto à melancolia, etapas de sadismo estão
presentes, onde este sadismo tende a solucionar o enigma da tendência ao suicídio: “o

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sadismo passa, então, a ser investido contra o próprio eu, identificado com o objeto perdido”
(WERLANG et.al, 2004, p.75).

No luto o indivíduo chora a perda do objeto amado, desejado, porém na melancolia,


segundo Freud (1974, apud Werlang et.al, 2004), o melancólico faz luto de seu próprio eu.
Deste modo, nenhum neurótico com pensamentos de suicídio que não incidam em impulsos
assassinos contra as outras pessoas, que voltem contra si mesmo.

Na visão da melancolia pela psicanálise o ego só pode matar a si mesmo. Após a


segunda guerra Freud (1976, apud Werlang et.al, 2004), pontuou que as pessoas possuem
certo tipo de energia indispensável para por fim a sua vida, vinculada talvez com o desejo de
matar um objeto identificado e, este desejo se volta contra ele próprio, mata-se a si, para não
matar alguém. Freud identificou que os seres humanos são agressivos e destrutivos, inclui
deste modo um dualismo pulsional: a pulsão de vida e pulsão de morte.

Segundo Freud a pulsão de morte possui caráter demoníaco e não pode ser explicado
pelo principio do prazer. A pulsão é objeto da compulsão e repetição e, deste modo o
indivíduo é conduzindo se colocar de forma repetida em situações dolorosas reproduzindo
situações antigas. Laplanche (apud Werlang et.al., 2004, p.77), relata que “a pulsão de está
ligada não só a compulsão e repetição, mas também a noção de principio de Nirvana, ou seja,
a ausência de excitação destacando que a existência de uma pulsão de morte no nível mais
profundo do inconsciente”.

Em 1976, Freud (apud Werlang et.al., 2004) apresentou a idéia de uma instância
psíquica, para que pudesse explicar a culpa, auto-acusação no entendimento da depressão e
melancolia. Em 1923 formula o conceito de superego como funcionamento do inconsciente, e
suas relações com o ego, para melhor compreensão da dinâmica do suicídio.

Para viver, é preciso certa dose de auto-estima e apoio das forças protetoras do
superego. Assim, o medo da morte, na melancolia, acontece quando o ego de desespera,
porque se sente odiado e perseguido pelo superego. O suicídio é uma expressão de que a
terrível tensão, produzida pelo superego, tornou-se insuportável. A perda da auto-estima é tão
completa que toda esperança de recuperá-la e abandonada. O ego percebe-se desamparado
pelo superego e deixa-se morrer (WERLANG et.al. 2004, p.78).

A tensão existente entre o ego e superego é denominada como sentimento de culpa


expressada com a necessidade de punição. O sentimento de culpa para Freud (apud Werlang

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et.al., 2004, p.78), tem duas origens: primeiramente exige-se uma renuncia as satisfações
pulsionais e, em segundo, ao mesmo tempo em que faz isto, requer também uma punição. “O
primeiro sentimento de culpa se expressa no complexo edipiano”.

Para Garma (apud Werlang et.al., 2004), o individuo que comete o suicídio tem seu
objeto de desejo perdido, e assim deseja desaparecer da vida, de igual forma que desapareceu
o seu objeto libidinoso, para direcionar sua agressividade contra si; porem na verdade queria
mesmo era atacar um objeto exterior que se encontra introjetado no seu ego.

Deste modo, Garma (apud Werlang et.al., 2004, p.79), expõe que o suicídio pode
estar relacionado às neuroses infantis e atuais: “na psicogênese do suicídio há motivos atuais
que estimulam o indivíduo a viver a vida como desagradável e motivos infantis que
ocasionaram uma formação masoquista da personalidade”. Menninger (2004, p. 74), destaca
que após a teoria clássica da depressão formulada Freud, tanto a depressão como o suicido
seriam expressões da hostilidade introjetado no inconsciente, vistas quando:

a) For possível mostrar que existe efetivamente um reflexo das tendências


destrutivas sobre o próprio indivíduo, de modo que o seu eu seja tratado como um
objeto externo;
b) For comprovado em exame que pessoas propensas a suicídio são altamente
ambivalentes em seus apegos a objetos, isto é, disfarçam com seus apegos positivas
conscientes grandes e mal dominadas quantidades de hostilidade inconsciente (o
desejo de matar);
c) Em tais indivíduos, o suicídio for efetivamente precipitado por ocasiões de
repetida interrupção nos apegos e objeto.

Para Menninger (2004), a finalidade do suicídio não é a morte como negação da


existência, porém o suicídio é uma fuga da vida, portanto, os motivos para tal não estão na
morte, e sim na vida. Menninger (apud WERLANG et.al., 2004, p.80-81-82) acreditava que
pelo menos três desejos poderiam contribuir para o ato suicida: o desejo de morrer, o desejo
de matar e o desejo de ser morto, estão presentes no suicídio, como exposto na Figura 01:

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Figura 01 – Os três desejos que contribui para o suicida.

Suicídio

O desejo de morrer: existe diferença entre o desejo consciente de morrer (ou não morrer) e
o desejo inconsciente de morrer. No desejo inconsciente e não morrer ou ausência de desejo
de morrer naqueles indivíduos com freqüentes tentativas de suicídio frustrada. O desejo de
morrer está relacionado ao instinto de morte. O desejo consciente de morrer corresponde ao
desejo inconsciente de morrer, sugerindo em relação ao simbolismo comum entre ambos.

O desejo de matar: todo suicídio é um homicídio, um homicídio de si próprio, assim o


desejo de matar seria resultante da destrutividade primária. Deste modo ninguém se mata a
menos que esteja ao mesmo tempo, matando um objeto com quem se identificou, voltando
contra si próprio um desejo de morte antes dirigido contra outrem;

O desejo de ser morto: ser morto é a forma extrema da submissão, assim como matar é a
forma extrema de agressão, desejo de sofrer e de submeter-se à dor e mesmo à morte é
encontrado na natureza da consciência, psicológica. No suicídio o ego precisa sofrer na
proporção direta de sua destrutividade dirigida para fora, os melancólicos raramente matam
alguém além de si próprio, embora seu motivo impulsor seja o desejo de matar outra pessoa.

Fonte: Menninger (2004, p.80-81-82). (Figura adaptada para este estudo).

O suicídio para Freud e Menninger são explicações psicodinâmicas, que nos dias de
hoje, ainda são consideradas marcos para todas as formações de hipóteses acerca do motivo
pelo qual o indivíduo chega a finitude de sua vida (WERLANG et.al, 2004).

Shneidman (apud Werlang et.al., 2004, p.83), classificou a morte como: intencional,
subintencional e não-intencional:

1ª Morte intencional: é uma morte na qual a pessoa desempenha um papel direto e


consciente para efetivá-la;
2ª Morte não subintencional: é aquela na qual o sujeito desempenha algum papel
parcial, coberto ou inconsciente, para apressá-la;
3ª Morte não-intencional: é qualquer morte, seja qual for à causa, devido a um
fracasso biológico ou a um trauma físico, mas independente do exterior e do interior
psicológico.

