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volume 04 número 10 abril/2021

Nexos: para a sustentabilidade


capa

Foto: Érico Hiller, 2020


Etiópia

Esta publicação é uma produção do Projeto versas unidades da Universidade de São Pau-
Temático FAPESP 2015/03804-9 “Governança lo (IEE, IO, FSP,FEA, IAG, EACH, ECA, IEA), do
Ambiental da Macrometropole Paulista face Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), do
à Variabilidade Climática”, parte do Programa Centro Universitário das Faculdades Metropol-
FAPESP Mudanças Climáticas Globais, coor- itanas Unidas (FMU) e dos programas de Pós
denado pelo professor Pedro Roberto Jacobi Graduação em Planejamento e Gestão do Ter-
(IEA/IEE/USP), sediado no Instituto de Energia ritório (PGT) e de Políticas Públicas (PGPP) da
e Ambiente (IEE), e que reune docentes de di- Universidade Federal do ABC (UFABC).

ACOMPANHE-NOS
Editores Edição
Pedro Roberto Jacobi Vol. 04, n.º 10
Luciana Travassos Abril / 2021
Igor Matheus Santana-Chaves
Lidiane Alonso Paixão dos Anjos Sobre a revista
Ana Lia da Costa Monteiro Leonel Publicação Trimestal

Editores Convidados ISSN 2596-2183


Leandro Luiz Giatti

Assessor Editorial
Bruno de Pierro ✉ jornalismomacroamb@iee.usp.br

Conselho Editorial ➲ https://periodicos.ufabc.edu.br/index.php/dia-


Andrea Lampis logossocioambientais
Célio Bermann
Edmilson Freitas
Klaus Frey
Leandro Giatti REALIZAÇÃO
Pedro Campello Torres
Sandra Momm
Tatiana Rotondaro
Vanessa Empinotti

Attribution-NvonCommercial 4.0
International (CC BY-NC 4.0)
sumário

Editorial 28 Cátedra Josué de Castro


de Sistemas Alimentares e
6 Nexos: para a sustentabilidade Sustentáveis: um novo espaço para
Leandro Luiz Giatti reflexão e ação
Ana Lia Leonel Ana Paula Bortoletto Martins
Igor Matheus Santana-Chavez Tereza Campello

32 A Experiência da Escola São Paulo


Conjuntura de Ciência Avançada no Nexo
Água-Energia-Alimentos
9 A contribuição das abordagens Ana Paula Bortoleto
participativas para o nexo urbano na
região macrometropolitana de São Paulo
Carolina Monteiro de Carvalho Engajamento

12 Vozes silenciosas sobre o nexo e as 37 Implantação de uma horta


mudanças climáticas: diálogos cotidianos comunitária, no âmbito do nexo na
na periferia urbana de São Paulo Macrometrópole Paulista
Susanne Börner Simone Ley Omori Honda

16 Ações integradoras para água, energia 41 Perspectivas do “nexo” para


e alimentos na capital paulista: as planejamentos regionais: o caso da
contribuições do Projeto GLOCULL Área de Conectividade na Região
Fabiano de Araújo Moreira Metropolitana de Campinas
Michele Dalla Fontana Sophia B. N. Picarelli
Tadeu Fabrício Malheiros Ângela Cruz Guirao
Gabriela Marques Di Giulio Sandrine Giancristófaro Gouvêa

Jovem pesquisador Artes

21 O nexo para reduzir injustiças na 45 Água - um manifesto para o século 21


Macrometrópole Paulista Érico Hiller
Mateus Henrique Amaral

23 O paradigma holístico da ciência da


Nutrição
Nadine Marques Nunes-Galbes

Licenciamento ambiental em âmbito


municipal: de projetos de energia para a
Macrometrópole Paulista
Sonia Lontro Hermsdorff
Guilherme Massignan Berejuk
Silvia Sayuri Mandai

Jovem pesquisador(a)
Interdisciplinaridades
© Érico Hiller, 2020.

© Érico Hiller, 2020.


