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SÃO PAULO

EDUCAÇÃO

Novo Ensino Médio em SP divide especialistas: 'retrocesso para manter pobre como pobre' ou
'protagonismo dos jovens'

Reforma do ensino médio vai chegar a 900 mil estudantes da rede estadual de SP em 2022. De
um lado, especialistas acreditam que curso técnico de baixa qualidade não garante emprego e
dificulta mais o acesso às universidades e aumenta desigualdade. De outro, especialistas
afirmam que conteúdo é dado de forma aplicada nos cursos e que ajudam alunos a se
descobrirem profissionalmente.

Por Bárbara Muniz Vieira, G1 SP — São Paulo (02/08/2021 05h13 Atualizado há um dia)

O Novo Ensino Médio anunciado no último mês pelo governo de São Paulo para o próximo ano
causou cisão entre especialistas em educação: "retrocesso feito para manter pobre como
pobre" ou "solução para jovens nem-nem?". Nesta segunda-feira (2), as escolas estaduais
retomam as aulas em todo o estado.

De um lado, pesquisadores criticam a reforma porque acreditam que, ao retirar do currículo


horas-aula da chamada formação generalista, a reforma cria ainda mais desigualdade entre
estudantes de escolas públicas e privadas, dificultando o acesso de estudantes pobres à
universidade.

Além disso, os cursos técnicos oferecidos em troca de horas-aula de disciplinas como física e
biologia não possuem carga horária suficiente para ter qualidade e empregar no futuro esses
estudantes, de acordo com pesquisadores.

Por outro lado, especialistas ligados ao governo estadual acreditam que os cursos técnicos
oferecidos aplicam os conhecimentos da formação generalista na prática, ajudam os alunos a
se descobrirem profissionalmente e gerarão emprego e renda no futuro.

Entenda o que muda no ensino médio de SP em 2022

Aluno pode ser atraído pelo novo currículo do Ensino Médio, mas problemas estruturais na
escola permanecem, dizem educadores

O Novo Ensino Médio foi apresentado pela primeira vez como Medida Provisória em 2016. Em
2017, virou a lei 13.415. Antes disso, em 2013, a ideia de “reforçar” o ensino médio foi
discutido na Câmara dos Deputados com o Projeto de Lei 6.840.

Em São Paulo, o novo currículo do ensino médio teve início no ano letivo de 2021 para 450 mil
alunos matriculados no primeiro ano, de acordo a Secretaria Estadual de Educação (Seduc). Em
2022, o novo modelo será expandido para alunos do segundo ano, totalizando 900 mil
estudantes. O investimento pode chegar a R$ 200 milhões.

O Novo Ensino Médio começa no primeiro ano da rede pública estadual por meio de três
componentes ofertados pelo programa Inova Educação – Projeto de Vida, Eletivas e Tecnologia
e Inovação.
A ideia é que o próprio aluno escolha uma ou duas áreas para se aprofundar em
conhecimentos específicos dentre três itinerários formativos:

No primeiro, são dez opções de aprofundamento curricular. Quatro delas nas áreas de
conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza) e seis
opções integradas, que apresentam combinações (Linguagens e Matemática, Linguagens e
Ciências Humanas, Linguagens e Ciências da Natureza, Matemática e Ciências Humanas,
Matemática e Ciências da Natureza, além de Ciências Humanas e Ciências da Natureza).

O segundo deles mescla as áreas do conhecimento com a qualificação profissional, via Novotec
Expresso, e permite aprofundamento curricular em uma das áreas do conhecimento e dois
certificados profissionalizantes durante o ano. São cursos de 150 horas relacionados a
programação, design, dados, tecnologia, ciências sociais e comunicação, por exemplo.

O terceiro grupo, alinhado ao programa Novotec Integrado, oferece a oportunidade do


estudante sair com um diploma de curso técnico de 1.200 horas e com o do ensino médio. São
21 opções de cursos técnicos: Administração, Marketing, Logística, Recursos Humanos,
Comércio, Finanças, Contabilidade, Desenvolvimento de Sistemas, Informática para Internet,
Serviços Jurídicos, Serviços Públicos, Guia de Turismo, Design Gráfico, Design de Interiores,
Eventos, Nutrição e Dietética, Eletrônica, Eletrotécnica, Química, Análises Clínicas e Farmácia.

