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Módulo 3 – A Cultura do Mosteiro

A imagem que hoje temos da Idade Média foi-nos transmitida quase exclusivamente pelo clero, e dentro
deste, principalmente pelos monges. Foi a Igreja Cristã que, pelo preponderante papel político e
espiritual que exerceu, forneceu o modelo civilizacional que marcou o modo de vida medieval.

Os mosteiros- as “ cidades de Deus “- ofereciam aos homens de então o exemplo de um mundo


autossuficiente e perfeitamente regulado em todos os seus aspetos: um centro de oração, de trabalho
( nos campos e nas oficinas ) e de cultura, onde imperava a ordem ( lei ) de Deus.

Num tempo de obscurantismo e violência, foi aí que se preservou a cultura clássica para os séculos
vindouros.

1. Os espaços do Cristianismo

A transformação do mundo romano

Aos muitos e distintos povos que viviam dentro dos limites do Império Romano, exigia-se uma unidade
administrativa e fiscal, tolerando-se em contrapartida, as diferenças culturais, ideológicas e religiosas de
cada comunidade conquistada. Civilizações e culturas tão díspares como a céltica, a helénica ou a persa
foram assimiladas e adquiriram novas expressões.

A partir da pax romana de Augusto, a livre circulação de pessoas e mercadorias favoreceu as trocas de
valores, ideias e costumes entre culturas distintas, e sobretudo, contribuiu para a expansão para
Ocidente de certas místicas e mistéricas orientais. Foi com alguma naturalidade que os romanos,
insatisfeitos com a crise económica e política e com o vazio religioso vivido em Roma, acolheram esses
cultos orientais que contribuíram para a mudança cultural que se operou.

1.1. Da reorganização cristã da Europa ao crescimento e afirmação urbanos ( séculos IX a XII ). ( O tempo
e o espaço )
A queda do Império Romano que transformou um império pagão num império cristão arrastou-se por
mais de um século. Quando o Imperador Constantino subiu ao poder em 305, o Império Romano estava
bastante fragilizado pelas guerras, lutas políticas e intrigas internas. A divisão do império em 395 em
Império do Ocidente e Império do Oriente, com o propósito de reorganizar o estado, foi uma das razões
da sua desagregação.

Após a invasão da Itália em 312, Constantino prosseguiu a sua luta contra os césares orientais
insubmissos, até restabelecer a unidade do Império em 324. Porém, já antes tinha tomado duas decisões
que concorreram para o colapso gradual do Império e que alteraram a história da cultura e da arte
ocidental:

a oficialização do Cristianismo no Édito de Milão ( 313 ), reconhecendo a importância desta


religião como fator de aglutinação cultural;

a transferência da capital do Império para Bizâncio ( atual Istambul ), em 323, que passou a designar-
se por Constantinopla, numa região de grande implantação cristã.

Porém, quando Constantino transferiu o centro do poder imperial para Constantinopla, o Império
Romano já se estava a desfazer. A crescente crise económica e política que se abateu sobre o Império
gerou um clima de insegurança, instabilidade e perda de confiança dos cidadãos na capacidade do
Estado para os defender. As populações abandonaram as cidades e partiram, para os campos, em busca
de meios de subsistência, mas também para fugirem dos bárbaros que penetravam no território
romano, causando grande destruição e devastação.

A razão que levou Constantino a converter-se e a legalizar o Cristianismo

deveu-se à sua forte implantação entre os soldados e entre os funcionários da administração imperial,
mas também porque Constantino estava convicto que esta medida seria a estratégia adequada para unir
um Império destroçado.

Mas estas medidas não foram suficientes para impedir a tomada e a destruição de Roma pelos povos
bárbaros em 410, nem a queda do Império do Ocidente, em 476, acontecimento que assinala o início da
Idade Média. Enquanto aqui na Europa Ocidental se formaram diversos reinos bárbaros cristãos, a
Oriente formou-se o Império Bizantino que se converteu no primeiro Império Cristão, um estado de raiz
teocrática, em que o Imperador se considerava o representante de Deus na Terra.
O facto dos bárbaros já se encontrarem romanizados e cristianizados , falando o latim, contribuiu para a
fusão entre as duas culturas: a romana, em decadência e a bárbara- germânica em ascensão.

Porém, este período de transição de uma “ cultura clássica “ para uma “ cultura cristã “ foi muito
conturbado e trouxe alterações profundas na estrutura da sociedade europeia.

Os sucessivos ataques e pilhagens dos povos germânicos aos centros urbanos onde se encontravam as
riquezas, criaram um clima de instabilidade, medo e insegurança que provocou a desorganização da
administração pública, fazendo desaparecer as velhas instituições herdadas dos Romanos, o que
contribuiu para o enfraquecimento do poder central do ex Império, fragmentando o poder político em
múltiplos poderes locais, arbitrários e em constante agitação. Assistiu-se igualmente a uma progressiva
degradação da economia de mercado. Até ao século X e após novas guerras e invasões ( dos
muçulmanos, normandos, eslavos e magiares ), consolidou-se uma economia agrária, de subsistência, na
qual a moeda chegou a rarear, registou-se uma profunda depressão demográfica, acentuou-se a
ruralização da sociedade e a cultura passou a ser dominada pela fé cristã. Formaram-se sociedades
dominadas pela aliança entre o poder temporal, partilhado entre chefes bárbaros e latifundiários
romanos e o poder espiritual, presidido pelo Papa e pelos clérigos cristãos.

Este período complexo, marcado pela precariedade da subsistência, pelo crescente barbarismo dos
costumes, pela ruralização da vida económica e cultural e por uma permanente instabilidade e
insegurança, explica a instalação, a partir dos séculos X e XI, do feudalismo, com a formação de uma
sociedade rural e rude, grosseira e cavaleiresca.

Nesta Europa enfraquecida, violenta e dividida em reinos feudais, apenas o cristianismo cresceu como
força aglutinadora e ordenadora. Inicialmente perseguida e clandestina, a religião cristã teve, a partir do
século IV, grande expansão, tornando-se a religião oficial e única do Império Romano ( Concílio de
Constantinopla de 381, no tempo do Imperador Teodósio ), com o qual partilhava os objetivos de
universalidade, pacifismo e centralização.

Aproveitando as antigas estruturas administrativas romanas, os bispos cristãos fundaram mosteiros, a


partir das quais congregaram e organizaram as comunidades de fiéis e promoveram uma intensa
campanha de batismo e cristianização dos povos bárbaros recém-chegados ao Império. Gradualmente, a
Igreja Cristã converteu-se na mais importante autoridade atuante junto das populações, exercendo um
papel civilizacional e cultural que ultrapassou a simples ação evangelizadora e doutrinária. Na verdade,
para além das obrigações religiosas e litúrgicas, durante a Idade Média os mosteiros foram os centros
difusores de costumes, de valores, de moral e de cultura, contribuindo igualmente para o
desenvolvimento das artes e das letras.
A partir do ano 1000 ( início do século XI ) este quadro depressivo inverteu-se. As vagas invasoras
terminaram e as guerras privadas, de carácter feudal, abrandaram. O regresso à paz permitiu maior
estabilidade e segurança. A melhoria climática favoreceu o desenvolvimento das práticas agrícolas ( com
novas técnicas e novos utensílios ), o que fez nascer a a agricultura excedentária que contribuiu para a
revitalização do comércio e para um progressivo aumento demográfico.

O renascimento do comércio acarretou consigo o desenvolvimento das cidades. No século XII, as cidades
medievais, os burgos, eram já o símbolo de uma Europa a renascer.

Este clima de expansão foi aproveitado pela Igreja que mandou construir ou reconstruir igrejas e
mosteiros, incentivou as peregrinações aos lugares sagrados e organizou as cruzadas ( importantes
movimentos religiosos e militares destinados a libertar os lugares sagrados da Terra Santa do jugo do
islamismo ) que contribuíram para aproximar a Europa do mundo oriental e do Norte de África.

A fé dos primeiros tempos do cristianismo deu origem, no Ocidente, ao movimento religioso


denominado monaquismo que se expandiu a partir do Oriente e, em poucos séculos, se tornou
realidade em toda a Europa.

Foi neste ambiente de reabertura económica e de renovação cultural que surgiu o primeiro movimento
artístico da Idade Média, o românico.

1.2. A Europa dos reinos cristãos- a Christianitas.

Os povos bárbaros que formaram os primeiros reinos cristãos na Europa eram de origem germânica e
habitavam as regiões norte e nordeste da Europa e noroeste da Ásia. Até ao século V estes povos viviam
em relativa harmonia com os romanos, mantendo mesmo relações comerciais junto às linhas de
fronteira.

As invasões bárbaras que entretanto se verificaram a partir do século V e que provocaram a


desagregação do Império Romano do Ocidente, ficaram a dever-se:

à procura de solos férteis e riquezas;

ao clima mais acolhedor a sul;

à pressão exercida pelos Hunos, provenientes do Oriente que “ empurrou “ os povos bárbaros para
dentro das fronteiras do Império Romano.
Durante este processo de invasão e formação dos reinos bárbaros, assistiu-se à “ barbarização “ das
populações romanas, mas também à “ romanização “ dos bárbaros. De facto, se por um lado,
prevaleceram as estruturas económicas germânicas, assentes na agricultura, por outro lado, foram
assimilados alguns aspetos da organização política romana ( por exemplo, o regime monárquico ) e da
cultura latina: muitos destes povos bárbaros adotaram o latim como língua oficial, converteram-se ao
Cristianismo e aceitaram a autoridade da Igreja Cristã centrada no Papa, em Roma.

Com a rutura da antiga unidade romana e perante a diversidade cultural destes povos ( com distintas
leis, costumes, tradições e práticas religiosas ), a Igreja Cristã tornou-se a única instituição universal
europeia, desempenhando um papel fundamental na unificação política, económica, social e cultural da
Europa. Entre os séculos IV e X, a Cristandade ( ou Christianitas ) converte-se numa vasta comunidade de
povos vinculados à fé cristã, integrando mesmo os territórios germânicos e eslavos, jamais conquistados
por Roma.

Uma das razões que facilitou a aceitação e a rápida expansão do Cristianismo foi o estado de angústia e
desamparo sentido pelas populações. Na verdade, o pensamento cristão continha nos seus fundamentos
a aspiração do Homem a uma nova pureza espiritual e a fusão de duas tendências opostas: a Humanista,
resultante da cultura helenística, desenvolvendo o fascínio pela forma, a imagem visível do espírito; e a
tendência dualista, proveniente dos cultos orientais, opondo o bem e o mal e pregando a ascese
( meditação e devoção religiosa ) e o despreendimento do mundo terreno, sendo a “ matéria “ e a “
carne “ encaradas como lugar de pecado, decadência e degradação do espírito.

O Cristianismo conciliava estas duas tendências, pois não só o humanismo helénico se revia numa nova
expressão da fé no Homem, como também a espiritualidade mística do Oriente se encontrava numa
religião onde o reino do espírito prevalece sobre o reino da matéria. O próprio Cristo é o símbolo da
reconciliação dos opostos e das diferenças, uma vez que Deus encarnou em forma humana, na figura do
seu filho.
Os reinos bárbaros no início do século VI

Para os romanos, os “ bárbaros “ eram povos estrangeiros que viviam fora das fronteiras do Império
romano e que não dominavam a cultura romana.

Os principais povos bárbaros invasores eram os:

Anglos e Saxões, originários da Alemanha e que ocuparam as ilhas britânicas;

Francos, provenientes do norte da Europa, que fundaram o Reino Franco ( território


correspondente à atual França );

Lombardos, povo germânico que ocupou a região norte da Península Itálica no século VI;

Visigodos, provenientes do leste europeu, instalaram-se no sul da Gália ( atual França ) e na Península
Ibérica;

Suevos, provenientes da atual Alemanha, ocuparam as regiões atuais da Galiza e do Minho;

Vândalos, oriundos da região da Germânia Oriental, ocuparam o território do norte de África;

Burgúndios, de origem eslava, instalaram-se no centro da Gália;

Alamanos, provenientes da Germânia Ocidental, fixaram-se no atual território da Alemanha.

Santo Agostinho e a Cidade de Deus

Quando, no século V, Santo Agostinho escreveu a sua obra “ De Civitas Dei ( A Cidade de Deus ), a cidade
dos homens já não era a “ expressão da razão “ ou o “ espaço de afirmação espiritual “ do homem no
mundo, criado pelo classicismo. A partir deste período, só Jerusalém- a cidade de Deus, celestial- podia
traduzir a promessa de uma vida perfeita e eterna, para além da morte.

O Deus dos cristãos já não era apenas o Cristo Redentor dos Judeus, mas sim o de todos os homens
dispostos a redimirem-se da culpa coletiva que era o “ pecado original “.
Santo Agostinho, bispo de Hipona ( cidade romana situada no norte de África ) contribuiu para a
construção do dogma cristão. Tentou conciliar a fé com a razão, em que a cultura pagã se mistura com o
espírito cristão.

A essência do Cristianismo residia na mensagem de salvação dirigida a todos os desamparados. Para


salvar-se, o cristão devia aceitar a sua infelicidade, como sacrifício reparador das suas culpas.

Dogma- crença ou doutrina de uma religião ou ideologia, considerada fundamental, não podendo
portanto, ser posta em causa.

1.3. A geografia monástica da Europa

A palavra “ monaquismo “ resulta da palavra grega “ moncos “, significando aquele que está só.

O monaquismo é uma forma de vida cristã totalmente consagrada a Deus no retiro, no silêncio, na
oração, penitência e trabalho.

Durante a Idade Média, o monaquismo foi o principal instrumento de cristianização do mundo rural,
onde vivia a maioria da população, tendo-se afirmado a partir do século IV.

Vivendo em absoluta solidão e em contínua ascese, os monges organizaram-se em comunidades cristãs,


as ordens religiosas, obedecendo a uma “ regra “, seguindo votos de castidade, silêncio e pobreza e
praticando a oração.

A maioria destas comunidades adotou a Regra Beneditina ( Regula Benedicti ), criada por S. Bento de
Núrsia, fundador da Ordem Beneditina, o primeiro a definir um conjunto de normas e regras aplicadas a
todas as fundações monásticas. A Regra Beneditina defendia a ascese, a vida contemplativa, a castidade,
a pobreza, a oração e o trabalho manual, bem como a obrigação de hospedar peregrinos, prestar
assistência aos pobres, promover o ensino.

Até ao século X, a Ordem Beneditina foi a principal referência do monaquismo medieval.


Porém, nesse mesmo século, surge a comunidade beneditina de Cluny ( mosteiro situado na Borgonha,
em França ) que implementou um conjunto de reformas que pretendiam restaurar a primitiva Regra
Beneditina, retomando a pureza litúrgica, regendo-se pelo cumprimento dos ofícios e pela oração,
desvalorizando o trabalho manual, isolando a comunidade monástica do contacto com a sociedade e
consagrando uma vida de total dedicação a Deus.

Estendendo-se por toda a Europa Ocidental, a ordem de Cluny expandiu-se de tal forma que se tornou
no maior centro monástico da Cristandade, protegida por grandes senhores, dotada de terras e riquezas
e constituindo um dos mais importantes centros de poder da Idade Média.

A Ordem de Cluny exerceu grande poder e influência junto dos meios políticos da época e teve um papel
relevante na difusão do românico.

A partir do século XI, uma vaga de renovação espiritual percorreu toda a Europa, tendo acompanhado o
renascimento urbano, o ressurgimento do comércio e o desenvolvimento artístico que então se faziam
sentir.

É neste contexto que Roberto, abade de Molesme, fundou em Citeaux ( também na Borgonha ) a Ordem
de Cister, criticando as riquezas, a ostentação e o poder que Cluny tinha atingido, propondo o retorno ao
recolhimento, à oração, à humildade e à austeridade beneditinas e um maior rigor na vida monástica
centrada no trabalho manual.

Os monges cistercienses dominaram as técnicas agrícolas, desenvolveram o trabalho artesanal e


adquiriram a sua autonomia económica e independência face ao poder político.

A ordem de Cister impôs-se em toda a Europa Ocidental, no século XII, alcançando maior
desenvolvimento com Bernardo de Claraval, o seu principal mentor espiritual, desenvolvimento esse que
também decorreu das doações de bens e terras, feitas por alguns nobres e reis.
Os monges cistercienses dominaram as técnicas agrícolas, desenvolveram o trabalho artesanal e
adquiriram a sua autonomia económica e independência face ao poder político.

Ascese- prática religiosa que assenta na renúncia do prazer, da não satisfação de algumas necessidades
primárias ( jejum ), tendo em vista um aperfeiçoamento espiritual.

2. O mosteiro: a autossuficiência monástica

O monaquismo cristão nasceu no século IV, no Oriente ( Egito, Síria e Ásia Menor ) e rapidamente se
espalhou pelo Mediterrâneo e para o Norte, chegando à Europa Ocidental nos finais do século V.
Surgiu ligado ao desejo de isolamento, de evasão do mundo profano ( fuga mundi ), para uma entrega
direta a Deus, através do ascetismo, ou seja, da meditação e da contemplação. Partindo de atitudes
individuais, rapidamente se formaram grupos de monges, prontos a seguir o modelo de um mestre.
Surgiram assim as primeiras comunidades de monges.

No Ocidente, foi só a partir dos séculos VI e VII que surgiram os primeiros legisladores da vida religiosa
comunitária como S. Bento de Núrsia.

Os regulamentos ou Regra que S. Bento escreveu para os seus monges, em 529, na Abadia de
Montecassino, em Itália, validados pelas hierarquias clericais e políticas da época, serviram de modelo
para a organização da vida religiosa comunitária na maior parte dos mosteiros medievais europeus até
ao século XII e para as ordens militares da mesma época, espalhando-se por toda a Europa.

A maior referência para a organização funcional dos mosteiros foi o plano do Mosteiro de Saint- Grall, na
Suiça.

Segundo a Regra beneditina, o mosteiro era “ uma escola ao serviço do Senhor “, onde os monges
( irmãos ) deviam obedecer a um abade ( pai ). Esta comunidade tinha por princípios básicos a
obediência, a humildade e o silêncio e todos os seus elementos estavam obrigados a um conjunto de
tarefas e deveres, perfeitamente organizados para que a vida no mosteiro decorresse em plena
autonomia em relação ao mundo exterior.

Tal como a oração e a devoção, a Regra valorizava também o trabalho manual como um “ serviço a Deus
“ e assim sendo, os monges deviam entregar-se aos trabalhos mais diversos, tais como o cultivo das
terras, a criação de gado, as oficinas e o trabalho artesanal, o refeitório, a enfermaria, o estudo e cópia
de manuscritos, entre outras atividades que garantiam a plena autossuficiência a toda a comunidade.

Tratando-se de locais de recolhimento, de serviço religioso e de dedicação total a Deus, os mosteiros


passam também a prestar tratamento a mendigos, assistência aos pobres e acolhimento aos peregrinos,
bem como a hospedar reis, nobres e entidades do clero que se encontravam de visita ou a viajar pelo
reino.

Seguindo o ideal ascético da fuga mundi, os mosteiros medievais localizavam-se preferencialmente em


zonas isoladas ( montanhas, vales e clareiras das florestas ), mas outros havia no centro das cidades,
fechados ao exterior por muralhas e portas.
Adquirindo forte poder e influência política, as ordens monásticas passam a receber doações da parte
dos senhores feudais, em terras e edifícios, como forma de se penitenciarem dos pecados e garantirem
um “ lugar no céu “, o mesmo acontecendo com o povo, cujas contribuições resultavam do seu trabalho.
Assim, os mosteiros converteram-se em influentes centros de poder político e económico, graças ao
domínio das regiões que estavam sob a sua soberania, mas também em centros dinamizadores da
economia ( difusores de técnicas agrícolas, incentivadores das atividades comercial e artesanal ) e ainda
em importantes centros culturais e artísticos, desenvolvendo nas suas bibliotecas o estudo das artes,
letras e ciências, a produção de manuscritos nos seus scriptoria, exercendo assim um importante papel
civilizacional.

3. Os guardiães do saber. O poder da escrita.

Com a queda de Roma e a ocupação do Império Romano do Ocidente pelo povos bárbaros, a cultura
clássica fundada em escolas, bibliotecas, academias, entrou em decadência, vindo a desaparecer entre
os séculos V e VIII. Vivia-se então, tempos de instabilidade política, agitação social, guerras e lutas pelo
poder e pela posse de territórios que contribuíram para o gradual declínio da vida económica, para o
desaparecimento do poder central e para o empobrecimento cultural. As pilhagens e devastações das
cidades pelos bárbaros obrigaram as populações a fugirem para o campo, fundando-se assim uma
economia agrária e uma sociedade rural, acompanhadas por uma degradação da qualidade de vida das
pessoas.
Neste cenário negro, em que a maioria da população é analfabeta, vai prevalecer a classe eclesiástica.
Monges, bispos, arcebispos, cardeais e clérigos em geral, formam a partir de agora, uma classe
privilegiada na sociedade feudal, cujo poder e prestígio resultam do facto de saber ler e escrever, pois
tinham de saber ler e interpretar a Bíblia, as Sagradas escrituras, os Evangelhos e outros textos sagrados.

