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PUBLICAÇÃO OFICIAL DA DIRETORIA DE SAÚDE DA MARINHA

ARQUIVOS BRASILEIROS DE
MEDICINA NAVAL
VOLUME 77 N.1 JANEIRO / DEZEMBRO 2016 - ISSN 0365074-X

ARTIGO HISTÓRICO
A Tuberculose nos arquivos da perícia médica na
Marinha do Brasil - histórico e atualidades

ARTIGOS ORIGINAIS
Doses de radiação efetiva para os pacientes
nos exames de tomografia computadorizada
realizados no Hospital Naval Marcílio Dias

Prevalência de parasitoses intestinais em


pacientes atendidos pelo Sistema de Saúde da
Marinha em postos sediados no Estado do Rio de
Janeiro, em 2015

Perfil dos pacientes submetidos à cirurgia


bariátrica em Hospital Militar localizado na cidade
do Rio de Janeiro, no ano de 2014

ARTIGOS DE REVISÃO
Azul da Prússia: aspectos químicos,
DIRETORIA DE SAÚDE DA MARINHA farmacológicos e de eficácia e segurança para uso
como medicamento

A epidemia do Vírus Zika: desafios clínicos à


medicina moderna

Segurança do paciente no Hospital Naval Marcílio


Dias: desafios e perspectivas

ARTIGO ESPECIAL
O uso de biotraçadores polínicos: novas
perspectivas para o desenvolvimento da estratégia
de defesa contra ataques por via atmosférica
A Revista Arquivos Brasileiros de Medicina Naval foi criada pelo Aviso nº 1070, de 19 de junho de 1939,
do Exmº Sr. Ministro da Marinha, Vice-Almirante Henrique Aristides Guilhem, sendo Diretor Geral de
Saúde Naval, o Contra-Almirante (Md) Otávio Joaquim Tosta da Silva.
O Título desta revista foi registrado no Departamento Nacional de Propriedade Industrial do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, conforme termo de depósito número 247.731, de 15 de junho de 1953,
e no Registro Civil das pessoas Jurídicas (Vara de Registro Público do Distrito Federal), sob o número
635, no livro “B”, número 1 de matrícula de oficinas impressas, jornais e outros periódicos, em 15 de
junho de 1953.

Anos 30 - No final da década de 30, a revista Anos 80 – A periodicidade passa a ser regular
científica foi criada pelo aviso n° 1.070, do e a revista adquire o formato tradicional - “in
Ministro da Marinha, o Vice-Almirante Hen- octavo”.
rique Aristides Guilhem, em 19 de junho de Meados de 80 e início de 90 - A informatiza-
1939. ção torna necessária a indexação, para facilitar
Anos 40 – É publicada a primeira edição com a busca e recuperação de artigos.
nove artigos e 145 páginas. A periodicidade é Final de 90 – O novo padrão na publicação dos
semestral. artigos científicos obedece aos avanços cientí-
Segunda metade do século XX - Fase da bus- ficos e tecnológicos provocados pela globali-
ca pela padronização no processo de editora- zação.
ção dos artigos científicos. Anos 2000 – A revista passa a ser disponibiliza-
Anos 60 – Os artigos passam a aparecer com da em formato digital na página da Diretoria de
resumo, bibliografia consultada e o crédito Saúde da Marinha.
dos autores.
Anos 70 – A revista passa a incluir introdução,
material & métodos, resultados, discussão e
conclusão na sua estrutura. A periodicidade
continua irregular.
Mensagem

S
ócrates (470-399 a.C) afirmava que a vida sem reflexão não
vale a pena ser vivida.
Hoje, vivemos tempos de profunda transformação e, con-
sequentemente, necessária reflexão. As Forças Armadas, inseri-
das neste contexto, vêm reestruturando os seus diversos níveis de
Gestão em Saúde, e consideram estratégica a vertente de Ensino e
Pesquisa. O Sistema de Saúde da Marinha (SSM), em consonância
com esta linha de pensamento procura, incessantemente, fomentar o
crescimento da expertise e a produção de conhecimento em saúde.
Assim, no ano em que celebra-se o 167º Aniversário do Corpo de
Saúde da Marinha (CSM) é com muito orgulho que disponibilizamos
a 77ª edição da revista Arquivos Brasileiros de Medicina Naval. Pu-
blicada desde a década de 40, a nossa revista alcança patamar de
visibilidade perante a comunidade científica nacional e internacional
pela qualidade e efetividade para a Sociedade dos trabalhos nela
apresentados.
A presente edição conta com a colaboração de diversos represen-
tantes das mais variadas vertentes do SSM. Estes, não mediram es-
forços para escreverem os artigos, buscando passar as informações
de forma atraente e reunindo as últimas evidências publicadas.
Tal como aconteceu nas edições anteriores, fomos grandemente
encorajados pela ajuda e suporte constante que recebemos de mui-
tas pessoas. Assim, aproveito a ocasião para agradecer a todos que
de alguma forma contribuíram para a concretização da presente edi-
ção. Temos plena consciência do engajamento em prol do sucesso.
Agradeço, ainda, a todos os integrantes do CSM que de forma
entusiástica, dedicada e perseverante contribuem para o bem-estar
de nosso maior patrimônio: a Família Naval.
Aos nossos queridos seguidores desejo uma prazerosa leitura e
uma profícua reflexão!

Sérgio Pereira
Vice-Almirante (Md)
Diretor de Saúde da Marinha
Editorial

E
ste ano, ao publicarmos o 77º volume de nosso periódico “Arquivos
Brasileiros de Medicina Naval” (ABMN), acreditamos que, acima
de tudo, ficou evidente o grau de atualização e desenvolvimento
das atividades de saúde na Marinha, demonstrando que a ciência per-
manece, de forma inequívoca, guiando o rumo de nossos profissionais.
Os trabalhos englobam temas que vão desde de doenças que aco-
metem a espécie humana há milênios, tais como tuberculose e parasi-
toses intestinais, até doenças emergentes como a infecção pelo vírus
Zika. Aspectos modernos do dogma da assistência em saúde “primum
non nocere”, são explorados no artigo sobre as doses de radiação nos
exames de tomografia computadorizada e no trabalho sobre a seguran-
ça do paciente. Incluídos também nesta edição, artigos a respeito do
azul da Prússia e sobre biotraçadores, fazem referência a questões que
revelam a complexa e inseparável relação entre os serviços de saúde
das Forças Armadas e a Defesa Nacional.
Agradeço aos autores pela excelência dos artigos e pela contribuição
que fazem para manter vivo o espírito acadêmico, tão necessário na
área de saúde, cedendo parte de seu valioso tempo dedicado às tarefas
do cotidiano e, certamente, abrindo mão de incontáveis horas de conví-
vio familiar.
Da mesma forma, agradeço a todos os membros do Conselho Edito-
rial da ABMN, pela árdua tarefa de selecionar os trabalhos, dentre tantos
recebidos do mais alto nível, sugerindo as alterações necessárias para
a publicação e, dessa forma, mantendo nossa revista com excepcional
qualidade.
Aos leitores, espero que apreciem as próximas páginas.
Muito obrigado.

André Germano De Lorenzi


Capitão de Mar e Guerra (Md)
Editor-Chefe
Expediente
ARQUIVOS BRASILEIROS DE MEDICINA NAVAL
PUBLICAÇÃO ANUAL DA DIRETORIA DE SAÚDE DA MARINHA

COMANDANTE DA MARINHA
Almirante de Esquadra EDUARDO BACELLAR LEAL FERREIRA

DIRETOR-GERAL DO PESSOAL DA MARINHA


Almirante de Esquadra ILQUES BARBOSA JUNIOR

DIRETOR DE SAÚDE DA MARINHA


Vice-Almirante (Md) SÉRGIO PEREIRA

EDITOR CHEFE
Capitão de Mar e Guerra (Md) ANDRÉ GERMANO DE LORENZI

CONSELHO EDITORIAL
Capitão de Mar e Guerra (Md) ANDRÉ GERMANO DE LORENZI
Capitão de Fragata (Md) MARCELO LEAL GREGÓRIO
Capitão-Tenente (S) CARLA SALES MAIA
Primeiro-Tenente (RM2-S) JULIANA PANDINI CASTELPOGGI
Primeiro-Tenente (RM2-S) JESSÉ GUIMARÃES DA SILVA
Primeiro-Tenente (RM2-T) AUGUSTO CESAR DA SILVA
Primeiro-Tenente (S) DANIEL FILISBERTO SCHULZ
Primeiro-Tenente (RM2-S) RODRIGO JORGE DE ALCANTARA GUERRA
Primeiro-Tenente (S) HALLINY SIQUEIRA RUELA
Primeiro-Tenente (RM2-Md) MARIA ALICE FUSCO DE SOUZA
Servidora Civil ANDREIA JORGE DA COSTA

CONSELHO CONSULTIVO
Contra-Almirante (Md) EDMAR DA CRUZ ARÊAS
Diretor do Hospital Naval Marcílio Dias
Contra-Almirante (Md) DALVA MARIA CARVALHO MENDES
Diretora do Centro Médico Assistencial da Marinha
Contra-Almirante (Md) LUIZ CLAUDIO BARBEDO FRÓES
Diretor do Departamento de Saúde e Assistência Social do Ministério da Defesa
Contra-Almirante (Md) MARCO ANTONIO GOMES DE FREITAS
Assessor do Diretor de Saúde da Marinha
Contra-Almirante (Md) ANTONIO BARRA TORRES
Diretor do Centro de Perícias Médicas da Marinha
Contra-Almirante (Md) HUMBERTO GIOVANNI CANFORA MIES
Diretor do Centro de Medicina Operativa da Marinha

Redação e Administração
ARQUIVOS BRASILEIROS DE MEDICINA NAVAL
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Projeto gráfico / Diagramação / Editoração Eletrônica / Impressão


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Diretor de Arte: Erick Viana Serva

Periodicidade
Anual

Tiragem
2.000 exemplares – Distribuição gratuita

Normas para Publicação


https://www.mar.mil.br/dsm/normasdepublicacao

Os artigos assinados e as opiniões expressas nesses artigos são de


responsabilidade exclusiva dos autores.
Sumário
ARTIGO HISTÓRICO
A Tuberculose nos arquivos da perícia médica na Marinha do Brasil –
histórico e atualidades ................................................................................................................................ 5
CMG (RM1-Md) Regis Augusto Maia Frutuoso / CF (RM1-Md) Gláucia Regina Dantas Ferreira

ARTIGOS ORIGINAIS
Doses de radiação efetiva para os pacientes nos exames de tomografia computadorizada realizados
no Hospital Naval Marcílio Dias............................................................................................................... 15
CF (Md) Mônica Silva Costa Janson Ney / Alair Augusto Sarmet Moreira Damas dos Santos /
1º Ten (T) Giuliana Vasconcelos de Souza Fonseca

Prevalência de parasitoses intestinais em pacientes atendidos pelo Sistema de Saúde da Marinha


em postos sediados no Estado do Rio de Janeiro, em 2015. ................................................................. 21
Eduardo Alves Maranhão / CB-RM2-PC Raquel Cristina de Santana / CB-PC Camila Ferro Brito /
CB-PC Vanessa de Sousa Rizzo / 1º Ten (RM2-S) Adriana Paula Macedo Ferreira Pereira /
1º Ten (RM2-S) Rodrigo Jorge de Alcantara Guerra

Perfil dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica em Hospital Militar localizado na cidade do
4 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1)

Rio de Janeiro, no ano de 2014 ................................................................................................................. 29


Heloisa de Sá da Silva Guerra / 1º Ten (RM2-S) Rodrigo Jorge de Alcantara Guerra /
1º Ten (T) Giuliana Vasconcelos de Souza Fonseca / 1º Ten (RM2-S) Juliana Pandini Castelpoggi

ARTIGOS DE REVISÃO
Azul da Prússia: aspectos químicos, farmacológicos e de eficácia e segurança para uso como
medicamento ............................................................................................................................................... 37
1º Ten (S) Halliny Siqueira Ruela / 1º Ten (RM2-S) Joel Flores Bueno / 1º Ten (RM2-S) Erika Bachini Fonseca /
1º Ten (S) Ana Paula Felix Trindade Carmo

A epidemia do Vírus Zika: desafios clínicos à medicina moderna ...................................................... 46


1º Ten (RM2-S) Shana Priscila Coutinho Barroso / 1º Ten (RM2-S) Rachel Antonioli Santos /
1º Ten (T) Giuliana Vasconcelos de Souza Fonseca / CF (Md) Marcelo Leal Gregório

Segurança do paciente no Hospital Naval Marcílio Dias: desafios e perspectivas............................ 57


1º Ten (RM2-S) Adriana Paula Macedo Ferreira Pereira /CT (S) Cristiane Soares Cardozo Wergles /
CC (S) Adriana Fusco de Souza

ARTIGO ESPECIAL
O uso de biotraçadores polínicos: novas perspectivas para o desenvolvimento da estratégia de
defesa contra ataques por via atmosférica .............................................................................................. 65
3º SG-EF Luiz Antonio da Costa Rodrigues / 1º Ten (RM2-S) Shana Priscila Coutinho Barroso /
1º Ten (RM2-Md) Maria Alice Fusco de Souza / CB-EF Caroline Corrêa de Aguiar /
3º SG-EF Bruno de Lima Miranda
A TUBERCULOSE NOS ARQUIVOS DA PERÍCIA
MÉDICA NA MARINHA DO BRASIL –
HISTÓRICO E ATUALIDADES
Recebido em 04/07/2016
Aceito para publicação em 16/09/2016

CMG (RM1-Md) Regis Augusto Maia Frutuoso 1


CF (RM1-Md) Gláucia Regina Dantas Ferreira 2

RESUMO
Segundo dados atuais da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o único país das Amé-
ricas entre os 22 responsáveis por 80% dos casos mundiais de Tuberculose, numa triste 16ª posição.
Os autores apresentam os resultados de pesquisa documental, realizada para conhecer os procedi-
mentos médico-periciais utilizados nas avaliações das guarnições da Marinha do Brasil, no período de
1860 a 1900, realizados no Hospital Central da Marinha (HCM), na Ilha das Cobras - Rio de Janeiro.
Comprovam, nesse período, a alta frequência de Tuberculose como causa de incapacidade tempo-

5 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 5-14


rária e definitiva para o Serviço Ativo da Marinha (SAM).
Desenvolvem ainda um breve relato das origens da Tuberculose, que assolava a população dos
países, cidades e as tripulações dos navios das Marinhas de todo o mundo a partir do século XVI, re-
lembrando as condutas terapêuticas tomadas diante da doença.
Finalmente, apresentam documentação médico-pericial relacionada e fatos pouco conhecidos no
meio médico, testemunhando o significativo valor cultural do material coletado nos arquivos da Dire-
toria do Patrimônio Histórico e Documental da Marinha e no Centro de Perícias Médicas da Marinha.

Palavras-chave: Tuberculose; Perícia médica; Marinha do Brasil; História.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar os primeiros registros documentais sobre a Tuber-
culose, nas suas diversas apresentações, que acometia os marinheiros no período de 1860 a 1900,
através de consultas aos arquivos médico-periciais depositados na Diretoria do Patrimônio Histórico e
Documental da Marinha e no Centro de Perícias Médicas da Marinha.
Inicia por uma revisão histórica e documental dos arquivos de perícia, da ocorrência da Tuberculo-
se, entre os anos de 1860 e 1900, com a finalidade de estudar os procedimentos médico-periciais nas
avaliações dos militares.
Como na Marinha do Brasil, a primeira Junta de Saúde oficial, a Junta Médica da Marinha, foi apro-
vada em 1858, pelo Imperador Dom Pedro II, e o Ministro dos Negócios da Marinha estabeleceu e
regulamentou a perícia médica, por meio do Decreto nº 1981/1857 e do Aviso de 27 de julho de 1858,
com a finalidade de executar perícias médicas e inspeções de saúde de oficiais e praças, a presente
revisão revela os primórdios da atividade pericial da Marinha.
No período estudado (1860-1900), foi observado que, nas inspeções de saúde com a finalidade de
verificação de deficiências funcionais, a Junta de Saúde constatou que a principal causa de incapaci-
dade definitiva para o SAM foi a Tuberculose pulmonar, seguida pela sífilis.

1
Médico Auditor do Centro de Perícias Médicas da Marinha. Membro Titular da Academia Brasileira de Medicina Militar. Membro da Sociedade Brasileira
de História da Medicina
2
Chefe da Seção de Medicina Pericial da Diretoria de Saúde da Marinha
Como prova da importância da Tuberculose O faraó Amenophis IV e sua linda esposa Ne-
pulmonar já no contexto nosológico do início do fertiti, cujo busto de ouro maciço é a maior atração
século XX, é compilado o original de Relatório do do museu egípcio de Berlim, morreram de Tuber-
ano de 1901 apresentado ao presidente da Re- culose em torno de 1.300 a.C.
pública dos Estados Unidos do Brasil pelo Contra Na América do Sul, foram encontradas mú-
-Almirante J. Pinto da Luz, Ministro de Estado dos mias pré-colombianas no Peru, nas quais, a partir
Negócios da Marinha, em abril de 1902. de técnicas de Reação em Cadeia da Polimerase
….Merece a tuberculose especial atenção, pois (Polymerase Chain Reaction – PCR), foram anali-
tem se desenvolvido em grande escala nas tripu-
sados fragmentos de tecido, constatando-se sequ-
lações e Corpos de Marinha parecendo-me que
todo o marinheiro, em começo da moléstia, deve ências compatíveis com o DNA do Mycobacterium
ser inspecionado e, confirmada a moléstia, ter bai- tuberculosis (figura 2).4
xa immediata; a promiscuidade dos tuberculosos
com outros doentes ou com companheiros sãos é
sempre nociva, e no Hospital de ordinário isso se
dá por não haver um local para isolla-os.1

Além de ser condição de difícil cura à época,


a Tuberculose, altamente contagiosa, atingiu ao
longo dos anos vários contingentes da Marinha,
causando perdas humanas e gastos significativos.
6 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 5-14

CONTEXTO HISTÓRICO - DAS ORIGENS NO


EGITO AO IDEAL ROMÂNTICO OCIDENTAL

Os Primórdios da Civilização Figura 2 - Múmia peruana chachapoya (povo das nuvens)


Acredita-se que a origem do Mycobacterium encontrada na vertente oriental da Cordilheira dos Andes.5
tuberculosis remonta há cerca de 15000 anos. A
Tuberculose acompanha a humanidade desde o Há evidências de que a Tuberculose tenha sur-
início da civilização, provavelmente há mais de gido, a partir do contato do homem com auroques
5000 anos.2 (espécie de bois extintos no século XVI), contami-
Estudos arqueológicos identificaram múmias nados com Mycobacterium bovis, bactéria causa-
egípcias, há mais de 5000 anos a.C., as quais apre- dora da Tuberculose bovina.
sentavam anormalidades típicas do comprometi-
mento ósseo pela Tuberculose, além de tecidos A TUBERCULOSE NO NOVO MUNDO
contendo o DNA do Mycobacterium tuberculosis No Brasil, não existe nenhuma evidência de
(figura 1). que a Tuberculose ocorresse nas populações in-
dígenas antes do descobrimento, em 1500.
Com a chegada de colonizadores europeus,
comerciantes e aventureiros, muitos deles trouxe-
ram novas doenças, entre elas a Tuberculose. Até
mesmo alguns jesuítas que vieram para o Brasil
eram tuberculosos. O Padre Manuel da Nóbrega
foi certamente um dos primeiros que chegaram ao
Brasil com a doença. Devido ao clima ameno no
Brasil, os frades doentes, vítimas de Tuberculose,
desesperançados e sem remédio eram tentados a
aqui aportarem em busca de melhora ou até cura.
A Tuberculose então contagiou a população indí-
gena. Cartas de Inácio de Loyola e de José de
Anchieta destinadas ao reino de Portugal relatam
que
os índios, ao serem catequizados, adoecem, na
maior parte, com escarro, tosse e febre, muitos
cuspindo sangue, a maioria morrendo com de-
Figura 1 - Múmia egípcia com sinais de tuberculose óssea.3 serção das aldeias.6
Em consequência, as cartas do Padre José A Tuberculose aparece em obras eternizadas
de Anchieta, dirigidas ao Rei de Portugal, D. Ma- como na famosa ópera La Bohème, de Puccini.
nuel I, solicitavam que não fossem enviados mis- Aqui, Mimi morre, numa cena de forte conota-
sionários com moléstias, porque os nativos con- ção romântica, nos braços de seu amado, com
tagiavam-se e morriam todos em pouco tempo.6 sinais de Tuberculose. Alexandre Dumas Filho
Posteriormente, entre os escravos trazidos escreveu A Dama das Camélias para contar a
da África, em navios com condições acentua- história da prostituta Alphonsine Duplessis, que
damente insalubres, recebendo alimentação morreu tuberculosa aos 23 anos. Verdi aprovei-
precária e extenuados pelas longas viagens, a tou o tema para a famosa ópera La Traviata. No
disseminação da doença foi facilitada. libreto, Violetta, a heroína, morre de Tuberculose
No Rio de Janeiro, da colonização ao Império, após reencontrar o amado.
eram altas as taxas de morbidade e mortalidade Entre os poetas portugueses, vários românti-
por Tuberculose, como de outras doenças infec- cos se destacavam por drama, tragédia e sofri-
ciosas. mento como elementos marcantes em sua obra,
As Santas Casas de Misericórdia tiveram, no sendo o chamado Romantismo de Lamartine, na
âmbito assistencial, papel pioneiro na atenção primeira metade do século XIX, uma expressão
aos tuberculosos, desde os tempos do Brasil desse ultrarromantismo.7
Colônia até a criação de dispensários no início Em rápido olhar sobre os sentimentos que
do século XX. perpassavam a poesia romântica, de Soares de
Mesmo após a proclamação da República, a Passos, destaca-se por exemplo:

7 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 5-14


ausência da participação efetiva do poder públi- Amor! Engano que na campa finda
co para o controle da Tuberculose fez surgir um Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem d’entre os vivos se lembrara ainda
movimento entre o meio médico e a sociedade ci- Do pobre morto que na terra jaz7
vil das primeiras instituições voltadas essencial-
mente para o controle da Tuberculose, servindo A ideia da morte está sempre presente e a
modelos europeus. Em 1899, foram fundadas a tristeza é a marca dominante nos corações e
Liga Brasileira contra a Tuberculose no Rio de mentes dos poetas, como Guilherme Braga:
Janeiro, que deu origem a Fundação Ataulpho Nessa noite ao deitar-se o belo infante
de Paiva e a Liga Paulista contra a Tuberculose. Ergueu de novo as pequeninas mãos
As Ligas divulgavam métodos de tratamento e Mas quando o sol penetrou no quarto
profilaxia por ações de educação sanitária, as- Tinha partido em busca dos irmãos7
sistência aos necessitados e incentivo à criação
de sanatórios, dispensários e preventórios. Antonio Nobre é o grande poeta da época,
uma verdadeira mola para a sua geração. Poeta
UM IDEAL DE DOENÇA ROMÂNTICA de obra curta, mas inesquecível, sempre lembra-
Durante o século XIX, a doença assumiu uma da quando a poesia e a Tuberculose são revisi-
concepção romântica, o mal romântico, ideia ex- tadas:
tremamente difundida, principalmente entre os Quando ela passa à minha porta
Magra, lívida, quase morta,
poetas e artistas da época.
E vai até a beira mar;
A Tuberculose povoou o imaginário social e Lábios brancos, olhos pisados:
cultural do século XIX. Interessante destacar Meu coração dobra a finados,
que, por suas características clínicas de cro- Meu coração põe-se a chorar7
nicidade, evolução algo arrastada e episódios
dramáticos de tosse e hemoptise, com lento de- No Brasil, românticos consagrados como
finhar e morte, a doença impulsionou a criativi- Castro Alves, Álvares de Azevedo, Manuel Ban-
dade humana nas artes em geral. A Tuberculose deira, Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos e
não representava então qualquer estigma social Graciliano Ramos foram consumidos pelo bacilo
e foi perfeitamente integrada ao romantismo da de Koch.7
época, adoecendo prostitutas, escritores, pinto- Em seleção bastante breve, de trechos de po-
res, músicos, literatos e até os poetas das altas etas brasileiros, é evidente a ideia da tristeza e
classes sociais. Byron, Musset, Henry Murger e da morte, e uma sombra de saudade que nunca
Alexandre Dumas Filho exerceram influência no abandonou a poesia dos românticos, como Cas-
romantismo francês que idealizou a Tuberculose. tro Alves:
Eu já não tenho mais vida! era outro fator que propiciava o contágio aos tripu-
Tu já não tens mais amor! lantes. Na maioria dos casos, esses marinheiros
Tu só vives para o riso,
eu só vivo para dor”.7
eram homens rudes que embarcavam contraria-
dos ou iludidos por um sonho ou aventura.
Manuel Bandeira, mais relacionado ao Moder- A ignorância própria da época, em relação
nismo, sobreviveu à Tuberculose e chegou aos às doenças e seus tratamentos, fazia com que
oitenta anos. Na primeira fase de sua vida poé- as práticas médicas se tornassem rudimentares
tica, não escondia a amargura e a incerteza de e ineficazes. Dessa forma, a medicina de então
seu imaginado futuro como doente. Depois disso, era impotente perante a maioria das doenças que
sobrevive a ironia e o humor sutil, como em Pneu- acometiam as pessoas.
motórax: Nos navios, as doenças propagavam-se com
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos tanta facilidade que era difícil selecionar mari-
A vida inteira que podia ter sido e não foi nheiros com capacidade e robustez física para
Tosse, Tosse, Tosse, assegurar qualquer manobra ou até a defesa dos
Mandou chamar o médico: mesmos.
- Diga trinta e três
Trinta e três ... Trinta e três ... Trinta e três
No período estudado (1860-1900), foi consta-
- Respire! tado que, nas inspeções de saúde com a finali-
O senhor tem uma escavação no pulmão es- dade de verificação de doenças funcionais, a
querdo e o pulmão direito infiltrado Junta de Saúde constatou que a principal causa
Então doutor, não é possível tentar o pneumo- de incapacidade definitiva para o Serviço Ativo da
tórax?
8 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 5-14

Não. A única coisa a fazer é tocar um tango ar- Marinha foi a Tuberculose pulmonar, seguida pela
gentino7 sífilis (figuras 3 e 4).8

A DOENÇA QUE DESCONHECE


BARREIRAS
Entre os profissionais de saúde, mui-
tas foram as vítimas. René Jacinto Teófilo
Laennec contraiu a Tuberculose infectan-
do-se durante os estudos anatomopato-
lógicos. Florence Nightingale, enfermeira, Figura 3- Marinheiro de 2a classe e Grumete com tuberculose pulmo-
contraiu Tuberculose aos 30 anos e não nar: ...inválido não podendo angariar os meios de subsistência / vida
8

obstante chegou aos 90 anos, trabalhando


intensivamente. Conseguiu dar status pro-
fissional às enfermeiras e tornar científica à
enfermagem.
Outros nomes célebres, como Cham-
pollion, que decifrou a pedra de Rosetta
descoberta no Egito numa expedição de
Napoleão, também foram vitimados pela Figura 4 - 4 e 5 8 linha: ...soffre de infiltração tuberculosa do pulmão
a a

direito.... incapaz
Tuberculose.
Braille, cego e organista, contraiu a Tuberculo-
se e foi obrigado a permanente repouso que lhe Á época, o problema da hospitalização dos
facultou a paciência e o tempo para criar um alfa- marinheiros tuberculosos foi motivo de sérias pre-
beto com pinos salientes para a leitura dos cegos, ocupações das autoridades navais.
até hoje universalmente adotado. Na Marinha, entre os pacientes portadores ou
suspeitos de doenças infectocontagiosas, era alta
A TUBERCULOSE NA MARINHA DO BRASIL a incidência de beribéri, que eram baixados em
Na Marinha do Brasil, a Tuberculose também hospital-barraca na Ilha do Governador e na Ilha
se apresentou como um grande problema de saú- da Boa Viagem, em Niterói. A situação era muito
de. À época, a vida a bordo era extremamente precária. O local era impróprio e os barracões de
rigorosa: alimentação deficiente, porque muitas madeira que serviam para abrigar os acometidos,
vezes os navios ficavam longos períodos sem além dos inconvenientes do material de constru-
atracar, privando o acesso da tripulação a uma ção, deterioravam rapidamente, sendo necessá-
alimentação saudável. O confinamento também rio retirar os doentes o mais breve possível.9
Inicialmente, foram encaminhados para a En-
fermaria Auxiliar de Copacabana (figura 5), situa-
da no caminho que ligava a Rua Real Grandeza à
Rua Barrozo, atual Siqueira Campos. Esse local
era destinado aos marinheiros beribéricos, que
como pensava-se tratar de uma doença contagio-
sa, necessitariam de mudança de ambiente e cli-
ma. Pelo aumento significativo de novos casos, foi
necessário providenciar instalações maiores.10
O Decreto Federal nº 7203 de 3 de dezembro
de 1908, em seu artigo 2º, assim regulamentava o
Serviço Hospitalar na Marinha:
Art 2º - Os hospitais dividir-se-ão em duas clas- Figura 5 - Enfermaria de Copacabana10
ses: primeira e segunda.
§1º - Os de 1ª Classe são destinados ao trata-
mento das moléstias médicas e cirúrgicas em ge-
ral e neles não serão recebidos doentes afetados
de enfermidades infecciosas ou transmissíveis.
§2º- Os de 2ª Classe são destinados ao trata-
mento dos beribéricos, dos tuberculosos e de mo-