O suicídio dentro da perspectiva psicanalítica encontra-se ligado a diversos fatores e,


não somente na crença principal de que a depressão é o principal fator:

[...] é uma crença muito difundida que o suicídio ocorre mais freqüentemente ao

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longo do estado depressivo. Vários autores situam o momento de mais perigo a


mudança de depressivo para uma fase hipomaníaca ou francamente maníaca. Isto é
uma realidade, mas o que me parece importante lembrar é que por baixo de todo
estado depressivo mercado por ansiedades carregadas de culpabilidade, auto-
acusações e necessidades de autopunição estão ativos os componentes
esquizoparanóides, caracterizados essencialmente pelas fantasias persecutórias
(NEVES, apud GAMA, 1987, p.103).

Deste modo, Gama (1987), relata que o suicida é um indivíduo perseguido e


intensamente aterrorizado pelas vivências internas e, este sofre um verdadeiro delírio
persecutório. Estes delírios e/ou fantasias de perseguição são muito freqüentes no suicida, o
sujeito vivencia a morte como um obstáculo intransponível colocada entre ele e o perseguidor.
Existe uma diversidade de modelos de fantasias, qual seria praticamente impossível de
percorrê-las, todavia os motivos inconscientes básicos e a própria dinâmicos interna
conduzem o sujeito a tentar se matar. Gama (1987, p. 101), expõe que esta fantasia possui
outras facetas tais como:

A morte é vivenciada como outro lugar, bastante concreto até, para onde se pode
passar e onde as coisas continuarão de algum modo; Perspectiva de um reencontro,
de uma reunião com algum objeto que existiu para o sujeito e foi perdido, objeto
este vivenciado como bom, gratificante ou protetor; Agressão dirigida aos
sobreviventes, como uma punição pelo mal que foi feito aos que morrem.

A consciência da morte é um horizonte que pertence a todo homem, uma distinção


que o difere de outros animais. O enfrentamento com a morte, de certa forma, cogita o sentido
que o homem confere à vida, da qual, a senciência nadificada implica a via que, talvez, o leve
à finitude. Assim, vida e morte mutuamente não se excluem, ao contrário interagem
dialeticamente para constituir as experiências que constroem a vida vivida histórica de um
homem (MINGHETTI, 2010).

Não há vida humana durável a não ser na medida em que esta mantém o respeito pela
morte, o que exige sua “banalização”, e eis aí, sem dúvida, o que distingue fundamentalmente,
no final das contas, o homem do animal, pois este não tem necessidade de domar a morte nem
de ajustar-se a ela, precisamente porque vive uma vida absolutamente vivente, pela qual o ser
humano pode experimentar nostalgia, mas que nela não saberia tomar parte (DASTUR, 2002,
p.77).

O suicídio não é propriamente um fenômeno “de anormalidade mental, mas sim


fenômeno de anormalidade de comportamento em face daquilo constitui o modo costumeiro
de conduta, apoiado pelas crenças de que assim é melhor” (GAMA, 1987, p. 101). Para Freud

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(apud D’Assumpção, 1984, p.183), mesmo sem estudar o suicídio afirmou que a família é o
agente psíquico da sociedade e, não considerou a destrutividade como expressão do instinto
de morte, porém pode estar ligado a ele, como pode ser “um desfio da adaptação sadia, uma
defesa, um meio de controlar o ambiente, de contrastar a frustrações e a ansiedade ou de
afirmar o ego nas situações interpessoais”.

Deste modo deve-se pensar em suicídio em uma perspectiva multicausal como expõe
D’Assumpção et.al (1984, p. 184), “a personalidade, a família e a estrutura social não seriam
sistemas fechados ou entidades separadas e independentes, porém componentes interatuantes
de um todo unificado”. Assim, o suicídio é o resultado de condicionamentos micossociais,
não somente a ocorrência das psiconeuroses e neuroses, pois estas se encontram vinculadas a
todos os tipos de desajustamentos subjetivos, inter-subjetivos e intra-subjetivo e trans-
subjetivo, ocorridas com as personalidades fracas atiradas a dificuldades externas.

Que a morte seja o destino inexorável de todos os seres vivos isto é inquestionável,
tanto quanto que apenas o homem tem a consciência desta como última instância. Para
Aranha e Martins (1986), um fenômeno diferente ocorreu nos últimos setenta anos, resultado
do processo de urbanização dos centros industrializados, onde a grande cidade cosmopolita
impiedosamente destruiu os antigos laços comunitários, para instaurar a fragmentação dos
indivíduos em núcleos dotados de extremo individualismo, com o qual escamoteiam a morte
em face de sua incapacidade em lidar com a vida.

Segundo Teixeira e Buglione (2008), Sigmund Freud ao criar a psicanálise e


formular a hipótese da existência de um inconsciente, alheio a nossa percepção viva do
cotidiano, ou seja, apenas afeto àquilo manifesto em sonhos, atos falhos, chistes ou na
associação livre; o que acabou por colocar em cheque a centralidade do sujeito.

Para Monedero (1978), a morte é, na verdade, um retorno a tranqüilidade do


momento anterior ao nascimento:

No se repiten solo lãs experiências agradables, las mismas experiências


desagradables son igualmente objeto de repeticion. los neuróticos repiten sus
traumas em la realidad. Freud penso que esta obsesión de repetición se debia a que
los instintos actuaban de uma forma esencialmente conservadora. [...] Repetir
situaciones anteriores no es outra cosa que el deseo de volver a las etapas primeras
de la vida. La última expresión sería la vuelta al claustro materno y a La matéria
orgânica de donde procedemos. Esta nostalgia por lo orgânico, e incluso lo
inorgânico que fue al principio, representa el deseo de la absoluta tranquilidad y no
es algo diferente de la muerte (MONEDERO, 1978, p. 36).

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Ao falar de consciente e inconsciente, encontramos as teorias de Sigmund Freud e


sua divisão topográfica da psique (mente), que compreende o consciente, pré-consciente e o
inconsciente. Freud (apud Soloman e Patch, 1975, p.494) apresentou que a personalidade de
um indivíduo é formada por três sistemas principais: id, ego e superego, que estão presentes
na conduta do pensamento e comportamento humano.

- O id é o sistema original da personalidade; é o reservatório de toda a energia


psíquica, opera de acordo com o principio do prazer3 sua característica de
funcionalidade baseia-se no “processo primário do pensamento”.
- O ego é a porção executiva da personalidade, compreendem as porções conscientes
da personalidade, ele é mediador do id e o mundo exterior; lida com o superego,
com as memórias passadas e com as necessidades físicas do corpo, opera de acordo
com o principio da realidade4, o ego utiliza os “processos secundários do
pensamento”.
- O superego é o representante interiorizado daquilo que a pessoa considera ser o
certo e/ou errado, é a porção moral da personalidade. O superego divide-se em duas
partes: a consciência e o ego-ideal. No superego também inclui “muitos dos valores
e tradições básicos da cultura na qual o individuo é criado, conforme a interpretação
dada à criança pelos seus pais e outras Figuras de autoridade”.