Os cursos técnicos são oferecidos desde 2020 em uma parceria da pasta de Educação com a
Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), que é responsável pela verba, de acordo com
Daniel Barros, subsecretário de ensino técnico e profissionalizante da SDE.

“A grande novidade é que partir do ano que vem essas vagas serão ampliadas e os cursos vão
contar na carga horária dos estudantes como parte do seu itinerário formativo”, afirma.

O coordenador do ensino médio na Secretária de Educação, Gustavo Mendonça, é um


entusiasta da reforma porque acredita que ela será benéfica para alunos e professores.

“Pela primeira vez na história do nosso país na educação os alunos vão poder definir a
trajetória deles no ensino médio. O protagonismo dos jovens vai acontecer na sala de aula,
com eles decidindo o que vão estudar em mais de 40% da carga horária.”

“E isso também vai trazer mais oportunidades para os professores de dar aulas para alunos
que têm mais interesse na área deles e estão mais engajados. Isso é extremamente positivo”,
afirma.

Entenda em tópicos as principais mudanças no Novo Ensino Médio e as críticas de especialistas


em educação:

Até o ano passado, os alunos do ensino médio tinham as mesmas aulas durante os três anos.
Agora, os alunos vão ter o primeiro ano com 1.800 horas de uma base comum, com aulas
iguais da formação generalista de física, biologia, matemática, sociologia etc. A partir do
segundo ano, o aluno passará a ter mais aulas da área de interesse escolhida por ele, o que o
governo estadual chama de "protagonismo estudantil";
Dentre as áreas de interesse que os alunos podem escolher estão cursos profissionalizantes de
curta duração escolhidos pelos próprios alunos com o objetivo de que eles ingressem no
mercado de trabalho ao terminar o ensino médio;

O problema, de acordo com especialistas em educação, é que ao abrir mão de carga horária da
formação generalista, os estudantes pobres estão deixando de ter uma formação científica
básica que os ajudarão a escolher uma profissão no futuro e não terão aulas suficientes do
conteúdo que é cobrado em vestibulares, diminuindo suas chances de acesso à universidade;

Outros especialistas acreditam que pela nova regra, os estudantes terão mais aulas de
conhecimentos específicos e que isso os ajudará, por exemplo, na segunda fase do vestibular
da Fuvest, em que tem mais peso as questões da área da carreira escolhida pelo estudante;

Pesquisadores criticam os cursos profissionalizantes de até 150 horas que passarão a ser
oferecidos porque acreditam que eles não têm carga horária suficiente para ter qualidade e
empregar os jovens no futuro;

Estão sendo oferecidos apenas cursos profissionalizantes simples que não exigem estruturas
complexas, como laboratórios, nas próprias escolas, nos Centro Paula Souza, Escola Técnica
Estadual (ETEC) e escolas privadas contratadas por licitação;

Para especialistas ligados ao governo, os cursos técnicos ajudam os alunos a se descobrirem


profissionalmente e contribuem para o desenvolvimento da autoestima desses jovens, além de
atraírem os jovens de volta para a escola em uma época em que os índices de defasagem
escolar crescem;

Para os pesquisadores, os estudantes estarão trocando uma formação generalista por uma
promessa de emprego, mas isso não acontecerá porque o mercado de trabalho não vai
absorver esses profissionais com esse tipo de qualificação de curta duração e baixa qualidade;

Os alunos de escolas particulares, por outro lado, não deixarão de ter aulas dos conteúdos
cobrados nos vestibulares e toda a formação além da escolar generalista costuma ser dada de
forma extracurricular, como aulas de línguas estrangeiras, informática etc.

Alunos de escolas estaduais do Programa de Ensino Integral (PEI) que têm aulas o dia todo
também estarão em vantagem, mas essas unidades atendem a uma parcela pequena da rede,
o que reforça a ideia de desigualdade em relação aos alunos de escolas tradicionais.

O jovem “nem-nem”

O Novo Ensino Médio parte do pressuposto que existe um contingente grande de estudantes
que não segue com os estudos na universidade e também não consegue colocação no
mercado do trabalho, de acordo com o professor de políticas educacionais na Universidade
Federal do ABC (UFABC) e membro do grupo Rede Escola Pública e Universidade (Repu)
Fernando Cássio.