9 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 5-14


léstias infecciosas.10
Em 22 de março de 1910, a União adquiriu do
Conde de Nova Friburgo uma propriedade locali-
zada na cidade de Nova Friburgo, Rio de Janeiro,
que foi incorporada à Marinha, para instalação de
um hospital de 2ª Classe, que seria o futuro Sana- Figura 6 - Sanatório Naval de Nova Friburgo, Rio de Janeiro.11
tório Naval.
Em 16 de junho do mesmo ano o Governo re-
solveu transferir para Nova Friburgo, no Rio de Ja-
neiro, o Hospital de Copacabana, surgindo assim
o Sanatório Naval (figura 6).9
No decorrer dos anos, após constatação que o
beribéri não é uma doença contagiosa e sim tem
origem na deficiência de vitamina B1, esta condi-
ção carencial deixou de ser um flagelo e hoje de-
sapareceu da Marinha.9
O Sanatório Naval (figuras 7 e 8), destituído de
sua finalidade inicial, foi transformado em hospital
especializado para tratamento de convalescentes Figura 7 - Sanatório Naval de Nova Friburgo: Hospital de
de Tuberculose, sendo inaugurado o Hospital de Tuberculosos.12
Tuberculosos em 18 de fevereiro de 1936.11
Desde então, os oficiais e praças da Marinha
passaram a serem chamados de “H.T.” pelos cida-
dãos friburguenses, como uma alcunha por serem
oriundos do Hospital de Tuberculosos (figura 7).12
Em 1941, o diretor do Sanatório Naval, convi-
da Irmãs de caridade da Ordem de São Vicente de
Paulo para auxiliar na Clínica Tisiológica. As religio-
sas deviam dar assistência espiritual aos enfermos
e colaborar com os serviços de lavanderia, cozinha
e outras atividades de apoio (figuras 9 e 10).12
As extraordinárias condições climáticas, a pure-
za do ar, a temperatura amena, a superioridade da Figura 8 - Visão da Enfermaria – Sanatório Naval de Nova
água, fizeram de todo o município um inigualável Friburgo.12
EPIDEMIOLOGIA, PATOGENIA E ASPECTOS
CLÍNICOS
A Tuberculose é considerada uma das doen-
ças de maior mortalidade na história da humani-
dade, e ainda representa uma grande ameaça.
Estudos recentes mostram que estão infectados
quase 2 bilhões de habitantes do planeta, cau-
sando a morte de aproximadamente 3 milhões de
pessoas por ano.
Historicamente ocorreram três grandes pe-
ríodos de epidemias de Tuberculose: no século
XIX, atingiu um quarto da população mundial; a
Figura 9 - Enfermaria com apoio de uma Irmã Vicentina (à segunda epidemia corresponde à expansão da
direita na foto).12 coinfecção Vírus da Imunodeficiência Humana -
Tuberculose e a terceira epidemia por sua vez é a
atual Tuberculose multidroga resistente.
O termo Tuberculose é recente. Foi cunhado
em 1839 por Schöenlein (1793-1864), baseado
no nome dado em 1680 por Sylvius à lesão nodu-
lar, o tubérculo, encontrado em pulmões dos do-
10 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 5-14

entes. Anteriormente era conhecida como tísica


(do grego phthiso, com significado de consumir,
definhar) ou consunção (do latim, consumptio
onis, também com sentido de consumir). Popular-
mente era chamada de peste branca.14
A Tuberculose é uma doença infectocontagio-
Figura 10- Oficiais Médicos, Padres e Irmãs Vicentinas12 sa e endêmica provocada pelo Mycobacterium
tuberculosis, ou bacilo de Koch, micro-organis-
sanatório. mo em forma de bastonete descoberto em 1882
Em 1940, na época o Ministro da Marinha Vi- pelo médico alemão Robert Koch (1843-1910).
ce-Almirante Aristides Guilhem resolve comprar As pessoas infectadas pelo bacilo podem não
um terreno anexo ao Instituto Naval de Biologia, desenvolver a doença. Na maioria dos casos, as
no bairro Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro, e bactérias invasoras são mortas ou inativadas pe-
nesse local construiu o Pavilhão Dr. Carlos Frede- las defesas naturais do corpo. A via de contami-
rico com 150 leitos, que representava o estado da nação normalmente é aérea, o indivíduo contrai a
arte em instalações destinadas aos pacientes por- infecção ao inalar os bacilos que flutuam em gotí-
tadores de Tuberculose pulmonar, uma patologia culas de umidade dispersas no ar, disseminadas
ainda desafiante para a época (figura 11).13 através da tosse de um paciente tuberculoso. As
O Hospital de Tuberculosos de Nova Friburgo bactérias também podem penetrar no organismo
funcionou até o ano de 1966 e então foi desativa- através de alimentos contaminados, como leite ti-
do.13 rado de vaca com Tuberculose. Após o início da
pasteurização do leite tornou-se rara a ocorrência
desse tipo de contaminação. Os pulmões consti-
tuem o principal foco do bacilo, mas a Tuberculo-
se pode acometer todos os órgãos. Até o momen-
to, só não há descrição de Tuberculose em unha
e cabelo. Na maioria dos casos, a Tuberculose
desenvolve-se quando as defesas naturais do
corpo estão comprometidas por uma enfermidade
ou outra causa. Ao entrarem em contato com o or-
ganismo, as bactérias invasoras ativam o sistema
imunitário. As células de defesa em contato com
Figura 11 - Pavilhão Dr. Carlos Frederico - Lins de Vascon-
celos, RJ - 194013 o Mycobacterium tuberculosis formam tubérculos
no interior dos quais os germens permanecem vi-
vos, porém inativos. A doença pode se
manifestar anos depois da infecção. A
primeira invasão das bactérias, segui-
da da formação de tubérculos, é cha-
mada de infecção primária ou comple- Figura 12 - “Foguista de 1ª classe contratado Zepherino Clementino Ber-
nardo da Silva soffre de scrophulose com manifestações cervicais pelo que
xo primário, sendo raros os sintomas está inválido não podendo prover os meios de subsistência”8
nesse período. Algumas vezes, febre,
mal estar generalizado, náuseas e enantema. O
primeiro sintoma da Tuberculose pulmonar é a
tosse prolongada, o que leva muitos pacientes a
suporem que contraíram apenas uma virose res-
piratória. Pode ocorrer febre, sudorese noturna,
emagrecimento e hemoptise, que é a eliminação
de sangue vermelho vivo associado à tosse. Se a
infecção não for tratada, podem formar-se novas
cavidades nos pulmões e até ocorrer a difusão
para outros órgãos.15
A Tuberculose pleural é a forma extrapulmo-
nar mais comum de Tuberculose no adulto imu- Figura 13: Tuberculose ganglionar : cadeia cervical.8
nocompetente. Em aproximadamente 20% dos

11 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 5-14


casos, está associada com lesão pulmonar ativa.
O RX de tórax demonstra a presença de derrame
pleural.
A escrofulose, escrófula ou “Mal de King”, era
a denominação para a Tuberculose ganglionar (fi-
guras 12 e 13), considerada antigamente como
uma entidade isolada. Atualmente, a forma lin-
fonodal da Tuberculose indica imunodeficiência,
principalmente relacionada à Síndrome da Imu-
nodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS). Decorre
da progressão dos focos bacilares, acometendo
com maior frequência a cadeia cervical anterior.
Inicialmente, o crescimento dos gânglios é lento,
são indolores e móveis. Posteriormente aumen-
tam de volume e tendem a coalescer e fistulizar, Figura 14 - Tuberculose vertebral (Mal de Pott). Acentuada
cifose pelo colapso das vértebras e a cabeça lançada para
drenando material seroso ou purulento por longos frente.3
períodos (escrofuloderma). Pode ocorrer febre e
emagrecimento.8
A Tuberculose osteoarticular envolve principal-
mente a coluna vertebral (figuras 14 e 15). O seg-
mento mais frequentemente envolvido é a coluna
torácica. A infecção inicia-se nos corpos vertebrais
que são progressivamente destruídos, podendo
resultar em colapso com consequente formação
da gibosidade característica, com cifose. A essa
manifestação extrapulmonar da Tuberculose no
qual o envolvimento da coluna vertebral se faz
presente, é denominada Mal de Pott. A doença
leva o nome de Percival Pott (1714-1788), cirur-
gião britânico que a descreveu no século XVIII.3
Em 1890, Robert Koch (1843-1910) anunciou
a descoberta de um extrato glicerinado estéril reti-
Figura 15 - Tuberculose da coluna vertebral com desvio late-
rado de culturas do bacilo da Tuberculose, dando ral da coluna vertebral.3
a essa substância o nome de tuberculina. A prin-
cípio, Koch acreditou ter descoberto a cura para daram a superar algumas crenças até então acei-
a Tuberculose, porém, as experiências realizadas tas em relação à doença, entre elas, seu suposto
por ele logo demonstraram a ineficácia do trata- caráter hereditário e a importância do clima para
mento. Abandonada como método terapêutico, a a recuperação do doente. Em 1944, a descoberta
tuberculina passou a ser utilizada no diagnóstico de um antibiótico, a estreptomicina, por Selman
da doença.15 Waskman (1888-1973) e colaboradores, abriu
Robert Koch (figura 16), de nacionalidade ale- nova perspectiva para o tratamento da Tubercu-
mã, publicou seus estudos sobre a Tuberculose lose. Outro avanço significativo foi a descoberta
em 1881 e isolou o bacilo causador desta doença da isoniazida (hidrazida do ácido isonicotínico)
no ano seguinte, sendo este denominado bacilo em 1951. Esta substância inibe a proliferação dos
de Koch. Em 1883, viajou para o Egito e a Índia bacilos (figuras 17 e 18).
com o objetivo de estudar a etiologia do cólera,
conseguindo provar, também no ano seguinte,
que seu causador era o Vibrio comma.15
12 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 5-14

Figura 17: Revista “Roche”, Rio de Janeiro. 06/1952. 17

Figura 16- Robert Koch16

Pode ser considerado o criador da bacteriolo-


gia médica, pois criou as principais técnicas des-
sa disciplina.
Assim, em 1905, pela investigação e desco-
berta do agente transmissor da Tuberculose, foi
laureado com o Prêmio Nobel.16
Como terapêutica para a Tuberculose, prevale-
ceu inicialmente o tratamento em sanatórios, esta-
belecimentos criados na Europa, na América e em
outras partes do mundo a partir da segunda me-
tade do século XIX. Esses sanatórios forneciam
condições adequadas: repouso, superalimenta-
ção, clima favorável e isolamento do doente. Em
1909, dois pesquisadores do Instituto Pasteur,
Albert Calmette (1863-1933) e Camille Guerin
(1872-1961), comunicaram o desenvolvimento de Figura 18: O Pharmaceutico Brasileiro. Rio – 12/1935.18
um bacilo de virulência atenuada que possuía ca-
pacidade imunizante contra a Tuberculose. Após Com a comprovação da eficácia dos antibióti-
uma série de testes, o BCG, primeiro imunizante cos para a cura da Tuberculose, o tratamento pas-
bacteriano atenuado, passou a ser regularmente sou a ser feito em ambulatórios na grande maioria
utilizado como vacina. Os avanços científicos ve- dos casos, tornando desnecessária a internação
rificados nas primeiras décadas do século XX aju- do paciente (figura 19).
da Marinha, também é instrumento eficaz para o
controle da Tuberculose.
Hoje com nítido estigma social e econômico,
a tuberculose, entretanto, nem sempre foi rela-
cionada à pobreza, sendo antes uma doença dos
poetas e heróis do Romantismo.
Isto comprova que os aspectos culturais da do-
ença podem ser um determinante importante para
o seu controle, cabendo ao médico o seu conheci-
mento e até mesmo a atuação sobre estes fatores
sociais.

REFERÊNCIAS
Figura 19: Reclame Correio do Povo (Santos, SP) - 1. Almeida SCP. Corpo, saúde e alimentação
11/01/190018 na Marinha de Guerra brasileira no período
pós-abolição, 1890-1910. Hist Ciênc Saúde-
Como resultado, os sanatórios foram sendo Manguinhos. 2012 dez;19(supl 1):15-33.
gradativamente desativados. No passado, alguns 2. Hijjar MA, Procópio MJ. Tuberculose –
casos eram submetidos a cirurgia com o objetivo epidemiologia e controle no Brasil. Rev. Hosp.
de retirar o pulmão doente, de modo a que ele Univ. Pedro Ernesto. 2006jun/dez;5(2):15-23.

13 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 5-14


deixasse de funcionar. Posteriormente, em deter- 3. Wells C. Ossos, corpos e doenças. Lisboa:
minados casos, em vez de provocar o colapso do Editorial Verbo;1969.
pulmão, extirpava-se o segmento doente. O res- 4. Salo WL, Aufderheide AC, Buikstra J, Holcomb
tante do pulmão funcionava normalmente. Atual- TA. Identification of mycobacterium tuberculosis
mente a quimioterapia tríplice é eficaz na imensa DNA in a pre-Columbian Peruvian mummy. Proc
maioria dos casos e o que preocupa é a resistên- Natl Acad Sci USA. 1994 Mar;91:2091-4.
cia do bacilo de Koch, pelo abandono precoce do 5. Lerche PT. Em busca dos chachapoyas
tratamento, que é disponibilizado de forma gratui- – aqui jaz o povo das nuvens. Natl Geogr (Ed.
ta pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Port.). 2000 set;90-107.
6. Maciel MS, Mendes PD, Gomes AP, Siqueira-
CONCLUSÕES Batista R. A história da tuberculose no Brasil: os
“Só se domina completamente uma ciência, muitos tons (de cinza) da miséria. Rev Soc Bras
conhecendo sua história.”20 Nas palavras de Au- Clin Med. 2012 maio/jun;10(3):226-30.
gusto Comte, estão perfeitamente delineados os 7. Ramalho AA. O Porto e a tuberculose.
objetivos do presente estudo. Assim, esta rápida História de 10 anos de luta. Porto: Fronteira do
viagem através do tempo, dos primórdios no Egi- Caos; 2006.
to dos faraós, passando pelos poetas românticos 8. Pereira S, Frutuoso RAM. Apontamentos para
do século passado até a atualidade, permite uma a história médico-pericial na Marinha do Brasil. Arq
compreensão mais exata de todos os aspectos da Bras Med Naval. 2011 jan/dez;72(1):10-5.
Tuberculose e da batalha travada para alcançar 9. Frutuoso RAM. História da sífilis na
sua cura e controle a nível nacional. A Tubercu- Marinha do Brasil. Arq Bras Med Naval. 2013 jan/
lose atualmente é uma doença de alcance plane- dez;74(1):8-14.
tário, com maior frequência entre os países em 10. Gerson B. História das ruas do Rio de
desenvolvimento e o Brasil é um dos países com Janeiro. Rio de Janeiro: Lacerda; 2000.
maior incidência e prevalência da doença. 11. Arêa J. 50º aniversário de fundação do
Na Marinha do Brasil, a Tuberculose já apa- Sanatório Naval em Nova Friburgo, 1910-1960.
recia no início do século passado nos registros Rio de Janeiro: Gráfica Nova Friburgo; 1960.
médico-periciais do Centro de Perícias Médicas 12. França MF. Notícia histórica do Sanatório
da Marinha, como a principal causa de incapaci- Naval em Nova Friburgo. Rio de Janeiro: Impressa
dade laborativa, e muitas vidas foram perdidas e Naval; 1961.
recursos investidos, até que fosse obtida a qui- 13. França MF. A hospitalização dos
mioterapia eficaz atualmente disponível. tuberculosos da Marinha. Arq Bras Med Naval.
A vacinação obrigatória, aplicado o calendário 2009 jan/dez;70(1):11-3.
de vacinação aprovado pela Diretoria de Saúde 14. Gurgel C. Doenças e curas: o Brasil nos
primeiros séculos. 1ª ed., 1ª reimpr. São Paulo:
Contexto; 2010.
15. Benchimol JL. Trabalhos de Adolpho Lutz.
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2004. V.11
16. Lemos SP. Prêmio Nobel de Medicina: da
pesquisa à conquista. São Paulo: Lemos; 2001.
17. Reclames da Roche. Actas CIBA. 1952
jun;12(6):1965.
18. Pinto ZA. Si é Bayer é bom: reclames da
Bayer: 1911-1942. [Local desconhecido]: Ed.
Bayer do Brasil; 1986.
19. Nascimento DR. Fundação Ataulpho de
Paiva. Liga Brasileira contra a Tuberculose: um
século de luta. Rio de Janeiro: Quadratim; 2002.
20. Rosemberg J. Tuberculose – aspectos
históricos, realidades, seu romantismo e
transculturação. Bol Pneumol Sanit. 1999
dez;7(2):5-29.

Como citar este artigo: Frutuoso RAM, Ferreira


5-14

GRD. A tuberculose nos arquivos da perícia médica


(1):(1)

na Marinha do Brasil – histórico e atualidades. Arq


77 77

Bras Med Naval. 2016 jan/dez;77(1):5-14.


│ Arq.
1414 Bras.
│ Arq. Med.
Med.
Bras. RioRio
Naval,
Naval, Janeiro,
Janeiro,
de de
DOSES DE RADIAÇÃO EFETIVA PARA OS
PACIENTES NOS EXAMES DE TOMOGRAFIA
COMPUTADORIZADA REALIZADOS NO
HOSPITAL NAVAL MARCÍLIO DIAS
Recebido em 16/06/2016
Aceito para publicação em 16/09/2016

CF (Md) Mônica Silva Costa Janson Ney1


Alair Augusto Sarmet Moreira Damas dos Santos2
1º Ten (T) Giuliana Vasconcelos de Souza Fonseca3

RESUMO
Este estudo visa avaliar a dose de radiação para o paciente nos exames de tomografia computa-

15 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 15-20


dorizada (TC) realizados no Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD), a partir das doses efetivas médias
em cada tipo de exame. Métodos: estudo retrospectivo, descritivo, através da análise das doses de
radiação para o paciente nos exames de crânio, tórax e abdome/pelve, a partir do valor do produto
comprimento-dose e da medida da dose efetiva para cada exame. O estudo foi feito no equipamento
multidetector Somatom Sensation 40 canais; Siemens Healthcare, Alemanha, instalado no Serviço
de Radiodiagnóstico. Foi realizada uma análise descritiva dos dados com apresentação de porcen-
tagens, valores médios e respectivos desvios-padrão. Foram construídos intervalos de confiança de
95% para verificar se as doses efetivas médias estavam dentro dos valores das doses efetivas típicas
para exames de TC propostas pelo American Association of Physicists in Medicine (AAPM) relatório nº
96. Resultados: A amostra foi composta por 1.410 exames, tal que 407 eram de crânio, 461 de tórax
e 542 de abdome/pelve. As doses efetivas médias encontradas foram de 1,55 mSv, 3,87 mSv e 7,75
mSv para os exames de crânio, tórax e abdome/pelve, respectivamente. Conclusão: O presente estu-
do identificou que as tomografias de tórax foram realizadas com as médias das doses efetivas abaixo
dos valores típicos preconizados, enquanto nos exames de crânio e abdome/pelve as doses efetivas
estavam dentro da faixa fornecida pelo AAPM relatório nº 96.

Palavras-chave: Dose de radiação; Dose efetiva; Tomografia computadorizada por raios X; Redução
de dose.

ABSTRACT
To assess the radiation dose to the patient in computed tomography (CT) performed at the Marcilio
Dias Navy Hospital, from the effective doses mean values for each type of examination. Methods:
A retrospective, descriptive study, through the analysis of radiation dose to the patients undergoing
head, chest and abdomen / pelvis CT examinations, from the value of the dose-length product that
was subsequently converted into the effective dose for each examination. The study was conduct in
the multidetector scanner Somatom Sensation 40 slices; Siemens Healthcare, Germany. A descriptive
analysis of the data with the presentation of percentages, average and standard deviations values

*Trabalho realizado no Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital Naval Marcílio Dias – Rio de Janeiro-RJ
1
Médica. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal Fluminense. Chefe do Serviço de Radiodiagnóstico do
Hospital Naval Marcílio Dias. Endereço para correspondência: Rua César Zama 185- 3º andar – Departamento de Radiologia - Lins de Vasconcelos – RJ.
CEP 20725-090. E-mail costa.ney@hotmail.com
2
Médico. Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense.
3
Estatística. Encarregada da Seção de Bioestatística do Instituto de Pesquisas Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
were performed. 95% confidence intervals were da dose de radiação para o paciente num dado
built to verify that the average effective doses exame.2 A dose para o paciente também varia
were within the typical values of effective dose de acordo com a marca, modelo e número de
for CT examinations proposed by the American fileiras detectoras de raios-X do equipamento
Association of Physicists in Medicine (AAPM) utilizado. Equipamentos multidetectores tendem
Report # 96. Results: The sample consists of a contribuir com doses maiores do que aqueles
1,410 examinations, such that 407 were head, single-slice, devido à combinação de fatores geo-
461 chest and 542 abdomen / pelvis. The average métricos e necessidade de volumes maiores para
effective doses found were 1.55 mSv, 3.87 mSv reconstrução das imagens.2 Um estudo britânico
and 7.75 mSv for head, chest and abdomen / mostrou uma variação de 40 vezes na dose de
pelvis examinations, respectively. Conclusion: radiação apenas com a utilização de parâmetros
This study identified that the chest examinations técnicos diferentes.8
were performed with effective doses below the Existem várias ferramentas técnicas utilizadas
typical values, while the effective doses for head para reduzir a dose de radiação na Tomografia
and abdomen / pelvis examinations were within Computadorizada (TC), como a modulação auto-
the range provided by the AAPM Report # 96. mática da corrente do tubo, filtração dos feixes
de radiação, colimação, diminuição do potencial
Key words: radiation dose; effective dose; do tubo ou da corrente do tubo, aumento do ín-
computed tomography; dose reduction. dice de ruído e do pitch, que é a velocidade de
deslocamento da mesa durante o exame, redu-
16 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 15-20

INTRODUÇÃO ção da área escaneada e do número de fases do


O ser humano está exposto diariamente à exame.9-10
radiação ionizante, proveniente de fontes natu- O controle das doses de radiação para o pa-
rais (~70%) e fontes artificiais (~30%). Das fon- ciente não é uma prática habitual no nosso meio,
tes artificiais, constata-se que 85% têm origem contribuindo para o aumento desnecessário na
nos procedimentos radiológicos. As tomografias dose de exposição e dos riscos associados.
computadorizadas representam 15% de todos os Em 2009, Sodickson e cols.9 realizaram um
exames de imagem e contribuem com 75% das estudo retrospectivo por um período de 22 anos
fontes artificiais de radiação para a população.1 e observaram que 33% dos pacientes tinham
A quantidade de dose de radiação absorvida aos realizado mais de 5 exames de tomografia; 5%
que os pacientes são expostos está associada tinham realizado pelo menos 22 exames e 1% ti-
a um aumento no risco de desenvolvimento de nham realizado mais de 38 exames. Destes pa-
câncer, particularmente em crianças, que são 10 cientes, 15% receberam uma dose efetiva cumu-
vezes mais sensíveis à radiação do que adultos. lativa maior que 100 mSv; 4% receberam uma
Este fato deve-se a quantidade maior de células dose maior que 250 mSv e 1% recebeu uma dose
sofrendo divisões nos tecidos e nos órgãos ainda maior que 399 mSv.
em desenvolvimento, bem como, pela sua maior Com base no quantitativo de pacientes que
expectativa de vida.2-3 utilizam a TC como método diagnóstico, a pre-
A dose de radiação para o pulmão em um ocupação com a dose de radiação se torna ple-
exame de raios-X de tórax convencional varia de namente justificada. Portanto, é extremamente
0,01-0,15 mSv, enquanto que a dose para o orgão importante que medidas de proteção radiológica
examinado na tomografia pode variar de 10-20 sejam tomadas no sentido de evitar as irradiações
mSv, podendo atingir até 80 mSv num exame de desnecessárias e doses elevadas nos exames.
angiotomografia em um equipamento de 64 ca- Para tal, devemos primeiro conhecer as doses de
nais.4 Segundo o BEIR VII (Biological Effects of Io- radiação que ofertamos aos pacientes durante os
nizing Radiation) da National Academy of Science, exames de TC e, assim, prevenir e reduzir a inci-
uma única dose populacional de 10 mSv associa- dência de eventos adversos relacionados ao uso
se a um risco de 1 em 1.000 para o desenvolvi- da radiação ionizante nos serviços de saúde.
mento de câncer sólido ou leucemia ao longo da
vida, aumentando esta proporção se a exposição MATERIAIS E MÉTODOS
ocorrer em fases mais precoces da vida.5-7 Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
Estudos sugerem que os protocolos utilizados em Pesquisa do Hospital Naval Marcílio Dias e
para realização dos exames diferem entre os ser- foi dispensada a aplicação do termo de consenti-
viços radiológicos, levando a grandes variações mento livre e esclarecido.
Trata-se de um
estudo retrospec-
tivo e descritivo
de análise das
doses de radia-
ção efetiva para o
paciente nos exa-
mes de TC reali-
zados no Serviço
de Radiodiagnós-
tico do Hospital
Naval Marcílio
Dias, no Equipa- Figura 1: Protocolo do paciente fornecido pelo equipamento ao final do exame.
mento multidetector
Somatom Sensa-
tion 40 canais; Siemens Healthcare, Alemanha. K(mSv mGy-1 cm-1)
Foram selecionados os exames de crânio, Região do Corpo
adulto
tórax e abdome/pelve, por serem os que apre-
Crânio 0,0021
sentam maior frequência de realização nos ser-
viços avaliados. Os dados foram obtidos a partir Tórax 0,014

17 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 15-20


do Picture Archiving and Communication System Abdome/pelve 0,015
(PACS) da instituição, por ordem de data de reali- *Adaptado do Relatório da American Association of
zação, por um período de 12 meses. Os exames Physicists in Medicine (AAPM) nº 96 de 2008.
de abdome e pelve foram considerados somente Tabela 1: Valores de K, para adulto, utilizados para cálculos
um exame, porque neste serviço é padronizada a da dose efetiva.
aquisição de sequência única englobando o abdo-
me e a pelve. Após estabelecer as doses efetivas médias
Os critérios de inclusão foram: exames com e seus respectivos desvios-padrão, em cada
somente uma sequência de exposição, sem admi- tipo de exame, estas foram comparadas com os
nistração do meio de contraste venoso; pacientes valores das doses efetivas típicas de radiação
com idade superior a 14 anos, porque são utili- fornecidas pelo AAPM relatório nº 96, confor-
zados protocolos diferentes para crianças abaixo me demonstrado na tabela 2. Foi realizada uma
desta faixa etária; protocolo de exame do pacien- análise descritiva dos dados com apresentação
te disponível no PACS; exames com qualidade de porcentagens, valores médios e respectivos
técnica de imagem que permitiram a emissão de desvios- padrão, sendo construídos intervalos
laudos; exames cujos protocolos para realização de confiança de 95% para verificar se as doses
foram classificados como rotina a fim de padroni- efetivas médias encontravam-se dentro dos pa-
zação. râmetros especificados. Foi adotado o nível de
Todos os demais exames realizados na institui- 5% de significância e utilizado o software livre R
ção que não se enquadraram nos critérios acima 3.2.2.
foram excluídos do estudo. Exames mSv
Os dados analisados foram obtidos a partir Crânio 1-2
dos protocolos do paciente fornecido pelo equi-
Tórax 5-7
pamento ao final de cada exame (figura 1). Foram
avaliados os valores do produto dose-comprimen- Abdome/pelve 8-14
to (DLP) que é utilizado para medir a quantidade *Adaptado do Relatório da American Association of
total de radiação recebida pelo paciente para um Physicists in Medicine (AAPM) nº 96 de 2008.
determinado exame e a partir do qual foi calcu- Tabela 2: Valores típicos de doses efetivas em TC.
lada a dose efetiva (E) utilizando o coeficiente k
para adulto, determinado pelo National Radiologi- RESULTADOS
cal Protection Board (NRPB) do Reino Unido11-12, A amostra foi composta por 1.410 exames de
onde os valores de k dependem de cada região TC, tal que 407 (29%) eram de crânio, 542(38%)
do corpo a ser escaneada (tabela 1), através da de abdome/pelve e 461 (33%) de tórax, confor-
fórmula: E (mSv) = k x DLP. me demonstrado na figura 2.
Dose Efetiva (mSv)
Gênero
Crânio Abdome Tórax
1,75
a
5,02 5,49
Feminino
(0,33) (2,34) (2,55)
1,86 8,72 9,12
Masculino
(0,39) (3,60) (3,29)
Valor de p <0,0001 0,0087 0,0014
a Média ± (D.P.)
valor de p< 0,05 como significativo
Figura 2: Composição amostral por exame. Tabela 5: Valores das médias e desvios-padrão das doses
Com relação à idade, observou-se maior frequ- efetivas de radiação, estratificados por gênero.
ência de pacientes com idades a partir de 60 anos
nos exames de crânio e tórax. Já o exame de ab- Exame
Média da dose efetiva
dome/pelve foi mais frequente nos pacientes mais (mSv) (desvio-padrão)
jovens (tabela 3). Houve predominância do gêne- 1,5462
Crânio
ro feminino em todos os tipos de exame (tabela (0,0961)
4). Houve diferença significativa nos valores das 7,7515
Abdome
médias das doses efetivas entre os pacientes do (3,0392)
sexo masculino e feminino nos três tipos de exa- 3,8737
18 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 15-20