Tirando partido desta exclusividade no acesso ao saber e ao conhecimento, a Igreja Cristã converte-se na
mais importante autoridade junto das populações e da nobreza e os mosteiros transformam-se em
verdadeiros centros culturais, autênticos guardiães do saber. Durante a Idade Média, os mosteiros são os
únicos centros difusores de valores, de costumes, de moral e de cultura, detendo o monopólio do ensino
e de instrução, adaptando a educação aos interesses da Igreja Cristã.

Nos mosteiros criam-se bibliotecas, onde se depositam os livros sagrados, formam-se escolas onde se
ensina o latim e se estudam os textos sagrados e fundam-se os scriptoria, oficinas onde os monges
copistas escrevem e copiam manuscritos e iluminuras. A cópia de manuscritos, a pintura de iluminuras
ou o estudo de textos sagrados eram tarefas reservadas aos mais instruídos e habilitados. Esta era a área
do mosteiro dedicada ao trabalho intelectual e ao desenvolvimento do pensamento cristão. O trabalho
desenvolvido no scriptorium teve um papel determinante na difusão do Evangelho, da doutrina cristã e
da cultura latina.

Os mosteiros e a classe eclesiástica assentam o seu poder no saber, estabelecendo entre si uma rede
geográfica de transmissão de conhecimentos e de troca de experiências, influenciando-se mutuamente e
criando uma unidade civilizacional e cultural em toda a Europa.

As heranças greco-latinas e muçulmanas: cristianizar as heranças

O responsável pelo grande desenvolvimento cultural e artístico desta época foi Carlos Magno, primeiro
imperador cristão do Sacro Império Romano- Germânico entre 800 e 814.

A partir da capital Aquisgrano, Carlos Magno desenvolveu um vasto programa de dinamização das artes
e das letras, que ficou conhecido por “ Renascimento Carolíngio “ :

fomentou a criação de escolas nos mosteiros, conventos e abadias, com o propósito de melhorar a
formação dos clérigos;

promoveu a alfabetização dos funcionários da administração do Império;

fundou, junto do seu palácio, a Escola Palatina que serviu de modelo a outras escolas que, entretanto se
formaram.

Para integrar a Escola Palatina, Carlos Magno convidou os mais ilustres sábios e homens cultos, entre os
quais o monge inglês beneditino Alcuíno York que delineou o plano de estudos e os respetivos
programas desta escola. A partir de então, as restantes escolas passam a ser regidas pelo ensino das sete
artes liberais, divididas

Em dois grupos: o trivium ( lógica, gramática e retórica ); e o quadrivium ( aritmética, geometria,


astronomia e música ).

Recorrendo ao estudo de autores clássicos ( Platão, Aristóteles, Cícero, Horácio ou Virgílio ), a Escola
Palatina estabelece a fusão entre a cultura latino-mediterrânica com a tradição céltico-germânica e com
o pensamento cristão, “ cristianizando-se “ assim as heranças greco-latinas.

O estudo dos autores clássicos, interpretados segundo o pensamento cristão, foi enriquecido pela
influência muçulmana introduzida na Escola Palatina por Teodulfo, um monge espanhol próximo da
cultura moçárabe.

4. O poder da escrita: scriptorium, livraria e chancelarias

Numa sociedade rural, em que o povo e grande parte da nobreza eram iletrados, o domínio da escrita e
da leitura dava aos eclesiásticos um prestígio, uma autoridade e um poder especial sobre a sociedade.
Ao facultar o acesso ao conhecimento, a escrita e a cultura convertem-se num ” poder “, restrito a esta
elite clerical, facto que concorreu para o seu reconhecimento junto das esferas do poder. Monges,
bispos, cardeais e clérigos são solicitados para representações do poder político e para nomeações de
cargos públicos.

As chancelarias régias eram uma das funções mais importantes que o clero desempenhava na Idade
Média. Cabia ao chanceler a redação, validação e expedição de todos os atos reais. Daí o poder e
influência que este exercia junto do rei e a proximidade da Igreja relativamente aos lugares do poder.

Os mosteiros são, portanto, centros de poder, poder esse que decorre do domínio do saber e do
conhecimento inscritos em livros. Assim sendo, as bibliotecas convertem-se em autênticos “ guardiães
do saber “, aumentando o prestígio do mosteiro em função da quantidade e da qualidade das obras que
conserva. Junto às bibliotecas, existiam os scriptoria “ oficinas de escrita “, destinados à cópia,
transcrição de livros e execução de iluminuras e ilustração dos textos manuscritos.

Os mosteiros tinham a sua própria coleção de cópias da Bíblia, de Salmos, de Missais e outros textos
para consumo da própria comunidade. Também possuíam livros para o estudo religioso e para a
instrução moral, bem como livros das vidas dos santos e de comentários sobre os textos bíblicos.

A produção de miniaturas e de livros iluminados estava reservada aqueles monges que detinham mais
criatividade, técnica e talento artístico.

A iluminura: uma outra forma de escrita

A imagem era, na Idade Média, um meio importante de difusão e de explicação da doutrina cristã. “ A
imagem é a escrita dos iletrados “- Papa Gregório I.

As iluminuras ilustravam os manuscritos medievais, tornando o texto “ legível “.

Estas pinturas podiam ocupar páginas inteiras, com cenas narrativas ou descritivas retiradas dos textos
que ilustravam, ou reduziam-se à decoração das letras iniciais dos capítulos ou parágrafos.

As técnicas utilizadas revelam uma grande destreza de execução e imaginação, que se traduz na
variedade dos temas representados, na riqueza cromática e na dinâmica das composições.

Os miniaturistas ou iluminadores eram monges que trabalhavam nos scriptoria dos mosteiros. Ambos
transcreviam sobre pergaminho ou pele de vitela os diversos tipos de textos litúrgicos: as bíblias, os
evangeliários e os sacramentários, que eram livros com todas as orações destinadas a serem rezadas na
missa; os saltérios que eram compilações dos salmos; e os livros de horas, nos quais se recolhiam as
orações apropriadas para cada hora do dia.

Apesar de serem especificamente habilitados para esta tarefa delicada, o trabalho dos copistas ou
miniaturistas não era mais reconhecido do que qualquer outra atividade quotidiana.
Biografia

O cristão S. Bernardo ( 1090-1153 ). Um monge no mosteiro

Bernardo de Claraval foi o maior impulsionador da Ordem de Cister e uma das personalidades mais
importantes da história da Igreja Cristã.

Nascido na região da Borgonha ( França ) no seio de uma família nobre, entrou para a Abadia de Cister
( 1112 ) e três anos depois fundou a Abadia de Claraval, a partir do qual foram fundados muitos
mosteiros em toda a Europa Ocidental.

Enquanto abade de Claraval, S. Bernardo aprofundou a renovação espiritual cisterciense, reprovando o


desvio dos monges de Cluny em relação à Regra original de S. Bento, criticando-lhes a ostentação, as
riquezas e o apreço pelos prazeres terrenos, nomeadamente a forma como cultivavam a iconografia
patente nos frescos, nos tímpanos, nos capitéis, etc.

S. Bernardo pretendia fazer renascer a pureza monástica original, assente na penitência, oração, silêncio
e trabalho. Assim, atualizou a antiga condenação das aparências do mundo defendida por S. Bento.

Nos mosteiros e abadias cistercienses está presente uma sobriedade extrema e a exclusão de todo o
supérfluo decorativo ou opulência arquitetónica. Defendendo a austeridade, S. Bernardo baniu as
imagens e todas as decorações da arquitetura das abadias e mosteiros, defendendo uma arte quase
iconoclasta. A proibição do uso da cor significou o desaparecimento dos frescos das paredes, da mesma
forma que o predomínio da pedra à vista em paredes, pavimentos, portais e janelas contribuiu para o
pretendido ambiente de despojamento, integridade e severidade próprios da Ordem Cisterciense.
Para além de deter uma vasta obra dispersa por cartas, sermões e obras sobre moral e teologia, S.
Bernardo foi um grande orador, frequentou concílios, percorreu grande parte da Europa, exercendo um
papel importante na história do seu tempo.

Pensa-se que terá visitado Portugal por altura da fundação do Convento de S. João de Tarouca, primeiro
mosteiro cisterciense do nosso país. Esta comunidade registou um assinalável desenvolvimento no nosso
país que culminou com a fundação do Mosteiro de Alcobaça, um dos maiores da Europa.

S. Bernardo foi o autor da regra para a Ordem dos Cavaleiros Templários, apoiou o Papa Inocêncio II
contra o antipapa Anacleto II e pregou a Segunda Cruzada à Terra Santa, entre outras ações.

S. Bernardo foi o exemplo de uma vida consagrada à penitência, à ascese mística, ao despreendimento
dos bens materiais e a uma total dedicação a Deus. Morreu em Claraval, foi canonizado e declarado
Doutor da Igreja.

Acontecimento

A coroação de Carlos Magno ( 800 ).O modelo do imperador cristão.

Carlos Magno , rei dos Francos entre 768 e 814, foi uma figura determinante no desenvolvimento da
civilização medieval da Europa Ocidental.

Após subir ao poder, unificou todo o reino, efetuou várias campanhas militares, conquistando a maior
parte do antigo Império Romano, anexando também novos territórios.

Durante o seu governo, a Europa Ocidental adquiriu estabilidade, ordem e algum desenvolvimento
económico, pela primeira vez desde as invasões bárbaras e a criação de pequenos reinos bárbaros. A sua
mais longa guerra ( durou 30 anos ) decorreu contra os Saxões que submeteu ao Cristianismo. Mas foi
quando derrotou os Lombardos ( povo germânico que dominava a Itália ) que Carlos Magno obteve a
simpatia da Igreja Católica romana, conseguindo que o Papa Leão X o coroasse Imperador,
simbolicamente no dia de Natal de 800.
Esta coroação teve um significado político, histórico e cultural muito importante

uma vez que:

reconhecia o Imperador como a suprema autoridade sobre todo o mundo cristão, sendo, no entanto, um
poder reconhecido pelo Papa, máximo pontífice romano;

instituía Carlos Magno e os seus sucessores como legítimos herdeiros dos imperadores romanos;

restaurava o Império Romano do Ocidente;

unificava todo o Ocidente sob um mesmo poder temporal ( dos reis francos ) e um mesmo poder
espiritual ( dos Papas de Roma ).

Graças às suas vastas conquistas, Carlos Magno ressuscitou a ideia de um novo Império Romano, agora
de carácter cristão e ocidental, que designou de Sacro Império Romano- Germânico. Assim, reforçou a
autoridade da Igreja em toda a Cristandade Ocidental, como também conseguiu desafiar o poder da
Igreja Bizantina Ortodoxa.

A partir de Aquisgrano, cidade situada no “ coração “ do antigo reino franco e que passou a ser o centro
cultural e artístico da Europa, Carlos Magno:

ordenou a construção de obras de grandes dimensões ( residências reais, catedrais e mosteiros


beneditinos );

criou a Escola Palatina, instalada no palácio do Imperador, estimulando o interesse pela educação,
filosofia, literatura e conferindo à Europa Ocidental uma cultura unificada.

O seu império uniu, pela primeira vez desde a queda do Império Romano, grande parte da Europa
Ocidental e Central sob uma identidade cultural comum e correspondeu a um período de
desenvolvimento das artes e da cultura que ficou conhecido por “ Renascimento Carolíngio “.

O “ Renascimento Carolíngio “ tratou-se de um esforço bem conseguido para unir a tradição céltico-
germânica com a cultura latino-mediterrânica. As fundações monásticas beneditinas que apoiou
constituíram importantes centros de atividade cultural e artística, principalmente na execução de
manuscritos e iluminuras, importantes na difusão do Evangelho e da cultura latina.
As artes medievais dos séculos V a XII

🡪A Europa foi-se construindo e definindo entre os séculos V e XV e foi então que se desenvolveu uma
arte propriamente europeia. Porém, não consideramos essas formas de arte com o mesmo olhar que
aqueles que primeiro as viram. Para nós, são obras de arte; para eles, estes monumentos, estes objetos,
estas imagens eram fundamentalmente formas funcionais: serviam, desempenhavam três funções
principais:

a maioria eram presentes oferecidos a Deus para o louvar, dar-lhe graças, para obter em contrapartida o
seu perdão e os seus favores;

estes monumentos, objetos e imagens serviam também de mediadores, favorecendo a comunicação


com o outro mundo; estavam ali para tornar o ritual das liturgias numa correspondência mais estreita
com a perfeição do Além, para guiar a meditação dos devotos;

finalmente ( e esta terceira função ligava-se com a primeira ), a obra de arte era uma afirmação do
poder. Celebrava o poder de Deus, dos seus servidores, dos chefes de guerra, dos ricos. Por isso, a
criação artística, nessa época como em todos os tempos, desenvolvia-se nos lugares onde se
concentrava o poder.

A formação da arquitetura cristã.

Dos primórdios da arquitetura cristã ao pré-românico.

A importância da matriz antiga

🡪Após a queda do Império Romano e pelo menos até ao século X, as artes europeias refletiram as
consequências da regressão material, técnica e cultural que atingiu o Ocidente nesse período, da
descentralização político-militar e social e da barbarização dos modos de vida das novas classes
dirigentes- as aristocracias guerreiras de origem germânica. Por isso, as características romano-
helenísticas da arte do Baixo Império foram-se adulterando, sobretudo pela introdução de novas
características estilísticas e estéticas provenientes dos gostos e tradições dos vários povos invasores
( germanos, muçulmanos, normandos e eslavos ), gerando grande diversidade regional.

🡪 Porém, esta diversidade foi essencialmente de carácter técnico-artístico, tendo maior expressão nas
artes decorativas, já que nas artes ditas “ maiores “ a influência do cristianismo foi impondo, à medida
que se expandia, uma crescente uniformização dos modelos e dos temas, na iconografia e na
expressividade.

🡪 Quando o estilo românico desperta, entre os séculos IX e XI, reflete ainda essa multiplicidade de
influências que, partindo da matriz antiga ( a herança clássica ),nele se harmonizam num todo coerente.

A arquitetura paleocristã

🡪 Dá-se o nome de arte paleocristã às expressões artísticas dos primeiros cristãos que decorreram
fundamentalmente entre o ano 200 e o século VI, sobretudo no Ocidente do Império Romano, que
corresponde ao período de expansão do cristianismo, antes e depois da sua liberalização com o Édito de
Constantino ( 313 ), muito embora se tenham estendido até à cisão política e religiosa entre a Igreja
Católica e a Igreja Ortodoxa ( 1054 ).

🡪 Este período coincide com o da arte bizantina que se desenvolveu sobretudo na parte oriental do
Império e que teve a sua idade de ouro na época de Justiniano, entre 527 e 565.

🡪 Estas manifestações artísticas abrangeram uma vasta área geográfica ( do Próximo Oriente assírio ao
Ocidente europeu ) e apresentaram grande diversidade regional. Apesar disso, ostentam alguns traços
estruturais comuns:

o uso dos modelos estilísticos da Roma clássica;

a assimilação de novos processos técnicos, formais e estéticos oriundos do Oriente;

a subordinação ao espírito e temáticas do cristianisMódulo 3 – A Cultura do Mosteiro

A imagem que hoje temos da Idade Média foi-nos transmitida quase exclusivamente pelo clero, e dentro
deste, principalmente pelos monges. Foi a Igreja Cristã que, pelo preponderante papel político e
espiritual que exerceu, forneceu o modelo civilizacional que marcou o modo de vida medieval.

Os mosteiros- as “ cidades de Deus “- ofereciam aos homens de então o exemplo de um mundo


autossuficiente e perfeitamente regulado em todos os seus aspetos: um centro de oração, de trabalho
( nos campos e nas oficinas ) e de cultura, onde imperava a ordem ( lei ) de Deus.

Num tempo de obscurantismo e violência, foi aí que se preservou a cultura clássica para os séculos
vindouros.

1. Os espaços do Cristianismo

A transformação do mundo romano

Aos muitos e distintos povos que viviam dentro dos limites do Império Romano, exigia-se uma unidade
administrativa e fiscal, tolerando-se em contrapartida, as diferenças culturais, ideológicas e religiosas de
cada comunidade conquistada. Civilizações e culturas tão díspares como a céltica, a helénica ou a persa
foram assimiladas e adquiriram novas expressões.

A partir da pax romana de Augusto, a livre circulação de pessoas e mercadorias favoreceu as trocas de
valores, ideias e costumes entre culturas distintas, e sobretudo, contribuiu para a expansão para
Ocidente de certas místicas e mistéricas orientais. Foi com alguma naturalidade que os romanos,
insatisfeitos com a crise económica e política e com o vazio religioso vivido em Roma, acolheram esses
cultos orientais que contribuíram para a mudança cultural que se operou.

1.1. Da reorganização cristã da Europa ao crescimento e afirmação urbanos ( séculos IX a XII ). ( O tempo
e o espaço )

A queda do Império Romano que transformou um império pagão num império cristão arrastou-se por
mais de um século. Quando o Imperador Constantino subiu ao poder em 305, o Império Romano estava
bastante fragilizado pelas guerras, lutas políticas e intrigas internas. A divisão do império em 395 em
Império do Ocidente e Império do Oriente, com o propósito de reorganizar o estado, foi uma das razões
da sua desagregação.

Após a invasão da Itália em 312, Constantino prosseguiu a sua luta contra os césares orientais
insubmissos, até restabelecer a unidade do Império em 324. Porém, já antes tinha tomado duas decisões
que concorreram para o colapso gradual do Império e que alteraram a história da cultura e da arte
ocidental:

a oficialização do Cristianismo no Édito de Milão ( 313 ), reconhecendo a importância desta


religião como fator de aglutinação cultural;

a transferência da capital do Império para Bizâncio ( atual Istambul ), em 323, que passou a designar-
se por Constantinopla, numa região de grande implantação cristã.

Porém, quando Constantino transferiu o centro do poder imperial para Constantinopla, o Império
Romano já se estava a desfazer. A crescente crise económica e política que se abateu sobre o Império
gerou um clima de insegurança, instabilidade e perda de confiança dos cidadãos na capacidade do
Estado para os defender. As populações abandonaram as cidades e partiram, para os campos, em busca
de meios de subsistência, mas também para fugirem dos bárbaros que penetravam no território
romano, causando grande destruição e devastação.

A razão que levou Constantino a converter-se e a legalizar o Cristianismo

deveu-se à sua forte implantação entre os soldados e entre os funcionários da administração imperial,
mas também porque Constantino estava convicto que esta medida seria a estratégia adequada para unir
um Império destroçado.

Mas estas medidas não foram suficientes para impedir a tomada e a destruição de Roma pelos povos
bárbaros em 410, nem a queda do Império do Ocidente, em 476, acontecimento que assinala o início da
Idade Média. Enquanto aqui na Europa Ocidental se formaram diversos reinos bárbaros cristãos, a
Oriente formou-se o Império Bizantino que se converteu no primeiro Império Cristão, um estado de raiz
teocrática, em que o Imperador se considerava o representante de Deus na Terra.

O facto dos bárbaros já se encontrarem romanizados e cristianizados , falando o latim, contribuiu para a
fusão entre as duas culturas: a romana, em decadência e a bárbara- germânica em ascensão.
Porém, este período de transição de uma “ cultura clássica “ para uma “ cultura cristã “ foi muito
conturbado e trouxe alterações profundas na estrutura da sociedade europeia.

Os sucessivos ataques e pilhagens dos povos germânicos aos centros urbanos onde se encontravam as
riquezas, criaram um clima de instabilidade, medo e insegurança que provocou a desorganização da
administração pública, fazendo desaparecer as velhas instituições herdadas dos Romanos, o que
contribuiu para o enfraquecimento do poder central do ex Império, fragmentando o poder político em
múltiplos poderes locais, arbitrários e em constante agitação. Assistiu-se igualmente a uma progressiva
degradação da economia de mercado. Até ao século X e após novas guerras e invasões ( dos
muçulmanos, normandos, eslavos e magiares ), consolidou-se uma economia agrária, de subsistência, na
qual a moeda chegou a rarear, registou-se uma profunda depressão demográfica, acentuou-se a
ruralização da sociedade e a cultura passou a ser dominada pela fé cristã. Formaram-se sociedades
dominadas pela aliança entre o poder temporal, partilhado entre chefes bárbaros e latifundiários
romanos e o poder espiritual, presidido pelo Papa e pelos clérigos cristãos.