Deste modo, para Freud, aquele “eu” consciente, que teoriza, racionaliza, classifica e
estrutura alguma coisa seria apenas uma expressão da nossa totalidade; é o ego. No entanto,
nesta pesquisa sobre o suicídio, entende-se um caminhar para além dele, na busca por um
universo de possibilidades que se encontra em aberto, às vezes em conflito, às vezes oculto,
na dimensão do tempo hodierno e de suas mazelas. Desta forma Monedero (1978), ratifica
Freud ao afirmar que:

La vida del hombre está dominada por dos instintos: el de vida, que le lleva a
caminar hacia adelante realizando cada vez formas vitales nuevas, y el de muerte,
que le lleva hacia trás, a la matéria inorgânica de donde salió; el instinto de
muerte se manifiesta también em la destruccuión de todo aquello que tiene vida
(g.m.) (MONEDERO, 1978, p. 36).

O suicídio para Freud (apud Solomon, Patch, 1975), pode estar relacionado com o
instinto de morte. Em seus estudos, Freud apresenta este instinto como destrutivo, seu
principal objetivo é destruir, reduzir, extinguir tudo o que é vivo em um estado inorgânico, à
morte propriamente dita. A finitude, nestes termos, é o clímax de um fenômeno irredutível e
antecedido por inúmeras outras formas de morte que permearam o tempo de vida; o próprio
nascimento é a primeira morte no sentido de ser a primeira perda, a primeira ruptura, a
primeira separação do seguro ventre da mãe para o enfrentamento de uma nova vida, tal que

3
Grifo do autor: Soloman & Patch, 1975, p.493.
4
Grifo do autor: Soloman & Patch, 1975, p.493.

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sucessivas mortes constituirão a maturação de uma vida como pontua Nietzsche: “O que se
tornou perfeito, inteiramente maduro, quer morrer” (apud ARANHA e MARTINS, 1986,
p.368).

Shneidman (1992) apresentou que o suicido está ligado a três componentes adjunto
ao suicídio: dor, pressão e perturbação, todos sobrecarregam o indivíduo e a única saída é
suicido, homicídio e a psicose. Todavia o suicida não pode ser considerado fora de seu
ambiente familiar e social, tal qual será apresentado no próximo item à visão psicológica para
o suicídio, dentro das correntes sistêmicas de Minuchin e McGoldrick (in WERLANG et.al.,
2004).

2 CONCEPÇÃO SISTÊMICA PARA O SUICÍDIO

Toda pessoa está diretamente ligada aos outros membros de sua família, sociedade e,
deste modo, os problemas individuais não teriam um sentido apenas, mas sim, uma função no
contexto mais amplo de onde surgiram. “A perspectiva sistêmica entende o comportamento
suicida como uma manifestação de um problema familiar e não exclusivamente como
resultado de uma dificuldade individual” (WERLANG et.al., 2004, p.85).

Para Minuchin (1982), o homem não é um ser isolado; ele é um membro ativo de
grupos sociais, tais como a família, o grupo principal, que possui uma organização e estrutura
própria, e qualifica e influencia as experiências dos seus membros. “A família é um sistema
aberto, auto-regulado, com sua história comum, normas e padrões transacionais próprios”
(WERLANG et.al., 2004, p.85).

Deste modo, Minuchin (apud Werlang et.al., 2004, p.85) destaca que;

a) É um sistema que interage com seu ambiente, no qual o comportamento decorre


da interação dinâmica de seus componentes, podendo evoluir de um estado para
outro mais diferenciado (afastado do equilíbrio), tendo uma grande capacidade da
adaptação;
b) é capaz de produzir o surgimento de novas estruturas e de novas formas de
comportamento (auto-organizado);
c) Para compreender este sistema complexo é necessário compreender o que ocorre
em pelo menos três gerações, sendo este o campo operativo em qualquer etapa do
seu desenvolvimento familiar;
d) Possui uma organização expressa em normas e padrões de interação recorrentes
que definem a forma dos relacionamentos – as transações repetidas reforçam o
sistema.

A função familiar primeiramente se estabelece na relação entre pai e filhos, de forma

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simples no atendimento das necessidades básicas, como a alimentação e normas que vão se
tornando um conjunto complicado de relações com exigências complexas para quais nunca
estão completamente preparados. As famílias buscam alternativas para solução de seus
conflitos, que podem obter ou não a pleno sucesso na resolução dos mesmos, e desta forma
pode realizar as mudanças necessárias para enfrentas as crises do seu sistema (WERLANG
et.al., 2004).

No sistema familiar as dificuldades surgem quando os métodos utilizados para


superação dos problemas se acabam, e desta forma a única solução encontrada é inútil e tende
a se repetir em todos os membros da família, até que todos estejam cansados e presos no
sofrimento, sem ter como sair. Muitas vezes o estresse do sistema familiar é tão grande que
chega ao ponto de machucar uns aos outros, conseqüentemente irá só piorar produzindo novos
sintomas (Werlang et.al., 2004). Carter e McGoldrick (apud Werlang et.al., 2004), destacam
que o estresse familiar é ocasionado por padrões de relacionamento e funcionamento que
passam de geração para geração, e assim inclui:

[...] as atitudes, tabus, expectativas, rótulos e questões opressivas com os quais os


indivíduos crescem e pela ansiedade produzida pela família, conforme ela avança no
tempo, lidando com as mudanças e transições do ciclo de vida familiar incluindo
tanto o estresse desenvolvimentais previsíveis quanto os imprevisíveis (Werlang
et.al., 2004, p. 86).

Estudos nas diversas fases do ciclo da vida familiar, apontam que o maior estresse
familiar está relacionado com a expansão, a contração e o realinhamento do sistema do
sistema de relacionamentos, para lidar com a entrada, saída e mudanças dos membros da
família de maneira funcional. (CARTES e MCGOLDRICK apud WERLANG et.al., 2004),

Segundo Werlang et.al (2004), o processo que leva o indivíduo ao sofrimento


psicológico que pode culminar ou não no suicídio, pode ser resultado de uma consciência que
não encontra uma alternativa viável para livrar-se da dor. Este processo, geralmente, envolve
quatro aspectos: instabilidade familiar, angústia crescente, rompimento dos relacionamentos
sociais e insucesso nos esforços para resolução de problemas.

Um indicativo de futuro ato de suicídio poderá estar na história familiar, quando


caracterizada por gerações que apresentaram núcleos isolados e sucessivos emocionalmente
instáveis, que denotam dificuldades no encontro de possibilidade de solução de crises. Existe
uma transmissão de pautas familiares de geração para geração, do que poderá decorrer a
repetição de fenômenos na geração seguinte. É, por tanto, de se deduzir que os atos suicidas

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estão intrinsecamente atrelados à dinâmica de apropriação dos valores familiares e que desta
forma o conhecimento desta interação é um requisito essencial para o tratamento preventivo
do indivíduo com comportamento suicida.