5
EDITORIAL

Nexos: para a
sustentabilidade
editorial

A
busca da sustentabili- água a determinada população é
dade é um dos maiores necessário considerar o gasto de
desafios de todos os energia; boa parte das fontes de
tempos para a huma- produção de energia depende de re-
nidade. Essencialmen- cursos hídricos; para produzir, pro-
te, seus valores consistem no equi- cessar e distribuir alimentos utiliza-
líbrio entre prudência ecológica, -se intensamente água e energia em
Leandro Luiz
justiça social e viabilidade econô- toda a cadeia. Em 2011, um grupo Giatti
mica, tudo isso em uma perspectiva de pesquisadores em uma reunião
de salvaguarda de condições para na cidade de Bonn, Alemanha, em
futuras gerações e em atenção a ne- subsídio para a Rio + 20, delimitou
cessidade de adaptação e resiliência de maneira ainda mais pertinen-
mediante a eventos globais em cur- te o nexo água-energia-alimentos,
so, como as mudanças climáticas. tratando de sua importância para
Porém, todos esses componen- a redução da vulnerabilidade de bi-
tes revelam inevitáveis disputas, lhões de pessoas no planeta (HOFF,
Ana Lia Leonel
interdependências e conflitos. A 2011). Nesta concepção, fica claro
exemplo, a água constitui-se de re- que para reduzir a vulnerabilida-
curso natural finito, seriamente de na busca do desenvolvimento
ameaçado na escala regional e local sustentável, é fundamental se con-
pelas mudanças climáticas globais siderar o nexo para reconhecer
e intrinsecamente associado a pra- situações de interdependências e
ticamente todas as cadeias produti- compensações (trade-offs) entre
vas. Isso permite compreender que as cadeias de provimento de água,
os recursos hídricos são limitantes energia e alimentos. Ou seja, tor- Igor Matheus
Santana-Chaves
fundamentais da economia global, na-se necessário equacionar essas
sendo que esta constatação advém interdependências, pois os vulnerá-
de reuniões do Fórum Econômico veis dependem de recursos que se
Mundial, em Davos na Suíça entre limitam uns aos outros na forma de
os anos de 2008 e 2010. Com isso, uma escassez intrínseca.
têm-se a delimitação desta perspec- Enquanto contribuição para a
tiva do nexo água-energia-alimen- busca dos Objetivos do Desenvolvi-
tos (WAUGHRAY, 2011). mento Sustentável (ODS) da Orga-
Segundo a concepção do nexo, nização das Nações Unidas (ONU),
considera-se que para fornecer uma nova racionalidade associada