Este período complexo, marcado pela precariedade da subsistência, pelo crescente barbarismo dos
costumes, pela ruralização da vida económica e cultural e por uma permanente instabilidade e
insegurança, explica a instalação, a partir dos séculos X e XI, do feudalismo, com a formação de uma
sociedade rural e rude, grosseira e cavaleiresca.

Nesta Europa enfraquecida, violenta e dividida em reinos feudais, apenas o cristianismo cresceu como
força aglutinadora e ordenadora. Inicialmente perseguida e clandestina, a religião cristã teve, a partir do
século IV, grande expansão, tornando-se a religião oficial e única do Império Romano ( Concílio de
Constantinopla de 381, no tempo do Imperador Teodósio ), com o qual partilhava os objetivos de
universalidade, pacifismo e centralização.

Aproveitando as antigas estruturas administrativas romanas, os bispos cristãos fundaram mosteiros, a


partir das quais congregaram e organizaram as comunidades de fiéis e promoveram uma intensa
campanha de batismo e cristianização dos povos bárbaros recém-chegados ao Império. Gradualmente, a
Igreja Cristã converteu-se na mais importante autoridade atuante junto das populações, exercendo um
papel civilizacional e cultural que ultrapassou a simples ação evangelizadora e doutrinária. Na verdade,
para além das obrigações religiosas e litúrgicas, durante a Idade Média os mosteiros foram os centros
difusores de costumes, de valores, de moral e de cultura, contribuindo igualmente para o
desenvolvimento das artes e das letras.

A partir do ano 1000 ( início do século XI ) este quadro depressivo inverteu-se. As vagas invasoras
terminaram e as guerras privadas, de carácter feudal, abrandaram. O regresso à paz permitiu maior
estabilidade e segurança. A melhoria climática favoreceu o desenvolvimento das práticas agrícolas ( com
novas técnicas e novos utensílios ), o que fez nascer a a agricultura excedentária que contribuiu para a
revitalização do comércio e para um progressivo aumento demográfico.

O renascimento do comércio acarretou consigo o desenvolvimento das cidades. No século XII, as cidades
medievais, os burgos, eram já o símbolo de uma Europa a renascer.

Este clima de expansão foi aproveitado pela Igreja que mandou construir ou reconstruir igrejas e
mosteiros, incentivou as peregrinações aos lugares sagrados e organizou as cruzadas ( importantes
movimentos religiosos e militares destinados a libertar os lugares sagrados da Terra Santa do jugo do
islamismo ) que contribuíram para aproximar a Europa do mundo oriental e do Norte de África.

A fé dos primeiros tempos do cristianismo deu origem, no Ocidente, ao movimento religioso


denominado monaquismo que se expandiu a partir do Oriente e, em poucos séculos, se tornou
realidade em toda a Europa.

Foi neste ambiente de reabertura económica e de renovação cultural que surgiu o primeiro movimento
artístico da Idade Média, o românico.

1.2. A Europa dos reinos cristãos- a Christianitas.

Os povos bárbaros que formaram os primeiros reinos cristãos na Europa eram de origem germânica e
habitavam as regiões norte e nordeste da Europa e noroeste da Ásia. Até ao século V estes povos viviam
em relativa harmonia com os romanos, mantendo mesmo relações comerciais junto às linhas de
fronteira.

As invasões bárbaras que entretanto se verificaram a partir do século V e que provocaram a


desagregação do Império Romano do Ocidente, ficaram a dever-se:

à procura de solos férteis e riquezas;

ao clima mais acolhedor a sul;

à pressão exercida pelos Hunos, provenientes do Oriente que “ empurrou “ os povos bárbaros para
dentro das fronteiras do Império Romano.

Durante este processo de invasão e formação dos reinos bárbaros, assistiu-se à “ barbarização “ das
populações romanas, mas também à “ romanização “ dos bárbaros. De facto, se por um lado,
prevaleceram as estruturas económicas germânicas, assentes na agricultura, por outro lado, foram
assimilados alguns aspetos da organização política romana ( por exemplo, o regime monárquico ) e da
cultura latina: muitos destes povos bárbaros adotaram o latim como língua oficial, converteram-se ao
Cristianismo e aceitaram a autoridade da Igreja Cristã centrada no Papa, em Roma.

Com a rutura da antiga unidade romana e perante a diversidade cultural destes povos ( com distintas
leis, costumes, tradições e práticas religiosas ), a Igreja Cristã tornou-se a única instituição universal
europeia, desempenhando um papel fundamental na unificação política, económica, social e cultural da
Europa. Entre os séculos IV e X, a Cristandade ( ou Christianitas ) converte-se numa vasta comunidade de
povos vinculados à fé cristã, integrando mesmo os territórios germânicos e eslavos, jamais conquistados
por Roma.

Uma das razões que facilitou a aceitação e a rápida expansão do Cristianismo foi o estado de angústia e
desamparo sentido pelas populações. Na verdade, o pensamento cristão continha nos seus fundamentos
a aspiração do Homem a uma nova pureza espiritual e a fusão de duas tendências opostas: a Humanista,
resultante da cultura helenística, desenvolvendo o fascínio pela forma, a imagem visível do espírito; e a
tendência dualista, proveniente dos cultos orientais, opondo o bem e o mal e pregando a ascese
( meditação e devoção religiosa ) e o despreendimento do mundo terreno, sendo a “ matéria “ e a “
carne “ encaradas como lugar de pecado, decadência e degradação do espírito.

O Cristianismo conciliava estas duas tendências, pois não só o humanismo helénico se revia numa nova
expressão da fé no Homem, como também a espiritualidade mística do Oriente se encontrava numa
religião onde o reino do espírito prevalece sobre o reino da matéria. O próprio Cristo é o símbolo da
reconciliação dos opostos e das diferenças, uma vez que Deus encarnou em forma humana, na figura do
seu filho.

Os reinos bárbaros no início do século VI


Para os romanos, os “ bárbaros “ eram povos estrangeiros que viviam fora das fronteiras do Império
romano e que não dominavam a cultura romana.

Os principais povos bárbaros invasores eram os:

Anglos e Saxões, originários da Alemanha e que ocuparam as ilhas britânicas;

Francos, provenientes do norte da Europa, que fundaram o Reino Franco ( território


correspondente à atual França );

Lombardos, povo germânico que ocupou a região norte da Península Itálica no século VI;

Visigodos, provenientes do leste europeu, instalaram-se no sul da Gália ( atual França ) e na Península
Ibérica;

Suevos, provenientes da atual Alemanha, ocuparam as regiões atuais da Galiza e do Minho;

Vândalos, oriundos da região da Germânia Oriental, ocuparam o território do norte de África;

Burgúndios, de origem eslava, instalaram-se no centro da Gália;

Alamanos, provenientes da Germânia Ocidental, fixaram-se no atual território da Alemanha.

Santo Agostinho e a Cidade de Deus

Quando, no século V, Santo Agostinho escreveu a sua obra “ De Civitas Dei ( A Cidade de Deus ), a cidade
dos homens já não era a “ expressão da razão “ ou o “ espaço de afirmação espiritual “ do homem no
mundo, criado pelo classicismo. A partir deste período, só Jerusalém- a cidade de Deus, celestial- podia
traduzir a promessa de uma vida perfeita e eterna, para além da morte.

O Deus dos cristãos já não era apenas o Cristo Redentor dos Judeus, mas sim o de todos os homens
dispostos a redimirem-se da culpa coletiva que era o “ pecado original “.

Santo Agostinho, bispo de Hipona ( cidade romana situada no norte de África ) contribuiu para a
construção do dogma cristão. Tentou conciliar a fé com a razão, em que a cultura pagã se mistura com o
espírito cristão.
A essência do Cristianismo residia na mensagem de salvação dirigida a todos os desamparados. Para
salvar-se, o cristão devia aceitar a sua infelicidade, como sacrifício reparador das suas culpas.

Dogma- crença ou doutrina de uma religião ou ideologia, considerada fundamental, não podendo
portanto, ser posta em causa.

1.3. A geografia monástica da Europa

A palavra “ monaquismo “ resulta da palavra grega “ moncos “, significando aquele que está só.

O monaquismo é uma forma de vida cristã totalmente consagrada a Deus no retiro, no silêncio, na
oração, penitência e trabalho.

Durante a Idade Média, o monaquismo foi o principal instrumento de cristianização do mundo rural,
onde vivia a maioria da população, tendo-se afirmado a partir do século IV.

Vivendo em absoluta solidão e em contínua ascese, os monges organizaram-se em comunidades cristãs,


as ordens religiosas, obedecendo a uma “ regra “, seguindo votos de castidade, silêncio e pobreza e
praticando a oração.

A maioria destas comunidades adotou a Regra Beneditina ( Regula Benedicti ), criada por S. Bento de
Núrsia, fundador da Ordem Beneditina, o primeiro a definir um conjunto de normas e regras aplicadas a
todas as fundações monásticas. A Regra Beneditina defendia a ascese, a vida contemplativa, a castidade,
a pobreza, a oração e o trabalho manual, bem como a obrigação de hospedar peregrinos, prestar
assistência aos pobres, promover o ensino.

Até ao século X, a Ordem Beneditina foi a principal referência do monaquismo medieval.

Porém, nesse mesmo século, surge a comunidade beneditina de Cluny ( mosteiro situado na Borgonha,
em França ) que implementou um conjunto de reformas que pretendiam restaurar a primitiva Regra
Beneditina, retomando a pureza litúrgica, regendo-se pelo cumprimento dos ofícios e pela oração,
desvalorizando o trabalho manual, isolando a comunidade monástica do contacto com a sociedade e
consagrando uma vida de total dedicação a Deus.

Estendendo-se por toda a Europa Ocidental, a ordem de Cluny expandiu-se de tal forma que se tornou
no maior centro monástico da Cristandade, protegida por grandes senhores, dotada de terras e riquezas
e constituindo um dos mais importantes centros de poder da Idade Média.

A Ordem de Cluny exerceu grande poder e influência junto dos meios políticos da época e teve um papel
relevante na difusão do românico.

A partir do século XI, uma vaga de renovação espiritual percorreu toda a Europa, tendo acompanhado o
renascimento urbano, o ressurgimento do comércio e o desenvolvimento artístico que então se faziam
sentir.

É neste contexto que Roberto, abade de Molesme, fundou em Citeaux ( também na Borgonha ) a Ordem
de Cister, criticando as riquezas, a ostentação e o poder que Cluny tinha atingido, propondo o retorno ao
recolhimento, à oração, à humildade e à austeridade beneditinas e um maior rigor na vida monástica
centrada no trabalho manual.

Os monges cistercienses dominaram as técnicas agrícolas, desenvolveram o trabalho artesanal e


adquiriram a sua autonomia económica e independência face ao poder político.

A ordem de Cister impôs-se em toda a Europa Ocidental, no século XII, alcançando maior
desenvolvimento com Bernardo de Claraval, o seu principal mentor espiritual, desenvolvimento esse que
também decorreu das doações de bens e terras, feitas por alguns nobres e reis.

Os monges cistercienses dominaram as técnicas agrícolas, desenvolveram o trabalho artesanal e


adquiriram a sua autonomia económica e independência face ao poder político.
Ascese- prática religiosa que assenta na renúncia do prazer, da não satisfação de algumas necessidades
primárias ( jejum ), tendo em vista um aperfeiçoamento espiritual.

2. O mosteiro: a autossuficiência monástica

O monaquismo cristão nasceu no século IV, no Oriente ( Egito, Síria e Ásia Menor ) e rapidamente se
espalhou pelo Mediterrâneo e para o Norte, chegando à Europa Ocidental nos finais do século V.

Surgiu ligado ao desejo de isolamento, de evasão do mundo profano ( fuga mundi ), para uma entrega
direta a Deus, através do ascetismo, ou seja, da meditação e da contemplação. Partindo de atitudes
individuais, rapidamente se formaram grupos de monges, prontos a seguir o modelo de um mestre.
Surgiram assim as primeiras comunidades de monges.

No Ocidente, foi só a partir dos séculos VI e VII que surgiram os primeiros legisladores da vida religiosa
comunitária como S. Bento de Núrsia.

Os regulamentos ou Regra que S. Bento escreveu para os seus monges, em 529, na Abadia de
Montecassino, em Itália, validados pelas hierarquias clericais e políticas da época, serviram de modelo
para a organização da vida religiosa comunitária na maior parte dos mosteiros medievais europeus até
ao século XII e para as ordens militares da mesma época, espalhando-se por toda a Europa.

A maior referência para a organização funcional dos mosteiros foi o plano do Mosteiro de Saint- Grall, na
Suiça.

Segundo a Regra beneditina, o mosteiro era “ uma escola ao serviço do Senhor “, onde os monges
( irmãos ) deviam obedecer a um abade ( pai ). Esta comunidade tinha por princípios básicos a
obediência, a humildade e o silêncio e todos os seus elementos estavam obrigados a um conjunto de
tarefas e deveres, perfeitamente organizados para que a vida no mosteiro decorresse em plena
autonomia em relação ao mundo exterior.

Tal como a oração e a devoção, a Regra valorizava também o trabalho manual como um “ serviço a Deus
“ e assim sendo, os monges deviam entregar-se aos trabalhos mais diversos, tais como o cultivo das
terras, a criação de gado, as oficinas e o trabalho artesanal, o refeitório, a enfermaria, o estudo e cópia
de manuscritos, entre outras atividades que garantiam a plena autossuficiência a toda a comunidade.

Tratando-se de locais de recolhimento, de serviço religioso e de dedicação total a Deus, os mosteiros


passam também a prestar tratamento a mendigos, assistência aos pobres e acolhimento aos peregrinos,
bem como a hospedar reis, nobres e entidades do clero que se encontravam de visita ou a viajar pelo
reino.

Seguindo o ideal ascético da fuga mundi, os mosteiros medievais localizavam-se preferencialmente em


zonas isoladas ( montanhas, vales e clareiras das florestas ), mas outros havia no centro das cidades,
fechados ao exterior por muralhas e portas.

Adquirindo forte poder e influência política, as ordens monásticas passam a receber doações da parte
dos senhores feudais, em terras e edifícios, como forma de se penitenciarem dos pecados e garantirem
um “ lugar no céu “, o mesmo acontecendo com o povo, cujas contribuições resultavam do seu trabalho.
Assim, os mosteiros converteram-se em influentes centros de poder político e económico, graças ao
domínio das regiões que estavam sob a sua soberania, mas também em centros dinamizadores da
economia ( difusores de técnicas agrícolas, incentivadores das atividades comercial e artesanal ) e ainda
em importantes centros culturais e artísticos, desenvolvendo nas suas bibliotecas o estudo das artes,
letras e ciências, a produção de manuscritos nos seus scriptoria, exercendo assim um importante papel
civilizacional.

3. Os guardiães do saber. O poder da escrita.

Com a queda de Roma e a ocupação do Império Romano do Ocidente pelo povos bárbaros, a cultura
clássica fundada em escolas, bibliotecas, academias, entrou em decadência, vindo a desaparecer entre
os séculos V e VIII. Vivia-se então, tempos de instabilidade política, agitação social, guerras e lutas pelo
poder e pela posse de territórios que contribuíram para o gradual declínio da vida económica, para o
desaparecimento do poder central e para o empobrecimento cultural. As pilhagens e devastações das
cidades pelos bárbaros obrigaram as populações a fugirem para o campo, fundando-se assim uma
economia agrária e uma sociedade rural, acompanhadas por uma degradação da qualidade de vida das
pessoas.

Neste cenário negro, em que a maioria da população é analfabeta, vai prevalecer a classe eclesiástica.
Monges, bispos, arcebispos, cardeais e clérigos em geral, formam a partir de agora, uma classe
privilegiada na sociedade feudal, cujo poder e prestígio resultam do facto de saber ler e escrever, pois
tinham de saber ler e interpretar a Bíblia, as Sagradas escrituras, os Evangelhos e outros textos sagrados.
Tirando partido desta exclusividade no acesso ao saber e ao conhecimento, a Igreja Cristã converte-se na
mais importante autoridade junto das populações e da nobreza e os mosteiros transformam-se em
verdadeiros centros culturais, autênticos guardiães do saber. Durante a Idade Média, os mosteiros são os
únicos centros difusores de valores, de costumes, de moral e de cultura, detendo o monopólio do ensino
e de instrução, adaptando a educação aos interesses da Igreja Cristã.

Nos mosteiros criam-se bibliotecas, onde se depositam os livros sagrados, formam-se escolas onde se
ensina o latim e se estudam os textos sagrados e fundam-se os scriptoria, oficinas onde os monges
copistas escrevem e copiam manuscritos e iluminuras. A cópia de manuscritos, a pintura de iluminuras
ou o estudo de textos sagrados eram tarefas reservadas aos mais instruídos e habilitados. Esta era a área
do mosteiro dedicada ao trabalho intelectual e ao desenvolvimento do pensamento cristão. O trabalho
desenvolvido no scriptorium teve um papel determinante na difusão do Evangelho, da doutrina cristã e
da cultura latina.

Os mosteiros e a classe eclesiástica assentam o seu poder no saber, estabelecendo entre si uma rede
geográfica de transmissão de conhecimentos e de troca de experiências, influenciando-se mutuamente e
criando uma unidade civilizacional e cultural em toda a Europa.

As heranças greco-latinas e muçulmanas: cristianizar as heranças

O responsável pelo grande desenvolvimento cultural e artístico desta época foi Carlos Magno, primeiro
imperador cristão do Sacro Império Romano- Germânico entre 800 e 814.

A partir da capital Aquisgrano, Carlos Magno desenvolveu um vasto programa de dinamização das artes
e das letras, que ficou conhecido por “ Renascimento Carolíngio “ :

fomentou a criação de escolas nos mosteiros, conventos e abadias, com o propósito de melhorar a
formação dos clérigos;

promoveu a alfabetização dos funcionários da administração do Império;

fundou, junto do seu palácio, a Escola Palatina que serviu de modelo a outras escolas que, entretanto se
formaram.

Para integrar a Escola Palatina, Carlos Magno convidou os mais ilustres sábios e homens cultos, entre os
quais o monge inglês beneditino Alcuíno York que delineou o plano de estudos e os respetivos
programas desta escola. A partir de então, as restantes escolas passam a ser regidas pelo ensino das sete
artes liberais, divididas

Em dois grupos: o trivium ( lógica, gramática e retórica ); e o quadrivium ( aritmética, geometria,


astronomia e música ).

Recorrendo ao estudo de autores clássicos ( Platão, Aristóteles, Cícero, Horácio ou Virgílio ), a Escola
Palatina estabelece a fusão entre a cultura latino-mediterrânica com a tradição céltico-germânica e com
o pensamento cristão, “ cristianizando-se “ assim as heranças greco-latinas.

O estudo dos autores clássicos, interpretados segundo o pensamento cristão, foi enriquecido pela
influência muçulmana introduzida na Escola Palatina por Teodulfo, um monge espanhol próximo da
cultura moçárabe.

4. O poder da escrita: scriptorium, livraria e chancelarias

Numa sociedade rural, em que o povo e grande parte da nobreza eram iletrados, o domínio da escrita e
da leitura dava aos eclesiásticos um prestígio, uma autoridade e um poder especial sobre a sociedade.
Ao facultar o acesso ao conhecimento, a escrita e a cultura convertem-se num ” poder “, restrito a esta
elite clerical, facto que concorreu para o seu reconhecimento junto das esferas do poder. Monges,
bispos, cardeais e clérigos são solicitados para representações do poder político e para nomeações de
cargos públicos.

As chancelarias régias eram uma das funções mais importantes que o clero desempenhava na Idade
Média. Cabia ao chanceler a redação, validação e expedição de todos os atos reais. Daí o poder e
influência que este exercia junto do rei e a proximidade da Igreja relativamente aos lugares do poder.

Os mosteiros são, portanto, centros de poder, poder esse que decorre do domínio do saber e do
conhecimento inscritos em livros. Assim sendo, as bibliotecas convertem-se em autênticos “ guardiães
do saber “, aumentando o prestígio do mosteiro em função da quantidade e da qualidade das obras que
conserva. Junto às bibliotecas, existiam os scriptoria “ oficinas de escrita “, destinados à cópia,
transcrição de livros e execução de iluminuras e ilustração dos textos manuscritos.

Os mosteiros tinham a sua própria coleção de cópias da Bíblia, de Salmos, de Missais e outros textos
para consumo da própria comunidade. Também possuíam livros para o estudo religioso e para a
instrução moral, bem como livros das vidas dos santos e de comentários sobre os textos bíblicos.

A produção de miniaturas e de livros iluminados estava reservada aqueles monges que detinham mais
criatividade, técnica e talento artístico.

A iluminura: uma outra forma de escrita

A imagem era, na Idade Média, um meio importante de difusão e de explicação da doutrina cristã. “ A
imagem é a escrita dos iletrados “- Papa Gregório I.

