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A Atualidade Das Historias em Quadrinhos
A Atualidade Das Historias em Quadrinhos
Waldomiro Vergueiro
Professor Titular do Departamento de Biblioteconomia e Documentação
Coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos (NPHQ)
da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
wdcsverg@usp.br
Resumo
Discute o desenvolvimento das histórias em quadrinhos no Brasil, apontando, em anos recentes para a
emergência de novas tipologias de produtos quadrinhísticos, direcionados para públicos mais adultos. Destaca
produções no estilo underground, obras em coletânea e quadrinizações de obras literárias, distinguindo-as como
alternativas viáveis para estabelecimento e florescimento de uma indústria autóctone de histórias em quadrinhos
no país.
Palavras-chave
Histórias em quadrinhos – Brasil. Histórias em quadrinhos adultas.
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História, imagem e narrativas
No 5, ano 3, setembro/2007 – ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br
Introdução
É indiscutível que, nos últimos anos, as histórias em quadrinhos passaram por diversas
transformações no mundo ocidental, visando sua adaptação a uma nova realidade. O móvel de
muitas dessas transformações esteve relacionado, em grande parte dos casos, a um novo
entendimento sobre o papel dos quadrinhos na sociedade e à derrubada de antigos
preconceitos, que preconizavam os produtos da linguagem gráfica seqüencial como
prioritariamente direcionados ao público infanto-juvenil. Ao mesmo tempo, o
desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação eletrônicas representou o
ápice de um processo de concorrência entre os diversos meios de comunicação de massa que
se iniciou com o advento da televisão, em meados do século 20, fazendo com que as histórias
em quadrinhos passassem a enfrentar uma diversidade de meios de entretenimento como
nunca antes haviam enfrentado, freqüentemente saindo perdedoras no objetivo de prender a
atenção de seu público. Assim, a indústria produtora de histórias em quadrinhos teve que
buscar alternativas para responder de forma eficiente à concorrência desses meios de
comunicação e informação, diversificando as características dos produtos que disponibilizava
e redirecionando seus esforços de disseminação para públicos que pudessem se mostrar mais
receptivos a seus produtos.
Esse movimento de adaptação dos produtos quadrinhísticos pôde ser observado em
várias partes do mundo, iniciando-se nas economias mais avançadas da Europa e América do
Norte, onde a indústria de quadrinhos apresentava maiores proporções. No entanto, não tardou
muito para que igual necessidade ficasse patente para as indústrias de países em
desenvolvimento, especialmente na América Latina, em que às condições de concorrência
desfavoráveis vieram se juntar contextos econômicos ainda mais adversos, que muitas vezes
levaram ao fechamento de empresas editoriais estabelecidas no mercado, aparentemente
sólidas e com longa trajetória de atuação na área.
Isso ocorreu em diversos países da América Latina. Períodos de recessão econômica
concorreram para que a editora Columba, na Argentina, praticamente encerrasse suas
atividades na área e para que a editora Abril, abandonasse a publicação de quadrinhos
produzidos pelas norte-americanas DC e Marvel Comics no Brasil e passasse a concentrar seu
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alternativa viável para a permanência dos produtos da linguagem gráfica seqüencial no país,
ampliando sua visibilidade e colaborando para o aumento de sua aceitação pela sociedade
brasileira.
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FIGURA 1
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Criada em 1905, a revista O Tico-Tico foi publicada até 1962, acompanhando a infância de várias gerações de
brasileiros. Idealizada por Renato de Castro, Cardoso Júnior e Manoel Bonfim, ela foi baseada em sua congênere
francesa La Semaine de Susette, representando o modelo de publicações para a infância brasileira na primeira
metade do século 20. Por ela passaram vários dos primeiros autores de quadrinhos do país, como Max Yantok,
Alfredo e Osvaldo Storni, Miguel Hochman, Luís Sá e J. Carlos, bem como diversos escritores de renome no
país, entre os quais podem ser destacados Josué Montello, Leonor Posada, Osvaldo Orico, José Lins do Rego,
Bastos Tigre, Olavo Bilac, Cardoso Júnior, Coelho Neto, Murilo Araújo, Catulo da Paixão Cearense, Malba
Tahan, Humberto de Campos, Arnaldo Niskier, Eustórgio Wanderley e Gustavo Barroso. Além de ter elaborado
o logotipo da revista, Angelo Agostini também dela participou com ilustrações para as diversas matérias que a
compunham e com a elaboração de uma coluna própria. (VERGUEIRO, SANTOS, 2005)
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FIGURA 3
Edição Maravilhosa e Série Sagrada, dois títulos que buscavam criar um ambiente favorável para as
histórias em quadrinhos no Brasil, quebrando os preconceitos contra os produtos da linguagem gráfica
seqüencial.