6
ao nexo água-energia-alimentos busca do desenvolvimento susten- São Paulo para identificar soluções
corrobora estratégias fundamen- tável. importantes, à partir de um olhar
tais e rompimento com estruturas A revista está dividida em cin- sobre o nexo, como no sentido da
de conhecimento e de gestão tra- co seções. A seção Conjuntura se agricultura ecológica e preservação
dicionalmente compartimentaliza- inicia com o artigo A contribui- de patrimônio natural e cultural.
das (JACOBI; GIATTI, 2017). Assim, ção das abordagens participativas A seção Jovem Pesquisador con-
algumas propostas podem ilustrar para o nexo urbano na região ma- ta com a contribuição de Mateus
a busca por atenuar compensa- crometropolitana de São Paulo, Henrique Amaral, discutindo O
ções entre as cadeias produtivas, o de Carolina Monteiro de Carvalho, nexo para reduzir injustiças na Ma-
que caracteriza sinergias quanto ao apresentando a importância da par- crometrópole Paulista, identifican-
nexo. Como exemplo podemos con- ticipação cidadã e as formas de es- do as injustiças ambientais a partir
ceber que a produção de alimen- timular essa participação voltada da prestação de serviços ecossistê-
tos próximo às cidades reduz a de- à promoção de sinergia para com micos por parte de municípios me-
manda energética em transportes e o nexo, com uso da ferramenta de tropolitanos, identificando o nexo
pode favorecer o acesso a alimentos Sistemas de Informação Geográfica como uma alternativa de gestão
frescos e saudáveis. Isso também Participativos (SIGPs). Na sequên- para compensar essas injustiças.
pode contribuir para a otimização cia é apresentado o artigo Vozes si- Apresentando O paradigma holís-
de recursos disponíveis a partir do lenciosas sobre o nexo e as mudan- tico da ciência da Nutrição, Nadi-
meio urbano, como no caso de uso ças climáticas: diálogos cotidianos ne Marques Nunes-Galbes debate
de composto orgânico como adubo, na periferia urbana de São Paulo, a respeito da transição de um pa-
o que reduz a pressão por gestão de de autoria da pesquisadora Susanne radigma científico e da constatação
resíduos sólidos e, consequente- Börner, que discute como o nexo da complexidade em direcionar a
mente, reduz demandas de água e se faz presente constantemente nas nutrição para diálogos e interações
energia. periferias urbanas vulneráveis por imprescindíveis com sustentabili-
Dentro destes pressupostos, ve- meio da escassez de água, energia e dade e saúde planetária.
mos que os desafios da sustentabi- alimentos, recursos essenciais para Inaugurando a seção Interdis-
lidade devem ser enfrentados por a redução de iniquidades. Usando ciplinaridades da revista, que trata
meio de uma diversidade de so- uma abordagem de pesquisa partici- sobre casos de engajamento aca-
luções que encontram correspon- pativa, a investigação explora como dêmico, o artigo Cátedra Josué de
dência desde os contextos locais, os jovens destas periferias dialogam Castro de Sistemas Alimentares e
explorando suas possibilidades e cotidianamente com esses temas Sustentáveis: um novo espaço para
recursos. Nessa prerrogativa, apre- de riscos e insustentabilidade. En- reflexão e ação, de autoria de Ana
sentamos este volume de Diálogos cerrando a seção, os pesquisadores Paula Bortoletto Martins e Tereza
Socioambientais agregando diver- Fabiano de Araújo Moreira, et al. Campello, apresenta inovações na
sos saberes e potencialidades que , apresentam Ações integradoras interação entre os temas de siste-
contribuem com dilemas e perspec- para água, energia e alimentos na mas alimentares e sustentabilidade.
tivas associadas ao nexo água-ener- capital paulista: as contribuições Trazendo A Experiência da Escola
gia-alimentos, contribuindo para do Projeto GLOCULL, onde enfo- São Paulo de Ciência Avançada no
questões contemporâneas e para a cam na área rural do município de Nexo Água-Energia-Alimentos, a

7
© Érico Hiller, 2020.

também Ana Paula Bortoleto (com lidade e o olhar do fotógrafo Érico


um “t” e sem Martins), discute o po- Hiller. No ensaio intitulado Água:
tencial do nexo como uma perspec- um manifesto para o século 21, o
tiva para os ODS e para o Brasil, por autor narra experiências vivencia-
meio da contribuição desta escola das em 10 países percorridos em
avançada para estudos interdisci- dois anos, em que explorou e cap-
plinares, reforçando que o nexo tou histórias e imagens para com-
seja incorporado de forma trans- por seu livro: ÁGUA.
versal na formação de nível supe-
rior no país. Boa leitura!
A seção Engajamento apresenta
o caso de Implantação de uma hor-
ta comunitária, no âmbito do nexo
na Macrometrópole Paulista, onde Referências
Simone Omori, discute a colabora-
ção e co-construção de saberes por HOFF, H. Understanding the ne-
meio de uma pesquisa-participati- xus: Background paper for the
va, demonstrando a viabilidade de Bonn 2011. Nexus Conference.
soluções de base comunitária para [s.l.] SEI, 2011.
a otimização de recursos, oferta
de alimentos frescos e saudáveis, JACOBI, P. R.; GIATTI, L. L. Nexos
e a busca da sustentabilidade. Tra- para a sustentabilidade: a busca
zendo o nexo para o planejamento por uma nova racionalidade. Am-
regional, o artigo Perspectivas do biente & Sociedade, v. 20, n. 2,
“nexo” para planejamentos regio- 2017.
nais: o caso da Área de Conecti-
vidade na Região Metropolitana WAUGHRAY, D. Water securitythe
de Campinas, de Sophia Picarel- water-food-energy-climate nexus:
li, ngela Cruz Guirao e Sandrine the World Economic Forum water
Giancristófaro Gouvêa, trata sobre initiative. [s.l: s.n.].
políticas integradas, participativas
e regionais com o poder de promo-
ver soluções baseadas na natureza
para conservar a biodiversidade e
prover serviços ecossistêmicos es-
senciais à qualidade de vida.
Por fim, este volume se encer-
ra de forma tocante e expressiva
na sessão de Artes, com a sensibi-