“Isso é um fato, mas não decorre da formação do Ensino Médio, mas de outras coisas, como a
de que não há vagas suficientes no ensino superior e não há uma dinâmica econômica que
absorva toda a mão de obra de egressos do Ensino Médio. O desemprego no Brasil é
estrutural”, afirma.

Na coletiva de imprensa em que anunciou a expansão no dia 20 de julho, o secretário estadual


da Educação, Rossieli Soares, confirmou que o novo Ensino Médio é uma política pública para
atender os jovens “nem-nem”, ou seja, aqueles que nem estudam nem trabalham.

Segundo o secretário, com a implementação do novo currículo, o jovem poderá escolher se


quer seguir os estudos ou trabalhar.

Para Fernando Cássio, porém, a reforma vai tirar aulas de conteúdo da formação generalista
que é cobrada nos vestibulares ao colocar aos estudantes mais pobres o dilema de escolher
uma profissão aos 15 anos.

“O estado abandonou a geração ‘nem-nem’. Para eles, essa geração merece uma formação
pior. Mas essa suposta liberdade de escolha do curso profissionalizante implica em o que você
quer abrir mão de sua formação para fazer um cursinho de informática, coisas que outros
alunos que têm condição socioeconômica melhor não vão ter de abrir mão”, afirma.

Para o pesquisador, os estudantes da educação privada já têm acesso a atividades


extracurriculares sem ter de abrir mão de sua formação generalista.

“Já faz parte do capital cultural das famílias ter computador de boa qualidade em casa, fazer
aula de música no conservatório, fazer aula de idiomas. Isso faz parte da classe média e das
elites”, afirma.

Para Fernando, a reforma vai passar longe de diminuir o tamanho do contingente de


população de jovens “nem-nem”.

“A ideia não é que os jovens possam sonhar e realizar as suas aspirações? Se a gente quer
uma escola mais conectada com o mundo contemporâneo e que todos tenham acesso, como
fazer isso com condições tão diferentes?”

“Alunos de particulares e PEIs terão vantagem”

Como a reforma é para todo o Ensino Médio, as escolas privadas e as escolas estaduais do
Programa de Ensino Integral (PEI) também terão de se adaptar, de acordo com o governo
estadual.

Porém, para os especialistas, essas escolas não devem retirar aulas da formação generalista
dos seus currículos e passarão a oferecer as demais atividades de forma extracurricular, no
caso das particulares, e no contra turno, no caso das PEIs.

“Chegamos a uma situação evidente: a escola privada vai continuar dando uma formação
generalista, ela não vai tirar aula de física, química e matemática para colocar cursinho de
Excel para assistente administrativo. A escola privada já está em vantagem, sempre esteve”,
afirma Fernando.
Para o especialista, a reforma do Ensino Médio vai erguer uma barreira entre aqueles da rede
pública que terão acesso a uma formação generalista um pouco mais próxima da escola
privada e a maioria que vai ter acesso a uma formação simplificada.

“As escolas PEI já excluem os estudantes mais vulneráveis porque atendem uma parcela
pequena de alunos e possuem uma infraestrutura melhor, menos alunos por sala, têm mais
aula. O novo Ensino Médio é feito para pobre, para pessoas vulneráveis.”

O Enem e os vestibulares

Por lei, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e os vestibulares das universidades
estaduais de São Paulo têm de cobrar na prova o conteúdo dado na rede estadual de ensino,
de acordo com Gustavo Mendonça, coordenador do Ensino Médio na Secretaria de Educação.

“Desde o ano passado a Unicamp, por exemplo, tem uma nova estrutura de prova que dá
mais peso para a área da carreira que o aluno escolheu. Por exemplo, se ele presta Direito, a
área de humanas terá mais peso, se presta Medicina, ciências da natureza terá mais peso. A
segunda fase da Fuvest também é uma prova específica. Então o aluno se aprofunda mais na
sua área de interesse e terá mais conhecimento e condições de fazer a prova.”

Porém, especialistas acreditam que os alunos ficarão em desvantagem com menos aulas dos
conteúdos das áreas não específicas, que também são cobradas nos vestibulares, como na
primeira fase da Fuvest, por exemplo.

“Não sumiu da base curricular o ensino de física e química, por exemplo, então os vestibulares
cobrarão isso. Mas você vai ter uma massa de estudantes que vai ter uma aula de física por
semana e outra que vai ter três aulas por semana ou mais. O vestibular vai continuar
selecionando os estudantes que se saem melhor naquele tipo de prova”, afirma Fernando.