Para Henry, Stephenson, Hanson e Hargett (apud Werlang et.al, 2004, p.87), relatam
que as características das famílias que proporcionam menor oportunidade para um
desenvolvimento saudável e aumentam o risco de suicídio são: “rigidez de padrões
interativos, apego emocional insipiente, pobre manejo de conflitos e inefetivos padrões de
comunicação”

Para Werlang et.al (2004), a rigidez geralmente vem acompanhada de dois fatores: a
desesperança que envolve a falta de expectativa de que os desejos e objetivos futuros não
sejam concretizados, o que implica a desesperança e o pessimismo; e do desamparo, que
indica a deficiência de recursos internos para obter a confiança necessária à autonomia do
sujeito, tanto quanto indica a superdependência de pessoas outras não comprometidas com os
seus problemas, que o leva a admitir sua incapacidade em controlar o próprio futuro. Este
cenário conduz o sujeito ao medo, à ansiedade, à estagnação e principalmente à depressão.

3 CONCEPÇÃO EXISTENCIAL-FENOMENOLÓGICA DO SUICÍDIO

A palavra existir origina-se de "ex-sistere", que significa sair de, estar fora de.
Existir, enquanto sair de, é próprio da pessoa em situação de chegar-a-ser, e este é o aspecto
dinâmico do homem. Para Heidegger (apud Tripicchio, 2010), a essência da existência
(Dasein) a sua maneira de existir. Segundo Tripicchio (2010, p.52-53), algumas das
características inatas do homem segundo o existencialismo, são:

1. A conduta está ocorrendo e mudando continuamente, em interação com os


acontecimentos do meio;
2. O homem é consciente deste fato e este autoconhecimento lhe dá seu sentimento
de identidade pessoal ou de ser;
3. Por se auto-conhecer, o homem é capaz de selecionar ou escolher o que responde
e como responde;
4. Com sua resposta seletiva expressa suas possibilidades de condutas inatas,
moldando o meio ambiente a si e este ao seu meio;
5. O homem responde de múltiplas formas ao mundo natural, às outras pessoas, a si
mesmo, formas variadas que são conseqüências das diferentes modalidades rela-
cionais;
6. O autoconhecimento conduz ao reconhecimento de que perderia sua identidade ao
perder as relações significativas com seu meio ambiente. Isso leva à angústia, que é
uma resposta característica de todos os homens. O homem se dá conta que pode
perder sua identidade quando vista ameaçada sua existência, sua importância, seu
bem-estar, sua felicidade, sua segurança;

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7. A angústia leva a uma restrição da conduta, a uma evitação das relações, a qual
provoca a culpa. Assim, a culpa é uma resposta afetiva comum a todos os homens.

Para Tripicchio (2010, p.24), a técnica de análise existencial, dentro da


fenomenologia, procura compreender a natureza do suicídio o seu significado, e na
psicoterapia existencial não se pode responder de maneira simples, usando uma única
doutrina, ou recorrer a alguma fórmula ou metodologia, mas sim buscar uma compreensão
abrangente, multicausal. “A psiquiatria existencial busca resgatar o homem ao seu devido
lugar, isto é, colocar a sua existência de tal forma, que tudo o mais lhe subjaz. A pessoa
humana deve estar no centro dos interesses” (TRIPICCHIO, 2010, p.24).

Nesta concepção, Angerami (1997, p.23), expõe que “o homem, tal como concebe o
existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma
coisa, tal como a si próprio se fizer”. Os seres humanos são responsáveis pela destruição de
suas vidas de modo consciente e real, “o homem é, não apenas como ele se concebe, mas
como ele quer que seja como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após
este impulso para a existência; o homem não é mais do que ele faz”.

A psiquiatria fenomenológico-existencial é extremamente sensível e resistente à


sedutora tentação de modelar o Homem de acordo com algum sistema teórico já montado,
mas busca talhar uma teoria que desvele o Homem em sua plenitude e que esteja em mais
íntima harmonia com a natureza humana. O Homem pode ter melhorado com o seu universo
correndo a alguma fórmula ou metodologia. O Homem pode ter melhorado com o seu
universo interno, mas com o seu mundo circundante, e nas suas relações com os outros,
piorou. Enquanto se interpretam sonhos e mais sonhos, a realidade mundana não pára,
esperando o término daquele trabalho analítico (TRIPICCHIO, 2010, p.25).

Angerami (1997, p.25), ao falar sobre morte afirma que: a existência humana sofre
perda de continuidade com o ato de morrer. A morte tem a condição de determinar à
existência o fim de seus devaneios, planos e ilusões. “E, apesar de todas as tentativas humanas
no sentido de nadificá-las, a morte é a ocorrência mais concreta da existência humana,
determinando, muitas vezes, a condição de absurdidade da vida”.

Para Tripicchio (2010, p.26), o suicídio, seja ele uma origem do individual ou
familiar e/ou coletivo, na psicoterapia, deve-se ficar mais atento ao fato de que não adianta
investir somente no Dasein (o estar aí disponível de qualquer coisa), “o ser-aí, no aqui e

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agora, fluido e transformista em busca da realização de sua autenticidade, para não cair na
angústia existencial”. É preciso lembrar que o Dasein circule, necessariamente, em três
mundos:

O Umwelt, mundo da natureza, do biológico, da medicina, da física e da química; O


Mitwelt, mundo do contato íntimo com o outro, do co-ser, Ou Mitsein, onde um
desvela o outro no sentimento de alteridade, e vice-versa; os psicanalistas, em geral,
dedicam-se mais ao Eigenwelt, o intramundo do si mesmo, no qual apenas lhe
sobram, seus sonhos, seus desejos é frustrações, e como satisfazer aqueles, para
fugir destas, com seus instintos sempre reclamando por algo mais, etc.
(TRIPICCHIO, 2010, p.26).

Na concepção de Tripicchio (2010, p.90), o Dasein tem de ir-se constituindo através


das múltiplas condições adversas à vida, aproveitando sua liberdade, sua capacidade de opção,
percorrendo nas asas do seu “poder ser” para a conquista de sua própria vida, “de sua
autorrealização, optando, escolhendo, mas deixando de optar, deixando de escolher (o não
escolher já é uma escolha) tal ou qual possibilidade entre as múltiplas que a vida lhe oferece”.
Para o homem em seus projetos de mundo, nos contatos com os demais entes, diante das
ameaças definidas ou indefinidas orienta-se o Dasein no sentido da autenticidade ou
inautenticidade de sua existência.

A ameaça e o perigo não estão em parte alguma, pois fazem parte da própria
estrutura do mundo no que tem ele de inóspito, inefável, inapreensível, ameaçador. É como se
o Dasein apreendesse um mundo destruído, soçobrado, em perigo iminente de destruição, de
desmoronamento. O Dasein imerge dentro de si mesmo em uma imanência quase absoluta,
em um solipsismo existencial, regredindo ao "sentimento de situação originária" em que foi
atirado ao mundo em situação de intenso abandono e desamparo (TRIPICCHIO, 2010, p.91).

Deste modo, o Dasein depara-se com os aspectos diferentes, inóspitos e ameaçadores


do seu próprio mundo, fora da cotidianidade, “fora-de-casa”, forçado a usar sua liberdade para
se escolher em valores (responsabilidade, noção de valor, moral, etc.), sendo obrigado a usar
mesmo sua capacidade optativa no caminho do seu “poder ser”. “Busca o problema da
verdade e do destino humano, o do nascimento e da morte, o da angústia e da culpa,
procurando captar a estrutura do ser no mundo, a estrutura da subjetividade como
transcendência” (TRIPICCHIO, 2010, p.91).