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FIGURA 4
Os fatores acima assinalados colaboraram para que a busca de novos públicos e maior
diversidade temática para os quadrinhos ocorresse de forma relativamente tranqüila no Brasil
quando os primeiros indícios de declínio do mercado começaram a ser vislumbrados, durante a
década de 1980. Nesse sentido, a criação da Editora Devir, em 1987, na cidade de São Paulo,
pode ser vista como uma primeira iniciativa no sentido de influenciar a mudança do mercado
consumidor, na medida em que intentava, segundo palavras da própria editora,
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Entre elas podem ser incluídas, entre outras, a Mythos Editora, criada em 1996; a Conrad Editora, de 1993; e a
Pixel Media, formada em inícios da presente década pela parceria das editoras Ediouro e Futura Comunicação.
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A primeira Gibiteca brasileira foi criada na cidade de Curitiba, em 1982, seguida, em 1991, pela Gibiteca
Henfil, na cidade de São Paulo, as duas maiores expoentes de diversas outras gibitecas menores, localizadas em
cidades como Santos, Santo André, São Carlos, Natal, Londrina, entre outras.
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trabalhos de Keiji Nakazawa (Gen), Osamu Tezuka (Adolf, Buda) e Hayao Miyazaki
(Nausicaa) (FIGURA 5).
FIGURA 5
Diversas graphic novels e mangás disponíveis para o público brasileiro, um segmento mais sofisticado
do mercado de quadrinhos norte-americano e japonês ao alcance do público brasileiro.
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No que diz respeito à produção brasileira propriamente dita, alvo principal deste texto,
pode-se identificar a paulatina ampliação do número de artistas no mercado, com maior
variedade de enfoques e estilos narrativos. De uma maneira geral, o mercado para adultos se
divide em obras ligadas ao estilo underground e coletâneas com materiais de novos artistas;
nos últimos tempos, inclusive, nota-se também o incremento de obras de caráter educacional,
com o lançamento de quadrinizações de obras literárias, que recupera uma linha de
publicações bastante popular nas décadas de 1950 e 1960.
O estilo underground
De uma certa forma, além de seguidores diretos do trabalho dos artistas do quadrinho
underground norte-americano, como Robert Crumb e Gilbert Shelton, em que prevalece a
crítica de costumes, o humor irreverente, a crônica de experiências pessoais e a exploração de
temáticas sexuais, autores como Angeli, Laerte, Glauco, Adão Iturrusgarai, Fernando
Gonsalez dão continuidade à obra do já mencionado artista Henfil, enveredando para a crítica
social e de costumes. Autores consagrados,
Laerte, Angeli e Glauco já são veteranos na área de quadrinhos, com constante
presença em jornais brasileiros e grande parte de sua produção mais representativa tendo sido
realizada nas décadas de 1980 e 1990; atualmente, seu trabalho é objeto de coletâneas e
republicações que mantêm satisfeito um público bastante fiel (FIGURA 6).
Apesar de ter surgido depois dos três artistas acima mencionados, em um certo sentido
também Fernando Gonsalez pode ser considerado um veterano dos quadrinhos, com seu
personagem Níquel Náusea sendo publicado no jornal A Folha de S. Paulo há mais de 16
anos. Seu trabalho de quadrinhos já ganhou vários prêmios e é regularmente publicado na
forma de álbuns, sempre com ótima receptividade (FIGURA 6).
Oriundo do sul do país, Adão Iturrusgarai ganhou notoriedade com a publicação da
revista Dundun, publicação que teve o apoio por parte de órgãos governamentais contestado
judicialmente, devido a suas características de irreverência e ao teor erótico de seu conteúdo.
Posteriormente, mudando-se para o sudeste, Adão desenvolveu personagens próprios como a
jovem Aline e a dupla homossexual Rock e Hudson, que caíram no gosto do público (FIGURA
6).
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Artistas como Lourenço Mutarelli e Caco Galhardo podem também ser considerados
como pertencentes ao estilo underground, principalmente devido às características
autobiográficas de seu trabalho, no caso do primeiro, e ao componente humorístico de sua
obra, no caso do segundo, mas não atuam exclusivamente nesse segmento artístico. Mutarelli,
nos últimos anos, tem se dedicado à elaboração de obras de conteúdo mais ficcional com seu
personagem Diomedes, enveredando para o estilo policial noir e se aproximando da produção
de graphic novels; por sua vez, Caco Galhardo desenvolveu recentemente um trabalho que
enfoca a transposição de uma obra literária para a linguagem dos quadrinhos, afastando-se um
pouco do estilo predominante em sua tira Os Pescoçudos.