Para os alunos de escolas públicas que escolherem fazer um curso técnico, a dificuldade de
fazer um vestibular será ainda maior porque eles deixarão de ter aulas da formação generalista
de Ensino Médio, de acordo com Fernando.

“Não é ruim fazer um curso técnico de hotelaria, por exemplo, mas se você abrir mão de sua
formação escolar para ter o curso de hotelaria, você não vai ter sua formação escolar, você
trocou pela outra.”

“O ideal a fazer é que a formação técnica de hotelaria seja complementar, esteja junto. Você
não pode abrir mão de uma pela outra”, afirma Fernando.

Gustavo, coordenador da Seduc, lembra que o primeiro ano do Ensino Médio seguirá tendo
uma base comum com todas as disciplinas.

“Dando mais profundidade na área de conhecimento que o aluno tem mais interesse e
garantindo o conhecimento básico em todas as áreas, ele estará mais preparado para entrar
no ensino superior”, afirma.
Já Daniel, da SDE, acredita que mesmo nos cursos técnicos rápidos os alunos não deixarão de
ter o conteúdo da formação generalista, e melhor do que isso, aprenderão os conteúdos de
maneira aplicada na prática.

“Quando o aluno faz um curso de 150 horas de Excel, ele desenvolve o conhecimento prático
de matemática que vai ajudá-lo a entrar no mercado de trabalho. Ele vai aprender juros
simples e compostos e matemática financeira. Isso ele também aprende na aula de
matemática, mas no curso profissionalizante ele contextualiza e aplica na prática.”

“Há muitas evidências na ciência cognitiva que quando se coloca o conhecimento em prática,
se fixa melhor esse conteúdo. Quando se fala em um curso de marketing digital, ele aprende
uma ferramenta que vai ajudar a gerar renda, que é fundamental para ele, mas também usa
conteúdo de língua portuguesa, aplicando redação e interpretação textual na prática, com
finalidade e intencionalidade pedagógica. Isso tem um impacto muito grande no aprendizado
dos estudantes."

Para Daniel, o fato de possibilitar ao aluno enxergar aplicação prática do conteúdo pode ajudar
a atrair os estudantes de volta para a escola.

“Estou muito convencido de que a contextualização da educação, colocando na prática o


conteúdo, faz toda a diferença para o estudante se motivar para a escola. E nesse momento
em que estamos perdendo alunos do Ensino Médio, esses cursos profissionalizantes
integrados vão servir para atraí-los de volta para a escola.”

"Cursos são insuficientes para empregar"

Faz parte do currículo do Novo Ensino Médio o NovoTec expresso, programa que oferece
cursos de 150 horas de Excel, Design de games e de aplicativos, por exemplo. A crítica dos
especialistas é que esses cursos dificilmente ajudarão os alunos a conseguir emprego no
futuro.

“Essas coisas são vendidas para os estudantes como supostamente aquilo que o mundo do
trabalho demanda das pessoas, quando sabemos muito bem que isso não faz o menor sentido.
Não existe mercado de absorção dessa mão de obra. Ou você acha que o Google na Faria Lima
vai contratar alguém que tenha feito um cursinho desses?", diz Fernando.

.A outra possibilidade é abrir mão de metade da formação para fazer um curso técnico
integrado. Mas, de acordo com especialistas, ela também não é profissionalizante à medida
que o número de horas-aula, que são 1.200, está muito abaixo do que é um curso técnico
regular conceituado.

“Você não vai poder assinar um cardápio como nutricionista em um restaurante empresarial e
não vai ter um registro profissional no conselho regional”, diz Fernando.

Para Daniel, porém, os cursos técnicos de curta duração ajudam os alunos a se descobrir
profissionalmente e “ampliam os horizontes”.

“Os relatos são bacanas. A gente teve uma aluna está fazendo o curso de jogos digitais e fez
um jogo em 4 meses com uma personagem menina. Ela falou que jamais imaginaria que
poderia fazer um jogo em tão pouco tempo. Isso tem um papel de melhorar a autoestima
desses estudantes, de fazê-los acreditar que podem fazer algo motivador do ponto de vista
profissional”, afirma.

De acordo com a Secretaria de Educação, as escolas em que os alunos estão matriculados


oferecerão parte dos cursos técnicos, mas a infraestrutura pode comprometer a oferta de
opções para os estudantes.