Tórax
mes. Foi observado que a média da dose efetiva (1,5655)
foi maior em pacientes do sexo masculino que do Tabela 6: Valores médios e desvios-padrão das doses efeti-
feminino (tabela 5). vas calculados para cada tipo de exame.
Crânio Adome Torax Dose efetiva
Idade Exame AAPM
(n=407) (n=542) (n=461) (mSv)
Min 15 15 17 Crânio 1-2 1,54-1,56
1st Qu 51 34 54 Abdome 8-14 7,50-8,01
Median 70 50 68 Tórax 5-7 3,73-4,02*
Mean 62,7 51,2 63,8 * intervalo inferior aos valores típicos.
3rd Qu 78 67 77 Tabela 7: Intervalo de 95% de confiança para as médias das
Max 95 96 101 doses efetivas comparados aos valores das doses efetivas
para exames de TC fornecidas pelo AAPM.
Tabela 3: Resumo descritivo das idades dos pacientes estati-
ficado por tipo de exame.. DISCUSSÃO
Nas últimas décadas vêm sendo observando
um aumento crescente do uso da TC na prática
Crânio Abdome Tórax médica, e consequentemente um aumento subs-
Gênero
(n=407) (n=542) (n=461)
tancial da exposição dos pacientes à doses de
200 244 227 radiação ionizante. Nos Estados Unidos, estudos
Masculino
(49,1%) (45%) (49,2%)
recentes reportam que 10% de todos os exames
207 298 234 com radiação ionizante são TC, contribuindo para
Feminino
(50,9%) (55%) (50,8%) cerca de dois terços da dose coletiva naquele
Tabela 4: Sexo dos pacientes por exame para cada tipo de país.13 Atualmente a dose para o paciente e a
equipamento.
dose coletiva resultantes de exames de tomogra-
fia constitui um problema de saúde pública em di-
As médias das doses efetivas de radiação versos países europeus e nos Estados Unidos. No
foram 1,55 mSv, 7,75 mSv e 3,87 mSv, para os Brasil, o número de tomógrafos instalados tam-
exames de crânio, abdome/pelve e tórax, respec- bém vem crescendo progressivamente, trazendo
tivamente. Estes valores com os respectivos in- esta preocupação do aumento da exposição à
tervalos de confiança encontravam-se dentro da radiação ionizante e da dose coletiva. O contro-
faixa de valores típicos tanto para os exames de le das doses de radiação para o paciente, bem
crânio quanto abdome. Já nos exames de tórax, como o conhecimento destas doses por parte dos
as médias estavam abaixo do intervalo, conforme profissionais de saúde, não é uma prática habitual
demonstrado nas tabelas 6 e 7. no nosso meio, o que contribui para o aumento
desnecessário na exposição e dos riscos associa- de tórax e crânio houve uma maior frequência de
dos. O Food and Drug Administration (FDA) consi- pacientes acima de 60 anos, enquanto nos exa-
dera os raios-X utilizados na prática médica como mes de abdome, a maioria dos pacientes estava
um carcinógeno conhecido5, sendo estimado que abaixo de 60 anos. Com relação à dose efetiva,
a radiação decorrente de exames de tomografia houve diferença significativa entre os gêneros
foi responsável por 1,5-2,0% de todos os cânce- para todos os tipos de exames, onde os homens
res nos Estados Unidos e por 29.000 casos de receberam maiores doses, em concordância com
câncer no ano de 2007.4-5,10,14 Sendo assim, é ex- a literatura que relatou que os pacientes do sexo
tremamente importante que medidas de proteção masculino recebem principalmente nos exames
radiológica sejam tomadas no sentido de prevenir de abdome uma dose de radiação maior que as
as irradiações desnecessárias e doses elevadas do sexo feminino, devido à diferença anatômica
nos exames. Para tal, deve-se primeiro conhe- onde os homens têm, em média, uma circunfe-
cer as doses de radiação que são ofertadas aos rência abdominal maior do que as mulheres.19 Se-
pacientes durante os exames de TC que liberam gundo Rodrigues (2012), a altura e a idade não
doses maiores de radiação, quando comparada influenciam a dose de radiação efetiva recebida.19
à radiologia convencional.15 Pesquisas sugerem Neste estudo, quando os valores das doses efe-
que as doses de radiação recebidas pelos pa- tivas encontradas foram comparados ao preconi-
cientes submetidos a procedimentos radiológicos zado no AAPM relatório nº 96, verificou-se que os
são subestimadas por cerca de 90% dos médicos valores médios nos exames de crânio e abdome/
assistentes, com a média da dose recebida sen- pelve estavam dentro da faixa especificada. Já os

19 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 15-20


do 6 vezes maior do que o estimado. Cerca de exames de tórax apresentaram valores abaixo da
100% dos pacientes também subestimam a dose faixa típica preconizada na literatura. Isto está de
recebida em um exame de TC.16 Como a imagem acordo com o princípio da otimização que signifi-
da TC não apresenta indicação visual de supe- ca manter as doses de radiação tão baixas quanto
rexposição, já que fornece apenas os valores de razoavelmente exequível (princípio ALARA, do in-
atenuação dos tecidos, são necessárias medidas glês As Low As Reasonably Achievable), consis-
de dose para o ajuste dos parâmetros técnicos tente com uma qualidade de imagem adequada à
do exame. Uma medida de dose de radiação uti- obtenção da informação diagnóstica.
lizada é a dose efetiva, que indica a quantidade A finalidade deste estudo foi trazer à luz o co-
de radiação média no corpo todo a partir de uma nhecimento das doses efetivas de radiação libera-
irradiação parcial como ocorre nos exames de to- das para os pacientes nos exames de tomografia
mografia, além de permitir a comparação da dose realizados no HNMD permitindo futuros ajustes
entre os diferentes métodos diagnósticos.17 técnicos para a realização de exames com do-
Por outro lado, uma redução na dose de radia- ses ainda menores de radiação para o paciente.
ção dos exames, leva a uma redução no aque- Foram observadas algumas limitações como a
cimento do tubo de raios-X, ocasionando menor ausência de análise dos níveis de ruído e pitch,
desgaste do mesmo, permitindo um aumento na por não estarem disponíveis. Também não foram
sua vida útil. Estima-se que o custo relacionado à levados em consideração o peso e altura dos pa-
troca deste componente, que pode ter uma perio- cientes que não são rotineiramente anotados pelo
dicidade menor do que anual, seja superior a 50 centro radiológico estudado.
mil dólares.18 Estes dois aspectos são de suma Concluindo, o Serviço de Radiodiagnóstico do
importância na avaliação da dose para o paciente Hospital Naval Marcílio Dias realiza exames de
nos exames de TC, pois a redução da dose levará tomografia computadorizada com doses baixas
a uma diminuição no risco de desenvolvimento de para os estudos de tórax e com doses dentro dos
câncer e um aumento na vida útil do tubo com re- valores típicos preconizados na literatura para os
dução do custo relacionado ao equipamento. exames de crânio e abdome/pelve.
O presente estudo demonstrou as doses efeti-
vas de radiação para o paciente nos exames de REFERÊNCIAS
tomografia computadorizada realizados no Servi- 1. Smith A, Dillion W, Lau B, Gould R, Verdun F,
ço de Radiodiagnóstico do HNMD, visando o co- Lopez E, et al. Radiation dose reduction strategy
nhecimento das doses atualmente praticadas. for CT protocols: successful implementa-tion in
Foi observado que em todos os tipos de exa- neuroradiology section. Radiology. 2008;247:499-
mes houve uma predominância de pacientes do 506.
sexo feminino. Com relação à idade, nos exames 2. Golding SJ, Shrimpton PC. Radiation dose
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14. Dijkstra H, Groen JM, Bongaerts FA, van der
Jaqt EJ, de Bock TG, Greuter MJ. The cumulative
risk of multiple CT exposures using two different
PREVALÊNCIA DE PARASITOSES INTESTINAIS
EM PACIENTES ATENDIDOS PELO SISTEMA DE
SAÚDE DA MARINHA EM POSTOS SEDIADOS NO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO, EM 2015.

Recebido em 15/08/2016
Aceito para publicação em 16/09/2016

Eduardo Alves Maranhão1


CB-RM2-PC Raquel Cristina de Santana2
CB-PC Camila Ferro Brito3
CB-PC Vanessa de Sousa Rizzo4
1º Ten (RM2-S) Adriana Paula Macedo Ferreira Pereira5
1º Ten (RM2-S) Rodrigo Jorge de Alcantara Guerra6

21 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 21-28


RESUMO
Parasitoses intestinais (PIs) são doenças transmitidas geralmente pela ingestão de cistos de pro-
tozoários ou ovos de helmintos, e atingem mais de dois bilhões de indivíduos da população mundial.
Acometem predominantemente crianças e adolescentes, além de estarem diretamente associadas a
fatores geográficos e socioeconômicos. Devido aos altos índices de prevalência constituem um rele-
vante problema de saúde pública, ocorrendo mais frequentemente nos países em desenvolvimento
onde o saneamento básico é precário ou até mesmo inexistente. Perante este cenário, este trabalho
teve como objetivo analisar a prevalência de PIs em pacientes assistidos pelos postos de atendimento
do Sistema de Saúde da Marinha (SSM), situados no Estado do Rio de Janeiro, a fim de conhecer o
perfil epidemiológico destas patologias na população estudada. Foi realizado o levantamento de dados
contidos no Sistema Complab Advanced, tendo como critério de inclusão pacientes do SSM, que foram
atendidos nos postos situados no Estado do Rio de Janeiro e que realizaram exames coproparasitoló-
gicos em 2015. A prevalência de PIs foi de 3,8%. Os parasitos mais frequentes foram os protozoários
Endolimax nana (59,1%) e a Giardia lamblia (16,6%). Este trabalho se torna relevante por apresentar
o perfil epidemiológico dos usuários do SSM, além de reforçar que há uma premente necessidade da
melhoria da infraestrutura sanitária do Estado do Rio de Janeiro, visto que os parasitas encontrados
estão principalmente relacionados com a questão sanitária. Ressalta também que os hábitos e as
características culturais da população são fatores extremamente importantes na prevenção das PIs.

Palavras-chave: Parasitoses intestinais; Parasitologia; Saúde pública.

ABSTRACT
Intestinal parasitosis (IPs) is a group of diseases that usually occurs via ingestion of protozoan
cysts or helminth eggs, affecting more than two billion people worldwide. IPs predominantly affects
children and adolescents and is directly associated with geographic and socioeconomic factors. Due to

1
Graduando em Farmácia pela Faculdade Bezerra de Araújo.
2
Técnica em Patologia Clínica - Setor de Parasitologia do Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Naval Marcílio Dias. Endereço: Estrada do Mendanha,
1531 Rua: B, Quadra B, Casa 6 – Campo Grande – RJ. CEP: 23087-286. Telefone: (21) 3406-5007 E-mail do autor principal: farmaedu@gmail.com
3
Técnica em Patologia Clínica - Setor de Parasitologia do Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Naval Marcílio Dias
4
Técnica em Patologia Clínica – Auxiliar do Laboratório de Biologia Molecular do Instituto de Pesquisas Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
5
Bióloga. Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Ajudante da Divisão de Pesquisa do Instituto de
Pesquisas Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
6
Biólogo. Pós-Doutorado em Biociências Nucleares pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Encarregado da Divisão de Pesquisa Clínica do Instituto
de Pesquisas Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias e do Laboratório de Biologia Molecular.
its high prevalence rates in developing countries, que o saneamento básico oferecido de forma pre-
where sanitation is poor or even inexistent, IPs cária à população mais carente pode contribuir
is a global public health issue. Considering this para a alta prevalência das PIs nessas regiões.2
scenario, the present study aimed to analyze A transmissão das PIs, na maioria dos casos,
the prevalence of IPs in patients assisted by the ocorre por via oral passiva e cutânea. Ao instalar-
Brazilian Navy Healthcare System (NHS), placed se no organismo, o parasito retira do hospedei-
in the State of Rio de Janeiro, in order to evaluate ro todas as substâncias necessárias para a sua
the epidemiology of IPs within the local population. nutrição e sobrevivência, exercendo ação tóxica,
For that, it was conducted a broad search in data devido ao produto do seu metabolismo, promo-
provided by Complab Advanced System, with the vendo assim uma série de sintomas, como: ane-
inclusion criteria solely patients treated by NHS mias, cólica abdominal, diarreia, perda de apetite,
attended in health posts located in the State of fraqueza, febre, irritabilidade e perda de sono. A
Rio de Janeiro who underwent fecal examinations ocorrência de PIs na infância, principalmente na
in 2015. The prevalence of IPs was 3.8% and idade escolar, é considerada como um fator agra-
the most common IPs found were protozoa, vante da subnutrição, podendo levar a morbidade
Endolimax nana (59.6%) and Giardia lamblia nutricional, geralmente acompanhada da diarreia
(16.6%). The present work is relevant to present crônica e desnutrição, e como consequência pode
the epidemiological profile of NHS users and to acarretar em atrasos no desenvolvimento físico
reinforce the need of improvement the sanitary e intelectual. Algumas espécies podem também
and health infrastructures within the State of Rio de causar distúrbios de forma mecânica, ao provoca-
22 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 21-28

Janeiro, as the parasites found are strictly related rem a obstrução de ductos, canais ou vasos, pa-
to both poor sanitation and healthcare. It also ralisando o intestino, podendo levar o hospedeiro
stresses that hygiene and cultural characteristics à morte, caso não haja uma intervenção cirúrgica
of the population are extremely important factors para a remoção desses parasitos.3-5
on the prevention of IPs. Inúmeras são as espécies parasitárias com
capacidade de desenvolvimento no hospedeiro
Keywords: intestinal parasites; parasitology; humano, durante o ciclo biológico ou parte dele.
public health. Dentre as PIs, destacam-se as protozooses cau-
sadas por Entamoeba coli, Entamoeba dispar,
INTRODUÇÃO Endolimax nana, Entamoeba histolytica e Giardia
As parasitoses intestinais (PIs) ou enteropa- lamblia. Nas parasitoses causadas por helmintos,
rasitoses são doenças transmitidas geralmente destacam-se as espécies Ascaris lumbricoides,
pela ingestão de cistos de protozoários ou ovos Trichuris trichiura, Enterobuis vermicularis, Necator
de helmintos e atingem mais de dois bilhões de in- americanus, Strongyloides stercoralis, Taenia
divíduos da população mundial. Acometem predo- saginata,Taenia solium e Schistosoma mansoni,
minantemente crianças e adolescentes, além de dentre outras.6-7
estarem diretamente associadas a fatores geográ- Segundo estimativas da Organização Mundial
ficos e socioeconômicos. Devido aos altos índices da Saúde (OMS), cerca de um bilhão de indivíduos
de prevalência, constituem até os dias atuais, um estão infectados por Ascaris lumbricoides, com nú-
relevante problema de saúde pública, ocorrendo meros um pouco menores para os casos de para-
mais frequentemente nos países em desenvolvi- sitados por Ancilostomídeos e Trichuristrichiura. A
mento onde o saneamento básico é precário ou OMS estima também que cerca de 200 e 500 mi-
até mesmo inexistente.1 Dentre os principais fato- lhões de pessoas estejam parasitadas por Giardia
res que contribuem para o surgimento e evolução lamblia e Entamoeba histolytica, respectivamen-
clínica das PIs destacam-se as condições do hos- te.8 No Brasil, as últimas três décadas demonstra-
pedeiro, do agente etiológico e do meio ambiente. ram uma redução na prevalência de infecção por
Com relação ao hospedeiro, os fatores principais enteroparasitoses, embora em algumas regiões
são: idade, estado nutricional e imunológico, fa- com elevados índices de desenvolvimento ainda
tores genéticos, culturais, comportamentais e apresentem aproximadamente 30% de taxa de
profissionais. Quanto ao parasito, destaca-se a infecção por pelo menos uma espécie de entero-
resistência ao sistema imune do hospedeiro e os parasita.9
mecanismos de escape ligados às transforma- Em 2013, pesquisadoras e alunas da Faculda-
ções bioquímicas e imunológicas verificadas ao de Integradas de Santa Fé do Sul, desenvolveram
longo do ciclo biológico. Frei e Paes (2008) citam um estudo em escolas municipais de Rubinéia
e Esmeralda – São Paulo, no qual relataram o tamente para os altos índices de PIs no país, bem
quanto é complexo sensibilizar os escolares e como diversas patologias que surgem relaciona-
seus respectivos responsáveis para a participa- das à falta de saneamento básico.10
ção em atividades propostas pelo projeto. Num Perante este cenário, este trabalho teve como
total de 150 alunos que receberam frasco coletor objetivo analisar a prevalência de PIs em pa-
de fezes, apenas 21 retornaram com a amostra. cientes assistidos pelos postos de atendimento
Destas, 47,6% apresentaram positividade de car- pertencentes ao Sistema de Saúde da Marinha
ga parasitária.8 (SSM), situados no Estado do Rio de Janeiro. O
Dependendo da cepa do parasito, da intensi- SSM engloba um conjunto de recursos humanos,
dade da infecção e do estado imunológico do hos- financeiros, tecnológicos, físicos e de informações
pedeiro, as PIs são assintomáticas. Sendo assim, para prover o desempenho de suas atividades,
diversos casos não são diagnosticados, o que di- em cumprimento à Política de Saúde e Diretrizes
ficulta estabelecer a prevalência e o controle de emanadas da Administração Naval. O Subsiste-
transmissão.9 ma Assistencial é o responsável pela prestação
Mesmo apresentando índices consideráveis de Assistência Médico-Hospitalar (AMH) aos usu-
de desenvolvimento e uma significativa redução ários do SSM.11
na prevalência de PIs, o Brasil ainda apresenta Acredita-se que o conhecimento do perfil epi-
números expressivos em relação à taxas de infec- demiológico destas patologias na população es-
ções parasitárias. Devido a esse quadro, o Minis- tudada possa contribuir para o delineamento e
tério da Saúde editou em 2005 o Plano Nacional melhoria das ações de promoção em saúde do

23 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 21-28


de Vigilância e Controle das Enteroparasitoses, SSM, trazendo benefícios à população atendida
a fim de definir estratégias de controle, através nos diversos postos de atendimento naval distri-
de informações sobre prevalência, morbidade e buídos pelo Estado do Rio de Janeiro.
mortalidade associadas ou causadas pelas PIs,
reduzindo essas variáveis em todo o País.9 En- METODOLOGIA
tretanto, o serviço precário de saneamento básico O levantamento de informações foi realizado
oferecido à população ainda é um dos principais a partir de dados contidos no Sistema de Geren-
fatores responsáveis pela alta prevalência das PIs ciamento Laboratorial Complab Advanced – Ver-
no Brasil. O Instituto Trata Brasil (ITB), Organiza- são 1.0.0.7000, sendo considerado como critério
ção da Sociedade Civil de Interesse Público, em de inclusão somente os pacientes atendidos no
parceria com a empresa de consultoria GO Asso- Serviço de Saúde da Marinha do Brasil, que rea-
ciados, publicou em 2015 o novo ranking do sa- lizaram atendimento prévio nos postos de atendi-
neamento básico no país, baseado nas informa- mento no Estado do Rio de Janeiro, sendo eles:
ções coletadas, em 2013, pelo Sistema Nacional Policlínica Naval de Niterói (PNN), Policlínica Na-
de Informações sobre Saneamento (SNIS), o qual val de Campo Grande (PNCG), Policlínica Naval
constatou avanços inexpressivos na maior parte Nossa Senhora da Glória (PNNSG), Ambulatório
dos grandes municípios. As capitais do Norte fo- Naval da Penha (ANP), Unidade Médica da Es-
ram as que apresentaram o pior resultado, visto quadra (UMESQ), Escola Naval (ENAV) e Hospi-
que 82% de todo o esgoto gerado não é tratado. tal Naval Marcílio Dias (HNMD), e que realizaram
Em termos absolutos, as capitais da região lan- exames coproparasitológicos durante o período
çaram em 2013 aproximadamente 211 milhões de janeiro a dezembro de 2015.
de metros cúbicos (m3) de esgotos na natureza. A Conforme práticas destas organizações mili-
Região Sudeste aparece com o segundo melhor tares de saúde anteriormente citadas, todas as
resultado, pois cerca de 39% do esgoto gerado amostras fecais com fins de diagnóstico parasi-
não é tratado nas quatro capitais, o que corres- tológico coletadas na rotina são encaminhadas
ponde a 542 milhões de m3 de esgoto despeja- para processamento e análise no HNMD – uni-
dos na natureza. O melhor resultado ficou com dade responsável pela captação das amostras,
a região Centro-Oeste, onde 30% do esgoto não emissão de laudos e liberação dos resultados no
recebeu tratamento, sendo lançados assim cerca Sistema de Gerenciamento Laboratorial Complab
de 88 milhões de m3 na natureza. Somando-se Advanced.
os volumes de todas as regiões, verifica-se que As amostras foram submetidas a duas meto-
somente as capitais lançaram na natureza, em dologias diagnósticas, sendo respeitada a esco-
2013, cerca de 1,2 bilhão de m3 de esgoto sem lha do profissional médico durante a solicitação
nenhum tipo de tratamento, o que colabora dire- do exame, sendo elas: o teste comercial PARA-
TEST® Formalina 5% (DK Diagnostics) e a técnica
de MIF (Mertiolato-Iodo-Formaldeído).12
As variáveis de análise adotadas foram: pre-
sença ou não de PIs; espécies de parasitos mais
frequentes nas amostras fecais; o sexo e a idade
dos pacientes; bem como o posto de atendimento
em que foi realizado o primeiro atendimento.
Os dados provenientes do Sistema Complab
Advanced foram posteriormente exportados para
o software Microsoft Excel versão 14.0.7166.5000
(32 bits), sendo as análises estatísticas realizadas
no software R versão 3.2.5. Gráfico 2 - Prevalência de parasitoses intestinais de acordo
Este estudo foi previamente submetido pelo com o sexo dos usuários do Sistema de Saúde da Marinha
Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Hu- atendidos nos postos sediados no Estado do Rio de Janeiro,
manos do Hospital Naval Marcílio Dias (CEP/ em 2015.
HNMD) e obteve o protocolo de aprovação CAE
nº 57654216.1.0000.5256 em julho de 2016.

RESULTADOS
Foram analisados os resultados de exames
24 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 21-28

coproparasitológicos de 10.247 usuários do SSM,


atendidos em postos sediados no Estado do Rio
de Janeiro durante o ano de 2015. Os dados pro-
venientes do Sistema Complab Advanced reve-
laram que 392 indivíduos estavam parasitados,
indicando uma prevalência de PIs igual a 3,8%
(Gráfico 1). Gráfico 3 – Prevalência de parasitoses intestinais de acor-
do com a faixa etária dos usuários do Sistema de Saúde da
Marinha atendidos nos postos sediados no Estado do Rio de
Janeiro, em 2015.

Dentre os protozoários identificados nos exa-


mes coproparasitológicos, realizados em 2015,
a espécie mais frequente foi a Endolimax nana
(59,1%). Em segundo lugar, foi Giardia lamblia
(16,6%), seguida de Entamoeba coli (15,2%),
Entamoeba histolytica/dispar (7,7%) e Iodame-
ba bütschlli (1,4%) (Gráfico 4). Em apenas uma
amostra foi evidenciada a presença de helmintos.
Gráfico 1 – Prevalência de parasitoses intestinais nos usuá- Este helminto foi o Ascaris lumbricoides.
rios do Sistema de Saúde da Marinha atendidos nos postos
sediados no Estado do Rio de Janeiro, em 2015.

Dentre a população estudada, a maioria era


do sexo feminino, com 6.120 amostras, enquanto
que o sexo masculino perfazia um total de 4.127
amostras. Destes, foi verificada que a prevalên-
cia de PIs entre o sexo feminino foi de 3,1% e no
masculino foi de 5,0% (Gráfico 2).
Quando considerada a prevalência das PIs por
faixa etária, foi constatada que a faixa etária mais
acometida foi a de 0 a 10 anos (Gráfico 3). Foi ob-
Gráfico 4 - Prevalência de protozoários nos exames copropa-
servada dependência estatística entre positivida- rasitológicos dos usuários do Sistema de Saúde da Marinha
de e faixa etária, porém ao verificar o coeficiente atendidos nos postos sediados no Estado do Rio de Janeiro,
da idade o mesmo não foi significativo (p=0,292). em 2015.
Dos 392 resultados positivos, a maioria (90,1%) Desta forma, acredita-se que estudos voltados
apresentou que os indivíduos estavam parasita- para a epidemiologia e aprofundado conhecimen-
dos por apenas uma espécie de protozoário. Os to sobre estas doenças crônicas e persistentes na
casos de biparasitismo e poliparasitismo corres- população mundial se tornam, a cada dia, mais
ponderam a 9,1% e 0,8% dos casos, respectiva- necessárias e estratégicas, uma vez que capaci-
mente (Gráfico 5). tam os profissionais de saúde num melhor enten-
dimento sobre a relação parasito e hospedeiro,
além de auxiliar de forma direta no delineamento
de ações de melhoria na qualidade do atendimen-
to ao usuário dos sistemas de saúde.
Com a análise do banco de dados referentes
aos exames coproparasitológicos foi possível
conhecer o perfil parasitológico dos usuários do
SSM que foram atendidos nos postos do Estado
do Rio de Janeiro, em 2015. Foi observado que
Gráfico 5 – Prevalência dos casos de parasitismo dos usuá- dos 10247 indivíduos que fizeram o exame, 392
rios do Sistema de Saúde da Marinha atendidos nos postos estavam parasitados, representando assim uma
sediados no Estado do Rio de Janeiro, em 2015. prevalência de PIs igual a 3,8%.
Também foi verificada a prevalência de PIs de Esse resultado é considerado bem abaixo dos
acordo com o posto de saúde naval em que foi re- encontrados por diversos estudos realizados no

25 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 21-28


alizado o atendimento do usuário do SSM. O posto Estado do Rio de Janeiro e em outras localidades
de atendimento que apresentou maior prevalên- do Brasil.14-16
cia de PIs foi a PNCG correspondendo a 23,4%. De acordo com Sucupira e cols. (2002), o para-
Seguido da ANP (23,2%), da PNNSG (19,9%), sitismo está diretamente relacionado com a con-
do HNMD (19,4%), da PNN (12,8%), da ENAV e dição socioeconômica da população, porém como
UMESQ, apresentando 0,8% e 0,5%, respectiva- neste estudo avaliamos apenas variáveis bio-
mente (Gráfico 6). lógicas, não inferimos esta condição na popula-
ção estudada. Porém podemos considerar que o
acesso ao SSM pode ser um relevante fator para
que a prevalência seja considerada baixa. Além
do amplo acesso a utilização de medicamentos
que muitas vezes são utilizados como método
profilático.17-19
A prevalência de PIs entre o sexo feminino foi
de 3,1% e no masculino foi de 5,0%. Estes acha-
dos mostram-se destoantes dos resultados apre-
sentados por Vera & Riera (2016) e similares aos
Gráfico 6 – Prevalência de parasitoses intestinais, de acordo apresentados por Balarak e colaboradores (2016)
com posto de atendimento naval, dos usuários do Sistema de e Jad e cols. (2015).20-22
Saúde da Marinha atendidos nos postos sediados no Estado A faixa etária mais acometida foi a de 0 a 10
do Rio de Janeiro, em 2015.
anos, perfil que ratifica o que já foi descrito na
DISCUSSÃO literatura nacional e internacional, assim como
Diversos estudos nacionais e internacionais de- demonstrado nos estudos de Pérez & Chillogalli
monstram que as enteroparasitoses constituem, (2016), Jade e cols. (2015) e Moraes Neto e cols.
ainda nos dias atuais, um recorrente problema de (2010).18,22-23 Estes achados podem estar relacio-
saúde pública, com índices de prevalência expres- nados aos hábitos das crianças que nesta fase do
sivos e de caráter demográfico. A precariedade dos desenvolvimento acabam levando diversos obje-
serviços básicos e de saneamento nos países tidos tos à boca.
como em desenvolvimento, torna-se um fator mul- A prevalência dos protozoários em 99% das
tiplicador para o surgimento e cronicidade de pa- amostras positivas foi representada, principal-
tologias com via de transmissão fecal-oral, sendo mente, pela Endolimax nana (59,1%) e pela Giardia
a água e os alimentos os principais veiculadores lamblia (16,6%) e pode estar fortemente relacio-
das formas infectantes dos agentes etiológicos das nada com o consumo de água contaminada, in-
principais enteroparasitoses.4,11,13,15,20-21,25 gestão de alimentos mal higienizados e hábitos
de higiene. Diversos estudos também relatam a com dados fornecidos pelo IBGE – Instituto Bra-
alta frequência destes mesmos parasitas.14,24-26 sileiro de Geografia e Estatística, entre os anos
A maior prevalência de protozoários intestinais 2000 e 2010, os bairros da zona oeste do Rio de
em relação aos helmintos se dá provavelmente pe- Janeiro cresceram 150%, enquanto que a taxa de
las peculiaridades dos modos de transmissão. Em crescimento em toda a cidade foi de 7,9% nesse
indivíduos infectados por Giardia lamblia é cons- período, e áreas da zona sul da capital perderam
tatado, por exemplo, a liberação de 300 milhões moradores nessa época. Segundo a pesquisa,
a 14 bilhões de cistos por dia, podendo esta for- dos dez bairros mais populosos do RJ, sete ficam
ma evolutiva permanecer viável no meio externo, na zona oeste, e o bairro de Campo Grande lidera
em média, por dois meses. São ainda observados o ranking com 328,3 mil moradores. A PNCG é o
casos de cistoposição errática, em que pode não único posto de atendimento da zona oeste, região
haver a liberação cística por um período de 7 a 10 que possui grandes áreas rurais com saneamento
dias. Em infecções por Ascaris lumbricoides são básico precário ou inexistente, além de abranger
observadas a liberação de até 200 mil ovos diaria- os quatro bairros mais populosos do RJ, Campo
mente no meio ambiente, ocorrendo a presença Grande (328,3 mil), Bangu (243,1 mil), Santa Cruz
tanto de ovos férteis, infectantes e transmissíveis (217,3 mil) e Realengo (180,1 mil), totalizando
a novos indivíduos, quanto ovos inférteis, que não 968,8 mil moradores. A região ainda abriga inú-
possuem tal capacidade biológica.28 Embora não meras comunidades que geralmente são caracte-
evidenciado no presente estudo, a maioria dos rizadas pelo descaso das diversas instâncias do
sujeitos da pesquisa vivem em áreas urbanas, o poder público. O crescimento desordenado nessa
26 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 21-28

que pode provavelmente ser um fator relevante região, associado às situações expostas anterior-
na baixa prevalência de helmintos. mente, pode explicar o resultado obtido nesse
Levai e cols. (1986) realizaram um estudo so- estudo, o qual o PNCG apresentou a maior pre-
bre a presença de ovos de helmintos e cistos de valência de casos de parasitoses intestinais.32-33
protozoários em cédulas e moedas. Das amostras
com positividade, 60% foram de cistos de proto- CONCLUSÃO
zoários e 40% de ovos de helmintos, sendo que As PIs constituem um grave problema de saú-
dentre os achados de helmintos, 75% eram na de pública em todo o mundo, e os indivíduos que
forma infectante, e 25% apresentaram alterações mais sofrem com as patologias causadas por es-
morfológicas e infertilidade, não havendo a pos- ses parasitas residem em países em desenvolvi-
sibilidade de infecção. Das moedas infectadas, mento, principalmente em zonas rurais ou comu-
100% continham cistos de protozoários. Esse re- nidades carentes de saneamento básico.
sultado reforça a tese de que os cistos resistem O levantamento de dados sobre a prevalência
mais tempo em outros ambientes do que os hel- de parasitoses intestinais em pacientes atendidos
mintos, que necessitam de um período mais longo pelo Sistema de Saúde da Marinha, em postos
no solo para atingirem a forma infectante.29 sediados no Estado do Rio de Janeiro, possibili-
Ludwing e Frei (1999) constataram em levan- tou as seguintes conclusões:
tamento parasitológico, em diferentes bairros da • A prevalência geral de PIs foi de 3,8%, con-
cidade de Assis, São Paulo, que a prevalência de siderado um baixo número comparado a outros
parasitoses intestinais é mais elevada em bairros trabalhos citados nesse estudo, como no das Es-
da periferia, com moradores com baixo nível so- colas Municipais de Rubinéia e Esmeralda, SP, o
cioeconômico, quando comparado aos morado- qual relatou uma prevalência de 47,6%;
res de bairros mais centrais, de maior poder aqui- • A baixa prevalência encontrada nesse traba-
sitivo.13 lho pode estar relacionada com a população estu-
Uma maior predominância de casos de mono- dada, a qual tem acesso facilitado ao SSM;
parasitismo (90,1%) foi observada em relação aos • O PNCG foi o posto que apresentou o maior
casos de biparasitismo (9,1%) e poliparasitismo número de casos positivos (23,4%) e o menor foi
(0,8%). Resultados similares foram encontrados a UMESQ (0,8%);
nos estudos de Espindola (2014), Pereira-Cardo- • As PIs patogênicas mais encontradas foram
so e cols. (2010) e de Mello e cols. (2001).14,30-31 as que são causadas por cistos de protozoários,
Com relação à prevalência de PIs, de acordo como a Giardia lamblia (16,6%) e a Entamoeba
com os postos de atendimento naval, foi observa- histolytica (7,7%);
do que o posto que apresentou o maior número • Foi encontrada apenas uma amostra conten-
de casos positivos foi a PNCG (23,4%). De acordo do positividade para o helminto Ascaris lumbricoi-
des, resultado diferente dos demais estudos cita- de Guarapuava, PR. Rev Salus. 2007;1(1):97-
dos nesse trabalho, os quais mostraram uma alta 100.
prevalência dessa espécie; 8. Pessoa JLA, Fernandes TMS, Ferro DAM.
• Os comensais mais frequentes foram Levantamento epidemiológico das parasitoses
Endolimax nana (59,1%) e Entameba coli (15,2%); intestinais humanas em alunos das escolas
• Embora a maioria dos parasitos encontrados municipais de Rubinéia e Esmeralda–SP. Rev
nesse estudo tenha sido os ditos comensais, este FUNEC Cient – Multidisciplinar. 2014;3(5):74-89.
trabalho se torna relevante por apresentar o perfil 9. Trata Brasil. Ranking do saneamento 2015
epidemiológico dos usuários do SSM e, além dis- (base SNIS 2013) [Internet]. 2015 [acesso em
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do Rio de Janeiro, visto que estes parasitas são 10. Costa ACN, Borges BC, Costa AV,
frequentemente transmitidos em localidades em Ramos MF, Gomes JM, Gomes JM, Bueno H,
que o saneamento básico não funciona adequa- Faria TA. Levantamento de acometidos por
damente; enteroparasitoses de acordo com a idade e sexo
• Por fim, cabe ressaltar que além da questão e sua relação com o meio onde está inserido o
sanitária, os hábitos e as características culturais PSF prado da cidade de Paracatu – MG. Rev
da população também são fatores extremamente Patol Trop. 2012;41(2):203-14.
importantes na prevenção das PIs. 11. Brasil. Diretoria de Saúde da Marinha.
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PERFIL DOS PACIENTES SUBMETIDOS À
CIRURGIA BARIÁTRICA EM HOSPITAL MILITAR
LOCALIZADO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO,
NO ANO DE 2014
Recebido em 19/08/2016
Aceito para publicação em 16/09/2016

