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Universidade Nove de Julho – UNINOVE


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01504-001 – Liberdade – São Paulo, SP
Tel.: (11) 3385-9191 – editora@uninove.br
Jason Ferreira Mafra
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A DITADURA ESPELHADA

conservadorismo e crítica na memória


didática dos Anos de Chumbo

São Paulo
2017
© 2017 UNINOVE
Todos os direitos reservados. A reprodução desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação do copyright (Lei nº 9.610/98). Nenhuma parte desta publicação pode
ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização da UNINOVE.

Conselho Editorial: Eduardo Storópoli


Maria Cristina Barbosa Storópoli
Patricia Miranda Guimarães
José Carlos de Freitas Batista

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores

Projeto Gráfico: Rose Marie Silva Haddad / Alfredo Coelho


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Capa: Alfredo Coelho


Diagramação: Antonio Marcos Cavalheiro
Revisão: Carlos Coelho

Catalogação na Publicação (CIP)


Cristiane dos Santos Monteiro - CRB/8 7474
----------------------------------------------------------------------------
Mafra, Jason Ferreira.
A ditadura espelhada: conservadorismo e crítica na memória
didática dos anos de chumbo / Jason Ferreira Mafra. — São Paulo :
Universidade Nove de Julho, UNINOVE, 2017.
174 p. il.

ISBN: 978-85-89852-53-1 (e-book)

1. História - ensino 2. Educação. 3. Ditadura militar. I. Autor.

CDU 321.6
----------------------------------------------------------------------------
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Expresso aqui os meus agradecimentos


A Ana Maria Haddad Baptista, amiga e incentivadora
desta publicação.

Ao professor, mestre e amigo Evaldo Vieira, que orientou


este trabalho e, com lições de vida, ensinou-me importantes fun-
damentos da pesquisa e da orientação acadêmicas.

Ao irmão e companheiro, Carlos Alberto Vieira Coelho,


cujas contribuições, em seus inúmeros trabalhos de revisão, vão
muito além de seu primoroso ofício técnico, pois convertem-se, na
prática do diálogo, em ação educativa e humanizadora, como de
resto, todo trabalho que realiza.
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Dedico este trabalho


Aos meus filhos, Thalys e Matheus, que me inspiram e me
movem rumo ao sonho e à realização de uma sociedade mais
justa, de paz e, por isso mesmo, mais bonita.

A Cida que, reencantando-me no mundo, traz na pele, no


sorriso e na alma esta marca: a sublime mania de ser bela e de ter
fé na vida!

A todos os professores e professoras que trabalham na


Educação Básica, em especial na aprendizagem e no ensino
da História, este saber em construção, cujo começo, meio e fim
são, como a própria espécie humana, tão imprecisos quanto
esperançosos.
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Sumário

Prefácio................................................................................................................. 13

Introdução, 17
1 Gênese do tema................................................................................................ 19
2 Conjuntura, objeto e universo de investigação............................................ 22
3 Procedimentos metodológicos....................................................................... 25
3.1 Considerações gerais sobre as etapas da pesquisa.................................. 25
3.2 Categorias.................................................................................................... 27
3.3 Sobre o conceito de representação............................................................ 28
3.4 Contribuições de Pierre Bourdieu............................................................ 33
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Parte I
O Livro Didático como
Produto do Campo Editorial, 39
1 O significado do livro didático e de seu uso................................................. 41
2 O campo editorial do livro didático............................................................... 45
2.1 Avaliação institucional do livro didático e
suas implicações no campo editorial............................................................ 50

Parte II
A Oficialização da
História da Ditadura, 57
1 A ditadura militar e a reprodução de suas representações......................... 59
1.1 Introdução................................................................................................... 59
1.2 O saber histórico e sua utilidade............................................................... 60
2 O livro didático, o professor e a legitimação da história oficial ................ 62
2.1 Representações do educador educado pela ditadura............................. 64
2.2 Caracterização do período pré-militar.................................................... 66
2.3 Representações do livro didático educando pela ditadura.................... 69
2.4 Submissão e subversão: coerência das
representações e contradição histórica........................................................ 72
2.5 O sentido do período militar..................................................................... 75
2.6 Manifestações simbólicas da ditadura
em concepções e práticas pedagógicas.......................................................... 77
Parte III
O Discurso Didático, o Sentido da
História e a Historiografia Brasileira, 83
1 O papel político do discurso do livro didático na redemocratização........ 85
2 O contexto da historiografia acadêmica........................................................ 90
2.1 A influência positivista............................................................................... 91
2.2 A presença marxista................................................................................... 92
2.3 A incorporação dos Annales...................................................................... 94
2.4 A historiografia inglesa.............................................................................. 95
2.5 A Nova História e de suas tendências...................................................... 96
3 Epistemologias dos discursos na historiografia
contemporânea e nas produções didáticas brasileiras.................................. 99
3.1 Presenças e ausências da historiografia nas
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construções didáticas sobre a ditadura........................................................ 103


3.1.1 O compromisso do livro didático segundo os seus autores............. 109
3.1.2 Heterodoxia na repressão e reação na redemocratização................ 110
3.1.3 O livro didático sob o olhar acadêmico.............................................. 113
3.1.4 A desintegração temática na história integrada................................ 116

Parte IV
O Discurso Presente e o
Discurso Ausente, 121
1 Ditadura militar: a eleição deste tema pelos manuais didáticos................ 123
1.1 Os vários enfoques didáticos da ditadura................................................ 126
1.2 A mesma temática sob olhares divergentes ............................................ 128
2 Ditadura militar: forma e conteúdo .............................................................. 129
2.1 O livro didático como instrumento de crítica e de
militância política........................................................................................... 129
2.2 A “revolução” de 1964 como imagem
consolidada no livro didático........................................................................ 132
2.3 A ditadura como produto didático sob duas óticas acadêmicas.......... 137
2.4 Dissolução do conteúdo e desintegração histórica................................. 138
2.5 O período militar como centralidade
temática do livro didático ............................................................................. 141

Conclusões, 151

Referências, 163
Jason Ferreira Mafra - 11
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O único herói capaz de decepar a cabeça da Medusa é Perseu, que


voa com sandálias aladas; Perseu que não volta jamais o olhar para
a face da Górgona, mas apenas para a imagem que vê refletida
em seu escudo de bronze. Eis que Perseu vem ao meu socorro
até mesmo agora, quando já me sentia capturar pela mordaça de
pedra [...]. Para decepar a cabeça da Medusa sem se petrificar,
Perseu se sustenta sobre o que há de mais leve, as nuvens e o vento;
e dirige o olhar para aquilo que só pode se revelar por uma visão
indireta, por uma imagem capturada no espelho. É sempre na
recusa da visão direta que reside a força de Perseu, mas não na
recusa da realidade do mundo de monstros entre os quais estava
destinado a viver, uma realidade que ele traz consigo e assume
como um fardo pessoal.
(Calvino, 2002, p. 16-17).
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Jason Ferreira Mafra - 13

Prefácio
Theodor W. Adorno, sociólogo alemão dos mais expressivos no sé-
culo XX, fez uso de dois conceitos em suas pesquisas, dos quais não se
deve afastar quando se alude ao livro didático. Os dois conceitos são:
“personalidade” e “autoritarismo”.
Os autores de A personalidade autoritária, coordenados por Adorno,
deram continuidade à crítica do autoritarismo ao considerá-lo uma “sín-
drome” e não um simples comportamento. Esta “síndrome” revela sinais
e sintomas agregados a determinadas condições de crise, capazes de gerar
reações de temor e de insegurança. O autoritarismo, como “síndrome”,
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difunde-se mediante diversas características, de modo especial assume


a ordem cognitiva por uma predisposição muito forte para os “precon-
ceitos” e para a “estereotipia”.
O ser autoritário não se resume ao mandão impulsivo, irrefletido
ou abusivo. Ele possui e demonstra opiniões ou sentimentos concebi-
dos sem qualquer exame crítico. Além dos preconceitos, o ser autoritá-
rio mantém estereótipos, ou melhor: expõe a sua estereotipia por meio
de repetição de gestos, de posições estranhas, de aparência absurda, exi-
bindo comportamento verbal ou motor de forma quase automática, sem
relação com a situação. Os exemplos mais comuns se encontram nas fi-
guras do antissemita, do racista, do etnocentrista e do nazifascista, mas
não só deles.
Erich Fromm, em seu livro O medo à liberdade, traduz essa “sín-
drome” em construções onde invariavelmente pessoas ou coisas são res-
ponsabilizadas por culpas ou desgraças alheias. Para evitar ou superar
culpas e desgraças causadas pelos outros, muitos cantam hinos, vão a
desfiles com bandeiras, desfilam com uniformes de acordo com a posi-
ção de cada um no grupo, juram lealdade e obedecem às normas, até as
contrárias à razão e ao bom senso. Portanto, o ser autoritário significa
antes de tudo um ser obediente.
14 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Theodor W. Adorno dá relevância, em seu livro, à ação autoritária


no contexto da autoridade pedagógica, não apenas na educação formal,
mas também na educação informal. Em ambas, volta-se para a ação au-
toritária em seus aspectos de formação e de introjeção, denunciando não
somente o educador e ainda os pais, a família, o convívio social e a ins-
tituição escolar, na irresponsabilidade da construção da personalidade
autoritária. Adorno, dessa maneira, além de caracterizar a “síndrome” do
autoritarismo, busca sua explicação genética, suas origens na perverti-
da formação e introjeção da criança, do adolescente e do adulto. A per-
sonalidade autoritária pode ser vista em pessoas portadoras de certos
estereótipos presentes no corte de cabelo, na maneira de vestir, na pos-
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tura corporal, no culto da obediência e do mando, expressando ideias e


preconceitos, para elas indiscutíveis e atemporais.
O livro de Jason Ferreira Mafra, A ditadura espelhada – conservado-
rismo e crítica na memória didática dos anos de chumbo, insere-se no es-
tudo do autoritarismo e constitui fundamental contribuição para o exame
da construção da “personalidade autoritária”. Partindo, como diz o Autor,
de “inquietação pessoal de educador e professor de História em relação
ao ensino desta disciplina, mais especificamente, ao ensino de História
Contemporânea do Brasil”, o livro centraliza-se no modo como os livros
didáticos versam sobre a história da ditadura militar. O Autor toma uma
parte do material escolar do Estado de São Paulo no período de 1975 a 1999,
consistente de manuais didáticos amplamente utilizados em sala de aula.
O livro didático consiste num produto criado por determinado
modo de produção social, o que significa dizer que o livro didático é
uma mercadoria de cultura de massa, numa época de acumulação ace-
lerada e mundializada do capital. O tipo de conhecimento existente no
livro responde a certas situações de ensino escolar e à estratificação da
sociedade, servindo às finalidades impostas preponderantemente pela
classe dirigente de um momento histórico.
Jason Ferreira Mafra - 15

Nessa linha de raciocínio, o livro didático reproduz os conteúdos


e as críticas já preestabelecidos, formando e introjetando os interesses
hegemônicos e compondo a “personalidade autoritária”. Em vez de uma
ditadura, expõe ao aluno “uma democracia”; em vez de golpe de Estado
leva ao leitor “uma Revolução”; em vez da História do Brasil diz estar
inovando ao determinar o título de “Estudos Sociais”.
O livro de Jason Ferreira Mafra, intitulado A ditadura espelhada –
conservadorismo e crítica na memória didática dos anos de chumbo, diz
que “durante a ditadura militar até o ano de 1982, o Estado brasileiro
atuou no mercado editorial na condição de comprador e de coeditor
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com as empresas privadas”. E diz mais: “um grupo restrito de editoras,


a Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de Livros), que reunia
22 editoras de livros didáticos, dominava 94% do mercado brasileiro”.
Estão bastante evidentes o vigor do cartel de livros didáticos, bem como
a atuação estatal em favor de sua visão de mundo.
Porém o aspecto superior da obra de Jason Ferreira Mafra locali-
za-se no fato de demonstrar a maneira como o livro didático reproduz
a verdadeira ditadura militar no Brasil, “um espelho da ditadura” como
afirma o título, repetindo “concepções e juízos que a própria ditadura,
por mecanismos diversos, procurou construir e divulgar a si mesma”.
Do exame realizado no livro de Jason Ferreira Mafra, constata-se que
na amostragem selecionada por ele não aconteceram “de modo expres-
sivo, mudanças necessariamente progressistas em relação às abordagens
didáticas sobre a ditadura”. Ou como o livro registra em outra página: “re-
sistindo talvez ao caráter desconstrutivo do pós-modernismo histórico,
[o livro didático de história] não afirma a ocorrência de avanços efetivos
no procedimento interpretativo e crítico desse campo de conhecimento”.
No seu conjunto, em termos quantitativos, quanto em termos qualitati-
vos, respeitando o universo da pesquisa, “os livros didáticos não represen-
tam a dimensão do significado do período militar na história do Brasil”.
16 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Tão lamentável quanto o que foi dito, é que, como diz o Autor, em
1989 se reproduziam “imagens e abordagens muito semelhantes às ver-
sões contidas em livros de Estudos Sociais, produzidos ainda na déca-
da de 1970”.
A leitura da obra de Jason Ferreira Mafra, A ditadura espelhada –
conservadorismo e crítica na memória didática dos anos de chumbo, com
sua simplicidade e dedicação, contribui essencialmente para o aprimora-
mento da consciência social de professores e de todos aqueles que dese-
jam viver num Brasil melhor. Com certeza, a leitura desse livro deixará
boa lembrança.
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Ao lê-lo, lembrei-me de uma passagem escrita por Willian Faulkner:


“O passado não passou, ele sequer é passado”.

Evaldo A Vieira
Jason Ferreira Mafra - 17
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Introdução
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Jason Ferreira Mafra - 19

1 Gênese do tema
A ideia inicial deste trabalho tem origem na inquietação pessoal de
educador e professor de História em relação ao ensino desta disciplina,
mais especificamente, ao ensino de História Contemporânea do Brasil.
Lecionando a disciplina de História em escolas privadas e da rede
pública, para alunos do ensino fundamental e do ensino médio, por cerca
de duas décadas, pude constatar, no trabalho cotidiano de sala de aula, o
que foi certamente uma preocupação de muitos profissionais e militantes
da educação: um longo período de apatia e alienação política de gran-
de parte dos estudantes, especialmente, entre os anos oitenta e noventa.
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Evidentemente, reconhece-se que em alguns momentos daque-


la época ocorreram manifestações estudantis1, mas poucos discordam
da afirmação sobre o desinteresse geral desses estudantes em relação às
grandes questões sociais e nacionais.
Explicar tal fenômeno requer, sem dúvida, minucioso estudo socio-
lógico, já que o mesmo inscreve-se numa realidade extremamente com-
plexa, resultante de fatores conjunturais, estruturais e histórico-culturais
que caracterizam as mudanças político-econômicas internacionais e na-
cionais daquele período, compreendido como fase de consolidação da
chamada globalização capitalista.
Entre tantos fatores que possibilitam a formação da consciência e
a participação está, sem dúvida, o conhecimento que o indivíduo tem
de sua realidade imediata, suas condições objetivas e a relação destas
com o espaço social em que vive: o seu país. É neste contexto que situo
o tema Ditadura Militar2.

1 Geralmente sem grande expressividade, excetuando-se, talvez, alguns movimentos, entre os quais
o “diretas já” (1983-1984) e o “pró-impeachment” (1992), este último com a participação dos ditos
“caras-pintadas”. Há que se considerar que, mesmo esses movimentos de maior impacto social são
vistos por muitos com ressalvas e críticas em relação à consciência política desses jovens em tais
acontecimentos, o que, certamente, merece uma análise aprofundada.
2 No campo da historiografia brasileira, formado que é por distintas correntes, não há consenso
sobre esse termo, quando se refere ao marco histórico 1964-1985. Desde os mais conservadores,
20 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

A efervescência cultural na pré-ditadura e durante a mesma – ainda


que sistematicamente cerceada pelo aparelho estatal –, as ações políticas
do movimento estudantil e a resistência armada parecem não ter signi-
ficado relevante para a maioria dos estudantes brasileiros, considerando
o relativo imobilismo social dos mesmos. Evidentemente a validade de
tais afirmações necessita de estudo aprofundado; contudo, sob o aspec-
to empírico, é este o quadro que se configura imediatamente nas obser-
vações resultantes das práticas cotidianas em sala de aula, e se mantém,
de certa forma, estável na última década do século XX.
Atuando como professor de História ininterruptamente de 1989 a
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2005, e estando em contato com uma média anual superior a 500 alunos,
presenciei raríssimos casos de discussões referentes ao contexto histó-
rico brasileiro das últimas quatro décadas em que esses jovens, mesmo
os das séries finais do ensino médio, demonstraram conhecimento ou
interesse por tais assuntos3.
Em grande medida, esta é uma situação paradoxal: de um lado, o
desconhecimento quase absoluto sobre a história recente do Brasil en-
tre a maioria esmagadora dos jovens que concluem o ensino médio; de
outro, a admissão da relevância histórico-cultural desse período de-
monstrada pela significativa quantidade de material produzida sobre o
assunto. Esse quadro nos permite afirmar que a abordagem sobre o pe-
ríodo militar tem condição privilegiada em nossos temas históricos, ao
considerarmos que parte significativa dos autores contemporâneos (e

que o chamam de “revolução”, até os mais críticos, distintos conceitos têm sido empregados para
designar este período: “estado militar”, “estado civil-militar”, “ditadura civil-militar”, “regime militar”,
“regime civil-militar”, “ditadura militar”. Como o propósito aqui não é entrar na discussão concei-
tual, optamos por usar esta última expressão por ser a mais consagrada na historiografia crítica,
reconhecendo, obviamente, que os militares jamais poderiam governar o país sem a conivência e
apoio integral dos setores conservadores, mormente das classes e frações de classe dominantes,
que estiveram presentes na gestão do país durante toda a vigência daquele modelo político.
3 Salvas as iniciativas de determinados professores mais politizados ou quando o tema em questão
fora tratado pelos grandes meios de comunicação de massa – em especial a televisão, por meio
de filmes ou minisséries –, além dos casos de alunos participantes de determinadas organizações
estudantis, ou, ainda, daqueles portadores de um capital cultural superior à média dos estudantes.
Jason Ferreira Mafra - 21

não apenas historiadores, mas dramaturgos, poetas, literatos, cineastas,


cancionistas, etc.) tomou este assunto como objeto em suas produções.
A justificativa usada por muitos colegas de profissão de que os es-
tudantes não conseguem escrever sobre este tema porque “não conhe-
cem história de maneira em geral” deve ser vista com cautela. De fato,
não obstante a defasagem desses educandos no que diz respeito aos con-
teúdos desta disciplina, os alunos têm noções conceituais, ainda que li-
mitadas, de variados temas relacionados à história geral e à do Brasil4.
Para explicar esse desinteresse político resultante do desconheci-
mento histórico sobre o período militar por esses alunos, elegemos três
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eixos de pesquisa: o aluno, o professor e o material de estudo.


No enfoque sobre o aluno foi preciso estabelecer uma análise ex-
plicativa sobre como tal conteúdo é compreendido ou construído por
ele, explicitando as razões e pressupostos que o condicionam em tal
incompreensão.
Em relação ao professor, fez-se necessário abordar aspectos perti-
nentes às práticas de apropriação do conteúdo pelo mesmo, a partir de
alguns enfoques: a) importância atribuída pelo professor ao tema; b)
como esse tema é trabalhado em sala de aula5; c) de que maneira outras
disciplinas como Literatura, Geografia, Filosofia, Sociologia, Psicologia
da Educação, etc. trataram o respectivo tema.

4 Pesquisa realizada com 234 alunos do 3º ano do ensino médio em duas escolas da Diretoria de
Ensino Norte I, da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo, demonstrou essa tese. Tratou-se
de uma avaliação em que os alunos deveriam dissertar sobre três temas (à escolha deles ou dentre
os 21 propostos no questionário, incluindo tópicos sobre história geral e do Brasil) sobre os quais
tivessem maior conhecimento. O resultado mostrou que dos pesquisados que escolheram o tema
“ditadura militar”, apenas três alunos demonstraram algum conhecimento sobre o significado e
o contexto desse momento histórico; os demais, limitadamente, esboçaram vagos comentários
a respeito de acontecimentos da época. Em contrapartida, outros assuntos como “Escravidão e
Abolição no Brasil” (123 respostas), “Feudalismo” (68 respostas), “Independência do Brasil” (62
respostas), “Segunda Guerra Mundial” (58 respostas), “Renascença cultural” (18 respostas) e
“Descobrimento do Brasil” (16 respostas) mereceram muito mais atenção e aprofundamento por
parte desses educandos.
5 Sabe-se, por exemplo, que muitos professores de História nem chegam a abordá-lo. Alegam, muitas
vezes, que não dá tempo de cumprir o planejamento anual. Por consequência, esse conteúdo fica
prejudicado já que se situa, em geral, no final do último bimestre escolar.
22 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Por fim, foram examinadas as abordagens de livros didáticos sobre


a história da ditadura militar, considerando exemplares produzidos en-
tre meados da década de 1970 e final da década de 1990.

2 Conjuntura, objeto e universo de investigação


Consideramos que as representações da história da ditadura no cam-
po editorial didático, embora resultem das ações dos vários agentes que
constituem tal campo (diretamente editoras e autores, e indiretamen-
te Estado, universidade, professores, alunos, comunidade escolar, entre
outros), manifestam-se, dialeticamente, como produtos e produções
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sociais – tornando-se, portanto, estruturas estruturantes e estruturadas


do fenômeno aqui estudado –, cujo espaço privilegiado de reprodução
é o livro didático.
Dada a significação desse produto, a amplitude dos elementos cons-
titutivos do campo editorial e os limites deste trabalho, dentre as fontes
do universo investigado, destacamos nesta pesquisa a análise de par-
te do material de estudo circulante no Estado de São Paulo no período
que se estende de 1975 a 1999, elegendo alguns manuais didáticos que
foram amplamente utilizados em sala de aula nesse período. Dessa for-
ma, considerando-se a impossibilidade de analisar dezenas de títulos
disponíveis no momento exposto, tal escolha supôs uma opção qualita-
tiva. Para tanto, tomamos por base os seguintes critérios: disponibilida-
de, acessibilidade e cronologia.
O primeiro e segundo critérios remetem-se ao fato de que tais li-
vros estiveram à disposição e ao acesso de docentes e discentes durante
anos. São obras ainda encontradas nos acervos das escolas e das biblio-
tecas públicas e privadas6.

6 Levantamento realizado entre docentes do Ensino Básico revelou que os livros escolhidos para esta
análise foram utilizados por grande parte dos professores da área de História que integraram, desde
a década de 1980, o magistério no ensino fundamental e médio no Estado de São Paulo. O primeiro
(SOUZA; ARAÚJO, [197-]), por exemplo, fez parte do programa de distribuição de livros do MEC na
Jason Ferreira Mafra - 23

O critério cronológico releva-se pelo fato de considerar momentos


historicamente significativos na análise aqui proposta, quais sejam: 1975,
período de estabilidade do regime autoritário; 1979, início do afrouxa-
mento do regime em relação à censura; 1985, fim dos governos milita-
res; 1990, início de grandes transformações político-sociais e econômicas
nacionais e internacionais; e 1999, consolidação do processo de “rede-
mocratização” do país e integração do mesmo ao processo de mundia-
lização econômica sob a orientação do neoliberalismo.
A conjuntura exposta releva-se pelo fato de que, a partir da segun-
da metade da década de 1970 – com a chamada distensão iniciada em
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1974 pelo governo Geisel, culminando com a abertura no final de seu


mandato –, observamos maior autonomia dos autores para escrever uma
história sobre a ditadura, atribuindo a ela um enfoque crítico ou, pos-
sivelmente, inovado.
A revogação do Ato Institucional nº 5 e a sanção da Lei da Anistia,
em agosto de 1979, permitiram um alargamento no debate político, com
a suspensão da censura à imprensa alternativa ou mesmo a jornais tidos
como progressistas, embora a doutrina de segurança nacional e o estado
de emergência, que insistiam em classificar qualquer oposição de comu-
nista, aplicando a ela severas penas, estivessem ainda de pé.
No âmbito internacional mais próximo, a Revolução Sandinista
na Nicarágua (1979) passou a ser o novo modelo ou a esperança de um
socialismo sui generis – organizado sob influência de ideias marxistas,
sandinistas e cristãs – na América Latina, e em parte do pensamento in-
telectual brasileiro, identificado com os movimentos populares, duran-
te a década de 1980.

década de 1970 e está disponível na biblioteca da Faculdade de Educação da Universidade de São


Paulo ainda hoje; o segundo (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979) encontra-se também no acervo da
biblioteca citada; os demais, publicados a partir de 1980, com reformulações editoriais ou não, ainda
circulam no mercado editorial e, até o início do século XXI, eram enviados como material de cortesia
e divulgação às escolas e aos professores.
24 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Porém, o fim da Guerra Fria, iniciado a partir da queda do muro


de Berlim, em novembro de 1989, o esfacelamento da União Soviética
em dezembro de l991, a decomposição formal do bloco socialista, o es-
tabelecimento da mencionada nova ordem internacional e a penetra-
ção das ideias produzidas pelo pensamento pós-moderno7 provocaram
o que se pode denominar de crise de paradigmas, que, por sua vez, co-
optou parte desta mesma intelectualidade, levando-a à reavaliação de
antigas concepções, ou mesmo, à conformação de conceitos produzidos
no interior deste processo.
Enfim, observamos, neste curto período, uma reorganização das
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esquerdas brasileiras – culminando na aglutinação das mesmas em

7 Definir pós-modernismo é tarefa complexa. Expomos aqui algumas considerações de Agnes Heller e
Ferenc Fehér (1998). Segundo estes autores, a condição política pós-moderna deve-se às discussões
feitas acerca da crise do marxismo, das polêmicas sobre os microdiscursos, do renascimento religioso
e da compreensão de um conceito incompleto de justiça ético-política. Todos estes são sintomas que
indicam o fim da grande narrativa. No sentido helleriano, a pós-modernidade não é um novo período
histórico, é em “todos os sentidos ‘parasítica’ da modernidade; vive e alimenta-se de suas conquistas
e seus dilemas”. A novidade está na “inédita consciência histórica surgida na post-histoire”; sendo,
portanto, o “sentido grassante de que vamos ficar sempre no presente e ao mesmo tempo depois
dele”. Deve ser entendida como o tempo e o espaço privado-coletivo; uma pluralidade de espaços e
temporalidades heterogêneos que englobam as sociedades pós-estruturalistas, pós-industriais, pós-
-revolucionárias e pós-históricas (HELLER; FEHÉR, 1998, pp. 11-26).
Ser pós-moderno, nesse olhar, significa recusar a grande narrativa, o seu caráter ostensivamente
causal e teleológico, assim como sua posição de superioridade para com a história e o seu trans-
cendentalismo filosófico e político. A pós-modernidade coincide, neste sentido, com a museificação
da Europa em oposição à europeização do mundo moderno, ocorrida até o início do século XX. De
acordo com a autora, Marx, com sua tentativa de universalizar uma teoria, só conseguiu provar
que foi o “último europeu”. O pós-estruturalismo, como característica da pós-modernidade, indica
a predominância social e política do funcional sobre o enfraquecimento estrutural. Deste modo,
embora não tenham sido eliminados os conflitos, principalmente os de natureza econômica, não
se pode falar na existência da luta de classes no sentido revolucionário. A política funcionalista pós-
-moderna, entretanto, não deve ser vista como sinônimo de harmonia social, mas como a busca para
a solução de problemas, tanto por parte da esquerda quanto por parte da direita, para reorganizar
a rede de funções existentes numa determinada sociedade. A pós-modernidade é a condição de
post-histoire, uma confirmação da filosofia política de Hegel, o “estar depois”; é o sentimento de
vida que domina a contemporaneidade, sendo o presente sua única eternidade. A possibilidade
revolucionária não pertence à pós-modernidade, posto que “as expectativas messiânicas significam
infinitamente mais que apenas questionar e criticar a modernidade, que é tarefa auto adotada da
pós-modernidade”. Outra característica fundamental da pós-modernidade é a “reciclagem de teo-
rias”, entendida como soluções políticas; pois, segundo esses autores, embora tenhamos presenciado
o fim da ideologia, da religião, do marxismo, do cientificismo e do evolucionismo, nenhuma destas
proposituras se perdeu definitivamente e cada discurso pode dar a sua contribuição. Tais autores,
embora expressem o entendimento da pós-modernidade como um processo de desconstrução,
rejeitam a ideia de busca de soluções holísticas como se estivesse ocorrendo um vale-tudo das
teorias (HELLER; FEHÉR, 1998, pp. 11-26).
Jason Ferreira Mafra - 25

dois momentos importantes: nos trabalhos da Assembleia Constituinte


de 1987 a 1988 e na eleição direta para presidente no ano seguinte – e
uma posterior desintegração de tais forças, sobretudo, em decorrên-
cia das consequências da derrota eleitoral em 1989 destes setores, na
disputa da direção nacional do país, e da corroboração do neolibera-
lismo no cenário político brasileiro observada nas eleições presiden-
ciais de 1994 e de 1998.

3 Procedimentos metodológicos
3.1 Considerações gerais sobre as etapas da pesquisa
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Na conjuntura proposta a este estudo distinguimos três momentos,


os quais são submetidos às análises com a preocupação de combinar, na
medida do possível, dois critérios principais: o informativo/descritivo
e o interpretativo.
O critério informativo/descritivo tem como objetivo responder,
com dados e elementos da própria pesquisa, aspectos específicos per-
tinentes às problematizações que norteiam e definem os caminhos e os
limites de investigação do objeto.
O interpretativo propõe a análise crítica da pesquisa em cima das
hipóteses previamente levantadas ou reelaboradas no decorrer do pro-
cesso investigativo. Este critério visa dar conta das questões centrais do
trabalho, por meio de uma construção teórica ou possíveis generaliza-
ções. Isto não significa, obviamente, absolutizar novas ideias, mas, ao
contrário, contribuir com fundamentos e referências para o enriqueci-
mento do debate em torno de tais questões.
A temática deste trabalho desenvolve-se assim num recorte de abor-
dagem que se constitui numa investigação, enfatizando momentos sig-
nificativos que são aqui analisados na perspectiva das representações
sobre a ditadura militar brasileira.
26 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

O primeiro momento permite compreender a abordagem que os li-


vros davam à ditadura no momento em que a mesma se encontrava ati-
va e inabalada. O segundo refere-se ao período que se estende da fase
de decadência ao fim do regime militar. O último momento está rela-
cionado às abordagens feitas a partir do período conhecido como rede-
mocratização brasileira.
A primeira parte deste livro discute o significado do livro didático
no contexto da configuração de seu campo editorial. Apresenta também
um breve histórico das lutas ocorridas nesse campo, tendo como eixo
as implicações das avaliações institucionais do livro didático, realizadas
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

no período de 1995 a 2001.


A parte dois procura recompor uma visão panorâmica do perío-
do militar, confrontando-a com o que se convencionou chamar de vi-
são oficial da História. Para tanto, tomam-se como objetos os discursos
contidos no livro Estudos Sociais, de Souza e Araújo (escrito em mea-
dos da década de 1970) e as representações de um professor de História
expressas em uma entrevista.
A terceira parte apresenta o contexto da produção historiográfica
acadêmica do período militar até a década de 1990, situando as possí-
veis relações entre tais produções e os discursos didáticos dos livros no
quadro da redemocratização do país.
A última parte do livro analisa as evidências ideológicas dos auto-
res contidas na presença e na ausência de suas falas, considerando tais
falas como toda forma de expressão – que vai do próprio texto e se es-
tende aos demais recursos usados na transmissão do conteúdo dos li-
vros – responsável pela leitura que fazem do período e dos fenômenos
de ordem conjuntural e estrutural que os envolvem.
Jason Ferreira Mafra - 27

3.2 Categorias
Esta é uma pesquisa de caráter empírico-teórico, por isso, os pro-
cedimentos básicos serão a reflexão crítica sobre a análise dos dados le-
vantados e conteúdos dos livros didáticos – referentes ao tema “ditadura
militar” – e a pesquisa bibliográfica direcionada na perspectiva de diá-
logos críticos com os autores, livros, teses, artigos, etc.
Os fundamentos epistemológicos constroem-se num instrumental
teórico elaborado sob referências de autores que buscam fornecer análises
a partir de uma perspectiva dialética, característica de determinadas ten-
dências da História, da Filosofia, da Sociologia e da Filosofia da Educação
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

(especialmente pensadores relacionados à Filosofia da Educação brasi-


leira), que desenvolveram trabalhos orientados por uma epistemologia
aproximada das concepções de influência marxista e gramsciana.
Neste sentido, a investigação bibliográfica aponta para duas dire-
ções: uma relacionada aos livros didáticos de história do ensino funda-
mental e médio; outra dirigida à fundamentação teórica do trabalho.
Esta última, por sua vez, considera três abordagens distintas: a) filosó-
fica e filosófica da Educação; b) filosófica e metodológica da história; c)
análise da ditadura militar no Brasil (1964-1985).
Com vistas a uma captação rigorosa e sistemática da realidade, por
meio de um “estudo das situações concretas, nas suas particularidades”
(DINIZ, 1992, p. 46), adota-se aqui, também, como recurso metodoló-
gico, a técnica de estudo de caso. Todavia, tal procedimento não elimina
a técnica quantitativa, uma vez que, no processo de construção da mes-
ma, depara-se frequentemente com a necessidade de recorrer a “ques-
tionários, entrevistas e observação dos fatos” (DINIZ, 1992, p. 50), entre
outros recursos.
Neste intento, compreende-se aqui o estudo de caso como uma
técnica capaz de detectar universalidades na unidade, posto que “o pes-
28 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

quisador aproveita as evidências empíricas e as inferências produzidas,


correlacionando-as para alcançar a interpretação dos fatos, dentro de
um sistema investigativo mais amplo”, permitindo, ao mesmo, “detectar
uma ordem que lhes é subjacente”, por meio de uma “investigação empí-
rico-indutiva, na qual o caso é a unidade significativa do todo, a deter a
possibilidade de uma explicação da realidade” (DINIZ, 1992, pp. 51-52).