Na psicoterapia a dupla analista/analisando também tem seus pontos cegos e, na


concepção existencial e fenomenológica, Tripicchio (2010, p.26), fala que apenas na
harmonia destes três mundos (Umwelt, Mitwelt, Mitsein,) cada ser encontrará a realização de

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seu projeto ôntico e ontológico de existir. Para corroborar na descoberta do sentido da vida,
nasce a análise existencial, ou daseinsanalyse: “é um desenvolvimento da psiquiatria européia
que tenta combinar a filosofia existencial com o método fenomenológico para alcançar uma
compreensão e um tratamento mais efetivo de caráter psicoterápico aos seus analisandos”
(TRIPICCHIO, 2010, p.26).

Para Angerami (1997), o suicídio é hoje a expressão radical de uma crise de


despersonificação. Esta auto-agressão possui matizes incontáveis. Com seu comportamento, o
possível suicida manifesta o veredicto que decretou seu fracasso social; não existindo um
lugar para ele, por meio da morte redime seu ser da frustração de ser.

Tripicchio (2010) destaca que os pacientes de hoje nos consultórios psiquiátricos e


psicológicos não têm as mesmas dificuldades que os de décadas anteriores:

[...] Há menos histéricos clássicos, mas em troca surge uma imensidão de indivíduos
que se queixam de solidão, despersonalização, alienação, tristeza, angústia fóbica,
angústia pânica, isolamento, separação e de não poder relacionar-se com os outros,
sensação de morte iminente, etc. O clamor de nossa época seria: “Nossas vidas estão
vazias e sem sentido” (TRIPICCHIO, 2010, p.31).

A busca da base existencial consiste em ver o mundo do ponto de vista da existência


humana. “Sua estrutura de referência tem que ser o homem, tal e como ele existe, e na sua
dimensão interna: com seus temores, esperanças, desejos, angústias e terrores”
(TRIPICCHIO, 2010, p.33). Se o indivíduo não dispõe desta experiência não poderá realizar
nenhuma outra experiência, tampouco poderá constatar nenhum outro fato. “A idéia
determinada que o homem possa ou deva ter de si mesmo, depende da interpretação que ele
dá à sua existência. O homem é quem faz a si mesmo” (TRIPICCHIO, 2010, p.35).

Segundo Tripicchio (2010, p.118), inicialmente “a primeira tarefa importante de


qualquer estudo científico completo sobre suicídio é o desenvolvimento de uma taxionomia
ou classificação dos tipos de suicídio”. O suicídio na concepção existencial existe nesse
prisma, hoje uma terminologia enormemente embaralhada a respeito de suicídios. “Eles são
classificados de patológicos, pânicos, altruístas, anômicos, egoístas, passivos, crônicos
submeditados, religiosos, políticos, e assim por diante”.

Tripicchio (2010, p.120-122), apresenta seis tipos de suicídio na perspectiva


existencial-fenomenológica:

Suicídios coletivos: suicidas contratados para morrer como o assassino político ou o


piloto Kamikaze, o harakiri ou seppuku (cortar o ventre) dos homens japoneses; os

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homens-bombas no Oriente Médio; e, para mulheres prescreve-se cortar a garganta,


entre outros cultos que induzem suicídios múltiplos;
Suicídios simbólicos: esses suicídios podem ser realizados de maneira bizarra em
público como o do Peregrino, do exibicionista em uma pira perfumada, perante
turbas dos Jogos Olímpicos; podem ter o padrão esquizóide, tal como o suicídio de
alguém que imola seu corpo, seguindo, simbolicamente, um modelo arquetípico de
desmembramento ou martírio religioso;
Suicídios com caráter obsessivo-compulsivo: a persistência da compulsão,
dificilmente se diferencia da do alcoólatra em relação à bebida e a do viciado em
relação à droga; o indivíduo é subjugado pela premência de encontrar sua própria
morte simbólica; tem-se relatos de diversos tipos possíveis: beber fenol, comer vidro
ou arranhas venenosas, se banhar me querosene e se ater fogo, acender o pavio de
um artefato pirotécnico previamente engolindo, se insinuar em uma jaula de um
leão;
Suicídios emocionais: realizados sob o domínio de uma paixão avassaladora. Tais
como: vingança contra os inimigos, impor angústia a outros, manipular o mundo em
fúria contra a frustração; humilhação por ruína financeira, vergonha da exposição
pública; suicídios de culpa e consciência. De terror ansioso, de melancolia pelo
envelhecimento, de solidão, abandono, pensar, apatia e inutilidade, desespero pelo
fracasso, especialmente fracasso amoroso;
Suicídios de sucessos: o salto pináculo é emocional como também é, o grito suicida
de socorro: “Salve-me” e, a necessidade suicida de matar e ser morto, ou a união
deliquescente do amor-morte e a auto-imobilização de uma imitatio dei, bem como
os suicídios para evitar sofrimento físico na tortura ou doença, na prisão ou na
captura na guerra;
Suicídios ascéticos: suicídios que conduzem ao Nirvana; greve de fome, mortes por
martírio: os que a Igreja encoraja seus fieis no passado, suicídios de niilismo,
rebelião e absurdo, pode-se citar aqui três suicídio: o de Sêneca que recebeu ordens
de se matar; o Sócrates que foi condenado ao suicídio por um júri e de Empédocles
que foi suicida mesmo.

Neste entendimento, Tripicchio (2010), expõe que é exatamente aqui, neste ponto,
onde, terminam os relatórios e as classificações dos tipos de suicídio, que começa o problema
analítico-existencial, pois a morte pode ser uma escolha. O significado dessa escolha é
diferente, de acordo com as circunstâncias e com o indivíduo (experiências subjetivas), e
muda de acordo com o movimento existencial, pois este não é estático. “Um analista
preocupa-se com o significado individual de um suicídio, que não faz parte das classificações.
A conclusão ampla que o analista pode tirar desses relatos variados é a seguinte: o suicídio é
uma das grandes possibilidades humanas” (TRIPICCHIO, 2010, p.122).

[...] abordagem é psiquiátrico - existencial. Ou, melhor dizendo, a alma é sua


primeira premissa ou metáfora básica. Advogando distinções nos significados para
cada suicídio, mesmo onde o comportamento exterior seja extremamente típico e
sociologicamente classificável, um analista advoga a existência de uma
personalidade compreensível e individual com a qual o suicídio pode ser rela-
cionado, e assim compreendido. Atribui intencionalidade a cada evento humano.
Significado é sua meta (TRIPICCHIO, 2010, p.123).

A primeira coisa que um paciente quer de um analista é torná-lo consciente de seu


sofrimento e atraí-lo para o seu mundo vivido. Do ponto-de-vista externo, toda morte é

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simplesmente a Morte. Sempre parece igual e pode ser definida exatamente pela medicina e
pelo direito. O indivíduo que escolheu essa morte tornou-se um suicida. “Quando o suicídio é
uma descrição do comportamento e definido como autodestruição ou o início de um ato cujo
resultado o agente acredita que resultará em autodestruição, todos os suicídios são o Suicídio”
(TRIPICCHIO, 2010, p.123).