Heloisa de Sá da Silva Guerra1


1º Ten (RM2-S) Rodrigo Jorge de Alcantara Guerra2
1º Ten (T) Giuliana Vasconcelos de Souza Fonseca3
1º Ten (RM2-S) Juliana Pandini Castelpoggi4

RESUMO
A pesquisa teve como objetivo descrever o perfil dos pacientes que realizaram a cirurgia bariátrica

29 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 29-35


em um hospital militar do município do Rio de Janeiro. Trata-se de um estudo descritivo e transversal
de dados retrospectivos do ano de 2014. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética, conforme
protocolo nº 1.173.219 de 03/08/2015. A amostragem constitui de 26 pacientes com obesidade que
realizaram a cirurgia bariátrica como recurso para o emagrecimento. O instrumento de coleta de
dados foi feito através do prontuário eletrônico individual dos pacientes (PIN). Dentre os dados co-
letados no pré-cirúrgico, foram utilizadas as variáveis sexo, idade, massa corporal, estatura, IMC,
data da cirurgia, hábitos de atividade física, consumo de álcool e cigarro e comorbidades (Diabetes
Mellitus e hipertensão). Foram ainda utilizados os dados referentes aos coletados no dia da cirurgia
(peso e IMC) e no pós-cirúrgico (peso após 6 meses, IMC e desenvolvimento da Síndrome de Dumping).
As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o software R.3.2.2, com nível de significância
de 5%. Observou-se que a população feminina foi maioria e com idade inferior a dos homens. Dia-
betes Mellitus acomete 19,2% do grupo estudado e 73,1% é hipertenso. O IMC pré e pós-cirúrgico
apresentaram diminuição significativa. Foi visto que 56,5% não praticavam atividade física, 71,4% não
era etilista, sendo observado o desenvolvimento da Síndrome de Dumping em 14,3% pacientes. A
prática de cirurgia bariátrica vem aumentando, tornando-se necessário que os profissionais de saúde
estejam sempre atualizados e preparados para proporcionar aos pacientes a melhor qualidade de vida
possível.

Palavras-Chave: Cirurgia bariátrica; Obesidade; Perda de peso; Hospitais militares; Perfil de saúde.

ABSTRACT
The study aimed to describe the profile of patients who underwent bariatric surgery at a military
hospital in the city of Rio de Janeiro. This is a descriptive cross-sectional study of retrospective data for
the year 2014. This study was approved by the Ethics Committee as Protocol: 1173219 of 08/03/2015.
The sample is of 26 obese patients who underwent bariatric surgery as a resource for weight loss.
The data collection was done through individual electronic medical records of patients (PIN). Among
the data collected preoperatively, we used the gender, age, body weight, height, BMI, date of surgery,

1
Nutricionista. Pós-graduanda em Terapia Nutricional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Endereço para correspondência: Rua Chá do Pilar,
295 – Guaratiba – RJ – CEP: 23028-360. Telefone: (21) 3795-0335. E-mail: nutriheloisaguerra@yahoo.com.br
2
Biólogo. Pós-Doutorado em Biociências Nucleares pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Encarregado da Divisão de Pesquisa Clínica do Instituto
de Pesquisas Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias e do Laboratório de Biologia Molecular.
3
Estatística. Encarregada da Seção de Bioestatística do Instituto de Pesquisas Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
4
Nutricionista. Encarregada do Serviço de Nutrição da Policlínica Naval Nossa Senhora da Glória. Doutora em Ciências – Instituto de Biofísica Carlos
Chagas Filho. Mestre em Ciências – Fisiologia e Fisiopatologia Clínica e Experimental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pós graduada em
Nutrição Esportiva pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduada em Nutrição Clínica Ortomolecular, Biofuncional e Fitoterapia - NUTMED
physical activity habits, alcohol consumption and com IMC acima de 40kg/m2 a cirurgia independe
cigarette and comorbidities (diabetes mellitus and de doenças associadas. Pacientes com IMC entre
hypertension). They also used the data collected 30kg/m2 e 40kg/m2 a cirurgia poderá ser realizada
on the day of surgery (weight and BMI) and na presença de patologias ou comorbidades classi-
postoperative (weight after 6 months, BMI and ficadas como graves, determinadas por um médico
development of Dumping Syndrome). Statistical especialista na respectiva área da doença, desde
analyzes were performed using the software que comprovada a impossibilidade de tratamento
R.3.2.2, with 5% significance level. It was observed clínico da obesidade por um endocrinologista. Com
that the female population was majority and relação ao tempo da doença, os pacientes candi-
younger men. Diabetes Mellitus affects 19.2% datos ao tratamento cirúrgico devem apresentar
of the study group and 73.1% are hypertensive. IMC e doenças em faixa de risco por pelo menos
Pre BMI and after surgery showed a significant 2 anos.3
decrease. It was seen that 56.5% did not exercise, Em 2014 houve um crescimento de 10% nas re-
71.4% did not drink, and observed the development alizações de cirurgias em comparação ao ano de
of Dumping Syndrome in 14.3% patients. The 2013, totalizando 88 mil procedimentos somente
practice of bariatric surgery has increased, making em 2014. Esses dados colocam o Brasil em segun-
it necessary that health professionals are up to date do lugar no ranking de cirurgias bariátricas no mun-
and prepared to provide patients the best possible do, atrás apenas dos Estados Unidos. Esse núme-
quality of life. ro também é crescente nas cirurgias realizadas
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com aumento
30 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 29-35

Keywords: Bariatric surgery; Obesity; Weight loss; de 45% entre 2010 e 2013, de 4.489 para 6.493.3-4
Military hospitals; Health profile. Após a cirurgia existe a necessidade de mudan-
ças nos hábitos alimentares, sociais e comporta-
INTRODUÇÃO mentais, uma vez que inúmeras complicações po-
A obesidade é uma doença crônica não trans- dem ocorrer em decorrência deste procedimento
missível caracterizada pelo excesso de gordura cirúrgico e do resultado anatômico obtido. Dentre
corporalcausada por fatores genéticos, compor- as principais alterações observadas, destaca-se a
tamentais e ambientais que traz consequências Síndrome Dumping, que ocorre quando o jejuno
sociais e psicológicas graves e afetam todas as enche-se rapidamente com alimento não digerido
idades e grupos sociais. Ela aumenta o risco do no estômago, causando desagradáveis efeitos di-
indivíduo desenvolver doenças como diabetes tipo gestivos. Pode ser desencadeada devido ao con-
2, hipertensão, cardiovasculares, dislipidemias e sumo de carboidratos simples ou carboidratos com
algumas formas de câncer. Essa doença, que tem alto índice glicêmico.5-6
sido considerada pela Organização Mundial de O presente estudo se justifica à medida que
Saúde como um problema de saúde pública mun- podemos observar o crescimento constante do
dial, pode trazer mortes prematuras e condições de sobrepeso, o grande número de indivíduos que
saúde crônicas que diminuem a qualidade de vida.1 apresentam obesidade e o crescimento da cirur-
Segundo dados divulgados em 2015 pelo Ministé- gia bariátrica como solução para este problema.
rio da Saúde, atualmente 52,5% da população bra- O nutricionista exerce papel fundamental nesses
sileira está com sobrepeso e 17,9% dos brasileiros indivíduos nas ações de prevenção dos agravos
apresentam obesidade. causados pela obesidade e sobrepeso, atuando
As primeiras e principais estratégias para o tra- de forma ativa no pré e pós-operatório imediato do
tamento da obesidade são o planejamento dieté- paciente submetido ao procedimento cirúrgico, no
tico, programação de atividades físicas e uso de acompanhamento nutricional do pós-cirúrgico tar-
medicamentos antiobesidade. Outro tratamento dio reduzindo carências nutricionais, melhorando a
oferecido é a cirurgia bariátrica, procedimento in- qualidade de vida daquele que desenvolve algum
vasivo utilizado no mundo todo. Trata-se de um tipo de transtorno gastrointestinal causado pela ci-
processo cirúrgico realizado no trato gastro intes- rurgia, além de promover a perda de peso deste
tinal e é tida como um tratamento eficaz contra a paciente com reeducação alimentar e educação
obesidade grave.2-3 nutricional.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirur- Diante do exposto, o objetivo deste trabalho é
gia Bariátrica e Metabólica, o tratamento cirúrgico descrever o perfil dos pacientes que realizaram a
é indicado com base no Índice de Massa Corporal cirurgia bariátrica em 2014 no Hospital Naval Mar-
(IMC), idade e tempo da doença. Para pacientes cílio Dias.
MÉTODO cuidado maior com a saúde, procuram por trata-
O estudo foi realizado no Hospital Naval Mar- mentos e acompanhamentos médicos. Ainda as-
cílio Dias, um hospital militar da zona norte do Rio sim, as inúmeras questões culturais da vaidade,
de Janeiro. Todos os procedimentos foram avalia- por vezes, pré-estabelecem padrões de beleza
dos e aprovados pelo Comitê de Ética nem pes- feminina que influenciam essa parcela da popu-
quisa sob número 1.173.219 em 03/08/2015. lação na busca, muitas vezes exagerada, por um
Trata-se de estudo descritivo e transversal, perfil aceitável pela sociedade. O público mascu-
com dados retrospectivos do ano de 2014 obtidos lino parece sofrer menos influência dos padrões
de pacientes encaminhados ao Serviço de Nutri- de beleza estipulados, apresentando uma maior
ção e Dietética (SND), específico para atendimen- aceitação independentemente da condição física.
to a pacientes candidatos a cirurgia bariátrica, pe- Por questões culturais, o homem tem seu perfil
las clínicas de endocrinologia e/ou cirurgia geral mais associado ao poder aquisitivo e ao sucesso
deste hospital. profissional, além disso, a frequência dos homens
Foram coletados dados provenientes dos pron- pela busca por acompanhamento médico é menor
tuários eletrônicos dos pacientes (PIN), sendo uti- quando comparado ao gênero feminino.13
lizado como critério de inclusão os pacientes que Essa tendência de gêneros foi observada por
realizaram a cirurgia bariátrica no período de ja- Nascimento e colaboradores (2013) e Barros e
neiro a dezembro de 2014. colaboradores (2015), que também apontaram o
A amostra excluiu os pacientes que realiza- gênero feminino como predominante na realiza-
ram a cirurgia fora do período determinado (jan- ção desse procedimento, assim como observado

31 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 29-35


dez/2014), os pacientes que realizaram a cirurgia por Mota em sua dissertação de mestrado (2012).
fora do hospital estudado, assim como os pacien- No estudo a autora seleciona sua amostra de
tes que não realizaram o acompanhamento multi- acordo com a maior demanda de atendimento no
profissional no SND do hospital. Foram excluídos hospital onde realizou sua pesquisa, tendo o sexo
também pacientes que realizaram a colocação do feminino como predominante na busca pela cirur-
balão gástrico, não caracterizado como procedi- gia bariátrica.7-9 Resultados similares aos discuti-
mento cirúrgico. dos neste tópico foram também observados em
Dentre os dados coletados no pré-cirúrgico, estudos recentemente publicados.10-16
foram utilizadas as variáveis sexo, idade, peso, Verifica-se que pacientes do sexo feminino
altura, Índice de Massa Corporal (IMC), data da submetidos ao procedimento cirúrgico tendem a
cirurgia, hábitos de atividade física, consumo ser mais jovens que os pacientes do sexo mascu-
de bebidas alcoólicas e cigarro e comorbidades lino. Enquanto que no sexo feminino as idades fo-
como Diabetes Mellitus (DM) e Hipertensão Arte- ram de 27 a 68 anos, no sexo masculino variaram
rial (HAS). Foram coletados ainda o peso e o IMC de 41 a 71 anos (tabela 1). Metade das pacientes
do dia da cirurgia. As informações do pós-opera- do sexo feminino são mais jovens (menos de 42
tório foram coletadas após 6 meses do procedi- anos) que o paciente mais jovem do sexo mascu-
mento e as variáveis foram peso, IMC e o desen- lino (41 anos).
volvimento da Síndrome de Dumping. Idade (anos)
Foi realizada análise descritiva por meio de Mínimo - 1º Quartil - Mediana -
medidas de tendência central, de variabilidade e Sexo
Máximo 3º Quartil Média
frequências, de acordo com as características es-
Feminino 27 - 68 35 - 48,25 42 - 42,83
tudadas. As análises estatísticas foram realizadas
Masculino 41 - 71 43,5 - 47 45,5 - 47,88
utilizando-se o software livre R 3.2.2, sendo ado-
tado um nível de significância de 5%. Tabela 1 - Resumo descritivo das idades dos pacientes pelo
sexo

RESULTADOS E DISCUSSÕES Esse mesmo perfil foi observado no estudo de


A amostra foi composta por 26 pacientes de Oliveira e colaboradores (2009) em um hospital
ambos os sexos, sendo n=8 (30,8%) homens e universitário do Município de São Paulo, no qual
n=18 (69,2%) mulheres, diagnosticados com obe- se verificou que a idade média da cirurgia foi maior
sidade e que foram submetidos à cirurgia bariátri- para os pacientes do sexo masculino em relação
ca no ano de 2014, no hospital em estudo. Esse ao do sexo feminino. Magno e colaboradores
trabalho identificou o público feminino como maio- (2014) também apresentaram esse perfil em estu-
ria na busca da cirurgia bariátrica no tratamento do realizado no Hospital Universitário Clementino
da obesidade. Em geral, as mulheres têm um Fraga Filho no Rio de Janeiro.17-18 Já o estudo rea-
lizado no hospital de João Pessoa – PB, por Ger- Conforme a tabela 2, observa-se que para am-
mano e colaboradores (2010), identificou a predo- bos os sexos, houve aumento na variação (des-
minância feminina, com média de idade de 37,8 vio-padrão) entre a primeira medição do IMC e do
anos para o sexo feminino e 33,6 anos para os dia da cirurgia. Isso indica que alguns pacientes
pacientes do sexo masculino, o mesmo resultado tiveram seu peso reduzido e outros aumentado,
foi verificado por Oliveira, Passos e Marques em no primeiro intervalo de medição. Entretanto, não
pacientes do Hospital Geral de Goiânia (2013).11,13 há indícios de diferença na média do IMC Inicial e
Esse trabalho avaliou a presença de Diabetes no dia da Cirurgia, em ambos os sexos.
Mellitus (DM) de acordo com o sexo dos pacien- Por outro lado, a média observada para os IMC
tes estudados e observou-se que a prevalência do dia da Cirurgia e 6 meses após sugere uma
de DM entre os pacientes do sexo feminino foi de diferença entre estes momentos, bem como uma
3 pacientes (16,7%), já no sexo masculino obser- possível redução da variação do IMC no sexo
vamos que 2 pacientes apresentaram a doença masculino (Tabela 2).
(25,0%), totalizando uma prevalência de 5 pacien- Sexo Inicial Cirurgia 6 meses
tes (19,2%) no grupo em estudo. Média 44,91 44,69 34,336
Durante a análise de doenças crônicas asso- Feminino Desvio
ciadas, pode-se observar que a ocorrência de Padrão
5,98 6,42 6,316
DM, bem como de Hipertensão Arterial Sistólica Média 45,067 45,62 35,718
(HAS) estão diretamente associadas à condição Masculino Desvio
física, independente do sexo do paciente. Diver- 3,927 8,99 4,658
32 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 29-35

Padrão
sos estudos já demonstraram que a obesidade é 6 A informação não foi registrada para 2 pacientes do sexo feminino
um extremo facilitador para o surgimento de pato- 7 A informação não foi registrada para 1 paciente do sexo masculino
8 A informação não foi registrada para 4 pacientes do sexo masculino
logia dessa natureza.3,11
Tabela 2 - IMC médio (desvio-padrão) dos pacientes por
No mesmo estudo de Germano e colaborado- sexo.
res (2010) realizado em um hospital de João Pes-
soa - PB foi observado que 6,25% dos pacientes A pouca sensibilidade nos resulados dos IMCs
do sexo masculino possuíam a doença e 6,77% do início do tratamento e no dia da cirurgia talvez
dos pacientes do sexo feminino eram diagnostica- possa ser explicado pelo paciente já estar espe-
das com DM tipo 2.11 Foi observado no estudo de rando o procedimento cirúrgico para começar a
Gomes, Rosa e Faria (2009), que 27,8% dos pa- perder peso. Esses pacientes têm toda expecta-
cientes analisados eram diabéticos antes do pro- tiva na cirurgia e provavelmente acreditam que
cedimento cirúrgico.10 O estudo de Oliveira, Pas- se apresentarem uma perda de peso significativa
sos e Marques, (2013) constatou que 26,47% dos antes do procedimento cirúrgico ele pode não rea-
pacientes candidatos à cirurgia bariátrica também lizá-lo e ser retirado da fila. Durante o acompanha-
possuíram esse diagnóstico, o que reforça a as- mento pré cirúrgico, os pacientes são orientados
sociação entre obesidade e DM tipo 2.13 pela equipe que a perda de peso antes da cirurgia
O presente estudo observou que 73,1% dos não é um fator determinante para não realização
pacientes apresentavam HAS. Pacientes do sexo do procedimento, mas que eventualmente, em
feminino têm maior prevalência, com 77,8% dos casos muito específicos isso pode ocorrer.É im-
casos totalizando 14 pacientes. Cinco pacientes portante destacar que a perda de peso antes da
do sexo masculino apresentaram essa comorbi- cirurgia é muito favorável para o paciente porque
dade, representando 62,5% da amostra. Essa pre- melhora suas condições clínicas e atua positiva-
valência não foi observada no estudo de Germano mente no resultado da cirurgia.26
e colaboradores (2010), que mostrou predomínio Os dados obtidos e correlacionados na tabela
dessa comorbidade em pacientes do sexo mascu- acima apresentam o mesmo perfil identificado por
lino, com 22,98%, sendo observado em 20,97% Germano e colaboradores (2010).11 No estudo de
do gênero feminino.11 Oliveira, Passos e Marques Oliveira, Passos e Marques (2013), a média de
identificaram (2013) que 79,41% dos pacientes do IMC entre os pacientes candidatos à cirurgia foi
estudo tinham a doença.13 É evidente o impacto de 48,99kg/m2 nos homens e e 47,76kg/m2 entre
da obesidade nos índices de HAS, justificado pela as mulheres, perfil que também se assemelha ao
hiperinsulinemia apresentada em indivíduos obe- presente estudo, demonstrando que os homens
sos que provoca o aumento das atividades do sis- apresentaram IMC inicial um pouco acima do
tema nervoso simpático e a reabsorção de sódio quando comparado aos pacientes de sexo femi-
que reflete no aumento da pressão arterial.19 nino.13
Quanto a diferença entre o IMC inicial e o IMC vas. Diversos profissionais de saúde citam que a
após 6 meses de procedimento, o estudo do am- desmotivação apresentada pelos pacientes, por
bulatório de Nutrição do Centro Universitário do conta de tentativas frustradas de emagrecimento,
Leste de Minas Gerais identificou que houve uma parece ser um fator determinante para um menor
variação muito grande entre eles, apesar de não comprometimento e perda de peso, além de de-
diferenciar os gêneros em suas análises.10 Aná- positarem somente na cirurgia a esperança des-
lise similar foi realizada em estudo de 2014, ve- sa perda de maneira mais significativa e efetiva.
rificando que a média do IMC pós-operatório foi Dentre os indivíduos avaliados observou-se
8,72kg/m2 menor.15 Boscatto, Duarte e Gomes que apenas 6 pacientes do sexo feminino (40%) e
(2011) identificaram redução similar de IMC, no 4 pacientes do sexo masculino (50%) declararam
qual verificaram a mudança do comportamento realizar atividades física, ou seja, 10 pacientes
para atividade física em obesos mórbidos antes (43,5%) fazem alguma atividade física, enquanto
e depois da cirurgia bariátrica e mostraram que que 13 pacientes (56,5%) não realizam nenhum
o IMC médio dos pacientes no pré-operatório foi tipo de exercício.
de 46,9kg/m2 e no pós-operatório o IMC caiu para A atividade física e o hábito etílico estão muito
32,4kg/m2.20 Em 2012, um estudo similar realiza- associados ao convívio social e comportamento
do em Presidente Prudente - SP e constatou que humano. Indivíduos obesos normalmente se sen-
houve redução bastante significativa do IMC pré e tem desconfortáveis em realizar atividades físicas
pós-operatório.21 Mota (2011) mostrou que a ava- muitas vezes porque não conseguem executá-las
lização do estado nutricional obtida pelo IMC no da forma correta e acabam desistindo, além disso

33 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 29-35


pré-operatório dos pacientes do Hospital das Clí- são apontados por muitos como fracos e que por
nicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Pre- isso encontram-se acima do peso. É provável que
to em SP foi de 49,08kg/m2, enquanto que o IMC após a cirurgia ocorra mellhora na auto estima
de pós-operatório foi de 37,06kg/m2.9 dos pacientes, o que estimulará a busca pela prá-
Neste estudo não foi observada diferença signi- tica de exercícios e novos hábitos de vida, como
ficativa entre os pesos dos pacientes no momento o consumo de álcool e outros comportamentos
inicial e no dia da Cirurgia (p-valor=0,1883). Por que não eram comuns na obesidade.2,9,18
outro lado, o peso dos pacientes 6 meses após a Segundo Boscatto, Duarte e Gomes (2011)
cirurgia é significativamente diferente do momen- existem vários fatores que contribuem ao indiví-
to inicial (p-valor<0,000) e o dia da Cirurgia (p-va- duo para a não realização do exercício, porém a
lor<0,000) (Figura 1). cirurgia bariátrica tende a facilitar essas barrei-
ras, pois promove a perda de peso e a redução
das morbidades relacionadas.20 De forma seme-
lhante outro estudo demonstrou que a prevalên-
cia de pacientes que faziam exercício físico no
pré-operatório era de 14% enquanto que 86%
eram sedentários, enquanto que no pós-operató-
rio observou-se que 96% aderiram à prática de
exercício físico.15
Diferente do perfil observado neste estudo, o
trabalho de Germano e colaboradores (2010) a
maioria dos pacientes praticantes de atividade fí-
sica eram do sexo feminino, 18,9%, contra 13,5%
do sexo masculino, sendo observado ainda alto
índice de sedentarismo.11 Esse estilo sedentário
de vida se repete no trabalho de Oliveira, Pas-
sos e Marques (2013), que demonstraram que
Figura 1 – Peso médio dos pacientes.
82,35% eram sedentários e apenas 17,65% fa-
ziam algum tipo de atividade, dados estes que
A redução de peso desses pacientes só foi sig- corroboram os observados neste estudo.13 Estu-
nificante após 6 meses de procedimento. Segun- do em 2015 mostrou que no período pré-operató-
do observado nos dados, os pesos dos pacientes rio a atividade física se confirmou menor quando
obtidos no primeiro atendimento e no momento da comparado com o período pós-operatório dos pa-
cirurgia, não apresentaram diferenças significati- cientes estudados.8
Neste estudo foi observado que 33,3% das pa- Observou-se que o IMC pré-cirúrgico e o IMC
cientes do sexo feminino e 16,7% dos pacientes do dia da cirurgia não apresentaram diferenças
do sexo masculino alegaram consumo de álcool. significativas em ambos os sexos. Já o IMC pré-
Dos pacientes acompanhados 28,6% declararam cirúrgico e o IMC pós-cirúrgico mostraram dimi-
etilismo e 71,4% não possuem este hábito. Mui- nuição no grupo estudado, sendo o sexo feminino
tos estudos que analisaram o comportamento dos com o menor indicador de IMC nos três momentos
indivíduos após a cirurgia apontam que hábitos distintos e que apresentam média de peso inicial
como etilismo e tabagismo são adquiridos no pós mais baixa.
operatório, essa tendência é explicada pela reno- A maior parte da amostra não realiza nenhum
vação do convívio social que antes era mínimo ou tipo de exercício físico, não faz uso de bebidas
inexistente devido as dificuldades trazidas pela alcoólicas e somente pacientes do sexo feminino
obesidade.22 desenvolveram Síndrome de Dumping.
Foi registrada a ocorrência da Síndrome de A prática de cirurgia bariátrica vem aumentan-
Dumping em 3 pacientes, 18 não desenvolveram e do, tornando-se necessário que os profissionais
essa informação não foi registrada para 5 pacien- de saúde estejam sempre atualizados e prepa-
tes (4 de sexo feminino e 1 do sexo masculino). rados para proporcionar aos pacientes a melhor
Estudos prévios demonstram que o surgimen- qualidade de vida possível, promovendo saúde,
to desta síndrome pode ser uma consequência perda de peso adequada, bem-estar social, equi-
comum dependendo do procedimento escolhido líbrio nutricional, conforto gástrico e evitar carên-
para realização da cirurgia.3,6 cias nutricionais graves, além de estar dispostos a
34 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 29-35

Dentre os sintomas clínicos, a Síndrome de encarar as dificuldades que o paciente pode apre-
Dumping é um sintoma caracterísco no pós cirúr- sentar no decorrer do tratamento.
gico da técnica de Bypass gástrico em Y de Roux.
Um estudo de 2009 demonstrou que 8 pacientes REFERÊNCIAS
relataram o desenvolvimento dessa Síndrome, 1. Baptista TJR. A obesidade e a indústria do
de um total de 18 indivíduos após o tratamento emagrecimento. Com Ciência. 2013 fev;(145).
cirúrgico.10 O mesmo problema pós-cirúrgico foi 2. Ehrenbrink PP, Pinto EEP, Prando FL.
observado em 2012 por 32% dos pacientes.9 Em Um novo olhar sobre a cirurgia bariátrica
e os transtornos alimentares. Psicol Hosp.
2011, pesquisadores realizaram análises de pro-
2009;7(1):88-105.
blemas pós-cirúrgicos em 69 pacientes, dos quais
3. SBCBM – Sociedade Brasileira de Cirurgia
37,7% apresentaram algum tipo de intolerância
Bariátrica e Metabólica [Internet]. São Paulo:
alimentar. A Síndrome de Dumping representou
Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e
19% dessa população.23 O desenvolvimento de
Metabólica; 2015 [acesso em 22 out 2015].
intolerâncias alimentares pós-cirúrgicas foi obser-
Disponível em: http://www.sbcb.org.br/
vado em outros estudos recentes. Na cidade de
4. Blog da Saúde [Internet]. Número de cirurgia
Recife, de 61 pacientes com intolerância alimen-
bariátrica cresce em 2014 no Brasil. Brasília:
tar operados em uma clínica particular, observa-
Ministério da Saúde; c2014 [acesso em 2 set
ram o desenvolvimento de Síndrome de Dumping
2015]. Disponível em: http://www.blog.saude.gov.
em 3 pacientes, entre os primeiros 6 meses de
br/34789-numero-de-cirurgiasbariatricas-cresce-
cirurgia, e 2 pacientes a partir do sétimo mês de em-2014-no-brasil
cirurgia.24 Em 2014, um estudo que acompanhou 5. Fandiño J, Benchimol AK, Coutinho WF,
o pós-cirúrgico de 31 indivíduos observou que a Appolinário JC. Cirurgia bariátrica: aspectos
Síndrome de Dumping afetou um total de 10 des- clínico-cirúrgicos e psiquiátricos. Rev Psiquiatr.
tes pacientes.25 2004;26(1):47-51.
6. Loos AB, Souza AAP, Pitombo CA, Milcent
CONCLUSÃO M, Madureira FAV. Avaliação da síndrome
Esse estudo mostrou que o público feminino é de dumping em pacientes obesos mórbidos
o segmento da população que mais procura a ci- submetidos à operação de bypass gástrico com
rurgia bariátrica para o tratamento da obesidade. reconstrução em Y de Roux. Rev Col Bras Cir.
Esse público também se mostrou mais jovem e 2009;36(5):413-9.
com maior prevalência de HAS quando compa- 7. Nascimento CAD, Bezerra SMMS, Angelim
rado ao sexo masculino. No entanto, são os ho- EMS. Vivência da obesidade e do emagrecimento
mens que apresentam maior incidência de DM. em mulheres submetidas à cirurgia bariátrica.
Estud Psicol. 2013;18(2):193-201. multidisciplinar de tratamento da obesidade grave
8. Barros LM, Moreira RAN, Frota NM, Araújo e em préoperatório de cirurgia bariátrica. Arq Bras
TM, Caetano JA. Qualidade de vida Cir Dig. 2014;27(1):31-4.
entre obesos mórbidos e pacientes submetidos 19. Burgos PFM, Costa W, Bombig MTN,
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abr/jun;17(2): 312-21. Disponível em: <http:// hipertensão. Rev Bras Hipertens. 2014;21(2):68-
dx.doi.org/10.5216/ree.v17i2.27367>. 74.
9. Mota DCL. Comportamento alimentar, 20. Boscatto EC, Duarte MFS, Gomes MA.
ansiedade, depressão e imagem corporal em Estágios de mudança de comportamento e
mulheres submetidas à cirurgia bariátrica barreiras para atividade física em obesos
[dissertação]. 135 f. Mestrado em Ciências - mórbidos.Rev Bras Cineantropom Desempenho
Departamento de Psicologia da Universidade de Hum. 2011;13(5):329-34.
São Paulo. Ribeirão Preto: Universidade de São 21. Portaluppi VA, Portella LM, Garcia JR Jr.
Paulo; 2012. Avaliação dos parâmetros nutricionais
10. Gomes GS, Rosa MA, Faria HRM. Perfil de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.
nutricional de pacientes de pós-operatório de Colloquium Vitae. 2012 jul/dez;4(Espec):54-62.
cirurgia bariátrica. Nutrir Gerais. Rev Digit Nutr. 22. Antonini VDS, Hintze LJ, Silva DF, Hermoso
2009 ago/dez;3(5):462-76. DAM, Carolino IDR, Nardo Jr N. Comportamentos
11. Germano ACPL, Camelo CMBM, Batista associados a manutenção dos resultados após
FM, Carvalho NMA, Liberali R, Coutinho VF. cirurgia bariátrica. Medicina (Ribeirão Preto).