8
CONJUNTURA

A contribuição das
abordagens partici-
pativas para o nexo
urbano na região
macrometropolita-
na de São Paulo

Q
uando os cidadãos pla- cipais da sustentabilidade urbana.
nejam e decidem nos A principal premissa da abordagem
próprios territórios, do nexo é que esses três elementos
em especial quando são interdependentes, com impac-
se trata de situações tos em um setor afetando os outros:
emergenciais, como as mudanças a água é necessária para a geração
climáticas ou mesmo a pandemia de energia; energia é necessária
Carolina Monteiro de Covid-19, isso demanda uma para o fornecimento de água; a
de Carvalho estratégia (BARBAROUSI, 2020). energia é necessária para produzir
A participação social nas cidades alimentos; a comida pode ser usa-
tornou-se algo essencial para se da para produzir energia; a água é
atingir a sustentabilidade urbana. necessária para cultivar e produzir
Somente através do engajamento alimentos, também através do uso
e protagonismo dos cidadãos, é de energia. Assim, compreender e
possível planejar os territórios de levar em conta essas interdepen-
forma justa e efetiva. dências é vital para a adoção de me-
Água, energia e alimentos são re- didas justas e eficazes para alcançar
cursos essenciais para o bem-estar a sustentabilidade, reduzir a vulne-
humano e para o desenvolvimen- rabilidade e aumentar a resiliência
to sustentável urbano. A demanda dos sistemas urbanos complexos
destes recursos tem aumentado (HOFF, 2011).
significativamente, devido à pres- O processo de urbanização desorde-
são exercida pelo crescimento po- nada e os consequentes impactos,
pulacional, desenvolvimento eco- como a injustiça socioambiental e
nômico, urbanização, tecnologia e as desigualdades, se devem a uma
mudanças climáticas. Agora, com estrutura de governança precária
a pandemia de Covid-19, o cenário e ineficaz (EMPINOTTI e JACOBI,
tende a se agravar, especialmen- 2013). No Brasil, a região da Ma-
te nas regiões metropolitanas, em crometrópole Paulista (MMP) con-
especial nas regiões mais periféri- ta com 174 municípios, e é um dos
Palavras-chave: Macrometrópole, cas. O nexo urbano água-energia- maiores aglomerados urbanos do
participação social, Sistemas de In- -alimento é uma abordagem chave Hemisfério Sul, com cerca de 50%
formação Geográfica Participativos para abordar a interconectividade de área urbanizada em relação ao
(SIGP) entre estes três componentes prin- estado. Conta ainda com 74,7% da