Para Fernando, as escolas não terão condições de se adequar para oferecer cursos mais
complexos.

“Dada a infraestrutura real, o que vai ser oferecido é só o que não depende de laboratório.
Técnico em radiologia, em edificação, em eletrotécnica, química, são várias formações técnicas
que exigem laboratório, que têm alguma complexidade. O que essa formação pseudotécnica
vai ofertar é a parte teórica do curso técnico e os alunos terão de estudar mais um ano depois
da escola se quiserem um diploma técnico. Não é uma formação profissionalizante. Mas
acreditando que é, os estudantes vão abrir mão do conteúdo escolar”, diz Fernando.

Segundo a Seduc, mais de 376 mil estudantes do primeiro ano do ensino médio - 89% do total
potencial de respondentes - da rede pública estadual manifestaram interesse no
aprofundamento do currículo do Novo Ensino Médio.

Com os dados obtidos via Secretaria Escolar Digital (SED), as escolas vão definir os
aprofundamentos curriculares a serem ofertados a partir de agosto, durante o processo de
rematrícula.

Os recursos serão repassados para as 3,6 mil escolas estaduais de Ensino Médio, via Programa
Dinheiro Direto na Escola (PDDE-SP). Pelo programa, cada escola recebe a verba e pode
direcioná-la de acordo com a necessidade local.

Desta verba, R$ 150 milhões poderão ser usados para equipar as escolas em diferentes áreas
do conhecimento. O valor mínimo para escolas pequenas é de R$ 10 mil, mas ele pode chegar
a R$ 200 mil para escolas maiores. Cada escola pode dizer no Plano de Aplicação Financeira
(PAF) em que pretende aplicar a verba.

Outros R$ 100 milhões serão destinados Laboratório de Ciências e os demais R$ 50 milhões


serão aplicados na aquisição de materiais e componentes eletrônicos para o trabalho de
Programação e Robótica, bem como de ferramentas e insumos, como alicates, chave de fenda
e equipamentos de proteção individual (EPIs) para que os estudantes possam utilizar esses
materiais enquanto constroem os seus protótipos.

Implementação

De acordo com o censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais


Anísio Teixeira (Inep), de 645 municípios do estado de São Paulo, 325 possuem apenas uma
escola estadual de Ensino Médio. O número representa 50,4% do total.

Isso significa que, nessas cidades, a oferta do Novo Ensino Médio vai estar restrita àquela
unidade, ou seja, os alunos não terão outras opções.
“Todos os sonhos, desejos e vontades daquelas meninas e meninos têm de caber naquela
escola daquele município. Os alunos não vão mudar de cidade porque desejam estudar um
itinerário específico com determinada formação técnica que não é oferecido na escola em que
estudam”, afirma Fernando.

As escolas terão de ofertar os cursos de acordo com os critérios que vão ser definidos pelo
governo do estado, como a capacidade da escola de ofertar com a sua estrutura: sala,
laboratório, computador, equipamento, área externa e até o perfil do corpo docente que
tenha condições de assumir o que os alunos escolherem.

A regra no estado de São Paulo é a de que todas as escolas ofereçam pelo menos os itinerários
de todas as áreas.

“No fim das contas, a liberdade de escolher com seu protagonismo está limitado a duas
coisas: ou fazer o que você não gosta e não escolheu, ou mudar de escola. Em um município
que tem só uma escola, você não tem nem a escolha de mudar de escola”, opina Fernando.

No Brasil, há 2.879 mil municípios que só possuem uma escola, incluindo todas as etapas, de
acordo com o Inep. É mais da metade do país.

“Em 2017 quando criticávamos a reforma do Ensino Médio, a gente usava o exemplo super
extremo do Amazonas, em que a distância entre duas escolas era de um dia inteiro de barco.
Mas você nem precisa ir para o Amazonas. Em São Paulo, mais da metade dos municípios só
tem uma escola de Ensino Médio. Você acha que os estudantes vão atravessar as fronteiras do
município para estudar o que querem?”

Análise sociológica

A expansão das escolas no Brasil coincidiu com o aumento da urbanização na década de 50 e


depois nas décadas de 70 e 80, de acordo com Débora Cristina Goulart, professora de Ciências
Sociais do campus de Guarulhos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Em todo esse processo, o que aconteceu é o que os autores chamam de dualismo, uma parte
dessa escola vai sendo ampliada para que os trabalhadores sejam trabalhadores e outra parte
vai sendo criada para que uma classe dirigente seja dirigente. A escola quando chega para os
pobres é para pobres e para que eles continuem sendo pobres. É uma reprodução”, afirma.