35 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 29-35


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encaminhamento em um hospital de João Pessoa, Intolerância alimentar pós-operatória e perda
PB. Ens Ciênc. 2010;4(2):43-59. de peso em pacientes submetidos á cirurgia
12. Pessoa PB. Avaliação da redução do peso bariátrica pela técnica Bypass gástrico. J Health
da circunferência abdominal e manutenção da Sci Inst. 2011;29(1):41-4.
força dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica 24. Moreira MA, Espínola PRM, Azevedo CW.
associados à suplementação de proteína. RBNE. Intolerâncias alimentares e sintomas associados
2011;5(27):215-23. em pacientes submetidos à técnica de Fobi-
13. Oliveira RMM, Passos XS, Marques MS. Capella sem anel gástrico. Arq Bras Cir Dig.
Perfil do indivíduo candidato à cirurgia bariátrica 2015;28(1):36-9.
no Hospital Geral de Goiânia-GO. J Health Sci 25. Vasconcelos TFS, Silva CT, Soaress FM,
Inst. 2013;31(2):172-5. Neto EFS, Barbosa KBF, Cândido MF. Frequência
14. Oliveira MS, Lima EFA, Leite FMC, Primo de intolerância alimentar e perda ponderal em
CC. Perfil do paciente obeso submetido à cirurgia pacientes submetidos á cirurgia bariátrica em
bariátrica. Cogitare Enfermagem. 2013;18(1):90-4. um hospital universitário do nordeste do Brasil. J
15. Queiroz IL, Fortes RC, Milhomem PD, Health Sci Inst. 2014;32(1):64-9.
Arruda SLM. Perfil antropométrico de pacientes 26. Santos LG, Araújo MSM. Perda de
antes e após a gastroplastia redutora com peso préoperatória em pacientes submetidos
bypassgástrico em Y de Roux. J Health Sci Inst. à gastroplastia redutora com derivação
2014; 32(4):419-23. gastrointestinal em Y-de-Roux: uma revisão de
16. Silveira-Júnior S, Albuquerque MM, literatura. Com Ciências Saúde. 2012;24(2):127-
Nascimento RR, Rosa LS, Hygidio DA, Zapelini 34.
RN. Repercussões nutricionais em pacientes
submetidos à cirurgia bariátrica. Arq Bras Cir Dig. Como citar este artigo: Guerra HSS, Guerra
2015;28(1):48-52. RJA, Fonseca GVS, Castelpoggi JP. Perfil dos pa-
17. Oliveira APF, Malheiros CA, Santos AS, cientes submetidos à cirurgia bariátrica em Hospi-
Jesus SR, Manuel J. Perfil de pacientes tal Militar localizado na cidade do Rio de Janeiro,
submetidos à cirurgia bariátrica atendidos em no ano de 2014. Arq Bras Med Naval. 2016 jan/
um hospital universitário do município de São dez;77(1):29-35.
Paulo. Saúde Colet. 2009;6(35):275-9.
18. Magno FCCM, Silva MS, Cohen L,
Sarmento LA, Rosado EL, Carneiro JRI.
Perfil nutricional de pacientes em programa
36 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1)
AZUL DA PRÚSSIA: ASPECTOS QUÍMICOS,
FARMACOLÓGICOS E DE EFICÁCIA E
SEGURANÇA PARA USO COMO MEDICAMENTO
Recebido em 11/08/2016
Aceito para publicação em 16/09/2016

1º Ten (S) Halliny Siqueira Ruela1


1º Ten (RM2-S) Joel Flores Bueno2
1º Ten (RM2-S) Erika Bachini Fonseca3
1º Ten (S) Ana Paula Felix Trindade Carmo4

RESUMO
O Azul da Prússia (AP) é uma substância utilizada para o tratamento de pacientes contaminados
por césio ou tálio radioativos. A única forma efetiva de se tratar a contaminação por radioisótipos é au-

37 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 37-45


mentar a velocidade da eliminação dos mesmos. O AP, por via oral, é capaz de se ligar ao 137Cs no trato
gastrointestinal, interrompendo a circulação entero-hepática e acelerando sua eliminação nas fezes.
Por possuir uma circulação entero-hepática similiar a do Cs, o envenenamento por tálio também pode
ser tratado com esse medicamento. Apesar de pouco estudado, esse efeito tem sido reportado desde
1960. Este estudo aborda uma revisão de dados oriundos de 46 pacientes tratados com o AP durante
o incidente de Goiânia, além de dados adicionais de 19 pacientes e 7 voluntários, não relacionados
ao acidente de Goiânia, e ainda de 34 pacientes envenenados com tálio, evidenciando a eficácia e a
segurança da utilização desta substância como medicamento.

Palavras-chave: Reação do azul da prússia; Radiação; Radioisótopo; Césio; Tálio.

ABSTRACT
The Prussian Blue (PA) is a substance used for treatment of patients contaminated with radioactive
cesium or thallium. The only effective way to treat radioisotopes contamination is increasing their rate
of elimination. PA, orally, is capable of binding to 137Cs in gastrointestinal tract, interrupting it´s enterohe-
patic circulation and accelerating its elimination in feces. By having an enterohepatic circulation similar
to the 137Cs, Thallium poisoning may also be treated with this drug. Although understudied, this effect
has been reported since 1960. This study deals with a review of data from the 46 patients treated with
PA during Goiânia radiological incident, as well as additional data from 19 patients and 7 volunteers,
not related to the accident in Goiânia, and still 34 patients poisoned with thallium, demonstrating the
effectiveness and safety of use of this substance as a medicine.

Keywords: Prussian blue; Radiation; Radioisotope; Cesium; Thallium.

INTRODUÇÃO
O Azul da Prússia (Ferrocianeto Férrico) é uma substância utilizada para o tratamento de pacientes
contaminados por césio e tálio radioativos.
137
Cs e 134Cs são dois radioisótopos de césio que apresentam risco potencial para contaminação

1
Farmacêutica do Laboratório Farmacêutico da Marinha. Doutorado em Biotecnologia Vegetal. Endereço para correspondência: Av. Dom Helder Câmara,
315 – Benfica - Rio de Janeiro – RJ. CEP: 20911-291. E-mail: *halliny@lfm.mar.mil.br
2
Farmacêutico do Laboratório Farmacêutico da Marinha. Pós-gradução em Análises Clínicas.
3
Farmacêutica do Laboratório Farmacêutico da Marinha. Mestrado em Gestão, Pesquisa e Desenvolvimento na Indústria Farmacêutica.
4
Farmacêutica do Laboratório Farmacêutico da Marinha. Doutorado em Química dos Produtos Naturais.
interna. O 134Cs (t1/2 2,1 anos) decai tanto por trato gastrointestinal, amplamente distribuído por
emissão do tipo β quanto do tipo ɣ. O 137Cs (t1/2 30 todo o corpo e pode ser detectado na urina e nas
anos) decai por emissão do tipo β e é o mais co- fezes após uma hora. No entanto, possui uma eli-
mum subproduto da fissão do 133Cs, podendo ser minação muito lenta, o que faz com que o tempo
componente ativo de fontes seladas de radiação de meia-vida biológica seja bastante prolongado.4
em clínicas, laboratórios e indústrias. Além disso, Desde 1960 trabalhos vêm relatando a se-
é um importante radionucleotídeo na terapia on- gurança e a eficácia do tratamento com AP. No
cológica e está presente também em armas nu- evento de Goiânia, foi verificada uma efetiva re-
cleares, nas chamadas “bombas sujas”. A conta- dução da meia-vida do Cs em até 2 vezes. Al-
minação por este isótopo causa diversas injúrias, guns autores demonstram que essa diminuição
sendo de grande interesse da saúde pública.1 pode chegar a 3 vezes. Para o tálio, a redução
A mais importante fonte de dados clínicos so- observada foi de 2/3 da meia-vida. Pode-se con-
bre o tratamento de contaminação por Cs com o siderar que o medicamento é bem tolerado, uma
Azul da Prússia (AP) é o incidente ocorrido em vez que poucos efeitos adversos foram relatados,
Goiânia, em 1987, em que 249 pessoas foram como leve constipação (tratada com dieta rica em
contaminadas, das quais 46 receberam o trata- fibras) e hipocalemia assintomática (tratada com
mento. Os dados deste evento mostram que pa- suplementação de potássio) em pacientes que fi-
cientes que receberam doses de radiação de 1 zeram uso concomitante de diuréticos.1-4
Gy ou mais tiveram um aumento do risco de de-
senvolver insuficiência aguda da medula óssea. CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS
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Foi observado que a taxa de mortalidade aumenta Azul da Prússia, como é popularmente co-
com a dose, uma vez que entre 5 e 6 Gy o dano nhecida a substânica de fórmula molecular
causado na medula óssea foi 100% letal. Nas do- Fe4[Fe(CN)6]3·(14-16)H2O, é um pó de cor azul
ses abaixo de 1Gy, o principal dano causado pela escuro que possui uma estrutura cristalina cúbica
radiação é a indução de câncer, que pode ocorrer de face centrada com os átomos de Fe (II), Fe
alguns anos ou décadas após exposição.2 (III) ocupando os cantos do cubo e os grupos C•N
O Cs pode entrar na circulação sanguínea pe- posicionados nos lados com 14-16 moléculas de
las vias respiratória e/ou gastrointestinal. A ativi- água de cristalização e uma quantidade variável
dade corporal do 137Cs aumenta durante as 4 h de água de superfície (adsorvida). Em meio aquo-
após a ingestão e permanece estável até que se so, esta estrutura cúbica é mantida por causa
iniciem as perdas por secreção e excreção. Ele da forte estabilidade termodinâmica da estrutura
segue a circulação entero-hepática, sendo secre- dimensional. É praticamente insolúvel em água,
tado juntamente com a bile, reabsorvido no intes- ácidos diluídos e na maioria de solventes orgâni-
tino e novamente secretado para o trato gastroin- cos. Quando recém-preparado é solúvel em solu-
testinal. Sua distribuição no corpo ocorre de forma ção aquosa de ácido oxálico. A 250°C, perde toda
semelhante a do potássio, uma vez que eles com- sua água somente com parcial decomposição.5
petem pelos mesmos transportadores de membra- Na unidade cúbica, nem todas as posições
na celular. Sua retenção no organismo pode ser atômicas ficam ocupadas, o que gera “buracos”
descrita como a soma de duas funções exponen- na estrutura cristalina, que podem ficar vagos ou
ciais, sendo o primeiro componente corresponden- preenchidos com água de cristalização.5 Alguns
te a 20% do total corporal, com meia-vida biológica autores acreditam que essas posições atômicas
de um dia (componente rápido), e o restante com podem estar relacionadas ao mecanismo de cap-
meia-vida de 40 a 140 dias ou mais. É finalmente tação de césio e tálio pelo medicamento. Estudos
excretado nas fezes ou na urina. Por ser facilmen- indicam que esta captação é uma combinação de
te absorvido por diferentes rotas e por apresentar troca iônica química e adsorção física. A troca iô-
meia-vida física de 30 anos, o 137Cs representa nica ocorreria com o íon hidrônio pelas moléculas
um alto impacto sobre a saúde humana.3 de água do cristal, o que é evidenciado pela redu-
Assim como para o césio, o tratamento de en- ção do pH quando a troca ocorre. A diminuição de
venenamento por tálio é feito por meio do aumen- pH não ocorre somente pela troca iônica do césio,
to da sua taxa de eliminação do corpo. Este metal é considerada também a absorção nos “buracos”
pesado era usado originalmente como agente de- da estrutura cristalina, onde o césio é mantido ele-
pilatório, porém, sua aplicação como rodenticida trostaticamente ou mecanicamente.6
é que tem sido associada à intoxicação, acidental Segundo estudos de estabilidade convencio-
ou intencional. Ele é rapidamente absorvido no nais (12 meses) realizados pela empresa deten-
tora do registro do medicamento referência (Ra- a tálio e avaliar o efeito das condições de pH fi-
diogardase® - AP 500 mg), o mesmo é estável à siológico, tamanho das partículas e condições de
temperatura ambiente e parece ser estável para armazenamento sobre essa capacidade. Concluí-
5 anos de armazenamento. Testes iniciados após ram que a mesma é dependente do pH, reduzindo
12 e 16 anos de armazenamento mostraram que em pH mais baixo, é influenciada pelo estado de
a capacidade de ligação a césio e tálio foi man- hidratação do AP, de forma que a perda da umida-
tida, o que pode ser considerado como um indi- de reduz a capacidade e a velocidade de ligação
cador de longa estabilidade térmica. A empresa ao tálio, e ainda pode ser aumentada quando uti-
também observou, a partir de lotes fabricados em lizadas partículas menores do ativo.9
1987 e 2002, que em pH baixo ou alto pode ocor- Ainda no tocante à estabilidade a longo prazo,
rer dissociação de cianeto (CN). Valores altos de o IFA e o produto acabado de AP 500 mg foram
dissociação do CN em baixo pH tem gerado pre- monitorados para a perda do conteúdo de água
ocupação, em função do risco para os pacientes e a ligação in vitro a césio, após 10 anos de ar-
que apresentam distúrbios associados a estados mazenamento. As mesmas amostras foram tes-
hipersecretores, que podem ter níveis extrema- tadas em 2003 e em 2013. Os resultados mos-
mente baixos de pH gástricos por períodos de traram uma redução do teor de água de ambos
tempo prolongados. Laboratórios certificados pelo (IFA e produto acabado), em média, em cerca de
FDA (Food and Drug Administration) realizaram 12-24%, após o período de armazenamento. Com
uma série de experimentos para determinar o CN isso, a capacidade máxima de ligação a césio foi
livre em amostras de cinco lotes do insumo farma- diminuída, comparando as leituras de 2003 e de

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cêutico ativo (IFA) de AP e dois lotes do produto 2013 em pH 7,5. Ainda assim, mesmo com a re-
acabado de AP, em pH 1 e pH 5,5, com tempo de dução observada, as amostras testadas cumprem
incubação de 60 min. Com esses resultados, con- as especificações do FDA, que exige uma capa-
cluiu-se que o limite de 10 ppm de cianeto livre é cidade de ligação a césio maior do que 150 mg/g
satisfatório.7 no estado de equilíbrio.10
Faustino e colaboradores (2008) avaliaram a De forma semelhante e utilizando as mesmas
capacidade de ligação in vitro do IFA e do produ- amostras de IFA e produto acabado, esse grupo já
to acabado de AP 500 mg a césio, variando pH havia publicado um estudo de ligação do AP a tá-
do meio (entre pH 1 a 9, para cobrir o intervalo lio11, por meio de testes em soluções tamponadas
de pH gastrointestinal), tamanho de partícula e dentro do intervalo de pH gastrointestinal, sendo
condições de armazenagem (temperatura). Os observada uma redução no teor de água, bem
resultados indicaram que o pH, o tempo de ex- como na capacidade de ligação do AP ao tálio.
posição, a temperatura de armazenamento (que No entanto, o produto ainda atende as especifica-
afeta o conteúdo de umidade) e o tamanho das ções do FDA, o que sugere que, sob condições de
partículas têm um papel significativo na ligação armazenamento adequadas, o tempo de pratelei-
a césio, tanto para o IFA quanto para o produto ra do produto, cuja validade atribuída pelo fabri-
acabado. A menor capacidade de ligação foi ob- cante era até 2008, deve ser reavaliado, podendo
servada em pH gástrico de 1 e 2, ao passo que a ser maior do que esta data inicialmente fornecida.
maior ocorreu em pH fisiológico de 7,5. Também
foi verificado que as condições de armazenamen- ASPECTOS FARMACOLÓGICOS
to resultaram numa perda de umidade do AP, o A proteção contra a incorporação de césio ra-
que teve um efeito negativo significativo sobre a dioativo não deve ser subestimada, uma vez que
capacidade de ligação. Diferenças também foram ele pode ser facilmente absorvido pelo corpo atra-
observadas com diferentes tamanhos de partícu- vés de diferentes vias e que sua deposição inter-
las. Esses resultados sugerem que certas proprie- na pode irradiar todo o corpo, causando lesões de
dades físico-químicas podem afetar a capacidade radiação. O objetivo do tratamento é a remoção
de ligação inicial e a capacidade de ligação geral rápida da radioatividade e a redução eficaz da
do AP ao césio, podendo, portanto, ser utilizadas meia-vida. Como ele é secretado para a bile e re-
como ferramentas para monitorar e prever a qua- absorvido no intestino, espera-se que um agente
lidade do medicamento sob certas condições de que reduza sua absorção intestinal seja um antí-
fabrico e armazenamento e para melhorar a eficá- doto eficaz.
cia clínica do AP.8 O AP tem elevada afinidade por césio e tálio,
Seguindo o mesmo raciocínio, foi possível de- radioativos ou não. Uma vez administrado oral-
terminar a capacidade de ligação in vitro do AP mente, liga-se tanto ao césio quanto ao tálio pre-
sentes no trato gastrointestinal por mecanismos cia do AP na transferência do radioisótopo da cir-
de troca de íons, formando complexos insolúveis, culação para o leite. Para isso, alimentaram dez
que interrompem o ciclo entero-hepático, resul- ovelhas no final da lactação com trigo contamina-
tando no aumento da eliminação de césio e tálio do por radiação. A concentração de 137Cs no leite
e, consequentemente, na redução da exposição foi monitorada e, quando se aproximou do equilí-
de órgãos internos à radiação.4 brio, as ovelhas foram divididas em dois grupos,
A administração oral de AP, em algumas es- um tratado com AP e um controle. O grupo tratado
pécies animais (ratos, porcos e cachorros), mos- apresentou evidente queda na concentração de
trou reduzir o nível de 137Cs no corpo através do 137
Cs no leite, logo que se iniciou o tratamento,
aumento de sua excreção fecal. O medicamento chegando a 85% de redução, em comparação ao
também se mostrou eficaz mesmo quando houve grupo controle.14
um intervalo de tempo entre a ingestão de Cs ou Um outro trabalho examinou o efeito de duas
de tálio e o início do tratamento. No entanto, foi formas de AP, uma solúvel K3Fe[Fe(CN)6] e outra
verificado ser essencial começar o tratamento o insolúvel Fe4[Fe(CN)6]3, e também de hexaciano-
mais cedo possível quando se objetiva alcançar ferrato de ferro amônico (II) NH4Fe[Fe(CN)6] sobre
uma redução máxima da dose de radiação absor- a absorção intestinal de 134Cs em ratos e porcos.
vida. A eficácia é proporcional à duração do trata- Estes foram tratados com os antídotos após terem
mento e à dose administrada.4 sido contaminados com césio radioativo. Para os
O AP não é absorvido pelo trato gastrointesti- estudos com ratos, os 3 compostos utilizados
nal. Quando administrado em uma dose única por mostraram uma alta capacidade de absorção in
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via oral, cerca de 99% da dose é excretada nas vivo para césio, resultando em um bloqueio quase
fezes, podendo ter quantidades mínimas de fer- completo de absorção gastrointestinal, tal como
ro e de íons CN absorvidos. No entanto, é impro- avaliado pela excreção urinária de corpo inteiro,
vável que essa absorção seja aumentada após a dias após a aplicação. Resultados similares foram
administração repetida do medicamento, já que obtidos no estudo com porcos. O estudo concluiu
para que os íons CN sejam absorvidos, o AP deve que os três compostos testados são potentes an-
estar dissolvido e em um ambiente fortemente tídotos para inibir a absorção de 134Cs.15
ácido, e estas condições não são passíveis de se- Em relação ao efeito do AP na contaminação
rem encontradas. Também é importante ressaltar por tálio, foi realizado um experimento com ratos
que não foram encontrados relatos de toxicidade machos que receberam 204Tl livre e foram tratados
relacionada ao CN em qualquer um dos estudos com AP administrado por tubo gástrico. O estu-
clínicos ou animais analisados.4 do concluiu que o AP diminui significativamente a
Em um estudo que avaliou a eficácia do ferro- retenção do 204Tl por inibição de sua absorção e
cianeto férrico sobre a absorção enteral e sobre reabsorção no trato gastrointestinal. O resultado
a eliminação de 137Cs, foi observado que, mesmo observado foi dose-dependente e o efeito máxi-
quando o tratamento foi iniciado após 60 minu- mo obtido quando administrado simultaneamente
tos da administração do 137Cs, a primeira foi sig- com 204Tl, porém a redução também foi considerá-
nificantemente reduzida, enquanto a segunda foi vel com AP administrado 60 minutos depois. É im-
efetivamente acelerada. Esse dado é de bastante portante destacar que o AP oralmente administra-
relevância quando se avalia que, num contexto do foi efetivo contra 204Tl dado intravenosamente,
de acidente radiológico, o acesso ao tratamento o que corrobora com a literatura que sugere que
pode ser tardio, como ocorrido em Goiânia.12 o medicamento pode interromper a recirculação
O mesmo autor descreveu que, ao se admi- enteral de tálio.16
nistrar 137Cs livre (2 µCi; pH 2,5) por via oral ou
injeção intraperitoneal a ratos albinos de ambos ASPECTOS TOXICOLÓGICOS
os sexos e tratá-los com AP em diferentes inter- Para a avaliação da toxidez do AP, foi utilizado
valos de tempo, a eficácia permanece constante, um protocolo de estudo com grupos de ratos, sen-
independente do momento em que o tratamento do 10 machos e 10 fêmeas. Esses animais foram
é iniciado, sendo esta proporcional à duração do alimentados por 90 dias com refeições contendo
tratamento e à quantidade total de medicamento 0; 0,05; 0,5 e 5% de ferrocianeto sódico, o que
administrada. Foi ainda observado que o AP tam- equivale a 25, 250, 2500 mg/kg/dia. Foi observa-
bém foi efetivo mesmo quando o tratamento foi do que o consumo foi normal, mas a eficiência na
retardado por 6 dias após a ingestão de 137Cs.13 utilização da alimentação (ganho de peso/alimen-
Ioannides e cols. (1991) verificaram a influên- tação consumida) foi prejudicada no nível de 5%
em ambos os sexos, apresentando um ganho de do tratamento de pacientes com contaminação
peso reduzido significantemente, em comparação por 137Cs, de voluntários normais que ingeriram
aos outros grupos. Ao final do experimento, os ra- traços 137Cs e de pacientes com envenenamento
tos machos e fêmeas do grupo de 5% tiveram va- por tálio. Os dados pré-clínicos evidenciam resul-
lores de hemoglobina e hematócrito diminuídos, tados obtidos em experimentos utilizando ratos,
enquanto os demais apresentaram resultados cães e animais de fazenda.
normais.17 O acidente radiológico de Goiânia se deu em
Mudanças histopatológicas significativas foram 1987, quando uma fonte selada de 137Cs erronea-
encontradas somente nos rins. Ambos os sexos mente abandonada foi removida por catadores e
do grupo de 5% apresentaram um aumento desse vendida como sucata a um ferro velho. A cápsula
órgão, o que também foi evidenciado nas fêmeas selada foi violada e o pó de cloreto de césio, que
no nível de 0,5%. Viu-se ainda cor anormal na pele, brilhava no escuro, foi distribuído para amigos e
acúmulo de urina por causa de uma obstrução na parentes. Foram contaminadas 249 pessoas an-
uretra e depósitos cristalinos, especialmente na tes que as autoridades tomassem conhecimento
concentração de 5%. Além disso, este grupo exi- da situação. Dessas, 46 estavam com os valores
biu depósitos calcificados no epitélio pélvico renal mais altos de contaminação interna e foram tra-
e a mucosa apresentou áreas de metaplasia es- tados com AP. Os indivíduos receberam doses
camosa. De acordo com o estudo, as mudanças de radiação de até 7 Gy. O método de dosagem
observadas podem ser secundárias ao acúmulo utilizado para estimar a radiação absorvida foi a
de depósitos cristalinos identificados como uratos dosimetria in vivo, que analisa aberrações cro-