As iluminuras ilustravam os manuscritos medievais, tornando o texto “ legível “.

Estas pinturas podiam ocupar páginas inteiras, com cenas narrativas ou descritivas retiradas dos textos
que ilustravam, ou reduziam-se à decoração das letras iniciais dos capítulos ou parágrafos.

As técnicas utilizadas revelam uma grande destreza de execução e imaginação, que se traduz na
variedade dos temas representados, na riqueza cromática e na dinâmica das composições.

Os miniaturistas ou iluminadores eram monges que trabalhavam nos scriptoria dos mosteiros. Ambos
transcreviam sobre pergaminho ou pele de vitela os diversos tipos de textos litúrgicos: as bíblias, os
evangeliários e os sacramentários, que eram livros com todas as orações destinadas a serem rezadas na
missa; os saltérios que eram compilações dos salmos; e os livros de horas, nos quais se recolhiam as
orações apropriadas para cada hora do dia.

Apesar de serem especificamente habilitados para esta tarefa delicada, o trabalho dos copistas ou
miniaturistas não era mais reconhecido do que qualquer outra atividade quotidiana.
Biografia

O cristão S. Bernardo ( 1090-1153 ). Um monge no mosteiro

Bernardo de Claraval foi o maior impulsionador da Ordem de Cister e uma das personalidades mais
importantes da história da Igreja Cristã.

Nascido na região da Borgonha ( França ) no seio de uma família nobre, entrou para a Abadia de Cister
( 1112 ) e três anos depois fundou a Abadia de Claraval, a partir do qual foram fundados muitos
mosteiros em toda a Europa Ocidental.

Enquanto abade de Claraval, S. Bernardo aprofundou a renovação espiritual cisterciense, reprovando o


desvio dos monges de Cluny em relação à Regra original de S. Bento, criticando-lhes a ostentação, as
riquezas e o apreço pelos prazeres terrenos, nomeadamente a forma como cultivavam a iconografia
patente nos frescos, nos tímpanos, nos capitéis, etc.

S. Bernardo pretendia fazer renascer a pureza monástica original, assente na penitência, oração, silêncio
e trabalho. Assim, atualizou a antiga condenação das aparências do mundo defendida por S. Bento.

Nos mosteiros e abadias cistercienses está presente uma sobriedade extrema e a exclusão de todo o
supérfluo decorativo ou opulência arquitetónica. Defendendo a austeridade, S. Bernardo baniu as
imagens e todas as decorações da arquitetura das abadias e mosteiros, defendendo uma arte quase
iconoclasta. A proibição do uso da cor significou o desaparecimento dos frescos das paredes, da mesma
forma que o predomínio da pedra à vista em paredes, pavimentos, portais e janelas contribuiu para o
pretendido ambiente de despojamento, integridade e severidade próprios da Ordem Cisterciense.

Para além de deter uma vasta obra dispersa por cartas, sermões e obras sobre moral e teologia, S.
Bernardo foi um grande orador, frequentou concílios, percorreu grande parte da Europa, exercendo um
papel importante na história do seu tempo.
Pensa-se que terá visitado Portugal por altura da fundação do Convento de S. João de Tarouca, primeiro
mosteiro cisterciense do nosso país. Esta comunidade registou um assinalável desenvolvimento no nosso
país que culminou com a fundação do Mosteiro de Alcobaça, um dos maiores da Europa.

S. Bernardo foi o autor da regra para a Ordem dos Cavaleiros Templários, apoiou o Papa Inocêncio II
contra o antipapa Anacleto II e pregou a Segunda Cruzada à Terra Santa, entre outras ações.

S. Bernardo foi o exemplo de uma vida consagrada à penitência, à ascese mística, ao despreendimento
dos bens materiais e a uma total dedicação a Deus. Morreu em Claraval, foi canonizado e declarado
Doutor da Igreja.

Acontecimento

A coroação de Carlos Magno ( 800 ).O modelo do imperador cristão.

Carlos Magno , rei dos Francos entre 768 e 814, foi uma figura determinante no desenvolvimento da
civilização medieval da Europa Ocidental.

Após subir ao poder, unificou todo o reino, efetuou várias campanhas militares, conquistando a maior
parte do antigo Império Romano, anexando também novos territórios.

Durante o seu governo, a Europa Ocidental adquiriu estabilidade, ordem e algum desenvolvimento
económico, pela primeira vez desde as invasões bárbaras e a criação de pequenos reinos bárbaros. A sua
mais longa guerra ( durou 30 anos ) decorreu contra os Saxões que submeteu ao Cristianismo. Mas foi
quando derrotou os Lombardos ( povo germânico que dominava a Itália ) que Carlos Magno obteve a
simpatia da Igreja Católica romana, conseguindo que o Papa Leão X o coroasse Imperador,
simbolicamente no dia de Natal de 800.
Esta coroação teve um significado político, histórico e cultural muito importante

uma vez que:

reconhecia o Imperador como a suprema autoridade sobre todo o mundo cristão, sendo, no entanto, um
poder reconhecido pelo Papa, máximo pontífice romano;

instituía Carlos Magno e os seus sucessores como legítimos herdeiros dos imperadores romanos;

restaurava o Império Romano do Ocidente;

unificava todo o Ocidente sob um mesmo poder temporal ( dos reis francos ) e um mesmo poder
espiritual ( dos Papas de Roma ).

Graças às suas vastas conquistas, Carlos Magno ressuscitou a ideia de um novo Império Romano, agora
de carácter cristão e ocidental, que designou de Sacro Império Romano- Germânico. Assim, reforçou a
autoridade da Igreja em toda a Cristandade Ocidental, como também conseguiu desafiar o poder da
Igreja Bizantina Ortodoxa.

A partir de Aquisgrano, cidade situada no “ coração “ do antigo reino franco e que passou a ser o centro
cultural e artístico da Europa, Carlos Magno:

ordenou a construção de obras de grandes dimensões ( residências reais, catedrais e mosteiros


beneditinos );

criou a Escola Palatina, instalada no palácio do Imperador, estimulando o interesse pela educação,
filosofia, literatura e conferindo à Europa Ocidental uma cultura unificada.

O seu império uniu, pela primeira vez desde a queda do Império Romano, grande parte da Europa
Ocidental e Central sob uma identidade cultural comum e correspondeu a um período de
desenvolvimento das artes e da cultura que ficou conhecido por “ Renascimento Carolíngio “.

O “ Renascimento Carolíngio “ tratou-se de um esforço bem conseguido para unir a tradição céltico-
germânica com a cultura latino-mediterrânica. As fundações monásticas beneditinas que apoiou
constituíram importantes centros de atividade cultural e artística, principalmente na execução de
manuscritos e iluminuras, importantes na difusão do Evangelho e da cultura latina.
As artes medievais dos séculos V a XII

🡪A Europa foi-se construindo e definindo entre os séculos V e XV e foi então que se desenvolveu uma
arte propriamente europeia. Porém, não consideramos essas formas de arte com o mesmo olhar que
aqueles que primeiro as viram. Para nós, são obras de arte; para eles, estes monumentos, estes objetos,
estas imagens eram fundamentalmente formas funcionais: serviam, desempenhavam três funções
principais:

a maioria eram presentes oferecidos a Deus para o louvar, dar-lhe graças, para obter em contrapartida o
seu perdão e os seus favores;

estes monumentos, objetos e imagens serviam também de mediadores, favorecendo a comunicação


com o outro mundo; estavam ali para tornar o ritual das liturgias numa correspondência mais estreita
com a perfeição do Além, para guiar a meditação dos devotos;

finalmente ( e esta terceira função ligava-se com a primeira ), a obra de arte era uma afirmação do
poder. Celebrava o poder de Deus, dos seus servidores, dos chefes de guerra, dos ricos. Por isso, a
criação artística, nessa época como em todos os tempos, desenvolvia-se nos lugares onde se
concentrava o poder.

A formação da arquitetura cristã.

Dos primórdios da arquitetura cristã ao pré-românico.

A importância da matriz antiga

🡪Após a queda do Império Romano e pelo menos até ao século X, as artes europeias refletiram as
consequências da regressão material, técnica e cultural que atingiu o Ocidente nesse período, da
descentralização político-militar e social e da barbarização dos modos de vida das novas classes
dirigentes- as aristocracias guerreiras de origem germânica. Por isso, as características romano-
helenísticas da arte do Baixo Império foram-se adulterando, sobretudo pela introdução de novas
características estilísticas e estéticas provenientes dos gostos e tradições dos vários povos invasores
( germanos, muçulmanos, normandos e eslavos ), gerando grande diversidade regional.
🡪 Porém, esta diversidade foi essencialmente de carácter técnico-artístico, tendo maior expressão nas
artes decorativas, já que nas artes ditas “ maiores “ a influência do cristianismo foi impondo, à medida
que se expandia, uma crescente uniformização dos modelos e dos temas, na iconografia e na
expressividade.

🡪 Quando o estilo românico desperta, entre os séculos IX e XI, reflete ainda essa multiplicidade de
influências que, partindo da matriz antiga ( a herança clássica ),nele se harmonizam num todo coerente.

A arquitetura paleocristã

🡪 Dá-se o nome de arte paleocristã às expressões artísticas dos primeiros cristãos que decorreram
fundamentalmente entre o ano 200 e o século VI, sobretudo no Ocidente do Império Romano, que
corresponde ao período de expansão do cristianismo, antes e depois da sua liberalização com o Édito de
Constantino ( 313 ), muito embora se tenham estendido até à cisão política e religiosa entre a Igreja
Católica e a Igreja Ortodoxa ( 1054 ).

🡪 Este período coincide com o da arte bizantina que se desenvolveu sobretudo na parte oriental do
Império e que teve a sua idade de ouro na época de Justiniano, entre 527 e 565.

🡪 Estas manifestações artísticas abrangeram uma vasta área geográfica ( do Próximo Oriente assírio ao
Ocidente europeu ) e apresentaram grande diversidade regional. Apesar disso, ostentam alguns traços
estruturais comuns:

o uso dos modelos estilísticos da Roma clássica;

a assimilação de novos processos técnicos, formais e estéticos oriundos do Oriente;

a subordinação ao espírito e temáticas do cristianisMódulo 3 – A Cultura do Mosteiro

A imagem que hoje temos da Idade Média foi-nos transmitida quase exclusivamente pelo clero, e dentro
deste, principalmente pelos monges. Foi a Igreja Cristã que, pelo preponderante papel político e
espiritual que exerceu, forneceu o modelo civilizacional que marcou o modo de vida medieval.

Os mosteiros- as “ cidades de Deus “- ofereciam aos homens de então o exemplo de um mundo


autossuficiente e perfeitamente regulado em todos os seus aspetos: um centro de oração, de trabalho
( nos campos e nas oficinas ) e de cultura, onde imperava a ordem ( lei ) de Deus.

Num tempo de obscurantismo e violência, foi aí que se preservou a cultura clássica para os séculos
vindouros.

1. Os espaços do Cristianismo

A transformação do mundo romano

Aos muitos e distintos povos que viviam dentro dos limites do Império Romano, exigia-se uma unidade
administrativa e fiscal, tolerando-se em contrapartida, as diferenças culturais, ideológicas e religiosas de
cada comunidade conquistada. Civilizações e culturas tão díspares como a céltica, a helénica ou a persa
foram assimiladas e adquiriram novas expressões.

A partir da pax romana de Augusto, a livre circulação de pessoas e mercadorias favoreceu as trocas de
valores, ideias e costumes entre culturas distintas, e sobretudo, contribuiu para a expansão para
Ocidente de certas místicas e mistéricas orientais. Foi com alguma naturalidade que os romanos,
insatisfeitos com a crise económica e política e com o vazio religioso vivido em Roma, acolheram esses
cultos orientais que contribuíram para a mudança cultural que se operou.

1.1. Da reorganização cristã da Europa ao crescimento e afirmação urbanos ( séculos IX a XII ). ( O tempo
e o espaço )

A queda do Império Romano que transformou um império pagão num império cristão arrastou-se por
mais de um século. Quando o Imperador Constantino subiu ao poder em 305, o Império Romano estava
bastante fragilizado pelas guerras, lutas políticas e intrigas internas. A divisão do império em 395 em
Império do Ocidente e Império do Oriente, com o propósito de reorganizar o estado, foi uma das razões
da sua desagregação.

Após a invasão da Itália em 312, Constantino prosseguiu a sua luta contra os césares orientais
insubmissos, até restabelecer a unidade do Império em 324. Porém, já antes tinha tomado duas decisões
que concorreram para o colapso gradual do Império e que alteraram a história da cultura e da arte
ocidental:

a oficialização do Cristianismo no Édito de Milão ( 313 ), reconhecendo a importância desta


religião como fator de aglutinação cultural;

a transferência da capital do Império para Bizâncio ( atual Istambul ), em 323, que passou a designar-
se por Constantinopla, numa região de grande implantação cristã.

Porém, quando Constantino transferiu o centro do poder imperial para Constantinopla, o Império
Romano já se estava a desfazer. A crescente crise económica e política que se abateu sobre o Império
gerou um clima de insegurança, instabilidade e perda de confiança dos cidadãos na capacidade do
Estado para os defender. As populações abandonaram as cidades e partiram, para os campos, em busca
de meios de subsistência, mas também para fugirem dos bárbaros que penetravam no território
romano, causando grande destruição e devastação.

A razão que levou Constantino a converter-se e a legalizar o Cristianismo

deveu-se à sua forte implantação entre os soldados e entre os funcionários da administração imperial,
mas também porque Constantino estava convicto que esta medida seria a estratégia adequada para unir
um Império destroçado.

Mas estas medidas não foram suficientes para impedir a tomada e a destruição de Roma pelos povos
bárbaros em 410, nem a queda do Império do Ocidente, em 476, acontecimento que assinala o início da
Idade Média. Enquanto aqui na Europa Ocidental se formaram diversos reinos bárbaros cristãos, a
Oriente formou-se o Império Bizantino que se converteu no primeiro Império Cristão, um estado de raiz
teocrática, em que o Imperador se considerava o representante de Deus na Terra.

O facto dos bárbaros já se encontrarem romanizados e cristianizados , falando o latim, contribuiu para a
fusão entre as duas culturas: a romana, em decadência e a bárbara- germânica em ascensão.

Porém, este período de transição de uma “ cultura clássica “ para uma “ cultura cristã “ foi muito
conturbado e trouxe alterações profundas na estrutura da sociedade europeia.
Os sucessivos ataques e pilhagens dos povos germânicos aos centros urbanos onde se encontravam as
riquezas, criaram um clima de instabilidade, medo e insegurança que provocou a desorganização da
administração pública, fazendo desaparecer as velhas instituições herdadas dos Romanos, o que
contribuiu para o enfraquecimento do poder central do ex Império, fragmentando o poder político em
múltiplos poderes locais, arbitrários e em constante agitação. Assistiu-se igualmente a uma progressiva
degradação da economia de mercado. Até ao século X e após novas guerras e invasões ( dos
muçulmanos, normandos, eslavos e magiares ), consolidou-se uma economia agrária, de subsistência, na
qual a moeda chegou a rarear, registou-se uma profunda depressão demográfica, acentuou-se a
ruralização da sociedade e a cultura passou a ser dominada pela fé cristã. Formaram-se sociedades
dominadas pela aliança entre o poder temporal, partilhado entre chefes bárbaros e latifundiários
romanos e o poder espiritual, presidido pelo Papa e pelos clérigos cristãos.

Este período complexo, marcado pela precariedade da subsistência, pelo crescente barbarismo dos
costumes, pela ruralização da vida económica e cultural e por uma permanente instabilidade e
insegurança, explica a instalação, a partir dos séculos X e XI, do feudalismo, com a formação de uma
sociedade rural e rude, grosseira e cavaleiresca.

Nesta Europa enfraquecida, violenta e dividida em reinos feudais, apenas o cristianismo cresceu como
força aglutinadora e ordenadora. Inicialmente perseguida e clandestina, a religião cristã teve, a partir do
século IV, grande expansão, tornando-se a religião oficial e única do Império Romano ( Concílio de
Constantinopla de 381, no tempo do Imperador Teodósio ), com o qual partilhava os objetivos de
universalidade, pacifismo e centralização.

Aproveitando as antigas estruturas administrativas romanas, os bispos cristãos fundaram mosteiros, a


partir das quais congregaram e organizaram as comunidades de fiéis e promoveram uma intensa
campanha de batismo e cristianização dos povos bárbaros recém-chegados ao Império. Gradualmente, a
Igreja Cristã converteu-se na mais importante autoridade atuante junto das populações, exercendo um
papel civilizacional e cultural que ultrapassou a simples ação evangelizadora e doutrinária. Na verdade,
para além das obrigações religiosas e litúrgicas, durante a Idade Média os mosteiros foram os centros
difusores de costumes, de valores, de moral e de cultura, contribuindo igualmente para o
desenvolvimento das artes e das letras.

A partir do ano 1000 ( início do século XI ) este quadro depressivo inverteu-se. As vagas invasoras
terminaram e as guerras privadas, de carácter feudal, abrandaram. O regresso à paz permitiu maior
estabilidade e segurança. A melhoria climática favoreceu o desenvolvimento das práticas agrícolas ( com
novas técnicas e novos utensílios ), o que fez nascer a a agricultura excedentária que contribuiu para a
revitalização do comércio e para um progressivo aumento demográfico.

O renascimento do comércio acarretou consigo o desenvolvimento das cidades. No século XII, as cidades
medievais, os burgos, eram já o símbolo de uma Europa a renascer.
Este clima de expansão foi aproveitado pela Igreja que mandou construir ou reconstruir igrejas e
mosteiros, incentivou as peregrinações aos lugares sagrados e organizou as cruzadas ( importantes
movimentos religiosos e militares destinados a libertar os lugares sagrados da Terra Santa do jugo do
islamismo ) que contribuíram para aproximar a Europa do mundo oriental e do Norte de África.

A fé dos primeiros tempos do cristianismo deu origem, no Ocidente, ao movimento religioso


denominado monaquismo que se expandiu a partir do Oriente e, em poucos séculos, se tornou
realidade em toda a Europa.

Foi neste ambiente de reabertura económica e de renovação cultural que surgiu o primeiro movimento
artístico da Idade Média, o românico.

1.2. A Europa dos reinos cristãos- a Christianitas.

Os povos bárbaros que formaram os primeiros reinos cristãos na Europa eram de origem germânica e
habitavam as regiões norte e nordeste da Europa e noroeste da Ásia. Até ao século V estes povos viviam
em relativa harmonia com os romanos, mantendo mesmo relações comerciais junto às linhas de
fronteira.

As invasões bárbaras que entretanto se verificaram a partir do século V e que provocaram a


desagregação do Império Romano do Ocidente, ficaram a dever-se:

à procura de solos férteis e riquezas;

ao clima mais acolhedor a sul;

à pressão exercida pelos Hunos, provenientes do Oriente que “ empurrou “ os povos bárbaros para
dentro das fronteiras do Império Romano.

Durante este processo de invasão e formação dos reinos bárbaros, assistiu-se à “ barbarização “ das
populações romanas, mas também à “ romanização “ dos bárbaros. De facto, se por um lado,
prevaleceram as estruturas económicas germânicas, assentes na agricultura, por outro lado, foram
assimilados alguns aspetos da organização política romana ( por exemplo, o regime monárquico ) e da
cultura latina: muitos destes povos bárbaros adotaram o latim como língua oficial, converteram-se ao
Cristianismo e aceitaram a autoridade da Igreja Cristã centrada no Papa, em Roma.
Com a rutura da antiga unidade romana e perante a diversidade cultural destes povos ( com distintas
leis, costumes, tradições e práticas religiosas ), a Igreja Cristã tornou-se a única instituição universal
europeia, desempenhando um papel fundamental na unificação política, económica, social e cultural da
Europa. Entre os séculos IV e X, a Cristandade ( ou Christianitas ) converte-se numa vasta comunidade de
povos vinculados à fé cristã, integrando mesmo os territórios germânicos e eslavos, jamais conquistados
por Roma.

Uma das razões que facilitou a aceitação e a rápida expansão do Cristianismo foi o estado de angústia e
desamparo sentido pelas populações. Na verdade, o pensamento cristão continha nos seus fundamentos
a aspiração do Homem a uma nova pureza espiritual e a fusão de duas tendências opostas: a Humanista,
resultante da cultura helenística, desenvolvendo o fascínio pela forma, a imagem visível do espírito; e a
tendência dualista, proveniente dos cultos orientais, opondo o bem e o mal e pregando a ascese
( meditação e devoção religiosa ) e o despreendimento do mundo terreno, sendo a “ matéria “ e a “
carne “ encaradas como lugar de pecado, decadência e degradação do espírito.