Segundo Débora, esse processo começou a mudar com a Constituição de 88, que determinou
que a escola precisava ser ampliada e igual para todos. A partir daí a escola se desenvolveu
com a ajuda de políticas como o Fundeb e Fundef, que são fundos formado por recursos dos
três níveis da administração pública do Brasil para promover o financiamento da educação
básica pública.

Políticas como essas, segundo a especialista, culminaram com uma mudança no perfil das
classes que passaram a entrar nas universidades públicas. Em 2021, pela primeira vez na
história, a USP teve a maioria de suas matrículas de alunos vindos da escola pública.

Nesse sentido, para Débora, o Novo Ensino Médio seria um retrocesso.


“Nessa reforma você direciona uma parcela significativa da população, os mais pobres, para
um encurtamento para o mercado de trabalho. Ela não possibilita que esse jovem chegue à
universidade, seja porque o currículo vai ser encurtado em conhecimentos científicos seja
porque você antecipa que ele vá para um caminho do mercado”, afirma.

“O que não significa que ele vá ter trabalho decente. Ele vai ter certificados de 30, 50 horas,
dependendo do curso que escolher. Isso é um empobrecimento e direcionamento absurdo. Se
isso fosse obrigatório para escolas privadas, o mundo já estaria pegando fogo.”

De acordo com Débora, há várias pesquisas que mostram como a escola direciona a vida dos
alunos.

“Em geral filhos das famílias mais pobres são encaminhados para trajetórias profissionais. E a
escola direciona de uma maneira até cruel. O estudante que tem notas piores não vai para a
universidade mesmo, então assim pelo menos ele arruma trabalho. Como se essa formação
garantisse trabalho. A diplomação não cria emprego. Sem política de trabalho decente, ele vai
cair no mercado de trabalho precário e essa reforma está direcionando o jovem para um
mercado de trabalho precário.”

Segundo Débora, pesquisas mostram que aumentos significativos de salário estão


condicionados a diploma de ensino superior.

“Nessa reforma, o estudante fica sem o instrumento da escolarização para superar a


precarização do trabalho porque ele não teve uma formação para que pudesse continuar os
estudos. Ele está sendo limitado. As pessoas pensam ‘ah, pelo menos você abriu possibilidade
de trabalhar’. Na verdade você impediu que ele fizesse outro tipo de trabalho quando você o
direciona para esse tipo de formação. É o contrário.”

Escolas esvaziadas durante mudança

Para a doutora em educação Ana Paula Conti, o fato de estar sendo implementado nesse
momento de pandemia com escolas esvaziadas e funcionando parcialmente, é o primeiro
problema do Novo Ensino Médio.

Segundo ela, as mudanças têm chegado aos estudantes por meio das redes sociais do governo
estadual e propagandas de TV, sem abrir o debate para que as famílias ajudem os estudantes a
tomarem a decisão de qual formação escolher.

“Qualquer reforma educacional precisa ter adesão, compreensão e participação dos


professores, família e principalmente dos estudantes, porque isso vai afetar diretamente a vida
e o futuro deles na forma de ingresso ao mercado de trabalho”, afirma.

Em nota, a Seduc informou que divulgou os itinerários formativos por diversos canais, sendo
pela diretoria de ensino para as escolas, por meio das redes sociais, na mídia e na secretaria
escolar digital para todos os interessados, lives para equipe escolar e professores, por meio
dos grêmios estudantis, inclusive com um canal criado para eles no Centro de Mídias, pela
imprensa.
Ana Paula é professora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo
(IFSP), que é modelo no ensino integrado de formação generalista e profissionalizante. Para
ela, a formação geral é absolutamente essencial para qualquer trabalhador porque desenvolve
leitura, interpretação, escrita e tomada de decisões, entre outras habilidades.

“A formação geral é uma forma de organizar o conhecimento científico de uma maneira que
você torna o conhecimento mais acessível para as novas gerações. O mercado de trabalho
precisa de um profissional que saiba ler, interpretar um sinal, operar tecnologias. É uma
formação mais complexa.”