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e oxalatos. Testes para ferrocianeto apresentaram mossômicas em cultura de linfócitos periféricos.
resultados negativos e os depósitos cristalinos fo- Este é um método padrão para estimar a dose de
ram associados com hidronecrose. Esses resulta- radiação absorvida na ausência de uma medida
dos sugerem que o AP pode ser absorvido após a direta de exposição.19
administração crônica, sendo os rins os principais Existe a possibilidade de que um ou mais dos
alvos da toxidez, possivelmente devido ao depó- pacientes que morreram, tenham recebido uma
sito de cristais de AP neste órgão.17 dose letal de radiação antes que o tratamento por
Também foi analisada a absorção intestinal de AP fosse iniciado. A DL50 para falência da medula
ferro e carbono marcados (59Fe e 14C), derivados óssea em humanos é de 4 Gy. Essa possibilidade
de KFeIII[FeII(CN)6 e FeIII4[FeII(CN)6]3, utilizando su- reforça a importância de se iniciar o tratamento o
ínos, aos quais as soluções foram administradas quanto antes. O transplante de medula óssea é
por intubação gástrica. Os animais foram monito- o tratamento necessário para alguém que tenha
rados ao longo de 7 dias. Ao final dos estudos, foi recebido a dose letal de radiação, entretanto ape-
concluído que uma quantidade muito baixa de fer- nas pode ser realizado após a descontaminação
ro e de íons cianeto (complexado ou livre) podem do paciente. Os pacientes de Goiânia não foram
ser absorvidos a partir de AP insolúvel e solúvel. submetidos ao transplante. Cabe destacar que
Ainda assim é seguro que os agentes sejam utili- aqueles que recebem doses elevadas de radia-
zados sem reservas no tratamento de contamina- ção, ainda que não sejam letais, podem requerer
ção por césio radioativo em animais domésticos e cuidados adicionais para a depressão da medula
humanos. É necessário pensar, no entanto, que o óssea, além do tratamento por AP para eliminar o
estudo avaliou a absorção de uma dose única de isótopo do corpo.3
AP. Sendo o paciente tratado com mais uma dose, Relatou-se que, em função do atraso na notifi-
é importante verificar o padrão de absorção após cação do acidente, todas as informações sobre o
administração repetida de AP.18 componente rápido de eliminação nos pacientes
Não foram encontrados na literatura disponí- de Goiânia foram perdidas. Os dados disponíveis
vel, trabalhos abordando carcinogenicidade, imu- são referentes ao componente de meia-vida longa
notoxicologia ou genotoxidade. e, a partir deles, é possível inferir que o tempo de
meia-vida é mais longo em homens do que nas
SEGURANÇA E EFICÁCIA mulheres, e nas crianças aumenta com o peso.
Para a elaboração do presente estudo, traba- Foi ainda observado que quatro pacientes tinham
lhos envolvendo avaliações clínica e pré-clínica atividade de 137Cs mensurável mesmo após quatro
do uso de AP para o tratamento de contaminação anos de exposição, sugerindo que uma pequena
de 137Cs e tálio foram revisados. Os dados aqui quantidade de isótopo pode ser eliminada muito
discutidos foram obtidos da análise retrospectiva lentamente, com meia-vida de anos.3
Após dez dias da ingestão, o tratamento oral tos de nascimento, porém não se pode descartar
foi iniciado nos adultos com doses de 3, 6 ou 10 o risco de câncer e risco de defeitos genéticos nas
g/dia, dependendo do nível de contaminação. futuras gerações.20
Em 4 pacientes, a dose foi aumentada para 20 No acidente de Chernobyl, um pequeno nú-
g/dia por 24 h, mas foi imediatamente reduzida mero de mulheres grávidas foi exposto à radia-
por apresentarem desconforto gástrico. Os rela- ção originada da chuva radioativa. Há evidências
tos indicam que o tratamento foi individualizado e que sugerem desenvolvimento de retardo mental
dependente do nível de contaminação e da res- e problemas de comportamento em crianças que
posta ao tratamento. Alguns pacientes podem ter foram expostas no útero. Essa observação não
tido suas doses reduzidas com a atividade residu- ocorreu em Goiânia.3
al diminuída, e a extensão do tratamento variou Passados 3 anos e 8 meses da contaminação
caso a caso. Durante e após o tratamento com AP no acidente de Goiânia, uma segunda mulher,
foram obtidos dados farmacocinéticos e realizada que na ocasião do acidente foi contaminada com
a contagem do isótopo do corpo, o que permitiu 300 MBq (8 mCi) de 137Cs e tratada com AP, en-
comparar a efetividade da meia-vida no mesmo gravidou. Não houve discussão de qualquer com-
paciente, num estudo cruzado, em que cada indi- plicação para gravidez ou defeitos de nascimento,
víduo serviu como seu próprio controle.19 e este caso ilustra que mesmo após a ingestão de
A análise dos dados gerados aponta que o tra- uma dose substancial de 137Cs, uma mulher que
tamento com AP reduziu o tempo de meia-vida do foi tratada com AP não se tornou estéril.20
137
Cs no corpo em 69% nos adultos, em 46% nos Lipsztein e cols. (1991) publicaram uma análise
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adolescentes e em 43% nas crianças. Os resul- retrospectiva de 37 pacientes tratados com AP no


tados durante o tratamento para adultos, adoles- acidente de Goiânia, utilizando o tempo de meia-
centes e crianças são comparáveis considerando vida do 137Cs no corpo como variável de eficácia
que o tempo de meia-vida não tratada é signifi- primária, para avaliar a influência da idade, altura,
cantemente menor em adolescentes e crianças peso, sexo e atividade total de 137Cs ingerido sobre
do que em adultos. Um aumento significativo na a meia-vida deste, com e sem tratamento com AP.
efetividade da meia-vida ocorreu quando o tra- O grupo verificou que o AP reduziu a meia-vida
tamento foi descontinuado. E se verificou ainda efetiva do 137Cs em todos os pacientes tratados,
que a meia-vida após o tratamento seria a mesma sendo a redução de cerca de 32% em homens
para o paciente não tratado.20 adultos e de em 12% em mulheres e crianças.21
O único efeito colateral mencionado para do- Num outro estudo retrospectivo, foram ava-
ses de 10 g/dia ou menos foi constipação intes- liados 42 pacientes de Goiânia tratados com AP,
tinal, que ocorre na maioria dos pacientes. Para sendo que desses, 12 também receberam so-
evitar que o tempo de permanência do 137Cs liga- brecarga de água, 10 receberam diuréticos e 10
do ao medicamento no intestino possibilite que a tiveram sudorese induzida por exercícios físicos
radiação seja reabsorvida no local, é necessário ou sauna. As taxas de eliminação de 137Cs na
o uso de laxantes. Pacientes que receberam uma urina, fezes e suor foram usadas como variáveis
dose de 20 g/dia desenvolveram desconforto gás- de eficácia primárias, tendo sido verificado que o
trico, apresentando provavelmente dor epigástrica AP é o antídoto real para a eliminação do 137Cs
ou náusea e vômito. A administração dessa dose depositado no corpo, sendo bem tolerado quan-
foi interrompida, porém os sintomas poderiam ser do dado oralmente, mesmo usando altas doses.
facilmente tratáveis.2 Os autores também observaram que constipação
No tocante à contaminação por 137Cs durante intestinal foi relatada por sete pacientes e pode
a gestação, uma mulher, no quarto mês da gra- ser um efeito colateral desse tratamento, tendo
videz, foi exposta durante o acidente de Goiânia, sido sugerido o tratamento com uma dieta rica
porém por ter recebido uma baixa dose, optou- em fibras. Diuréticos e sobrecarga de água não
se por não tratá-la com AP. A mulher foi acom- foram eficazes na remoção de 137Cs do corpo e
panhada durante a gravidez e após o parto. As não foi possível avaliar quantitativamente o efei-
atividades medidas na mãe, no bebê e na placen- to da transpiração induzida. Os autores afirmam
ta indicaram que o césio passa facilmente para que 3 pacientes apresentaram hipocalemia “sem
a placenta e é igualmente distribuído através dos repercussões clínicas”, que foi tratada com suple-
tecidos placentários. O mesmo foi observado para mento oral de potássio, mas como estes também
o leite materno. Não há menção de complicações tinham síndrome de radiação aguda e estavam
gestacionais clinicamente significativas ou defei- sendo tratados com diuréticos, a baixa de potás-
sio não pode ser definitivamente atribuída ao AP. 137
Cs. Os ratos, contaminados internamente com
Entretanto, o monitoramento sérico de eletrólitos 137
Cs (0,8 mCi) e Sr-90 (2,0 mCi), foram tratados,
durante o tratamento com AP deve ser recomen- via oral, com 50 mg de AP, 800 mg de alginato de
dado.22 sódio e 258 mg de fosfato de cálcio. Aqueles que
Também foi analisada retrospectivamente a receberam o tratamento apresentam a metade de
eficácia do tratamento com AP por meio da me- tumores malignos e uma expectativa de vida de
dida da meia-vida corporal do 137Cs em 15 pa- 120 dias a mais, quando comparados aos não tra-
cientes, durante os dois primeiros meses após tados. A dose absorvida do 137Cs foi reduzida 17
a exposição no acidente de Goiânia. Observou- vezes e a quantidade de estrôncio nos ossos foi
se que houve uma redução significativa na dose de 4 vezes.25
de radiação absorvida sob tratamento com AP. A Para verificar a segurança do tratamento com
meia-vida corporal do 137Cs nos pacientes trata- AP, a absorção intestinal de ferro a partir de he-
dos, estimada nas fezes e urina, foi de 10-36 dias, xacianoferratos comerciais foi avaliada, utilizando
em comparação com os valores de 50-150 dias suínos que foram tratados com AP comercial, com
para os não tratados. O efeito máximo possível Fe-59 e C-14 marcados, via oral e mantidos em
é alcançado se o tratamento é iniciado imediata- jaulas metabólicas. Eles concluíram que a quan-
mente após a ingestão e continuado durante pelo tidade de íons cianeto absorvidos é pelo menos
menos uma meia-vida, ou de preferência por vá- duas ordens de magnitude abaixo da dose DL50.26
rias meias-vidas. Se o tratamento for retardado ou Esse resultado corrobora com a demonstração, in
interrompido precocemente, a redução da dose vitro, da baixa solubilidade e da desintegração

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seria menor.23 desprezível para ferro e cianeto, que podem expli-
O levantamento bibliográfico também permi- car a baixa toxidade do AP.27
tiu encontrar trabalhos, anteriores ao acidente de No tocante ao tratamento do envenenamento
Goiânia, que buscavam comprovar a eficácia do por tálio, foi conduzido um estudo retrospectivo
tratamento com AP no aumento da excreção de de 15 pacientes envenenados por tálio e tratados
137
Cs. Madhus & Stromme (1968), por exemplo, com AP, tendo sido observado aumento na ex-
encorajados pela observação de que ratos e cães creção do contaminante, sem efeitos adversos.28
não apresentaram nenhum efeito tóxico ao rece- Essa mesma conclusão foi relatada no trabalho
berem doses de AP, decidiram testar neles pró- de Nielsen (1974), em que foi realizada a revisão
prios e em outros cinco pesquisadores do sexo do caso de um paciente, de aproximadamente 70
masculino, totalizando sete voluntários sadios no kg, envenenado por tálio e tratado com 250 mg/
estudo. Eles ingeriram cada um 1μCi de 137Cs. A kg/dia de AP, não sendo notados efeitos adversos
atividade foi monitorada numa série com conta- ao tratamento.29
gens de todo o corpo. Dois meses depois, os sete Esses estudos reforçam o de Van Kesteren e
indivíduos foram tratados com 1 g de AP. Além cols. (1980), em que foram revisados os casos
disso, eles também estudaram a influência da in- de 18 pacientes envenenados por tálio e tratados
gestão simultânea de 137Cs e AP, verificando que com AP na Universidade de Utrecht, entre 1971
quando ingerido simultaneamente, o AP não im- e 1978. A variável primária da eficácia foi a meia-
pede a absorção de 137Cs a partir do intestino. No vida do tálio no sangue. Verificou-se que o trata-
entanto, o tratamento com 1 g de AP por dia, três mento reduziu a meia-vida biológica do tálio de
vezes ao dia, após a absorção do 137Cs, reduziu 8 dias, em média, para 3 dias, e nenhum efeito
a meia-vida de corpo inteiro de 94 para 31 dias. tóxico foi atribuído ao AP.30
Eles também acrescentaram que o tratamento
pode ser realizado por mais de três semanas sem CONCLUSÃO
apresentar efeitos nocivos. Este provavelmente A realização de ensaios clínicos em humanos
foi o primeiro estudo clínico para demonstrar a efi- para verificar o tratamento da contaminação com
cácia do AP na eliminação de 137Cs.24 137
Cs não é aceitável eticamente. Em função dis-
O único trabalho encontrado que mostra dire- so, os melhores resultados obtidos sobre a eficá-
tamente que o tratamento com AP pode reduzir cia do AP vieram da análise retrospectiva dos da-
a incidência de câncer foi um estudo pré-clínico dos dos pacientes contaminados acidentalmente
prospectivo em ratos, visando avaliar a ação pro- e que foram tratados com esse medicamento. O
tetora do AP, alginato de sódio e fosfato de cálcio pequeno número de pacientes, a individualiza-
no aparecimento de tumor decorrente da exposi- ção do tratamento e o fato de que nem todos os
ção única ou crônica ao Estrôncio-90 e mistura de dados estavam disponíveis para todos pacientes
acabam gerando transtorno para uma análise es- Nov;16(11):2704-10.
tatística. 6. Nielsen P, Dresow B, Heinrich HH. In vitroStudy
Os dados aqui reportados são oriundos dos 46 of 137Cs Sorption by exacyanoferrates(II). Zeitfür
pacientes tratados com o AP durante o inciden- Nat B. 1987; 42(11):1451-60.
te de Goiânia, discutidos especialmente em duas 7. Leutzinger EE. Radiogardase (PrussianBlue)
monografias publicadas pela International Atomic Capsules 500 mg – Chemistry Rewiew. Silver
Energy Agency (1987 e 1988), além de trabalhos Spring: Center for Drug Evaluation and Research,
publicados em revistas referenciadas que tratam HeylChemisch-pharmazeutischeFabrik; 2003.
deste mesmo incidente. Outros artigos abordam 8. Faustino PJ, Yang Y, Progar JJ, BrownellCR,
dados adicionais de 19 pacientes e 7 voluntários, Sadrieh N, Mayb JC, et al. Quantitative
não relacionados ao acidente de Goiânia. E ain- determination of cesium binding to ferric
da, a base de dados de segurança foi aprimorada hexacyanoferrate: Prussian blue. J Pharm
pela avaliação de 34 pacientes envenenados com BioAnal. 2008 Dec;47:114-25.
tálio e tratados com AP. 9. Yang Y, Faustino PJ, Progar JJ, Brownell
Essas publicações descrevem estudos re- CR, Sadrieh N, Mayb JC, et al. Quantitative
trospectivos e o número de pacientes é peque- determinationof thallium binding to ferric
no quando comparado a um estudo clínico típi- hexacyanoferrate:Prussian blue. Int J Pharm.
co de fase 3, porém as evidências são bastante 2008 Nov;353:187-194.
convincentes. O AP aumentou a taxa de excreção 10. Mohammad A, Yang Y, Khan MA, Faustino
fecal e reduziu a meia-vida do 137Cs no sangue PJ. A long-term stability study of Prussian blue:
44 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 37-45

em cada paciente, o que contribui para a diminui- Aquality assessment of water content and cesium
ção da dose de radiação absorvida pelo corpo e, binding. Pharm Biom Anal. 2015 Nov;103:85-90.
consequentemente, reduz o risco de supressão 11. Mohammad A, Faustino PJ, Khan MA,Yang
da medula óssea e de desenvolvimento de cân- Y. Long-term stability study of Prussianblue – A
cer. Ainda, os dados clínicos também suportam a quality assessment of water content and thallium
conclusão de que o AP é seguro e eficaz no tra- binding. Int J Pharm. 2014 Oct;477:122-7.
tamento de envenenamento por tálio, tendo sido 12. Nigrovic V. Enhancement of the excretion of
relatada uma redução da meia-vida sérica do tálio radio cesium in rats by the ferric cyanoferrate (II).
de 8 para 3 dias, sem qualquer complicação em Int Rad Biol. 1993 Apr;7:307-9.
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Como citar este artigo: Ruela HS, Bueno JF,


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segurança para uso como medicamento. Arq Bras
Med Naval. 2016 jan/dez;77(1):38-45.
A EPIDEMIA DO VÍRUS ZIKA: DESAFIOS
CLÍNICOS À MEDICINA MODERNA
Recebido em 16/08/2016
Aceito para publicação em 16/09/2016

1º Ten (RM2-S) Shana Priscila Coutinho Barroso1


1º Ten (RM2-S) Rachel Antonioli Santos2
1º Ten (T) GiulianaVasconcelos de Souza Fonseca3
CF (Md) Marcelo Leal Gregório4

RESUMO
O vírus Zika, é um arbovírus, membro da família dos flavivírus. Em fevereiro de 2016, a Organiza-
ção Mundial de Saúde declarou o vírus uma emergência de saúde pública devido ao grande aumento
de casos de microcefalia e outras manifestações neurológicas associadas à infecção pelo vírus. A
transmissão por mosquitos é a rota mais comum de infecção. Várias espécies de mosquitos do gênero
Aedes podem transmitir o vírus Zika, sendo o Aedes aegypti o vetor mais importante para os humanos.
46 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 46-56

A infecção pelo vírus Zika é diagnosticada clinicamente e com teste laboratorial de confirmação pos-
terior. Como infecções por Dengue e vírus Chikungunya têm sintomas e distribuição geográfica seme-
lhantes, os pacientes com suspeita de infecção pelo vírus Zika também devem ser avaliados para es-
tas infecções. Testes disponíveis em soro incluem RT-PCR e pesquisa de anticorpos IgM específicos
contra vírus. A maioria das infecções são brandas e autolimitadas e não há nenhum tratamento antiviral
específico disponível. O tratamento indicado é o gerenciamento dos sintomas da doença. Apesar do
grande número de artigos publicados nos últimos meses, pouco se sabe sobre a doença, incluindo a
biologia viral e as suas possíveis complicações. Atualmente, o que temos para controlar os surtos são
modificações comportamentais. Na ausência de antivirais e de vacinas para combatê-lo, o controle dos
vetores é uma estratégia prática para limitar novas infecções.

Palavras-chave: Zika vírus; Microcefalia; Síndrome de Guillain-Barré.

ABSTRACT
The Zika virus is an arbovirus, a member of a flavivirus family. In February 2016, the World Health
Organization declared the virus as a public health emergency due to the large increase in cases of
microcephaly and other neurological manifestations related to the infection. The most common route of
infection is the transmission by mosquitoes. Several species of genus Aedes mosquitoes can transmit
the Zika virus nevertheless Aedes aegyptiis the most important vector for humans.The infection by Zika
virus is diagnosed clinically and with laboratory confirmation testing further. Patients with suspected
infection by Zika virus should also be evaluated for Dengue and Chikungunya viruses because they
have similar symptoms and geographical distribution. Available tests, include RT-PCR and detection of
specific IgM antibodies against viruses. There is no specific antiviral treatment available. Most infections
are mild and self-limited and the treatment is management of symptoms. Little is known about the disease
despite the large number of articles published in recent months,including the viral biology and its possible
complications.Currently, we have to control the outbreaks are behavioral changes. In the absence of

1
Bióloga. Doutorado em Química Biológica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ajudante da divisão de pesquisas do Instituto de Pesquisa
Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
2
Bióloga. Doutorado em Neurociências pela Universidade Federal Fluminense. Ajudante da divisão de pesquisas do Instituto de Pesquisa Biomédicas do
Hospital Naval Marcílio Dias.
3
Estatística. Especialização em Epidemiologia e Vigilâncias em Saúde pela AVM Faculdade Integrada. Encarregada da Seção de Bioestatística do Instituto
de Pesquisa Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
4
Médico com pós-graduação em coloproctologia pela PUCRJ, HNMD e em Gestão de Saúde pelo Instituto COPPEAD de Administração, Encarregado do
Instituto de Pesquisas Biomédicas do HNMD
antivirals and vaccines to combat it, the vector missão autóctone deste vírus no Brasil.7
control is a practical strategy to limit new infections. O primeiro caso bem documentado de trans-
missão do ZIKV fora da Ásia e da África ocorreu
Keywords: Zika virus; Microcephaly; Guillain- nas Ilhas Yap nos Estados Federados da Micro-
Barré syndrome. nésia, em 2007. Estima-se que 70% da população
do arquipélago foi infectado com o vírus durante
INTRODUÇÃO um período de 13 semanas.8 Outro grande surto
O vírus Zika (ZIKV) é um arbovírus (vírus foi relatado na Polinésia Francesa, em 2013, des-
transmitido por mosquitos) de RNA fita simples. sa vez com associação à síndrome de Guillain-
Ele é um membro da família dos flavivírus, com- -Barré (GBS). No Hemisfério Ocidental, a primei-
posta por mais de 70 vírus, incluindo alguns bem ra detecção do vírus ocorreu em 2014 na Ilha de
conhecidos por causar doenças nos seres huma- Páscoa no Chile.9
nos, tais como os vírus da Dengue, Febre Amare- O ZIKV foi detectado em nosso país em maio
la, encefalite japonesa e vírus do Nilo Ocidental.1 de 2015, a partir do isolamento viral em casos
Em 01 de fevereiro de 2016, a Organização suspeitos de Dengue. Desde então, o vírus foi
Mundial de Saúde (OMS) declarou o ZIKV uma detectado em uma taxa crescente em vários paí-
emergência de saúde pública de interesse inter- ses da América do Sul e Central e no Caribe. Em
nacional devido ao grande aumento de casos de setembro do mesmo ano, relatos de aumento do
microcefalia e outras manifestações neurológicas número de crianças nascidas com microcefalia
associadas à infecção.2 em áreas afetadas pelo vírus começaram a surgir,

47 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 46-56


Possivelmente importado para o Brasil, em despertando a possibilidade de relação.10
2014, por viajantes que participavam da Copa do Em fevereiro de 2016, a OMS decretou alerta
Mundo FIFA ou pelos participantes do Campeona- mundial de saúde, pelo possível vínculo entre o
to Mundial de Canoa Havaiana.3 ZIKV e casos de microcefalia e outros transtor-
O ZIKV pode apresentar sintomas semelhan- nos neurológicos graves. Outros alertas mundiais
tes a Chikungunya, Dengue e Malária, doenças como esse foram decretados em 2009, durante a
estas que podem ter desdobramentos piores, logo epidemia de gripe; em maio de 2014, quando a
os médicos devem avaliar o paciente pensando poliomielite ressurgiu no Paquistão e na Síria; e
nessas possibilidades.4 Médicos que atuam em em agosto de 2014, com o vírus Ebola.4
emergências estão na linha de frente para diag- Desde fevereiro de 2016, as áreas com trans-
nosticar e melhorar a compreensão do paciente missão ativa do ZIKV incluem Samoa Americana,
sobre a doença. Barbados, Bolívia, Brasil, Cabo Verde, Colômbia,
Essa revisão sumariza o conhecimento sobre Costa Rica, Curaçao, República Dominicana,
a febre de Zika publicados recentemente e pre- Equador, El Salvador, Guiana Francesa, Guada-
tende auxiliar os profissionais da área de saúde lupe, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Ja-
e usuários do Sistema de Saúde da Marinha do maica, Martinica, México, Nicarágua, Panamá,
Brasil com informações claras e atuais sobre esse Paraguai, Saint Martin, Samoa, Suriname, Tonga,
novo problema na saúde pública nacional. Porto Rico, Ilhas Virgens e Venezuela.11

HISTÓRICO TRANSMISSÃO
O ZIKV foi isolado pela primeira vez na floresta A transmissão por mosquitos é a rota mais co-
de Zika, na Uganda, a partir de uma amostra de mum de infecção com o ZIKV. Várias espécies de
soro de um macaco Rhesusque servia de animal mosquitos do gênero Aedes podem transmití-lo,
sentinela para o estudo de vigilância da Febre sendo o Aedes aegypti o vetor mais importan-
Amarela.5 te para os humanos atualmente.12 O mosquito
Após análise filogenética do genoma viral, per- Aedes é bem estabelecido em todas as Américas,
cebeu-se que provavelmente o vírus surgiu em exceto para o Canadá e Chile e, portanto, todas
Uganda em torno de 1920, e após duas fases estas áreas estão potencialmente em risco.13
de migração para o Oeste Africano deu início às O Aedes albopictus tem despertado preocupa-
duas linhagens africanas. De Uganda, o vírus te- ção por apresentar maior dispersão territorial que
ria migrado no ano de 1940 para a Ásia originan- o Aedes aegypti e notável adaptação a climas
do a linhagem asiática, com surtos registrados na mais frios.14
Indonésia e na Micronésia.6 A linhagem asiática A transmissão vertical (perinatal e transplacen-
também foi a responsável pelos casos de trans- tária) já foi documentada.15 Embora o vírus esteja
presente no leite materno, não existem relatos de vírus da Dengue, morte e complicações hemorrá-
casos de transmissão através da amamentação.16 gicas são raramente descritas.23
A via sexual também foi relatada. Partículas re- Informações acerca das alterações hemato-
plicativas do ZIKV foram identificadas no sémen lógicas e bioquímicas na doença pelo ZIKV são
de um paciente, na Polinésia Francesa, que apre- escassas e conflitantes na literatura. Em alguns
sentava hematospermia. Anteriormente, houve relatos de casos são descritos aumento da desi-
relato de transmissão sexual para a cônjuge de drogenase lática e da proteína C reativa. Pode ha-
um homem norte-americano que havia retornado ver leucopenia e trombocitopenia discretas.24
do Senegal.3,17 Nos casos do surto brasileiro as manifestações
Vários arbovírus são transmitidos através do mais comuns são artralgia e erupção cutânea. A
sangue. O Brasil relatou dois casos de infecção erupção maculopapular estava presente em todos
pelo ZIKV por transfusão de sangue.18 Na Poliné- os pacientes e a artralgia é caracterizada como
sia Francesa, RNA do vírus estava presente em grave, sendo mais comum nas mãos, tornozelos,
3% dos doadores de sangue.19 cotovelos, joelhos e punhos. Os relatos de febre
chegam a 39oC.7 São relatadas também mialgia,
A DOENÇA dores articulares e lombalgia discreta.5
A replicação viral ocorre em células dendríti- Não se conhecem casos de reinfeções pelo
cas no local da inoculação com posterior disse- ZIKV, logo acredita-se que a infeccção gere imu-
minação para os gânglios linfáticos e na corrente nidade permanente.25
sanguínea. O período de incubação varia de 2 a
48 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 46-56

12 dias após a picada do mosquito infetado, se- DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS ASSOCIADOS


melhantemente ao descrito para outras arboviro- À INFECÇÃO PELO VÍRUS ZIKA
ses. A viremia tem seu pico de 3 a 4 dias após Diante do aumento do número de casos de
o aparecimento dos sintomas, mas o vírus pode microcefalia reportados no nordeste do Brasil em
ser encontrado no sangue do primeiro ao décimo 2015 e da transmissão do ZIKV no mesmo perío-
primeiro dia após o aparecimento dos sintomas. O do e local, a OMS recomendou que acelerassem
vírus também pode ser detectado na urina, esper- os estudos sobre as possíveis relações causais
ma e saliva dos indivíduos infectados. entre o ZIKV e distúrbios neurológicos.26-27
A maioria das infecções são brandas e auto- Embora as evidências sobre a relação fossem
limitadas, com duração de cerca de 1 semana. consideradas apenas circunstanciais, pesqui-
Apenas 20% das pessoas infectadas com o vírus sadores do Centro de Controle e Prevenção de
desenvolvem sinais ou sintomas clínicos, e estes Doenças dos Estados Unidos da América (CDC),
são semelhantes às febres de Dengue e Chikun- declararam, em abril de 2016, a legitimidade da
gunya. Diferente dos sintomas de curta duração relação, após uma revisão cuidadosa das evidên-
da febre de Zika, o vírus Chikungunya pode levar cias existentes, concluindo que o ZIKV pode pro-
à artralgia persistente ou reincidente com duração vocar microcefalia e lesões cerebrais graves.28
de meses.20 Os sintomas mais comuns do ZIKV O tropismo do ZIKV por células neurais foi
incluem: febre baixa de início agudo, exantema reportado pela primeira vez já na década de 50,
maculopapular (duração 2-14 dias), artralgias quando Dick e colaboradores demonstraram a
(principalmente nas articulações das mãos e pés, presença e a replicação do vírus em células no
com duração de 1-14 dias), e conjuntivite. A fe- cérebro de camundongos infectados.6 Em um
bre cede um ou dois dias após o aparecimento estudo publicado recentemente por Tang e cola-
do exantema, possuindo duração média de seis boradores (2016) diferentes linhagens celulares
dias.21 humanas foram infectadas com o vírus. Mais de
Outros sintomas comuns incluem mialgias, ce- 90% das células progenitoras neurais expostas
faléia, hematospermia, dor retro-orbitária, edema ao vírus sofreram danos, enquanto um percentual
das articulações, úlceras aftosas e astenia.22 Sin- muito menor de injúria foi encontrado para células
tomas mais raros incluem dor abdominal, náuse- não-neuronais, reiterando que esta população é
as, diarréia e ulceração das mucosas. Infelizmen- um alvo direto do vírus.29
te, estes sintomas são inespecíficos, e a doença
deve ser considerada no contexto dos fatores de VÍRUS ZIKA E MICROCEFALIA
risco (por exemplo, história de viagem ou contato A microcefalia é uma condição na qual a circun-
sexual com pessoa com diagnóstico confirmado). ferência da cabeça do feto ou neonato é menor do
Ao contrário de Febre Amarela e infecções pelo que a esperada, quando comparada a indivídu-
os do mesmo sexo e idade. A microcefalia está totalmente elucidados e o estudo das rotas mole-
associada à redução da produção de neurônios culares por meio das quais o vírus age sobre as
durante o desenvolvimento do cérebro, que surge células cerebrais é essencial para o desenvolvi-
como consequência de anomalias na proliferação mento de terapias eficientes contra a microcefalia.
celular e na morte de células progenitoras do cór- Um estudo realizado por Liang e colaboradores
tex cerebral.30 foi o primeiro a demonstrar que duas proteínas do
Embora a circunferência da cabeça esteja cor- vírus (denominadas NS4A e NS4B) desencadeiam
relacionada ao volume do cérebro, é difícil pre- a inibição de uma via de sinalização intracelular
dizer as consequências neurológicas associadas e assim alteram potencialmente os processos de
à microcefalia. Crianças com microcefalia severa proliferação e diferenciação de células progenito-
podem apresentar convulsões, déficits visuais e ras neurais e, ainda, induzem a autofagia. A auto-
auditivos e deficiências de desenvolvimento, in- fagia é um importante processo catabólico, com
cluindo impedimento cognitivo ou paralisia cere- a função de sequestrar organelas citoplasmáticas
bral.31 danificadas e agregados proteicos ou degradar
A etiologia da microcefalia é complexa e multi- patógenos intracelulares. No entanto, alguns pa-
fatorial, e pode estar relacionada a causas infec- tógenos, incluindo os flavivírus, utilizam a autofa-
ciosas (incluindo infecções virais), à exposição gia para auxiliar na replicação viral. Deste modo,
pré-natal a agentes como o álcool e mercúrio e estas proteínas não alteram apenas a neurogêne-
outras condições genética.30 se, mas também promovem a replicação do vírus
A relação entre a infecção de gestantes pelo no tecido cerebral em formação.37

