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O MISTÉ
MISTÉRIO D@ ONÇ@ PIFEIR@
Neste amálgama de fé
E primevas tradições,
Veio ao mundo um tocador
Cujos toques e bordões
Despertava em toda a gente
As maiores sensações.
O pequeno demonstrava
Grande fôlego chorando.
Seu pulmão era robusto,
Tanto que os pifes tocando
Em altura equiparavam
Aos berros que ele ia dando.
O resultado, destarte,
Foi que ele passou a ver
Os colegas de instrumento
Quais rivais a combater.
Daí nunca mais a banda
Veio outro pifeiro a ter.
Isto possibilitou-lhe
Fazer do dom excelência.
A prática no instrumento
Lhe rendeu tanta fluência
Que inspirava aos vinte anos
Cinquenta de experiência.
Se por um lado era destro,
Um músico virtuoso,
Ao mesmo tempo a cabeça
Lhe tornava temeroso.
Sofria com a ideia
De não ser vitorioso.
– Epifânio, te levanta
Que já é hora do almoço!
Da cozinha, sua mãe
Lhe chamava em alvoroço.
Mal levantou-se e foi logo
Pegando o pífano o moço.
– Menino, já és bastante,
Fique certo, tenha paz.
Quem muito quer muito perde,
Ouça sua mãe, rapaz.
Agora, cuide do prato,
Deixe de ser contumaz!
As bandinhas se alternavam
Entre hinos, marchas, louvores.
Eram pífanos, triângulos,
Pratos e muitos tambores
Em franca apresentação,
Cercados de expectadores.
Tocaram à exaustão
Em cadência acelerada,
Até o momento em que
O conjunto fez parada
Porque teve o zabumbeiro
Sua baqueta quebrada.
As palmas da multidão
Troaram qual foguetório,
Desses de renovação,
De ano novo ou de casório,
Mas o que deu-se em seqüência
Deu margem a falatório.
Novamente de joelhos
Sua reza retomou.
Todas orações e terços
Que conhecia rezou
Até que, rendido ao sono,
No chão mesmo ele tombou.
Soaram as badaladas
E à missa se deu início.
Os músicos encerraram
Em atenção ao ofício
Do padre enquanto Epifânio
Rogava em seu benefício.
No quarto se perguntava
Se havia tocado bem.
Ia e voltava a questão
Num maldito vai e vem.
As lembranças do mercado
Lhe atormentavam também.
Epifânio, ao se lembrar,
Que era vez da banda sua,
Ligeiro vestiu-se e foi
Em carreira pela rua.
Na igreja, quando apontou,
Tocava a percussão crua.
Após a solenidade
Era a apresentação
Da banda da vez que vinha
Entreter a multidão.
Mas vejam, leitores, como
Se deu esta ocasião.
Os carcarás revoaram
Buscando, no alto, poleiro
E quando os acompanhou
Coa vista nosso pifeiro,
Pôde enxergar no arvoredo
Vultos de urubu banzeiro.
O pifeiro confessou-lhe
Da sua grande vontade,
Que queria ser flautista
Sem par, sem rivalidade
Que pudesse por em cheque
Sua superioridade.
- Trasfigurarás em onça,
A maior desta floresta,
Tornando-te homem de novo
Somente em noite de festa,
Quando tocarás pra gente
Da forma mais imodesta.
Na direção de Epifânio
Estendeu a mão fechada.
O jovem posicionando
Sob ela a sua, espalmada,
Recebeu a areia toda
Pelo velho derramada.
A imagem de Benedito,
Que ela mantinha nos braços,
Deslizou de suas mãos
E lançou-se nos espaços.
Alfim, no chão, expiraram:
Ela morta, ele em pedaços.
Embrenhou-se na floresta
Uma enorme onça-pintada,
A qual seguiram os bichos,
Formando densa manada.
Toda a serra adormeceu
Envolta na madrugada.
Epifanio nunca mais
Fora visto em Tabocal.
Uns diziam que morrera,
Outros que no litoral
Vivia. Já uns achavam
Que virara um animal.
* * *