Para Angerami (1997, p.37), “o suicídio, assim como outras manifestações de


fenômenos sociais - a loucura, os assassinatos, crimes sócias, doenças contagiosas e outros -
não simbolizam as sociedades contemporâneas no sentido de combatê-los, cujas ocorrências
questionam a própria estrutura social”. Quando o analista tenta compreender uma experiência,
o que está realizando é alcançar a relevância para a alma da pessoa em apreço. Julgar uma
morte apenas sob o ponto-de-vista externo limita a compreensão. Sartre diz até que não
podemos de modo algum apreender a morte, porque ela é sempre a morte de outrem: estamos
sempre fora dela (apud TRIPICCHIO, 2010).

[...] o que uma pessoa traz para a hora analítica são os sofrimentos da alma,
enquanto que os significados descobertos, as experiências compartilhadas e a
intencional idade do processo terapêutico são todos expressões de uma realidade
viva que não pode ser melhor apreendida do que pela metáfora básica da psicologia
existencial: psique, alma ou Dasein. Os termos "psique" e "alma" são
intercambiáveis, embora haja uma tendência de se escapar da ambigüidade da
palavra "alma" recorrendo-se ao termo "psique” mais moderna e mais biológica.
"Psique" é usada mais como concomitante natural da vida física, talvez a ela
redutível. "Alma", por outro lado, tem matizes metafísicos e românticos.
Compartilha fronteiras com a religião (TRIPICCHIO, 2010, p.129).

A experiência e o sofrimento são termos de há muito associados à alma, para


compreender a alma não podemos nos voltar para a ciência em busca de uma descrição. “A
alma, entretanto, não é um termo científico e aparece muito raramente em psicologia,
atualmente, e quando aparece frequentemente vem entre aspas, como se para impedi-la de
infectar o ambiente cientificamente asséptico”. A alma não pode ser definida de maneira
acurada, nem é respeitável numa discussão científica, conforme é entendida hoje em dia pela
discussão científica (TRIPICCHIO, 2010, p.125).

As indagações sobre o suicídio voltam-se cada vez mais para a necropsia psicológica,
isto é, estudos de casos individuais, que nos aproximem de uma perspectiva psicológica. “O
exame de bilhetes de suicidas, as entrevistas com pessoas que tentaram se suicidar e os
estudos de caso da sociologia, todos tentam aproximar o pesquisador do significado da morte,
levá-lo a uma compreensão do evento pelo lado de dentro”. O conhecimento sobre o suicídio

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que deriva de fontes contemporâneas, entretanto, tende a não servir à compreensão porque
prejulgam a questão (TRIPICCHIO, 2010, p.130).

Explicações provenientes de estudos que mostram o suicídio como resultado de um


raciocínio confuso, degradam aquilo por que passa a alma. “As explicações traem a seriedade
e a enormidade do evento. A “falácia psicossemântica” faz tamanho sentido para a pessoa,
que a leva a suicidar-se! A tarefa do analista é trazer sua compreensão ao cerne da outra
pessoa, aonde o suicídio faz sentido” (TRIPICCHIO, 2010, p.131).

Um analista deve ter em mente as diferenças de pontos-de-vista, caso contrário


enganosamente tentará chegar à compreensão através do estudo das explicações. Tentará
desenvolver sua posição em face de um suicídio através do estudo da literatura, ao invés de
fazê-lo através de suas observações de primeira mão e da comunicação com sua própria
psique bem como com a psique do outro. Pelo fato de o suicídio ser um modo de adentrar a
morte e porque o problema de adentrar a morte libera as fantasias da alma humana, para
compreender um suicídio precisamos saber que fantasia mítica está sendo encenada.
Novamente é um analista quem está mais capacitado para obter essa compreensão mais
completa (TRIPICCHIO, 2010, p.132).

Sartre (apud Tripicchio, 2010), relata que, a pessoa que está mais aparelhada para
compreender a morte é a pessoa que está morta. Isto significa que o suicídio é
incompreensível, porque aquela pessoa que poderia dar uma explicação não mais o pode. Isto
é um dilema que requisita examinar mais detidamente a posição interior extrema.

Devemos ver se é ou não verdadeiro que cada indivíduo é o único que pode compre-
ender e articular sua própria vida e sua morte.“Estar ao mesmo tempo "dentro" e "fora"
significa que um analista está em uma posição melhor para compreender e articular a
psicologia de outra pessoa” (Tripicchio, 2010, p.133). Ele poderá seguir porque está ao
mesmo tempo dentro e fora como observador, ao passo que a outra pessoa normalmente está
somente dentro e presa em seu padrão avaliativo.

Segundo Tripicchio (2010, p.6), “o psyché do grego pode ser entendido como mente,
alma, espírito, ato de pensar etc. Podemos completar chamando o tédio também, de tédio
existencial ou essencial”. O tédio, nesta perspectiva, é um mal do espírito, no sentido de uma
instância mais nobre do psiquismo humano. “Lócus que envolve o ser como um todo
alojando, especialmente, a esfera dos valores e do sentido de vida do ser humano” (p.6).

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3.1 O Tédio Existencial

Ao pensar a psique como o conjunto indivisível das funções cognitivas (razão),


afetivas (emoção) e volitivo-ativas (conação), o tédio é um mal ontológico do ser humano, e
não ôntico, de um único e determinado ser. Para o autor o individuo é constantemente
absorvido pelo tédio que persegue a existência. Assim, o tédio força a um inacabável
movimento existencial, pois se parar este movimento, o tédio toma conta do individuo. E, se o
individuo olhar para trás, este tédio existencial o seduz enganosamente até controlar todas as
suas vontades, esgotando toda a felicidade possível (TRIPICCHIO, 2010).

Angerami (1997, p. 19), expõe que além do tédio existencial e da angústia, outras
formas de desespero da existência humana corroem um sem-número de pessoas. “Por isso, a
pessoa que envereda pelos caminhos do suicídio, não mais é vista como portadora de uma
patologia ou distúrbio mental, mas é considerada em seus aspectos existenciais prementes”.
Não obstante, o autor apresenta a necessidade de se repensar à visão atual sobre o suicídio em
presença do desespero transmitido através da miséria econômica que assola diversos países.

Assim, torna-se difícil estabelecer a verdadeira localização da patologia que, se


existe, não se concentra nas vítimas e sim numa sociedade injusta e despótica que
aprisiona as pessoas de uma maneira que se não for considerada patológica, será ao
menos considerada desumana. E assim é: o suicídio ainda apresenta ai gozes que
insistem em classificá-lo como esboço final da degeneração humana sem levar-se
em conta a própria razão. Existe também a esperança da humanização e da
compreensão de seus aspectos numa amplitude talvez ousada, mas acima de tudo
necessária e real (ANGERAMI, 1997, p.19).