3.3 Sobre o conceito de representação


Para que se procedam às análises posteriormente apresentadas,
compreendemos a necessidade de expor algumas considerações sobre
o conceito de representação aqui entendido. Devido às possibilidades e
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

aos fins deste estudo, não se trata de uma reconstrução histórica exten-
sa nem de um aprofundamento de tal conceito – uma vez que isso de-
mandaria extenso trabalho, principalmente devido à complexidade de
interpretações e aplicações que esta categoria adquiriu no transcorrer
de sua elaboração nas ciências sociais8 –, mas de uma apropriação espe-
cífica do mesmo, tomado como ferramenta necessária às reflexões pos-
teriormente apresentadas.
A noção de representação é muito antiga, surgindo, entre outros
lugares, já na Grécia desde os filósofos pré-socráticos, quando os deu-
ses e suas capacidades eram entendidos como representações huma-
nas ou, inversamente, vale dizer, na medida em que os homens e suas
ações e virtudes eram vistos como projeções dos deuses. Para Platão, a
representação ou o mundo invisível (o mundo das ideias) era a realida-

8 A noção de representação social ocupa, cada vez mais, posição central nas ciências humanas
sendo objeto de estudo nas mais diversas disciplinas (como a Antropologia, História, Sociologia,
Psicologia, etc.) abrangendo, por isso, domínios diversos de pesquisas como o campo científico
(teorias e disciplinas científicas, difusão dos conhecimentos, didática das ciências, desenvolvimen-
to tecnológico...), campo cultural (cultura, religião, artes...), campo social e institucional (política,
movimentos sociais, economia, sistema jurídico...), campo biomédico (corpo, sexualidade, esporte,
saúde...), campo psicológico (personalidade, inteligência, grupos...), campo educacional (institui-
ções escolares, formação, funções educacionais...). É, portanto, como se pode observar, objeto de
vasto estudo tratando de investigações relativas aos diferentes atores sociais – crianças, mulheres,
homens, diferenciação de gêneros... – e às variadas relações intergrupais – nação, etnias, sexos,
categorias sociais, identidade cultural, etc. (JODELET, 1991, pp. 5-7).
Jason Ferreira Mafra - 29

de mesma, uma vez que a ideia era o real verdadeiro, absoluto e eter-
no, a síntese de todas as possibilidades, existindo independente de nós9.
Já o mundo visível, sensível, concreto, constituía-se no mundo da apa-
rência, dos reflexos da verdadeira realidade, que por sua vez se configu-
rava, não pela existência, mas pela essência das coisas. Esse método de
explicação da realidade, postulado na metafísica, permaneceu, de certa
forma, hegemônico até o século XVIII, quando se iniciaram os traba-
lhos de Immanuel Kant (1724-1804) e, posteriormente, os de Georg W.
F. Hegel (1770-1831).
O materialismo filosófico marxista, que se consolidou como uma
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

epistemologia da História desde a segunda metade do século XIX, cri-


tica esta concepção, já que tal modelo explicativo faz das representações
um dado primário e da matéria um dado secundário.
Para Marx, o ponto de partida não reside na ideia, mas na realida-
de material que comporta suas especificidades representativas. De acor-
do com este entendimento, “o concreto é concreto por ser a síntese de
múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade”. De acordo com
o autor alemão, o concreto é para o pensamento “um processo de sínte-
se, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro
ponto de partida e portanto igualmente o ponto de partida da observa-
ção imediata e da representação” (MARX, 1973, p. 229).
Nessa mesma direção, ao apropriar-se da dialética hegeliana, ca-
tegoria que serviu de base para a construção do materialismo históri-
co, o marxismo opõe-se à concepção metafísica de Hegel que, segundo
Marx (1973, p. 229), “caiu na ilusão de conceber o real como resultado
do pensamento, que se concentra em si, se aprofunda e se movimenta
por si próprio”. De acordo com o filósofo alemão, “o método que con-

9 Na concepção platônica, a ideia de árvore, por exemplo, supera a noção de quaisquer árvores
existentes na natureza concreta, pois, para ele, a “ideia” é a síntese de todas as árvores existindo
aprioristicamente.
30 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

siste em elevar-se do abstrato ao concreto é para o pensamento preci-


samente a maneira de se apropriar do concreto, de o reproduzir como
concreto pensado” (MARX, 1973, p. 229).
De acordo com Roger Chartier, representante da denominada his-
tória cultural, o estudo das representações no campo da História ganhou
ênfase, a partir da década de 1930, na França, com o grupo dos Annales
(a denominação de “Escola” não é totalmente aceita no mundo acadê-
mico), dirigido por Marc Bloch e Lucien Febvre, que procurou explorar
um campo, até então, não abordado pela história econômica e social.
Trata-se de uma tentativa de analisar a realidade a partir de suas repre-
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sentações, considerando, ao mesmo tempo, as representações como re-


alidade de múltiplos sentidos (cf. CHARTIER, 1988, p. 11).
De fato, como se pode observar em Michelet e a Renascença
(FEBVRE, 1995), surgia aí uma maneira inovada de (re)construir a
História, que, ao mesmo tempo em que criticava a história positivista,
factual e patriótica, estendia suas explicações para além dos limites da
economia, buscando elementos da sociologia de Durkheim e de outras
ciências sociais (SCHVARZMAN, 1995). Naquele trabalho10, editado por
Fernand Braudel em 1982, Lucien Febvre procurou reconstruir as condi-
ções, a formação intelectual e fatores sociais que levaram Jules Michelet a
estabelecer o conceito de Renascença, considerado, até então, “um sim-
ples episódio artístico e literário da história do Ocidente”, bem como
explicitar os elementos responsáveis pela geração de um “espírito histó-
rico” característico da primeira metade do século XIX (MUSSE, 1995).
Febvre tomou como ponto de partida o debate em torno das no-
ções e das caracterizações que Michelet e seus contemporâneos faziam
a respeito da Idade Média, esta acusada de Idade das Trevas, da rotina,

10 Publicado como livro, mas que na verdade trata-se de notas completas de um curso que o autor
ministrou no Collège de France entre dezembro de 1942 e abril de 1943 ou, nas palavras do mesmo,
“um ensaio sobre o poder das palavras em história” (FEBVRE, 1995, p. 27).
Jason Ferreira Mafra - 31

da estagnação, da imobilidade e da impessoalidade (FEBVRE, 1995, p.


19), e da Idade Moderna, considerada o momento em que, segundo es-
tes, “o homem torna-se um indivíduo, uma personagem” assinalando o
“nascimento da individualidade” (FEBVRE, 1995, p. 20).
O autor polemiza esta questão mostrando que há muito mais pro-
blemas que explicações em tais noções, uma vez que o mundo medieval
do século XIII é “caracterizado por três traços essenciais: o reconheci-
mento do primado da razão e das ideias claras; o sentido da medida e
da conciliação e, sobretudo, a proclamação do evidente valor, da emi-
nente dignidade do indivíduo” (FEBVRE, 1995, p. 21, grifo do autor).
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Para Lucien Febvre, a representação é, nesse sentido, uma etique-


ta, significando um conjunto de “noções que se implantam em nossos
espíritos, em nossos hábitos, em nossos modos de falar e de pensar”
(FEBVRE, 1995, p. 30). Todavia, não a compreende apenas em seu as-
pecto negativo, pois considera que a etiqueta é uma necessidade do his-
toriador, e que, devidamente colocada, pode transformar-se em sistema
coerente, sistema que toma vida:
A Renascença, de início, é antes de tudo o aparecimento de uma
nova pintura. E em seguida, da pintura, a palavra passa à escultura,
à arquitetura, a todo conjunto de artes plásticas. E depois das artes
plásticas, passa à literatura. E à erudição em todos os domínios. À
filosofia e à ciência, bem como ao humanismo, no sentido estrito
da palavra [...]. Da Renascença assim concebida procuram-se as
causas [...] E a Renascença, deixando de constituir um episódio
da história artística e literária do Ocidente, transforma-se em toda
uma época, em todo gênero de vida, em toda uma forma de ser
[...]. Um ser que engendra, que modela, que marca alguns homens:
os homens da Renascença. (FEBVRE, 1995, p. 31).
Caracterizar, a partir de subsídios epistemológicos de outras disci-
plinas como a Sociologia e a Antropologia, e “identificar o modo como
em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social
32 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

é construída, pensada, dada a ler”, tornou-se o objeto principal da his-


tória cultural, que, segundo Chartier, propõe-se a superar um debate
antigo que situa a explicação da História a partir da objetividade das es-
truturas (considerada pelos seus defensores como o terreno mais segu-
ro para a reconstituição da verdadeira história, vez que se fundamenta
em documentos seriados e quantificáveis) e da subjetividade das re-
presentações, designadas como o campo das “ilusões de discursos dis-
tanciados do real” pelos seus críticos (CHARTIER, 1988, pp. 16-18).
Para Chartier (1988, p. 19), as representações, no sentido individual,
são “matrizes de discursos e de práticas diferenciadas [...] que têm por
objetivo a construção do mundo social, e como tal a definição contra-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

ditória das identidades”.


A noção de representação coletiva constrói-se em função da con-
ciliação das “imagens mentais claras” (objetividades) com “os esquemas
interiorizados, as categorias incorporadas que as geram e a estruturam”
(CHARTIER, 1988, p. 19). Assim, Chartier (1988, p. 19) explicita a pos-
sibilidade de
[...] pensar-se uma história cultural do social que tome por objeto
a compreensão das formas e dos motivos – ou, em outras palavras,
das representações do mundo social – que, à revelia dos atores
sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente con-
frontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como
pensam que ela é, ou como gostaria que fosse.
Dessa forma, compreende-se – objetivando-se as interpretações,
considerações e análises apresentadas nesta pesquisa – o sentido de re-
presentação como um ordenamento do mundo (neste caso, a realidade
histórica brasileira do período ditatorial militar) a partir das imagens;
configuradas que são pelas ideias, afirmações, produções intelectuais,
entrevistas, depoimentos escritos, discursos; explícitas e/ou subjacentes;
construídas e reproduzidas no recorte histórico proposto, tendo como
Jason Ferreira Mafra - 33

objetos algumas produções didáticas do período e determinadas mani-


festações de certos agentes sociais que compõem o campo educacional
(alunos, professores, autores de livros).
Consideramos que as representações inscrevem-se historicamente
e explicitá-las em seu contexto significa mais que conhecer seu conteú-
do, impõe revelar sua feição e o seu processo criador, isto é, seu senti-
do. Assim, compreendemos a necessidade de mostrar não apenas o que
dizem as representações, mas porque elas dizem dessa forma e não de
outra, isto é, sua caracterização e sua gestação.

3.4 Contribuições de Pierre Bourdieu


UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Embora se tenha lançado mão de referências conceituais de dis-


tintos autores, sobretudo do campo historiográfico e educacional, o ne-
cessário recorte epistemológico para tais análises privilegiou algumas
noções operatórias desenvolvidas por Pierre Bourdieu, das quais se ma-
nifestam, em especial, os conceitos de campo, habitus, capital cultural,
capital simbólico e poder simbólico11.
Tal procedimento leva em consideração o fato de que as reflexões
desse autor contribuem de maneira significativa para a possibilidade de
uma compreensão orgânica da esfera da subjetividade – entendida aqui
como as especificidades de um determinado campo – que, por sua vez,
articula-se com as esferas da estrutura e da superestrutura12.

11 Tais categorias fazem parte de um complexo arcabouço teórico que Bourdieu constrói e desenvolve
no decorrer da evolução de sua vasta obra, que se inicia na década de 1950 e se estende até os
seus últimos trabalhos, no início do século XXI. Não é proposta aprofundá-las aqui, uma vez que
tal procedimento demandaria outro trabalho. O objetivo é expô-las, sucintamente, apenas para os
fins e os limites das análises aqui apresentadas.
12 Neste enfoque, compreende-se a estrutura e a superestrutura no sentido que Marx as pensou: “[...]
na produção social de sua existência os homens estabelecem relações determinadas, necessárias,
independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de
desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui
a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de
produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em
geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente,
determina a sua consciência” (MARX, 1973, p. 28).
34 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

A noção de campo empregada por Bourdieu refere-se aos vários


espaços sociais (científico, artístico, burocrático, político, religioso, lite-
rário, jurídico, intelectual, de poder, de produção cultural, econômico,
filosófico, de produção ideológica, das instituições escolares, etc.), cons-
tituídos por uma “estrutura de relações objetivas” (BOURDIEU, 1999, p.
66, grifo do autor), onde se encontram e se relacionam os diversos agen-
tes sociais, os quais têm suas posições fixadas a priori pelo capital social
que possuem e que comportam sistemas de interações e relações con-
cretas de forças e lutas simbólicas próprias de todo mercado, como con-
corrência, monopólio, oferta, procura, capital, investimento, ganho, etc.
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Tais espaços se configuram por um conjunto de procedimentos,


rituais e regras próprias, que se estabelecem internamente de forma
explícita ou tácita. Cada campo possui suas características e variantes
próprias; todavia, existem propriedades comuns – homologias estrutu-
rais e funcionais – a todos os campos, o que permite a construção de
uma teoria geral dos campos (BOURDIEU, 1999, p. 67). O campo, nes-
se sentido, é entendido como um mercado de bens simbólicos, onde se
manifestam relações de poder que se estruturam a partir de uma dis-
tribuição desigual de um quantum social que determina a posição que
cada agente ocupa em seu interior. É uns lócus específico nas classes e/
ou nas frações de classe, caracterizado por uma autonomia relativa, de-
corrente das especificidades do “jogo” que se desenvolve em seu interior
(BOURDIEU, 1999, pp. 68-70).
Sinteticamente, a noção de habitus consiste, segundo Sérgio Miceli,
importante intérprete de Bourdieu, num
[...] sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas pre-
dispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é,
como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações
que podem ser objetivamente regulamentadas e reguladas sem que
por isso sejam o produto de obediência de regras, objetivamente
Jason Ferreira Mafra - 35

adaptadas a um fim, sem que tenha necessidade de projeção cons-


ciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas
sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem
o produto da ação organizadora de um maestro (MICELI, 1999,
p. XL, grifo do autor).
Constitui-se, dessa forma, num “princípio operador que leva a cabo
a interação entre dois sistemas de relações, as estruturas objetivas e as
práticas” (MICELI, 1999, p. XLI).
Trata-se, portanto, de uma interiorização das normas e dos valores,
um conhecimento adquirido, “espécie de sentido do jogo que não tem
necessidade de raciocinar para se orientar e se situar de maneira racional
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num espaço” (BOURDIEU, 1999, p. 62). Um conceito teórico que visa


“sair da filosofia da consciência sem anular o agente na sua verdade de
operador prático de construções de objeto” (BOURDIEU, 1999, p. 62).
Em relação ao campo educacional, a escola, força formadora de hábitos,
[...] propicia aos que se encontram direta ou indiretamente sub-
metidos à sua influência, não tanto esquemas de pensamentos
particulares e particularizados, mas uma disposição geradora de
esquemas particulares capazes de serem aplicados em campos
diferentes do pensamento e da ação, aos quais se pode dar o nome
de habitus cultivado (BOURDIEU, 1999, p. 211).
Segundo Bourdieu, o capital cultural define-se pelo conhecimento
que o indivíduo adquire por meio de uma aprendizagem contínua, que
se dá, principalmente, em três espaços específicos: na família, no con-
vívio social e na instituição escolar. Embora esse capital apareça como
natural, congênito, é fruto do social, do adquirido, do assimilado nos
distintos espaços e campos sociais, o que faz com que, numa sociedade
de classes, e consequentemente nas frações de classes, ocorram necessa-
riamente desníveis culturais entre os indivíduos de segmentos diversos,
ou ainda, entre indivíduos de um mesmo segmento (cf. BOURDIEU,
1999, pp. 295-304). Neste sentido, pode-se compreender tais desníveis
36 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

tanto entre o filho de um operário e o filho de um empresário que estu-


dam em escolas distintas (pública e privada) como o filho de um operá-
rio e o de um professor que estudam numa mesma escola.
O capital cultural é uma propriedade como qualquer outro tipo de
capital (físico, econômico, social), expressando-se como um capital sim-
bólico que tem seu valor conhecido e reconhecido pelos agentes sociais.
Bourdieu (1996, p. 107) explica ainda que
[...] é a forma que todo tipo de capital assume quando é percebido
através das categorias de percepção, produtos da incorporação das
divisões ou das oposições inscritas na estrutura da distribuição
desse tipo de capital (como forte/frágil, grande/pequeno, rico/
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pobre, culto/inculto, etc.).


Para o sociólogo francês,
[...] o sistema de ensino reproduz tanto melhor a estrutura de
distribuição do capital entre as classes (e as frações de classe)
quando a cultura que transmite encontra-se mais próxima da
cultura dominante e quando o modo de inculcação a que recorre
está menos distante do modo de inculcação familiar (BOURDIEU,
1999, p. 306).
O poder simbólico é o poder que se manifesta em todas as esferas
sociais, constituindo-se numa “espécie de círculo cujo centro está em toda
parte, e em parte alguma”, sendo, desta forma, um “poder invisível o qual
só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem sa-
ber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1999,
pp. 7-8). É exercido por meio dos instrumentos simbólicos que funcio-
nam como estruturas estruturantes (mecanismos de conhecimento e de
construção do mundo objetivo), como estruturas estruturadas (meios
de comunicação: língua ou culturas, discurso ou conduta) e como ins-
trumentos de dominação por meio da divisão do trabalho na socieda-
de de classes (trabalho manual e intelectual), configurando-se em poder
Jason Ferreira Mafra - 37

ideológico como contribuição específica da violência simbólica (ortodo-


xia) para a violência política (dominação) (cf. BOURDIEU, 1999, p. 16).
Ignorar tal poder significa reconhecê-lo como legítimo, submeten-
do-se a ele ou exercendo-o. Por isso, sua destruição consiste numa to-
mada de consciência do arbitrário, isto é, no desvelamento da verdade
objetiva que o oculta, como condição para o aniquilamento da crença
em sua legitimidade. Assim, de acordo com Bourdieu (1999, p. 15, gri-
fo do autor),
[...] é na medida em que o discurso heterodoxo destrói as fal-
sas evidências da ortodoxia, restauração fictícia da doxa, e lhe
neutraliza o poder de desmobilização, que ele encerra um poder
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simbólico de mobilização e de subversão, poder de tornar atual o


poder potencial das classes dominadas.
No conjunto dos objetivos e preocupações metodológicas aqui apre-
sentadas, e consciente dos limites de um trabalho desta natureza, inten-
ta-se que os resultados deste esforço investigativo possam contribuir,
na medida do possível, com alguns subsídios para reflexões futuras em
pesquisas acerca de uma compreensão mais abrangente – objetivando
uma visão de conjunto – do ensino de História nos níveis fundamental
e médio, bem como colaborar de alguma maneira com o longo trabalho
de construção didática desta disciplina em sala de aula.
Para tanto, faz-se necessária uma análise global que passe por dois
campos de pesquisa, quais sejam, a análise interna e a análise externa do
objeto. Compreendendo que o historiador organiza as fontes em razão de
uma teoria que o mesmo tem de si e do mundo, sujeito às condições po-
líticas, econômicas e ideológicas impostas pela conjuntura, fazer uma lei-
tura da ditadura militar no livro didático pressupõe, como afirma Paulo
Freire (1988, p. 13), “a compreensão do texto a ser alcançada por uma lei-
tura crítica que implica a percepção das relações entre texto e contexto”.
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Parte I

O Livro Didático como


Produto do Campo
Editorial
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Jason Ferreira Mafra - 41

1 O significado do livro didático e de seu uso


Não há dúvida de que se pode compreender como material de estu-
do tudo o que diz respeito ao seu objeto, como livros, poemas, músicas,
filmes, artigos e recortes de jornais e revistas, peças de teatro, palestras,
depoimentos, etc. Entretanto, nesta temática, o trabalho aqui apresenta-
do elegeu como objeto privilegiado de investigação a fonte mais acessí-
vel e utilizada em sala de aula por professores e alunos: o livro didático.
O que é um livro didático? Esta seria a primeira questão a ser res-
pondida para dar significação ao termo. Com certeza, a conceituação
do livro didático como categoria que se vincula ao processo do conhe-
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cimento, em especial, nos níveis de ensino fundamental e médio, é mui-


to relevante, dada a sistemática aplicação do mesmo como instrumento
de ensino-aprendizado na ação pedagógica. Nesta direção, vários auto-
res buscam defini-lo a partir de algumas perspectivas.
Sob o ângulo de suas funções pode ser visto como “material im-
presso, estruturado, destinado ou adequado a ser utilizado num processo
de aprendizagem ou formação” (OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY,
1984, p. 11); ou como “uma obra escrita [...] com a finalidade específi-
ca de ser utilizada numa situação didática” (MOLINA, 1987, p. 17); ou
ainda como “aquele que da forma mais simples, clara e compreensí-
vel, procura transmitir à criança o conhecimento de certas disciplinas”
(CASTRO, 1973 apud FREITAG, 1987, p. 60).
O livro didático é compreendido também como um produto social
de determinado modo de produção, vez que é “mercadoria componente
de cultura de massa, que veicula conhecimentos voltados para situações
de ensino escolar, seja no nível da reprodução ou do questionamento do
social” (MEKSENAS, 1992, p. 8).
Ainda que o histórico do livro didático no Brasil remonte à déca-
da de 1930 (FREITAG, 1987, p. 5), esta discussão ainda está longe de
42 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

ser resolvida, uma vez que mesmo autores desses livros reconhecem a
dificuldade de defini-lo. Assim constatamos ao examinar as afirmações
de um deles:
Eu acho que o livro paradidático é um livro didático. Por que,
exatamente, o que é didático e o que é paradidático? Uma coisa
meio complicada. Paradidático! Não é didático! Os autores desses
livros, os professores que trabalham com esse material, e talvez,
até os editores não sabem exatamente a distinção entre o livro
didático e o livro paradidático, mas trabalha-se, de um modo
subjacente, com uma coisa mais ou menos assim: o livro didático
seria aquele manual que pode ser utilizado ao longo de um curso,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

um curso que o professor determina o que é esse curso. E o livro


paradidático seria um instrumento de trabalho didático utilizado
em momentos desse curso e não no curso como um todo. Essa
talvez seria uma definição subjacente, mas você vê que em essência
é uma questão mais formal do que de conteúdo propriamente. Eu
incluo o livro paradidático como o didático, porque hoje ele está
revestido de todas as características que marcam o livro didático.
São livros, de um modo geral, que abordam um tema, que tem a
preocupação de transmitir esse tema dentro da linguagem, dentro
da competência cognitiva do aluno, dentro de uma faixa etária,
portanto, levando em conta essa faixa etária, o universo vocabular,
levando em conta um curso que eles estão imaginando que um
professor está dando. São livros acompanhados de atividades,
você vê, eles são instrumentalizados de atividades após a leitura,
que fazem um tipo de checagem da matéria, de verificação da
aprendizagem, ao mesmo tempo, de construção do saber, etc.,
que são todos elementos hoje característicos dos livros didáticos.
Sob o aspecto conceitual, portanto, vários elementos podem definir
esta modalidade de livros. Mas a partir da ótica mercadológica fica mais
fácil caracterizá-lo, uma vez que é considerado didático, na prática edu-
cativa, aquele que é definido pelas editoras e que é adotado ou não pelas
Jason Ferreira Mafra - 43

escolas, ainda que o conceito de didática, muitas vezes, sob o ponto de


vista acadêmico13, não seja, de fato, uma preocupação de editores, pro-
fessores ou do corpo pedagógico de uma unidade escolar. O fato é que
ele está mesmo em sala de aula, ainda que frequentemente não se encai-
xe nos conceitos que o caracterizam. Dessa forma, definimo-lo aqui sob
seu aspecto utilitário e concreto, qual seja, o manual básico do proces-
so ensino-aprendizagem ocorrido cotidianamente na educação formal.
Devido ao quadro das condições objetivas em que estão inseridos
a grande maioria de educandos e educadores, esta é a fonte mais aces-
sível e utilizada por professores e alunos no cotidiano escolar. Mesmo
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

que muitos colegas afirmem não adotá-lo, na prática, sua mensagem é


sistematicamente transferida para este espaço, materializando-se, por-
tanto, em ferramenta de uso corriqueiro para consulta ou quaisquer ou-
tras referências14.
Com frequência esse material chega às mãos do professor por meio
das escolas ou mesmo gratuitamente pelas editoras via mala direta. Em
geral, na rede privada de ensino, nos níveis fundamental e médio, o li-
vro didático é uso obrigatório, salvo raras exceções em que se recorre
às apostilas.

13 A partir da década de 1990, a academia passou a influenciar, em certa medida, a confecção do livro
didático. Isso ocorreu principalmente quando o resultado desses trabalhos reverberou nos órgãos
oficiais, que passaram a orientar, via propostas curriculares, os materiais didáticos (OLIVEIRA;
GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984, pp. 69-74). É certo que as editoras procuram acompanhar as orientações
oficiais na organização do livro, exatamente para não correr o risco de perda de mercado. Entretanto,
mesmo que se possa dizer que as políticas oficiais para o livro didático influenciam no seu processo
de produção editorial, as inúmeras críticas, sobretudo acadêmicas, que se configuraram sobre tais
livros, em especial a partir da década de 1980 (e que, portanto, deveriam ter provocado substantivas
mudanças nos manuais), até meados da década de 1990, demonstram os limites dessa influência.
14 Em O livro didático e a popularização do saber (publicado em Repensando a História – ANPUH),
Kátia Maria Abud (1984, p. 81) faz, entre outras, as seguintes observações a respeito do livro
didático: “Instrumento de trabalho indispensável, pois não há professor que nele não se apóie, o
livro didático tem sido um dos mais utilizados canais de transmissão [...] um dos responsáveis pelo
conhecimento histórico que constitui o que poderia ser chamado de conhecimento do homem
comum [...] mais recentemente, outra função tem sido assumida pelo livro didático: a de informar
também o professor”.
44 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Na rede pública, embora o governo não abasteça a totalidade dos


alunos com tal material, é prática comum do professor incentivar os
mesmos a adquiri-lo, já que tal procedimento facilita o desenvolvimen-
to das atividades em sala de aula, desafogando, por vezes, o educador
das condições cada vez mais perversas de trabalho15.
Evidentemente, expor o quadro das condições objetivas e subjeti-
vas em que vive o professor é tarefa bem complexa, mas, apenas a título
de demonstração de parte destas condições, é relevante notar que o pro-
fessor da rede pública do Estado de São Paulo tem uma jornada sema-
nal mínima de 20 horas em sala de aula, estendendo-a, muitas vezes, ao
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

limite de 32 aulas, o que significa, no caso dos professores de História e


de outras disciplinas com mesma carga horária, ter de assumir 16 clas-
ses, o que pode corresponder a um número de até 640 alunos, conside-
rando-se a média de 40 estudantes por classe16.
Além disso, grande parte desses professores acumula cargos na rede
municipal e/ou privada, agravando ainda mais tal quadro. Neste contex-
to, o manual didático torna-se uma tábua de salvação, uma vez que não
se encontram condições possíveis para o desenvolvimento de um traba-
lho sistemático e, por consequência, de boa qualidade em sala de aula.
Por isso, quer queiram ou não, direta ou indiretamente, devido prin-
cipalmente às condições concretas que dificultam a capacitação contínua
dos profissionais da educação – levando os mesmos a buscar, constan-
temente, estratégias que amenizem o desgaste cotidiano do ofício –, a
abordagem e a visão dos livros didáticos é, em certo nível, sempre ex-
posta à sala de aula e, portanto, ao professor e ao aluno.

15 É sabido que, para atender suas necessidades materiais básicas, o professor obriga-se a ampliar
cada vez mais sua jornada de trabalho, o que o leva frequentemente ao espontaneísmo e ações
por vezes alienadas, decorrentes principalmente do pragmatismo e improvisos cotidianos, o que
faz do livro didático uma espécie de manual único de trabalho.
16 De acordo com a atual grade curricular adotada por várias escolas de algumas diretorias de ensino,
como, por exemplo, a Diretoria Regional Norte I da capital de São Paulo, cada classe possui duas
horas-aula semanais desta disciplina, fator que amplia consideravelmente o número de classes e
alunos a serem atendidos pelo professor.
Jason Ferreira Mafra - 45

“Ler é a arte de desfazer nós cegos”, afirma Goethe. Na mesma pers-


pectiva Bachelard escreveu que aceder à ciência é rejuvenescer, pois quan-
do o espírito se apresenta à cultura científica ele é sempre muito velho,
pois tem a idade de seus preconceitos. Nesse sentido, pensando no li-
vro didático como um veículo de produções científicas que deveria ser,
mas que, em larga escala, produz e reproduz incorreções, preconceitos
e ideologias, como em vários estudos anteriormente demonstrados (cf.
FREITAG, 1987; MUNAKATA, 1998, pp. 271-296), surge a preocupação
de que professores e alunos façam ainda uma leitura absoluta e definiti-
va do mesmo, como se ele fosse o portador da última palavra, a palavra
oficial, desprovida de equívocos e incontestável.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Dessa forma, conquanto este tema tenha sido discutido por vários
autores, e ainda que se considere os atuais manuais escolares qualitativa-
mente superiores aos produzidos até a década de 80 (cf. MUNAKATA,
1998, pp. 271-296)17, torna-se necessário manter sempre um olhar crí-
tico em relação ao material didático (e paradidático), decodificando-o,
compreendendo-o, observando sua tendência, coerência ou incoerência,
seu objetivo submerso nas entrelinhas, ou mesmo seu objetivo imediato
ou explícito, enfim, o significado de suas representações.

2 O campo editorial do livro didático


Não tem cabimento perguntar sobre Terras de Negros no vesti-
bular. Isso foi tema de uma recente tese de doutorado na USP e
ainda não faz parte do currículo do ensino médio. Nenhum livro
didático contém esse assunto (ABSTENÇÃO..., 2000).

17 Em artigo publicado no livro Historiografia Brasileira em Perspectiva (Editora Contexto), Munakata


(1998), que defendeu tese de doutorado sobre o assunto, faz uma avaliação a partir do levanta-
mento dos vários trabalhos relativos aos manuais didáticos e paradidáticos, caracterizando-os sob
o aspecto historiográfico e editorial, salientando, entre outros aspectos, uma melhoria progressiva
na qualidade dos livros didáticos de História nestas últimas duas décadas.
46 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

O fragmente exposto é uma afirmação da coordenadora à época


do curso pré-vestibular Objetivo, ao expor seu parecer sobre a prova de
Geografia do vestibular da Fuvest de 2000.
Conhecendo-se o peso que o vestibular tem para certos segmentos
sociais, é possível que um fato como este interfira na atualização/revi-
são que algum autor de livro desta disciplina fará para a próxima edição.
Todavia, dificilmente os autores, salvo comuns exceções, irão espontanea-
mente atrás de uma tese escondida na prateleira de uma universidade18.
No limite, poderíamos dizer que este é o fim da estrada de um li-
vro didático: “garantir o conhecimento necessário para a aprovação do
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

aluno no vestibular”. Evidente que se trata de um reducionismo, vez que


grande parte dos alunos sequer termina o ensino médio e outra, ainda
que o faça, não se encaminha para o estudo universitário19. Contudo, a
verdade é que um episódio como este demonstra uma entre as muitas
possibilidades de interesses que podem determinar as funções desse bem
simbólico que compõe o mercado do qual faz parte o campo editorial.
Alguns autores discutiram minuciosamente este campo em traba-
lhos específicos, caracterizando detalhadamente a economia e a política
do livro didático no Brasil, situando-as até o início da década de 199020.
Tendo como referências, principalmente, os estudos desses auto-
res e o material publicado por um jornal sobre esse assunto, a partir de
199421, apresentamos aqui uma rápida visão panorâmica desse quadro.

18 O autor Gilberto Cotrim afirma que os trabalhos acadêmicos influenciam sua produção na medida
em que possuem “eco na sociedade”, isto é, tornam-se livros. Sabemos, entretanto, que a maior
parte dos trabalhos permanece como documentos restritos à academia, dadas as dificuldades de
publicação.
19 Vale considerar que até o início do século XX, o acesso à educação superior era extremamente
restrito, situação que se acentuava muito mais em relação aos alunos egressos da escola pública.
20 Destacam-se em tais estudos, entre outros, os trabalhos já citados de Oliveira, Guimarães e Bomény
(1984), Molina (1987), Freitag (1987), Meksenas (1992).
21 Trata-se de um levantamento de vasto material publicado pelo jornal Folha de São Paulo sobre o livro
didático, no período de 1994 a 2000. Encontramos nos arquivos da biblioteca virtual deste jornal
grande quantidade de publicações abordando a temática do livro didático, das quais selecionamos
cerca de 72 artigos para análise. A opção por usar como fonte jornalística este veículo justifica-se por
duas razões: primeiro porque existiam poucos trabalhos sistematizados (livros, teses) sobre o tema
Jason Ferreira Mafra - 47

Como todo campo, o campo editorial é um espaço social onde se


estabelecem relações de mercado como concorrência, monopólio, ofer-
ta, procura, capital, investimento, ganho, perda, etc. e que se configu-
ra como um lugar de luta dos agentes para ocupação e consolidação de
seu espaço.
Grosso modo, podemos dizer que os principais atores do campo
editorial, na defesa de seus respectivos interesses, situam-se em três ins-
tâncias neste mercado simbólico: o poder público (representado pelo
Estado e seus órgãos oficiais, nos níveis federal, estadual e municipal,
e por representantes da sociedade civil), as editoras e os autores. A luta
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

que se trava nesse campo envolve as dimensões política e econômica, es-


feras de disputas necessárias para a garantia da permanência dos agen-
tes no campo.
Organiza-se, então, nesses três níveis, uma rede de relações e articu-
lações político-econômicas objetivando a defesa dos variados interesses
de ganho simbólico dos agentes, cuja permanência, ou até mesmo con-
dição de hegemonia no jogo que aí se estabelece, torna-se meta princi-
pal de todos os envolvidos.
Segundo Freitag, o mercado editorial do livro didático constituiu-
-se, desde a década de 1980, como o segmento mais lucrativo do campo
editorial brasileiro. Configurou-se lentamente como decorrência das res-
sonâncias das políticas do Estado brasileiro, a partir de 1930 até o final
da década de 1970, e de forma mais acelerada, a partir de 1980, quando
“pela primeira vez aparece explicitamente a vinculação da política go-
vernamental do livro didático com a criança carente” (FREITAG, 1987,
pp. 5-8, grifo da autora), quando, de acordo com a mesma autora, “são
lançadas as diretrizes básicas do PLIDEF (Programa do Livro Didático –

nesse período; segundo, pelo fato de este jornal ter acompanhado sistematicamente a discussão
sobre a distribuição e avaliação dos livros didáticos no referido período, abordando esse assunto em
seus editoriais e abrindo espaços para as considerações dos agentes do campo (editoras, autores,
governo, sociedade civil) envolvidos nesta questão.
48 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

ensino fundamental), posteriormente acrescidas do PLIDEM e PLIDESU,


respectivamente programas do livro didático para o ensino médio e su-
pletivo” (FREITAG, 1987, pp. 5-8).
Durante a ditadura militar até o ano de 1982, o Estado brasileiro
atuou no mercado editorial na condição de comprador e de coeditor
com empresas privadas, sendo que, nesse período, o setor de didáticos
era disputado de modo mais agressivo por cerca de 30 editoras das 400
existentes no país (OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984, p. 83).
Desde então, tal mercado passou a crescer cada vez mais, e mais
rápido, à medida que o Estado nacional ampliava sua política de popu-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

larização desse tipo de livro.