O Cristianismo conciliava estas duas tendências, pois não só o humanismo helénico se revia numa nova
expressão da fé no Homem, como também a espiritualidade mística do Oriente se encontrava numa
religião onde o reino do espírito prevalece sobre o reino da matéria. O próprio Cristo é o símbolo da
reconciliação dos opostos e das diferenças, uma vez que Deus encarnou em forma humana, na figura do
seu filho.

Os reinos bárbaros no início do século VI

Para os romanos, os “ bárbaros “ eram povos estrangeiros que viviam fora das fronteiras do Império
romano e que não dominavam a cultura romana.
Os principais povos bárbaros invasores eram os:

Anglos e Saxões, originários da Alemanha e que ocuparam as ilhas britânicas;

Francos, provenientes do norte da Europa, que fundaram o Reino Franco ( território


correspondente à atual França );

Lombardos, povo germânico que ocupou a região norte da Península Itálica no século VI;

Visigodos, provenientes do leste europeu, instalaram-se no sul da Gália ( atual França ) e na Península
Ibérica;

Suevos, provenientes da atual Alemanha, ocuparam as regiões atuais da Galiza e do Minho;

Vândalos, oriundos da região da Germânia Oriental, ocuparam o território do norte de África;

Burgúndios, de origem eslava, instalaram-se no centro da Gália;

Alamanos, provenientes da Germânia Ocidental, fixaram-se no atual território da Alemanha.

Santo Agostinho e a Cidade de Deus

Quando, no século V, Santo Agostinho escreveu a sua obra “ De Civitas Dei ( A Cidade de Deus ), a cidade
dos homens já não era a “ expressão da razão “ ou o “ espaço de afirmação espiritual “ do homem no
mundo, criado pelo classicismo. A partir deste período, só Jerusalém- a cidade de Deus, celestial- podia
traduzir a promessa de uma vida perfeita e eterna, para além da morte.

O Deus dos cristãos já não era apenas o Cristo Redentor dos Judeus, mas sim o de todos os homens
dispostos a redimirem-se da culpa coletiva que era o “ pecado original “.

Santo Agostinho, bispo de Hipona ( cidade romana situada no norte de África ) contribuiu para a
construção do dogma cristão. Tentou conciliar a fé com a razão, em que a cultura pagã se mistura com o
espírito cristão.

A essência do Cristianismo residia na mensagem de salvação dirigida a todos os desamparados. Para


salvar-se, o cristão devia aceitar a sua infelicidade, como sacrifício reparador das suas culpas.
Dogma- crença ou doutrina de uma religião ou ideologia, considerada fundamental, não podendo
portanto, ser posta em causa.

1.3. A geografia monástica da Europa

A palavra “ monaquismo “ resulta da palavra grega “ moncos “, significando aquele que está só.

O monaquismo é uma forma de vida cristã totalmente consagrada a Deus no retiro, no silêncio, na
oração, penitência e trabalho.

Durante a Idade Média, o monaquismo foi o principal instrumento de cristianização do mundo rural,
onde vivia a maioria da população, tendo-se afirmado a partir do século IV.

Vivendo em absoluta solidão e em contínua ascese, os monges organizaram-se em comunidades cristãs,


as ordens religiosas, obedecendo a uma “ regra “, seguindo votos de castidade, silêncio e pobreza e
praticando a oração.

A maioria destas comunidades adotou a Regra Beneditina ( Regula Benedicti ), criada por S. Bento de
Núrsia, fundador da Ordem Beneditina, o primeiro a definir um conjunto de normas e regras aplicadas a
todas as fundações monásticas. A Regra Beneditina defendia a ascese, a vida contemplativa, a castidade,
a pobreza, a oração e o trabalho manual, bem como a obrigação de hospedar peregrinos, prestar
assistência aos pobres, promover o ensino.

Até ao século X, a Ordem Beneditina foi a principal referência do monaquismo medieval.

Porém, nesse mesmo século, surge a comunidade beneditina de Cluny ( mosteiro situado na Borgonha,
em França ) que implementou um conjunto de reformas que pretendiam restaurar a primitiva Regra
Beneditina, retomando a pureza litúrgica, regendo-se pelo cumprimento dos ofícios e pela oração,
desvalorizando o trabalho manual, isolando a comunidade monástica do contacto com a sociedade e
consagrando uma vida de total dedicação a Deus.

Estendendo-se por toda a Europa Ocidental, a ordem de Cluny expandiu-se de tal forma que se tornou
no maior centro monástico da Cristandade, protegida por grandes senhores, dotada de terras e riquezas
e constituindo um dos mais importantes centros de poder da Idade Média.

A Ordem de Cluny exerceu grande poder e influência junto dos meios políticos da época e teve um papel
relevante na difusão do românico.

A partir do século XI, uma vaga de renovação espiritual percorreu toda a Europa, tendo acompanhado o
renascimento urbano, o ressurgimento do comércio e o desenvolvimento artístico que então se faziam
sentir.

É neste contexto que Roberto, abade de Molesme, fundou em Citeaux ( também na Borgonha ) a Ordem
de Cister, criticando as riquezas, a ostentação e o poder que Cluny tinha atingido, propondo o retorno ao
recolhimento, à oração, à humildade e à austeridade beneditinas e um maior rigor na vida monástica
centrada no trabalho manual.

Os monges cistercienses dominaram as técnicas agrícolas, desenvolveram o trabalho artesanal e


adquiriram a sua autonomia económica e independência face ao poder político.

A ordem de Cister impôs-se em toda a Europa Ocidental, no século XII, alcançando maior
desenvolvimento com Bernardo de Claraval, o seu principal mentor espiritual, desenvolvimento esse que
também decorreu das doações de bens e terras, feitas por alguns nobres e reis.

Os monges cistercienses dominaram as técnicas agrícolas, desenvolveram o trabalho artesanal e


adquiriram a sua autonomia económica e independência face ao poder político.

Ascese- prática religiosa que assenta na renúncia do prazer, da não satisfação de algumas necessidades
primárias ( jejum ), tendo em vista um aperfeiçoamento espiritual.
2. O mosteiro: a autossuficiência monástica

O monaquismo cristão nasceu no século IV, no Oriente ( Egito, Síria e Ásia Menor ) e rapidamente se
espalhou pelo Mediterrâneo e para o Norte, chegando à Europa Ocidental nos finais do século V.

Surgiu ligado ao desejo de isolamento, de evasão do mundo profano ( fuga mundi ), para uma entrega
direta a Deus, através do ascetismo, ou seja, da meditação e da contemplação. Partindo de atitudes
individuais, rapidamente se formaram grupos de monges, prontos a seguir o modelo de um mestre.
Surgiram assim as primeiras comunidades de monges.

No Ocidente, foi só a partir dos séculos VI e VII que surgiram os primeiros legisladores da vida religiosa
comunitária como S. Bento de Núrsia.
Os regulamentos ou Regra que S. Bento escreveu para os seus monges, em 529, na Abadia de
Montecassino, em Itália, validados pelas hierarquias clericais e políticas da época, serviram de modelo
para a organização da vida religiosa comunitária na maior parte dos mosteiros medievais europeus até
ao século XII e para as ordens militares da mesma época, espalhando-se por toda a Europa.

A maior referência para a organização funcional dos mosteiros foi o plano do Mosteiro de Saint- Grall, na
Suiça.

Segundo a Regra beneditina, o mosteiro era “ uma escola ao serviço do Senhor “, onde os monges
( irmãos ) deviam obedecer a um abade ( pai ). Esta comunidade tinha por princípios básicos a
obediência, a humildade e o silêncio e todos os seus elementos estavam obrigados a um conjunto de
tarefas e deveres, perfeitamente organizados para que a vida no mosteiro decorresse em plena
autonomia em relação ao mundo exterior.

Tal como a oração e a devoção, a Regra valorizava também o trabalho manual como um “ serviço a Deus
“ e assim sendo, os monges deviam entregar-se aos trabalhos mais diversos, tais como o cultivo das
terras, a criação de gado, as oficinas e o trabalho artesanal, o refeitório, a enfermaria, o estudo e cópia
de manuscritos, entre outras atividades que garantiam a plena autossuficiência a toda a comunidade.

Tratando-se de locais de recolhimento, de serviço religioso e de dedicação total a Deus, os mosteiros


passam também a prestar tratamento a mendigos, assistência aos pobres e acolhimento aos peregrinos,
bem como a hospedar reis, nobres e entidades do clero que se encontravam de visita ou a viajar pelo
reino.

Seguindo o ideal ascético da fuga mundi, os mosteiros medievais localizavam-se preferencialmente em


zonas isoladas ( montanhas, vales e clareiras das florestas ), mas outros havia no centro das cidades,
fechados ao exterior por muralhas e portas.

Adquirindo forte poder e influência política, as ordens monásticas passam a receber doações da parte
dos senhores feudais, em terras e edifícios, como forma de se penitenciarem dos pecados e garantirem
um “ lugar no céu “, o mesmo acontecendo com o povo, cujas contribuições resultavam do seu trabalho.
Assim, os mosteiros converteram-se em influentes centros de poder político e económico, graças ao
domínio das regiões que estavam sob a sua soberania, mas também em centros dinamizadores da
economia ( difusores de técnicas agrícolas, incentivadores das atividades comercial e artesanal ) e ainda
em importantes centros culturais e artísticos, desenvolvendo nas suas bibliotecas o estudo das artes,
letras e ciências, a produção de manuscritos nos seus scriptoria, exercendo assim um importante papel
civilizacional.

3. Os guardiães do saber. O poder da escrita.

Com a queda de Roma e a ocupação do Império Romano do Ocidente pelo povos bárbaros, a cultura
clássica fundada em escolas, bibliotecas, academias, entrou em decadência, vindo a desaparecer entre
os séculos V e VIII. Vivia-se então, tempos de instabilidade política, agitação social, guerras e lutas pelo
poder e pela posse de territórios que contribuíram para o gradual declínio da vida económica, para o
desaparecimento do poder central e para o empobrecimento cultural. As pilhagens e devastações das
cidades pelos bárbaros obrigaram as populações a fugirem para o campo, fundando-se assim uma
economia agrária e uma sociedade rural, acompanhadas por uma degradação da qualidade de vida das
pessoas.

Neste cenário negro, em que a maioria da população é analfabeta, vai prevalecer a classe eclesiástica.
Monges, bispos, arcebispos, cardeais e clérigos em geral, formam a partir de agora, uma classe
privilegiada na sociedade feudal, cujo poder e prestígio resultam do facto de saber ler e escrever, pois
tinham de saber ler e interpretar a Bíblia, as Sagradas escrituras, os Evangelhos e outros textos sagrados.

Tirando partido desta exclusividade no acesso ao saber e ao conhecimento, a Igreja Cristã converte-se na
mais importante autoridade junto das populações e da nobreza e os mosteiros transformam-se em
verdadeiros centros culturais, autênticos guardiães do saber. Durante a Idade Média, os mosteiros são os
únicos centros difusores de valores, de costumes, de moral e de cultura, detendo o monopólio do ensino
e de instrução, adaptando a educação aos interesses da Igreja Cristã.

Nos mosteiros criam-se bibliotecas, onde se depositam os livros sagrados, formam-se escolas onde se
ensina o latim e se estudam os textos sagrados e fundam-se os scriptoria, oficinas onde os monges
copistas escrevem e copiam manuscritos e iluminuras. A cópia de manuscritos, a pintura de iluminuras
ou o estudo de textos sagrados eram tarefas reservadas aos mais instruídos e habilitados. Esta era a área
do mosteiro dedicada ao trabalho intelectual e ao desenvolvimento do pensamento cristão. O trabalho
desenvolvido no scriptorium teve um papel determinante na difusão do Evangelho, da doutrina cristã e
da cultura latina.

Os mosteiros e a classe eclesiástica assentam o seu poder no saber, estabelecendo entre si uma rede
geográfica de transmissão de conhecimentos e de troca de experiências, influenciando-se mutuamente e
criando uma unidade civilizacional e cultural em toda a Europa.

As heranças greco-latinas e muçulmanas: cristianizar as heranças

O responsável pelo grande desenvolvimento cultural e artístico desta época foi Carlos Magno, primeiro
imperador cristão do Sacro Império Romano- Germânico entre 800 e 814.

A partir da capital Aquisgrano, Carlos Magno desenvolveu um vasto programa de dinamização das artes
e das letras, que ficou conhecido por “ Renascimento Carolíngio “ :

fomentou a criação de escolas nos mosteiros, conventos e abadias, com o propósito de melhorar a
formação dos clérigos;

promoveu a alfabetização dos funcionários da administração do Império;

fundou, junto do seu palácio, a Escola Palatina que serviu de modelo a outras escolas que, entretanto se
formaram.

Para integrar a Escola Palatina, Carlos Magno convidou os mais ilustres sábios e homens cultos, entre os
quais o monge inglês beneditino Alcuíno York que delineou o plano de estudos e os respetivos
programas desta escola. A partir de então, as restantes escolas passam a ser regidas pelo ensino das sete
artes liberais, divididas

Em dois grupos: o trivium ( lógica, gramática e retórica ); e o quadrivium ( aritmética, geometria,


astronomia e música ).

Recorrendo ao estudo de autores clássicos ( Platão, Aristóteles, Cícero, Horácio ou Virgílio ), a Escola
Palatina estabelece a fusão entre a cultura latino-mediterrânica com a tradição céltico-germânica e com
o pensamento cristão, “ cristianizando-se “ assim as heranças greco-latinas.

O estudo dos autores clássicos, interpretados segundo o pensamento cristão, foi enriquecido pela
influência muçulmana introduzida na Escola Palatina por Teodulfo, um monge espanhol próximo da
cultura moçárabe.

4. O poder da escrita: scriptorium, livraria e chancelarias

Numa sociedade rural, em que o povo e grande parte da nobreza eram iletrados, o domínio da escrita e
da leitura dava aos eclesiásticos um prestígio, uma autoridade e um poder especial sobre a sociedade.
Ao facultar o acesso ao conhecimento, a escrita e a cultura convertem-se num ” poder “, restrito a esta
elite clerical, facto que concorreu para o seu reconhecimento junto das esferas do poder. Monges,
bispos, cardeais e clérigos são solicitados para representações do poder político e para nomeações de
cargos públicos.

As chancelarias régias eram uma das funções mais importantes que o clero desempenhava na Idade
Média. Cabia ao chanceler a redação, validação e expedição de todos os atos reais. Daí o poder e
influência que este exercia junto do rei e a proximidade da Igreja relativamente aos lugares do poder.

Os mosteiros são, portanto, centros de poder, poder esse que decorre do domínio do saber e do
conhecimento inscritos em livros. Assim sendo, as bibliotecas convertem-se em autênticos “ guardiães
do saber “, aumentando o prestígio do mosteiro em função da quantidade e da qualidade das obras que
conserva. Junto às bibliotecas, existiam os scriptoria “ oficinas de escrita “, destinados à cópia,
transcrição de livros e execução de iluminuras e ilustração dos textos manuscritos.

Os mosteiros tinham a sua própria coleção de cópias da Bíblia, de Salmos, de Missais e outros textos
para consumo da própria comunidade. Também possuíam livros para o estudo religioso e para a
instrução moral, bem como livros das vidas dos santos e de comentários sobre os textos bíblicos.

A produção de miniaturas e de livros iluminados estava reservada aqueles monges que detinham mais
criatividade, técnica e talento artístico.
A iluminura: uma outra forma de escrita

A imagem era, na Idade Média, um meio importante de difusão e de explicação da doutrina cristã. “ A
imagem é a escrita dos iletrados “- Papa Gregório I.

As iluminuras ilustravam os manuscritos medievais, tornando o texto “ legível “.

Estas pinturas podiam ocupar páginas inteiras, com cenas narrativas ou descritivas retiradas dos textos
que ilustravam, ou reduziam-se à decoração das letras iniciais dos capítulos ou parágrafos.

As técnicas utilizadas revelam uma grande destreza de execução e imaginação, que se traduz na
variedade dos temas representados, na riqueza cromática e na dinâmica das composições.

Os miniaturistas ou iluminadores eram monges que trabalhavam nos scriptoria dos mosteiros. Ambos
transcreviam sobre pergaminho ou pele de vitela os diversos tipos de textos litúrgicos: as bíblias, os
evangeliários e os sacramentários, que eram livros com todas as orações destinadas a serem rezadas na
missa; os saltérios que eram compilações dos salmos; e os livros de horas, nos quais se recolhiam as
orações apropriadas para cada hora do dia.

Apesar de serem especificamente habilitados para esta tarefa delicada, o trabalho dos copistas ou
miniaturistas não era mais reconhecido do que qualquer outra atividade quotidiana.
Biografia

O cristão S. Bernardo ( 1090-1153 ). Um monge no mosteiro

Bernardo de Claraval foi o maior impulsionador da Ordem de Cister e uma das personalidades mais
importantes da história da Igreja Cristã.

Nascido na região da Borgonha ( França ) no seio de uma família nobre, entrou para a Abadia de Cister
( 1112 ) e três anos depois fundou a Abadia de Claraval, a partir do qual foram fundados muitos
mosteiros em toda a Europa Ocidental.

Enquanto abade de Claraval, S. Bernardo aprofundou a renovação espiritual cisterciense, reprovando o


desvio dos monges de Cluny em relação à Regra original de S. Bento, criticando-lhes a ostentação, as
riquezas e o apreço pelos prazeres terrenos, nomeadamente a forma como cultivavam a iconografia
patente nos frescos, nos tímpanos, nos capitéis, etc.

S. Bernardo pretendia fazer renascer a pureza monástica original, assente na penitência, oração, silêncio
e trabalho. Assim, atualizou a antiga condenação das aparências do mundo defendida por S. Bento.

Nos mosteiros e abadias cistercienses está presente uma sobriedade extrema e a exclusão de todo o
supérfluo decorativo ou opulência arquitetónica. Defendendo a austeridade, S. Bernardo baniu as
imagens e todas as decorações da arquitetura das abadias e mosteiros, defendendo uma arte quase
iconoclasta. A proibição do uso da cor significou o desaparecimento dos frescos das paredes, da mesma
forma que o predomínio da pedra à vista em paredes, pavimentos, portais e janelas contribuiu para o
pretendido ambiente de despojamento, integridade e severidade próprios da Ordem Cisterciense.

Para além de deter uma vasta obra dispersa por cartas, sermões e obras sobre moral e teologia, S.
Bernardo foi um grande orador, frequentou concílios, percorreu grande parte da Europa, exercendo um
papel importante na história do seu tempo.

Pensa-se que terá visitado Portugal por altura da fundação do Convento de S. João de Tarouca, primeiro
mosteiro cisterciense do nosso país. Esta comunidade registou um assinalável desenvolvimento no nosso
país que culminou com a fundação do Mosteiro de Alcobaça, um dos maiores da Europa.
S. Bernardo foi o autor da regra para a Ordem dos Cavaleiros Templários, apoiou o Papa Inocêncio II
contra o antipapa Anacleto II e pregou a Segunda Cruzada à Terra Santa, entre outras ações.

S. Bernardo foi o exemplo de uma vida consagrada à penitência, à ascese mística, ao despreendimento
dos bens materiais e a uma total dedicação a Deus. Morreu em Claraval, foi canonizado e declarado
Doutor da Igreja.

Acontecimento

A coroação de Carlos Magno ( 800 ).O modelo do imperador cristão.

Carlos Magno , rei dos Francos entre 768 e 814, foi uma figura determinante no desenvolvimento da
civilização medieval da Europa Ocidental.

Após subir ao poder, unificou todo o reino, efetuou várias campanhas militares, conquistando a maior
parte do antigo Império Romano, anexando também novos territórios.

Durante o seu governo, a Europa Ocidental adquiriu estabilidade, ordem e algum desenvolvimento
económico, pela primeira vez desde as invasões bárbaras e a criação de pequenos reinos bárbaros. A sua
mais longa guerra ( durou 30 anos ) decorreu contra os Saxões que submeteu ao Cristianismo. Mas foi
quando derrotou os Lombardos ( povo germânico que dominava a Itália ) que Carlos Magno obteve a
simpatia da Igreja Católica romana, conseguindo que o Papa Leão X o coroasse Imperador,
simbolicamente no dia de Natal de 800.

Esta coroação teve um significado político, histórico e cultural muito importante

uma vez que:

reconhecia o Imperador como a suprema autoridade sobre todo o mundo cristão, sendo, no entanto, um
poder reconhecido pelo Papa, máximo pontífice romano;

instituía Carlos Magno e os seus sucessores como legítimos herdeiros dos imperadores romanos;
restaurava o Império Romano do Ocidente;

unificava todo o Ocidente sob um mesmo poder temporal ( dos reis francos ) e um mesmo poder
espiritual ( dos Papas de Roma ).