Segundo Tripicchio (2010, p. 17), certas formas de tédio existiram desde o início dos
tempos; existe escritos de Sêneca que, apresenta o conceito de tedium vitae (cansaço da vida),
entretanto, o tédio existencial apresenta-se como um fenômeno atual. Quando a vida não é
vivida na sua plenitude, harmoniosa com as potencialidades de cada indivíduo, a “própria
discórdia íntima e pessoal do Homem, esmaga-o sob a incapacidade trágica de se relacionar
com outros em uma aura de amor e mútua comunicabilidade”.

Angerami (1997, p.21) cita que o “suicida é um condenado à morte que executa a
sentença fatal com suas próprias mãos, então é evidente que seus juízes e verdugos indiretos
só podem estar "por trás" do gesto aparentemente autônomo que lhe tira a vida”. O indivíduo
com o comportamento suicida não é prescindível; não é jamais o mero executor subserviente
de uma ordem exterior a suas necessidades, todavia, ele também é o co-produtor dessa ordem.
“Matar-se é uma forma, a sua forma de rebelião e submissão. Pelo suicídio agride enquanto

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produz remorso e culpa: o suicídio, em suma, é a resolução psicótica de uma interação


criminosa” (p.21).

O suicídio pode ser visto como um fenômeno individual, ou com conotações


coletivas, ou com um comportamento coletivo que se exemplifica cotidianamente em
condutas individuais (ANGERAMI, 1997). Entretanto, Tripicchio (2010, p. 18), relata que em
um sentido retrógrado, desempenham um pesado ascendente sobre nós, “sobre o presente, na
medida em que recalcam e desvia o fluxo de forças vitais criadores que formam a própria base
do eu, da identidade pessoal e da sanidade mental”.

Os indivíduos se encontram em uma trajetória constantemente perturbadora que, não


deixa facilmente perceber-se com segurança a validade das observações e de suas
experiências exteriores, ou ainda, sentir a integridade e realidade da experiência interior
pessoal, a vivência. Deste modo, a realidade da qual eu faço parte não é a realidade que existe,
a concepção individual e social, quando origina conflitos causam angústia, tédio, e o resultado
é o suicídio.

Estabelecendo um paralelo entre o ato individual do suicida e os aspectos


socioculturais, ampliamos esta circunstância ao afirmar: o suicida crê sempre, em
primeira instância, ser um homem que escolhe. Ao matar-se atua em conformidade
com uma decisão que presume seja a sua. Isso implica que a conduta suicida, assim
como a toxicomania, a poluição ambiental, etc., respondem a uma proposta, a uma
educação e que, portanto, não há menos dose de autodestmição naqueles que
ensinam a se matar do que naqueles que aprendem a morrer. Entre uns e outros há
um enlace, um vínculo de interdependência, e uma semelhança psicopatológica e
social à luz da qual devemos necessariamente entender o fenômeno do suicídio
(ANGERAMI, 1997, p.22).

Angerami (1997) assevera que nada ameaça tão gravemente a vida do homem como
o próprio homem, adjunto as expectativas, anseios, planos e projetos de vida, inclui-se de
forma camuflada um projeto de morte. Concebida, no fundo, como um projeto de destruição
interna, de múltiplas maneiras, uma vontade autodestrutiva, um não querer viver, uma crise
entre a realidade que se apresenta e a realidade que se projeta interiormente; o tédio.

O tédio flagela a maioria dos pacientes que, em um desespero nem sempre mudo,
buscam alcançar algo de substancial a que se vincular algo dotado de forma e sig-
nificado, talvez até a sensação de uma resposta humana sincera e afetuosa. De forma
sutil e simbólica, essas necessidades emergem como temas importantes que são co-
municados, em outro nível, pelas expressões mais abertas de frustração, de tragédia
pessoal, e de um sentimento de existência malograda (TRIPICCHIO, 2010, p. 21).

As ações e os problemas que surgem no universo interno da experiência subjetiva,


quando traduzidos ao dia-a-dia pelo indivíduo, representam a intensidade e profundidade da

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personalidade humana e as questões mais cruciais da vida e do existir. “Surgem polaridades


vitais: amor e ódio, vida e morte; alegria e pena, crime e castigo, estabilidade e mudança,
criatividade e conformismo, responsabilidade e de pendência, tudo isso adota relações de
tensão que devem ficar abertas à conscientização” (TRIPICCHIO, 2010, p. 21).

Junto ao tédio, existe o aborrecimento, o desgosto, a falta de algo, é ressaltada ni-


tidamente a vivência do tempo, que fica estagnado. Mas não somente o tempo vivencial se
altera, também o espaço se toma mais reduzido no sentido de desgosto, enjôo, na falta de
iniciativa. O tédio é um fenômeno que revela tudo que enfada, molesta, cansa, aborrece,
incomoda, enjoa e estagna nossa existência.

“Todos nós, em várias circunstâncias, vivenciamos o tédio. São horas ou mesmo dias
tediosos. Mas quando o tédio domina e escraviza o ser humano em sua totalidade, aí, então,
entramos na problemática da Noose do Tédio” (TRIPICCHIO, 2010, p. 78).

3.2 A Angústia existencial

Para Tripicchio (2010, p.44), a angústia existencial é constitutiva do existir humano,


o ser humano terá de aprender a lidar com ela, pois não poderá ser evitada. “Nem mesmo pela
interação com outros acontecimentos que desenvolvem continuamente o autoconhecimento e
a identidade de si”. O pensamento, a memória, a imaginação, são também respostas
subjetivas, mas todas elas derivam da experiência intersubjetiva e somente podem ser
totalmente entendidas referindo-se a sua origem relacional. Neste sentido, o homem cria-se a
si mesmo e a seu mundo, portanto é inteiramente responsável por sua conduta.

O conceito de angústia quase se identifica com o conceito de sofrer, pois existir é


sofrer, são, necessariamente, a angústia ou o desespero representando tais emoções, categorias
fundamentais do ser homem. “Viver é angustiar-se, pois o homem vive a debater-se nas teias
do sentimento do pecado e da culpabilidade originários”. O homem vive na angústia e no
desespero, necessita deles como condição fundamental do seu existir autêntico, salvam-se
deles pela fé, pela religião (TRIPICCHIO, 2010, p. 88).

Resta a possibilidade de que esta angústia seja seguida por uma opacidade do ser ao
meio, resultante de sua incapacidade em comunicar-se, levando a um inevitável isolamento, o
que equivale à negação das potencialidades plenas da humanidade do homem. Em Heidegger,
(apud Tripicchio, 2010, p. 90), “o sentimento de angústia está em relação com uma situação

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indeterminada, uma ameaça diante da própria vida, da própria existência. Há sensação de fi-
nitude, de inacabamento, de desamparo, de abandono, de estar-lançado-aí”.

É o "ser para a morte" (Sein zum Tode) de Heidegger, fazendo parte tal sensação e
consciência de morte de sua própria estrutura (autêntica). A angústia levanta o
Dasein do descaimento (Verfallen), obrigando-o a seguir o seu destino através do
uso de sua liberdade em um dinâmico processo de devir, de vir-a-ser. Dentro da
consciência de autenticidade, a angústia não é vivenciada como destruição do
existente, mas apenas é destruída a inteligibilidade, a ordem e estrutura dos entes do
ser (TRIPICCHIO, 2010, p. 91).