Segundo Molina (1987, p. 19), em 1982, o livro didático já atin-
gia 33,5% da produção total de livros do Brasil. Em fevereiro de 1986, o
PNLD (Plano Nacional do Livro Didático), por meio do MEC, iniciou a
distribuição de 35 milhões de livros didáticos a 25 milhões de alunos de
1º grau das escolas oficiais (Molina, 1987, p. 22). Entre 1985 e 1994, o
governo brasileiro investiu em média cerca de US$ 100 milhões de dó-
lares ao ano, para 28 milhões de alunos, no “mais ambicioso projeto de
distribuição de livros didáticos do mundo” (O ESCÂNDALO..., 1994).
Nas afirmações de Natali (1995), a União, os estados, as prefeitu-
ras e Banco Mundial (programa para o Nordeste) compraram, no ano
de 1994, para as escolas públicas, 60% dos livros produzidos no Brasil,
o que equivale ao número de 146 milhões de um total de 246 milhões
produzidos naquele ano.
O fato é que, desde 1996, o maior setor do mercado editorial bra-
sileiro, o de publicação didática, passou a dominar mais de 50% da pro-
dução nacional de livros, cujo controle atualmente é exercido por um
pequeno e fechado grupo de empresários (MARKETING..., 1996).
De acordo com Falcão (1996a), até 1995, dos 180 milhões de exem-
plares de livros didáticos produzidos pelas editoras anualmente, 110
Jason Ferreira Mafra - 49

milhões são comprados pelo MEC para serem distribuídos nas escolas
públicas, 20 milhões vendidos em livrarias e 50 milhões distribuídos en-
tre os professores para análise e escolha dos livros que adotarão.
Segundo a revista Nova Escola, de acordo com dados do FNDE, 130
milhões de didáticos foram comprados pelo MEC em 2000, totalizando
um gasto de 474 milhões de reais incluindo os custos de sua distribui-
ção (PRADO, 2001). No ano anterior, o consumo dos didáticos e para-
didáticos correspondeu a 56% do mercado editorial, pelas informações
da Câmara Brasileira do Livro (PRADO, 2001).22
Contudo, se, por um lado, esse mercado é mesmo gigante do pon-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

to de vista econômico, por outro, é pequeno sob o aspecto democrático,


uma vez que sua maior fatia, isto é, o setor público comprador, adquiriu,
somente das oito maiores editoras, 90% de tudo que consumiu naque-
le período. O restante, 10%, foi comprado das demais editoras meno-
res (EDITORAS..., 1996). Um grupo restrito de editoras, a Abrelivros
(Associação Brasileira de Editores de Livros), que reunia 22 editoras de
livros didáticos, dominava 94% do mercado brasileiro (FALCÃO, 1996b).
O perfil do mercado dos livros didáticos pode ser também visua-
lizado pelos dados da FAE (Fundação de Assistência ao Estudante), le-
vando-se em consideração a participação das dez maiores editoras nas
ofertas de livros destinados à educação pública. Pela ordem de maior
participação dessas editoras nas vendas ao Estado no ano de 1996, te-
mos o seguinte ranking: 1ª – Ática; 2ª – Brasil; 3ª – FTD; 4ª – Scipione;
5ª – Saraiva; 6ª – Nacional; 7ª – Moderna; 8ª – Atual; 9ª – Lê; 10ª – IBEP
(PERFIL..., 1996, p. 6).

22 Ainda que a Câmara Brasileira do Livro disponibilize na rede mundial de computadores (internet)
algumas informações sobre o mercado editorial, os dados naquele momento, não eram acessíveis
ao público, mas restritos às editoras associadas, mediante pagamento de mensalidade. Tal fato
evidencia algumas características, já comentadas, que configuram um determinado campo como
espaço de luta e disputa simbólica.
50 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Nesse mesmo ano, a empresa que mais lucrou com essas vendas
foi a editora Ática, com faturamento de R$ 31,81 milhões e 10.932.289
exemplares vendidos ao setor público. O menor lucro entre as dez maio-
res ficou com a editora IBEP, que faturou R$ 480 mil e vendeu 198.189
exemplares. No ano seguinte, quase não houve alteração nesse qua-
dro. Nas compras da FAE para 1997, a classificação foi a seguinte: 1ª –
Nacional; 2ª – Ática; 3ª – FTD; 4ª – Scipione; 5ª – Saraiva; 6ª – Brasil; 7ª
– Formato; 8ª – Moderna; 9ª – Lê; 10ª – Atual23 (PERFIL..., 1996, p. 6).
Como se observa, das dez maiores de 1996, nove permaneceram
no ano de 1997, saindo do ranking apenas a editora IBEP e entrando
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

a editora Formato, numa clara demonstração de monopólio desse pe-


queno grupo.

2.1 Avaliação institucional do livro didático e suas


implicações no campo editorial
Ainda que as disputas por este espaço no mercado editorial tenham
sido sempre tensas, os conflitos entre Estado, editoras e autores tiveram
sua maior expressão a partir da segunda metade da década de 1990,
quando o governo instituiu a avaliação dos livros didáticos24.

23 No ano de 1998, a editora Saraiva comprou a editora Atual, passando a ocupar o terceiro lugar
entre as editoras de livros didáticos. No mesmo período, a editora Moderna saltou do oitavo para
o quarto lugar (AGUIAR, 1998).
24 A partir de 1995, o MEC institui, por intermédio do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), o Guia
de livros didáticos, para alunos de 5ª a 8ª séries, uma avaliação dos manuais didáticos feita por
especialistas da Educação. Em sua primeira versão, qualquer livro poderia ser inscrito sob o risco de
ser “recomendado” ou “não-recomendado”. O Guia era uma referência para os professores, que, por
sua vez, tinham autonomia para segui-lo ou não, o que significa que poderiam adotar livros não reco-
mendados pelo Guia. Na edição de 1999, o PNLD excluiu do Guia de Livros Didáticos a categoria “não
recomendados” e criou a seguinte classificação: uma estrela para os “recomendados com ressalvas”,
duas para “recomendado” e três estrelas para “recomendado com distinção” (PRADO, 2001, p. 18).
A versão mais recente dessa avaliação, destinada às escolhas para 2002, mantém essa classificação,
entretanto, não avaliam mais por série, mas por coleção, ou seja, para o conjunto das séries de um
dado ciclo de estudo. Segundo o MEC, as coleções estavam classificadas da seguinte maneira:
“– Recomendadas com distinção: são as que destacam pelo esforço em se aproximar o mais possível
do ideal representado pelos princípios e critérios. Constituem propostas pedagógicas elogiáveis,
criativas e instigantes.
– Recomendadas: são aquelas que cumprem todos os requisitos mínimos de qualidade exigida.
Por isso mesmo, asseguram a possibilidade de um trabalho didático correto e eficaz por parte do
professor.
Jason Ferreira Mafra - 51

Até pouco tempo antes, autores e editoras pareciam não se preocu-


par muito com este procedimento, uma vez que a política educacional
não amedrontava as vendas. Ao contrário, tudo levava a crer que os lu-
cros aumentariam progressivamente, uma vez que o governo estendia
seu programa de distribuição didática aos alunos de 5ª a 8ª séries25. Mas
os conflitos se acirraram à medida que estes sujeitos sentiam-se excluí-
dos ou discriminados nesse processo.
Foi a partir de meados do ano de 1995, em função dos resultados
do programa oficial de avaliação do livro didático, que os conflitos apa-
receram mais claramente entre os agentes do campo editorial. Isto pode
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

ser observado nas declarações de um proprietário de editora ao afirmar


que iria à justiça para “mostrar que os critérios de avaliação de livros
didáticos não são científicos”, e que “a melhor seleção dos livros é feita
pelos professores” (ROSSETI, 1995, p. 3).
Na época, uma comissão composta por cerca de 50 professores uni-
versitários analisou quase 500 livros reprovando cerca de um terço deles
(FALCÃO, 1996c). Ainda assim, mesmo após a avaliação desses ma-
nuais, a política de distribuição de livros do governo criava casos curiosos,
como o fato de um dos livros de Língua Portuguesa, distribuído naque-
le ano aos alunos do Nordeste, ser da mesma autora e editora do livro
de Matemática, também distribuído nessa região (ROSSETI, 1995, p. 3).
Admite-se assim que uma autora possa ter não apenas a aptidão
para escrever bons livros didáticos em áreas completamente distintas,

– Recomendadas com ressalvas: nessa categoria estão reunidos os trabalhos isentos de erros
conceituais ou preconceitos que obedecem aos critérios mínimos de qualidade, mas por este ou
aquele motivo, não estão a salvo de ressalvas. Desse modo, pode subsidiar um trabalho adequado
se o professor estiver atento às observações, consultar bibliografias para revisão e complementar
a proposta” (BRASIL, 2001, p. 13, grifo do autor).
25 Assim afirmava na época o presidente da associação de autores: “A Abrale (Associação Brasileira de
Autores de Livros Educativos) deseja tornar público seu apoio às medidas recentemente adotadas
pelo presidente da FAE (Fundação de Assistência ao Estudante), sr. José Luiz Portella, que estende
o programa de distribuição gratuita de livros didáticos, beneficiando agora também os estudantes
da 5ª a 8ª séries das escolas da rede pública de todo o Brasil” (PAINEL..., 1995, p. 3).
52 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

mas os melhores, visto que foram selecionados para o programa oficial


de distribuição gratuita. Naquele momento, o governo se “defendia” di-
zendo que, embora distribuísse livros “não recomendados”, isso ocorria
devido ao fato de a licitação priorizar o valor do livro. Assim, davam-se
notas à qualidade e ao preço, sendo que a média das notas desses dois
critérios justificava a escolha de tais livros (SISTEMA..., 1995).
As editoras, entretanto, afirmavam que os livros vendidos ao gover-
no não eram tão lucrativos26; todavia, gastavam 30% de seu valor apenas
no esquema de marketing que, entre outras coisas, distribuía quase um
terço dos livros que produzem aos professores, a título de divulgação27.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

As escolas públicas estavam proibidas de comprar livros reprovados


pelo MEC, mas estes poderiam ser vendidos para escolas particulares.
Entretanto, ainda que afirmassem não lucrar com as vendas ao Estado,
as editoras faziam o possível para não perder esta fatia de mercado.
Segundo o jornal Folha de São Paulo, a maioria dos livros repro-
vados pela FAE, por “conterem erros conceituais e de preconceito”, per-
tencia às oito maiores editoras, das quais uma parte delas tentava, na
época, uma “manobra para evitar que seus livros com problemas” inte-
grassem a “lista dos reprovados”. Quanto à reprovação, as grandes edi-
toras consideravam este fato normal e se defendiam dizendo que isso
ocorria porque as mesmas haviam inscrito mais títulos para análise do
que as editoras menores (EDITORAS..., 1996).
No mesmo período em que os donos de editoras ameaçavam entrar
na justiça contra a retirada de seus livros da lista da FAE, a associação
de autores Abrale, que reunia na época cerca de 200 autores de livros di-

26 Segundo o presidente da Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de Livros), à época, Wander


Soares, a FAE só pagava os “custos de material, impressão e direitos autorais”. Um livro que cus-
tasse R$ 16 na livraria era vendido à FAE por R$ 4 (MARKETING..., 1996). Ainda segundo Soares,
uma editora gasta em média um milhão de dólares na elaboração de uma coleção para o ensino
fundamental, “o que não inclui a impressão dos exemplares” (Soares, 1996).
27 A editora Ática, por exemplo, teria distribuído, apenas no ano de 1995, cerca de quatro milhões de
livros gratuitamente aos professores (cf. MARKETING..., 1996).
Jason Ferreira Mafra - 53

dáticos e que outrora explicitou seu apoio à política governamental de


distribuição, fez assembleia para elaborar documento da categoria para
pressionar o governo a não retirar do catálogo oficial os livros reprova-
dos pelo MEC (FALCÃO, 1996c).
Como tentativa de desqualificar a equipe de avaliação do governo,
o dono da editora IBEP, Jorge Yunes, chegou a contratar professores uni-
versitários na USP e na Unicamp para demonstrar eventuais erros em
quatro livros de Ciências que receberam “duas estrelas” do MEC, classi-
ficação dada aos livros “recomendados” pelo governo. Surgiram também
acusações pessoais e entre as editoras. Esse mesmo proprietário ques-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

tionou a integridade da coordenadora do processo de avaliação, Maria


Alice Setúbal, por ser também autora e ter seus livros aprovados pelo
MEC, evidenciando, na avaliação de Yunes, ação de favorecimento pes-
soal (FALCÃO, 1996b).
O conflito teve como causa o fato de o MEC ter divulgado um li-
vro da editora IBEP para exemplificar erros em livros que foram repro-
vados. Sentindo-se prejudicada, a IBEP passou a defender a divulgação
pública de todos os livros reprovados: “Isso para mim virou uma ques-
tão moral. Eles não me enviaram laudo algum com os problemas dos li-
vros. Trataram-me como se eu fosse um aventureiro de mercado. Nosso
trabalho é sério. O que queremos é que eles divulguem toda a lista”, afir-
mava Jorge Yunes (MARTINS, 1996a).
A partir desse episódio, acentuou-se uma disputa de forças no cam-
po editorial, caracterizando, no período de um mês, aproximadamente,
verdadeira batalha campal entre Estado, editoras e autores.
Inicialmente tratava-se de lutar pela não exclusão, do catálogo da
FAE, dos livros reprovados na avaliação. Depois pela ocultação da lista
de tais livros. No primeiro caso, o governo não cedeu; no segundo, pres-
sionado pelas editoras, sustentava que não iria tornar pública a lista dos
54 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

339 livros reprovados naquele ano, afirmando que “o objetivo da ava-


liação não é ressaltar os defeitos das obras didáticas” (FALCÃO, 1996e).
Três dias após tal afirmação, o ministro da Educação mudava de
opinião dizendo que divulgaria até o dia seguinte as informações sobre
os livros reprovados. Todavia, esta data foi prorrogada para o próximo
mês, fato que levou o assunto ao editorial da Folha de São Paulo:
O adiamento da divulgação da lista de obras didáticas que con-
tém erros conceituais graves ou noções preconceituosas causa
preocupação, à medida que fica a sensação de que o ministro da
Educação, Paulo Renato de Souza, pode estar cedendo à pressão
do poderoso e daninho lobby das editoras de livros didáticos
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

(RESISTIR..., 1996).
Por intermédio da Abrale, os autores se mobilizaram formalizando
protesto contra o ministro, afirmando que os acontecimentos envolven-
do o processo de avaliação dos livros se transformaram em “momentos
constrangedores para todos os presentes, com um clima que evocou as
pressões que regimes autoritários exercem sobre as pessoas de opinião
livre” (ASSOCIAÇÃO..., 1996).
Os pais dos alunos, mediados pela Aipa (Associação Intermunicipal
de Pais e Alunos de São Paulo), na mesma perspectiva, radicalizaram,
conseguindo na justiça uma liminar que obrigava o MEC a divulgar a
lista “em juízo no prazo de cinco dias”: “Sabemos que o ministro dis-
se que vai divulgar na semana que vem, mas ele já tinha dito isso antes.
Como vamos confiar? Agora, com a decisão da justiça, ele será obriga-
do a mostrar essa lista”, afirmava o presidente da entidade amparado pe-
los professores que, por meio da Apeoesp (Sindicato dos professores do
ensino oficial do Estado de São Paulo), também entraram na justiça exi-
gindo do governo a divulgação do tão esperado documento.
Finalmente, depois de quase um mês da promessa de publicação,
em 25 de junho de 1996, a lista dos livros reprovados foi divulgada, con-
Jason Ferreira Mafra - 55

tendo 347 títulos, nove a mais do que o governo havia anunciado, sendo
que 266 foram reprovados por erros de conceito, preconceito, desatu-
alização, ou falta de qualidade física (sic), e 75 por serem considerados
paradidáticos (FALCÃO, 1996d).
O impacto que isso teria no mercado foi imprevisível. Em tese, a
avaliação do governo, explicitando os melhores e os piores livros, sig-
nificaria, para estes últimos, grande queda nas vendas das editoras res-
ponsáveis por suas publicações, uma vez que os professores tenderiam a
escolher, por questões técnico-pedagógicas, somente os livros recomen-
dados pelo MEC. Surpreendentemente, não foi o que ocorreu.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Na prática, na escolha dos livros de 1997, com base no Guia de Livros


Didáticos – formulado pela Secretaria de Ensino Fundamental do MEC
que manteve os livros “não recomendados”, mas aprovados porque não
continham erros graves –, foram selecionados mais títulos dos “não re-
comendados” do que dos “recomendados”.
Ainda que na edição de 1999 tenha-se excluído do Guia a catego-
ria de “não recomendados”, incentivando a compra dos supostamente
melhores, logo isso se reverteu, pois na edição de 2000, houve uma ver-
dadeira fuga dos professores em relação aos livros “recomendados com
distinção” (PRADO, 2001, pp. 18-19).
Segundo a coordenadora geral de avaliação de Materiais Didáticos
e Pedagógicos do Ministério da Educação, Nabirra Gebrin de Souza, o
argumento que justifica tal fenômeno é o fato de que as propostas dos
melhores livros são mais sofisticadas, o que faria com que os professo-
res procurassem livros mais “fáceis” (PRADO, 2001).
Nesse caso, ter um livro classificado na melhor categoria, não seria
economicamente um bom negócio para autores e editores. Essa interpre-
tação teria levado inclusive a uma atitude de repulsa de alguns autores à
“premiação”, vez que “não querem [mais] ganhar três estrelas” por conside-
rar que isto prejudicava as vendas de suas obras (PRADO, 2001, pp. 18-19).
56 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Na prática, era muito mais eficaz, em termos de domínio no mer-


cado, o peso da propaganda do lobby das editoras28 do que os resultados
da avaliação do Estado. Em outras palavras, em que pesem o esforço e a
preocupação do Estado em garantir a qualidade do material que chega
todos os anos às salas de aulas, o consumo do livro didático e sua pene-
tração no mercado são ainda reféns de uma luta que se trava muito mais
no campo editorial, e portanto do capital, do que propriamente educa-
cional, quer dizer, pedagógico.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

28 Entre outras coisas, esse lobby consistia em enviar “exemplares dos livros que querem transformar
em best-sellers aos diretores das escolas (e, evidentemente, aos professores) e, no caso das cidades
pequenas, aos secretários municipais da Educação” (SÓ 14%..., 1997).
Jason Ferreira Mafra - 57
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Parte II

A Oficialização da
História da Ditadura
UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Jason Ferreira Mafra - 59

1 A ditadura militar e a reprodução de suas


representações
1.1 Introdução
Para discutir as abordagens didáticas sobre a ditadura, tendo como
recorte não o seu auge, mas a sua decadência, é necessário explicitar
a maneira pela qual se produziam e se reproduziam ideias, imagens e
conceitos da e sobre a mesma em seu período de vigência ainda sólida;
isto é, desde sua instauração até o seu apogeu, ou seja, de 1964 a 1979.
Nesse sentido, o objetivo nuclear desta parte é demonstrar alguns aspec-
tos do “espelho da ditadura”, quais sejam, concepções e juízos que a pró-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

pria ditadura, por mecanismos diversos, procurou construir e divulgar


de si mesma. Portanto, faz parte dos propósitos desta pesquisa estudar
algumas representações da ditadura militar no Brasil tendo como refe-
rência o período supracitado, o que faz deste um pressuposto das abor-
dagens posteriores.
Para esta apreciação, foram tomados como objetos de análise três
fontes específicas: a) algumas obras consideradas de referência sobre este
momento histórico; b) um livro de Estudos Sociais publicado, provavel-
mente, em 197429; c) uma entrevista de um professor sobre o período mi-
litar, anexa a uma dissertação de mestrado, defendida na Universidade
de São Paulo, que teve como objeto o ensino desta disciplina durante os
governos militares.

29 Isto porque se trata de uma publicação sem data e sem edição explicitadas no copyright, contudo,
como suas abordagens encerram-se sobre o ano de 1973, com estimativas de dados geoeconômicos
para 1975, supõe-se que esta seja sua data de edição. Todavia, a Editora IBEP, que não permite
acesso público aos seus arquivos, informou que tal livro foi publicado em 1979, informação um
tanto duvidosa pelas evidências já apresentadas. Há que se considerar também que este livro foi
escolhido por tratar-se de um típico manual utilizado nas escolas, numa época em que o ensino
de História estava submetido à disciplina Estudos Sociais e a censura do Estado operava ainda de
forma muito rigorosa nos diversos campos da sociedade.
60 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

1.2 O saber histórico e sua utilidade


Em seu último livro Introdução à História, inconcluso, organizado
e publicado por Lucien Febvre, Marc Bloch procurava responder a uma
questão central que, segundo ele, teria sido feita há anos por seu filho
da seguinte forma: “Pai, diga-me lá para que serve a história” (BLOCH,
1965, p. 11).
Bloch compreendia ser obrigação prestar contas à sociedade do seu
ofício de historiador. Esta questão vinha-lhe, porém, como uma dúvi-
da existencial, já que naquele instante, idos de 1941, o historiador fran-
cês encontrava-se prisioneiro devido à intervenção nazista na França.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Daí, portanto, responder a esta questão significava perscrutar uma ou-


tra que imediatamente suscitava em sua mente: “Será que a história nos
enganou? [...] Assim a angústia do homem feito se unia, com um acento
mais amargo, à simples curiosidade do rapazinho” (BLOCH, 1965, p. 13).
É possível que Bloch tenha, ainda, perguntado a si mesmo, coisas
do tipo: “por que nós, intelectuais cientistas – portanto, conhecedores
da História e de suas leis –, permitimos que o terror nazista tenha do-
minado a Europa?”
Infelizmente, o autor não concluiu sua última obra que, certamen-
te, apontava respostas em seus últimos capítulos que, embora projeta-
dos e não escritos, se colocavam em grande relevância na discussão da
questão fundamental do livro. Elas tratavam das discussões em torno da
“explicação em história”, abordando a “noção de causa” (da destruição
da causa e do motivo, o inconsciente) e de “acaso”, além do “problema
da previsão”, enfocando, entre outros, os erros ordinários da previsão e
o papel da tomada da consciência.
Certamente, este debate não dá fórmulas para se agir com segurança
no presente em face das certezas do futuro, uma vez que a previsibilida-
de histórica é uma questão extremamente polêmica; mas o ponto nodal
Jason Ferreira Mafra - 61

das inquietações de Bloch estava em tentar descobrir se o conhecimento


da História e de suas representações serviria para evidenciar catástrofes
e consequentemente evitá-las. Naquele momento, Bloch, “seguramente
fundamentado nos paradigmas da lógica histórica”, sentia-se angustia-
do, já que não conseguira antecipar o vislumbre dos acontecimentos. Por
isso mesmo, entre suas teses desenvolvidas no citado livro, encontram-
-se as propostas de “compreender o passado pelo presente” e de “com-
preender o presente pelo passado”, noções que até hoje são discutidas
por grande parte dos historiadores e filósofos. A preocupação de Bloch
estava, desta forma, em encontrar a representação ou a consciência cor-
reta da realidade em que vivia, empregando a análise crítica como ele-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

mento fundamental para a compreensão exata do movimento histórico.


Atualmente, há uma grande cisão entre os pensadores que defen-
dem o caráter científico da História afirmando ter esta disciplina uma
lógica própria30 (em geral, pensadores da tradição marxista) e os que
aboliram a ideia da História como ciência (por vezes, historiadores e fi-
lósofos ligados a determinadas tendências relacionadas às questões da
subjetividade, como mentalidades, imaginário, cotidiano, etc.), alegan-
do ser impossível uma análise correta da totalidade social31.
Remetendo-nos à recente história do Brasil, nota-se que, por mais
contundentes que sejam as críticas contemporâneas – direcionadas à
dominação política, condução econômica e supressão dos direitos polí-
tico-sociais efetuadas pelos militares durante 21 anos de ditadura, bem
como suas (re)sentidas sequelas nas vivências cotidianas –, é comum
verificar, em práticas e representações, que pessoas de diversas classes,

30 Em relação à metodologia da abordagem histórica e do sentido do movimento histórico, conferir as


análises de Thompson em A Miséria da Teoria (THOMPSON, 1981, pp. 9-63) e de Eric Hobsbawm
na obra Sobre história (1998).
31 No que diz respeito à negação da História como ciência, ver o polêmico e criticado livro Como se
escreve a história, de Paul Veyne. Nele, contestando a objetividade da História, Veyne (1971, p. 9)
assevera: “A história não é uma ciência e não tem muito a esperar das ciências; não explica e não
tem método; mais ainda a História, da qual se fala muito desde há dois séculos, não existe”.
62 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

categorias e campos sociais, não se convenceram do engodo das justifi-


cativas atribuídas à tomada efetiva do exercício do poder nacional por
este setor e, sobretudo, das dimensões negativas da presença arbitrária
das forças armadas na história recente de nosso país.
Durante muito tempo, nesses 50 anos, desde o golpe de 1964, torna-
ram-se frequentes as considerações nostálgicas de determinados segmen-
tos sobre este período, geralmente lembrando seus “aspectos positivos”
em expressões do tipo “no tempo dos militares o Brasil era um país sé-
rio”, “apesar da ditadura, vivíamos com mais segurança”, “naquela épo-
ca não havia corrupção”, etc. Afirmativas que seguem este caminho, em
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

geral construídas pelo senso comum, tornaram-se corriqueiras, espe-


cialmente até o início dos anos 2000, ainda num contexto precário de
democracia, figurando-se como disposições ideológicas incorporadas
nos mais diversos setores e campos culturais da sociedade brasileira.

2 O livro didático, o professor e a legitimação da


história oficial
Num estudo intitulado O ensino de história no período militar,
Almeida Neto (1996) analisa as práticas e a cultura do campo escolar em
três escolas públicas estaduais da cidade de São Paulo. Conclui o autor
que é um mito a “visão heroica” do professor opondo-se aos militares,
estes considerados como “forças avassaladoras” que impediam qualquer
trabalho crítico em sala de aula. Por outro lado, considera que o ensino
de História no regime militar estava mesmo sob determinadas condi-
ções de cerceamento, pois neste período estruturou-se
[...] um quadro favorável às ações do governo, anulando ou mini-
mizando possíveis posturas contrárias ao regime que pudessem
existir no interior das escolas [diminuindo, assim], as possibilida-
des de realização de discussões entre professores, cerceando seu
posicionamento político e a livre expressão de opiniões, o que
Jason Ferreira Mafra - 63

acabava por atingir o trabalho pedagógico (ALMEIDA NETO,


1996, p. 54).
Muito foi dito que, durante o domínio militar até o final da déca-
da de 1980, e sobretudo até a década anterior, os conteúdos de História
e Geografia – geralmente abordados em disciplinas e livros de Estudos
Sociais, Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política – en-
carregavam-se de inculcar ideias de nação, patriotismo, civismo, dan-
do margem a uma visão da história factual e determinista, voltada para
o estudo dos grandes acontecimentos e grandes vultos do passado,
com atenção especial para os vultos militares, cultivando os “heróis”, os
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

“símbolos da pátria” e as “datas importantes”. Freitag (1987), entretan-


to, assinala que não se pode admitir que os interlocutores do processo
educativo em sala de aula (alunos e professores) absorvam o conteúdo e
a ideologia como se fossem tábulas rasas. Por outro lado, não podemos
esquecer que o que está escrito tem um caráter oficial, adquirido pela le-
gitimidade que o campo da produção simbólica lhe atribui32, e que, em
determinada medida, é assimilado pelos agentes em representações, le-
vando, muitas vezes, a práticas sociais catastróficas.
Mas o que nos chama a atenção de forma especial neste trabalho
referente às práticas escolares conservadoras é a entrevista de um pro-
fessor, referida no início deste capítulo, concedida ao autor da disserta-
ção sobre o ensino de História.
O entrevistado, por motivos óbvios, deveria estabelecer uma aná-
lise minimamente crítica sobre a época33. Entretanto, como veremos,
demonstra determinado grau de indiferença e inconsistência histórica

32 Para Bourdieu: “Na luta pela imposição da visão legítima do mundo social, em que a própria ciência
está inevitavelmente envolvida, os agentes detêm um poder à proporção de seu capital, quer dizer,
em proporção ao reconhecimento que recebem de um grupo. A autoridade que fundamenta a
eficácia performativa do discurso sobre o mundo social, a força simbólica das visões e das previsões
[...] têm em vista impor princípios de visão e divisão desse mundo” (BOURDIEU, 1999, p. 145).
33 Consideramos assim, pelo fato de que não se trata de uma pessoa sem condições para uma reflexão
crítica sobre o período. Pelo contrário, o entrevistado é um professor da área de História, pedagogo e
filósofo, à época com mais de 60 anos. Além de, pela própria formação, ter a possibilidade de leituras
64 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

(alienação?), geralmente atribuídas apenas a indivíduos que desconhe-


cem completamente a história nacional desses últimos anos, ou então,
aos despossuídos de informações básicas sobre esse tema.
É relevante salientar, também, que este professor concedeu a en-
trevista na condição de que as questões previamente formuladas fossem
respondidas por escrito, o que significa que dificilmente pode-se duvi-
dar de suas convicções, uma vez que suas falas foram metodicamente
elaboradas.
Foram respondidas várias questões relativas aos aspectos educacio-
nais e suas relações com o momento político no qual o país se encontrava.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Esta era uma das etapas das atividades propostas na dissertação citada,
que, dentre outros fins, objetivava caracterizar o ensino de História na-
quele período.
É bem verdade que a visão deste professor de História, talvez, não
corresponda às visões da maioria dos profissionais da área naquela épo-
ca. De fato, para se ter uma visão panorâmica a este respeito demandar-
-se-ia complexa análise quantitativa. Entretanto, neste estudo de caso,
vejamos como esse olhar se manifesta na relação com a “produção his-
toriográfica oficial” e com os trabalhos que tratam do assunto de for-
ma mais crítica e independente. Para tanto, examinaremos, a seguir, um
conjunto de respostas obtidas na referida entrevista com o menciona-
do docente de História.

2.1 Representações do educador educado pela ditadura


“Quais as lembranças mais gerais [que você tem] do período –
décadas de 60 e 70?”
Esta primeira pergunta nos parece central, pois seu caráter de abran-
gência é uma tentativa de obter informações que possam revelar as re-

críticas sobre o tema, teve a oportunidade de presenciar acontecimentos políticos importantes da época,
uma vez que morava na cidade de São Paulo, um dos centros de atividades políticas daquele período.
Jason Ferreira Mafra - 65

presentações mais significativas daquele professor em relação ao período


histórico enfocado.
Avaliando sua resposta, na qual se esperaria uma avaliação mini-
mamente conjuntural, portanto, relacionando as diversas esferas (eco-
nômica, social, política, cultural, etc.), notamos que o entrevistado,
demonstrando desinteresse e indiferença, refere-se apenas à questão
educacional, sem remeter-se às singularidades daquele contexto. Assim
diz: “lecionava também em colégios particulares, cujo nível socioeco-
nômico era melhor [...] o interesse para a aprendizagem era bem maior
na escola pública”.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Observemos que, para ele, era como se a escola fosse um campo des-
vinculado de toda problemática do país, em especial daquele momento,
como se sabe, dramaticamente marcante para a época e que interferiu
decisivamente nos acontecimentos histórico-sociais dessas últimas dé-
cadas da vida nacional. Dado esse contexto, caberia nos perguntar: “Por
que, então, o referido professor haveria de omitir outros aspectos, con-
siderando apenas este como relevante?”
Num primeiro momento é possível supor que ele não tenha enten-
dido a abrangência da questão, atendo-se apenas a este foco de análise
(a escola), mas tal hipótese é de imediato desconsiderada, ao verificar-
mos que as demais questões – previamente conhecidas pelo entrevistado,
que as respondeu de forma escrita – eram todas relativas à problemáti-
ca educacional. Isto nos leva a crer que omite as reflexões sobre as ques-
tões políticas do país não por ignorá-las (como podemos verificar em
várias respostas, em especial as das questões 10, 12, 13 e 20), mas por
considerá-las irrelevantes do ponto de vista de suas relações com estes
aspectos; quer dizer, um desconhecimento e, portanto, reconhecimen-
to de um poder arbitrário, que, como diz Bourdieu (1999, p. 9) só “pode
ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que
lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”.
66 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Com efeito, admitindo-se que em todo campo as ações (comporta-


mentos, atos de falas, etc.) nunca são gratuitas, quer dizer, sem sentido
– a não ser em casos de loucura e outras formas de desequilíbrio mental
(cf. BOURDIEU, 1996, p. 138) –, essa atitude revela na verdade uma dis-
simulação do contexto e não um desinteresse ou indiferença, tratando-
-se, portanto, de uma estratégia simbólica empregada na defesa de uma
visão coerente que se deseja projetar; neste caso, uma imagem de dis-
tinção, de autonomia e de segurança, como podemos observar no pro-
cesso de construção do seu discurso.
Antes, porém, de analisar as interpretações do docente no que con-
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cerne à educação, exporemos algumas considerações sobre as visões que


o mesmo tinha sobre o contexto ditatorial, partindo de algumas afirma-
tivas do entrevistado.

2.2 Caracterização do período pré-militar


“[...] Não se pode esquecer que vínhamos de um período de de-
mocracia plena [...]” (resp. 11).
É difícil presumir o que o professor em questão chama de “democra-
cia plena”. Embora alguns historiadores façam análises positivas e con-
sistentes das propostas e intenções do governo Goulart (cf. BANDEIRA,
1978), há entre os analistas mais críticos consolidado consenso em re-
lação ao período anterior ao golpe, caracterizando-o como “democra-
cia populista”, entre outras razões, em virtude da direção política que o
país tomou após o fim do Estado Novo e que se estendeu até os últimos
dias do governo João Goulart (1946-1964).
Com o fim do último governo getulista ocorreu uma sucessão na
política nacional de presidentes que, por meio de mecanismos próprios
desses governos personalistas – como as promessas do Brasil do futuro
embutidas nos grandes projetos desenvolvimentistas, as manipulações
e controles ideológicos e as repressões políticas resultantes do contexto
Jason Ferreira Mafra - 67

da Guerra Fria –, sonegaram, desde o acesso efetivo das camadas popu-


lares ao poder político via partidos populares até o atendimento das rei-
vindicações mínimas necessárias às transformações substanciais para a
melhoria das condições de vida destas pessoas34.
Embora tenha adquirido denominações específicas em cada mo-
mento, como “queremismo”, “juscelinismo”, “janguismo” e “trabalhismo”
(IANNI, 1975, p. 206), esta prática, ou “sistema de disposições duráveis,
estruturadas e estruturantes”, do campo político brasileiro foi uma das
marcas principais do período em questão.
Desta forma, configurava-se o momento anterior ao golpe como
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uma extensão das heranças getulistas e, como corolário, a transferência


de seu capital simbólico, uma vez que o discurso de Jango, em sua es-
sência, não se diferenciava dos demais discursos dos presidentes que go-
vernaram este país após o trágico fim de Vargas que, em agosto de 1954,
cumprindo a profecia de si mesmo, “saía da vida” para permanecer na
história política do Brasil, legando elementos que seriam incorporados
no habitus político35 de seus sucessores.
Assim confirma Vieira (1992, p. 10), ao sustentar que,
[...] desde a sua posse, em 1961, a pregação janguista foi sempre
a mesma, independentemente das condições políticas e sociais.
Mencionando sempre a ação de Getúlio Vargas, a força dos traba-
lhadores, o grande valor da legalidade, das liberdades públicas, da
democracia, da Constituição de 1946 e, acima de tudo, a urgência
das reformas de base.