Outros artistas que têm proximidade com este estilo mas que não poderiam ser
rigorosamente nele enquadrados são os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Ba, que ganharam
destaque com os álbuns da série 10 Pãezinhos e também diversificam bastante sua produção.
FIGURA 6
Coletâneas
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Figura 7
Publicada pela Editora Via Lettera, de São Paulo, a premiada revista Front dá guarida tanto a artistas
iniciantes como a veteranos na área, representando uma alternativa viva e dinâmica na produção de
quadrinhos no Brasil.
Na mesma linha da Front estão outras obras publicadas em anos recentes, como Dez na Área,
um na banheira e ninguém no gol, Fábrica de Quadrinhos e Domínio Público, entre outras,
que encontram cada vez maior receptividade entre os leitores brasileiros.
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FIGURA 9
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Uma linha de materiais em quadrinhos, de conteúdo paradidático, representando uma aposta ousada na
utilização pelas escolas brasileiras.
FIGURA 10
Dois grandes mestres da literatura portuguesa e brasileira em quadrinhos, pelas mãos de grandes
artistas da área.
Conclusão
Embora seja provavelmente prematuro visualizar em curto espaço de tempo qualquer tipo de
reversão significativa do mercado de produção e consumo de histórias em quadrinhos no
Brasil, o panorama traçado nas páginas anteriores parece sinalizar a existência de uma forte
tendência em direção à diversificação de públicos e produtos. Esta é uma novidade
alvissareira, pois aponta caminhos para a superação da crise trazida pelo impacto da
concorrência das novas tecnologias e da perda de leitores ocorrida nos últimos anos. Nesse
sentido, um dado bastante promissor foi a inclusão, em 2006, de vários títulos de quadrinhos
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no Programa Nacional Biblioteca na Escola, que permite acreditar na diminuição das barreiras
para o ingresso dos materiais quadrinhísticos em ambiente escolar no país5.
Se, por si só, essas mudanças e iniciativas serão suficientes para garantir a existência
de uma indústria autóctone forte na produção de histórias em quadrinhos é ainda uma
incógnita de difícil decifração. Sabe-se, no entanto, que essa diversidade representa um trunfo
considerável nessa luta e por isso deve ter sua importância devidamente equacionada,
tomando-se o cuidado de não minimizá-la – o que ocorreria pelo desprezo em relação a seu
potencial de transformação de mercado -, ou maximizá-la exageradamente – o que se daria por
sua eleição como a única alternativa viável para sobrevivência dos quadrinhos no país. Trata-
se, ao fim das contas, de uma das muitas estratégias possíveis para avanço da linguagem
gráfica seqüencial no Brasil e certamente tem mostrado resultados satisfatórios até o
momento, devendo ser refinada para sua maior eficiência. Isso poderá ser feito pela definição
de outros segmentos do público adulto, como o das mulheres, de profissionais liberais, de
grupos étnicos, etc. Tudo indica que, devidamente trabalhada, essa estratégia poderá continuar
a trazer bons resultados no futuro.
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Os títulos de quadrinhos incluídos no Programa em 2006 foram: Asterix e Cleópatra, de R. Goscinny e A.
Uderzo; Toda Mafalda, de Quino; Na prisão, de Kazuichi Hanawa; Dom Quixote em quadrinhos, adaptação da
obra de Miguel Cervantes por Caco Galhardo; Santô e os pais da aviação, de Spacca; A metamorfose, adaptação
da obra de Franz Kafka por Peter Kuper; Níquel Náusea – Nem tudo que balança cai, de Fernando Gonsales; Pau
pra toda obra, de Gilmar; A Turma do Pererê – As gentilezas, de Ziraldo.
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Referências
MOYA, Álvaro de. Anos 50/50 anos: São Paulo 1951/2001: Edição comemorativa da
Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos. São Paulo: Ed. Ópera
Graphica, 2001.
SEIXAS, Rozeny Silva. Morte e vida Zeferino: Henfil & humor na revista Fradim. Rio de
Janeiro: Oficina do Autor, 1996.
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SILVA, Diamantino da. Quadrinhos dourados: a história dos suplementos no Brasil. São
Paulo: Opera Graphica, 2003.
SILVA, Nadilson Manoel da. Fantasias e cotidiano nas histórias em quadrinhos. São
Paulo: Annablume, Fortaleza: Secult, 2002.
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