9
população total do estado e aproxi- postas, deve-se observar as premis- plinar criada por pesquisadores da
madamente 3 milhões de pessoas sas propostas pela “Escada da Parti- Finlândia, com o objetivo de apoiar
em aglomerados subnormais 1. Seu cipação Cidadã” de Sherry Arnstein, o planejamento e a tomada de deci-
planejamento desordenado reflete de 1969. Trata-se de um dos mode- sões no contexto urbano. Através do
na desigualdade, vulnerabilidade los mais referenciados e influen- conhecimento local e das percep-
e na falta de recursos básicos para tes na área da participação social. ções dos cidadãos, o SIGP tem com
os cidadãos, como os menciona- Através dos diferentes métodos e o objetivo maior, melhorar as
dos recursos do nexo. Devido a ferramentas que compõem as abor- condições de vida dos cidadãos, a
esse contexto, que leva a impactos dagens participativas, é possível ob- promoção da equidade e justiça so-
socioambientais e à consequente ter a percepção dos cidadãos com cial e o acesso aos recursos básicos.
inacessibilidade ou limitação de re- relação os diversos aspectos O SIGP também se baseia no con-
cursos, torna-se necessário criar do planejamento urbano, desafios, ceito de planejamento participati-
estratégias para melhorar a atual acesso e limitação de recursos, vo, que é uma prática social, ética e
estrutura de governança por meio injustiças, etc. política na qual indivíduos ou gru-
da participação social e novas meto- Neste contexto, considera-se que os pos, auxiliados por um conjunto de
dologias e ferramentas que possam Sistemas de Informação Geográfi- ferramentas, participam em graus
ser incorporadas ao planejamento ca Participativos (SIGPs), dentro do variados no ciclo de planejamento e
urbano. qual está o mapeamento participa- tomada de decisões. Assim po-
As abordagens participativas abran- tivo, são uma ferramenta que con- dem produzir resultados mais con-
gem um amplo conjunto de méto- tribui para avanços na governança gruentes com os participantes, suas
dos e técnicas de pesquisa, ensino, democrática e tem seus alicerces na reais necessidades e interesses. Esta
extensão, avaliação, gestão e plane- ativa participação dos cidadãos. O é uma das principais contribuições
jamento, cujo objetivo é a partici- SIGP é multidisciplinar, combinan- da metodologia de SIGP (KAHILA-
pação social, de diversas formas e do o SIG tradicional com os saberes -TANI et al., 2019).
graus de intensidade, e de diversos da comunidade. Possibilita a coleta C onsidera-se então que as abor-
níveis de atores sociais envolvidos de dados qualitativos e quantitati- dagens participativas e o SIGP têm
(THIOLLENT e SILVA, 2007). Algu- vos, inclusive relacionados ao nexo papel fundamental para alicerçar
mas técnicas específicas são: painel urbano (água, energia, alimentos cada vez mais a participação do
integrado, jornal comunitário, Wor- e seus fluxos, acesso e impactos ao cidadão nos processos decisórios
ld Café, rodas de conversa, mapea- meio ambiente, além de outros ele- do planejamento urbano, em es-
mento participativo, entre outras. mentos relacionados, como saúde, pecial de uma região tão complexa
Para que tais abordagens sejam de- resíduos, mobilidade), proporcio- quanto a MMP. Trata-se de uma
vidamente integradas à tomada de nando uma análise urbana mais ferramenta eficiente para delimitar
decisão no planejamento urbano, é completa, devido às amplas possibi- espacialmente os fluxos e acessos
importante que a proposição e im- lidades de análise espacial e cruza- dos recursos básicos do nexo urba-
plementação de novas leis assegu- mento de dados que o ambiente SIG no, assim como para a co-criação de
rem e impulsionem a participação proporciona. O SIGP estimula a par- estratégias e soluções para os pro-
social para que os cidadãos possam ticipação social, desenvolvendo ma- blemas socioambientais da MMP.
desempenhar o seu protagonismo pas e outros produtos em conjunto Pode-se destacar que a sua associa-
efetivamente. E para compreender com os cidadãos, abrindo caminho ção com o estudo dos recursos do
melhor a qualidade da participação para que os planejadores estabele- nexo urbano torna essa contribui-
em atividades participativas pro- çam novos canais de comunicação. ção ainda mais objetiva no sentido
O SIGP baseia-se no conceito de Sof- de promover o desenvolvimento
1 - https://emplasa.sp.gov.br/MMP tGIS, uma abordagem multidisci- sustentável e a redução das desi-

10
gualdades.

Referências
THIOLLENT, M.; SILVA, G. O. Meto-
ARNSTEIN, S R. A Ladder Of Ci- dologia de pesquisa-ação na área de
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© Érico Hiller, 2020.
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EMPINOTTI, V. L.; JACOBI, P. R. No-


vas práticas de governança da água?
O uso da pegada hídrica e a trans-
formação das relações entre o setor
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HOFF, H. Understanding the Ne-


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KAHILA-TANI, M.; KYTTA, M.;


GEERTMAN, S. Does mapping im-
prove public participation? Explo-
ring the pros and cons of using
public participation GIS in urban
planning practices. Landscape and
Urban Planning, v. 186, p. 45-55,
2019.