49 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 46-56


ZIKV e a microcefalia já havia sido reconhecida e
anunciada pelo Ministério da Saúde em novembro VÍRUS ZIKA E DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS
de 2015 quando estudos demonstraram a presen- EM ADULTOS
ça do vírus em amostras de sangue e tecidos de Além dos casos de microcefalia, já existem re-
fetos microcefálicos32 e na placenta e no líquido latos de outras complicações neurológicas asso-
amniótico de gestantes infectadas33, indicando ciadas à infecção pelo ZIKV em adultos, tais como
que o vírus consegue atravessar a barreira pla- a GBS, a meningoencefalite e a encefalomielite
centária e infectar o feto. disseminada aguda.38
A transmissão materno-fetal do ZIKV foi repor- Durante a epidemia do vírus na Polinésia Fran-
tada durante todos os estágios da gravidez.15,34 cesa (2013-2014), aproximadamente 40 indivídu-
Contudo, ainda não se sabe se a duração ou a os foram hospitalizados e diagnosticados com a
gravidade da infecção, a carga viral, a respos- GBS, 10 vezes mais casos do que os reportados
ta imune materna ou outros fatores aumentam nos 5 anos anteriores.18 A coincidência temporal
o risco da transmissão do vírus ou a ocorrência entre os picos de incidência da transmissão do
de anomalias no sistema nervoso central do feto. vírus Zika e de casos de GBS sugerem uma pos-
O espectro completo dos distúrbios neurológicos sível relação causal entre os eventos.
congênitos causados pelo vírus ainda é desco- A GBS é uma neuropatia de caráter autoimu-
nhecido, no entanto já foram observados em ne- ne, desmielinizante, que ocorre tipicamente após
onatos infectados, além de microcefalia, casos certos tipos de infecção viral (por Citomegaloví-
de atrofia encefálica, alargamento ventricular, rus, vírus Epstein-Barr, vírus da Influenza e vírus
calcificações intracranianas e degeneração ma- da Hepatite, por exemplo) ou bacteriana (espe-
cular.15,35-36 cialmente por Campylobacter jejuni). A disfunção
Utilizando modelos experimentais que reprodu- motora característica da doença é causada pelo
zem o desenvolvimento embrionário do cérebro, ataque às células nervosas que constituem o sis-
pesquisadores demonstraram que a infecção pelo tema nervoso periférico, responsáveis pelo pro-
ZIKV induz a retração, deformação e morte de cé- cessamento motor, sensorial e nociceptivo. Deste
lulas precursoras neurais e neurônios humanos e modo, os sintomas principais desta síndrome in-
altera a progressão do ciclo celular e a expressão cluem fraqueza generalizada, arreflexia, e graus
gênica29-30, indicando que o vírus não só é neuro- variáveis de distúrbios sensoriais e envolvimento
trópico, como também impede a correta formação de nervos cranianos.39
do encéfalo. A infecção pelo ZIKV pode estar associada
Os mecanismos celulares e moleculares da pa- também a distúrbios autoimunes que atacam a
togênese da infecção pelo ZIKV durante a forma- mielina do encéfalo (similar à esclerose múlti-
ção do sistema nervoso central ainda não estão pla), de acordo com um estudo retrospectivo re-
alizado no Hospital da Restauração, em Recife, Ceará (136 casos), Maranhão (134 casos), Rio
apresentado em abril de 2016 no Encontro Anual Grande do Norte (131 casos), Sergipe (120), Rio
da Academia Americana de Neurologia. Seis pa- de Janeiro (108), Piauí (93 casos), Alagoas (81
cientes que foram diagnosticados com a febre do casos) e Mato Grosso (45 casos).41
Zika desenvolveram distúrbios neurológicos: dois
deles desenvolveram o quadro de encefalomieli- DIAGNÓSTICO
te disseminada aguda, uma condição autoimune A infecção pelo ZIKV, geralmente, é diagnos-
que destrói a mielina que envolve os neurônios do ticada clinicamente e com teste laboratorial de
sistema nervoso central. Nos dois casos, imagens confirmação posterior. Como infecções pelos ví-
dos encéfalos obtidas por ressonância magnética rus Dengue e Chikungunya têm sintomas e distri-
mostraram sinais de danos na substância branca. buição geográfica semelhantes, os pacientes com
Os outros quatro pacientes desenvolveram GBS. suspeita de infecção pelo ZIKV também devem
No entanto, tanto a GBS quanto os outros pro- ser avaliados para estas viroses.
blemas neurológicos já descritos são condições Atualmente, o diagnóstico laboratorial é reali-
que ocorrem raramente em adultos infectados zado em amostra de sangue obtida por punção
pelo vírus. Ou seja, apenas um pequeno percen- venosa, pela detecção do vírus propriamente dito
tual de indivíduos infectados pode ter algum des- ou pela detecção de anticorpos.
dobramento mais grave, embora não se conhe- Majoritariamente, o diagnóstico laboratorial
çam os fatores que os tornariam mais propensos tem sido realizado, por meio de biologia molecu-
a essas condições. lar, pela técnica de Reação em Cadeia da Poli-
50 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 46-56

merase pela Transcriptase Reversa (RT-PCR) em


NÚMEROS DA FEBRE DE ZIKA E Tempo Real. A viremia ocorre de 0 a 11 dias após
MICROCEFALIA NO BRASIL o início dos sintomas, e o diagnóstico molecular é
A febre pelo ZIKV está classificada no Anexo I geralmente positivo de 3 a 7 dias após a infecção.42
da Lista Nacional de Notificação Compulsória de Nos primeiros 7 dias de infecção pelo ZIKV, o
doenças, agravos e eventos de saúde pública, da diagnóstico baseia-se na detecção do RNA viral
Portaria nº 204, de 17 de fevereiro de 2016, do Mi- no soro por RT-PCR em tempo real.43 Após 3 a
nistério da Saúde como: Doença aguda pelo vírus 4 dias, a viremia pode diminuir para níveis que
Zika, Doença aguda pelo vírus Zika em gestante podem ser inferiores aos níveis de detecção do
e Óbito com suspeita de doença pelo vírus Zika. ensaio. Apenas o resultado negativo do RT-PCR
No Brasil, foram registrados 174.003 casos não exclui a infecção. Para o diagnóstico comple-
prováveis de febre pelo ZIKV até a Semana Epi- to, os dados clínicos, o resultado do RT-PCR e da
demiológica (SE) 27 de 2016. As maiores taxas sorologia devem ser utilizados.44-45
de incidência foram observadas nas seguintes A pesquisa de anticorpos IgM ou IgG espe-
Unidades da Federação: Mato Grosso (610,8 ca- cíficos contra vírus deve ser realizada após uma
sos/100 mil habitantes), Bahia (315,8 casos/100 semana do início dos sintomas. A detecção dos
mil habitantes), Rio de Janeiro (278,1 casos/100 anticorpos circulantes pode ser feita por diferen-
mil habitantes), Tocantins (166,1 casos/100 mil tes metodologias, tendo sido realizada principal-
habitantes) e Alagoas (148,4 casos/100 mil habi- mente por imunofluorescência indireta.
tantes) (Figura 1).40 A baixa viremia inicial e a reatividade cruzada
No Brasil, foram registrados 8.890 casos pro- do teste sorológico com outros flavivírus, espe-
váveis de microcefalia e/ou alterações no sistema cialmente a Dengue, podem contribuir para erros
nervoso central, sugestivos de infecção congênita de diagnóstico.9 O diagnóstico diferencial de ZIKV
segundo as definições do Protocolo de Vigilância inclui outras causas virais ou infecciosas: febre
(recém-nascido, natimorto, abortamento ou feto), de Dengue, Chikungunya, Parvovírus, Rubéola,
até a SE 31 de 2016. Desses, 5.912 casos foram Epstein-Barr, Sarampo, Rubéola, Leptospirose,
investigados e classificados, sendo 1.806 confir- Malária, Rickettsia, Estreptococo do grupo A, e
mados e 4.106 descartados. outras viroses, como por exemplo, enterovírus,
Conforme representado na Figura 2, há maior adenovírus, e alphavírus. Reações cruzadas com
registro de casos confirmados de microcefalia e outros flavivírus (por exemplo, vírus da Dengue e
outras manifestações neurológicas congênitas na da Febre Amarela) são comuns, e os resultados
região do nordeste, com destaque para as seguin- dos testes devem ser interpretados com o auxílio
tes Unidades da Federação: Pernambuco (376 de um especialista em doenças infecciosas.24
casos), Bahia (287 casos), Paraíba (159 casos), Quando o RNA do ZIKV já não pode ser detec-
tável no soro, outras amostras, tais como saliva, macos anti-inflamatórios não-esteróides podem
urina e sémen podem ser positivos por mais tem- ser utilizados depois que a infecção pelo vírus da
po. No surto em Nova Caledônia, as amostras de Dengue for descartada, reduzindo assim o risco
urina foram positivas por mais 7 dias que os resul- de hemorragia, mas deve ser evitado em mulhe-
tados do RT-PCR do sangue. Um estudo recente res grávidas. Caso o diagnóstico seja apenas clí-
mostrou RT-PCR positivo no sêmen 62 dias após nico, o uso de salicilatos deve ser desencorajado
confirmação do início da doença em um viajante para evitar a indução de fenômenos hemorrági-
retornando das Ilhas Cook para o Reino Unido.3,44 cos.4
O RNA do ZIKV também foi detectado no san- O intenso prurido que acompanha o exantema
gue, urina, sêmen, saliva, líquido cefalorraquidia- tem sido relatado pelos doentes como um sério
no, líquido amniótico e no leite materno de indiví- desconforto. A abordagem terapêutica para ali-
duos infectados.43 viar os sintomas inclui o uso de antihistaminico,
Como RT-PCR de sangue só é útil no início da evitar banhos quentes e uso excessivo de sabão,
infecção, as diretrizes atuais de diagnóstico acon- uso de loções refrescantes contendo calamina ou
selham, a partir do início da doença, colher e tes- mentol e hidratação da pele. Os corticosteróides
tar, o mais cedo possível, uma amostra de soro não devem ser utilizados por se desconhecer a
de fase aguda para IgM e repetir 2 a 3 semanas sua eficácia na regressão deste sintoma.47-48
após o teste inicial. Geralmente, estes anticorpos
se desenvolvem no final da primeira semana de MEDIDAS DE CONTROLE
doença e espera-se estarem presentes por até 12 Não há vacina disponível para prevenir a infec-

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semanas, com base em experiências com outras ção pelo ZIKV. O esteio da prevenção é minimizar
flaviviroses. a exposição controlando as populações de mos-
Os métodos utilizados para averiguar a infec- quitos e evitar picadas, com o uso de repelentes e
ção fetal pelo vírus incluem ultrassonografia e instalação de telas em janelas e portas.
amniocentese. Ultrassonografias devem ser reali- Esforços no controle de mosquitos foram preju-
zadas em mulheres grávidas com exposição ao ví- dicados recentemente devido à má interpretação
rus para avaliar microcefalia fetal ou calcificações. de uma nota técnica da Associação Brasileira de
Descobertas ultrassonograficas consistentes com Saúde Coletiva49 causando uma série de boatos
a infecção podem ser encontradas a partir de 18 a sobre abortos e microcefalia ligados ao uso do pi-
20 semanas de gestação.34 A amniocentese pode riproxifeno (pesticida utilizado para matar larvas
ser realizada em mulheres que têm uma história de mosquito em água parada). Pesquisadores da
de exposição ao vírus a partir da décima quinta OMS, Agência de Proteção Ambiental dos EUA
semana de gestação.46 No entanto, a sensibilida- e da União Europeia não encontraram nenhuma
de e a especificidade do RT-PCR em líquido am- evidência de que o larvicida afeta o curso da gra-
niótico são pequenas, bem como o valor preditivo videz ou o desenvolvimento fetal.50 O produto é
positivo para anomalias fetais.15 usado no Brasil desde final de 1990, sem ligação
Em crianças com achados de calcificações ce- descrita à microcefalia.51
rebrais e microcefalia, dosagem de IgM e RT-PCR A vigilância em saúde deve priorizar a detec-
também são recomendados e devem ser realiza- ção e a investigação de casos suspeitos com o
dos no prazo de 2 dias após o nascimento. Testes objetivo de interromper a transmissão em áreas
de ZIKV em lactentes consistem na dosagem IgM mais problemáticas. Os indivíduos com doença
no soro e RT-PCR para as febres de Dengue e ativa ou que a tiveram recentemente não podem
de Zika, elaborados simultaneamente nos 2 pri- doar sangue. Mulheres grávidas devem evitar
meiros dias de vida do bebê. O sangue do cordão áreas com grande número de ocorrências.21,46,52
umbilical e fluido cérebro espinhal também podem Pacientes com suspeita de infecção pelo ZIKV
ser usados como amostra. A placenta e o cordão devem evitar exposição a mosquitos durante os
umbilical podem ser guardados para testes de primeiros dias da doença para evitar que outros
imunohistoquímica do ZIKV.16 mosquitos sejam infectados e, assim, reduzir o
risco de transmissão local.45
TRATAMENTO Outra opção possível é introduzir mosquitos
Não há nenhum tratamento antiviral específico geneticamente modificados ou estéreis no local
disponível para o ZIKV. O tratamento indicado é o da epidemia. Existem várias pesquisas e empre-
gerenciamento dos sintomas da doença incluin- sas envolvidas nessa linha de pesquisa, como o
do repouso e hidratação. Salicilatos e outros fár- desenvolvimento de mosquitos infectados com
a bactéria Wolbachia, que reduz a replicação Mais recente, pesquisadores do Instituto Evandro
do vírus no organismo dos mosquitos estéreis Chagas tiveram sucesso na inibição in vitro do ví-
(OX513A) com um gene que provoca a morte de rus utilizando a proteína lactoferrina.63
suas larvas.53-54 O Instituto Nacional de Alergia e Doenças In-
fecciosas dos EUA está realizando uma triagem
NOVAS PERSPECTIVAS DE VACINAS E em 60 compostos antivirais e 15 destes apresen-
FÁRMACOS taram atividade antiviral a vários flavivirus, incluin-
O rápido desenvolvimento de uma vacina efeti- do o ZIKV. Estes medicamentos estão em testes
va para ZIKV é uma prioridade para os pesquisa- em modelos animais atualmente. Outras pesqui-
dores. Principalmente uma vacina que possa ser sas incluem ainda o desenvolvimento de anticor-
usada em mulheres grávidas e, assim, proteger os pos monoclonais capazes de neutralizar o vírus.64
bebês.
Os modelos vacinais abragem vacinas com ví- CONCLUSÃO
rus inativado (inteiro e proteínas isoladas) a vacinas O ZIKV surgiu recentemente como uma nova
de DNA.55-57 Várias vacinas estão sendo testadas e ameaça à saúde pública mundial. Os profissio-
mostrado-se imunogênicas e seguras em diferen- nais de saúde devem estar informados, treinados
tes modelos e fases. No entanto, alguns pesqui- e equipados para diferenciar a doença pelo ZIKV
sadores alertam para o potencial risco da geração de outras doenças que circulam simultaneamen-
de resposta imune que potencialize a infecção por te, principalmente a Dengue.53
outras doenças causadas por vírus.58 As epidemias causadas pelo ZIKV durante a
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O Instituto Butantan está desenvolvendo três ti- última década resultaram numa notável disse-
pos de vacina contra o ZIKV: uma vacina à base de minação da Ásia e do Oceano Pacífico para as
DNA, outra vacina com vírus inativado (semelhan- Américas.65 O vírus tem se espalhado rapidamen-
te à vacina da Dengue), e uma vacina híbrida que te, sendo relacionado a problemas no desenvolvi-
tem como base a vacina de Sarampo. Um grupo mento nervoso fetal.
na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) A ocorrência do ZIKV em áreas onde já se ob-
está estudando a inativação do vírus por alta pres- serva a transmissão de outros flavivírus, como os
são hidrostática e sua resposta imunogênica, ten- diferentes sorotipos dos vírus da Dengue, traz a
do bons resultados em camundongos. Nos EUA, o possibilidade de aumento da mortalidade por di-
Food and Drug Administration aprovou a pesquisa ficuldades no diagnóstico diferencial e também
clínica de vacinas chamada GLS-5700, da Inovio®, pela indisponibilidade de kits diagnósticos comer-
que gerou robusta resposta de anticorpos em ca- ciais.65
mundongos e macacos.59 Até pouco tempo a doença era pouco conheci-
A mesma urgência é vista na busca por antivi- da e pouco estudada. Apesar do grande número
rais capazes de reter a replicação e os danos as- de artigos publicados nos últimos meses, ainda
sociados aos vírus. A principal abordagem interna- sabemos pouco sobre a biologia viral e suas pos-
cional tem sido a pesquisa em torno de antivirais já síveis complicações. A informação sobre o vírus
aprovados para uso em outros flavívirus.60 deve vir de fontes especializadas, uma vez que
A principal preocupação dos cientistas é a bus- existe um grande número de pessoas da ciência
ca por medicamentos que possam ser usados em e leigas publicando informações sobre o vírus e
mulheres grávidas. O teste de novos medicamen- a doença. O mesmo cuidado deve-se ter ao ana-
tos é demorado e levaria muito tempo de pesquisa lisarmos os números relacionados ao ZIKV e os
e aprovação pelos órgãos mundiais de regulamen- problemas neurológicos ligados a ele.
tação. Atualmente, o que temos para controlar os sur-
Pesquisadores da UFRJ e do Instituto D’Or de tos de ZIKV são modificações comportamentais.
Pesquisa e Ensino obtiveram sucesso em testes, Na ausência de antivirais e de vacinas para com-
in vitro, com uma tradicional droga antimalárica, batê-lo, o controle dos vetores é uma estratégia
a cloroquina. Os estudos mostraram que a droga prática para limitar novas infecções. A abordagem
protegeu as neurosferas, estruturas celulares que principal inclui a remoção de água parada, o uso
reproduzem o cérebro em formação, sem efeitos de inseticidas e larvicidas, o uso de roupas lon-
citotóxicos.61 Outro grupo de pesquisadores da gas, mosquiteiro e repelentes. Tais ajustes sociais
Fundação Oswaldo Cruz conseguiram bons re- são a saída para proteger a população contra a
sultados com o sofosbuvir, droga tradicionalmente doença causada pelo ZIKV e outras doenças
utilizada em indivíduos com Hepatite C crônica.62 transmitidas por mosquitos.
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index1.html http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26849762
Como citar este artigo: Barroso SPC, Santos
RA, Fonseca GVS, Gregório ML. A epidemia do
vírus Zika: desafios clínicos à medicina moderna.
Arq Bras Med Naval. 2016 jan/dez;77(1):47-56.
56 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 46-56

Fonte: Sinan-NET (atualizado em 08/07/2016).


Figura 1 – Taxa de incidência (por 100 mil habitantes) de febre pelo vírus
Zika notificados por Unidades da Federação, até a Semana Epidemiológi-
ca 27, Brasil, 2016.

Fonte: Sinan-NET (atualizado em 08/07/2016).


Figura 2 –Distribuição acumulada dos casos notificados de microcefalia
e/ou alterações do SNC, segundo definições do Protocolo de Vigilância.
Círculos de proporção de casos por Unidade da Federação. Brasil, de 08
de novembro de 2015 a 06 de agosto de 2016 (SE 45/2015 - SE 31/2016).
SEGURANÇA DO PACIENTE NO HOSPITAL
NAVAL MARCÍLIO DIAS: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS.

Recebido em 15/08/2016
Aceito para publicação em 16/09/2016

1º Ten (RM2-S) Adriana Paula Macedo Ferreira Pereira1


CT (S) Cristiane Soares Cardozo Wergles2
CC (S) Adriana Fusco de Souza3

RESUMO
A qualidade da assistência à saúde resulta em um importante impacto nos sistemas de saúde, o que
torna a Segurança do Paciente uma questão de relevância e discussão na área de Saúde Pública. O

57 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 57-64


presente artigo trata-se de um relato de experiência, que teve como objetivo descrever o processo de
implementação do Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) no Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD),
ocorrido em 2014, e seus desdobramentos até os dias atuais. Este relato foi elaborado a partir de pes-
quisa bibliográfica/documental e da vivência profissional das autoras durante este processo. Os resul-
tados evidenciaram que o NSP do HNMD vem atuando em consonância com os objetivos da Política
Nacional de Segurança do Paciente e com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) N° 36/2013 da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e desenvolvendo diversas estratégias para promover
a melhoria da qualidade da assistência dos serviços prestados. Entende-se que o trabalho desenvol-
vido por este novo serviço, corrobora com as necessidades de investimento em uma gerência de risco
voltada para a assistência, o que pode ser considerado desafiador, tendo em vista a complexidade do
cuidado prestado em um hospital de grande porte.

Palavras-chave: Segurança do paciente; Gestão de risco; Saúde pública; Assistência à saúde.

ABSTRACT
The quality of health care has a significant impact on Health Systems, which makes the Patient
Safety an issue of relevance and discussion in the field of Public Health. This paper is an experience
report that aimed to describe the process of implementation of the Center for Patient Safety (CPS)
at the Marcílio Dias Navy Hospital (HNMD), occurred in 2014, and its development to the present
day. This report was compiled from bibliographic/documentary research and professional experience
of the authors during the process. The results showed that the CPS of HNMD has been acting in line
with the objectives of the National Patient Safety Policy and the National Health Surveillance Agency
(Anvisa) Board Resolution RDC No. 36/2013 and has developed different strategies to promote the
improvement in the quality of healthcare provision. It is understood that the work performed by this new
service proposed by the legislation in question confirms the need for investment in a risk management
focused on the assistance, which can be considered a challenge, given the complexity of the care
provided by a large hospital.

1
Bióloga. Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Ajudante da Divisão de Pesquisa do Instituto de Pesquisas
Biomédicas (IPB) do Hospital Naval Marcílio Dias. Endereço para correspondência: Hospital Naval Marcílio Dias - Instituto de Pesquisas Biomédicas.
Rua César Zama, 185 – Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro, RJ. CEP: 20725-090. E-mail: apereira.ioc@gmail.com – Telefone: (21) 2599-5452
2
Farmacêutica. Especialista em Qualidade e Segurança do Paciente pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Membro do Núcleo
de Segurança do Paciente do Hospital Naval Marcílio Dias.
3
Enfermeira. Especialista em Qualidade e Segurança do Paciente pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Assessora do Núcleo
de Segurança do Paciente do Hospital Naval Marcílio Dias.
Keywords: Patient safety; Risk management; cialmente no contexto atual, onde é caracterizada
Public health; Health care. pela maior complexidade do cuidado associado à
incorporação tecnológica, pelo aumento na carga
INTRODUÇÃO de trabalho dos profissionais de saúde e pelo en-
Conceitualmente, a expressão segurança do velhecimento da população que vem acarretando
paciente significa “redução, a um mínimo aceitá- no aumento de Doenças Crônicas Não Transmis-
vel, do risco de um dano desnecessário associa- síveis.2,8
do à atenção à saúde”1 e é difundido como um De acordo com Caldas, Sousa & Mendes
dos atributos da qualidade do cuidado em saúde.2 (2014),9 investigar este tema é relevante, pois
Este assunto passou a ser percebido, em con- possibilita a produção de conhecimento e a dis-
texto global, como um grave problema de saúde seminação da informação, dá suporte às tomadas
pública, principalmente a partir da publicação do de decisão, promove práticas baseadas em evi-
Relatório Errar é Humano em 1999. Os resultados dências e permite monitorar e avaliar o impacto
deste estudo revelaram uma estimativa de que 44 das medidas que visam aumentar a segurança do
mil a 98 mil americanos morriam anualmente em paciente. Tais benefícios resultam em oportuni-
decorrência de erros associados aos cuidados dade de mudança na prática de cuidados, o que
em saúde.3 Segundo Wachter (2013),4 a partir daí propicia serviços mais seguros e aprimora a qua-
surgiram outras investigações que mostraram um lidade e o desempenho da assistência em saúde.
número considerável de erros de medicação, pro- No Brasil, a Agência de Vigilância Sanitária
blemas de comunicação em unidades de terapia (Anvisa) incorporou em seu escopo de atuação,
58 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 57-64

intensiva (UTI), lacunas no processo de alta hos- as ações previstas na Aliança Mundial para a Se-
pitalar e gazes esquecidas em pacientes durante gurança do Paciente, criada pela OMS em 2004,
procedimentos cirúrgicos, entre outras diversas com o intuito de dedicar atenção ao problema da
falhas. segurança do paciente e com a missão de coor-
Atualmente, a Organização Mundial de Saúde denar, disseminar e estimular melhorias para a
(OMS) afirma que 1 a cada 10 pacientes são pre- segurança do paciente.10
judicados durante a prestação de cuidados hospi- Esta Aliança estabeleceu metas internacionais
talares em países desenvolvidos e que cerca de de segurança do paciente, com o objetivo de pro-
20% a 40% de todos os gastos em saúde é des- mover avanços específicos em situações da as-
perdiçado devido à má qualidade dos cuidados sistência à saúde consideradas de maior risco.
prestados.5 Tais metas são: identificar corretamente os pa-
Na Bélgica, Marquet e cols. (2015)6 identifica- cientes, melhorar a efetividade da comunicação
ram eventos adversos (EAs)i em 56% dos prontu- entre profissionais da assistência, melhorar a se-
ários examinados de transferências de pacientes gurança de medicações de alta vigilância – high
não planejadas para um nível de atenção mais -alert medications, assegurar cirurgias com local
elevado e verificaram que 25,9% de todas estas de intervenção correto, procedimento correto e
transferências estiveram associadas a EAs alta- paciente correto, reduzir o risco de infecções as-
mente evitáveis. sociadas aos cuidados de saúde e reduzir o risco
Em 2011, um estudo envolvendo 58 hospitais de lesões aos pacientes decorrentes de quedas e
de cinco países latino-americanos observou um lesões por pressão.10
total de 11.379 pacientes internados. Dentre es- Neste contexto, como forma de avançar rumo
tes, 1.191 apresentaram, no mínimo, um EA rela- a implantação de protocolos que contemplassem
cionado à qualidade do cuidado recebido e não a estas metas, o Ministério da Saúde (MS) insti-
condições subjacentes. A prevalência pontual es- tuiu a Portaria MS n°529 de 2013, oficializando
timada foi de 10,5%. Mais de 28% dos EAs cau- o Programa Nacional de Segurança do Paciente
saram incapacidade e outros 6% estiveram asso- (PNSP), cujo objetivo geral foi “contribuir para a
ciados à morte do paciente. Quase 60% dos EAs qualificação do cuidado em saúde em todos os
foram considerados evitáveis.7 estabelecimentos de saúde do território nacional”.
Neste sentido, a discussão no campo da se- Este programa visa à prevenção, o monitoramen-
gurança do paciente ganha notoriedade, espe- to e à redução a incidência de EAs nos atendi-

i
Segundo a Classificação Internacional de Segurança do Paciente da Organização Mundial da Saúde, evento adverso é um incidente que resulta em dano
ao paciente.1
mentos prestados, promovendo a segurança do riódicos Capes, PubMed, Bireme; normas, regu-
paciente e qualidade em serviços de saúde do lamento nacionais e internacionais e documentos
país.11-12 de diversas instituições relacionadas ao tema pro-
O PNSP apresenta quatro eixos: o estímulo a posto. Os descritores pesquisados foram: segu-
uma prática assistencial segura, o envolvimento rança do paciente, gestão de risco, qualidade na
do cidadão na sua segurança, a inclusão do tema assistência à saúde. Além disso, foram analisados
no ensino e o incremento de pesquisa sobre o documentos como ordens internas e relatórios do
tema. Cabe ressaltar que um dos seus principais NSP do HNMD. Porém a maioria das informações
objetivos específicos é promover e apoiar a imple- aqui apresentadas é fruto da vivência profissional
mentação de Núcleos de Segurança do Paciente das autoras no respectivo Hospital.
(NSPs) nos serviços de saúde.11-12 O universo de estudo apresentando é o HNMD.
Em consonância com o PNSP, a Anvisa publi- Este hospital situa-se no Município do Rio de Ja-
cou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) neiro e é um hospital geral de grande porte per-
n°36, tornando a constituição do NSP nos servi- tencente ao Sistema de Saúde da Marinha (SSM),
ços de saúde uma obrigatoriedade.13 voltado para a assistência em saúde nos níveis de
Conforme esta RDC, a função dos NSPs é a alta e média complexidade, que atua nas áreas de
integração das diferentes instâncias que traba- Assistência em Saúde, Ensino em Saúde e Pes-
lham com riscos na instituição, considerando o quisa Biomédica. Seus usuários são os militares
paciente como sujeito e objeto final do cuidado da Marinha do Brasil (MB) e seus dependentes.
em saúde. Os núcleos devem adotar os seguintes Conforme informações contidas no site da pá-