34 Tais aspectos, entre outros, podem ser vistos no livro Estado Social e Miséria no Brasil (VIEIRA, 1983),
no qual, por meio de estudo sócio-histórico, são criticamente examinadas as áreas da Educação,
da Saúde Pública, da Habitação Popular, da Previdência Social e da Assistência Social no período
de 1951 a 1978.
35 “O campo político é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham
envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, aconte-
cimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem
escolher, com probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto mais afastados estão do
lugar da produção” (BOURDIEU, 1999, p. 164).
68 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Por outro lado, pensar numa situação de “democracia plena” signi-


fica reconhecer um Estado que, por meio de um exercício prolongado
das práticas democráticas, institui uma determinada estabilidade mini-
mizando de tal forma os antagonismos sociopolíticos, que o perigo de
uma mudança brusca interna não se evidencia como possibilidade; o
que de fato não ocorria naquele momento histórico brasileiro, já que as
pressões de um novo bloco histórico36 emergente ao poder eram laten-
tes desde a interessada renúncia de Jânio Quadros37.
De acordo com Germano (1994), o golpe de 1964, responsável pela
deposição de João Goulart e pelo fim da “democracia populista”, é re-
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sultado de “uma coalizão civil e militar” que configurou a “ascensão de


um novo bloco no poder, que envolve uma articulação entre o conjun-
to das classes dominantes”. Portanto, deve ser entendido muito menos
como encerramento de um “período democrático pleno” e muito mais
como resultado de um
[...] rompimento de “uma situação histórico-política caracterizada
por um equilíbrio de forças de perspectiva catastrófica” [...], repre-
sentada pela crise política e econômica – uma crise de hegemonia
desencadeada no Brasil em princípios dos anos 60 (GERMANO,
1994, p. 17).

36 O bloco histórico é considerado conceito-chave do pensamento de Gramsci (PORTELLI, 1977, p.


14), compondo-se, portanto, num complexo arcabouço categorial. Contudo, a noção aqui aplicada,
sob os riscos próprios das reduções, pode ser compreendida como uma determinada situação
histórica constituída, em sua totalidade, por um conjunto de forças sociais resultante das relações
entre a estrutura (econômico-social) e a superestrutura (plano ideológico, político e jurídico),
num dado momento histórico, articuladas organicamente pela cultura, criando, assim, condições
concretas para um novo estado de hegemonia, isto é, de poder de direção e orientação, de uma
classe fundamental sobre as demais, via consenso social. Nas palavras de Hugues Portelli (1977,
p. 15), “Se considerarmos um bloco histórico, isto é, uma situação histórica global, distinguimos
aí, por um lado, uma estrutura social – as classes que dependem diretamente da relação com as
forças produtivas – e, por outro lado, uma superestrutura ideológica e política. O vínculo orgânico
entre esses dois elementos é realizado por certos grupos sociais cuja função é operar não ao nível
econômico, mas superestrutural: os intelectuais”.
37 Considerando que não há ato desinteressado, em qualquer campo social, uma vez que “há sem-
pre uma razão para os agentes fazerem o que fazem” (BOURDIEU, 1996, p. 138), este foi o último
investimento (em curto prazo) simbólico de Jânio, na tentativa obter o seu lucro político imediato,
qual seja, o da permanência fortalecida no poder, gesto coerente com as estratégias simbólicas
próprias do “sentido do jogo” em que se configuram as práticas populistas desse período.
Jason Ferreira Mafra - 69

2.3 Representações do livro didático educando pela


ditadura
Distante destas duas visões sobre o conceito de democracia em re-
lação ao período anterior ao golpe (plena ou populista) está a versão
oficial38, na qual as “forças democráticas” (na verdade representações
objetivadas na “Instituição da Segurança Nacional”)39 situavam-se, na-
quele momento histórico, à margem do poder político com a missão de
restaurá-la.
Assim, coerentemente com esta (dis)posição (incorporada), anali-
sando os acontecimentos que levaram ao estabelecimento da ordem mi-
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litar, isto é, as suas causas, Souza e Araújo, em seu livro Estudos Sociais,
explicam que “uma sequência de greves, o aumento da inflação, as difi-
culdades econômicas e as agitações políticas, fizeram surgir o movimen-
to revolucionário que depôs o Presidente João Goulart: a Revolução de
31 de março de 1964” (SOUZA; ARAÚJO, [197-], p. 95).
Em seguida, na mesma página, em quadro destacado, há um tex-
to complementar escrito por Hélio de Alcântara Avellar intitulado “A

38 Consideramos aqui o livro Estudos Sociais: Nossa Terra Nossa Gente (SOUZA; ARAUJO, [197-]), um
modelo representativo da “produção historiográfica oficial” devido ao contexto em que foi escrito (me-
ados da década de 1970) e ao caráter de reprodução ideológica observado a partir de muitos aspectos,
alguns dos quais evidenciados, já de imediato, na leitura de suas primeiras páginas. Observamos por
exemplo que a capa do livro é uma foto da frente da rampa de acesso à sede do Governo Federal no
Palácio do Planalto em Brasília, tomada por civis e militares com bandeiras brasileiras, comemoran-
do alguma data cívica. Ainda na capa, destaca-se centralizada, a Bandeira Nacional hasteada e, em
primeiro plano, também no centro, ocupando mais da metade da capa, o contorno em cor branca do
mapa do Brasil. Na parte superior estão os títulos e subtítulos: “Estudos Sociais – Nossa Terra, Nossa
Gente (os jovens, a mulher, o homem, as raças, os conquistadores, as imagens e as ideias do Brasil
de ontem e de hoje)”. Na apresentação do livro asseveram, os autores ao aluno, que depende dele
tornar o estudo mais fácil ou não, pois, segundo os mesmos, “tudo o que se faz com alegria e boa
vontade torna-se fácil”. Por fim, Souza e Araújo concluem a apresentação com instruções gerais de
estudos marcadas por aforismos destacados em caixas de textos do tipo “ninguém nasceu sabendo,
é preciso estudar”, “não seja parasita! participe”, “aceite a opinião dos outros, que eles aceitarão
também a sua”, “todo indivíduo tem uma experiência que merece ser transmitida aos outros”, “pela
criatividade expressamos a riqueza dentro de nós” (SOUZA; ARAÚJO, [197-], pp. 6-7).
39 Conforme expõe Bourdieu (1999, pp. 86-87), “a subordinação do conjunto das práticas a uma in-
tenção objetiva, espécie de orquestração sem maestro, só se realiza mediante a concordância que
se instaura, como por fora e para além dos agentes, entre o que estes são e o que fazem, entre sua
‘vocação’ subjetiva (aquilo para que se sentem ‘feitos’) e a sua missão ‘objetiva’ (aquilo que deles
se espera), entre o que a história fez deles e o que ela lhes pede para fazer”.
70 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Revolução de 31 de marco de 1964”, em que, corroborando tais cau-


sas, enfatiza o terror comunista que se infiltrava nos quartéis e no meio
estudantil:
[...] a imprensa democrática denunciava o perigo, recordando o
exemplo trágico dos húngaros [...] estudantes profissionais fomen-
tavam greves, enquanto a maioria democrática deixava, pela quase
omissão, que aqueles parecessem representar o pensamento geral
do estudantado (SOUZA; ARAÚJO, [197-], p. 95).
Hélio de Alcântara Avellar mostra ainda a reação da sociedade que,
“para contrabalançar a propaganda subversiva vinda de emissoras ofi-
ciais, radio difusoras de vários pontos do país, congregaram-se na ‘Rede
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

da Democracia’” (SOUZA; ARAÚJO, [197-], p. 95). Integrando-se tam-


bém a estas forças formou-se em Belo Horizonte a “LIMDE (Liga das
Mulheres Democráticas)” que “impediu a realização de um congresso
vermelho” naquela cidade, ao mesmo tempo em que, no Rio de Janeiro,
com igual propósito, ou seja, garantir o retorno da democracia, forma-
-se a CAMDE (Campanha da Mulher Democrática). Afirma o autor
que este conjunto de ações representava a “sensibilidade nacional” que
despertava com as marchas da “Família com Deus pela Liberdade” para
conscientizar, segundo o mesmo, a “massa de manejo” dos grupos sub-
versivos (SOUZA; ARAÚJO, [197-], p. 95).
Diante de tais acontecimentos, somados à “quebra da disciplina e a
ameaça às instituições”, afirma Avellar, “a hierarquia das Forças Armadas
preparava-se para exercer mais uma vez, a função de ‘poder modera-
dor’ incluída no costume político-administrativo da República nos ca-
sos extremos de ‘regime em perigo’” (SOUZA; ARAÚJO, [197-], p. 95).
Assim, necessitava-se de uma atitude sensata já que a “fidelidade ao
regime sobrepunha-se à obediência ao governo que se omitia”. Diante
desta situação, somada ao “destemperado discurso” de João Goulart, con-
clui o mesmo que “os democratas” não poderiam “ficar inertes”, pois “o
Jason Ferreira Mafra - 71

preço da liberdade é a eterna vigilância”. Por isso, a 31 de março iniciou-


-se a “ação militar da Revolução Democrática” que “fora a mais rápida
revolução nacional” (SOUZA; ARAÚJO, [197-], p. 95).
Tais avaliações, contidas neste manual escolar, vêm ao encontro
do entendimento, quer dizer, da “estruturação das estruturas estrutu-
rantes” (representações emanadas do poder simbólico recém-estabele-
cido), legitimadoras das “estruturas estruturadas” (discurso/conduta),
que os próprios golpistas faziam do contexto histórico, como se observa
nas análises de um dos ministros integrantes da Junta Militar que, im-
pedindo a posse do vice-presidente, chefiou o país na transição do go-
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verno Costa e Silva para o governo Médici em 1969, o general Aurélio


de Lyra Tavares. Em seu livro intitulado O Brasil de Minha Geração,
Tavares (1977, p. 98) afirma:
O presidente João Goulart, pelas suas atitudes e omissões,
terminou por convencer o Exército, como as demais Forças
Armadas, de que era preciso salvar a democracia brasileira
pela Revolução. O próprio governo chegou até mesmo, através
da seqüência ininterrupta de atos públicos ostensivos, que não
deixavam mais dúvida no espírito intranqüilo da Nação sobre
o desastre irreversível que a ameaçava, como que a marcar o
prazo para o desencadeamento da Revolução de Março. Teria
sido muito melhor se, advertido e alertado para as pressões que
progressivamente o iam envolvendo, o Governo tivesse poupa-
do à Nação e, particularmente à democracia brasileira, aquela
contingência dramática de definir-se no quadro do dilema face
ao qual a Nação (não) teve outra alternativa: escravizar-se ou
reagir. Essa foi a razão de ser da Revolução.
72 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

2.4 Submissão e subversão: coerência das


representações e contradição histórica
“[...] e o povo brasileiro, pacato e tranquilo, acreditava que após
dois ou três anos de governo excepcional, logo voltaria à norma-
lidade [...]” (resp. 11).
O mito da “passividade” sustentado pelo professor entrevistado,
longe de ser uma constatação histórica, uma vez que, desde a ocupação
portuguesa, esse país esteve em constante situação de tensões e lutas so-
ciais40, parece relacionar-se mesmo com as imagens tão divulgadas du-
rante tanto tempo nos manuais de História, e que deveriam ser mantidas
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

após o estabelecimento da “ordem”, não obstante os próprios militares,


por meio da propaganda ufanista e do incentivo ao civismo, reforças-
sem, amiúde, a ideia do povo heroico. Obviamente, tratava-se da ma-
nutenção da ortodoxia do discurso oficial, como condição para evitar
uma possível “tomada de consciência do arbitrário”, recurso único de
garantia da permanência da crença de sua legitimidade. Por isso, este
sentido magnânimo era atribuído apenas ao povo enquanto apoiador
da “Revolução Democrática”, caso contrário, o heroísmo seria transves-
tido negativamente em “subversão”.
A respeito do sentido de submissão, atribuído por este professor à
nação brasileira, e apenas para recordar alguns momentos mais divul-
gados pelos livros de História, não podemos deixar de recordar que já
nos primeiros anos da colonização efetiva das terras brasileiras (iniciada

40 A partir da década de 1980 intensifica-se o número de pesquisadores brasileiros (cf. MUNAKATA,


1998, pp. 271-296) que têm procurado desenvolver uma abordagem sob a ótica da “história dos
vencidos” (por meio de publicações de temas históricos, partindo do ponto de vista das lutas po-
pulares), até então excluída ou ignorada pela história tradicional, ou mesmo, apresentar enfoques
mais críticos sobre velhos temas, desmistificando, sob o aspecto historiográfico, estereótipos em
relação ao comportamento social do povo brasileiro no que se refere ao seu engajamento nas
lutas sociais. Segundo Aquino et allii (1999, p. 289, grifo dos autores), “a grande maioria dos livros
de História do Brasil procura ocultar a violência, sobretudo das autoridades, contra reivindicações
das camadas populares, visando projetar a imagem de brasileiro cordial”. Nesse mesmo sentido,
Chiavenato (1988, p. 5) afirma que “nos livros de história o povo quase não aparece”, visto que
“uma das características básicas da historiografia oficial é negar ao povo qualquer participação
profunda nas mudanças da sociedade”.
Jason Ferreira Mafra - 73

em 1532) iniciam-se os perenes confrontos (verificados mesmo depois


da proibição da escravização dos ameríndios) entre colonos portugue-
ses e indígenas, responsáveis pelo extermínio de diversas nações nativas.
Vale recordar que essa luta nunca se encerrou, já que as nações indíge-
nas subsistem ainda sob risco parecido, visto que não há de fato um es-
paço garantido de autodeterminação desses povos, sujeitos às múltiplas
condições de instabilidade, devido às constantes ameaças (doenças, pre-
sença de garimpeiros, madeireiras, posseiros, etc.) em suas reservas ain-
da não asseguradas de forma efetiva pelo Estado Nacional.
Outra questão, tácita ao habitus reprodutor desta imagem de pas-
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sividade, é a história do negro no Brasil, em que autores vinculados à


historiografia oficial insistiram em consolidar ideias de “benevolên-
cia senhorial” e “submissão racial”, apoiados pelo conceito de “melhor
adaptação ao trabalho escravo” (cf. PINSKY, 1986, pp. 9-11). Marcados
pelo antagonismo constante da dominação branca, fugas individuais e
coletivas, suicídios, boicotes, motins contra senhores, formação de qui-
lombos, etc. configuravam algumas das muitas e constantes expressões
de resistências de negros e negras nos mais de três séculos de luta desse
povo contra a escravidão no Brasil.
Compreende-se, portanto, que a história do negro está necessaria-
mente atrelada à história de suas batalhas e guerras pela liberdade, ain-
da que, muitas vezes, defendendo causas não propriamente suas (como
se observa no estudo das guerras internas e externas deste país), tornan-
do-se, frequentemente, o principal “voluntário da pátria”41.
Além disso, são inúmeras as revoltas que envolveram pessoas dos
diversos segmentos sociais, como os movimentos de caráter regional,

41 Atualmente existem centenas de títulos com abordagens críticas sobre as questões do negro e do
índio (cf. CHIAVENATO, 1988, p. 118). Os livros Escravidão no Brasil, de Jaime Pinsky, A Abolição, de
Emília Viotti, e Os Voluntários da Pátria, de Júlio Chiavenato, publicados, respectivamente, em 1981,
1982 e 1983, são trabalhos significativos (entre outros) que procuraram, já no início da década de
1980, salientar o caráter mascarador das visões da historiografia tradicional, colocando em relevo
a violência do escravismo no Brasil e as lutas constantes dos negros pela libertação.
74 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

que não se opunham abertamente ao pacto colonial, e os pró-inde-


pendência, como no caso da Conjuração Baiana (1798) e a Revolução
Pernambucana (1817).
Somam-se ainda às revoltas nas províncias durante o período re-
gencial (cabanos, balaios, sabinos, farrapos) as guerras platinas (com
destaque para o genocídio americano na Guerra do Paraguai, a maior
guerra do continente) e inúmeros conflitos internos ocorridos durante a
República Velha (como as revoltas camponesas de Canudos, Contestado,
Juazeiro, Cangaço e revoltas urbanas, entre as quais, Chibata, Vacina,
Tenentismo), culminando nos acontecimentos de 1930 e 1932 que pu-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

seram fim à chamada república velha.


Para não ser muito extenso, é bom lembrar que, desde as últimas
duas décadas do século XX, verifica-se um grande esforço dos historia-
dores para recuperar a memória nacional no que se refere aos inúme-
ros movimentos sociais de caráter popular, ocultados por tanto tempo
e que, entre outras coisas, serviram para justificar a tese do “povo paca-
to e tranquilo”42.
Não se pode esquecer, também, que durante todo o domínio dos
militares (de que o professor em questão não poderia deixar de lembrar)
ocorreram manifestações para o estabelecimento da democracia, quer
pela forma mais radical da via revolucionária, com as mais de duas de-
zenas de facções guerrilheiras que atuavam no campo e na cidade con-

42 No livro Sociedade Brasileira: uma História através dos Movimentos Sociais (AQUINO et alii, 1999,
599 p.), a partir de relevante suporte bibliográfico, os autores fazem um levantamento histórico de
diversos movimentos sociais até então esquecidos nos escritos tradicionais (como, por exemplo, as
revoltas “da Cachaça”, “do Reino Encantado”, “do Ronco da Abelha”, “do Motim da Carne Sem Osso”,
“Contra o Xumbergas”, “Levante do terço Velho”, etc.), além dos já tradicionalmente abordados na
história do Brasil, desde o início da colonização até o final do período monárquico. Ainda que seja
significativa a defasagem de pesquisas e publicações sobre as lutas populares, segundo Munakata
(cf. 1998, pp. 284-287), essa tentativa de escrever ou reescrever a história geral e nacional sob uma
abordagem diferenciada da historiografia tradicional é, desde as duas últimas décadas, manifes-
tada em muitos trabalhos (livros paradidáticos de cunho não ficcional ou de utilização moderada
de texto ficcional) publicados por várias editoras paulistas em mais de duas dezenas de coleções,
o que supõe a existência de centenas de títulos, mesmo considerando-se o fato de que ocorre,
frequentemente, repetições de temas tradicionais em coleções distintas.
Jason Ferreira Mafra - 75

cretizando-se nas ações armadas (cf. REIS FILHO; SÁ, 1985, pp. 7-22),
quer por pressões reformistas várias, como greves, passeatas, denúncias
e até mesmo pela via parlamentar, em especial nos últimos anos da dita-
dura. Sobre este período, Evaldo Vieira (1992, p. 25) recorda que
Os grupos de oposição foram-se unindo precariamente, atuando
em grandes manifestações e passeatas de protesto nos anos de 1967
e 1968. O movimento estudantil, a ação dos trabalhadores e a Fren-
te Ampla irromperam em diversos lugares no país. Opunham-se
ao governo, tanto nas ruas, nos comícios e nas passeatas, quanto
no Congresso Nacional, por meio de parlamentares, em especial
do MDB, eleitos em 1966.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

As formas de resistência ao Estado Militar ocorreram perenemente,


portanto, em variados campos, por meio de denúncias e ações diversas,
antes mesmo da instauração do golpe, durante sua primeira tentativa
em 1961 (via Frente Legalista) e, principalmente, após sua ocorrência,
culminando no fim do regime autoritário dos presidentes militares em
1985. Em todo esse período, inúmeras manifestações marcaram as atua-
ções das grandes massas populares, organizadas pelos numerosos sindi-
catos que surgiam, pelos setores das Igrejas ditas progressistas, pelas Ligas
Camponesas e entidades de caráter nacional, como a CONTAG, CGT,
CUT e UNE, que mobilizavam os trabalhadores do campo e das cidades.

2.5 O sentido do período militar


“[...] Nenhuma modificação foi exigida com o advento da Revo-
lução [...]” (resp. 11, grifo nosso).
Esta assertiva diz respeito às mudanças no ensino fundamental e
médio, mas o que se exige nesta análise, por enquanto, é a questão da
noção de “revolução” como palavra de ordem nos discursos militares e
civis que, ao ser assimilada e reproduzida, contribuiu para a construção
do consenso necessário ao estabelecimento da hegemonia na sociedade
sob a égide desse bloco histórico.
76 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

O conceito de “revolução” empregado por estes setores, associado


à ideia de democracia (“revolução democrática”), tinha como objeti-
vo estratégico legitimar o golpe descaracterizando-o como “contrar-
revolução”. Na acepção do termo, “revolução” associa-se à ideia de
alteração radical nas esferas socioeconômicas e políticas de uma dada
sociedade, geralmente por meio de mudanças drásticas e violentas
pela sublevação de classes, como ocorrido nas revoluções burguesas
dos séculos XVIII e XIX e nas denominadas revoluções socialistas (cf.
FERNANDES, 1981, pp. 9-15).
Por tratar-se de uma interrupção arquitetada e aplicada por uma
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

coalizão civil e militar – dispensando o envolvimento popular e, portan-


to, feita de cima para baixo, impondo ao mesmo tempo uma moderni-
zação conservadora – de um processo político que se caracterizava por
um “subversivismo esporádico e desorganizado das massas populares”,
Germano (1994, p. 35), recorrendo às contribuições teóricas de Gramsci,
caracteriza este episódio como uma “revolução passiva”, isto é, uma mu-
dança feita pelo “alto”, em dois momentos, quais sejam, o da restauração
(reação a uma possibilidade de transformação vinda de “baixo”) e o da
renovação (atendimento de algumas demandas populares).
Com isso, a apropriação da noção de “revolução”43, como desig-
nação para aquilo que foi concretamente um golpe seguido de ditadu-
ra, significa a aquisição de um habitus, cuja existência não se limitou ao
campo das estruturas governistas e dos setores mais vulneráveis às in-
culcações ideológicas44, mas, engendrou-se e foi incorporado, frequen-
temente, nos espaços onde se esperava exatamente o oposto, isto é, sua

43 Epicentro do poder simbólico, instaurado a partir da “nova ordem nacional” que justificou e legitimou
a ação militar de 64.
44 Situados em geral nas camadas economicamente menos favorecidas onde há também maior de-
fasagem de capital cultural, e, conseqüentemente, de informação e de conhecimento histórico.
Jason Ferreira Mafra - 77

interpelação crítica, um contradiscurso como prática necessária à des-


legitimação do discurso oficial45.

2.6 Manifestações simbólicas da ditadura em


concepções e práticas pedagógicas
Analisamos aqui outras imagens do referido professor de História,
obtidas a partir dos seguintes excertos:
[...] tenho a impressão que a rigidez disciplinar ocasionava maior
aproveitamento e maior tranquilidade no aspecto geral (resp. 2).
[...] nem todos os professores teriam a capacidade de elaborar
seus programas [...] e a experiência provou que a crítica não era
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

de todo sem fundamento (resp. 4).


[...] vínhamos de um período de Democracia Plena [...] Os
professores continuaram autônomos. Exagera quem sustentar o
contrário [...] (resp. 11).
[...] preocupava-me intensamente de evitar a memorização de
datas e nomes completos dos personagens; na avaliação tomava
em consideração qualquer resposta, desde que demonstrasse o
mínimo de conhecimento do assunto (resp. 3).
[...] É fruto de uma ideologia do momento. Objetivava-se de-
senvolver o Patriotismo [...] que descambou para o ufanismo
(resp. 12).
[...] o aluno [...] deveria insurgir-se também contra o ensino de
outras disciplinas, pois muitos jovens não entendem o motivo

45 Ainda que concordemos com Bourdieu em relação ao caráter reprodutivista da educação, não
negamos neste espaço reprodutor seu aspecto dialético fundamental, qual seja, a contradição (cf.
CURY, 1985), o que nos faz concordar com Severino (1986, p. 97, grifo do autor) quando afirma
que “a educação pode também desenvolver um discurso contra-ideológico, ou seja, desnudar,
explicitando-o, o vínculo que relaciona as várias formas de discurso às condições sociais que o
engendram e tornando manifestas as causações reais, denunciando as explicações que apelem
para causações que o são apenas na aparência”. Cabe, portanto ao professor, não apenas o papel
de reprodutor – função inerente a existência social, uma vez que, para continuar a existir, o homem
necessita reproduzir a si mesmo e às suas relações (cf. Heller, 1991) –, mas de organizador da
cultura (cf. GRAMSCI, 1968) escolar numa perspectiva crítica e, por isso mesmo, contra-hegemônica.
78 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

de serem entulhados com matérias que entendem inúteis e sem


nenhum proveito para o futuro (resp. 19).
Ao compararmos, num primeiro momento e de forma superficial, as
três primeiras afirmativas com as três últimas, categorizando-as em pro-
gressistas e conservadoras, concluímos que tais afirmações apresentam-
-se, à primeira vista, contraditórias. Isso se deve ao fato de que o autor
defende, simultaneamente, a “rigidez disciplinar” (decorrente das resso-
nâncias do Estado Militar) e o direito de indisciplina dos alunos “contra
matérias que entendem inúteis”; crê na “autonomia do professor” e re-
conhece a influência e função da “ideologia do momento”; declara cré-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

dito a um passado de “democracia plena” e afirma os valores da ordem


autoritária estabelecida. Contudo, tal desarmonia não se manifesta in-
coerente no comportamento e pensamento conservadores.
Em sua análise sobre o conservadorismo em Poder Político e
Resistência Cultural, Evaldo Vieira (1998, pp. 29-30) mostra que “a atitu-
de conservadora dá a impressão, e só a impressão, de não integrar dou-
trina ou sistema bem estruturado”, por isso, incorpora ao mesmo tempo
posições de “direita” e “esquerda”, visto que “não possuem medida fixa
e bem delineada para distinguir ambas as posições, já que o centro não
apresenta exatidão”. Consequentemente, as “atitudes e doutrinas con-
servadoras representam-se em concepções de mundo, em construções
ideológicas, em sistemas de ideias, cujos significados se enraízam num
grupo ou numa classe social, e explicam estas atitudes e estas doutrinas”
(VIEIRA, 1998, p. 30). Rejeitando os acontecimentos revolucionários e
incorporando a contrarrevolução, o conservador “busca restabelecer a
ordem passada, definitiva e natural, estática e anti-histórica, perfeita e
hierárquica, a eterna verdade, a ordem ideal a ser perpetuada” (VIEIRA,
1998, p. 47).
Nesse sentido, podemos afirmar que as imagens que este professor
construiu (ou foram construídas) a respeito das ações, reações e concep-
Jason Ferreira Mafra - 79

ções dos militares em seus 21 anos de dominação exercida pelos poderes


repressivo e simbólico, embora não explicitem sua conivência conscien-
te com as práticas deste modelo repressor, observadas em algumas de
suas ressalvas, são, numa avaliação de “perdas e danos”, positivamente
favoráveis ao Estado ditatorial.
Trata-se, portanto, de uma postura conservadora que, a despeito de
muitos profissionais do campo educacional que faziam do ofício uma ati-
tude de resistência ao despotismo militar nas suas mais variadas formas
(do simples questionamento da legitimidade deste poder à radicalização
pela luta direta)46, impregnou aqueles que, pela omissão ou indiferença,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

consentiam a realidade histórica do período como um dado natural47.


Aparentemente, isso não se deve à ignorância histórica ou incapa-
cidade do mesmo em perceber as contradições entre discurso e prática
do regime, mas à crença de que, entre a atual configuração da sociedade
brasileira, supostamente democrática, e a do período militar, esta últi-
ma apresentava-se “qualitativamente melhor” em todos os seus aspec-
tos já que, no tocante à organização da nação, a “disciplina que reinava
nos quartéis, repercutia no comportamento dos alunos e da sociedade
em geral” (resp. 10).
Cabe perguntar, entre tantas coisas, qual era a disciplina que reina-
va nos quartéis, e como repercutia no comportamento dos alunos e da
sociedade como um todo? O professor entrevistado dá a resposta: aque-
la disciplina que possibilitava viver “com mais segurança”, visto que “ha-
via muito menos assalto e estupros” e, consequentemente, por causa de
tal disciplina “não se ouvia falar de falcatruas, escândalos financeiros”,
etc. (resp. 10).

46 A este respeito, conferir entre outros, os livros História e Historiografia Brasil Pós-64 (Lapa, 1985),
Imagens da Revolução (REIS FILHO; SÁ, 1985)
47 Ainda, segundo Vieira (1998, p. 47), “o conservadorismo prende-se particularmente à concepção
de mundo produzida pelos membros de um grupo ou de uma classe social, mesmo com prosélitos
dispersos pela sociedade”.
80 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Note-se que o entrevistado não quer dizer que “não se ouvia falar”
porque havia censura, mas que “não se ouvia falar” porque (ou acredita-
va que) não ocorriam mesmo falcatruas, escândalos financeiros, ou que
procedimentos como gastos financeiros gigantescos em obras públicas e
em projetos militares feitos sem a aprovação da sociedade civil48, cassa-
ções políticas, atentados de Estado, prisões, desaparecimentos, torturas,
assassinatos49, em sua avaliação, não constituam um quadro degenerati-
vo como o exposto pelo mesmo em relação ao momento atual.
Referente às questões educacionais, é importante refletir sobre o que
leva esse professor, com formação acadêmica em três áreas do conheci-
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mento em ciências sociais, a afirmar, entre outras coisas, que a educação,


“no tocante ao primeiro e segundo ciclos, não sofria qualquer interven-
ção dos poderes constituídos” e que “o professor tinha autonomia sufi-
ciente no seu trabalho mais ou menos semelhante a de hoje”.
Pode-se imaginar que tenha desejado manifestar que a “intervenção”
não ocorria de forma direta, com militares dentro das salas de aula, ou,

48 Entre 1964 e 1984, a dívida externa brasileira aumentou quarenta vezes saltando de 2,5 bilhões de
dólares para 102,4 bilhões (Arruda, 1989, p. 49). Em 1985, último ano dos governos militares,
momento em que a dívida atingiu a cifra dos 108 bilhões de dólares, os economistas Joelmir Beting,
Paulo Sandroni, Aluízio Mercadante e Paulo Schlling participaram de um ciclo de debates promo-
vidos pela CUT, cujo documento final intitulou-se Dívida Externa: não fizemos, não devemos, não
podemos pagar essa dívida (cf. CUT, 1988). O documento explicita, entre outras coisas, a maneira
pela qual tais governos contraíram e administraram os empréstimos externos durante a ditadura. Em
maio de 1987, 56 centrais sindicais e sindicatos de 25 países da América Latina e Caribe, liderados
pelo movimento sindical brasileiro, elaboraram a Declaração de Campinas, uma campanha latino-
-americana pelo não pagamento da dívida externa desses países. A sangria econômica do Brasil
naquele período – que tem origem nos empreendimentos faraônicos e empréstimos estrangeiros
adquiridos neste período, inicialmente, para sustentar o “milagre brasileiro”, e posteriormente para
o pagamento dos débitos nacionais (taxados pelo Fundo Monetário Internacional) –, resultante
desse espantoso endividamento externo, levou o país à categoria de maior devedor internacional
do grupo dos países do mencionado “mundo em desenvolvimento”, até o início do século XXI,
seguido pelo México e Argentina (ARRUDA, 1989, p. 44).
49 Calcula-se que por motivos políticos, durante a vigência da ditadura, mais de 50 mil pessoas tenham
sido presas, cerca de 20 mil submetidas a torturas, 320 militantes de esquerda mortos e 144 dados
como desaparecidos; centenas de baleados em manifestações, 8 mil acusados e mais de 11 mil
indiciados em 800 processos judiciais; centenas de condenações a penas de prisão, 4 condenados
a pena de morte, 130 exilados, 780 cassações de direitos políticos por dez anos, inúmeras aposen-
tadorias compulsórias e demissões do serviço público (cf. GORENDER, 1987, p. 235). Ainda a este
respeito é importante destacar o conhecido relatório Brasil: Nunca Mais (ARQUIDIOCESE DE SÃO
PAULO, 1985).
Jason Ferreira Mafra - 81

da maneira como se fazia no campo universitário, por meio de persegui-


ções a estudantes e professores. Todavia, é curioso notar que o mesmo
não reconhece o ritual obrigatório das datas comemorativas (fartamente
incentivado pelos manuais de moral e civismo e pelo corpo diretivo das
escolas), as propostas pedagógicas criadas nas instâncias governamen-
tais, a censura explícita, as propagandas oficiais recheadas de ufanismo
– ou mesmo tacitamente colocadas nos meios de comunicação e nos li-
vros –, como configurações do quadro de reprodução ideológica. Dessa
maneira, não percebia que o professor, e também ele, estaria submeti-
do a esse processo de inculcação, reproduzindo, portanto, as represen-
tações confeccionadas no interior do aparelho do Estado50.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Com efeito, considerando a origem do conteúdo que ensinava51


e as aferições acerca do significado do período52, é válido afirmar que
as interpretações desse professor não se distanciavam das visões que o
Estado autoritário procurava fabricar de si mesmo. Tais imagens consti-
tuíam-se em mecanismos de justificação de seus próprios atos e de con-
tenção ideológica pela desmobilização (falsa consciência); instrumentos
imprescindíveis à manutenção da hegemonia e à fragmentação de ações

50 Em Questões de Sociologia, Pierre Bourdieu (1983) discute, entre outras coisas, a “cozinha das ci-
ências”, quer dizer, não o produto científico em si, mas as condições sociais pelas quais tal produto
se constitui. Dessa forma, a ideia de autonomia é questionada tanto na produção do conhecimento
como em sua divulgação. Por isso, considera a neutralidade “um discurso imbecilizante”, uma vez
que, entre outros argumentos, se o “sociólogo (ou qualquer cientista) consegue produzir alguma
verdade, não é apesar de seu interesse em produzir, mas por causa de seu interesse”, ou seja, o
resultado da descoberta, ou em outras palavras, a produção do conhecimento é sempre contextu-
alizada. Assim, a linguagem ou o discurso decorrente deste contexto possui um tal poder que “não
são as palavras que agem por uma espécie de poder mágico”, mas as condições sociais que dão
força às palavras; “tiram sua força de uma instituição que possui sua própria lógica, os títulos, o
arminho, e a toga, o púlpito, a palavra ritual, a crença dos participantes, etc.”. Quem age, portanto,
em certo nível, é o poder, a Instituição (cf. BOURDIEU, 1983).
51 A partir de afirmações do tipo “sempre utilizei livros didáticos [...] a adoção de um livro didático é
um mapa para um viajante desconhecido [...] como um roteiro pré-traçado” (resp. 6); “A imprensa
falada e escrita [...] era livre. A censura se atinha aos assuntos políticos” (resp. 10); “As aulas seguiam
de certa forma uma rotina” (resp. 3).
52 Compreendendo que “a dominação é a manifestação concreta e empírica do poder” (VIEIRA, 1998,
p. 52), posto que “as tomadas de posição ideológica dos dominantes são estratégias de reprodução
que tendem a reforçar dentro da classe e fora da classe a crença na legitimidade da dominação da
classe” (BOURDIEU, 1999, p. 11).
82 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

contra-hegemônicas (heterodoxia), originárias de possíveis tomadas de


consciência das camadas subjugadas pelo regime, em relação à situação
arbitrária e ilegítima do poder constituído naquele momento.
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Jason Ferreira Mafra - 83
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Parte III

O Discurso Didático, o
Sentido da História e a
Historiografia Brasileira
UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Jason Ferreira Mafra - 85