Segundo Ana Paula, o Brasil tem no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego (Pronatec) um exemplo de curso técnico de baixa duração. Instituído pelo governo
federal em 2011, o programa oferece cursos de educação profissional e tecnológica para
estudantes do ensino médio, trabalhadores e beneficiários dos programas federais de
transferência de renda.

“O Pronatec em termos de empregabilidade é um fiasco. O pouco que o mercado absorve são


pessoas com formação sólida. Por isso que a gente defende que essa formação para os jovens
tem de ser uma formação que articula uma boa base de formação geral com uma educação
profissional consistente de qualidade com carga horária mínima”, afirma.

“O objetivo não é dar esse curso e melhorar a vida dessas pessoas com oportunidades de
trabalho? O nível de empregabilidade de egressos do Pronatec é muito baixo. Um curso de
qualidade tem de ter tempo. É impossível dar uma boa formação sólida em tempo recorde,
uma coisa está conectada a outra.”

Para Ana Paula, o Novo Ensino Médio é uma reedição da divisão em que uma parte de jovens
vai para o mercado de trabalho e vai permanecer em posições de baixa qualificação e
remuneração, e outra parte vai para a universidade.

“No fundo o que não está sendo dito? Que não vai ter universidade para todo mundo. O
negócio é cada um ser empreendedor de si mesmo. Então a gente vai dar projeto de vida,
ensinar resiliência e inovar, como se fosse possível inovar a partir do vazio.”

O Ensino Médio ideal, segundo especialistas

Para Fernando, a reforma apresentada pelo governo estadual é baseada na ideia de que “a
escola é muito chata, ultrapassada, e que não tem sentido estudar química, sociologia”, daí a
necessidade de profissionalização durante o Ensino Médio.

Para o especialista, porém, nada vai mudar com o novo currículo. Para ele, a mudança teria de
ser em direção a uma formação generalista de qualidade para todos.

“Quem sempre entrou na universidade vai continuar entrando, não vai mudar nada. Só muda
a superfície. Vai continuar sendo uma escola conteudista e propedêutica.”

“Não estou dizendo que é bom que seja conteudista, mas com essa reforma, e escola vai
continuar sendo igual e diferenciando ainda mais quem tem acesso e quem não tem acesso de
jeito nenhum à universidade. Esse é o ponto. Eu não defendo escola enciclopédica, eu defendo
escola de qualidade para todo mundo”, afirma.

Para Fernando, uma reforma no Ensino Médio teria de estimular o jovem “nem-nem” a voltar
a acreditar nos seus sonhos.

“Por que existe o jovem 'nem nem', que não sonha, que não passa na cabeça que ele pode ir
para uma universidade? Aquele jovem já é mais ou menos convencido ao longo da vida que
não tem muito para onde ir. Isso é um problema que a escola tem de lidar, mas isso não quer
dizer que tem de acabar a escola, tem de ter outros jeitos de induzir, estimular, o jovem a ter
planos, sonhar, pensar no futuro”, afirma.

“A capacidade de sonhar, de projetar o futuro, de prefigurar o que você quer para você,
depende de você ter uma formação básica boa, criativa, com estímulo, com leitura. Nenhuma
dessas coisas clichês que têm esses nomes bonitos de inovação, protagonismo nada disso é
sinônimo de abrir mão de uma formação sólida.”

Para Ana Paula, a reforma está indo na contramão do projeto de colocar mais jovens no Ensino
Médio.

“É um retrocesso porque fomos caminhando para ir superando a dualidade histórica ao longo


do século 20 no sentido de ter um Ensino Médio de formação geral para todos e de
preferência que incorporasse a educação profissional em uma formação integral.”

Ana Paula estudou a expansão do Ensino Médio de 1991 até 2003 em seu doutorado
defendido em 2015.

"A gente foi caminhando para ter um Ensino Médio único e democrático, com um único
modelo para todos os jovens. Agora o retrocesso é que estão voltando a dividir o Ensino Médio
em uma parte que faz educação profissional rebaixada de curta duração e provavelmente a
boa formação de nível Médio vai ficar para grupos minoritários que terão acesso à
universidade.”

“É a reedição de uma realidade social que a gente já estava superando. Porque para a gente
construir uma sociedade democrática e menos desigual, você precisa construir uma escola
mais democrática e menos desigual. Um ensino médio democrático contribui para um Brasil
mais democrático.”

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