Graças às suas vastas conquistas, Carlos Magno ressuscitou a ideia de um novo Império Romano, agora
de carácter cristão e ocidental, que designou de Sacro Império Romano- Germânico. Assim, reforçou a
autoridade da Igreja em toda a Cristandade Ocidental, como também conseguiu desafiar o poder da
Igreja Bizantina Ortodoxa.

A partir de Aquisgrano, cidade situada no “ coração “ do antigo reino franco e que passou a ser o centro
cultural e artístico da Europa, Carlos Magno:

ordenou a construção de obras de grandes dimensões ( residências reais, catedrais e mosteiros


beneditinos );

criou a Escola Palatina, instalada no palácio do Imperador, estimulando o interesse pela educação,
filosofia, literatura e conferindo à Europa Ocidental uma cultura unificada.

O seu império uniu, pela primeira vez desde a queda do Império Romano, grande parte da Europa
Ocidental e Central sob uma identidade cultural comum e correspondeu a um período de
desenvolvimento das artes e da cultura que ficou conhecido por “ Renascimento Carolíngio “.

O “ Renascimento Carolíngio “ tratou-se de um esforço bem conseguido para unir a tradição céltico-
germânica com a cultura latino-mediterrânica. As fundações monásticas beneditinas que apoiou
constituíram importantes centros de atividade cultural e artística, principalmente na execução de
manuscritos e iluminuras, importantes na difusão do Evangelho e da cultura latina.
As artes medievais dos séculos V a XII
🡪A Europa foi-se construindo e definindo entre os séculos V e XV e foi então que se desenvolveu uma
arte propriamente europeia. Porém, não consideramos essas formas de arte com o mesmo olhar que
aqueles que primeiro as viram. Para nós, são obras de arte; para eles, estes monumentos, estes objetos,
estas imagens eram fundamentalmente formas funcionais: serviam, desempenhavam três funções
principais:

a maioria eram presentes oferecidos a Deus para o louvar, dar-lhe graças, para obter em contrapartida o
seu perdão e os seus favores;

estes monumentos, objetos e imagens serviam também de mediadores, favorecendo a comunicação


com o outro mundo; estavam ali para tornar o ritual das liturgias numa correspondência mais estreita
com a perfeição do Além, para guiar a meditação dos devotos;

finalmente ( e esta terceira função ligava-se com a primeira ), a obra de arte era uma afirmação do
poder. Celebrava o poder de Deus, dos seus servidores, dos chefes de guerra, dos ricos. Por isso, a
criação artística, nessa época como em todos os tempos, desenvolvia-se nos lugares onde se
concentrava o poder.

A formação da arquitetura cristã.

Dos primórdios da arquitetura cristã ao pré-românico.

A importância da matriz antiga

🡪Após a queda do Império Romano e pelo menos até ao século X, as artes europeias refletiram as
consequências da regressão material, técnica e cultural que atingiu o Ocidente nesse período, da
descentralização político-militar e social e da barbarização dos modos de vida das novas classes
dirigentes- as aristocracias guerreiras de origem germânica. Por isso, as características romano-
helenísticas da arte do Baixo Império foram-se adulterando, sobretudo pela introdução de novas
características estilísticas e estéticas provenientes dos gostos e tradições dos vários povos invasores
( germanos, muçulmanos, normandos e eslavos ), gerando grande diversidade regional.

🡪 Porém, esta diversidade foi essencialmente de carácter técnico-artístico, tendo maior expressão nas
artes decorativas, já que nas artes ditas “ maiores “ a influência do cristianismo foi impondo, à medida
que se expandia, uma crescente uniformização dos modelos e dos temas, na iconografia e na
expressividade.
🡪 Quando o estilo românico desperta, entre os séculos IX e XI, reflete ainda essa multiplicidade de
influências que, partindo da matriz antiga ( a herança clássica ),nele se harmonizam num todo coerente.

A arquitetura paleocristã

🡪 Dá-se o nome de arte paleocristã às expressões artísticas dos primeiros cristãos que decorreram
fundamentalmente entre o ano 200 e o século VI, sobretudo no Ocidente do Império Romano, que
corresponde ao período de expansão do cristianismo, antes e depois da sua liberalização com o Édito de
Constantino ( 313 ), muito embora se tenham estendido até à cisão política e religiosa entre a Igreja
Católica e a Igreja Ortodoxa ( 1054 ).

🡪 Este período coincide com o da arte bizantina que se desenvolveu sobretudo na parte oriental do
Império e que teve a sua idade de ouro na época de Justiniano, entre 527 e 565.

🡪 Estas manifestações artísticas abrangeram uma vasta área geográfica ( do Próximo Oriente assírio ao
Ocidente europeu ) e apresentaram grande diversidade regional. Apesar disso, ostentam alguns traços
estruturais comuns:

o uso dos modelos estilísticos da Roma clássica;

a assimilação de novos processos técnicos, formais e estéticos oriundos do Oriente;

a subordinação ao espírito e temáticas do cristianismo.

🡪 Na arquitetura, o principal esforço centrou-se na procura de uma tipologia para o templo cristão que
pretendia ser, simultaneamente morada de Deus, recinto de culto e local de reunião da comunidade dos
fiéis, o que impôs novas exigências construtivas.

Foi na basílica romana que os cristãos encontraram a tipologia ideal, pois tratava-se de um edifício
público laico e sem referência aos cultos pagãos e que estava conotado com a administração e o
exercício da justiça terrena. Além disso, a sua organização espacial favorecia a concentração da atenção
do público sobre o altar, onde se celebrava a Eucaristia. A basílica romana foi assim adotada, dando
origem à igreja.
As primeiras igrejas construídas obedeceram a dois modelos:

o da planta centrada, de influência helenística e oriental, com formas circulares, octogonais ou em cruz
grega e com coberturas em cúpula e meias cúpulas, predominante no Oriente. Os batistérios, martyria
( destinados aos túmulos dos mártires ) e mausoléus adotaram preferencialmente a planta centrada e
com cúpulas sobre a sala central.

Ex: o Mausoléu de santa Constança, Roma, Itália, c. 350:

- edifício de planta centrada;

- constituído por uma galeria circular interna, separada da zona central por uma arcada de doze colunas
duplas e coberta por uma abóbada de berço;

- sobre a zona central, ergue-se uma enorme cúpula em tijolo, assente num tambor com janelas que
iluminavam o centro da construção.

No Ocidente, predominou o modelo da basílica romana com três ou cinco naves separadas por colunatas
e cobertas por tetos de armação de madeira.

Ex: a primitiva Basílica de S. Pedro, em Roma:

- espaço organizado longitudinalmente, em cinco naves, separadas por colunatas e direcionadas para a
cabeceira, em cuja abside se situava o altar;

-uma nave perpendicular, o transepto, separava o espaço profano do espaço sagrado, reforçando a
divisão entre sacerdotes e fiéis;

- o edifício era antecedido pelo nártex, um pátio aberto destinado aos catecúmenos, ou seja, aqueles
que se iniciavam nos mistérios do cristianismo e se preparavam para receber o batismo.

A partir do século V, em ambos os modelos, sobressai a preocupação em destacar as linhas cruciformes.

Nestas primitivas igrejas cristãs, os exteriores eram revestidos com materiais pobres como o tijolo,
sendo, no entanto, os interiores vivamente decorados por pinturas a fresco ou por mosaicos, com cores
vivas.
O modelo de templo cristão que se impôs a partir do século V, no Ocidente foi o de planta basilical, de
três naves ( sendo a central mais alta e melhor iluminada do que as laterais, orientado no sentido leste-
oeste, com a abside coberta por meia cúpula.

A primitiva Basílica de S. Pedro, em Roma: a igreja como casa de Deus

S. Pedro foi o primeiro dos apóstolos de Cristo, fazendo dele o chefe da Igreja e o primeiro bispo de
Roma.

A grande igreja constantiniana foi a Basílica de s. Pedro, de dimensões impressionantes.

A igreja era a “ casa sagrada de Deus “. O seu interior, celestial e eterno, devia distanciar-se do exterior
em contacto com o mundo terreno e mortal. Na arquitetura cristã primitiva, o tratamento ascético e
despojado do exterior contrasta com o arranjo e decoração do interior que devia evocar o esplendor do
reino de Deus. Gradualmente, as suas paredes vão servir de suporte de toda uma iconografia fortemente
icónica cujo objetivo é ensinar aos fiéis a verdade da palavra de Deus. A Igreja inaugura, assim, uma “
pedagogia da imagem “, decisiva no desenvolvimento da arte medieval.

O afastamento da arte cristã relativamente ao Classicismo resultou da sua necessidade de representar o


invisível, isto é, o que não pode ser expresso verbalmente.

Estas são as características principais da nova arte cristã:

apresenta uma grande dispersão geográfica;

utilização de elementos estilísticos da Roma clássica;

utilização de novas formas técnicas e estéticas oriundas das zonas periféricas do Império, sobretudo das
províncias do Oriente;

a submissão da representação da natureza e da realidade a esquemas geométricos regulares e a


movimentos e gestos estereotipados;

a substituição do espaço tridimensional, com profundidade por um único plano ideal paralelo ao
espectador, correspondente ao plano da representação ( superfície );

a substituição do sistema de luz e sombra ( claro- escuro ) por uma iluminação constante e difusa;

a subordinação a uma nova temática- a do Cristianismo, que impôs uma iconografia retirada das
Sagradas Escrituras.

Iconografia- forma de linguagem visual que utiliza imagens para representar determinado tema.

Icónica- relativo a imagem ou imagens que representam uma personagem ou cena sagrada, geralmente
de Cristo, da Virgem, dos santos.

Igreja Ortodoxa- é uma Igreja Cristã, com uma doutrina semelhante à da Igreja Católica, mas mais rígida.
A Igreja Ortodoxa assume-se como a verdadeira Igreja criada por Jesus Cristo, além de não reconhecer o
Papa como autoridade. Para os cristãos ortodoxos ( cristãos da Europa Oriental,, separados da Igreja
Católica Romana ) não existe purgatório e estes não acreditam na virgindade de Maria, após a conceção.
Apenas os bispos são obrigados a manter o celibato.

A arquitetura bizantina

A arte bizantina teve as suas origens na cidade de Bizâncio ( mais tarde designada de Constantinopla, por
Constantino ), que se tornou, nos primeiros séculos da era cristã, o centro de uma nova cultura, ao
mesmo tempo que Roma sucumbia.
Situada entre a Ásia e a Europa, Constantinopla foi ponto de encontro entre as culturas que se
desenvolveram à sua volta: a cultura cristã europeia, a cultura islâmica asiática e a cultura norte-
africana.

A arquitetura teve um lugar de destaque na arte bizantina, operando-se nela bastantes inovações.

Características da arte bizantina:

herdeira da basílica e dos sistemas construtivos romanos, esta arquitectura utilizou o arco, a abóbada e a
cúpula, mas também a planta centrada helenística, em forma quadrada ou em cruz grega, com cúpula
central e absides laterais.

misturam-se elementos construtivos da arte romana com o clima místico das construções orientais.

exteriormente, possuía volumes irregulares que conferiam aos edifícios uma maior originalidade;

interiormente, as suas construções eram decoradas com mosaicos, pinturas a fresco, azulejos e colunas
de inspiração grega e romana.

Foi no século VI, no reinado de Justiniano ( Idade de Ouro ) que o estilo bizantino adquiriu a sua maior
expressão. A obra mais representativa desse período foi a Igreja de Santa Sofia, Constantinopla:

esta igreja nasceu da vontade de um Imperador absoluto, que pretendia fazer desse edifício um
símbolo do seu poder e do seu reinado, sendo simultaneamente uma obra espiritual em que Justiniano
pretendeu glorificar Deus.

esta obra materializa a união do Império com a Igreja, isto é, a união da Terra com o Céu: a forma
geométrica de um cubo ( simbolizando a Terra ) rematado por uma cúpula ( simbolizando o Céu )
representava a imagem do Reino de Deus.

esta obra evidencia a herança da matriz antiga: a utilização do arco, da abóbada de berço e da
cúpula; o desenho da planta centrada, de forma quadrada e em cruz grega, com absides laterais
e cúpula central.

Santa Sofia foi o principal santuário da Igreja Ortodoxa até à conquista de Constantinopla pelos
Turcos
No Ocidente, durante o mesmo período, foi em Ravena, na Itália, que se edificaram as mais belas
construções bizantinas. Esta cidade junto ao mar Adriático era, na altura, a capital de um importante
exarcado tomado aos bárbaros que se enriqueceu e se encheu de maravilhosos monumentos, como as
igrejas de Santo Apolinário-O-Novo e de S. Vital.

A cúpula foi o elemento preferido para a cobertura dos edifícios, sendo empregue em plantas centradas
e de cruz latina e suas variantes. É o caso das igrejas de S. Teodoro e de S. Salvador de Cora, em Istambul.

A vitalidade da arte bizantina foi grande, expandindo-se no espaço e no tempo. Até ao século XII, foram
construídas várias igrejas, nela inspiradas, na Europa mediterrânica (

ex: Basílica de S. Marcos de Veneza ), na Península Balcânica e na Rússia.

Os Renascimentos Carolíngio e Otoniano


A arquitetura carolíngia

🡪 A arte e a cultura da Europa Ocidental na Alta Idade Média foram influenciadas pela cultura dos
povos germânicos ditos bárbaros- Visigodos, Ostrogodos, Burgúndios e, sobretudo, Francos e Saxões
que, entretanto, se romanizaram, passando a falar o latim e convertendo-se ao cristianismo, facto
que terá contribuído para a fusão das culturas germânica e greco-romana.

🡪 A partir do século VIII, os Francos tiveram um papel civilizacional importante quando Carlos Magno
procurou tentar restaurar a antiga unidade imperial no ocidente, procedendo a reformas religiosas e
administrativas, emanadas a partir da capital Aquisgrano ( atual Aachen, na Alemanha e designada por
Aix-la- Chapelle, em francês ). Para além de reforçar a autoridade da Igreja Cristã em toda a Cristandade
Ocidental, a maior ação de Carlos Magno deu-se nos domínios da arte e da cultura. A este importante
movimento de renovação cultural assente na fusão da cultura greco-latina, com a tradição céltica-
germânica e com a doutrina cristã damos o nome de Renascimento Carolíngio.

🡪 Durante este período, Carlos Magno mandou construir edifícios religiosos- mosteiros e catedrais
( Igreja de Germigny-des- Prés ) e a Abadia de Corvey )- bem como edifícios civis, como o palácio de
Aquisgrano ( futura Aix-la-Chapelle ), com a famosa Capela Palatina, onde a tradição germânica se funde
com a arquitetura greco-romana e com a plástica bizantina.

As construções deste período apresentam as seguintes características:

severidade e robustez do seu exterior, contrastando com os interiores, ricamente decorados com
pinturas murais, mosaicos e baixos relevos;

algumas igrejas possuem construções acopladas à fachada oeste que continham tribunas abertas para o
interior das igrejas; era daí que o Imperador ( ou o bispo ou abade ) assistia aos ofícios religiosos;
exteriormente, estas construções funcionavam como pórticos ladeados por duas torres.

A arquitetura otoniana
🡪 O fracionamento do Império Carolíngio à morte de Carlos Magno, permitiu o aparecimento, em
meados do século X, na Alemanha, do Império Otoniano, fundado por Otão I, o Grande, rei da Saxónia e
mais tarde coroado imperador do Ocidente pelo Papa. Nasceu assim o Sacro Império Romano
Germânico.

🡪 À semelhança de Carlos Magno, também Otão promoveu as letras e as artes no seu reinado, dando
origem ao renascimento otoniano que durou de 936 a 1024 e seguiu as mesmas tendências do
carolíngio.

🡪 Herdando a arte carolíngia, Otão I definiu como prioridade restabelecer a dignidade imperial,
preservar a paz e a justiça e expandir a fé, o que significava proteger a Igreja e em particular os centros
de evangelização e de difusão da doutrina cristã- os mosteiros. Corvey, Hildesheim, Mainz e Reichenau
eram importantes centros religiosos com grandes oficinas de iluminuras e scriptoria eclesiásticos.

🡪 A arquitetura das igrejas otonianas segue dois modelos:

o da planta centrada;

o da planta basilical;

Nesta foram introduzidos elementos originais que as distinguem das do resto da Europa: uma dupla
cabeceira, dois transeptos contrapostos, tribuna, torres no cruzeiro e nos extremos dos transeptos e
entradas laterais.

Exemplos: a Igreja de S. Miguel de Hildesheim; S. Ciríaco de Geenrode e a Abadia de S. Jorge de Oberzell,


em Reichenau

Estas características irão marcar toda a arquitetura românica alemã.

8. A arquitetura românica- Deus, fortaleza da humanidade.

8.1. A viragem do milénio: as novas rotas de peregrinação, as cruzadas e a afirmação das ordens
monásticas.

🡪 A arte românica foi o primeiro estilo internacional da Idade Média e resultou da mistura de
influências provenientes da Antiguidade romana, do oriente bizantino e das artes germânicas,
trazidas pelas grandes invasões. Estas influências foram sendo absorvidas e misturadas entre os
séculos IX e X ( período pré- românico ), culminando nos séculos XI e XII numa arte amadurecida que
se espalhou por toda a Europa Ocidental, apesar de englobar numerosas variantes regionais- o
românico.

🡪 O esplendor atingido pelo românico e a sua rápida expansão geográfica são o reflexo da conjuntura
de renovação e crescimento que então se verificava.

Mas para a grandeza do românico também contribuiu o maior fervor religioso que se espalhou nas
populações aquando da passagem do ano 1000, altura para a qual muitos sábios e profetas previam
grandes cataclismos anunciadores do Juízo Final ( o fim dos tempos ).

🡪 Este sentimento de fé e temor religioso fez crescer a prática das peregrinações a locais santos como
Jerusalém, Roma e Santiago de Compostela ou outros, possuidores de relíquias sagradas ou túmulos de
santos, mártires e bispos.

A Igreja, principalmente através das ordens religiosas, aproveitou esta religiosidade para incrementar a
Fé, mandar construir igrejas, santificar a prática das peregrinações e lançar as cruzadas.

A ação da Igreja foi fundamental no surgimento deste estilo artístico, do qual foi a principal
encomendadora e até mentora ( alguns clérigos foram os autores dos projetos de muitas construções ),
logo seguida pelas cortes reais e senhoriais do regime feudal em vigor.

Assim, a arte românica serviu a majestade do poder religioso e do poder político e foi feita para glória de
ambos.

A arte românica

utilizou os recursos técnicos dos romanos: arco de volta perfeita, abóboda de berço, o muro, o
contraforte;

utilizou as influências da arte paleocristã: as igrejas românicas adaptaram a estrutura paleocristã à sua
nova função que era receber multidões de peregrinos que vinham adorar as relíquias dos santos,
normalmente guardada em criptas ou capelas radiantes com deambulatório; dentro da igreja, os fiéis
circulavam por uma nave lateral, atravessando o transepto, percorriam o deambulatório, prestando as
devidas homenagens às relíquias, nas absidíolas e saíam pela nave lateral oposta, sem perturbar as
celebrações religiosas que decorriam na nave central;

assimilou elementos islâmicos;

e adotou em cada região formas herdadas dos estilos pré- românicos, carolíngios ou otonianos.

🡪 As construções românicas ( castelos, igrejas, mosteiros ou abadias ) eram autênticos edifícios-


fortaleza em pedra, robustos, maciços, defendendo-se em relação às ameaças do exterior. A
obscuridade em que os seus interiores mergulhavam, contribuía para a atmosfera de mistério e
misticismo que caracterizou o contexto religioso em que essa arte se desenvolveu.

A Igreja detinha o monopólio da cultura. A fé estava acima do pensamento racional e os grandes centros
culturais, sobretudo os mosteiros estavam vinculados a ela. É neste contexto que devemos entender a
arte românica, cuja sua função didática- cristã é glorificar Deus. Trata-se pois de uma arte que “ fala “
sobretudo das verdades eternas da fé, da esperança no “ além “, pois a vida na Terra era muito severa
para a maioria da população europeia da época. Portanto, a fé e o culto das relíquias dos santos
constituíam formas de superação das amarguras da vida e a garantia de um “ lugar no céu “.

Nas grandes rotas de peregrinação, sobretudo a Santiago de Compostela, situaram-se igrejas e mosteiros
que acolhiam os peregrinos e conservavam relíquias que satisfaziam as necessidades espirituais dessas
pessoas.

Os construtores românicos ergueram edifícios com funções distintas; igrejas para os fiéis, mosteiros para
os monges e abades; e castelos para os senhores feudais.

8.2. A hegemonia da arquitetura religiosa: a igreja românica.

Formas de vida medieval: mosteiros e castelos.

🡪 Os edifícios românicos religiosos comungam do mesmo espírito: manifestar o poder absoluto de


Deus. Quanto às artes plásticas a que a arquitetura servia de suporte ( pintura e escultura que cobriam
as paredes ), estas completavam essa função pedagógica, ensinando e orientando os fiéis para a verdade
da Fé.