1 O papel político do discurso do livro didático na


redemocratização
Atribuir ao livro didático significância na história política do país
pode parecer exagero, diante do quadro das condições objetivas que, em
última instância, são os fatores preponderantes do processo histórico.
Contudo, sendo este um produto subjetivo, mas que não se desprende
da objetividade, vez que sua autonomia é sempre relativa, expressa sig-
nificado e sentidos político-sociais, tornando-se, por vezes, objeto de
análise e julgamento. Em determinados contextos, pode servir como
reprodutor de uma dada ideologia, na medida em que se constitui em
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instrumento dos interesses dos grupos dominantes; em outros, contra-


riamente, como contra-hegemonia, ao posicionar-se criticamente no
desvelamento de uma dada realidade.
Desde Marx, até os autores contemporâneos, discute-se de forma
sistematizada o conceito de ideologia e suas implicações como catego-
ria explicativa do conhecimento humano e/ou como instrumento de do-
minação e cimentação da estrutura social (SEVERINO, 1986, pp. 3-36).
Todavia, em que pese a complexidade do sentido que esta categoria com-
porta, a noção de ideologia foi bastante disseminada, em especial nas
últimas décadas, tornando-se um conceito conhecido de forma geral,
dispensando assim a discussão sistemática do mesmo nesta pesquisa.
Os trabalhos sobre livro didático têm insistentemente se preocu-
pado com a explicitação do caráter ideológico contido especificamente
no conteúdo deste material. Porém, como examinado, há outros estudos
que procuram situar o livro no contexto social de sua produção.
Na compreensão de Kazumi Munakata (1998, p. 271), os estudos
feitos até a década de 1980 limitaram-se a “flagrar nos livros didáticos e
paradidáticos brasileiros a presença insidiosa da mentira, da manipula-
ção, do preconceito, da mistificação, da legitimação da dominação e da
exploração burguesas – em suma, da ideologia”.
86 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Esse autor considera ainda que, em tal empreendimento, a produ-


ção deste tipo vinculava-se a
[...] uma conjuntura política em que, para muitos setores da so-
ciedade brasileira, era fundamental a crítica do regime militar e
de seus “entulhos autoritários” [...] [mas que, por outro lado], não
se pode deixar de constatar que este tribunal de belas mentiras
funcionou também como caça às bruxas, inquisição terrorista
(MUNAKATA, 1998, p. 271).
Como crítica ao exagero das críticas que se faziam aos autores e li-
vros daquele período, Munakata (1998, p. 293) afirma que “na mesma
época em que muitos pesquisadores universitários denunciavam nos li-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

vros didáticos as ‘belas mentiras’, que favoreciam a classe dominante”,


muitos autores e editores produziam livros didáticos com o intuito de,
[...] além de ganhar dinheiro, participar da luta pela consolidação
da democracia e da cidadania no Brasil [...]. [Para tanto,] valeram-
-se de uma história consolidada, com seus temas, períodos e
personagens bem assentados, mas invertendo-lhes o significado
ou reorganizando-os mediante certos conceitos (MUNAKATA,
1998, p. 293).
No decorrer de seu estudo, corroborando essa ideia, o autor des-
taca a evolução e o crescimento dos livros didáticos de História, em re-
lação à sua qualidade que, segundo o mesmo, graças principalmente à
profissionalização da indústria cultural, passou por “substanciais alte-
rações desde os tempos em que eram acusados de servir ao regime mi-
litar e difundir a ideologia dominante” (MUNAKATA, 1998, p. 274).
Em outras palavras, Munakata (1998) expõe que os livros produzi-
dos a partir da década de 1980 tiveram uma nova configuração crítica,
na medida em que seus autores, como sujeitos políticos que são, pas-
saram a produzir um material que servia também como ferramenta de
denúncia e questionamento do Estado militar e em defesa da democra-
cia. Numa leitura de conjunto, concluímos que ele defende a tese de que
Jason Ferreira Mafra - 87

os livros produzidos nesse período, em função do contexto político e,


principalmente, do investimento das editoras na profissionalização do
processo de produção do setor editorial didático, são muito melhores
do que os anteriormente produzidos53.
Joel Rufino dos Santos, professor e autor de livros (didáticos e não
didáticos), que participou de atividades políticas contra a ditadura mili-
tar, engajando-se diretamente no processo de redemocratização do país,
diverge dessa opinião positiva em relação aos atuais livros de História:
Eu conheço alguns bons livros didáticos de História, mas dentro
da visão antiga, da visão que entrou em crise [...] o problema é que
aquela concepção não funciona mais, aquele ensino de História
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

não funciona mais. Então, todos os livros de História deixaram


de ser bons, nenhum deles eu acho interessante, dentro da nova
concepção. [...] Uma tentativa que se fez foi [...] sair da crise através
do paradidático. [...] Foi uma tentativa de corrigir o livro didático
[...] a História passou a ser encarada como um gênero literário [...]
um bom livro didático na nova concepção é um livro paradidático.
Há diversos interessantes, mas livros didáticos mesmo naquele
sentido antigo, há bons, dentro daquela concepção superada.
A “visão antiga”, à qual se refere o professor Rufino, não é aquela pau-
tada no formato da história oficial, factual, cronológica, mas o modelo
posterior a esse, com organização didática da História fundamentada em
categorias, sobretudo marxistas, que foi incorporada por alguns autores,
entre eles, o mencionado professor, especialmente na década de 1980.
Gilberto Cotrim (1999a) também faz parte desse grupo de autores
que propôs mudanças na concepção de história no livro didático:

53 Afirma o autor que “essa renovação não contou apenas com a incorporação, nos livros didáticos,
de ‘novos problemas, novas abordagens, novos objetos’ propostos pela chamada Nova História [...]
Empresas que antes funcionavam com três ou quatro trabalhadores capazes e dispostos a fazer
todo tipo de serviço foram recrutando mais e mais profissionais, distribuindo-os numa minuciosa
divisão de trabalho de acordo com funções cada vez mais especializadas: edição, copidesque, leitura
crítica, revisão, edição de arte, diagramação e paginação, ilustração, pesquisa iconográfica, etc.”
(MUNAKATA, 1998, p. 275).
88 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

[...] eu acho que utilizei, em grande parte, na produção dos livros,


aquilo que hoje curiosamente se chama de paradigma tradicional.
Por que eu digo curiosamente? Por que quando eu comecei a es-
crever, não era um paradigma tradicional. Era um paradigma que
se contrapunha a um outro paradigma, que talvez eu dissesse que
era mais tradicional do que o que eu faço [...]. Quando eu comecei
a escrever, baseado, vamos dizer assim, em leituras do marxismo
e alguns pressupostos do marxismo, eu tinha como preocupação
básica o quê? Não fazer um livro estritamente político. Então,
além de política, trazer a economia como uma coisa importante,
uma ênfase dada aos assuntos de ordem econômica [...] a visão da
história propriamente vista mais de baixo para cima e não de cima
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para baixo [...] a partir daí muitos outros paradigmas foram sendo
desenvolvidos [...] sob esse fluxo da Nova História, esses elementos
que eu estou dizendo, ganharam um novo perfil, um novo ritmo,
etc. E hoje, eu diria que na minha produção dos últimos três anos,
eu tenho procurado rever este paradigma.
De fato, na perspectiva de uma abordagem marxista, busca-se não
apenas produzir conhecimento, teoria, mas ordená-los sob uma inten-
cionalidade, poderíamos dizer, contra-hegemônica, levando em conta
o contexto sobre o qual discorremos. No caso de Rufino, sendo ele um
militante político, inclusive preso pelo Estado militar, em razão de suas
ações, não há como negligenciar a estreita relação entre sua produção
intelectual e sua dedicação às forças pela redemocratização.
Porém, ainda que não se confrontasse mais explicitamente por meio
de ações diretas, Cotrim, no decurso de suas produções também expres-
sa sua militância. Isto pode ser logo percebido ao observarmos que suas
coleções levavam sempre explícita a perspectiva política em seus títu-
los História Geral para uma geração consciente (Cotrim; ALENCAR,
1984) ou ainda História e consciência do Brasil (Cotrim, 1999b).
Dessa forma, não podendo ser absolutamente neutro, uma vez
que a legitimidade em qualquer campo requer tomadas de posição
Jason Ferreira Mafra - 89

(BOURDIEU, 1999, pp. 105-116), não há como negar que uma parte des-
ses autores, em certo nível, fez de sua profissão e do produto de seu traba-
lho, espaço e momento de reflexão crítica da conjuntura política do país,
assumindo por vezes, explicitamente, suas posições político-ideológicas.
O contrário disso também ocorreu, isto é, a presença de posturas
reacionárias de autores que, em seus textos, empenhavam-se em legiti-
mar o regime, mesmo no quadro da decadência da ditadura. Contudo,
ainda que possamos evidenciar isso em seus escritos, difícil é encontrar
nomes que assumam, de forma transparente, uma posição como essa.
Pela experiência que tivemos, ficou evidente que os autores de li-
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vros didáticos têm grande receio em comprometer sua imagem por meio
de entrevistas, visto que seus livros têm sido alvo constante de trabalhos
acadêmicos, e, nos últimos anos, de uma parte da imprensa que acom-
panhou o processo de avaliação dos mesmos pelos órgãos oficiais54.
Essa perspectiva de ocultação, de fato, não ocorre gratuitamente,
mas manifesta-se como estratégia de garantia da legitimação, isto é, tem
a ver com o jogo desse campo, que, entre outros aspectos, consiste em
preservar a imagem das exposições de possíveis críticas, uma vez que,
como se sabe, tem sido o livro didático um dos seus principais focos.
Soma-se a isso, entre outros motivadores, o fato de que na economia das
trocas simbólicas do campo em que se insere esse tipo de livro, o lucro

54 Por esse motivo, gostaríamos de esclarecer o porquê de expormos aqui falas de apenas dois autores,
os quais, por sua vez, explicitam concepções políticas semelhantes, no contexto aqui abordado.
Durante três meses, de junho a setembro de 2000, mantivemos contato com dezessete autores por
meio de sete editoras (Ao Livro Técnico, Atual, FTD, IBEP, Moderna, Saraiva, Scipione), objetivando
realizar cinco entrevistas dentro de um critério que levava em consideração o período de inserção
desses autores no campo didático, qual seja, dois nomes que já escreviam no período de maior
controle da censura e três que entraram neste mercado a partir da redemocratização. Tal critério
supunha a apreensão de uma maior visão de conjunto deste campo a partir da experiência de um
número mais significativo de autores. Todavia, encontramos grande resistência, tanto por parte
das editoras, quanto por parte dos autores para a realização das entrevistas. Apesar de buscarmos
atender a todas as exigências dos mesmos para as condições das entrevistas (como data, horário,
apresentação antecipada das questões da entrevista, sinopse da abordagem e dos caminhos da
pesquisa), dos dezessete nomes procurados, apenas dois se prontificaram a concedê-las.
90 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

obtido em tal preservação pode refletir, em última instância, em maior


ou menor participação nas vendas do mercado editorial.

2 O contexto da historiografia acadêmica


Como expusemos, ainda que não seja um produto da academia, por-
tanto, isento daquele rigor teórico-metodológico, o livro didático cons-
titui-se, em certa medida, como caixa de ressonância de determinados
estudos produzidos no campo universitário, constatação que evidencia
uma intersecção entre o campo editorial didático e o universitário. Nesse
sentido, explicitar a produção de imagens nas práticas discursivas do li-
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vro didático exige, pelo menos, uma rápida exposição sobre o contexto
da historiografia brasileira nas últimas décadas.
No exame que fizemos em seis obras relativas à historiografia bra-
sileira contemporânea55, revelou-se que ela se configura, grosso modo,
pelas seguintes características: a) predominância da concepção de orien-
tação positivista, até o início de 1960; b) influência marxista e da escola
dos Annales, a partir da década de 1970; c) incorporação dos paradig-
mas da Nova História e da historiografia inglesa desde os anos de 1980;
d) estudos relacionados à subjetividade e ao cotidiano a partir do final
da década de 1980 e na década de 1990.56
Não cabe aqui aprofundar a conceituação dessas correntes, por isso,
correndo o risco de grosseiras simplificações, expomos, de maneira bem
sintética, um breve panorama das referidas tendências. Tal procedimen-

55 Para isso tomamos como referência as seguintes obras: Repensando a história (SILVA, 1984), História
e historiografia: Brasil pós-64 (Lapa, 1985), História nova do Brasil (SANTOS et alii, 1993), A velha
história: teoria, método e historiografia (MALERBA, 1996), Historiografia brasileira em perspectiva
(FREITAS, 1998) e Anais do II Encontro “Perspectivas do Ensino de História” (1996).
56 Esse quadro representa um panorama geral, porém não se trata de uma “evolução” cronológica
das correntes, visto que nenhuma delas desapareceu das academias. Soma-se a isso o fato de que
nomes significativos das ciências humanas não se encaixaram no quadro acima exposto. É o caso,
entre outros, de Caio Prado Junior, Antonio Candido, Astrojildo Pereira, Leôncio Basbaun, Nelson
W. Sodré, Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Emília Viotti da Costa, Álvaro Vieira Pinto, Celso
Furtado, autores de obras significativas produzidas ainda na década de 1950, ou até a primeira
metade da década de 1960 (KONDER, 1998, pp. 355-374).
Jason Ferreira Mafra - 91

to tem como perspectiva delinear o referencial sobre o qual nos remete-


mos em nossas análises relativas ao contexto do livro didático.

2.1 A influência positivista


O que se considera como análise positivista da História é também
mencionada por alguns autores como história tradicional57. Trata-se da
história explicada a partir das referências do sistema filosófico formu-
lado por Augusto Comte, cujos princípios deram origem às chamadas
ciências positivas. No campo da historiografia, o modelo positivista in-
fluenciou a criação de uma interpretação da história vista como o resul-
tado de sucessão cronológica e ordenada dos fatos. Tais acontecimentos
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se relacionam pelos princípios lineares de causalidade e consequên-


cia sempre progressivos, isto é, como um resultado natural e, portanto,
inevitável da evolução humana rumo ao Estado positivo, tendo passa-
do antes pelo teológico e o metafísico. Observa-se, então, que o caráter
positivo, isto é, ordenado e em permanente progresso, opõe-se, em sua
essência, ao princípio nuclear da concepção dialética da História, qual
seja, a contradição.
Tomando como referência o modelo rankeano, Peter Burke (1992)
afirma que esse tipo de história define-se, basicamente, por seis aspectos:
a) remete-se essencialmente à política, “admitida para ser essencialmen-
te relacionada ao Estado” (p. 10); b) apresenta-se como uma “narrati-
va dos acontecimentos” (p. 12), em oposição à “análise das estruturas”
(p. 12); c) oferece uma visão de cima, “no sentido de que tem sempre se
concentrado nos grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais
ou ocasionalmente eclesiásticos” (p. 12); d) referencia-se em documen-
tos, sobretudo enfatizando a “necessidade de basear a história escrita em

57 Na verdade, o termo história tradicional é carregado de grande subjetividade, podendo ser com-
preendido corretamente apenas dentro do contexto em que ele é afirmado. Assim, para qualquer
corrente, “tradicional” é sempre o modelo anterior. Por exemplo, para um positivista, tradicional
é a concepção metafísica, para o marxista, é a positivista, para o discípulo da Nova História, pode
ser o marxismo, e assim por diante.
92 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

registros oficiais, emanados do governo e preservados em arquivos” (p.


13); e) limita as causas na explicação da História, uma vez que “falha na
variedade de questionamentos dos historiadores” (p. 14); f) é objetiva,
cabendo ao historiador “apresentar aos leitores os fatos [...] como eles
realmente aconteceram” (p. 15).

2.2 A presença marxista


Definir a corrente marxista é tarefa bem complexa, visto que, como
se sabe, há inúmeras interpretações para esse termo. Há os ditos mar-
xistas ortodoxos, os heterodoxos, os marxistas não declarados, marxis-
tas revisionistas, os marxianos, etc.
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Eric Hobsbawm (1998, p. 9), reconhecido como o mais importante


historiador marxista entre o final do século XX e início do XXI, afirma
que a “concepção materialista da história” é o que define um marxista;
admite, no entanto, a dificuldade de se definir um historiador marxis-
ta “em comparação com um historiador não marxista” (p. 9). Recorda
que ele mesmo, sendo membro do Partido Comunista e editor da edi-
ção inglesa das Obras escolhidas de Marx e Engels, foi rejeitado pelas au-
toridades da extinta URSS. Recusaram-se a traduzir seus livros para o
russo porque “pelos critérios de sua ortodoxia os livros não eram ‘mar-
xistas’” (p. 9).
Hobsbawm confessa a dificuldade de se classificar como marxistas
ou não autores de correntes como os Annales e, até mesmo, os defen-
sores da Nova História. Por isso, prefere empregar a expressão “histo-
riadores na tradição de Marx” (p. 10). Defende esse autor que, de uma
forma ou de outra, é gigantesca a influência marxista na construção da
ciência histórica. Reconhece, por outro lado, que “a influência marxista
entre os historiadores foi identificada com umas poucas ideias relativa-
mente simples, ainda que vigorosas” (p. 159). Tais ideias fazem parte do
que ele denomina de “marxismo vulgar” (p. 159).
Jason Ferreira Mafra - 93

Salientamos a inviabilidade de se discutir ou expor neste texto um


apanhado de categorias e teses marxistas; por isso, limitamo-nos a apre-
sentar uma avaliação geral feita por esse renomado historiador.
Na caracterização do “marxismo vulgar”, o autor inglês relaciona
alguns elementos dos quais destacamos os seguintes: a) “a ‘interpreta-
ção econômica da história’, ou seja, a crença de que o fator econômico é
o fator fundamental da qual dependem os demais” (p. 159); b) o “mo-
delo da ‘base e superestrutura’ (utilizado mais amplamente para expli-
car a história das ideias)” (p. 160); c) o “interesse de classe e a luta de
classes” (p. 160), situados como motores da História; d) “leis históricas
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e inevitabilidade histórica” (p. 160), princípio muitas vezes compreen-


dido como um “determinismo mecânico que às vezes se aproximava da
sugestão de que não havia alternativas na história” (p. 160).
Eric Hobsbawm (1998, pp. 160-161) considera que essas ideias e con-
ceitos, mal ou bem empregadas, desempenharam papel significativo para
[...] detonar componentes cruciais da história tradicional e, como
tal, eram imensamente poderosas – talvez mais poderosas do que
teriam sido versões menos simplificadas do materialismo histó-
rico, e certamente poderosas o bastante em sua capacidade de
iluminar lugares até então obscuros, de manter os historiadores
satisfeitos por um período considerável.
Conclui esse autor que a grande contribuição dessa concepção mar-
xista foi a crítica do positivismo, ou seja, “das tentativas de assimilar o
estudo das ciências sociais ao das ciências naturais, ou assimilar o hu-
mano ao não-humano” (p. 161).
Já no início da década de 1980, análise semelhante era feita por
Cardoso e Brignoli (1983), quando expunham a condição do pensa-
mento marxista na História. Segundo eles, desde a Revolução Russa de
1917, quando se ampliou, em todo o mundo, a “influência do materia-
lismo histórico entre os intelectuais” (p. 69), até a década de 1960, o que
94 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

se presenciava era uma vulgarização do marxismo. Isso ocorria, sobre-


tudo, pelas explicações gerais decorrentes dos que chamavam de “posi-
ção ‘reducionista’ ou ‘analógica’ relativamente aos modos de produção”
(p. 88). Desde então, com a diminuição das tensões da guerra fria, sur-
giram novas leituras do marxismo, inclusive na América Latina, fazen-
do surgir uma “multiplicidade de tendências, de linhas de interpretação,
às vezes profundamente divergentes” (p. 103).

2.3 A incorporação dos Annales


O grupo dos Annales refere-se à tendência francesa associada a Lucien
Febvre e Marc Bloch, os quais fundaram, em 1929, uma revista (Annales)
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que se tornou ponto aglutinador de debates e encontros entre historia-


dores e cientistas sociais. Após a morte dos fundadores, Fernand Braudel
tornou-se o principal nome ligado a essa corrente de historiadores.
O trabalho desse grupo configurou-se, à época, no mais importante
centro historiográfico europeu preocupado com a renovação da História,
sobretudo na perspectiva de romper com o modelo rankeano, centra-
do, especialmente, na história política. Preocupados em fazer a crítica
ao modelo tradicional, desenvolveram uma metodologia original, pro-
curando mostrar “que a história econômica, social e cultural pode atin-
gir exatamente os padrões profissionais estabelecidos por Ranke para a
história política” (BURKE, 1992, p. 16). Além da crítica que faziam ao
positivismo, expõe Peter Burke (1992, p. 51) que “a maior contribuição
dos Annales tem sido a demonstração de como compor o contexto den-
tro do qual poderia ser escrita a história vista de baixo”.
De acordo com Ciro Flamarion Santana Cardoso e Héctor Pérez
Brignoli (1983, pp. 24-25), sob influência do estruturalismo linguísti-
co e antropológico, da demografia, da escola de Chicago e outros cam-
pos das ciências sociais, os Annales contribuíram para a formulação de
uma história que introduziu uma metodologia referenciada nas noções
Jason Ferreira Mafra - 95

de quantificação, conjuntura, estrutura e modelo. Vale expor aqui uma


síntese feita por esses autores a respeito dessa corrente historiográfica.
Segundo eles, a Escola dos Annales:
[...] se caracteriza pela rejeição de uma divisão radical entre his-
tória econômica e história global; por uma acentuada prudência
– quanto ao valor da documentação disponível e, também, quanto
à validez das formulações teóricas, vistas como algo que deve re-
sultar da síntese de um grande número de estudos de casos e não
apresentar-se como um dado a priori; por um grande respeito à
especificidade das diferentes sociedades e épocas, juntamente com
a crença na necessidade de formular teorias diferenciais para cor-
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responder à aludida especificidade; por um conhecimento e mane-


jo muitas vezes insuficiente (devida às deficiências das formulações
acadêmicas dos historiadores) da abstração conceitual, da teoria
econômica e das técnicas e métodos estatístico-matemáticos mais
avançados (CARDOSO; BRIGNOLI, 1983, p. 31).

2.4 A historiografia inglesa


A historiografia inglesa contemporânea de maior influência ca-
racteriza-se não por uma escola, mas por um tipo de estudo designado
“história vista de baixo” (SHARPE, 1992, pp. 39-32). Devedora das con-
tribuições francesas, sobretudo da nouvelle vague e do grupo dos Annales
(HOBSBAWM, 1998, pp. 193-200), propõe uma interpretação marxista da
História, focalizada na compreensão da realidade social a partir dos grupos
costumeiramente alijados da historiografia oficial. Não se trata, porém, de
uma decomposição da História, mas de uma busca de explicação da totali-
dade histórica, “resgatando as experiências passadas da massa da popula-
ção” (SHARPE, 1992, p. 42), até então, negligenciada pelos historiadores.
No entendimento de Luiz Geraldo Santos da Silva (1996, p. 98),
os historiadores britânicos dessa corrente – cujos mais importantes re-
presentantes são E. P. Thompson e Eric Hobsbawm –, “proporcionaram
modelos bastante úteis para se aprofundar o estudo das ações e repre-
96 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

sentações estabelecidas pelas pessoas comuns”. Dentre os procedimentos


adotados por esses historiadores, Silva (1996, p. 98) destaca que o recur-
so metodológico da “descrição analítica” constitui-se numa das “marcas
indeléveis dessa importantíssima tendência historiográfica”.

2.5 A Nova História e de suas tendências


A Nova História, também chamada, por vezes, de história nova, sur-
giu a partir de uma coleção de ensaios editada pelo medievalista fran-
cês Jacques Le Goff, no início dos anos de 1970. Le Goff, com o auxílio
de Pierre Nora, ainda nessa época, coordenou outra coleção de ensaios
escritos por 31 autores – dos quais apenas um não era francês –, cujos
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objetivos somavam-se ao esforço de renovação histórica.


Divididos em três volumes, esses ensaios se constituíram numa obra
que se tornou, ao mesmo tempo, o referencial teórico e o libelo da Nova
História. Embora seus principais articuladores recusem a ideia de uma
“escola”, a Nova História se manifesta, de certa forma, como continua-
dora dos estudos dos Annales. De acordo com seus membros fundado-
res, a Nova História é “bastante devedora a Marc Bloch, a Lucien Febvre
e a Fernand Braudel, a todos os que continuam a inovação por eles ini-
ciada” (LE GOFF; NORA, 1976, p. 11).
O caráter novo dessa corrente relaciona-se, de acordo com seus fun-
dadores, a três processos: “novos problemas [que] colocam em causas a
própria história; novas abordagens [que] modificam, enriquecem, sub-
vertem os setores tradicionais da história; novos objetos [que], enfim, apa-
recem no campo epistemológico da história” (LE GOFF; NORA, 1976,
p. 12, grifo dos autores).
Como sugerem seus autores, novos problemas, novas abordagens e
novos objetos aparecem no contexto da crise da própria História e dos
historiadores, os quais percebem nesse momento o “relativismo de sua
ciência” (LE GOFF; NORA, 1976, p. 12). No limite, qualquer cientifici-
Jason Ferreira Mafra - 97

dade da História é completamente negada, como no caso da avaliação


que Paul Veyne (1971) – um dos notáveis membros desse grupo – faz
em seu livro Como se escreve a história.
Essa nova maneira de se fazer história se opõe ao paradigma posi-
tivista e, ainda que muitos de seus mentores não explicitem negação ao
marxismo propriamente, investe contra os modelos que se construíram
em torno do mesmo. Assim, rejeitam a filosofia da História, voltando-
-se, como dizem seus representantes, para uma “tendência conceitual
que pode arrastá-la em direção a outra coisa que não ela própria, quer
se trate das finalidades marxistas, das abstrações weberianas ou das in-
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temporalidades estruturalistas” (LE GOFF; NORA, 1976, p. 13).


Com o avanço da referida corrente, ocorre um grande “fatiamento”
da História, que perdeu o seu status de história, com “H” maiúsculo. Por
outro lado, a Nova História, ao propor a construção de “histórias em mi-
galhas”, propugna para si, a exemplo dos Annales, um caráter globalizante,
na medida em que postula a “tendência dos objetos dessas histórias par-
ciais a se constituírem em totalidades” (LE GOFF; NORA, 1976, p. 13).
Esboça-se, desde então, uma pluralidade de histórias, rompendo as
antigas fronteiras dos limites da abordagem histórica. Com efeito, abre-
-se caminho para uma infinidade de objetos de estudos como “o clima,
o corpo, o mito, a festa, [...] a mentalidade, os jovens, [...] o inconsciente
da psicanálise, a língua da lingüística moderna, a imagem cinematográ-
fica, as sondagens de opinião pública, [...] a cozinha” (LE GOFF; NORA,
1976, p. 14), entre tantos outros.
Das possibilidades criadas pelo movimento da Nova História, des-
tacam-se os estudos relacionados à subjetividade e ao cotidiano. Na ver-
dade, esses termos são empregados, de uma forma geral, para designar
os trabalhos relativos a um conjunto variado de estudos propiciados pela
Nova História. Noutros momentos são tratados como sendo o domínio
das mentalidades e da micro-história.
98 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Mesmo especialistas nessas áreas têm dificuldade na definição de


tais tendências. Peter Burke (1992, p. 23) admite essa dificuldade e con-
sidera que a novidade dessa história está na “importância dada à vida
cotidiana nos escritos históricos contemporâneos, especialmente desde
a publicação do famoso estudo de Braudel da ‘civilização material’ em
1967”. Para esse professor de história cultural, a história da vida cotidia-
na, antes rejeitada, “é encarada agora, por alguns historiadores, como a
única história verdadeira, o centro a que tudo mais deve ser relaciona-
do” (BURKE, 1992, p. 23).
A história do cotidiano faz fronteira com outras disciplinas, seja da
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

filosofia de Michel de Certeau a Erving Goffman, seja na filosofia mar-


xista ou fenomenológica, áreas que se assemelham pela “preocupação
com o mundo da experiência comum [...], com seu ponto de partida,
juntamente com uma tentativa de encarar a vida cotidiana como pro-
blemática, no sentido de mostrar que o comportamento ou os valores,
que são tacitamente aceitos em uma sociedade, são rejeitados como in-
trinsecamente absurdos em outra” (BURKE, 1992, p. 23).
O grande desafio dessa História tem sido interagir o micro com o
macro, isto é, desprender-se da cotidianidade buscando nela a generali-
dade, ou, em outras palavras, “relacionar a vida cotidiana com os gran-
des acontecimentos” (BURKE, 1992, p. 23).
Em 1988, fazendo um balanço dos rumos da Nova História e de
suas “subsidiárias” tendências, Le Goff admite algumas críticas, sobretu-
do ao contorno imediatista que essas últimas assumiram. Afirma, toda-
via, que a Nova História é ainda uma “ciência em marcha, uma ciência
na infância”, a se definir diante de si mesma e da crise pela qual passam
as ciências sociais (cf. LE GOFF et allii, 1998, pp. 1-13).
Jason Ferreira Mafra - 99

3 Epistemologias dos discursos na historiografia


contemporânea e nas produções didáticas
brasileiras
Sabe-se que a historiografia brasileira é, em grande medida, influen-
ciada pela produção europeia, notadamente francesa. Entretanto, essa
influência ocorre num descompasso temporal entre o desenvolvimento
das pesquisas naquele continente e sua “materialização” nos trabalhos
da academia brasileira.
Nas afirmações de Carlos Fico e Ronald Polito (1996, p. 191), as pes-
quisas acadêmicas historiográficas assumiram sua estrutura atual a partir
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

de 1971, contudo, “enquanto na França já amadureciam as concepções


do que seria a Nova História, no Brasil dos anos 70 foram importadas
problemáticas relacionadas principalmente ao que se pode caracterizar
como a primeira fase da ‘Escola’ dos Annales”. Nessa conformidade, os
estudos brasileiros que incorporaram as contribuições da Nova História,
apareceram apenas nos anos de 1980 (FICO; POLITO, 1996, p. 191).
Antes desse período, uma tentativa de renovação da escrita histo-
riográfica brasileira, opondo-se à mencionada “história oficial”, foi em-
preendida pelos isebianos Joel Rufino dos Santos, Maurício Martins
de Mello, Pedro de Alcântara Figueira, Pedro Celso Uchoa Cavalcanti
Neto e Rubem César Fernandes, orientados e coordenados por Nelson
Werneck Sodré, à época, Chefe da Cadeira de Formação Histórica no
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).
Esse grupo, constituído em 1963 e extinto em 1964 pelo governo
militar, é o criador da coleção chamada História Nova do Brasil, inicial-
mente projetada para seis volumes, dos quais apenas dois chegaram a
ser editados. Todavia, não se tratava de um trabalho sustentado nos pa-
radigmas da Nova História francesa. Em depoimentos para uma reedi-
ção dessa coleção em 1993, os próprios autores, apesar de destacarem o
100 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

avanço historiográfico de seus trabalhos naquele contexto, reconhecem os


limites epistemológicos das concepções teórico-metodológicas emprega-
das no projeto que, parcialmente, realizaram (cf. Santos et alii, 1993).
De acordo com os estudos de Fico e Polito (1996, p. 191), desde a
década de 1970 até os anos de 1980, a história que se passou a fazer no
Brasil sofreu “fortíssima presença teórica das diversas correntes mar-
xistas”. Ainda que seus resultados se destacassem mais por certo cli-
ma acadêmico do que por “elaborações conceituais profundas” (FICO;
POLITO, 1996, p. 191).
Além do próprio Marx – notadamente a partir de sua obra O capi-
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tal, integralmente traduzido para o português em 1974 (cf. LAPA, 1985,


p. 33) –, diversos historiadores e especialistas que discutem teoricamen-
te a História tornaram-se, pela primeira vez, um referencial significativo
na produção historiográfica brasileira, nutrindo-a de uma cientificidade
que possibilitava, desde então, captar “o que a inteligência propõe como
representação da realidade” (LAPA, 1985, p. 74).58 Tratava-se, naquele
momento, de romper, embora nunca definitivamente59, com a forma tra-
dicional de se fazer história ancorada nos paradigmas positivistas. Pelos
estudos de Amaral Lapa (1985, p. 74, grifo do autor), naquela época:
Uma sociedade de estratificação complexa reclamava, na prática
profissional do historiador, um compromisso com seus problemas
e angústias. Havia outros leitores que desejavam assumir um lugar
no proscênio da História, tirando assim o exclusivo privilégio da
burguesia, para quem, até então, era elaborado o conhecimento

58 José Roberto do Amaral Lapa, considerado um dos importantes analistas do campo historiográfico
(cf. FICO; POLITO, 1996, p. 196), cita que entre os nomes mais influentes na historiografia brasileira, a
partir do final da década de 1970, destacam-se: Hen-Irénée Marrou, G. Barraclough, Pierre Chaunu,
H. Vedrine, E. H. Carr, Lucien Febvre, Antonio Gramsci, Marc Bloch, Fernand Braudel, Paul Veyne,
Michel Foucault, François Furet, Claude Lévi-Strauss, Jean Piaget, Ernest Nagel e Jean Bouvier.
59 No já referido estudo, A historiografia brasileira nos últimos 20 anos, Carlos Fico e Ronald Polito
(1996, p. 194) afirmam que “a história política no Brasil, nunca deixou de ser praticada e, na verdade,
não experimentou grandes renovações teóricas ou metodológicas como de algum modo ocorreu
com a história social. Muitos trabalhos de história política persistiram numa perspectiva linear de
análises de individualidades ou da corriqueira sucessão de episódios da ‘pequena política’”.
Jason Ferreira Mafra - 101

histórico que deveria, portanto, corresponder às aspirações dessa


classe, a fim de que pudesse ela se ver como a responsável, aquela
que, através dos seus agentes e grupos, se projetava como única
fautora do processo!
Produções relacionadas ao viés da micro-história, isto é, à subjeti-
vidade, ao cotidiano, às mentalidades, ao imaginário, provenientes do
que se considera a terceira geração dos Annales, tiveram grande desen-
volvimento nas universidades brasileiras durante os anos de 1990 (FICO;
POLITO, 1996, p. 196). Vale lembrar que, enquanto tais temas e tendên-
cias historiográficas chegaram ao nosso mundo acadêmico nessa épo-
ca, já no início dos anos de 1980, na França, estavam incorporados nas
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

práticas educacionais exteriores ao campo universitário.