O homem é lançado ao mundo sem que tenha usado sua liberdade ou capacidade de
opção. Há toda uma situação originária de desvalimento do estado afetivo. Fundamenta o
medo diante da vida. “Experiência como o tédio, o desespero, angústia, culpa, desperta o
Dasein, dando-lhe consciência de sua finitude e desamparo, tomando-se, sendo: evolvendo
para seu destino inevitável: a morte” (TRIPICCHIO, 2010, p. 91).

Também aqui a ameaça é desconhecida, onde terminada, sofrendo o Dasein por algo
inefável, inóspito, ameaçador que faz a parte da própria estrutura do existente mundo. “Tem a
culpa também sentido de despertar o Dasein para os grandes problemas de sua existência e de
seu destino”. Diante dela foge o Dasein para a inautenticidade da vida cotidiana. Angústia
aqui não é captada nem vivida como algo negativo, patológico, mas como algo positivo,
“fazendo parte da estrutura do Dasein, mercê de sua finitude, inacabamento, impotência, mas
despertando-o à consciência autêntica do seu próprio existir, do seu próprio viver, do seu
próprio morrer” (TRIPICCHIO, 2010, p. 91-92).

Matar-se, em certo sentido (e tal como no melodrama), é confessar que se é


ultrapassado pela vida e que a não compreendemos. Não vamos, em todo o caso, tão longe nas
analogias: voltemos às palavras correntes. O suicídio é apenso a confissão de que a existência
não vale à pena. Viver, naturalmente, nunca é fácil. Continuamos a fazer os gestos que a
existência ordena, por muitas razões, a primeira das quais é o hábito. Morrer voluntariamente
implica reconhecermos, mesmo instintivamente, o caráter irrisório desse hábito, a ausência de
qualquer razão profunda de viver, o caráter insensato dessa agitação quotidiana e a inutilidade
do sofrimento (TRIPICCHIO, 2010).

CONCLUSÃO

Conforme Cassorla et. al. (1991, p.22) “o suicida não quer morrer; na verdade ele

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não sabe o que é a morte, aliás, ninguém sabe. O que ele deseja é fugir do sofrimento”. E, a
função do psicólogo que atende um paciente em risco de suicídio é antes de tudo,
compreender, ouvir e intervir no contexto individual e ou grupal. Precisa atuar na promoção e
manutenção da saúde, na prevenção e no tratamento da doença, na identificação da etiologia e
no diagnóstico relacionado à saúde, à doença e às disfunções, bem como no aperfeiçoamento
do sistema de política da Saúde (RAMOS et.al, 2010).

O psicólogo ao se avaliar um paciente com risco de suicídio, deve-se ficar atento a


situações como: perdas com sentimentos intensos (lutos do cônjuge, de filhos, de pai ou mãe,
etc.), nos casos de divórcio (onde um, não aceita a separação), falência financeira (de
empresa, lojas, etc), problemas com a justiça, negócios ruins (investimento de dinheiro, que
foi perdido), situações de vergonha e humilhação (opção sexual, Bullying, Síndrome de
Burnout) como podem ser estressores psicossociais importantes (SERRANO, 2008).

Deve-se ter cuidado ainda, ao avaliar o paciente suicida, com algumas pessoas que
fazem ascensões sociais e econômicas muito rápidas, pois podem não dar conta das mudanças
em suas vidas e se sentirem sob pressão. “Melhoras súbitas, sem explicação aparente, ou
pioras abruptas nos sintomas de uma doença psiquiátrica também devem deixar o examinador
em estado de alerta” (SERRANO, 2008, p.122).

Botega e Werlang (2004, p.126) relatam que, para ter uma compreensão abrangente
das razões psicológicas que impulsionam o indivíduo para realizar o suicídio, é necessário
levantar aspectos da história do indivíduo para assim poder reconhecer fatores predisponentes
não-imediatos. “A história sem sentido amplo permite identificar os motivos que, ao longo da
vida, auxiliam a estruturar a escolher uma saída suicida, efetivando um ato autodestrutivo
intencional”.

O psicólogo deve procurar compreender o grau de compromisso do paciente com seu


propósito suicida. Caso seja necessário, deverá ser coercitivo, procurando manter a empatia.
Deixar o paciente falar é um recurso eficaz, estimular a paciente a falar de perdas vividas, dos
seus sofrimentos, sentimentos de desvalorização, fúria das paixões não correspondidas e de
emoções não controladas. “Passados os minutos de desabafo, poderá haver um recolhimento,
uma introversão, na qual o paciente reavalia suas decisões e expectativas” (SERRANO, 2008,
p.166).

Para Botega e Werlang (2004, p.126), o psicólogo deve lembrar o sigilo profissional,

RIES, ISSN 2238-832X, Caçador, v.3, n.2, p. 9-32, 2014.


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e somente divulgar informações com o consentimento do paciente. Ao ser encerrada a fase da


avaliação, deve estabelecer uma ralação terapêutica distinta, como no caso da psicoterapia,
onde assuntos relativos à confidencialidade deverão ser rediscutidos.

Outro fator importante no atendimento do paciente com risco de suicídio é


estabelecer um contrato verbal; esta técnica é a tática mais usada para desvanecer o propósito
de morte imediata. “Uma vez montada uma relação empática e solidária, o terapeuta combina
com o sujeito que ele não vai se machucar e nem tentar qualquer ato destrutivo até que voltem
a conversar” (SERRANO, 2008, p.166).

O contrato verbal na situação que envolve o risco de suicídio, não é, porém, uma
garantia. Serrano (2008, p.166) relata que o contrato só vai funcionar se estabelecida a
empatia e o vínculo afetivo terapêutico, mesmo que este vínculo seja provisório e de ordem
profissional. “O conteúdo do contrato, por si mesmo, não substituiu um vínculo empático e
uma avaliação bem feita”.

É importante que o psicólogo identifique algumas pessoas que possuem vínculos


afetivos e emocionais com o paciente, para que tenha neles um aliado, caso precise de auxilio,
como: filhos, pais, cônjuge, irmãos, amigos especiais, religião, ideais, possíveis redes de
apoio social. Estes vínculos deverão ser explicitados e valorizados pelo psicólogo.

O psicólogo deve ter cuidado, pois abordagens inadequadas podem aumentar


potencialmente, o risco do comportamento suicida em indivíduos vulneráveis, particularmente
em jovens, posto que comprovadamente, no exercício de suas profissões, praticamente metade
dos psiquiatras e aproximadamente 20% dos psicólogos, já tenham perdido algum paciente
em tratamento para o suicídio (BORGES et.al, 2004).

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Paulo: Pioneira, 1997.

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Ed. Moderna, 1986.

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de Janeiro: Ed. Bertrand, 2002.

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leitura de Paul Ricoeur, 2010 (Artigo não publicado).

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SERRANO, Alan Índio. Chaves do Óbito Autoptovocado: sua Prevenção, Assistência e


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