🡪 A arquitetura religiosa românica deixou-nos dois tipos edifícios: os mosteiros e as igrejas.

Os mosteiros

Os mosteiros medievais foram inicialmente os mais importantes núcleos difusores do estilo


arquitetónico românico. Beneficiados pela crescente religiosidade da época e por numerosas doações,
foram possuidores de grandes riquezas, encontrando-se por isso, em situação de encomendar obras de
grande envergadura. Tais são os casos dos mosteiros de Fleury-sur-Loire, Saint-Germain-des- Prés,
Montecassino, entre outros.

Arquitetonicamente, o mosteiro compunha-se de várias dependências distribuídas pelas quatro alas do


claustro, espaço quadrangular descoberto, fechado ao exterior e usualmente aproveitado como jardim.
Os claustros eram sempre lugares agradáveis e serenos, utilizados pela comunidade monástica para a
oração individual. Por se entre as várias alas. Estas organizavam-se segundo as funções: a ala nascente,
junto à cabeceira da Igreja, continha a sacristia, a sala capitular, a casa do abade, o dormitório e o
scriptorium; a ala sul destinava-se às dependências mais utilitárias como o refeitório, a cozinha, as
oficinas, as despensas e adegas; a ala poente era destinada aos doentes com a enfermaria e aos
visitantes, com a hospedaria. Por último, a ala junto à igreja era a do parlatorium ( onde os monges
falavam aos visitantes ) e do mandatum, onde se lavavam os pés aos monges acolhidos como hóspedes
na comunidade.

Técnica e construtivamente, estes edifícios foram subsidiados das descobertas e invenções obtidas na
construção das igrejas, principal tipologia deste tempo.

As igrejas

O românico deixou-nos vários tipos de igrejas que vão das modestas capelas rurais às dos grandes
centros de peregrinação, passando pelas catedrais, geralmente erguidas nas cidades.

As mais ricas estilisticamente falando, foram as igrejas monacais, pertencentes às ordens religiosas e
integradas nos mosteiros ou conventos. Contudo, variando no tamanho e na riqueza decorativa, todas
elas ostentam elementos comuns que caracterizam o estilo e que ficaram definidos a partir do século XI.

Planta das igrejas

Apesar da grande variedade regional, as igrejas românicas seguiram dois modelos de plantas:

o de planta centrada, em cruz grega, hexagonal, octogonal ou circular, de influência oriental e pouco
utilizada;

o de tipo basilical, de planta em cruz latina ( que é o mais frequente ), com três, cinco ou sete naves; esta
planta faz uma alusão simbólica à imagem de Cristo na cruz, correspondendo a abside à cabeça, o
transepto aos braços abertos e as naves ao tronco do corpo.

Neste último modelo, a nave principal é orientada no sentido este-oeste e é mais larga e mais alta do
que as laterais.

As naves são atravessadas no lado nascente por uma outra, o transepto. Algumas igrejas possuem duplo
transepto.

No cruzamento entre a nave principal e o transepto encontra-se o cruzeiro que é encimado pela torre-
lanterna ou zimbório que faz parte do sistema de iluminação e arejamento da igreja. Do lado nascente
do transepto podem abrir-se absidíolos que, muitas vezes, estão na sequência das naves laterais.

No alinhamento da nave principal e após o cruzeiro, situa-se a abside ou capela-mor. Por vezes, a
circundar a capela-mor encontra-se o deambulatório, espécie de nave curvilínea que dá continuidade às
naves laterais. Este pode conter três a cinco absidíolos, onde se situam as capelas radiantes ( ou
absidais ), com altares secundários. A capela-mor, o deambulatório e as capelas radiantes formam a
cabeceira. Estas cabeceiras mais complexas são características sobretudo das igrejas de peregrinação,
pois permitem a realização de vários ofícios religiosos ao mesmo tempo.

Na capela-mor havia uma zona exclusivamente dedicada à comunidade clerical, o coro.

Algumas igrejas de peregrinação possuíam ainda a cripta que se situava por baixo da capela-mor e
guardava restos mortais ou relíquias dos santos.

As igrejas românicas podiam ainda possuir nártex ( espécie de vestíbulo que antecede a igreja ) e/ ou
átrio ( espaço aberto ). Estas áreas eram destinadas aos catecúmenos ( os não batizados ), aos
energúmenos ( os possuídos pelo demónio ) e aos penitentes.
Conforme as regiões, as igrejas apresentavam uma, duas ou mais torres sineiras a ladearem a fachada
principal. Em Itália, usou-se uma, na Normandia duas e quatro ou mais na Alemanha.

Os pórticos das igrejas serviram frequentemente para reuniões das populações e as torres-sineiras
desempenhavam funções de vigilância dos campos em redor, satisfazendo assim por vezes as igrejas
românicas funções e necessidades sociais.

Sistemas de cobertura e suporte das igrejas românicas

As igrejas românicas usaram como coberturas abóbadas de pedra, substituindo os tetos de madeira,
muito sujeitas a incêndios.

O arco estruturante destas abóbadas é o arco romano, de volta inteira ou perfeita que corresponde
geometricamente, a meia circunferência.

As abóbadas estruturadas por estes arcos são as abóbadas de berço que resultam de uma sucessão de
arcos de volta perfeita e foram usadas inicialmente para a nave principal.

As abobadas de pedra são constituídas por secções que se chamam tramos. Estas porções de abóbada
são limitadas transversalmente por dois arcos torais ou dobrados, longitudinalmente por dois arcos
formeiros ( os que separam a nave principal das laterais ) e, ao centro, no caso das abóbadas de arestas,
por dois arcos cruzeiros.

As cargas exercidas pelas abóbadas são descarregadas, através dos arcos, sobre as colunas, os pilares ou
os muros exteriores. Para aumentar a resistência a estas cargas, não só estes muros são grossos,
reforçados por contrafortes e com poucas aberturas ( para não os fragilizar ), como também os pilares
passam a ser compostos, formados por colunelos e pilastras adossadas.

Alçado interno da nave principal das igrejas românicas

O alçado interno da nave principal possui uma organização vertical bi ou tripartida constituída por:

a arcada principal que separa as naves laterais da central;


a tribuna que é uma galeria situada sobre a nave lateral aberta para a nave principal e que era destinada
às mulheres que assistiam sozinhas aos ofícios religiosos;

o trifório, que é um corredor estreito ( situado acima da tribuna ou na ausência desta, acima da arcada
principal e abaixo do clerestório ), que abre para a nave central e é formado por dois, três ou mais arcos
por tramo; na inexistência de corredor, o trifório é apenas uma arcada cega com valor decorativo.

clerestório, parte superior da parede da nave principal, onde se abrem janelas ou frestas de iluminação.

A iluminação do edifício

A igreja românica é geralmente pouco iluminada, sendo esta propícia ao recolhimento e à oração e tão
própria do misticismo da época.

A iluminação é feita através das janelas do clerestório, das frestas exteriores ( janelas altas e estreitas,
abertas na espessura das paredes ) e dos óculos abertos na passagem do transepto para a cabeceira.

Configuração e decoração no exterior das igrejas românicas

Exteriormente, a igreja românica aparece-nos como maciça, fechada, pesada e horizontal.

O efeito exterior global é de grande solidez, dado pelos contrafortes salientes.

No românico, as pedras eram aparelhadas com rigor e justapostas sem argamassa.

A decoração arquitetónica possui um carácter didático, figurativo e ornamental e

distribui- se por todo o edifício, interna e externamente. No exterior está limitada às cornijas e às
aberturas, sobretudo aos portais.

Na fachada principal, o portal é o local mais abundantemente decorado. Pode ser simples ou encaixado
num pórtico saliente. O mais vulgar é formado por:
uma entrada chanfrada, ou ombreira, ornamentada com colunelos;

uma porta simples ou dupla que, na sua forma mais complexa, possui, a meio do vão, um sustentáculo
em forma de coluna, também esculpido, designado de mainel;

uma arquitrave situada por cima deste e designada de lintel ( ou dintel ), decorada com relevo esculpido;

e um tímpano, espaço semicircular delimitado por arcos de volta perfeita- as arquivoltas- que é
sustentado pelo lintel. A sua superfície é preenchida com relevos.

Cachorros e cornija

Mísula

Os castelos

Embora tenham servido igualmente de habitação do senhor feudal e da sua família, os castelos
assumiram fundamentalmente funções defensivas de um determinado território. Por isso, essas
fortificações militares eram erguidas geralmente em locais estratégicos, como zonas altas ou ilhotas
cercadas de água, junto às linhas fronteiriças, ou no litoral, e ao longo do percurso dos grandes rios
navegáveis. Eram constituídos por grossos e altos muros, terminados em ameias e formados por blocos
de pedra aparelhados e sobrepostos sem recurso a argamassas, sustentando-se com a ajuda de
contrafortes adossados.
Os castelos mais simples tinham uma única torre, inicialmente quadrangular e mais tarde cilíndrica,
rodeada ou não de um fosso com água e de uma cinta de muralhas. Os castelos mais complexos,
surgidos sobretudo após o século XII, possuíam uma alta torre central, colocada no meio de um pátio
( terreno livre, dentro das muralhas, onde podia existir uma igreja, um poço, cavalariças e estábulos,
cabanas para alojamento de aldeões, aquartelamentos de tropas, celeiros e ainda pequenas hortas e
jardins ) e eram fechados por uma ou duas cintas de muralhas que possuíam pequenos torreões para
vigia da guarda e uma porta de entrada, também ladeada de torreões defensivos, tapada por portões
gradeados e cujo acesso era protegido, geralmente, por uma ponte levadiça.

A torre central, tanto servia de quartel ( caso dos castelos-refúgio das zonas de guerra ou das regiões
fronteiriças ainda instáveis ), como de morada do castelão e sua família ( sendo o caso dos castelos
situados no seio dos domínios senhoriais ), designando-se de torre de menagem.

8.3. Os grandes centros difusores: unidade e diversidade do Românico.

🡪 Apesar dos traços estruturais comuns que a definem como estilo, a arquitetura românica religiosa
apresenta uma grande variedade nacional e até regional, que resulta das peculiaridades técnico-
construtivas de cada região e dos materiais aí existentes. É esta diversidade na unidade que caracteriza o
românico.

🡪 É na França que se regista maior variedade de tipologias, oscilando-se entre a sobriedade beneditina
das igrejas da Normandia e a exuberância das igrejas da Aquitânia, entre as igrejas de planta de cruz
latina e as de planta centrada, ou ainda entre as coberturas em madeira às abóbadas de berço e de
arestas.

Enquanto no Sul se destacam as escolas da Borgonha e da Ocitânia ( Auvergne e Languedoc ), no


centro, sobressai a região do vale do Loire e de Périgord e, no norte, a Île-de- France e a Normandia. Da
escola borgonhesa, salientam-se a Catedral de Autun e a Basílica de Sainte- Madeleine de Vézelay. Em
Auvergne e Languedoc, onde se denota a influência borgonhesa, destacam-se a Igreja de Orcival, a Igreja
de Sainte- Foi de Coques e a Basílica de Saint- Sernin. Na Normandia e na Inglaterra, onde surgem dois
modelos muito semelhantes, destacam-se a Igreja de Saint- Étienne de Caen e a Catedral de Durham,
respetivamente.

🡪 Na Itália, as mais famosas construções românicas localizam-se na Lombardia e na Toscana. As


catedrais lombardas, como Santo Ambrósio de Milão, caracterizam-se pelas fachadas sóbrias e revestidas
a tijolo, pelo uso de abóbadas de arestas e das torres sineiras ( campanile ) soltas de edifício e pela
ausência do transepto, colmatada por uma torre-lanterna octogonal sobre o cruzeiro. Mas é na Toscana
que se encontra a obra mais importante do Românico italiano- o conjunto monumental de Pisa, formado
pela Catedral, Batistério e Campanile ( célebre Torre de Pisa ). Fundindo a herança clássica com
elementos paleocristãos e bizantinos, estes edifícios estão revestidos com mármore branco, com
embutidos de mármore verde-escuro, formando motivos geométricos, combinados com arcadas cegas e
galerias, apresentando grande riqueza decorativa.

Em Florença, os edifícios mais importantes são o Batistério e a Igreja de San Miniato al Monte.

Na Alemanha é a escola renana que melhor caracteriza o românico.

Na Espanha, o românico recebeu influências francesas e lombardas, combinadas com elementos


estruturais e decorativos visigóticos e árabes. O monumento românico mais conhecido de Espanha é a
Catedral de Santiago de Compostela.

8.4. O românico em Portugal

🡪 A arquitetura românica no território nacional manifestou-se a partir do início do século XII,


prolongando-se pelos séculos XIII e XIV. O quadro social, económico e político em que se desenvolveu foi
idêntico ao dos outros países europeus, porém acrescido aqui das dificuldades e instabilidade
provocadas pela afirmação da independência face a Leão e Castela e pela reconquista de territórios aos
mouros.

🡪 A igreja românica, símbolo da espiritualidade da época, estava quase sempre ligada a uma ordem
religiosa ou mosteiro e/ ou implantada no seio de uma comunidade agrícola. Por isso, também em
Portugal, o românico tem características fortemente rurais, sendo constituído por pequenas igrejas que,
consoante a riqueza dos seus patronos e os recursos ou dádivas disponíveis, se revestiu de maior ou
menor qualidade técnica e exuberância decorativa.
Só em Braga, Porto, Coimbra, Tomar e Lisboa é que as construções religiosas românicas se revestiram de
maior monumentalidade, riqueza e variedade técnica e formal mais próximas das igrejas europeias.

O que caracteriza a arquitetura românica das pequenas igrejas rurais é:

a sua robustez, dada pelas paredes grossas, pelos contrafortes salientes e emprego da pedra aparelhada;
essa robustez/ solidez fazia com que estas construções parecessem fortalezas. Na verdade, as igrejas,
torres e adros murados não só serviam ao culto, como também de locais de refúgio das populações face
aos ataques dos muçulmanos e dos castelhanos.

a utilização do arco de volta perfeita.

a nave única com cabeceira quadrangular ou em abside.

a cobertura plana ( em madeira ) ou em abóbada de berço ou de arestas ( em pedra ), tapada por


telhado de duas águas.

a sobriedade, apresentando relevos com funções pedagógicas, confinados aos capitéis, colunas,
arquivoltas dos portais, mísulas e cachorros nas cornijas.

poucas aberturas para o exterior e portanto, pouca iluminação no interior.

A decoração esculpida do românico português, sobretudo a das pequenas igrejas e ermidas rurais do
norte e centro do país, apresenta uma iconografia variada que se podem agrupar em três conjuntos
distintos de imagens:

os motivos abstrato-geométricos ( em frisos e molduras ) e naturalistas, retirados da Natureza vegetal


( folhas, caules, gavinhas ), com função meramente ornamental;

figurativos com sentido religioso e doutrinal, como o Agnus Dei ( expressão que significa Cordeiro de
Cristo, representado nos relevos por um cordeiro ao lado de uma cruz ) e as cenas do Antigo e Novo
Testamento ;

e formas e seres do imaginário popular e pagão, como animais afrontados ( geralmente leões ), grifos e
outros animais míticos e fabulosos e figuras grotescas.

Afrontados- frente a frente

Agnus Dei, na Igreja de S. Salvador de Bravães


🡪 Enquanto no norte do país, predominava o granito, cuja dureza impedia o uso de grandes
ornamentos, já no centro, como é o caso de Coimbra, o emprego do calcário ( pedra mais macia )
permitiu um maior requinte decorativo.

De norte a sul, existiram variantes estéticas regionais, difundidas a partir das maiores dioceses:

Braga, a mais importante, recebeu forte influência beneditina, expressa na Sé de Braga e caracterizando
igrejas como a de S. Pedro de Rates, a Colegiada de Barcelos, a de Vilar de Frades.

A região situada entre os rios Minho e Lima apresenta uma forte influência galega, com uma decoração
mais rica, com folhagens, animais e figuras humanas, patente nas igrejas de S. Salvador de Bravães, bem
como nos mosteiros de S. Salvador de Ganfei e de Sanfins de Friestas.

Porto, destacando-se a Igreja de S. Martinho de Cedofeita e o Mosteiro de S. Pedro de Roriz.

Coimbra, salientando-se a Sé Velha e a Igreja de Santiago.

Lisboa

Regiões de Amarante, Lamego, Viseu e Trás-os- Montes

A Sé de Coimbra

🡪 Pensa-se que a autoria do seu plano se deve ao mestre Roberto, arquiteto da Sé de Lisboa.

Trata-se de uma construção fortaleza, com paredes espessas e muralhas, rematadas por ameias e
com um corpo avançado como se fosse uma torre.

O portal principal apresenta quatro arquivoltas assentes em colunelos, pilastras e capitéis, todos
com decoração abundante ( graças às propriedades do calcário, pedra característica da região ).

O janelão superior ilumina o interior, constituído por três naves, com transepto pouco acentuado e
cabeceira com abside e absidíolas.

A cobertura apresenta uma abóboda de berço, na nave central e transepto e abóbadas de aresta nas
naves laterais. O arco cruzeiro é encimado por uma torre- lanterna quadrangular.

O seu claustro já pertence ao período gótico.

9. A escultura românica: os poderes da imagem.

🡪 A escultura românica ( mais concretamente os relevos ) caracterizou-se por uma total subordinação à
arquitetura, desenvolvendo-se, no entanto, complexos programas plásticos e iconográficos, através dos
quais se comunicava aos fiéis as verdades da Fé.

🡪 Os programas decorativos destes relevos deviam representar sempre uma teofaria, ou seja, uma
revelação de Deus: a manifestação da glória de Deus.

Para cada tema escolhido, tudo devia ser previamente definido, desde o lugar de cada uma das
figuras segundo uma hierarquia divina, até às dimensões, posições e localização dos temas dentro do
espaço da igreja. Portanto, a escultura obedecia a uma organização simbólica do templo. Por exemplo, o
Cristo Pantocrator deveria ocupar sempre a abside central, acima da Virgem, dos santos e dos apóstolos.
Já as naves eram reservadas para os episódios evangélicos.

🡪 Os mentores e realizadores destes relevos escultórios eram sobretudo monges especializados na arte
da escultura que deveriam dominar os significados e condicionantes de cada trabalho, adaptando-os a
cada situação, tarefa que não era fácil, pois tinham de integrar esses trabalhos escultóricos em
superfícies irregulares como as de um capitel, arquivolta ou de um tímpano de um portal. Assim,
conceberam-se figuras em função desses espaços, estabelecendo-se uma articulação estreita entre a
escultura e a arquitetura. Essa adaptação que a escultura teve de fazer à arquitetura explica a ausência
de um cânone, pois as figuras vão-se esticando ou encolhendo, tendo de se ajustar a uma coluna ou
capitel. Portanto, as figuras não se organizam de forma naturalista, mas adaptavam-se a formas
arquitetónicas geométricas, submetendo-se a esquemas de natureza abstrata, não constituindo
qualquer problema, pois o objetivo era obter uma representação de ideias e de conceitos cristãos e não
a representação real ou a imitação da natureza.

Por exemplo, na Igreja de Saint- Pierre, em Carennac ou na Igreja Abacial de Moissac, ambas na
França, encontramos as seguintes características:

a estilização das figuras acentua a espiritualidade, enquanto a sua deformação aumenta a


expressividade;

as figuras adotam posturas inverosímeis ( que não são ou não parecem verdadeiras ) para dar a sensação
de movimento e adaptar-se à forma arquitetónica;

todas as figuras estão submetidas a uma perspetiva hierárquica, isto é, a figura do Pantocrator é maior,
porque é a mais importante.

🡪 Os relevos românicos eram todos revestidos a cor. Nos tímpanos dominava o azul, para representar o
Paraíso, e o vermelho, para representar o Inferno. O dourado era muito usado para realçar as outras
cores, significando a luz do Sol, o sagrado. Com o uso da cor era conseguida uma maior vivacidade visual,
entrando a mensagem no espírito de todo o cristão. A policromia intensa e forte era também uma das
características do interior das igrejas, mas que as marcas do tempo fizeram desaparecer.

Os primórdios da escultura medieval: da arte paleocristã à arte dos invasores

🡪 A partir do século III e graças à influência oriental, a plástica artística alterou-se significativamente. A
arte clássica que assentava numa vertente temporal ( relativo às coisas materiais e mundanas ),
subordinava o Homem e o mundo à razão. Porém, as religiões orientais abandonaram o paganismo da
Antiguidade Clássica e reataram o vínculo e a subordinação do Homem a Deus. Para o Cristianismo, a
imagem é um instrumento fundamental, estabelecendo a ligação entre o Além e os fiéis. No entanto, a
imagem despojou-se da matéria e da sua relação naturalista com o mundo para se converter em
símbolo.