Avaliando tais práticas, Jacques Le Goff reconhecia os problemas
apresentados pela vulgarização da história nova no ensino secundário
francês:
Todos aqui saudaram a entrada de novos objetos na História:
a História Nova pode fazer-se através do estudo de um objeto
a partir do qual toda a História de uma sociedade se desmonta
aos nossos olhos. Mas o que eu noto nesta História temática, tal
como ela se esboça, é uma história que se encerra no tema e que
não explica por que é que a carroça e o automóvel apareceram, e
como isso se inscreve na História geral das sociedades (LE GOFF
et alii, 1983, pp. 15-16 apud MUNAKATA, 1998, p. 284).
Críticas às práticas acadêmicas da história nova no Brasil apare-
cem de forma contundente mais de dez anos depois, no II encontro
“Perspectivas do Ensino de História”, realizado na Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo, em 1996. A respeito da temática básica
do Encontro (análises sobre reformulações curriculares do ensino de
História e a formação de professores), observa-se que a penetração dos
estudos provenientes da perspectiva da Nova História acarretou pro-
blemas na historiografia brasileira. De acordo com Janotti (1996, p. 20),
102 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Temas recentes da História Imediata são mais prestigiados e


acatados do que o estudo dos acontecimentos passados por sig-
nificativos setores da pesquisa e do ensino que pensam, assim,
reagir contra o racionalismo positivista e marxista, ocultador
das descontinuidades. Perigosamente a memória vem se consti-
tuindo na própria História e o passado público tornou-se objeto
de trabalhos fora de moda [...]. O presente passou a explicar-se a
partir de si próprio.
Afirma a autora que a atual historiografia, concentrando excessi-
vamente seus esforços nos paradigmas da Nova História, abandonou a
história política. Na avaliação de Janotti (1996, p. 23, grifo da autora),
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Apesar de reconhecer que a denominada Nova História francesa


abriu amplas possibilidades no campo histórico, a maior crítica
contra ela reside na produção de um discurso narrativo frag-
mentado sem vínculos com a totalidade, conceito que passou a
ser visto apenas como um produto ideológico e não como uma
necessidade epistemológica.
Referindo-se às produções brasileiras, atesta a autora que
[...] ao abraçar perspectivas antropológicas e literárias mui-
tas vezes o discurso historiográfico tornou-se presa de meras
constatações e narrativas sobre um cotidiano despolitizado,
desvinculando-se da própria consciência histórica que, acima
de tudo, pressupõe a definição ética do historiador perante o
seu tempo (JANOTTI, 1996, p. 23).
Janotti conclui constatando que “o ensino passou em decorrência
disso a correr o risco de fragmentar-se e prender-se ao círculo de sua
própria prática, crítica esta, paradoxalmente, feita à rigidez teórica dos
anos 80” (JANOTTI, 1996, p. 23).
Jason Ferreira Mafra - 103

3.1 Presenças e ausências da historiografia nas


construções didáticas sobre a ditadura
Nenhum livro aqui analisado assume, rigorosamente, uma concep-
ção teórico-metodológica sustentada nas tendências então apresentadas.
Percebe-se, portanto, que não ocorrem em suas construções discursi-
vas transposições categoriais de maneira a compor uma dada corrente.
Verifica-se, por outro lado, que, em determinados momentos, al-
guns conceitos historiográficos, como veremos, são empregados nas
explicações e nas análises de certos autores, notadamente nos livros
História do Brasil: da colônia à república, de Elza Nadai e Joana Neves,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

e História da sociedade brasileira, de Francisco Alencar, Lúcia Carpi e


Marcus V. Ribeiro. Tais obras vinculam-se aos casos em que há alguma
presença do que poderíamos chamar de noções de linguagens marxis-
tas, ou de influências marxistas60. Sobre o que pudemos compreender,
tais noções figuram num tipo de escrita histórica aproximando-se da-
quilo que Hobsbawm qualifica como “marxismo vulgar”, termo já dis-
cutido neste capítulo.
Dessa forma, encontramos explicações que se enquadram nas no-
ções de “interpretação econômica da história”, “modelo da base e superes-
trutura” e ou “leis históricas e inevitabilidade histórica” (HOBSBAWM,
1998, pp. 159-160). É o que percebemos, por exemplo, quando analisa-
mos a maneira pela qual Elza Nadai e Joana Neves (1991, p. 244, grifo
das autoras) justificam a explicação do quadro econômico, como deter-
minador das limitações democráticas ocorridas no período histórico si-
tuado entre 1946 e 1964:
A limitação, em termos de vivência democrática, se explicava, de
modo geral, pelo fato de a política econômica brasileira, mesmo

60 Trata-se aqui, apenas de uma expressão para designar algumas categorias e ou conceitos que são
tradicionalmente mais recorrentes em autores ditos marxistas ou empregados pelo próprio Marx.
Evidente que esta discussão é polêmica visto que, como diz Hobsbawm (1998, p. 10), nem todos
os que se intitulam podem ser considerados “Historiadores na tradição de Marx”.
104 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

nas suas fases mais dinâmicas, ter-se enquadrado nos parâmetros


do desenvolvimento capitalista, segundo o qual se orientou o pro-
cesso de industrialização, que desde o Estado Novo vinha sendo
a principal ênfase da política econômica brasileira.
O uso dessas categorias marxistas é explicitado pelas próprias auto-
ras, quando esclarecem que “as diretrizes estabelecidas para a organiza-
ção da economia, ou seja, a base material da sociedade, são indicadoras
ou, mais precisamente, são determinadoras das opções feitas ao nível da
organização política” (NADAI; NEVES, 1991, p. 244, grifo nosso).
Casos semelhantes encontramos no livro História da sociedade bra-
sileira (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979). Nessa obra, os autores pro-
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curam situar suas análises sobre o período militar, seguindo também a


perspectiva de explicação baseada no “modelo de base e superestrutura”.
Assim, ao aplicar tal modelo à realidade nacional, inferem que
[...] o desenvolvimento capitalista brasileiro, do qual se benefi-
ciavam a burguesia e as empresas associadas ou integralmente
estrangeiras, precisava das Forças Armadas e dos tecnocratas, para
exercer funções de controle, no plano social, e modernizadoras,
no plano administrativo (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979,
p. 322, grifo nosso).
Corroborando tal tese, os mesmos apresentam um organogra-
ma para melhor conceituar o “modelo político e econômico brasileiro”
(ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979, p. 324). Na representação que fa-
zem desse modelo, situam no centro a “expansão capitalista”, da qual
derivam a “tecnocracia”, o “militarismo”, a “empresa estatal” e o “con-
glomerado internacional”. Dispostos como estão no organograma, to-
dos esses elementos submetem-se à superestrutura do “Sistema de Poder
Burocrático-Autoritário” (p. 324).
Embora notemos outros termos relacionados a algumas noções de
linguagens marxistas, como o conceito de luta de classes – frequente-
Jason Ferreira Mafra - 105

mente empregado pelos autores no contexto do conflito de interesses en-


tre burguesia e trabalhadores (cf. ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979,
pp. 286-339) –, ideologia (p. 286-318), contradição (p. 285) e forças so-
ciais (p. 303-318), os mencionados autores se esforçam em construir um
discurso mais panfletário do que propriamente didático. Assim, verifi-
camos, ao examinarmos as expectativas apontadas por eles no momen-
to em que encerram o livro, que
O Brasil vive hoje nas lutas dos trabalhadores – os verdadeiros
construtores do nosso “milagre econômico” – que se reorga-
nizaram em novos moldes, procurando eliminar as lideranças
tradicionais (os pelegos) e defendendo – até pela greve – os au-
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tênticos interesses da classe [...] nas Associações de Bairros [...]


que procuram reivindicar aos poderes públicos os direitos mais
comuns de qualquer cidadão [...] ou realizar por conta própria
[...] o que as autoridades esquecem de fazer [...] A sociedade bra-
sileira é fermentada também pela ação das comunidades eclesiais
de base, onde predomina a preocupação de não se dissociar a
fé religiosa das questões concretas que o cotidiano coloca e de
defender a libertação do homem por seu próprio esforço, sem
paternalismos ou imposições (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO,
1979, p. 335, grifo dos autores).
Esse estilo “manifesto-marxista” perpassa, de forma geral, todas
as análises contidas na obra, mas sobretudo tratando-se das questões
históricas vinculadas à ditadura militar. Por exemplo, quando discu-
tem o significado do papel ideológico da “política populista de massas”
(ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979, p. 293), explicam que:
A política de massas exercia um duplo efeito sobre as classes tra-
balhadoras: de um lado, como era dirigido pelos pelegos sindicais
e líderes populistas vinculados aos grupos dominantes e ao Estado,
ela limitava a atuação política e os horizontes ideológicos da classe
trabalhadora; de outro, levava a conquista de interesse popular e,
106 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

através das greves e manifestações nacionalistas, permitia a maior


organização da classe trabalhadora.
Tal perspectiva de abordagem demonstra certa coerência na pro-
posta implícita dos autores, os quais, abrindo o livro com as “perguntas
de um operário que lê”, de Bertolt Brecht, e enfatizando alguns temas
pouco discutidos na produção didática61, apontam para um enfoque his-
tórico a partir da ótica das “maiorias ‘sem nome’ que fazem a História”
(ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979, prefácio).
Procuram, dessa maneira, dar um tratamento discursivo a partir
do que Peter Burke (1992, pp. 39-62) considera como “história vista de
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

baixo”. Como já mencionamos, a “história vista de baixo” não se limi-


ta aos paradigmas marxistas, ainda que seja necessariamente devedo-
ra do marxismo (Hobsbawm, 1998, pp. 155-170). Resulta também
das contribuições de diversas tendências, passando pelos Annales, pela
Nova História, pela historiografia inglesa (sobretudo dos autores Edward
Thompson e Eric Hobsbawm) e italiana (destacando Carlo Ginzburg)
(cf. BURKE, 1992, pp. 39-62).
Os livros História do Brasil: da colônia à república (NADAI; NEVES,
1991) e História da sociedade brasileira (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO,
1979), embora não constituam obras de uma corrente historiográfica
específica, são os únicos dos aqui examinados que lançam mão de cate-
gorias da historiografia, explicitando intencionalidade em suas constru-
ções. Os demais livros, seguindo uma narrativa, diríamos, tradicional,
introduzem uma história sem evidenciar preocupações com qualquer
procedimento epistemológico.

61 De fato, notamos que não se trata de uma tentativa desses autores de reescrever a história, intro-
duzindo novos temas, mas, mantendo os temas já consagrados pela historiografia, inverter-lhes o
ponto de análise. É o que percebemos, por exemplo, ao examinarmos certos títulos e subtítulos de
alguns capítulos: “Unidade I – Pindorama (a comunidade primitiva e o período pré-colonizador), Os
donos da terra”; “Unidade II – O inferno dos Negros (a agro-manufatura do açúcar e a colonização
nos séculos XVI e XVII), A cultura literária colonizada”; “Unidade IV – O que anda nas cabeças e
anda nas bocas? (as conspirações do final do século XVIII), ‘Animai-vos, povo bahiense!’” (ALENCAR,
CARPI; RIBEIRO, 1979, sumário, p. IX).
Jason Ferreira Mafra - 107

Uma vez que “existem homologias estruturais e funcionais entre to-


dos os campos” (Bourdieu, 2000, p. 67), mesmo considerando a rela-
tiva autonomia e as especificidades do jogo do campo editorial, é possível
dizer que, nesse contexto, o “habitus cultivado” (Bourdieu, 1999, p.
211) no campo social62, sobretudo nos espaços dos campos acadêmico
e da militância política, foi determinante nas produções de História do
Brasil: da colônia à república (desde sua primeira edição em 1980) e de
História da sociedade brasileira (1979).
Em tais produções notamos que os capitais cultural e simbólico,
como disposições incorporadas que são, tendem a transferir suas es-
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truturas de forma adaptada para o campo da produção didática. Com


efeito, observamos que ambos os livros são escritos por pessoas que, à
época, atuavam tanto no campo universitário quanto no campo da mi-
litância política63.
Por outro lado, fica evidente o descompasso entre a produção his-
toriográfica da academia e a incorporação dessas produções pelos ma-
nuais didáticos; seja pela distância temporal dessas incorporações, seja
pelos limites encontrados em traduzir, ao mesmo tempo, para o mate-
rial didático, o rigor acadêmico e a linguagem adequada aos destinatá-
rios de tais produções.
O livro Estudos Sociais, de Souza e Araújo ([197-]) – cujo objetivo,
como já visto, era claramente o de reproduzir a versão oficial –, e a obra
História: Brasil independente de Tereza Rodrigues ([1989?]), mantêm-

62 Na exposição de Bourdieu (1999, p. 135), “pode-se descrever o campo social como um espaço
multidimensional de posições”, ou seja, o conjunto dos variados campos, responsáveis pelo capital
cultural e simbólico adquirido e reproduzido por determinado agente.
63 Não é necessário entrar aqui em extensos dados biográficos, mas, somente para ilustrar, lembramos
que as duas autoras de História do Brasil: da colônia à república eram, desde a primeira edição do
livro, em 1980, docentes universitárias. Elza Nadai participou das atividades político-estudantis na
Juventude Universitária Católica (JUC), desde a década de 1960, na cidade de São Paulo. Dos autores
de História da sociedade brasileira, Marcus Venício T. Ribeiro exercia a função de pesquisador do
Instituto de História Social Brasileira e Francisco Alencar ligava-se, à época, ao movimento sindical e
aos grupos fundadores do Partido dos Trabalhadores, tornando-se, mais tarde, vereador e deputado
estadual por esse partido, no Rio de Janeiro.
108 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

-se dentro do que poderíamos considerar como visão tradicional-po-


sitivista da História. Nesse sentido, reconstroem o período amparando
suas análises, como veremos mais adiante, numa narrativa linear, fac-
tual, essencialmente política e sob a ótica oficial das classes tradicional-
mente mencionadas como dirigentes.
Sobre as obras aqui examinadas, vale considerar que as que mais se
manifestam em relação à definição por uma opção historiográfica são
as que representam menor ortodoxia, na medida em que a escolha de
uma direção adquire significado mais de renovação do discurso do cam-
po didático do que de fidelidade epistemológica. São os casos das obras
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História do Brasil, de Elza Nadai e Joana Neves, e História da sociedade


brasileira, de Alencar, Carpi e Ribeiro.
Por outro lado, as obras que não têm essa preocupação, aparen-
temente ocultando uma teoria, são as que revelam maior coerência e
propugnam uma concepção consolidada de história. A ocultação é na ver-
dade reconhecimento incorporado da crença na legitimidade do modelo
que defendem, ou seja, um habitus da produção ideológica (BOURDIEU,
2000, pp. 12-15). Referimo-nos aqui aos casos dos livros de Souza e
Araújo (analisado na parte II deste livro) e de Tereza Rodrigues que se-
rão examinados na terceira e quarta parte deste trabalho.
Aspecto comum às abordagens de todos os autores é o fato de que
não tendem para a fabricação de uma “história em migalhas”. Ao con-
trário, todas as obras vistas postulam um caráter frequentemente teleo-
lógico em seus discursos.
Dessa forma, as discussões pós-modernas, bastante presentes no
campo universitário desde o final da década de 1970 – sejam nas con-
cepções historiográficas ou filosóficas –, sobretudo aquelas que colo-
cam em dúvida a possibilidade de um sentido da História, pelo menos,
nos casos aqui examinados, não penetraram nas construções didáticas.
Evidentemente, tal constatação não possibilita afirmar que, por isso, a
Jason Ferreira Mafra - 109

versão da história que tais livros fabricam seja a mais aproximada da


verdade em História.
3.1.1 O compromisso do livro didático segundo os seus
autores64
Como já salientado, na mesma época em que autores de livros de
História se identificavam pela postura contrária ao Estado autoritário
imposto até aquele momento no Brasil, outros se mantinham indiferen-
tes, ou até mesmo procuravam, na contramão desse movimento, man-
ter-se fiel à ordem estabelecida.
Um dos espaços em que já se evidencia a tendência da abordagem
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de um autor é a apresentação de seu livro. Em alguns casos, pela pre-


sença e/ou pela ausência de determinadas falas, deduz-se a linha ide-
ológica que o livro deverá seguir65. Como a neutralidade se dá apenas
na aparência, a apresentação de um livro, não raramente, revela a sua
perspectiva, seja ela conservadora, quando próxima de uma versão da
história oficial, seja progressista, em razão de uma reflexão crítica dos
acontecimentos históricos.
Via de regra, todo livro didático tem uma “apresentação” que, en-
tre outras funções, serve para evitar que o leitor “caia de paraquedas” no
texto, introduzindo-o assim no contexto da leitura e/ou esclarecendo-
-o quanto à justificativa da escolha daquele objeto, bem como das con-
dições teóricas de construção do trabalho. Esse é o momento em que
o autor assume, deixa tácito ou oculta suas intenções. Conquanto seja

64 Em razão dos objetivos deste estudo, todos os livros aqui analisados são os exemplares destina-
dos ao professor, excetuando-se o livro de Alencar, Carpi e Ribeiro (1979), que não possuía esta
indicação. Desta obra, mesmo nas edições até o ano de 1985, não há o exemplar específico do
professor, apenas um carimbo de “cortesia da editora e do autor”, mas seu conteúdo é, na íntegra,
o mesmo do exemplar do aluno. Nos outros livros, a indicação destacada “livro do mestre” ou “livro
do professor” especificam o exemplar.
65 Sem querer reduzir as múltiplas e profundas discussões a respeito da análise do discurso, tal afir-
mação pode ser compreendida na perspectiva do paradigma indiciário de Ginzburg (1989, p. 178),
segundo o qual, “alguns indícios mínimos” podem ser “assumidos como elementos reveladores de
fenômenos mais gerais” como “a visão de mundo de uma classe social, de um escritor ou de toda
uma sociedade”.
110 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

possível encontrar autores que não tratam desse aspecto em suas pro-
duções, a maioria, porém, faz sua apresentação, ora dirigida ao aluno,
ora dirigida ao professor, ora a ambos.
Examinando 24 livros de História dos ensinos médio e fundamen-
tal, publicados entre 1979 e 2001, nos quais o tema ditadura é aborda-
do, constatamos que em apenas dois deles não há preocupação de se
fazer uma apresentação formal em seus trabalhos, ainda assim, mesmo
nesses livros, tal quesito pode ser compreendido num pequeno texto na
capa dos livros66. Os demais o fazem, em geral, como item introdutório
de seus trabalhos.
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3.1.2 Heterodoxia na repressão e reação na


redemocratização
Na leitura que empreendemos nesses livros, observamos que o pro-
gressivo engajamento dos autores na luta política contra a ditadura, na
perspectiva apresentada por Munakata, é bastante relativo, uma vez que
não há, de fato, um movimento homogêneo neste sentido. A verdade é
que podemos encontrar, em direções antagônicas, livros com posturas
claramente progressistas em sua proposta e críticas em relação à ditadu-
ra, ainda no período de seu auge, e livros conservadores e reprodutivis-
tas, já na fase da desintegração do Estado militar, ou até mesmo, muito
depois de sua extinção.
Por exemplo, o livro para o ensino médio História da sociedade
brasileira, de Francisco Alencar, Lucia Carpi e Marcus Venício Toledo
Ribeiro, publicado pela editora Ao Livro Técnico, do Rio de Janeiro, tem
sua primeira edição no ano de 1979, ano em que se oficializa a abertu-
ra política com a Lei da Anistia. Todavia, contrariando a expectativa de
ser um livro conservador, em função de estar ainda no limiar do apogeu

66 São os livros das coleções de ensino médio das versões “volume único” e “compacta”, escritos por
Ricardo de Moura Faria, Adhemar Martins Marques e Flávio Costa Berutti, ambos publicadas pela
editora LÊ, nos anos de 1989 e 1998.
Jason Ferreira Mafra - 111

do período militar, seu formato e sua abordagem são significativamen-


te críticos e progressistas, se comparado ao de outros, como, por exem-
plo, o livro de Tereza Rodrigues ([1989?]), História: Brasil independente,
indicado aos alunos da 6ª série, publicado mais de uma década depois
pela editora paulista IBEP67.
Já na própria capa dos livros notam-se as diferenças. O livro de
Tereza Rodrigues ([1989?]) tem ali estampada a imagem, extraída de uma
tela, em postura imponente, do Marechal Deodoro da Fonseca, mon-
tado em seu cavalo, enquanto que o livro de Alencar, Carpi e Ribeiro
(1979) expõe a foto de um operário (provavelmente um estivador) em
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

seu contexto de trabalho.


As diferenças prosseguem na apresentação ao leitor. É nela que Tereza
Rodrigues ([1989?], p. 2) caracteriza seu livro e expõe seus objetivos:
Este livro foi escrito na linguagem que o aluno gosta: fácil, sim-
ples, objetiva, com frases curtas. Neste livro, acontecimentos e
personagens são tratados com motivação, têm calor, vida, o que
faz do estudo da História atividade agradável, que o aluno vai
desempenhar sem nenhum enfado. Além do resumo e exercí-
cios, completam cada capítulo a conclusão, que julgamos a mais
importante, e uma curiosidade. Por tudo isso, esperamos servir
a contento ao ensino da História, colaborando com alguma efici-
ência no trabalho dos nossos colegas.
Notamos aí que a autora não se compromete com nada que não seja
a tradicional “linguagem objetiva da História”, isto é, o modelo eufêmi-
co e natural das causas e eufórico dos nomes e feitos das personagens
consolidadas. Observando a estrutura e a abordagem de seus capítulos,
vemos que o referido livro mantém-se mesmo articulado ao estilo da li-

67 O livro de Tereza Rodrigues, assim como o de Souza e Araújo, também não possui data de publicação,
mas a leitura de suas abordagens evidencia que teve sua primeira edição em meados de 1988 ou
no início do ano de 1989, porque encerra suas análises sobre a economia brasileira citando o mês
de fevereiro de 1988.
112 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

nha reprodutivista da história oficial, num contexto em que, aparente-


mente, não haveria porque fazê-lo, uma vez que se trata do ano de 1989,
isto é, ano da segunda eleição para um presidente civil e a primeira pela
via direta, após a derrocada do regime militar em 1985.
Por outro lado, enquanto esse livro segue, desde suas primeiras pá-
ginas, a linha da história dos tradicionais “grandes” feitos e dos “gran-
des” nomes oficiais, o livro de Alencar, Carpi e Ribeiro (1979), História
da sociedade brasileira, publicado dez anos antes, inicia sua apresenta-
ção de forma bastante distinta, aparentemente, não se comprometendo
com nada, mas tacitamente numa linha oposta, criticando exatamente
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

a história dos mitos e heróis. O poema Perguntas de um operário que lê,


de Bertolt Brecht, é o texto referencial da apresentação do livro:
Quem construiu a Tebas das sete portas? Nos livros constam os
nomes dos reis. Os reis arrastaram os blocos de pedra? E a Ba-
bilônia tantas vezes destruída. Quem ergueu outras tantas? [...]
Um grande homem a cada dez anos. Quem pagava suas despesas?
Tantos Relatos. Tantas Perguntas.
Ainda na apresentação, afirmam os autores de História da sociedade
brasileira que a história do Brasil abordada por eles são “as experiências
de homens e mulheres relacionados entre si, produzindo, divididos em
classes, defendendo interesses contraditórios, vivendo”. Expõem que o
livro não é resultado exclusivo dos três autores68, mas do esforço de um
grupo de atores sociais:
Animando todos, a vontade de produzir algo útil para a melhor
compreensão do nosso ser-no-mundo, e no mundo brasileiro,
em especial. Afinal, como disse Eduardo Galeano em seu livro
As veias abertas da América Latina, a história é um profeta com o
olhar voltado para trás (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979, p.
3, grifo dos autores).

68 São citados ainda mais oito nomes de pessoas que tiveram destaque na elaboração do livro e
apresentadas suas respectivas colaborações.
Jason Ferreira Mafra - 113

3.1.3 O livro didático sob o olhar acadêmico


Dentro da linha “progressista”, a exemplo desses autores, destaca-
-se o livro destinado ao ensino médio, História do Brasil: da colônia à
República, das autoras Elza Nadai e Joana Neves (1991), publicado, pela
editora Saraiva de São Paulo, cuja 1ª edição consta do ano de 1980.
Esse livro diferencia-se dos anteriores, entre outras características,
pela preocupação com o rigor didático-metodológico, e por uma lingua-
gem, poderíamos dizer, com perfil acadêmico; não fossem as inúmeras
notas explicativas, de conceitos e termos empregados ao longo do texto,
alguns de uso muito comum, geralmente dispensáveis (mas nem sem-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

pre), ao público universitário69. Caracteriza-se também pelas análises


críticas que propõe fazer em suas abordagens, em geral, lançando mão
de categorias próprias de um neomarxismo70.
Essas são preocupações das autoras desde a sua primeira edição,
mantendo tais características pelo menos até a edição de 1991. Em sua
mais recente edição (1995), ocorreram algumas modificações em relação
ao formato do livro e a uma redução das orientações contidas no manu-
al do professor, bem como das citações no corpo dos textos.
Na apresentação do livro ao aluno, as autoras destacam que o traba-
lho foi elaborado para responder às necessidades do aluno de, ao mes-
mo tempo, “aprender a refletir e a pensar acerca da realidade brasileira
contemporânea” (1991, p. 3, grifo das autoras). Asseveram que o obje-
tivo do livro não é

69 Considerando que as autoras são também docentes acadêmicas, tal fato é compreendido por
Bourdieu (1999, p. 211) como “habitus cultivado”, disposições incorporadas que se transferem de
um campo para outro. Em entrevista, a coordenadora do departamento de História do Colégio Dante
Alighieri, à época, uma escola privada e tradicional da capital paulista, afirmou que tal livro fora
adotado na escola por um determinado período, contudo, os alunos consideravam que o mesmo
possuía uma linguagem “muito difícil”. Segundo a mesma coordenadora, em razão da percepção
desta situação, a editora solicitou revisões às autoras, todavia, mesmo com tais revisões, persistiram
as dificuldades, o que fez com que os professores buscassem alternativas e, no limite, optassem
por outro livro que foi adotado pela escola.
70 Esta discussão sobre historiografia será abordada na quarta parte deste livro.
114 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

[...] discorrer sobre o passado isolado e desligado do presente,


mas sobre a sociedade brasileira, entendida em suas multifaces e
pluralidade de tempos históricos que convivem ora em harmonia,
ora em conflito, ora em contradição, garantindo a especificidade
do processo histórico brasileiro (1991, p. 3).
Afirmam também nesse livro que
[...] a realidade passada é focalizada em todo o seu dinamismo,
suas contradições, seus avanços e recuos [procurando garantir]
o tratamento dos assuntos de forma analítica, permitindo-lhe
conhecer e compreender de maneira abrangente o sentido do seu
movimento, movimento esse que continua e do qual somos todos
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

participantes interessados (1991, p. 3).


Dessa maneira, concluem as autoras que o que oferecem “não é
um amontoado de datas, nomes e fatos que devem ser decorados, mas a
possibilidade de conhecer a história global e dinâmica que lhe sirva de
referência para compreender, de uma forma mais abrangente, a nossa
realidade vivida” (1991, p. 3).
Em seguida é especificada a forma pela qual cada capítulo é organi-
zado: texto básico com notas de rodapé, leitura complementar, propos-
tas de estudo e bibliografia comentada. Por fim, concluem que o livro
assim elaborado tem por objetivo assegurar ao aluno
[...] a compreensão do processo histórico brasileiro e, por conse-
guinte, da realidade contemporânea e, ao mesmo tempo, o domí-
nio da técnica de estudo que lhe dará independência e iniciativa
para melhor organizar leituras para a ampliação de seus estudos
superiores (1991, p. 3).
A apresentação do livro destinada ao educador, contida no espaço
do “manual do professor”, configura-se num capítulo à parte, totalizan-
do 30 páginas (edição de 1991), se levarmos em consideração as expli-
cações sobre metodologia, objetivos, tratamento do conteúdo, aspectos
formais e planejamento do livro e subsídios para o plano de curso.
Jason Ferreira Mafra - 115

O cuidado com este aspecto é percebido também nas obras desti-


nadas ao ensino fundamental, como é o caso do livro História do Brasil:
Brasil independente (NADAI; NEVES, 1985). Naquele livro, no espa-
ço dedicado ao professor, as autoras explicitam o valor da obra e os
seus limites, propondo uma visão do “processo histórico brasileiro”.
Tal processo, no entendimento das mesmas, exclui a ideia da História
como resultado dos feitos de heróis e vilões. Procuram, dessa maneira,
analisá-la “desenvolvendo uma perspectiva crítica” de forma a “apren-
der que as ações humanas são determinadas historicamente, isto é, em
outras palavras, localizam-se em um tempo e um espaço historicamen-
te determinados” (1985, p. 2, grifo das autoras). Nessa compreensão,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

afirmam Nadai e Neves (1985, p. 2, grifo das autoras), a visão do ho-


mem é “permeada pela classe social da qual é originado ou na qual
vive”. Propõem desse jeito uma visão da “totalidade” histórica. As au-
toras afirmam também que o manual oferece questões, mas não res-
postas prontas, objetivando que o aluno elabore respostas “corretas,
mas pessoais e criativas” (1985, p. 2).
Por fim, ainda na apresentação ao professor, oferecem uma “orien-
tação metodológica”, como referência para o encaminhamento das au-
las (leitura e seleção das dificuldades, compreensão, análise-síntese,
aplicação, crítica), e expõem que cada capítulo é apresentado com os
“objetivos”, os “resumos de conteúdos” e as devidas “indicações meto-
dológicas” (1985, pp. 2-3).
No manual do professor, destinado ao ensino médio, da edição de
1991, as autoras mantêm essas mesmas perspectivas, procurando expli-
citar o caráter permanente da construção da obra, afirmando sua ne-
cessidade de atualização, sobretudo no tocante ao conteúdo, “visando
garantir a incorporação das contribuições significativas produzidas pela
pesquisa historiográfica” (1991, p. 2).
116 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

3.1.4 A desintegração temática na história integrada


Outro manual didático analisado aqui é o livro História para o ensino
médio, de Ricardo de Moura Faria, Adhemar Martins Marques e Flávio
Costa Berutti, publicado em 1998, pela Editora Lê, de Minas Gerais. Esse
livro faz parte de um novo formato que penetrou no mercado a partir
da segunda metade da década de 1990, integrando coleções que fazem
lembrar (pelo menos na extensão de sua temática) a tradicional obra
História da civilização ocidental: do homem das cavernas até a bomba
atômica (cuja 27ª edição consta do ano de 1985), do historiador norte-
-americano Edward Burns71. Tais coleções procuram, segundo seus au-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

tores e editores, integrar todo conhecimento histórico sobre a história


geral e a do Brasil num único volume72.
Em História para o ensino médio, dos autores mineiros, não há um
espaço específico destinado a uma apresentação formal do livro ao aluno
ou ao professor, mas apenas um comentário na parte externa da última
capa, que pode ser entendido como tal. Ali há um pequeno texto que diz:
História para o ensino médio permite a alunos e professores ter, em
apenas um volume, todo o programa essencial para o ensino médio,
atendendo, ainda, aos exames vestibulares de todo o país. História
Antiga e Medieval, Moderna e Contemporânea, História da América
e do Brasil, articulam-se de forma clara e coerente, através de uma
visão crítica e desmistificadora do processo histórico.

71 Pelo volume de sua obra (superando as mil e cem páginas distribuídas em dois volumes), este
tradicional historiador é até bem mais modesto em sua investida que os seus atuais concorrentes.
Isso se revela, sobretudo, se comparamos o tratamento que Burns dá ao seu tema, com a amplitude
dos títulos de algumas coleções didáticas nessa linha, visto que o citado autor propõe dar conta,
não de “toda a história”, como fazem alguns, mas de toda a história “apenas” do mundo ocidental.
72 Mantendo as mesmas linhas totalizantes de Burns, tais coleções têm títulos consideravelmente
pretensiosos: História: das cavernas ao terceiro milênio (editora Moderna); História para o ensino
médio: história geral e do Brasil (editora Scipione); História da civilização ocidental: geral e Brasil,
integrada (editora FTD); História global: Brasil e geral (editora Saraiva); Toda história: história
geral e do Brasil (editora Ática); História (da editora IBEP, com um subtítulo que diz “atende aos
parâmetros curriculares do ensino médio” e em destaque “curso completo”). Excetuando-se esta
última coleção, todas as outras ultrapassam 500 páginas, chegando uma delas a 688 páginas.
Jason Ferreira Mafra - 117

Em que pesem tais promessas, tanto o seu conteúdo quanto a for-


ma de tratá-lo, como veremos, não correspondem muito às afirmativas
contidas nesse rótulo.
Primeiro, basta verificar que a questão de “todo o programa essen-
cial para o ensino médio”, que englobaria “História Antiga e Medieval,
Moderna e Contemporânea, História da América e do Brasil”, como afir-
mam os autores, é tratada em menos de 400 páginas, se excetuarmos
aquelas destinadas às questões de vestibulares. Só para citar um exem-
plo dessa distorção, o período histórico brasileiro que se estende de 1945
ao ano de 1995 é abordado em apenas 9 páginas, o que, obviamente, in-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

viabiliza um estudo minimamente sério e de conjunto, levando-se em


conta cinquenta anos de história (1998, pp. 439-450).
Outro fator que limita a obra é que não se encontram no livro, ao
contrário do que afirmam seus autores, articulações claras entre os con-
teúdos. Tal fato é nítido, à medida que analisamos a forma pela qual se
organizam os textos. Trata-se de parágrafos curtos que se restringem a
apresentar, resumidamente, tradicionais ideias e conceitos há tempos
consolidados nos livros didáticos de História e, muitas vezes, já supera-
dos pelos avanços do campo historiográfico.
Por exemplo, ao discorrer sobre o insucesso do sistema de capitanias
hereditárias, expõem que “a experiência não surtiu os efeitos esperados.
Diversos problemas impediram o êxito das capitanias, pois apenas duas
conseguiram um certo resultado econômico” (1998, p. 196). O próximo
parágrafo do livro já entra na “explicação” do Governo Geral.
Nesse caso, tem-se a impressão de que o êxito das duas capitanias
explica o fracasso das outras e não que tal fracasso esteja relacionado
às especificidades dessas últimas e/ou às suas implicações com a estru-
tura histórica.
Na organização do sumário, a história do Brasil aparece sempre
como um tema à parte das seis unidades do livro, invariavelmente o úl-
118 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

timo item de cada unidade, sem que este se relacione aos desdobramen-
tos dos processos e temporalidades mais amplos.
Excetuando-se o subtítulo “A América de colonização portuguesa”
(p. 196-204) – que, aliás, por razões óbvias, trata-se apenas deste nosso
país –, o Brasil é abordado em temas bem específicos: “A ordem imperial
brasileira e sua desagregação” (pp. 282-301) “O Brasil até 1945” (pp. 367-
-380) “O Brasil pós-45” (pp. 439-456).
Assim, coloca-se um tema geral no capítulo “As configurações do
Mundo Contemporâneo”, mas o “Brasil pós-45” entra como um tema
desconexo desse processo, sendo abordado como um subtema à parte,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

remetendo-se aos outros subtemas (“A guerra fria”, “A descolonização e


o Terceiro Mundo”, “Expansão e crise do bloco socialista”, “As socieda-
des capitalistas contemporâneas”, “América Latina pós-45”), apenas por
seu aspecto cronológico.
Dessa forma, toda a história do Brasil é, desde o período colonial, fre-
quentemente suprimida de cada tema relativo ao contexto histórico geral,
e sinteticamente enfocada em quatro dos trinta e cinco capítulos do livro.
Na verdade, como pudemos observar naquela obra (e em outras co-
leções que prometem uma abordagem da “história integrada”), ainda que
as várias temáticas sejam apresentadas como articuladas, segundo seus
escritores, “de forma clara e coerente” (História Geral, da América e do
Brasil), os conteúdos são tratados de maneira estanque, bastando uma
rápida olhada no sumário, para se constatar o indício desta estrutura.
No espaço que seria destinado à apresentação do livro, os autores
de História para o ensino médio apresentam trechos da letra de uma mú-
sica do cantor Renato Russo (vocalista de uma banda de rock brasileira
nos anos de 1980 e 1990), sem mais explicações:
É a verdade o que assombra,
O descaso o que condena,
A estupidez o que destrói. [...]
Jason Ferreira Mafra - 119

– Tudo passa, tudo passará.