59 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 57-64


princípios e diretrizes: a disseminação sistemática gina eletrônica do HNMD, a população de servi-
da cultura de segurança, a articulação e a integra- dores contabiliza cerca de 3.800 profissionais,
ção dos processos de gestão de risco e a garantia dentre militares de carreira, militares temporários,
das boas práticas de funcionamento do serviço de contratados e terceirizados e sua infraestrutura é
saúde, entre outros. composta por: 54 clínicas, 618 leitos, 11 salas no
Ainda de acordo com o PNSP, os NSPs devem centro cirúrgico, 3 salas no centro cirúrgico ambu-
ser constituídos por uma equipe multiprofissional, latorial, 4 salas no centro obstétrico, 101 consul-
capacitada nas áreas de qualidade e gestão de tórios médicos, 4 consultórios odontológicos e 45
riscos, que conheçam profundamente os proces- salas de procedimentosii.
sos de trabalho da instituição e que tenham perfil
de liderança. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O presente artigo apresenta um relato de ex-
periência, que teve como objetivo descrever o A Trajetória da Segurança do Paciente no
processo de implementação do NSP no Hospital Hospital Naval Marcílio Dias
Naval Marcílio Dias (HNMD), ocorrido em 2014, e Desde 2005, o HNMD é integrante da Rede
seus desdobramentos até os dias atuais. Sentinelaiii da Anvisa desenvolvendo ações nas
Espera-se que este relato possa contribuir para áreas de fármaco, hemo e tecnovigilância. Nes-
a reflexão do tema proposto em outros estabe- te escopo, realiza notificações de queixas téc-
lecimentos de assistência em saúde, visto que o nicasiv e reações adversas decorrentes do uso
funcionamento dos NSPs ainda é uma prática re- de medicamentos, materiais médico-cirúrgicos
lativamente recente que possui diversos hiatos re- e transfusões sanguíneas, a partir do relato dos
ferentes à metodologia de ação e de investigação. profissionais de saúde do Hospital. Após a investi-
gação de cada caso, quando verificada a suspeita
METODOLOGIA de alguma irregularidade com o produto, o fato é
Foi realizado um levantamento de dados se- reportado ao fabricante e à Anvisa, por meio do
cundários através de pesquisa em documentos Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária
técnico-científicos por meio de consulta a: artigos (NOTIVISA).
científicos de bases de dados como Scielo, Pe- Além das questões vinculadas à vigilância, em

ii
Dados visualizados no site oficial do Hospital Naval Marcílio Dias no dia 28 de abril de 2016.
iii
Segundo a Anvisa, a Rede Sentinela é “uma estratégia da Vigilância Sanitária Pós-Uso/Pós-Comercialização de Produtos (Vigipós), que visa à prevenção
de riscos associados ao consumo de produtos sujeitos à vigilância sanitária. A rede funciona como observatório nos serviços para o gerenciamento de riscos
à saúde, e atua em conjunto com o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária”.14
iv
A Anvisa conceitua queixa técnica como “qualquer notificação de suspeita de alteração/irregularidade de um produto/empresa relacionada a aspectos
técnicos ou legais, e que poderá ou não causar dano à saúde individual e coletiva”.14
2010, foram realizados investimentos relaciona- Além disso, apontam-se os esforços envidados
dos aos aspectos assistenciais, principalmente, para a dispensação por dose unitária que podem
nas áreas referentes à humanização da assistên- ser elucidados a partir da elaboração do projeto
cia, estimulados pela Política de Humanização do de reforma da Farmácia Hospitalar, cuja obra foi
Serviço de Saúde da Marinha (SSM).15 Neste es- concluída no final de 2015. Este investimento per-
copo, Campos & Bartolly relataram o estabeleci- mitiu reestruturar o setor conforme legislação em
mento de um serviço de acolhimento ao paciente vigor, que atualmente conta com áreas limpas e
com base na classificação de risco no Serviço de capelas de fluxo laminar, possibilitando a melho-
Emergência.16 ria dos processos de preparo de medicamentos
No ano seguinte, o Departamento de Enferma- injetáveis e manipulação de quimioterápicos, bem
gem foi incumbido de capitanear atividades como como dos procedimentos de fracionamento de
o Projeto Escara Zero (PEZ), com a aplicação medicamentos sólidos e líquidos orais, realizados
de um protocolo sistematizado de ações para a no HNMD desde 2009.
prevenção e acompanhamento das taxas de in- Outro relevante avanço foram as mudanças
cidência e prevalência das lesões por pressão. ocorridas no Sistema Farmacêutico (SISFARMA),
Outra estratégia adotada, neste mesmo ano, foi a sistema eletrônico que gerencia os medicamentos
implantação do protocolo para prevenção de que- dos pacientes internados no HNMD, que permite
das do leito. Esse protocolo consistia na avaliação o controle adequado e redução nos intervalos da
dos pacientes admitidos, conforme seu respectivo dispensação de entrega única de medicamentos.
perfil de risco de queda. A partir desta classifica- Cabe sinalizar também as rotinas adotadas
60 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 57-64

ção eram traçadas estratégias de cuidados espe- pelo Departamento de Farmácia visando a obten-
cíficos a serem adotadas pelos profissionais de ção de melhores resultados e mitigação de riscos.
Enfermagem. Além disso, prospectos explicativos Há um protocolo de dupla checagem após a dis-
sobre este tema foram elaborados e distribuídos pensação dos medicamentos, onde um profissio-
para os pacientes e/ou acompanhantes visando à nal confere as unidades farmacêuticas separa-
prevenção de quedas. das para cada paciente, verificando a respectiva
No que tange o Departamento de Farmácia, prescrição médica. Esta estratégia possibilita a
em 2012, iniciou-se uma reestruturação organiza- detecção de eventuais falhas na dispensação e
cional que gerou a redistribuição de tarefas e o na prescrição médicav, permitindo que estas se-
redimensionamento de pessoal dos serviços su- jam corrigidas antes do envio para os postos de
bordinados a fim de aprimorar seus respectivos Enfermagem.
processos. Ressalta-se que a atividade da revi- No âmbito da Farmacovigilância, cabe ressaltar
são farmacêutica das prescrições médicas, antes que além do lançamento das suspeitas de desvio
realizada apenas pelo farmacêutico plantonista, da qualidade de medicamentos no NOTIVISA e
passou a ser atribuição do Serviço de Farmácia da resposta às demandas da Anvisa feitas à Rede
Clínica (SFC). Sentinela, em 2012, iniciou-se uma busca ativa de
Cabe destacar que desde janeiro de 2016, foi reações adversas a medicamentos (RAM). Con-
reforçada a parceria entre o SFC e o Serviço de forme a metodologia trigger tools (medicamentos
Controle de Infecções Hospitalares (SCIH), pelo rastreadores) é realizada revisão de prontuários
Programa de Gerenciamento de Antibióticos no dos pacientes que fizeram uso de antialérgicos,
HNMD. Na ocasião foi criada uma rotina de ava- corticóides e antídotos em algum momento da in-
liação diária da prescrição dos antimicrobianos ternação, a fim de verificar se tais medicamentos
indicados por este Serviço, com verificação da foram prescritos para controlar alguma RAM que
adequação do regime proposto ao preconizado não foi notificada pela equipe ao setor responsá-
na literatura e necessidade do ajuste de dose dos vel pela Farmacovigilância.18-19
antimicrobianos, com base na função renal e/ou Desta forma, entende-se que a busca pela
peso do paciente, entre outros fatores. Desta for- qualidade na dispensação de medicamentos, a
ma, quando alguma não-conformidade é detecta- atuação clínica do farmacêutico e as ações de far-
da, o SFC entra um contato com o prescritor e, macovigilância citadas acima, entre outros impor-
quando necessário, com o SCIH. tantes investimentos, vêm de encontro com uma

v
Exemplificam-se como falhas de dispensação as trocas de forma farmacêutica (comprimido versus ampolas), o envio de quantidade errada de itens para os
profissionais que farão administração dos medicamentos e como falhas de prescrição médica as prescrições de doses incorretas e as posologias solicitadas
de forma inadequada.
política assistencial voltada à segurança como sentantes dos Departamentos de Medicina Clíni-
eixo fundamental para a qualidade.9,12-13,16 ca, Cirurgia, Enfermagem, Farmácia, Engenharia,
Quanto ao Serviço de Hemoterapia, foram efe- Hemoterapia, da CCIH e um Oficial da Escola de
tivados investimentos na capacitação dos profis- Saúde, como forma de se estabelecer um elo en-
sionais que atuam nos processos de transfusão tre a assistência e atividades de ensino.
de sangue e hemocomponentes no intuito de esti- O NSP adota os seguintes indicadores para
mular o aumento da segurança e da vigilância na avaliação de desempenho de suas atividades:
assistência transfusional. Estas atividades possi- avaliação do grau de implantação de protocolos
bilitaram a atualização de conhecimentos teóricos estabelecidos pelo PSP, número de treinamentos
e práticos destes colaboradores, já que promove- aplicados pelo NSP à tripulação do HNMD refe-
ram o acesso a recursos e tecnologias modernas rentes à cultura de segurança e o número de reu-
também utilizadas por outras instituições de exce- niões do NSP.
lência, propiciando diversas trocas de experiên-
cias e saberes. Ações desenvolvidas pelo NSP/HNMD
Estas ações prepararam um terreno fértil para Desde sua criação, o NSP/HNMD desenvol-
a implantação das normas do MS e da Anvisa, veu diversas atividades, tais como: elaboração
regulamentadas em 2013. No intuito de atender do PSP, estabelecimento de bases documentais
as exigências do MS foi criado o NSP do HNMD, para o funcionamento e estabelecimento do NSP
por meio da Portaria nº 65 de 11 de março de como elemento de assessoria no organograma do
2014. Este documento designou, nominalmen- HNMD e confecção de impressos próprios para

61 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 57-64


te, os membros de diversos setores do Hospital, notificação de incidentes, com a disponibilização
relacionando-os às áreas específicas de acordo dos mesmos na intranet do HNMD.
com as Metas Internacionais para a Segurança Atualmente os membros do NSP reúnem-se
do Paciente e os campos de atuação na gerência quinzenalmente para avaliar as notificações re-
de risco, como por exemplo, higiene das mãos e cebidas e realizar o rastreamento dos incidentes
hemovigilância, respectivamente. ocorridos na instituição, além de analisar outros
Neste mesmo ano, este grupo teve como uma aspectos relacionados à melhoria da implemen-
de suas tarefas a elaboração do Plano de Segu- tação dos protocolos referentes à segurança do
rança do Paciente (PSP) com a especificação de paciente. Estes profissionais buscam interlocução
ações e protocolos. Em junho de 2015, a Diretoria com outras comissões do HNMD, a saber: Co-
de Saúde da Marinha, órgão técnico responsável missão de Ética Médica, Comissão de Revisão
pelo planejamento, organização, coordenação e de Óbitos, Comissão de Análise de Prontuário
controle das atividades de saúde no âmbito da e Comissão de Controle de Infecção Hospitalar.
MB, determinou algumas medidas a todos os hos- Em conformidade com a Anvisa (2013),22 esta
pitais e unidades de saúde da Marinha em territó- interação com outras áreas de atuação e diver-
rio nacional, dentre elas a nomeação de um militar sos profissionais que atuam no gerenciamento da
para exercer cargo de exclusividade no NSP. qualidade é extremamente relevante e pode ser
A partir de então a Ordem Interna nº 01- considerada como uma forma de potencializar
19/2015 do HNMD foi elaborada e apresenta o a busca ativa de dados valorosos no que tange
objeto fundamental do Serviço como sendo: “pro- ao cuidado seguro, além de promover este tema
mover a melhoria da qualidade da assistência aos dentro própria da instituição.
pacientes atendidos no HNMD por meio de ações Uma das principais ações do NSP está focada
de promoção da segurança do paciente” e elenca na análise das notificações de incidentes e não-
cinco macroestratégias de atuação: (1) elabora- conformidades. No âmbito do NSP entende-se in-
ção e atualização do PSP; (2) monitoramento da cidente como: “uma situação, evento ou circuns-
implementação do PSP e seus protocolos; (3) im- tância que poderia ter resultado, ou resultou, em
plementação de ações de gestão de risco; (4) ge- dano desnecessário à saúde”.20 Quanto às não-
renciamento de notificações de incidentes ou não conformidades, estas podem ser enquadradas as
conformidades; e (5) disseminação da cultura de falhas nos equipamentos, materiais médico-cirúr-
segurança.20-21 gicos, medicamentos, entre outros produtos de
O NSP está subordinado ao Diretor do HNMD, uso hospitalar.23
tendo sido remodelada sua configuração de mem- Os dados extraídos destas notificações são
bros para uma equipe multidisciplinar, coordenada analisados pelos membros do NSP/HNMD e pe-
por um Gerente de Risco e composta por repre- los profissionais pertencentes aos setores en-
volvidos, através de ferramentas específicas de mais problemáticas e corroborar no planejamento
qualidade para gestão de serviços de saúde, tais e na implementação de diversas intervenções di-
como: causa raiz e diagrama de causa e efeito. recionadas à qualidade no desempenho da assis-
Estas avaliações contribuem na elaboração de tência em saúde.25
estratégias que proporcionam o mapeamento dos De acordo com Reis,24 partilhar uma cultura
riscos em áreas específicas do cuidado em saúde, de segurança positiva nas instituições de saúde
norteando as ações para diminuir a ocorrência de emerge como um dos requisitos essenciais para
novos incidentes. Tais informações também po- reduzir a ocorrência de EAs tal quanto possível,
dem ser utilizadas como fonte de pesquisa e auxi- por meio de aprendizado proativo a partir dos
liar na definição das necessidades de treinamento erros, e redesenho dos processos, para fins de
do corpo clínico e dos demais colaboradores do evitar a ocorrência de erros ou incidentes. Logo,
Hospital, direcionando a educação continuada de surgem outros desafios e perspectivas que são a
todos os profissionais.4,9,24 adoção de protocolos e a padronização de diver-
Relatórios internos do NSP/HNMD destacam sas atividades executadas no HNMD.
que os incidentes mais recorrentes estão de acor- Em relação à Farmácia Hospitalar, um dos pri-
do com o perfil apresentado por diversas pesqui- mordiais desafios é refinar os processos de dis-
sas realizadas em âmbito nacional e internacio- pensação dos medicamentos para que o Serviço
nal.3-7,24 possa efetivar as entregas por dose unitária em
um menor intervalo de tempo possível, conforme
Desafios e Perspectivas Futuras já adotada em outras instituições de assistência
62 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 57-64

Um dos principais desafios do NSP/HNMD é à saúde.


conseguir sensibilizar colaboradores e usuários Para que essas ações sejam logradas com êxi-
do HNMD para que haja um aumento significativo to, cabe sinalizar que existe a inevitabilidade da
nas notificações espontâneas frente aos inciden- ampliação de uma equipe capacitada para atuar
tes e que este se torne um hábito institucional, já conjuntamente com o NSP, bem como em outros
que atualmente grande parte das notificações é setores diretamente relacionados com o gerencia-
proveniente dos profissionais do Departamento de mento de riscos. Esse incremento permitirá me-
Enfermagem. A partir deste avanço, no que tange lhorias nos processos de notificações, sobretudo
a comportamentos e hábitos, surge a necessida- na busca ativa, além de propiciar um aprofunda-
de de criar estratégias visando notificações que mento nas análises dos incidentes ocorridos no
sejam registradas de forma mais eficiente e efi- Hospital.
caz, como por exemplo, a implementação de link O autêntico esforço e a cardinal perspectiva do
específico da qualidade no site do HNMD, prática NSP/HNMD é fomentar o desenvolvimento de um
adotada em diversos estabelecimentos de servi- projeto institucional de avaliação de incidentes e
ços de saúde. gestão de riscos, utilizando diversas estratégias
A busca por sistematizar as informações e con- internacionalmente consolidadas para aprimorar
feccionar banco de dados para um contínuo ge- a qualidade do serviço oferecido à Família Naval.
renciamento e vigilância dos riscos também pode Fato que perpassa o alcance das metas interna-
ser citada como outro relevante desafio para o cionais de segurança do paciente e a preparação
NSP/HNMD, mediante a necessidade de investi- do Hospital para possíveis certificações e acredi-
mento na capacitação de pessoal para utilização tações nacionais e internacionais.
de potentes ferramentas de gestão da qualidade
que permitam a análise, avaliação e gestão de ris- CONSIDERAÇÕES FINAIS
co e a busca por parcerias institucionais que favo- Entende-se que o trabalho desenvolvido pelo
reçam a troca de experiências. NSP/HNMD colabora com as necessidades de
Outro aspecto imprescindível para a melhoria investimento em uma gerência de risco voltada
das ações do NSP/HNMD é mapear o status da para a assistência em saúde e representa uma
cultura de segurança do paciente vigente na ins- atividade desafiadora, tendo em vista a complexi-
tituição. Entende-se que a partir desta avaliação, dade do cuidado prestado no HNMD, um hospital
pode-se ter acesso às informações dos profis- de alta complexidade e grande porte. A questão
sionais à respeito de suas percepções, práticas chave continua sendo a capacidade de motivar
e comportamentos relacionados à segurança do suficientemente todos os atores envolvidos no ato
paciente nas rotinas de trabalho. Esses achados do cuidar, ressaltando a importância de uma cul-
podem contribuir para a identificação das áreas tura de segurança positiva.
A adequação às normas vigentes à segurança Disponível em: http://www.who.int/patientsafety/
do paciente pelo NSP/HNMD corrobora com um launch/en/
ideal que vai além do cumprimento de um dever, 11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 529,
mas que é um instrumento de alcance para a me- de 1º de abril de 2013. Institui o Programa Nacional
lhoria da qualidade prestada aos militares e seus de Segurança do Paciente (PNSP). Diário Oficial
dependentes. [da República Federativa do Brasil], Brasília (DF)
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Como citar este artigo: Pereira APMF, Wergles


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pital Naval Marcílio Dias: desafios e perspectivas.
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Arq Bras Med Naval. 2016 jan/dez;77(1):57-64.


O USO DE BIOTRAÇADORES POLÍNICOS: NOVAS
PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO
DA ESTRATÉGIA DE DEFESA CONTRA ATAQUES
POR VIA ATMOSFÉRICA
Recebido em 15/08/2016
Aceito para publicação em 16/09/2016

3º SG-EF Luiz Antonio da Costa Rodrigues1


1º Ten (RM2-S) Shana Priscila Coutinho Barroso2
1º Ten (RM2-Md) Maria Alice Fusco de Souza3
CB-EF Caroline Corrêa de Aguiar4
3º SG-EF Bruno de Lima Miranda5

RESUMO
A função constitucional das Forças Armadas é a defesa da Pátria. A monitorização de riscos e possí-
veis agravos à soberania nacional diante dos modernos e versáteis cenáros de combate existentes no

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mundo demandam adequação e constante evolução de recursos e meios disponíveis. Neste aspecto
a identificação de contaminantes biológicos e químicos na atmosfera, entre outras formas de ofensi-
va representam desafios. A magnitude de um ataque desta natureza pode ser detectada e prevista
através da identificação de biotraçadores atmosféricos, tais como o pólen e esporos. A utlização de
biotraçadores para identificação de trajetórias de massas de ar e sua aplicação como estratégia de
Defesa ainda é escassa e o domínio de tais técnicas pode representar avanço tecnológico e científico.
Atualmente pesquisas realizadas no Continente Antártico por Instituições de Ensino e Pesquisa nacio-
nais demonstraram o potencial inexplorado desta região para o estudo de biotraçadores. A Marinha
do Brasil tem condições que permitem o desenvolvimento de pesquisas sobre o uso de biomarcadores
no âmbito da Defesa.

Palavras-chave: Biotraçadores; Ameaças químicas; Ameaça biológica.

ABSTRACT
The constitutional function of the Armed Forces is to ensure the territorial security. To achieve this
goal, one way is the monitoring of risks to national sovereignty in face of the modern combat scenarios
more versatile and dynamic every day. The emission of biological and chemical contaminants in the
atmosphere, among others forms of offensive. The predicted size of an attack of this nature can be
carried out by the identification of biomarkers such as pollen and spores. These biomarkers may be
used as a tool for analyzing the air mass trajectory to the geographical point sampled. Previous studies
in Antarctica by national educational and research institutions demonstrated the untapped potential
of this region for the study of as a defense strategy. The Brazilian Navy has conditions that allow the
development of research on the use of biomarkers within the Defense scope.

Keywords: Biomarkers; Chemical threat; Biological threat.

1
Biólogo. Auxiliar do Laboratório de Biologia Celular do Instituto de Pesquisa Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.Doutorando em Ciências Bioló-
gicas (Botânica) pelo Museu Nacional – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Endereço para correspondência: Rua Professor Eurico Rabelo, 127 - Apto
402 – Maracanã – Rio de Janeiro - RJ. Tel.: (21) 98217-0671E-mail:rodriguespalino@gmail.com
2
Bióloga. Doutorado em Química Biológica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ajudante da divisão de pesquisas do Instituto de Pesquisa Bio-
médicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
3
Médica Veterinária. Doutorado em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Encarregada da Seção de Microcirurgia do Instituto de Pesquisa
Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
4
Graduanda em Biomedicina. Auxiliar do Laboratório de Microcirurgia do Instituto de Pesquisa Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
5
Farmacêutico. Auxiliar de Laboratório de Bioanálises do Instituto de Pesquisa Biomédicas do Hospital Naval Marcílio Dias.
INTRODUÇÃO do no desenvolvimento de pesquisas básicas e
Embora pacífico e de relações diplomáticas aplicadas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica.5
baseadas no diálogo e respeito às diferentes No que tange à Marinha do Brasil, a busca por
culturas, o Brasil investe no Setor de Defesa no autonomia tecnológica pode ser notada na inde-
sentido da equalização de seu potencial bélico pendência nacional de formação de engenheiros
visando o enfrentamento de potenciais amea- navais, através de convênio com a Universida-
ças internas e externas.1 Neste aspecto, o apoio de de São Paulo (USP) na década de 1970, em
militar Naval se faz presente com os recentes substituição à formação no exterior. Tal processo
avanços na prospecção do submarino nuclear resultou da busca pela recuperação da estagna-
brasileiro, somado às contínuas ações de ma- ção gerada pelo fornecimento de meios navais
nutenção da soberania territorial, o combate ao através de acordo firmado entre Estados Unidos
tráfico de drogas e armas nas áreas de fronteira e Brasil após o fim da Segunda Guerra Mundial.6
e a proteção do mar territorial, diretamente be- Identificar e desenvolver tecnologia, formar e ca-
neficiado pelo constante avanço tecnológico do pacitar recursos humanos também foram alter-
setor. nativas presentes na área da saúde.7 Neste con-
As dimensões continentais do país apresen- texto, o uso de biotraçadores enquadra-se como
tam fronteiras terrestres, marítimas e fluviais, ferramenta estratégica na identificação prévia
além de um enorme espaço aéreo.2 Estas devem de ameaças por via atmosférica e na obtenção
ser constantemente conservadas e monitoradas de meios para a garantia da integridade da vida
visando o estabelecimento de barreiras sanitárias frente a possíveis ameaças químicas e biológi-
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para manutenção do bem estar da população em cas disseminadas por esta via de propagação
geral, além da proteção dos diferentes ecossis- desses agentes.
temas e fontes de recursos naturais. No contex-
to de barreira sanitária, devem-se considerar os IDENTIFICAÇÃO DE PÓLEN, ESPOROS E
ataques químicos e biológicos por via atmosféri- SEU USO COMO BIOTRAÇADOR
ca representativos como possíveis ferramentas Pesquisas desenvolvidas pelo Laboratório
dos atuais cenários de combate, cada vez mais Professor Álvaro Xavier Moreira do Museu Na-
versáteis e dinâmicos.2 Assim, a identificação de cional da Universidade Federal do Rio de Janei-
emissões de contaminantes na atmosfera mostra ro e Laboratório de Radioecologia e Mudanças
ser um campo com potencial para aplicabilidade Globais da Universidade do Estado do Rio de
nas ações desenvolvidas para Defesa Nacional.3 Janeiro, identificaram que grãos de pólen e es-
Neste aspecto o uso de traçadores atmosféricos poros diversos podem ser utilizados como biotra-
revela-se como ferramenta de potencial científico çadores, uma vez que os registros mostram seu
relevante4 na prevenção e mitigação de ameaças transporte do Continente Sul-Americano para a
que comprometam a soberania nacional. Antártica.4 Tal utilização representou um avanço
A execução de pesquisas com amostras am- no conhecimento sobre a dinâmica de transpor-
bientais que identifiquem traçadores (biotraçado- te de particulados para o continente. Através da
res) pode permitir a abertura de novas fronteiras análise da morfologia dos grãos de pólen e es-
na pesquisa Naval. Figuram nesta perspectiva poros, identificados em microscopia óptica de luz
a identificação de contaminantes atmosféricos, branca, é possível comparar os resultados com
tempo de resposta contra ataques biológicos, publicações e coleções de referência, verifican-
identificação de vírus, bactérias e fungos trans- do a biogeografia das espécies representadas
portados por massas de ar, identificação de at- em amostras coletadas. Os dados biogeográfi-
mosfera contaminada e modelagem do desloca- cos e informações sobre o local de coleta podem
mento de contaminantes no ar em alto mar e em ser compilados por meio de ferramentas lógicas
terra, modelagem e inferência de áreas impacta- disponíveis em versão software para desktop ou
das por contaminantes oriundos da descarga de em plataformas on line como a plataforma Hybrid
meios navais marítimos e terrestres. Single-Particle Lagrangian Integrated Trajectory
(HYSPLIT) da National Oceanic and Atmosphe-
O SETOR DE DEFESA E A PRODUÇÃO DO ric Agency (NOAA). Como produto da aplicação
CONHECIMENTO das ferramentas lógicas pode-se verificar as tra-
O investimento em Ciência e Tecnologia jetórias das massas de ar que alcançaram um
pelo Ministério da Defesa, previsto na portaria ponto amostrado, permitindo identificar sua ori-
nº 1.317 de 04 de novembro de 2004 é traduzi- gem e partículas que chegam em determinada
região, bem como a previsão do seu comporta- INSTITUTO DE PESQUISAS BIOMÉDICAS
mento4 sendo relevante na identificação de áreas DO HOSPITAL NAVAL MARCÍLIO DIAS
atingidas por ameaças biológicas e na previsão do O Instituto de Pesquisas Biomédicas do Hos-
seu impacto em outras regiões. pital Marcílio Dias (IPB) representa uma das pri-
A identificação do comportamento de massas meiras ações da Marinha do Brasil na busca pelo
de ar através de registro e identificação de grãos desenvolvimento científico, com pesquisas bási-
de pólen e esporos em amostras de neve coleta- cas, aplicadas e clínicas, em áreas relacionadas
das na Ilha Joinville (Antártica), revelaram novas à saúde, no âmbito hospitalar e em combate.
possibilidades para o desenvolvimento de análise O processo histórico de criação do IPB de-
de material particulado na atmosfera.4 O particula- nota a vocação pra ciência de base e aplicada,
do atmosférico fornece informações sobre eventos através de pesquisas realizadas ao longo de sua
climáticos, descarga de poluentes, contaminações existência. As atividades de pesquisa tiveram
biológicas e radiológicas. Tais informações podem início antes mesmo da construção do Hospital
fornecer dados para: gestão do impacto ambien- Naval Marcílio Dias, ainda no ano de 1934 com
tal da operação de meios e organizações militares; a implantação do Instituto Naval de Biologia.7
hostilidade de terrenos em combate; e previsão de Inicialmente com o objetivo de buscar melhoria
cenários climáticos subsidiando a tomada de deci- da saúde dos militares, o Instituto colaborou com
são estratégica. instituições de pesquisa, universidades e com a
A composição dos aerossóis, dividida basica- iniciativa privada.
mente em uma parcela orgânica e outra inorgâni- Recentemente reformulado, o IPB possui

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ca, apresenta variabilidade de acordo com fatores estrutura adequada ao tratamento de amostras
físicos como temperatura, umidade e pressão at- ambientais e biológicas, além de exercer impor-
mosférica.8 O componente orgânico do aerossol tante papel na pesquisa clínica da Marinha do
atmosférico representa aproximadamente 30% do Brasil. Através de parcerias com universidades e
total da massa de partículas em suspensão, sendo do enquadramento legal do Hospital Naval como
constituído por vírus, bactérias, esporos, pólens, Instituição de Ciência e Tecnologia e Inovação
ceras cuticulares, spray e sal marinho. O compor- (ICT), a execução de projetos de pesquisa tor-
tamento físico e químico desse componente é di- nou-se viável através da participação em editais
nâmico com impacto direto nos sistemas vivos e de agências de fomento o que permite a redução
sua influência é expressa na qualidade do ar, prin- do custo efetivo da pesquisa no orçamento da
cipalmente nas grandes cidades, quando podem Força.
ser desencadeados processos alérgicos e infec-
ciosos, notadamente um fator de agravo à saúde PERSPECTIVAS – DESAFIOS E
humana.9 Uma iniciativa de grande porte é a Rede FRONTEIRAS
Portuguesa de Aerobiologia, um serviço público de A Organização Mundial da Saúde destaca as
catalogação e previsão da concentração de partí- ameaças biológicas como riscos reais à saúde
culas orgânicas na atmosfera que reconhece o po- humana.10 O compromisso de não construir ar-
tencial de perigo que o aerossol atmosférico possui mas de destruição em massa1 assumido pelo
em relação à saúde humana.9 O domínio de téc- Brasil, expresso no Livro Branco da Defesa Na-
nicas e da aerobiologia aplicada ainda é escasso cional, não exclui a necessidade de investimento
no âmbito Naval, embora represente um importan- em respostas contra a possibilidade de ataques
te avanço estratégico e permita a identificação da e ameaças com tais artefatos.
composição biológica da atmosfera, podendo ser O investimento na proteção não fere acordos
utilizado em ações epidemiológicas e de defesa. internacionais, mas permite o avanço tecnológi-
O uso de biotraçadores em pesquisas no Con- co, o desenvolvimento de recursos humanos e
tinente Antártico possui potencial científico2 que a garantia da preservação da vida. A prospec-
pode ser explorado não somente por instituições ção de técnicas e pesquisas que promovam o
de ensino e pesquisa nacionais e internacionais, conhecimento sobre o potencial de ameaças por
mas também pela Marinha. A Força Naval atua via atmosférica guarda intrínseca relação com o
exclusivamente no apoio logístico, entretanto, avanço do conhecimento para a organização.
possui enorme potencial científico-militar de utili-
zação da região, promovendo o desenvolvimento CONCLUSÃO
científico e novas parcerias com instituições de O IPB apresenta um histórico de pioneirismo
Ciência e Tecnologia. na pesquisa em âmbito Naval representando im-
portante setor estratégico para área da saúde e Hospital Naval Marcílio Dias [Internet]. Histórico
pesquisa clínica. Os recursos físicos, humanos da pesquisa no Hospital Naval Marcílio Dias
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68 │ Arq. Bras. Med. Naval, Rio de Janeiro, 77 (1): 65-68

Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa uso de biotraçadores polínicos: novas perspecti-
Nacional, encaminhados ao Congresso Nacional vas para o desenvolvimento da estratégia de de-
pela Mensagem nº 83, de 2012. (Mensagem nº fesa contra ataques por via atmosférica. Arq Bras
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