🡪 Assim, as figuras apresentam-se suspensas, sublimes e irreais, não existem em lado nenhum, mas
constituem um universo abstrato concebido à imagem e medida de Deus. Perde-se o sentido de volume
e de perspetiva. A estética cristã reduziu as formas a superfícies planas e aboliu a escultura, expressão
artística mais próxima do real e palpável.
🡪 A escultura românica conjuga duas influências opostas:

recebe as influências das culturas celtas e germânicas dos povos invasores, sobretudo dos seus trabalhos
ornamentais em objetos de uso quotidiano, de raízes geométricas, orgânicas e abstratas;

adota a representação de figuras de corpo inteiro ( por exemplo, nos Apóstolos ), com o olhar frontal e o
semblante hierático ( rígido ) e a utilização de recursos estilísticos como a plástica das roupagens e os
gestos e atitudes majestáticas.

O portal e o claustro como roteiros da ascese: a ressurreição da escultura

🡪 Desde o século V que a escultura tinha desaparecido quase totalmente da arte ocidental. Nos
primeiros tempos da arte cristã ou em Bizâncio, assim como nas épocas carolíngia e otoniana, a
estatuária só servia para ornamentar espaços arquitetónicos.

🡪 No período do românico, a escultura renasceu para reforçar e explicitar a mensagem contida na


arquitetura. Assim sendo, a escultura é parte integrante e inseparável da arquitetura, tendo por missão
dar a compreender as Sagradas Escrituras.

🡪 Uma vez que a cultura românica desvaloriza as coisas terrenas imperfeitas, ilusórias e destinadas a
parecer, o interesse da arte não está em representar o que os olhos vêem, mas na verdade aquilo que se
esconde por detrás das aparências.

🡪 Na igreja românica, todas as partes do edifício se enchem de figuras, formas e cores, sobretudo os
portais e os claustros que constituem autênticos roteiros da ascese, convertendo-se em lugares
privilegiados para a busca do aperfeiçoamento espiritual e para a renúncia aos prazeres mundanos.

🡪 Nenhum outro período tratou com tanta liberdade a figura humana: em completa harmonia com os
espaços arquitetónicos, os corpos curvam-se, enrolam-se, alongam-se para preencher um espaço ou
elemento arquitetónico.

10. As artes da cor: pintura, mosaico e iluminura. O refúgio do esplendor.


🡪 A sobriedade encontrada nas igrejas românicas, pela nudez da pedra das suas paredes exteriores
parece só ter sido própria das igrejas cistercienses, fiéis ao espírito da ascética pobreza do seu fundador
S. Bernardo de Claraval. Nas restantes igrejas desta época predominava uma brilhante policromia,
devido às pinturas e até aos mosaicos que revestiam os seus interiores, das absides aos pórticos de
entrada.

🡪 Estas artes exerceram um importante papel doutrinal e pedagógico, pois contavam aos fiéis, através
de formas simples, a História Sagrada. Deste modo, a pintura e a escultura contribuíram para reforçar o
sentido místico que se procurava atribuir à Casa de Deus, criando um ambiente de encantamento e
surpresa, propício à reflexão religiosa.

🡪 As artes da cor no Romântico têm os seus fundamentos:

na pintura mural paleocristã ( ocidental ), executada a fresco;

no mosaico parietal de tradição helenística- romana e bizantina;

e na tradição bizantina dos ícones pintados.

Dos primórdios da pintura cristã ao mosaico bizantino

🡪 A pintura paleocristã ( séculos III a VI ) constitui uma etapa importante para a formação e definição
da arte cristã do Ocidente medieval e manifesta-se na pintura mural a fresco e nos mosaicos que
refletem influências clássicas e bizantinas.

🡪 Iniciada nas catacumbas, a pintura paleocristã passou rapidamente a ser usada nas igrejas, cobrindo
o interior das absides e cúpulas com frescos de cores suaves, cuja temática misturava o sagrado com
elementos decorativos de origem vegetalista. As composições eram delimitadas por linhas geométricas
de cor e não tinham profundidade. Os corpos eram simplificados, com gestos formais e simbólicos e a
expressão dos rostos era dada por olhos grandes de olhar penetrante.

A temática mais comum era baseada no Novo Testamento, com cenas alusivas ao batismo de Cristo,
a Cristo Bom Pastor, a Cristo rodeado pelos apóstolos ou pelos quatro Evangelistas, acompanhados ou
representados pelos seus símbolos animais- o tetramorfo- e a Cristo em ascensão.

🡪 O mosaico bizantino ( que aparece desde Justiniano até ao século XIII ) foi uma arte de esplendor e a
expressão artística mais relevante do Império Romano do Oriente. Influenciou bastante a arte parietal
das igrejas românicas italianas e das situadas mais a Oriente, da Itália à Rússia.

🡪 Recobrindo as paredes e absides das igrejas, estes mosaicos emocionam o espectador com a sua
riqueza e brilho cromáticos, dando força emotiva aos temas de inspiração bíblica e possuindo, ao mesmo
tempo, uma representação esquemática e decorativa, sem preocupação de volume, modelação ou ilusão
de profundidade.

🡪 Os mosaicos que melhor fazem a transição da arte paleocristã para a bizantina são os da Igreja de
Santo Apolinário-o-Novo, em Ravena, enquanto os da Igreja de S. Vital, na mesma cidade, são os mais
famosos painéis de mosaico bizantino do século VI e representam o Imperador Justiniano e a Imperatriz
Teodora.

🡪 As representações bíblicas tratam os temas ligados a Cristo, tornado o Pantocrator, O Todo- Poderoso,
figura adulta de barba e cabeça aureolada, com grandes olhos. Estas figuras são graves e serenas,
imbuídas de espiritualidade e apresentam um colorido suave.

O tratamento do rosto mostra, muitas vezes, a preocupação pela representação volumétrica, justaposta
a fundos lisos obtidos através de tesselas douradas.
🡪 No românico, a pintura recolhe influências da arte paleocristã e da bizantina, carolíngia e otoniana.

A pintura românica

🡪 São poucos os vestígios que restam da pintura românica, devido à degradação provocada pelo tempo.
O que dela ficou pode-se agrupar em duas modalidades:

a pintura parietal que decorava os interiores arquitetónicos e era realizada a fresco e têmpera;

e a pequena pintura, executada nos livros e constituída por miniaturas ou iluminuras, realizadas a
têmpera.

🡪 Ambas possuíram uma temática predominantemente religiosa que se desdobra em ciclos narrativos,
contando histórias da Bíblia, do Antigo e Novo Testamento, da vida de Cristo e dos Santos e visões
apocalípticas. Estes ciclos narrativos eram reproduzidos na maior parte das igrejas, atribuindo a esta
pintura grande identidade conceptual em toda a Cristandade, pois dependiam da vontade dos
encomendadores quase exclusivamente religiosos.

🡪 Os aspetos formais e estilísticos empregues são mais difíceis de caracterizar, pois variavam de região
para região, criando estilos “ regionais “. Nestes, não é possível distinguir autores- os artesãos
( especializados ) eram completamente anónimos- mas “ escolas “ ou “ oficinas “ que incluíam artistas
diversificados e de gerações diferentes.

O seu trabalho era geralmente coletivo, havendo entre eles especializações na pintura de rostos, de
mãos e pés e de panejamentos.

🡪 Da diversidade formal e técnica podemos, no entanto, retirar alguns aspetos comuns:

o desenho prevalece sobre a cor;

há falta de rigor anatómico nas figuras, geralmente deformadas por acentuação dos traços mais
expressivos;

as posições são demasiado formalizadas, por vezes desarticuladas e desenhadas com linhas angulosas;

predomina a tendência para a estilização e esquematização geométrica dos rostos e dos corpos, cuja
representação não respeita proporções, nem perspetivas;

os corpos são enquadrados em espaços exíguos ou simbólicos, como é o caso dos elementos
arquitetónicos como arcos ou portais;

a cor é aplicada a cheio, quase sem matizados ou sombreados, acentuando o carácter bidimensional da
pintura;

as composições são elaboradas segundo esquemas geométricos complexos, onde prevalecem os


retângulos e os círculos; possuem, no entanto, um elevado sentido rítmico, marcado pela repetição, na
horizontal, de grupos de figuras ou modelos. As cenas contadas em bandas ou faixas, dispostas da
esquerda para a direita e de cima para baixo, são ajustadas para caberem nos espaços arquitetónicos e
separadas por faixas com motivos geométricos e naturalistas de raiz tardo-romana ou germânica.

🡪 No interior das igrejas, as pinturas eram maioritariamente executadas a fresco e obedeciam a um


programa temático e iconográfico preestabelecido, que se manteve desde a arte paleocristã e bizantina.

🡪 Os mais belos frescos românicos ainda hoje conhecidos encontram-se no Oeste e Centro de França,
no Norte de Espanha, na Catalunha e em Itália. Entre estes, as diferenças mais evidentes estabelecem-se
no tratamento da cor: no Oeste francês predomina a influência germânica traduzida em frescos
policromos, com fundos claros e tonalidades brilhantes, quase transparentes; em Itália, prevaleceu a
tradição bizantina, com fundos escuros e cores fortes; em Espanha, a influência árabe impôs cores
intensas com brilhos metálicos.

🡪 Menos frequente, mas também importante foi a pintura sobre madeira, usada sobretudo para a
decoração dos frontais de altar. Eram semelhantes aos frescos na temática e na representação formal,
tendo também muita expressividade. Os mais famosos encontram-se na região da Catalunha.

🡪 Na Itália, a tradição romana e a influência bizantina impuseram uma particularidade que distingue as
suas igrejas das demais igrejas europeias: a decoração com mosaicos revestindo paredes, cúpulas,
pavimentos e até os fustes das colunas que separavam as naves. Este mosaico manteve as mesmas
temáticas e estilos da pintura.

A pintura sobre os livros sagrados

🡪 A pintura sobre os livros sagrados, códices, era já uma forma de arte enraizada na Europa, desde o
século V, ou seja, desde o período paleocristão.
🡪 Estava ligada à tradição monástica, pois era nos scriptoria dos mosteiros e conventos que se
copiavam os livros manuscritos como a Bíblia, crónicas históricas e tratados filosóficos. Eram produtos
raros e preciosos, destinados a uma pequena elite culta.

🡪 Eram os próprios monges copistas que se encarregavam de ilustrar essas obras com desenhos
pintados, onde se misturavam pessoas, animais, elementos vegetalistas e formas geométricas e
abstratas, de elevado sentido decorativo. Muitos deles ocuparam-se exclusivamente das iluminuras,
tornando-se uma espécie de especialistas.

🡪 Estas pinturas ou ocupavam páginas inteiras com cenas narrativas ou descritivas retiradas dos textos
que os livros continham ou reduziam-se à decoração de letras iniciais de capítulos ou parágrafos,
denominadas de iniciais ornadaornadas ou capitulares.

🡪 As técnicas empregues denotam grande destreza de execução e capacidade de síntese, a par de uma
extraordinária imaginação traduzida na variedade de temas representados, na fantasia dos coloridos e
no ritmo e movimento das suas composições. Por tudo isto, as pinturas dos livros são mais diversificadas,
originais e criativas do que as dos frescos.

🡪 Assim sendo, foi muitas vezes a pintura dos frescos a servir de inspiração plástica e temática para os
pintores murais. Este facto explica-se pela diferença existente entre os frescos e as iluminuras quanto ao
modo de produção e ao público que se propunham alcançar. Enquanto os frescos eram elaborados por
artistas itinerantes e destinavam-se ao povo simples que não sabia ler e mal percebia a doutrina exposta
pelos padres, as iluminuras eram realizadas por monges que se especializavam nessa arte, em locais fixos
como os mosteiros. Este facto proporcionou a continuidade das oficinas e o amadurecimento das
técnicas; por outro lado, estas pinturas destinavam-se a um público mais exigente, que sabia ler e
entendia as simbologias.

🡪 No período românico distinguem-se várias oficinas de iluminura sendo as mais importantes:

as alemãs que continuaram a tradição do classicismo carolíngio e otoniano, produzindo composições


simples e equilibradas sobre fundos negros;

as inglesas que absorveram a herança das iluminuras irlandesas e anglo-saxónicas e apresentavam um


estilo mais vivo, com formas naturalistas e de sentido burlesco;

as italianas, continuadoras da tradição bizantina;


e as da Espanha moçárabe, de influência árabe, que se destacaram pelo seu grafismo e colorido intenso.

11. A Europa sob o signo de Alá: a arte muçulmana em território europeu; a arte moçárabe

🡪 O Islamismo ( ou religião muçulmana ) nasceu na Arábia, no início do século VII, com Maomé, um
mercador de Meca que cerca de 610 disse ter recebido esta nova fé por revelação do anjo Gabriel que o
visitou. Inspirado no Judaísmo e no Cristianismo, religiões com as quais mantém afinidades, o Islamismo
é a mais recente das religiões monoteístas e está descrito no Corão ( ou Alcorão ).

🡪 Foi esta religião que deu coesão às tribos da Península Arábica que, apoiadas nessa fé, encetaram
em 632 ( ano da morte de Maomé ), uma notável e rápida expansão territorial.

🡪 Neste contexto, a arte muçulmana ( designação que abarca as manifestações artísticas de todos os
povos convertidos ao Islamismo ) apresenta duas características aparentemente antagónicas: a
diversidade, resultante da assimilação das diferentes tendências locais ( quanto a materiais, técnicas e
formas ), e a unidade, atribuída pela religião e pelo poder político com ela identificado.

🡪 Como características de uniformização, os especialistas distinguem:

a fidelidade temática e formal aos preceitos do Corão, aos quais se subordinam a estética e todas as
formas artísticas e decorativas;

a valorização da arquitetura, que se apresenta em toda a arte islâmica como a arte maior;

o aniconismo, isto é, a recusa da representação figurativa em pintura e escultura a fim de evitar a


idolatria;

a tendência para a geometria, patente na arquitetura pelo traçado das plantas e pela organização das
volumetrias que vivem da tensão linha reta/ linha curva; mas também nas restantes artes, sobretudo na
decoração, onde os arabescos geométrico-abstratos ou geométrico- naturalistas substituem a decoração
figurativa de outras artes da mesma época.

a atenção dedicada às artes aplicadas ( cerâmica, azulejaria, estuques decorativos e tapetes );

o gosto quase sensual pela exuberância e pelo luxo, visível na multiplicidade de materiais, na
ornamentação e na viva policromia dos interiores.

🡪 A arte muçulmana estende-se do século VII aos nossos dias e conheceu como principais centros
produtores as cidades de Damasco, Bagdad, Samarra, Cairo, Samarcando e Istambul.

Na Europa, foram a Península Ibérica e a Sicília as regiões que maior influência registaram da arte árabe.
Na Península Ibérica, onde os muçulmanos permaneceram até finais do século XV, foram Córdova e
Granada, ambas em Espanha, os centros de maior brilho. Também o território português regista
testemunhos e vestígios da presença muçulmana, sobretudo no Alentejo e Algarve.

Arquitetura muçulmana

🡪 As construções islâmicas usaram diferentes materiais como a pedra, o tijolo cru, o gesso ou o estuque,
associados a mármores, brecha, madeira, azulejos e mosaicos.

🡪 Os construtores árabes usaram:

arcos em formas muito variadas e criativas. Os mais comuns foram os arcos em ferradura e os arcos
aperaltados;

as abóbadas e as cúpulas que foram os sistemas de cobertura mais aplicados, embora existam também
tetos planos em madeira. Nuns e noutros usaram-se complicadas decorações, como as muqarnas
( pequenas saliências organizadas em “ escada “, de modo a parecerem estalactites pendentes )

as colunas de sustentação, com fuste liso e capitéis lavrados com rendilhados florais estilizados.

🡪 A arquitetura religiosa apresenta vários tipos de edifícios:

a mesquita era o edifício religioso mais importante. Não era a Casa do Deus Alá, mas sim uma simples
casa de oração. Estruturalmente era composta por uma sala funda coberta por teto plano ou por cúpulas
e abóbadas com telhados de duas águas- o haram-, construído no lado virado para Meca, designado por
qibla; e um extenso pátio descoberto- o sahn- rodeado de pórticos para dar sombra e com uma fonte
para abluções ao centro. O interior do haram era uma sala cheia de colunas na qual o espaço se
organizava em naves paralelas, perpendiculares à parede do fundo, aquela que assinalava a direção de
Meca. Ao centro da parede da qibla ficava o mimber ( cadeira-trono onde se sentava o imã que dirigia o
ofício religioso ). Também na parede da qibla ficava o mirabe, pequena sala ou apenas um nicho, que
guardava o Corão. Era a zona mais decorada da mesquita. Outro elemento importante da mesquita era o
minarete, torre de onde se chamava os crentes para a oração.

as madrasah que eram escolas de Teologia para estudar o Corão. Desenvolvem-se em torno de um pátio
aberto, rodeado de dormitórios, salas comuns e uma mesquita privada, no lado virado para Meca.

os mausoléus que existiam para homenagear, na morte, guerreiros e príncipes importantes.

🡪 Na arquitetura civil, a construção mais importante era o palácio que funcionava simultaneamente
como centro político e administrativo, morada de reis e príncipes e, por vezes, também fortaleza. Os
palácios mais antigos foram construídos no deserto e obedeciam a plantas quadradas, com uma
multiplicidade de aposentos, dispostos de forma labiríntica em torno de um pátio interior aberto,
também quadrangular. Fechado por muros altos, com torres de vigia, o palácio exteriormente
assemelhava-se a uma fortaleza. Mais tarde, o palácio evoluiu para um modelo mais aberto, com vários
pavilhões rodeados por jardins. Quanto à decoração arquitetónica, esta cobria quase todas as superfícies
( principalmente interiores ), utilizando mosaicos e ladrilhos, estuques, madeiras, mármores e frescos.
Os motivos eram geralmente geométricos, vegetalistas e epigráficos repetidos em entrelaçados rítmicos
muito variados.

🡪 A arquitetura militar é representada pelo Ribat ou convento fortificado que é um edifício destinado às
obrigações militares da Guerra Santa e também usado para fins religiosos ( retiro e oração ). Apresenta
uma planta quadrada, com torres de vigia em quatro ângulos e, no seu interior, habitações, armazéns e
uma mesquita.

🡪 Os povos árabes deram grande atenção às artes decorativas ou ornamentais, tendo criado estilos
próprios.

🡪 A cerâmica foi uma das artes mais desenvolvidas, ricamente decorada com desenhos geométricos e
pequenos elementos figurativos estilizados. A coloração a esmalte e a técnica do vidrado com lustro
permitiram cores brilhantes, de reflexos metálicos.

🡪 Os azulejos eram profusamente decorados com elementos florais e geométricos.


🡪 Praticaram também a miniatura ou pintura de pequenas dimensões, para decoração de livros. Como a
religião proibia a figuração, os miniaturistas trabalhavam em livros de fábulas, contos e outras histórias,
encomendados por príncipes e outros senhores. Para a decoração do Corão, utilizavam-se motivos
geométricos e naturalistas estilizados e, principalmente, a caligrafia do alfabeto árabe, que se prestava a
ser artisticamente desenhada.

🡪 Outa arte de renome foi a dos tapetes que têm em comum um rebordo à maneira de moldura ou
então decorado com motivos geométricos e simbólicos, repetidos segundo uma ordem predeterminada,
embora cada região e cada oficina tivessem estilos próprios.

A arte moçárabe

🡪 Designa-se por arte moçárabe, a arte produzida por cristãos peninsulares ( quer em Portugal, quer
em Espanha ) que viviam em território muçulmano, submetidos ao califa e/ou que procediam de
territórios muçulmanos.

🡪 A arte moçárabe compreende o período entre os séculos IX e XI e reflete tradições artísticas hispano-
visigóticas, asturianas e califais ou muçulmana.

Na arquitetura deixou-nos principalmente igrejas que apresentam as seguintes características:

construções em pedra;

plantas de cabeceira reta ou de absides contrapostas;

uso sistemático de arcos em ferradura e coberturas de abóbadas ou planas e em madeira, cobertas com
telhados de duas águas; é o caso das igrejas de S. Miguel de Escalada, em Espanha e de S. Pedro de
Lourosa da Serra, em Portugal.

🡪 Na escultura predominam os relevos que se encontram nos modilhões dos beirais dos telhados, nos
capitéis e nos altares. Representam motivos geométricos de influência hispano-visigótica, motivos
naturalistas, como videiras e motivos figurativos como pássaros ou figuras humanas abençoando.

A escultura encontra-se ainda na arte móvel deste período que inclui sobretudo trabalhos de metal
( cálices, cruzes de altar ).

🡪 Quanto à pintura, salientam-se as miniaturas, recheadas de fantasia e realizadas com uma gama
cromática muito variada.

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