E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz.
Teremos coisas bonitas para contar.
E até lá vamos viver,
Temos muito ainda por fazer.
Não olhe para trás –
Apenas começamos.
O mundo começa agora –
Apenas começamos. (Renato Russo)
É certo que um poema ou um pensamento poético, muitas vezes,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

não apresentam mensagens objetivas. No caso da inserção deste frag-


mento, inserido pelo que se vê como elemento provocador de discussão
– talvez, exatamente por isso –, há uma necessidade de explicação dos
autores, visto que uma das interpretações possíveis nos levaria a com-
preender tal texto numa perspectiva avessa aos paradigmas que susten-
tam o ofício dos próprios historiadores críticos.
Dessa maneira, sem o devido contexto, o trecho ora exposto pode
mesmo ser interpretado como um discurso que contradiz a perspectiva
histórica proposta pelos próprios autores (autodenominados críticos)
desse livro, em duplo sentido: por ser a-histórico, já que, segundo os
mesmos, “o mundo começa agora” (e, portanto, “não olhe para trás”); e
desmobilizador, pois, nessa concepção, “tudo passa, tudo passará”.
Logo, o quadro que se configura na apresentação daquele manual
e os fatores anteriormente mencionados colocam em dúvida, por essa
perspectiva, a possibilidade concreta da construção, no conjunto da obra
mesma, de uma “visão crítica e desmistificadora do processo históri-
co”, como inicialmente prometida e afirmada pelos seus organizadores.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Jason Ferreira Mafra - 121
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Parte IV

O Discurso Presente e o
Discurso Ausente
UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Jason Ferreira Mafra - 123

1 Ditadura militar: a eleição deste tema pelos


manuais didáticos
Estudamos aqui a temática da ditadura. Já argumentamos na in-
trodução deste trabalho a relevância desta temática, por isso, não cabe
expor novamente as razões pelas quais a consideramos de vital impor-
tância para a construção de uma consciência crítica da história con-
temporânea do Brasil. Mas, como os livros avaliados, aqui analisados,
destacaram esse tema?
Como se sabe, o livro didático é um espaço de saber que possui
suas limitações epistemológicas, vez que trata do conhecimento, não na
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

condição de criador, mas, poderíamos afirmar, como disseminador de


conteúdos. Isso faz com que versem sobre diversos temas que são, na
verdade, resultados ou interpretações conclusivas de trabalhos científi-
cos, entre os quais, teses, dissertações, livros, artigos de veículos especia-
lizados, resenhas e artigos de autores reconhecidos e, por isso mesmo,
aceitos como tal num determinado campo científico. Salientamos que
não se trata aqui de uma regra, visto que muitos livros didáticos, inclu-
sive os atuais, são, inúmeras vezes, resultados de concepções do senso
comum, e não de trabalhos elaborados, configurando-se, no limite, em
opiniões dos(as) autores(as) sobre determinado objeto.
Essa situação pode ser demonstrada por meio das perenes incor-
reções, imprecisões e absurdos de variada natureza encontrados em tais
livros, alguns evidenciando a total falta de responsabilidade e de bom
senso de quem os elabora. E isso não é um fato do passado; ocorre ainda
hoje, depois de tantos trabalhos acadêmicos que examinaram os livros
didáticos, e mais, num percurso próximo a duas décadas, em que vêm
sendo sistematicamente avaliados pelo crivo do poder oficial73.

73 Numa avaliação do MEC realizada em 2001, por exemplo, das 111 coleções analisadas, 46 (41%)
não foram incluídas no Guia do Livro Didático por falta de qualidade, sendo que nas disciplinas de
Português, Ciências e Geografia, não havia nenhuma opção com três estrelas, isto é, livros considera-
dos com a melhor classificação. No caso de Ciências, a situação era pior: nenhuma coleção recebeu
124 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Todavia, em que pese a pluralidade metodológica possível no cami-


nho de elaboração dos manuais escolares, grosso modo, o livro didático
se traduziria como resultado de um trabalho de garimpo das produções
reconhecidas como válidas pela comunidade científica, ou, pelo menos,
por uma parte dela, que compõe o campo de determinada disciplina.
Esse trabalho é, na verdade, uma operação seletiva que implica a eleição
dos temas que os autores consideram mais significativos.
Contudo, um tema não é significante em si mesmo, ele vale aquilo
que o autor lhe atribui74. Esta validade passa necessariamente pelas ra-
zões objetivas da produção, mas também pela ação do sujeito, vale di-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

zer, por uma atitude subjetiva, ainda que conectada às condições sociais
que interferem em tal escolha. O fato é que, de uma forma ou de outra,
qualquer recorte no âmbito do conhecimento, seja na abordagem epis-
temológica, seja na escolha do objeto, implica, em maior ou menor grau,
uma escolha ideológica.
Partindo, portanto, desse pressuposto, de que a abordagem que os
autores dão a um determinado tema reflete, entre outras coisas, sua in-
tencionalidade nas presenças e nas ausências de conteúdos e de ideias,
indagamos: que importância atribuíram esses autores ao tema ditadura
militar? Uma resposta a esta indagação passa evidentemente pelo recor-

sequer duas estrelas. Das 111 coleções de 5ª a 8ª séries, apenas 4 conseguiram a nota máxima
(Weber, 2001). Dessas coleções, 154 livros foram reprovados e não podem ser utilizados na rede
pública. Todavia, é possível discordar dos critérios de avaliação dos livros, mas não há como negar
que, apesar de todas as melhorias que vêm ocorrendo nesses manuais, ainda são frequentes as
incorreções, algumas amadoristicamente absurdas. Por exemplo, em dois dos casos de reprovação,
nessa última avaliação, há um livro que afirma que “a pobreza no país é explicada como fruto de
muitos filhos fora do casamento” e outro que sugere uma “experiência científica com correntes
elétricas, que poderia causar um acidente e levar o estudante à morte” (MEC..., 2001).
74 Esta afirmação pauta-se na ideia do conhecimento visto enquanto fator de divulgação de massa e
como um produto socialmente submetido aos agentes do campo científico da produção. De acordo
com Paulo Miceli (1988, p. 34, grifo do autor), “nenhum tema possui em si uma carga maior ou
menor de ‘Historicidade’; é a relação que com ele estabelece quem o trabalha que pode ou não
fazer dele um tema histórico”. Todavia, “quem o trabalha”, não é apenas o cientista histórico, mas
o conjunto de determinações do campo ao qual ele se insere.
Jason Ferreira Mafra - 125

te que os mesmos fizeram deste objeto e pela forma como tal conteú-
do foi tratado.
No que tange à temática do período militar, sobre o primeiro aspec-
to, não há de fato, nos livros aqui analisados, uma relação direta – em
dar maior ou menor ênfase ao tema – com a época de elaboração dos li-
vros didáticos. Afirmamos isto porque, num primeiro momento, pode-
ríamos imaginar que a lógica se daria da seguinte maneira: quanto mais
distante do regime militar, mais esse tema seria enfocado criticamente,
vez que os autores teriam maior autonomia para tratá-lo, em função de
não haver mais elementos limitadores relacionados à censura do regime.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Não há também relação mecânica que determine a criticidade na


abordagem do tema, em função da característica do(s) autor(es) em
se pronunciar, explícita ou tacitamente, como um progressista ou um
conservador, sob o ângulo da concepção histórica que defende, ou que
diz defender.
Isto se evidencia ao cotejarmos a abordagem do tema em três li-
vros, os quais estamos examinando: História da sociedade brasileira
(ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979), História: Brasil independen-
te (RODRIGUES, [1989?]) e História para o ensino médio (FARIA;
MARQUES; BERUTTI, 1998).
A título de comparação, delimitamos o recorte da ditadura aqui
como o período que se estende desde seus antecedentes próximos, isto
é, da crise política desencadeada a partir do governo de Jânio Quadros
(1961) até a posse de José Sarney (1985), considerando também os co-
mentários pertinentes às consequências desse período.
Nos três livros mencionados, curiosamente, o que menos dá aten-
ção a esse assunto é o último, publicado em 1998. Nele, os autores, que
prometem abordar a história do Brasil “através de uma visão crítica e
desmistificadora do processo histórico”, dedicam apenas cinco, das qua-
trocentas e cinquenta e seis páginas, para tratar – articulando “de forma
126 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

clara e coerente” com a história geral – os vinte e cinco anos de histó-


ria relativa ao período supracitado (cf. FARIA; MARQUES; BERUTTI,
1998, pp. 441-445).
Por outro lado, o livro mais antigo, editado vinte anos antes, em con-
dições concretamente adversas, uma vez que fora escrito ainda na fase
de vitalidade do período militar, em 1979, isto é, no ano em que cairia
oficialmente a censura, dedica nada menos que trinta e quatro páginas
ao referido tema (cf. ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979, pp. 305-339).
Soma-se a isso o fato de que, dos vinte e cinco anos, delimitados
como referentes a essa temática, tal livro poderia abordar apenas deze-
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nove, visto que no momento de sua publicação, faltavam ainda cerca de


seis anos para a queda definitiva do regime.
A autora do livro publicado entre 1988 e 1989, Tereza Rodrigues,
empenha-se em dar conta do assunto num espaço que se estende da pági-
na 178 a 194, totalizando dezesseis páginas dedicadas ao período militar.
De todos os livros aqui analisados, porém, foram as autoras Elza
Nadai e Joana Neves (cf. 1991, pp. 242-282) as que mais ênfase deram
ao tema em questão, dedicando quarenta e duas páginas das trezentas e
três do seu livro, fazendo deste um dos assuntos mais discutidos na 14ª
edição de seu livro publicado no ano de 1991.

1.1 Os vários enfoques didáticos da ditadura


De uma forma geral, os autores desses livros procuram versar sobre
a ditadura tendo como referência o estilo tradicional das abordagens his-
tóricas que, frequentemente, apresentam um determinado fato na pers-
pectiva de três momentos específicos75, quais sejam, das circunstâncias

75 Num certo sentido, e tendo em vistas as formas de abordagens de alguns livros, tal procedimento
poderia ser descrito como uma interpretação positivista da história. Porém, essa generalização é
imprecisa, aplicando-se aos casos dos didáticos aqui estudados. Isso se deve ao fato de que, se, por
um lado, nota-se um conjunto de livros, nessa linha, que destaca os “fatos positivos”, por outro,
há um grupo que, sem abandonar esse método de exposição dos “três momentos”, apresenta
Jason Ferreira Mafra - 127

relacionadas às causas, do desenrolar dos acontecimentos e suas carac-


terísticas, e das consequências do fenômeno histórico.
Na análise de tais momentos, é significativo observar como o tema
é intitulado pelos autores e como estruturam a assunto a partir de seus
subtemas. Tal estrutura revela indícios do enfoque conceitual sob o qual
o assunto é abordado.
No livro História da sociedade brasileira (1979), os autores apre-
sentam o assunto sob o título de Um novo Estado (A República de 1964
aos nossos dias), seguido dos subtítulos: “Novos atores na cena política”,
“Primeiro crescer, depois dividir”, “Levanta, sacode a poeira e dá volta
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

por cima”, “Hoje”, “História e vida”.


Em História: Brasil independente (RODRIGUES, [1989?]), o tema é
enfocado como sendo A Revolução de 1964 e o regime militar. Os itens que
perseguem o título são: “Causa da Revolução de 1964”, “A marcha da revo-
lução”, “As medidas revolucionárias”, “Os presidentes depois da revolução”.
Na elaboração das autoras de História do Brasil: da colônia à
República (NADAI; NEVES, 1991), o período em questão é intitulado
como Ditadura e Repressão (1964-1984), estruturado pelos tópicos: “O
movimento político-militar de 1964”, “A ditadura”, “A situação econô-
mica pós-64”, “Abertura política: o fim da ditadura”, “O fim do regime
político-militar”, “Apesar de você”.
De acordo com a versão de História para o ensino médio (FARIA;
MARQUES; BERUTTI, 1998), essa temática não é explicitada. Seus au-
tores incorporaram o assunto num amplo tema sob o título de Brasil pós-
45, o qual se desenvolve num espaço de doze páginas, distribuídas em
texto básico, texto de aprofundamento e texto para discussão.

categorias que, mesmo vulgarizadas nas formas de sua aplicação, poderiam ser entendidas como
que referenciadas numa perspectiva dialética.
128 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

1.2 A mesma temática sob olhares divergentes


Como se percebe, um dos critérios usados aqui para expor o pa-
norama que se configura a partir dessas estruturas é o período crono-
lógico crescente em que tais livros foram confeccionados (1979, 1989,
1991, 1999). Esse quadro revela que há diversos olhares sobre o mes-
mo tema, incorporando acepções distintas, que poderiam, num primei-
ro momento (como imaginamos no início desta pesquisa), seguindo a
lógica do distanciamento do tema, configurar-se como conservadores
ou progressistas.
Tal procedimento significaria pensar a elaboração desses livros, con-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

siderando sua maior ou menor criticidade na abordagem do assunto em


questão, necessariamente vinculada a uma maior ou menor liberdade
dos autores no trato desse tema, decorrente das condições conjunturais
e estruturais em que tais livros foram elaborados.
Nesse caso, o movimento histórico brasileiro naquele período, mar-
cado que foi pela chamada “redemocratização” (1979 em diante) e pela
consequente “consolidação democrática”76 (a partir das eleições de 1989),
determinaria, em última instância, a caracterização de uma abordagem
impreterivelmente crítica sobre o período militar. Todavia, esta lógica
não se confirma e, como tal, revela-se como uma proposição idealizada
do fenômeno aqui estudado. Assim, sem anular as condicionantes es-
truturais, uma explicação mais abrangente se faz possível na medida em
que recorremos ao auxílio de outras categorias de análises.

76 De fato, a afirmação de uma “consolidação democrática” é polêmica, porque não se trata de um


dado histórico, mas de uma perspectiva. Assim, usamos esta expressão apenas como apoio à
construção da ideia acima exposta.
Jason Ferreira Mafra - 129

2 Ditadura militar: forma e conteúdo


2.1 O livro didático como instrumento de crítica e de
militância política
Na leitura que fazemos sobre o livro História da sociedade brasilei-
ra, de Alencar, Carpi e Ribeiro, editado em 1979, observamos que, ape-
sar das condições históricas daquele momento serem desfavoráveis às
investidas contra o regime77, e talvez exatamente por isso, tal livro lança
seu foco no período militar a partir de uma linguagem consideravelmen-
te ousada, procurando explicar o momento histórico do qual é parte in-
tegrante, utilizando-se de uma perspectiva de análise crítica e militante.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Todavia, notamos que essa forma de abordagem, pelas razões já ex-


postas, não poderia ser exatamente explícita. Assim, coerente com essa
perspectiva, constatamos que o título e os subtítulos resultam de cons-
truções que expressam esse cuidado: fazer uma avaliação crítica da con-
juntura do momento, mas de maneira prioritariamente tácita.
Dessa forma, justifica-se que no título e subtítulos do capítulo se
apresentem, ao mesmo tempo, características de neutralidade e de po-
sição crítica nas abordagens. Dessa forma, vê-se que, em princípio, o tí-
tulo Um novo Estado (A República de 1964 aos nossos dias) não quer
dizer ideologicamente nada78, mas expressões como “Primeiro crescer,
depois dividir” e “Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima”, por hos-
pedarem uma visão heterodoxa do período, conduzem a um tratamento
discursivo que se configura em oposição política ao Estado oficial, até
então hegemônico, enquanto bloco histórico.

77 Vale destacar que se trata de uma época em que, dadas as condições derivadas do centralismo e
do fechamento político pelo qual o país passava, geralmente, valiam-se os livros de uma linguagem,
no mínimo, narrativa dos fatos, quando não, favorável ao regime (como demonstrado no livro de
Souza e Araújo, analisado na segunda parte desta pesquisa).
78 A menos que na criação desse título haja uma intenção oculta de comparar “Um novo Estado” com
“Estado Novo”, uma alusão à ditadura getulista.
130 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Ora, sabemos que, “primeiro crescer, depois dividir”, traduz-se na


crítica à política de concentração de renda, fundada num dos esteios do
regime, o dito “milagre brasileiro”. Dizer, de forma explícita, que tal po-
lítica era engodo ideológico do Estado-militar-burguês, representava a
criação de uma situação politicamente arriscada para autores e editores.
Não podemos esquecer que, ainda que a censura já não agisse mais
de forma tão acirrada, dificilmente alguém poderia prever com segu-
rança o futuro da direção política que tomaria conta do país, nos seis
anos seguintes. O fato é que ninguém poderia, de forma absolutamen-
te segura, garantir que uma nova “revolução dentro da revolução” (ou,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

no caso da distensão) não pusesse cabo às esperanças democráticas, re-


tomando e reorganizando as arcaicas (mas não distantes) estruturas do
Estado repressivo.
Todavia, usando uma linguagem “discreta”, sem falar em ditadura (e
não há uma menção sequer ao termo), os autores desse livro conseguem
expor a temática do regime ditatorial, em certa medida, de maneira crí-
tica, sendo, ao mesmo tempo, bastante explícitos em suas abordagens
sobre as causas da tomada de poder pelos militares, e frequentemente
subjacentes às análises sobre determinadas especificidades que se incor-
poram à história do período.
Assim, sobre as causas da implantação da ditadura, além das men-
ções às intempéries da política janista (aproximação com o bloco socia-
lista, condecoração do Che) e ao seu significado no contexto da guerra
fria, apontam a incapacidade dos pretensos reformadores do Estado, na-
quele momento, de implantar e sustentar mudanças, vez que
[...] intentado numa etapa em que a burguesia e as classes trabalhado-
ras tinham sofrido transformações substanciais e em que a inflação
as afastava cada vez mais, o nacionalismo-reformista do Governo
Goulart estava condenado ao fracasso. Daí resultaria o colapso final
do Estado populista. (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1979, p. 311).
Jason Ferreira Mafra - 131

Por esse prisma, a decadência do populismo relaciona-se, segundo


os autores desse livro, às contradições entre capital e trabalho decorren-
tes do estágio de desenvolvimento em que se encontrava o capitalismo
no Brasil, levando assim à “ascensão de movimentos reivindicatórios”,
resultantes da politização das “relações entre empregados e empregado-
res, o que aumentava as tensões sociais” (p. 312).
Por outro lado, entendem os autores que a possibilidade de implan-
tação das reformas prometidas por Goulart provocava a “reação das clas-
ses proprietárias, atemorizadas com a ascensão popular, e dos setores
conservadores da classe média prejudicada pela inflação e aterrorizados
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

pela suposta ameaça de ‘cubanização’ do país” (p. 313-314).


Por fim, concluem essa parte afirmando que a “eclosão do movi-
mento da classe média conservadora vinha somar-se às conspirações
tramadas por grupos de oficiais das Forças Armadas, conferindo-lhe
apoio político e social” (p. 314), o que levou a entrada de “novos atores
na cena política” (p. 320) do Brasil.
Assim como não se usa a expressão ditadura, mas “regime”, “endu-
recimento” (p. 322), “sistema” (p. 325), “novos atores em cena” quer di-
zer golpe, palavra que também é transvestida de “intervenção militar”
(p. 321). Por esse caminho, frequentemente, lançando mão de uma aná-
lise socioeconômica, todavia, sem usar determinados termos que re-
tratariam mais precisamente o período, os autores conseguem expor as
contradições do Estado militar, enfocando seus equívocos econômicos
(“primeiro crescer, depois dividir”), sua ideologia política (“novos atores
na cena política”), seus mandos, desmandos, descasos sociais e as for-
mas de resistência (“levanta, sacode a poeira e dá volta por cima”), fato-
res que, em suma, compunham o quadro do período abordado.
Seguindo o caminho de uma linguagem jornalística, fazem uma ava-
liação da produção cultural de sua época dizendo que “houve uma ‘diás-
pora’ dos nossos artistas e intelectuais [...] que passaram por um período
132 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

de hibernação que só há poucos anos começou a ser rompida” (p. 332), o


que fez com que a produção artística entrasse numa “fase escapista”, em
que “peças de teatro faziam alegorias tão rebuscadas que nem seus pró-
prios autores entendiam”, assim como letras de músicas que frequente-
mente “enveredavam pela pura metáfora” (p. 332). Tal situação resultava,
segundo os autores, das “restrições às manifestações de arte e até mes-
mo à informação jornalística”, que se encontravam naquele momento
em fase de renascimento, graças à “gradativa liberação da censura”, que
“nos últimos anos permitiu ao menos o levantamento de uma parte do
véu que cobria nossas manifestações culturais mais autênticas” (p. 332).
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Como perspectiva histórica, os autores de História da sociedade


brasileira afirmam que, apesar de todas as dificuldades, a nação não
perdeu seu dinamismo, ao contrário, “está extremamente ativa, embora
essa ação política dificilmente apareça nos grandes veículos de comu-
nicação” (p. 335). Por isso, com certo cuidado, panfletam que a prova
disso é que o Brasil
[...] vive nas lutas dos trabalhadores – os verdadeiros construtores
do “nosso milagre econômico” – que se organizaram em novos
moldes, procurando eliminar as lideranças tradicionais (os pele-
gos) e defendendo – até pela greve – os autênticos interesses da
classe! (p. 335).

2.2 A “revolução” de 1964 como imagem consolidada


no livro didático
Seguindo a ordem cronológica proposta, apresentamos aqui a for-
ma pela qual o manual de Tereza Rodrigues ([1989?]), História: Brasil
independente, compreende o mesmo período, focalizado por seus com-
panheiros de ofício há uma década atrás.
Trata-se de um modelo representativo de um tipo de livro marcado
pelo amadorismo e pela eminente ausência de preocupação com a atu-
alização de seu produto. O manual todo é escrito como que inspirado
Jason Ferreira Mafra - 133

restritamente na visão de quem escreve, vale dizer, de como a escrito-


ra acha que deve ter sido, e não numa pesquisa histórica propriamente
dita79. Esse “estilo” de elaboração tenta passar a ideia de que a legitimi-
dade de seu produto é resultado de uma “autoridade natural”, da qual
se reveste a criadora da obra, dispensando assim quaisquer explicações
relativas aos elementos fundantes que validam as asserções e avaliações
que a mesma faz a respeito do fenômeno histórico abordado.
A começar pelos procedimentos técnicos, imediatamente obser-
vamos a precariedade do livro, bem como o seu descompromisso com
certas normas editoriais básicas para esse tipo de produção. Notamos aí,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

por exemplo, que não há data de publicação do livro, nenhum referen-


cial bibliográfico, ou quaisquer citações de autores de obras que possam,
minimamente, corroborar as afirmações e análises contidas no texto.
Em síntese, esse livro deixa evidente a ideia de que se trata mui-
to mais de um texto marcado pela opinião (doxa), resultante das dis-
posições conceituais incorporadas e da imaginação da autora – no mais
simples senso comum, beirando à ingenuidade – do que de uma inten-
ção maquiavelística, preocupada em defender ou reproduzir uma ide-
ologia de classe.
O texto é permeado o tempo todo pelo reducionismo simplório de
suas análises, característica que toma conta praticamente de todos os
temas abordados no livro, fazendo com que tal procedimento não seja
privilégio apenas do seu enfoque sobre a ditadura. Observa-se tal ca-
racterização, entre outras, pelas limitadas afirmações conclusivas sobre
os temas que discute ao longo de suas duzentas e vinte e três páginas.
Por exemplo, ao discutir a resistência de algumas regiões em re-
conhecer a independência brasileira afirma: “A Cisplatina, por ter uma
população espanhola, não tinha nenhum entusiasmo em permanecer

79 Evidentemente as datas, a ocorrência dos fatos e os seus atores sociais são resultados de pesquisa,
mas estamos falando aqui de análise histórica, visões sobre os fatos.
134 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

no Brasil” (p. 16). Noutro momento, iniciando suas explicações sobre a


“Questão Christie”, incidente diplomático ocorrido no Segundo Império
brasileiro, compara: “Assim como duas pessoas, por qualquer motivo,
deixam de ser amigas e ficam de relações cortadas, também duas nações
podem ter as relações diplomáticas rompidas” (p. 80).
Em outra passagem, ao esclarecer as razões da relação entre escra-
vismo e atraso tecnológico do Brasil até o século XIX, a autora conclui:
“Como o escravo fazia tudo, ninguém estava interessado nas máqui-
nas e instrumentos inventados entre outros povos” (p. 106). Ou então,
ainda, a velha máxima de que o processo abolicionista ocorreu pacifi-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

camente em razão de que muitos escravos libertos, “porque eram bem


tratados, preferiram ficar como trabalhadores livres nas fazendas em
que viviam” (p. 106).
Nessa perspectiva, por meio do tratamento que dá ao período mili-
tar, num momento em que caracterizá-lo como ditadura é uma afirma-
ção desnecessária, dado que desde a década de 1980 essa expressão já
era amplamente utilizada, a autora de História: Brasil independente in-
siste em manter a imagem do período na perspectiva dos antigos ma-
nuais propagandísticos do Estado militar. Por isso, todo o seu enfoque
se elabora a partir do conceito de “revolução”, diga-se às avessas, que a
mesma não define, mas que, subjacente às construções de seu texto, ex-
pressa ter incorporado daquela época.
Essa imagem talvez tenha sido uma das mais propagadas pelo re-
gime e, por essa razão, plenamente incorporada como um habitus lin-
guístico, por um setor significativo da sociedade, de tal maneira que,
frequentemente, mesmo nos meios acadêmicos, encontramos pessoas
que a reproduzam.
Por isso, não se trata de uma reprodução fundamentada na construção
de uma tese sobre o conceito de revolução, uma vez que há quem defen-
da a ideia de que o fenômeno ocorrido na história do Brasil se configura
Jason Ferreira Mafra - 135

mesmo como uma “revolução”, ainda que de direita80, mas de uma orde-
nação interiorizada (BOURDIEU, 1999, p. 349), decorrente de uma repre-
sentação muito bem construída pelo Estado militar: “a Revolução de 64”.
Assim, seguindo uma lógica, aparentemente derivada de uma “or-
dem natural” dos acontecimentos, a autora intitula seu capítulo como
sendo “A revolução de 1964 e o regime militar”, e mantém seus subtítulos
nessa coerência: “causa da revolução de 1964”, “marcha da revolução”,
“as medidas revolucionárias” e os “presidentes depois da revolução”.
Isso parece ser mesmo muito mais resultado de um habitus do que pro-
priamente uma convicção ideológica à maneira que teria ocorrido em
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

alguns livros de educação moral e cívica ou de estudos sociais, em es-


pecial, até meados de 1970.
De fato, não existe uma intencionalidade da autora em fazer apo-
logia dos militares (e nem teria sentido em fazer isso naquele momen-
to); ela simplesmente reproduz ideias, conceitos e representações que,
incorporadas em seu habitus –adquirido por determinadas práticas, lei-
turas e análises de um tipo de história que se fez, e que de certa forma
ainda se faz –, reconhece e considera como elementos explicativos do
fenômeno histórico que aborda.
Como não há preocupação em manter coerência ideológica nas
construções de seu texto, a autora usa o tempo todo os termos “revo-
lução”, “movimentos revolucionários”, aparentemente como se os tives-
se usando na defesa do modelo implantado pelos militares. Entretanto,
em alguns momentos, inversamente, muda a postura, passando a ideia
de que “joga” do outro lado.
Assim, tentando demonstrar crítica aos “revolucionários”, escreve:

80 Não vamos retomar aqui a discussão sobre os problemas relativos ao conceito de revolução, vez
que isso já foi abordado na segunda parte desta obra, precisamente, no item “sobre o significado
do período militar”.
136 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

[...] durante o regime autoritário, foram feitos grandes empréstimos


nos bancos internacionais, tornando a dívida externa brasileira
a maior do mundo. Parecia então que o país vivia fase de grande
prosperidade, o que se chamou “milagre brasileiro”. Mas, em 1981,
começou grande crise econômica: queda de produção e desem-
prego (RODRIGUES, [1989?], p. 188, grifo nosso).
Um pouco mais à frente, no entanto, numa caixa de texto deno-
minada “concluindo”, a autora suaviza, esclarecendo que “o maior mal
causado ao país pelo regime autoritário foi haver afastado da vida pú-
blica brasileiros ilustres”, que, “repudiados aqui, receberam dos go-
vernos estrangeiros consagradora homenagem, como o economista
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Celso Furtado, fundador da Sudene, e Oscar Niemeyer, o arquiteto


de Brasília” (p. 189).
Não é necessário lembrar que a mesma autora que chama a dita-
dura de “revolução” defende aqui expressivos nomes considerados da
esquerda da época. Contudo, na página seguinte, noutra caixa de tex-
to chamada “Opinião de quem entende”, expõe sua conturbada visão:
O governo João Goulart não tinha condições de oferecer resistên-
cia séria ao movimento revolucionário. O marechal Dutra chegou
mesmo a opinar, na manhã de 31 de março: “Antes do meio-dia
está tudo resolvido”.
Errou por pouco, porque no dia seguinte, com a retirada de João
Goulart para o Uruguai, estava vitoriosa a revolução e, como
sempre acontece, sem disparar um tiro. (p. 190).
Antes, porém, de disparar a “opinião de quem entende”, ao ana-
lisar os feitos dos presidentes militares – logo após comentário so-
bre a crise do petróleo –, Tereza Rodrigues abre o último parágrafo e,
sem quaisquer explicações, como se o assunto caísse do céu, fulmina:
“Ainda em 1980 veio ao Brasil o papa João Paulo II. Nas capitais em
que esteve, foi sempre aplaudido por grandes multidões, de todos os
credos religiosos.” (p. 187).
Jason Ferreira Mafra - 137

Nesse (des)contexto, encerram-se seus comentários sobre “os pre-


sidentes da revolução”. Mas ainda não é o fim. Há uma parte do capítulo
dedicada aos exercícios de fixação e de “compreensão”, em que se vê um
questionário respondido provavelmente pela própria autora. As ques-
tões são objetivas e as respostas muito mais ainda.
Vislumbramos nesse momento, entre todos os livros analisados nes-
ta investigação, um dos maiores exemplos de “objetividade”, de “poder de
síntese” e de “explicação dos fenômenos” histórico-sociais, não fossem
as deformações, que beiram à infantilidade, das tessituras que executa
em suas construções sobre a “realidade investigada”. Das dez questões e
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

respostas contidas nessa parte, ainda que todas elas tenham as caracte-
rísticas expostas anteriormente, apenas para não sermos muito exten-
sos, destacamos três:
1) Quais foram as causas do movimento revolucionário de 1964?
R: Agitações no campo, indisciplina das forças armadas e comício
de março no Rio de Janeiro.
6) Como foi o governo do presidente Médici?
R: Construiu a Transamazônica e ampliou para 200 milhas a faixa
do mar territorial.
8) Como o Brasil resolveu o problema da falta de petróleo no
mercado internacional?
R: Adotando o álcool como combustível. (p. 192).

2.3 A ditadura como produto didático sob duas óticas


acadêmicas
Nesta parte, passaremos por exame dois livros que, além de ter em
comum o mesmo destinatário (ensino médio), assemelham-se por serem
elaborados por autores que possuem especialização acadêmica e são, ao
mesmo tempo, docentes universitários, excetuando-se um deles que, na-
quele contexto de elaboração da obra, não trabalhava no ensino superior.
138 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Remetemo-nos aqui aos livros já mencionados, História do Brasil:


da colônia à república (1991) e História para o ensino médio (1998).
O livro publicado em 1991 tem como autoras Elza Nadai e Joana
Neves. A primeira é Mestre e Doutora em História Social pela USP, Livre-
docente em Educação e foi professora Titular da Faculdade de Educação
na mesma universidade; a segunda, Mestre em História Econômica pela
USP e professora da Universidade Federal da Paraíba.
O outro livro citado tem como autores Ricardo de Moura Faria, es-
pecialista em História Moderna e Contemporânea pela PUC de Minas
Gerais e professor de História Moderna e Contemporânea na FAFI (Belo
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Horizonte); Adhemar Martins Marques, com especialização em História


Moderna e Contemporânea pela mesma universidade, mas lecionando
no ensino médio; e Flávio Costa Berutti, especializado em Metodologia
da História, também pela PUC de Minas, e professor de Introdução ao
Estudo da História e de História da América na FAFI (Belo Horizonte).
Na verdade, como já esboçamos, as diferenças entre esses dois li-
vros não se limitam às formas da visão que produzem sobre a ditadura,
mas estendem-se por múltiplos aspectos dos livros, na sua totalidade,
passando mesmo pela própria concepção de didática.

2.4 Dissolução do conteúdo e desintegração histórica


Vimos há pouco que o livro História para o ensino médio (FARIA;
MARQUES; BERUTTI, 1998) foge muito do formato dos tradicionais
livros didáticos, vez que trabalha, ou tenta trabalhar, os temas relacio-
nados à história geral e à do Brasil, de forma integrada. Salientamos
também que tal integração só ocorre mesmo na intenção explícita dos
autores, dado que, na prática, os conteúdos são apresentados na for-
ma tradicional, mantendo os temas circunscritos à sua geografia, mas
com uma grande deficiência: são tratados em grandes blocos temáticos,
de forma a dissolver os títulos e os subtítulos possíveis – e, na maio-
Jason Ferreira Mafra - 139

ria das vezes, indispensáveis em abordagens consideradas didáticas –


num único título.
Assim, em História para o ensino médio ocorre que toda a temáti-
ca da ditadura entra no título “O Brasil pós-45”, sendo tratado, como já
afirmado, em cinco páginas apenas.
Observando a estrutura do texto, tem-se a impressão de que, nes-
ses últimos cinquenta anos, não ocorreram transformações significati-
vas, mudanças sociais ou rupturas históricas, na história brasileira, que
mereçam conceituações específicas, necessárias à compreensão do gran-
de período histórico que aborda. Tudo se passa, segundo seus autores,
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como um fato histórico contínuo: “o Brasil pós-45”, estudado em tópi-


cos (sem títulos) que ora ocupam um parágrafo, ora dois, ora três, qua-
tro ou cinco.
Por esse caminho, constituindo uma “história topical” (em grandes
tópicos), ao invés de intitular os assuntos, os autores vão enumerando-
-os de um a vinte, como se fosse tudo um processo inexorável de acon-
tecimentos que pouco se relacionam entre si. A temática da ditadura,
compreendida aqui como o período que se estende desde a crise do go-
verno de Jânio Quadros até o último governo militar, entra nos tópicos
– na verdade uma sequência de parágrafos – de 7 a 13.
Ao leitor que já conhece bem o assunto, é possível distinguir os an-
tecedentes, as causas e os momentos específicos do tema estudado, mas
àquele de ensino médio que, como demonstrado, encontra-se pela pri-
meira vez com essa temática, torna-se impossível organizar uma visão
clara e de conjunto do respectivo período. Todavia, partem os autores
do pressuposto de que o assunto é de domínio popular.
Por exemplo, em nenhum momento, até o tópico 7, se faz referência
à figura de Jânio Quadros; entretanto, os autores assim iniciam o pará-
grafo do correspondente tópico: “Utilizando uma campanha moralista,
que usava a vassoura como símbolo da limpeza que seria feita no país,
140 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Jânio Quadros elegeu-se presidente para o período 1961-1965. Ficou ape-


nas sete meses no poder, tendo renunciado em agosto de 1961” (p. 441).
De onde vem Jânio? Que foi sua campanha moralista? Por que per-
maneceu tão pouco tempo no governo? Os autores não explicam tais dú-
vidas. Todavia essas e outras questões certamente tomariam a cabeça de
qualquer leitor que não conheça o contexto histórico da época.
Em outro tópico expõem: “a esquerda pressionava Goulart para co-
locar em prática as ‘reformas de base’, considerando-as uma necessida-
de para o desenvolvimento do país” (pp. 441-442).
Algumas perguntas: o que é “esquerda”? Por que pressionavam
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Goulart? O que são as “reformas de base”? Tais indagações, e muitas ou-


tras, que necessitam de conceituações básicas, sobretudo, imprescindíveis
aos destinatários desse livro, também não são tocadas por seus autores.
Em suma, os autores partem do fato de que os leitores dominam os
variados conceitos da História, e já conhecem a história brasileira, res-
tando apenas fazer uma ligeira revisão do assunto.
Ademais, não obstante prometerem nesse livro uma “visão crítica e
desmistificadora do processo histórico”, reproduzem, em alguns momen-
tos, as mesmas representações mitificadas pela ideologia militar. Vê-se
isso em algumas afirmativas como: “O governo Médici (1969-1974) foi
o momento decisivo de combate ao terrorismo. Os grupos de esquerda
foram violentamente reprimidos, a tortura se institucionalizou: dezenas
de mortes ocorreram. O Congresso estava visivelmente incapacitado de
exercer plenamente suas funções” (p. 443).
Ora, uma interpretação possível desse texto pode induzir à ideia de
que toda ação repressiva e autoritária da ditadura se justificaria pela le-
gitimidade que comporta, essencialmente, por duas razões: a primeira,
pelo fato de que é inegável a necessidade de uma intervenção compe-
tente já que o Parlamento brasileiro estava “visivelmente incapacitado
de exercer plenamente suas funções” (p. 443); e a segunda, pela certeza
Jason Ferreira Mafra - 141

de que todos querem se ver livres do “terrorismo”, fenômeno atribuído


aos atos de resistência da esquerda.
E aqui não se trata de imaginar que os autores estejam fazendo uma
ironia à forma pela qual os militares rotulavam as ações da resistência
armada. Isso se confirma pelo fato de que não existe no texto nenhuma
referência clara do papel dos movimentos guerrilheiros, permanecen-
do aí a associação “esquerda-terrorismo”.
Quando mencionam os grupos que se dispunham a enfrentar o re-
gime, afirmam somente:
É importante destacar que as oposições não se davam apenas a
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nível eleitoral, uma vez que os diversos grupos da sociedade já


estavam se destacando, desde a época de Geisel, por um trabalho
de base. É o caso, por exemplo, da CNBB [...] e das Comunidades
Eclesiais de Base [...]. Também a OAB [...] reclamando a volta ao
estado de direito. (p. 445).
Numa avaliação de conjunto desse manual, apesar das imprecisões
conceituais e “atos falhos”, que às vezes fazem dos ditos críticos do Estado
militar seus aliados, fica claro que a intenção dos autores é expor em seus
textos as contradições da ditadura e sua inviabilidade histórica, tentan-
do desmistificar os benefícios que, na visão de alguns, poderiam ser atri-
buídos ao período. Contudo, entre suas intenções críticas e os matizes de
suas análises e, mais ainda, a didática que escolhem, para o público a que
se destina a obra, abre-se um grande fosso, criando uma situação que na
expressão machadiana é traduzida como o “abismo do Inexplicável”.

2.5 O período militar como centralidade temática do


livro didático
Sem nenhuma dúvida, o livro de Elza Nadai e Joana Neves (1991),
História do Brasil, é o que dá a abordagem mais completa do perío-
do militar. É também um livro que se caracteriza por um longo pro-
cesso de construção, revisão e ampliação de seus textos. Sua primeira
142 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

edição consta do ano de 1980, sendo que, em 1995, a obra chegou em


sua 17ª edição81.
Como mencionamos, trata-se de um manual bastante diferenciado,
em muitos aspectos, quando comparado aos outros livros aqui discuti-
dos. Já destacamos sua preocupação didático-metodológica e o recorte
temático relativo à ditadura, o qual ocupa espaço privilegiado na abor-
dagem das autoras, consumindo em sua última edição, cerca de 60 pá-
ginas, de suas 448 destinadas a abordar toda a história do Brasil82.
Dos manuais aqui examinados, o livro de Nadai e Neves é o úni-
co que, por meio de suas permanentes citações, referências bibliográfi-
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cas (incluindo uma bibliografia comentada no final), iconografia, notas


explicativas de rodapé, fragmentos de jornais e de letras de música, or-
ganiza-se como um texto que procura ser profundo em suas análises,
tornando-se, ao mesmo tempo, ferramenta de manifestação política, no-
tadamente em favor das correntes progressistas, que poderíamos deno-
minar, genericamente, de esquerda.
Essa estrutura de organização mantém-se da primeira à 14ª edição,
sofrendo algumas alterações em seu formato adquirido na publicação
de 1995. Nessa edição, entre outras mudanças, o livro reduz para sete o
número de páginas dedicadas ao manual do professor; diminui as no-
tas de rodapé e as citações no corpo do texto; e altera seu aspecto físico,
reduzindo o tamanho de suas folhas; todavia, acrescentando mais pági-
nas e, consequentemente, ampliando o seu conteúdo.
Devido aos critérios já explicitados na introdução deste trabalho, a
edição mais usada aqui em nossas análises é a 14ª, do ano de 1991, porém,
recorreremos à primeira e à última edição, quando isso se fizer necessário.

81 Há que se destacar que a parte do livro destinada ao manual do professor refere-se à 16ª edição
da obra.
82 Cf. a 17ª edição do ano de 1995 (pp. 359-441).
Jason Ferreira Mafra - 143

De forma geral, a abordagem adotada pelas autoras sobre o período


aqui analisado configura-se da seguinte maneira: a) introdução contex-
tual e características gerais do tema; b) panorama geral dos anteceden-
tes e causas do fenômeno histórico; c) sentido e estruturação do estado
militar; d) política de controle e repressão do Estado e as formas de re-
sistência; e) decadência e fim da ditadura.
Além do espaço que as autoras dedicam ao tema da ditadura, ou-
tro fator que demonstra a relevância atribuída a esta temática é a seleção
de livros que as mesmas fizeram para construir suas visões sobre a épo-
ca. Suas fontes destacam-se, sobretudo, pelo aspecto quantitativo e pela
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

expressividade na área historiográfica de muitas das obras escolhidas.


O referencial bibliográfico utilizado pelas autoras em toda a cons-
trução do referido livro totaliza cerca de 136 obras (edição de 1991),
sendo que 43 destas são, direta ou indiretamente, pertinentes ao escla-
recimento do período militar. Importa salientar também que História
do Brasil: da colônia à república, desde sua primeira edição, em 1980,
mantém grande preocupação com este aspecto, tornando-se, dessa for-
ma, um dos primeiros, ou talvez, o primeiro livro didático de história a
apresentar a bibliografia a partir da qual a obra foi composta83.
Não se trata apenas de uma indicação bibliográfica, comentada pe-
las autoras, mas realmente de uma explicitação do referencial utilizado
por elas na construção do trabalho. Isso é constatado pela frequência
com que encontramos as citações e as incorporações dos fragmentos dos
autores mencionados na bibliografia final.
Expomos aqui essas obras para explicitar o investimento que as
autoras fizeram nessa temática, uma vez que tal esforço tornou-se ele-
mento determinante na construção do conteúdo relativo ao período em

83 Do levantamento de livros feitos por nós a partir da década de 1970, esse foi de fato, o primeiro livro
a relacionar de maneira organizada e tecnicamente correta, suas fontes bibliográficas, mencionando-
-as em suas páginas finais.
144 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

questão. Como o objetivo aqui se limita apenas a uma visualização des-


se referencial, não apresentamos os dados completos das obras. Assim,
as obras utilizadas pelas autoras (cf. pp. 296-303), na estruturação da vi-
são que organizaram sobre o período militar, levando em consideração
inclusive os trabalhos84 que se remetem às análises dos momentos pró-
ximos que antecederam ao golpe, foram:

AFONSO, Almino. Raízes do golpe: da crise da legalidade ao parlamentarismo:


1961-1963. 1988.
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 1987.
BANDEIRA, Moniz. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil – 1961-1964. 1977.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

______. Trabalhismo e socialismo no Brasil: a Internacional Socialista e a América


Latina. 1985.
BEZERRA, Gregório. Memórias. 1980.
BOSI, Alfredo (Org.). Cultura brasileira: temas e situações. 1987.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: nunca mais. 1985.
CAPISTRANO FILHO, David et alii. Há o que fazer: a esquerda na Nova República. 1986.
CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização. 1975.
______. O modelo político brasileiro e outros ensaios. 1977.
CARDOSO, Mirian Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento. Brasil: JK-JQ. 1978.
CARONE, Edgar. Movimento operário no Brasil (1964-1984). 1984.
______. Revolução do Brasil contemporâneo. 1965.
COMBLIN, Joseph. A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América
Latina. 1978.
DOWBOR, Ladislau. A formação do capitalismo dependente no Brasil. 1977.
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe
de classe. 1981.
EVANS, Peter. A tríplice aliança: as multinacionais, as estatais e o capital nacional no
desenvolvimento dependente brasileiro. 1980.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação
sociológica. 1976.
______. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 1973.
______. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. 1972.
FURTADO, Celso. Análise do modelo brasileiro. 1978.

84 Mantivemos aqui os registros bibliográficos das obras da forma como estão no livro.
Jason Ferreira Mafra - 145

______. A pré-revolução brasileira. 1962.


______. O mito do desenvolvimento econômico. 1974.
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas: a esquerda brasileira: das ilusões perdidas
à luta armada. 1987.
IANNI, Octavio. Estado e capitalismo: Estrutura social e industrialização no Brasil. 1965.
______. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). 1979.
______. O colapso do populismo no Brasil. 1968.
______. Sociedade industrial no Brasil. 1964.
LIMA, Décio Monteiro de. Os senhores da direita. 1980.
MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. 1984.
MORAES, Denis de. A esquerda e o golpe de 64: vinte e cinco anos depois, as forças
populares repensam seus mitos, sonhos e ilusões. 1989.
MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974). 1977.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

PORTELA, Fernando. Guerra de guerrilhas no Brasil: informações. Documentos


inéditos e na íntegra. 1979.
PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução brasileira. 1968.
REIS FILHO, Daniel Aarão; SÁ, Jair Ferreira de (Org.). Imagens da revolução:
documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda nos anos
1961-1971. 1985.
SANFELICE, José Luis. Movimento estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64. 1986.
SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado. 1986.
SINGER, Paul. A crise do “milagre”: interpretação crítica da economia brasileira. 1977.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo (1964-1985).
______. Brasil: de Getúlio a Castelo. 1988.
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil (de 1930
a 1964). 1976.
VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou: a aventura de uma geração. 1988.
WEFFORT, Francisco Correia. O populismo na política brasileira. 1978.

Partindo desse referencial, as autoras iniciam sua abordagem com


uma apresentação da situação política e socioeconômica brasileira, no
quadro das contradições do modelo nacional-desenvolvimentista e da
configuração do Brasil no contexto da guerra fria. Incorporam aí o mo-
vimento das forças sociais reivindicatórias nacionais e a participação po-
lítica da esfera cultural, que culminaria nas propostas de “reformas de
base” do governo Goulart.
146 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

Assim, as contradições apresentadas pelas autoras se inscrevem sob


três esferas, que se inter-relacionam:
a) a esfera da política nacional, marcada internamente pelo po-
pulismo – que “Jango, herdeiro político de Getúlio, procu-
rou realizar” (NADAI; NEVES, 1991, p. 248) – e no âmbito
internacional pelas ressonâncias da guerra fria;
b) a esfera econômica, caracterizada pelo nacional-desenvolvi-
mentismo – que “deixava praticamente intocada a tradicional
estrutura latifundiária, pela qual se organizava a proprieda-
de da terra no Brasil” (p. 248) – e pela situação de depen-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

dência econômica externa – “principalmente por parte dos


Estados Unidos, para que a política econômica do governo
não afetasse os interesses dos grupos e das empresas estran-
geiras” (p. 248);
c) a esfera sociocultural, identificada por dois grupos, um con-
servador-reacionário, formado pelas “classes dominantes”
(p. 249), e outro progressista, englobando múltiplos setores,
que embora não constituíssem um bloco unido e homogê-
neo de pensamento, atuaram “no sentido de uma definição
revolucionária, conduzindo a ação política dos grupos em
questão para reivindicações que objetivavam modificar a es-
trutura da sociedade brasileira” (p. 252).
Essa é uma exposição da estrutura geral sobre como as autoras
apresentam o contexto pré-ditatorial. Entretanto, ao traçarmos esse per-
fil, reduzimos o alcance da abordagem do tema, uma vez que no livro
são explicitadas múltiplas nuanças desse quadro, sobretudo quando ca-
racterizam os setores que compõem a esfera sociocultural (como gru-
pos relacionados às mais variadas expressões: Teatro de Arena, Teatro
Oficina, Bossa Nova, Tropicalismo, Cinema Novo, CPC, UNE, PCB,
Ligas Camponesas, Comunidades Eclesiais de Base, CGT, Educação
Jason Ferreira Mafra - 147

Popular – a partir do chamado Método Paulo Freire). Ademais, desta-


ca-se aí também a atenção que as autoras chamam para o papel das for-
ças conservadoras – sobretudo da imprensa –, que cumpriam a função
de instrumentos ideológicos no período em que ocorrera uma genera-
lização da discussão política no país.
Outro fator de destaque é o espaço que dedicam às ações da repres-
são e dos movimentos de resistências, temas quase não explorados pe-
los outros livros.
Nesse aspecto apresentam um panorama sobre o “sentido geral da
política ditatorial” (p. 260-261), bem como da “repressão”, destacan-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

do-a como “uma das páginas mais vergonhosas e tristes da história do


país” (p. 261). Mencionam também o significado das organizações de
esquerda que, “impedidas de atuar no jogo político [...], redirecionaram
sua atenção e partiram para a luta armada” (p. 261). Sobre este último
ponto, além das várias considerações que tecem, procurando destacar
sua relevância histórica, as autoras apresentam um quadro sobre vinte e
quatro organizações guerrilheiras caracterizando suas origens, tendên-
cias e períodos de atuação.
De todos os livros aqui analisados, História do Brasil: da colônia à
república é o único que explicita uma concepção clara sobre o sentido
da ditadura. Vale lembrar que é o primeiro livro a caracterizar a chega-
da dos militares ao poder como “golpe”, já usando esse termo desde sua
primeira edição (1980).
Assim, ao explicar o “Golpe”, ressaltam em nota de rodapé a dis-
torção feita pelos militares sobre este episódio político, uma vez que “o
conceito de revolução não se aplica, absolutamente, ao ocorrido, pois
esse não significou mudanças estruturais; o que houve foi uma modifi-
cação política a partir do uso da força” (NADAI; NEVES, 1980, p. 246).
Entretanto, mesmo destacando a “modificação política a partir do uso
da força”, demonstrando assim o caráter autoritário e ditatorial do perío-
148 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

do, não utilizam ainda, na edição de 1980, o termo “ditadura”. Referindo-se


ao episódio, ainda na primeira edição do livro, asseveram que
[...] foi o resultado final de articulações e campanhas contra o
governo João Goulart, que passou a ser identificado, pelos setores
mais conservadores da sociedade, como instigador da subversão
e da agitação revolucionária, através das quais teria a intenção
de estabelecer a ditadura comunista no país (NADAI; NEVES,
1980, p. 246).
Até a sua 10ª edição (NADAI; NEVES, 1987, p. 245), o termo “di-
tadura” não é empregado no trabalho de conceituação do período, por
isso, as autoras iniciam a abordagem do tema, caracterizando-o ainda
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

como “o período histórico brasileiro compreendido, entre 1964 e 1985”.


Contudo, na edição de 1991, há uma reformulação completa nesse as-
pecto, começando pelo próprio título do capítulo que, de “O Brasil pós-
64”, modifica-se para “Ditadura e repressão” (1964-1884) (NADAI;
NEVES, 1991, p. 254).
Em geral, os subtemas que compõem o estudo do período – “O
golpe de Estado”, “A ditadura”, “O sentido geral da política ditatorial”,
“Repressão e luta armada” – são questões discutidas de maneira bas-
tante aprofundada (ao compararmos as abordagens dos outros livros
analisados) pelas autoras, as quais, frequentemente, como apontamos,
lançam mão de recursos metodológicos comumente usados em proce-
dimentos de trabalhos científicos, como citações no corpo do texto e/
ou das notas de rodapé85.
Exemplo desse procedimento encontra-se na discussão sobre as ra-
zões pelas quais se instituiu a ditadura no Brasil. Além dos vários fato-
res motivadores de ordem política, econômica e social, inferem que tal

85 Não estamos com isso afirmando que o trabalho ora avaliado seja rigorosamente um trabalho
acadêmico. Todavia, é possível assegurar que existem nele elementos de cientificidade, aspecto
pouco comum em obras dessa natureza.
Jason Ferreira Mafra - 149

fato deve-se ao próprio fracasso das esquerdas. Para tanto, recorrem a


uma assertiva da tese de Gorender, segundo a qual
A hegemonia da liderança nacionalista burguesa, a falta de unidade
entre as várias correntes, a competição entre chefias personalistas,
as insuficiências organizativas, os erros desastrosos acumulados,
as ilusões reboquistas e as incontinências retóricas – tudo isso em
conjunto explica o fracasso da esquerda. Houve a possibilidade de
vencer, mas foi perdida (NADAI; NEVES, 1991, p. 258).
Outros elementos, no entanto, refletem mais uma visão militante
do que propriamente analítico-histórica. Por exemplo, ao explicitarem
o quadro configurador dos grupos que constituíam os movimentos so-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

ciais, momentos anteriores ao golpe militar, afirmam: “a tendência ge-


ral, foi [...] no sentido de uma definição revolucionária, conduzindo a
ação política dos grupos em questão para reivindicações que objetiva-
vam modificar a estrutura da sociedade brasileira” (p. 252). Um pouco
mais adiante concluem: “o quadro político da fase imediatamente ante-
rior a 1964 era, sem dúvida, revolucionário” (p. 254).
Caso semelhante aparece também em tentativas de “didatizar” a ex-
plicação histórica, levando, muitas vezes, a simplificações contrárias às
noções de movimento, mudança, forças sociais, até então, preconizadas
pelas autoras em suas concepções teóricas. Exemplo disso, verifica-se
na afirmação de que entre as “três diretrizes básicas” do regime militar
constava a “opção pela forma capitalista de desenvolvimento” (p. 254).
Como se vê, nesse sentido, é possível crer que a implantação ou perma-
nência de tal modelo produtivo no país, bem como sua supressão, de-
pendia mesmo da autoridade contida nos atos institucionais.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Jason Ferreira Mafra - 151
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Conclusões
UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Jason Ferreira Mafra - 153

Neste trabalho procuramos revelar algumas representações da his-


tória da ditadura militar produzidas no campo editorial didático, no pe-
ríodo que se estende desde a metade da década de 1970 até o final da
década de 1990.
Ao tentar desvelar tais representações nos deparamos também com
a necessidade de perscrutar suas origens buscando indícios de sua for-
mação. Para tanto, obrigamo-nos a uma investigação dirigida a fontes
variadas, direta ou indiretamente, vinculadas aos campos educacional e
editorial. Privilegiamos aqui alunos, professores, livros didáticos, auto-
res de livros, produções especializadas (em geral, acadêmicas) e perió-
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

dicos. Neste intento, chegamos a algumas conclusões que nos parecem


relevantes.
Já no primeiro levantamento empírico, constatamos que a histó-
ria da ditadura é significativamente desconhecida nos meios estudan-
tis, pelo menos, até o nível médio. Reconhecemos que a metodologia
empregada naquela pesquisa não dá resposta sobre a intensidade de tal
desconhecimento. Todavia, os dados levantados, por si mesmos, deno-
tam contexto preocupante e de necessária investigação. As evidências
desse quadro são claras, quando atentamos para o fato de que entre os
234 alunos do ensino médio participantes da pesquisa sobre conteúdo
histórico, apenas três revelaram algum conhecimento substancial acer-
ca do mencionado assunto.
Outra questão indiciária diz respeito às representações da ditadu-
ra relacionadas ao profissional de História. Ainda que seja o período
militar alvo constante de abordagens críticas provenientes de amplas
produções e de variados setores da sociedade brasileira, não é possível
afirmar que o professor de História tenha, de fato, compreensão e expli-
cação suficientemente críticas sobre o período. Além disso, consideran-
do a situação revelada pelos próprios alunos, infere-se que tal período,
a despeito de sua proximidade e relevância histórica, recebe tratamento
154 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

pouco significativo, seja em termos de conteúdo histórico, seja em re-


lação à consciência política de sua significação no contexto da história
brasileira recente.
As análises dirigidas ao tratamento dado pelo livro didático ao perí-
odo militar mostraram que não se efetivaram, de modo expressivo, mu-
danças necessariamente progressistas em relação às abordagens didáticas
sobre a ditadura. Nesse sentido, ao analisarmos as conjunturas ordenadas
entre os anos de 1975 a 1999, quais sejam, estabilidade da ditadura, de-
cadência do Estado militar e redemocratização, encontramos um quadro
configurado por três momentos distintos relativos à história desse período.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

O primeiro momento permite compreender a abordagem que os


livros davam à ditadura no momento em que a mesma se encontrava
ativa e inabalada. Tal período pode ser fixado até o ano de 1979, pressu-
pondo-se que, até o início da década de 1980, não havia ainda uma aná-
lise crítica sobre a história contemporânea do Brasil, já que os livros e/
ou sistema educacional, em geral, destinavam-se frequentemente a jus-
tificar, reproduzir ou engrandecer o regime. Todavia, essa hipótese, le-
vantada no início desta pesquisa, não se confirmou.
Livros publicados ainda em 1979 e 1980 sustentam, explícita ou
tacitamente, críticas significativas ao Estado militar, muitas vezes, mais
contundentes do que determinadas análises de livros publicados muito
tempo depois do fim da ditadura. Com efeito, esse período, ao contrário
do que imaginávamos, não marca uma “transição” entre a compactua-
lização com o regime e o rompimento de autores e livros com a ordem
instituída pelo Estado militar.
Outro momento que se evidencia está vinculado à possibilidade da
correlação entre a expressividade e aglutinação da esquerda – observa-
das a partir dos movimentos pela redemocratização – e a convergência
para uma sistematização crítica, nas construções históricas sobre a di-
tadura em edições didáticas desse período.
Jason Ferreira Mafra - 155

Fatores da conjuntura internacional e, principalmente, os de or-


dem interna – o processo de “abertura” iniciado em meados da década
de 1970, culminando na revogação do Ato Institucional nº 5 (1978) e na
Anistia (1979); a renovação do movimento sindical com o surgimento
da CUT, organizando um sindicalismo mais combativo; a criação e/ou
legalização de partidos socialistas (PT, PCdoB, PV, PCB, PSB, etc.); o
surgimento de estudos críticos ao Estado militar –, certamente influen-
ciaram autores de livros didáticos e, por consequência, suas ideias nas
reflexões sobre a ditadura. Assim, tais livros tenderiam progressivamen-
te, por unanimidade, a evidenciar posturas necessariamente críticas ao
regime e às suas consequências.
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

Entretanto, encontramos livros publicados em 1989 que reprodu-


ziram imagens e abordagens muito semelhantes às versões contidas em
livros de Estudos Sociais, produzidos ainda na década de 1970. Tal fato
demonstrou que o distanciamento do período abordado, embora tenha
propiciado maior autonomia nas interpretações e na escrita historiográ-
fica, visto que não mais ocorria censura do regime político, não garan-
tiu o extermínio das ideologias que deram sustentação à existência do
regime militar e/ou às suas realizações.
Revela-se, portanto, uma extensão do poder simbólico engendrado
durante a ditadura, em que as representações ideológicas ali produzidas,
mesmo que “desmistificadas” por tantos estudos realizados a esse respeito,
mantiveram-se ignoradas, quer dizer reconhecidas como legítimas, pelo
menos, até a década de 1990. Nessa perspectiva, compreendemos que os
sistemas simbólicos, moldados durante o período militar, como estruturas
estruturantes que foram, demonstraram grande eficácia no desempenho
do papel de legitimação histórica do modelo militar brasileiro.
O terceiro momento destacado remete-se à análise dos livros escri-
tos no período caracterizado como fase da “desintegração” da esquerda
brasileira. Tal conjuntura requer também uma breve exposição.
156 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

A primeira eleição presidencial após o golpe militar, realizada em


1989, assinalou o apogeu da unificação das esquerdas, iniciada já na ela-
boração dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte em 1987.
Porém, a derrota eleitoral da esquerda, com a eleição de Fernando Collor
de Mello, possibilitou a implantação das políticas ditas neoliberais dos
grupos conservadores e, ao mesmo tempo, minou a expectativa de mu-
danças mais profundas na política brasileira.
O colapso da experiência socialista no leste europeu e de algumas
tentativas de experiências revolucionárias na América, o fim da bipola-
ridade mundial, as novas concepções epistemológicas engendradas no
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

mundo acadêmico, entre outros fatores, desencadearam sistemáticas cri-


ses nas ideologias de orientação marxista no contexto latino-americano
e, por ressonância, na esquerda brasileira.
Desde então, verificamos que a perda de referências históricas ou
da capacidade de uma compreensão crítica contundente dessas transfor-
mações, o avanço do neoliberalismo no continente e sua concretização
na esfera econômica e na política brasileira – com o continuísmo da di-
reção nacional, mediado pela eleição do candidato governista Fernando
Henrique Cardoso, em 1994, e sua reeleição em 1998 – acentuaram as mi-
grações de intelectuais às concepções advindas da Nova Ordem Mundial
e de outros paradigmas, geralmente mencionados como pós-modernos.
Em princípio, tais transformações alterariam a forma de análise e de
caracterização do período militar, visto que as mudanças citadas provo-
caram revisões conceituais na compreensão dos fenômenos históricos.
Entretanto, a penetração dessas novas concepções não se efetivou
no livro didático. Pelo menos em nível realmente significativo. O que
vimos é a manutenção de uma forma de se fazer história didática, po-
deríamos dizer, tradicional. Um tradicionalismo não exatamente no
sentido específico da história positivista (ainda que exista essa tendên-
cia historiográfica em algumas produções didáticas recentes), visto que
Jason Ferreira Mafra - 157

ocorreram mudanças na estrutura do livro. Mas uma tradição que, in-


corporando algumas novas categorias, sem se definir claramente numa
tendência, postula e reconhece a objetividade da história, compreen-
dendo o processo histórico como resultante de uma interpretação uni-
ficada e teleológica.
Em outras palavras, a introdução das propostas teórico-conceitu-
ais da Nova História, “novos objetos”, “novos problemas”, “novas abor-
dagens”, e das tendências advindas daí, evidenciando e valorizando a
subjetividade no fato histórico, não eliminou, no livro didático, a inter-
pretação da História como resultado de uma realidade objetiva. Dessa
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

forma, a História continua a possuir um sentido que se pode captar. Ela


possui uma lógica que explica o começo, o meio e o fim dos fenômenos
históricos. Todavia, a manutenção dessa objetividade histórica, resistin-
do talvez ao caráter desconstrutivo do pós-modernismo histórico, não
afirma a ocorrência de avanços efetivos no procedimento interpretativo
e crítico desse campo de conhecimento nos livros didáticos.
Exames de livros escritos já em 1998 revelaram limites expressivos
em suas abordagens referentes à ditadura, ainda que postulem, em suas
intenções, interpretações críticas nas avaliações que fazem da história.
Dessa forma, apesar de uma incidência menos acentuada, se compara-
dos com décadas anteriores, erros conceituais, simplificações e postu-
ras reacionárias ainda são encontrados nas produções dos anos de 1990.
Numa avaliação de conjunto deste trabalho, consideramos que os
livros didáticos não representam a dimensão do significado do período
militar na história do Brasil. Isto se dá tanto em termos quantitativos, re-
ferindo-se ao pequeno espaço consagrado a esta temática, quanto em ter-
mos qualitativos, dados os limites internos apresentados nas abordagens.
Considerando que falar desse assunto significa um recorte de, pelo
menos, 30 anos (da crise do governo de Jânio Quadros ao fim do gover-
no Sarney), entre a montagem e a desmontagem do Estado militar, é la-
158 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

mentável verificar que este tema seja significativamente desprezado nas


produções didáticas. Acrescenta-se aí o agravante de que o livro didáti-
co era, para a maioria dos estudantes daquele momento, a única fonte
de leitura sistemática sobre a história do Brasil86.
Consequentemente, ao depararmos com os resultados, observamos,
entre outras coisas, que nossos alunos, se, por um lado, sabem explicar o
processo de mumificação dos faraós, as causas da Reforma Protestante
ou as características do feudalismo, por outro, desconhecem o passado
recente da história brasileira.
Com efeito, notamos também que há por parte dos profissionais de
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

História sinais de certa cumplicidade com tal descaso. No início desta


pesquisa, tendo já os resultados do levantamento feito sobre o tema com
os alunos, indagamos informalmente alguns professores a respeito do
ensino que ministram sobre o período militar. A resposta mais comum
orbitou em torno da seguinte ideia: “esse tema dificilmente é abordado
porque, situando no final do livro ou do conteúdo programático, nunca
dá tempo de explicar”87. Cremos que afirmações como essa já justifica-
riam repensar a questão da centralidade dos temas nos livros didáticos.
Houve tempo em que entre aprender história pelo livro didático e
deixar de aprender sem ele, a segunda opção poderia ser mais interes-
sante. Não é o caso de hoje. Os livros didáticos não sofrem mais a cen-
sura do Estado, ainda que seja impossível pensá-lo como um produto
dotado de autonomia efetiva, como nos demonstra Bourdieu em sua te-
oria dos campos.

86 Não se trata aqui de uma afirmação teórica, mas de uma constatação empírica em 15 anos de
trabalho em sala de aula, ministrando História para alunos dos ensinos fundamental e médio.
87 Consideramos que não há necessidade, nesse contexto, de explicitar levantamento de dados
sobre tal postura, visto que a questão demandaria outra pesquisa. É possível também que isso
não corresponda às justificativas da maioria dos professores de História, mas – recorrendo aqui
ao paradigma indiciário de Ginzburg (1989) –, uma afirmação dessa natureza parece-nos um dado
bastante revelador.
Jason Ferreira Mafra - 159

Os estudos de Bourdieu (2000, p. 13) sobre representações e sim-


bolismo apontam que “tratar as produções ideológicas como totalidades
auto-suficientes e autogeradas, passíveis de uma análise pura e puramen-
te interna”, significa enveredar por uma explicação idealista.
Por isso, ao discutirmos as representações produzidas pela história
da ditadura, procuramos situá-las em seu contexto social de produção,
neste caso, definido aqui como campo editorial. Salientamos que o cam-
po editorial envolve não só editores e autores, que são, sem dúvida, seus
agentes imediatos. Constitui-se, também, por alunos, professores, pro-
duções acadêmicas, política educacional que, direta ou indiretamente,
UNINOVE – uso exclusivo para aluno

configuram-se como instrumentos de produção simbólica.


Nessa perspectiva, compreendemos as representações da história da
ditadura como resultantes de um sistema simbólico (ensino), em que o
livro didático, como estrutura estruturante, exerce um poder simbólico
de “construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosio-
lógica” (Bourdieu, 2000, p. 9, grifo do autor), isto é, de conhecimen-
to; de sentido imediato da representação histórica. Tal condição faz dele
instrumento de consenso acerca da realidade, isto é, promotor de um
conformismo lógico por meio da reificação histórica.
Nesse sentido, entendemos que o campo editorial tem papel fundan-
te na estruturação do habitus das construções simbólicas. Pretendendo-
se à universalidade, ainda que seja produto particular, tais representações
são duplamente determinadas. Devem “suas características mais especí-
ficas não só aos interesses das classes ou das frações de classes que elas
exprimem [...], mas também aos interesses específicos daqueles que
as produzem e à lógica específica do campo de produção [editorial]”
(Bourdieu, 2000, p. 13).
Esse campo, visto, portanto, como campo de produção simbólica,
constitui-se assim “um microcosmos da luta simbólica entre as classes”
(Bourdieu, 2000, p. 12), frações de classes e grupos. E, na medida em
160 - A DITADURA ESPELHADA – Conservadorismo e Crítica na Memória Didática...

que seus agentes, produtores desse campo, servem aos interesses da luta
que aí se estabelece, servem também aos “interesses dos grupos exterio-
res ao campo de produção” (Bourdieu, 2000, p. 12).
Dessa maneira, este trabalho procurou discutir uma produção his-
tórica dentro do seu ato de produzir. Sabemos que quando se trata de
conhecimento relacionado à explicação de uma realidade social, histo-
ricamente, ninguém tem a última palavra. Nem os que dizem que tudo
é assim, nem os que dizem que nada é assim. Nesse caso, o bom senso
talvez seja a melhor saída.
Quando pensamos em história, sobretudo na história que, cons-
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truída no cotidiano da maioria, identifica e legitima uma nação – que


é em grande medida, o aprendido nos manuais didáticos –, uma de-
claração de Hobsbawm (1998, p. 8), quase uma profissão de fé, não
fosse o materialismo marxista impresso no próprio texto, pode ser
bastante pertinente para a atual discussão do sentido desse tipo de
conhecimento:
Defendo vigorosamente a opinião de que aquilo que os historia-
dores investigam é real. O ponto do qual os historiadores devem
partir, por mais longe dele que possam chegar, é a distinção
fundamental, e, para eles, absolutamente central, entre fato
comprovável e ficção, entre declarações históricas baseadas em
evidências e sujeitas a evidenciação e aquelas que não o são. [...]
Em resumo, acredito que sem a distinção entre o que é e o que
não é assim, não pode haver história. Roma derrotou e destruiu
Cartago nas Guerras Púnicas, e não o contrário.
No contexto em que as certezas são tão relativizadas, como neste
início de século XXI, esta reflexão a respeito da verdade histórica nos
permite pensar que, não sendo factível a explicação absoluta de quais-
quer fenômenos sociais, alguma explicação é possível. Nesse sentido,
o encontro humano com a história é sempre utópico porque, como
tantas vezes assinalou Paulo Freire, faz parte da natureza existencial e
Jason Ferreira Mafra - 161

social das pessoas, na produção e na reprodução da vida, mirar o ho-


rizonte realizando o possível de hoje, para, amanhã, realizar o impos-
sível de hoje.
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UNINOVE – uso exclusivo para aluno
Jason Ferreira Mafra - 170
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Jason Ferreira Mafra é graduado


em História e Mestre e doutor
em Educação pela Universidade
de São Paulo (USP). Foi professor
titular de História, no Ensino Básico,
ministrando esta disciplina entre
1989 e 2004, em escolas públicas
e privadas no Estado de São Paulo.
Trabalhou, de 2000 a 2010, como
formador e pesquisador no Instituto
Paulo Freire. Atualmente, é docente
do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Nove de
Julho (PPGE-UNINOVE) e diretor do
Programa de Mestrado em Gestão
e Práticas Educacionais (PROGEPE),
nesta mesma Universidade.
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