11
CONJUNTURA

Vozes silenciosas
sobre o nexo e as
mudanças climáti-
cas: diálogos coti-
dianos na periferia
urbana de São Paulo

A
s interdependências de comunidades em condições
de alimentos, água precárias, as pessoas são mais
e energia – tam- vulneráveis aos impactos das
bém referidas como mudanças climáticas. A juven-
"nexo" – tornaram-se tude está entre os grupos mais
proeminentes na pesquisa aca- afetados pelo acesso desigual aos
dêmica e no discurso político recursos. Em 2019, 35% da popu-
durante os últimos anos para li- lação brasileira tinha menos de Susanne Börner
dar com os desafios ambientais 24 anos (IBGE, 2021). No entanto,
existentes e emergentes. A abor- as vozes dos jovens ainda são es-
dagem do nexo contribuiu para cassas nos debates em torno do
compreender a interconectivi- acesso seguro e da qualidade dos
dade e as interdependências dos alimentos, da água e da energia,
sistemas alimentares, hídricos bem como do impacto das mu-
e energéticos como essenciais danças climáticas. Para desafiar
para a governança e o desenvolvi- a dominação do conhecimento
mento urbano sustentável. Tem adulto, se propõe, portanto, am-
havido uma crescente consciên- pliar o diálogo em torno do nexo,
cia e preocupação em relação ao incluindo diferentes vozes e co-
acesso seguro e à disponibilida- nhecimentos dos jovens (BÖR-
de de água, alimentos e energia, NER et al., 2020a; BÖRNER et al.,
especialmente no contexto das 2020b).
mudanças climáticas, uma vez
que a escassez de recursos pode
ser agravada por eventos climá- Engajamento com o conheci-
ticos extremos mais intensos e mento cotidiano e com as práti-
mais frequentes, tais como inun- cas adaptativas dos jovens
dações ou secas (CAIRNS; KR-
ZYWOSZYNSKA 2016; GALDERI- Com base nessas premissas,
SI 2017). Especialmente em áreas o projeto de pesquisa interna-
(peri-)urbanas, onde uma expan- cional “Construindo resiliência Palavras-chave: Nexo agua-energia-
são urbana rápida e não plane- diante das ameaças ao nexo: -alimentos, saberes cotidianos, jo-
jada levou ao desenvolvimento conhecimento local e práticas vens, escassez de recursos, periferia

12
sociais da juventude brasilei- ria urbana possam inicialmente ser percebidos como “distantes” das
ra – NEXUS-DRR1”, realizado na questões ambientais, isto não significa que eles não se preocupem
Universidade de São Paulo e na com o futuro do nosso planeta com o meio ambiente, ou que não te-
Universidade de Birmingham nham conhecimento sobre estas questões. Ao contrário, esses jovens
(Reino Unido), busca envolver a possuem importantes conhecimentos cotidianos em torno do nexo
juventude brasileira da periferia e se envolvem em ações adaptativas. Porém, esses conhecimentos e
urbana de São Paulo em diálogos ações geralmente não são perceptíveis à primeira vista e, portanto,
cotidianos em torno do nexo e da suas vozes permanecem silenciadas (BÖRNER et al., 2020a). No en-
redução do risco de desastres. tanto, o conhecimento desses jovens é essencial para entender como
Os jovens das periferias ur- a interconectividade dos recursos molda seu dia a dia, como eles se
banas, em contextos de vulne- adaptam e dialogam com a escassez dos recursos (por exemplo, atra-
rabilidade socioeconômica e vés da otimização do uso), e quais visões eles desenvolvem para cida-
ambiental, experienciam difi- des do futuro que sejam favoráveis aos jovens, seguras e habitáveis
culdades relacionadas ao acesso, (BÖRNER et al., 2020a).
qualidade e escassez de recursos O projeto de pesquisa está sendo implementado no formato de
em primeira mão. Entretanto, um curso de extensão online através da Faculdade de Saúde Públi-
geralmente eles não têm opor- ca da Universidade de São Paulo em colaboração com dois Centros
tunidades de participar de diálo- de Referência da Assistência Social (CRAS), em Franco da Rocha na
gos em torno do nexo, que ainda Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Concebido como pes-
é dominado por pesquisadores e quisa-ação participativa, o projeto visa envolver os jovens em um
tomares de decisão (adultos) ou, diálogo horizontal e participativo em torno do nexo, com base em
no máximo, por jovens ativistas suas experiências cotidianas e práticas adaptativas. A pesquisa en-
organizados em torno do debate volve aproximadamente 30 jovens de 12 a 18 anos. Originalmente
sobre o clima. Assim, o projeto planejada como uma intervenção presencial, só foi possível realizar
destaca a importância de incluir as atividades iniciais presencialmente, como uma visita pelo bairro
os jovens como produtores lo- guiada pelos jovens (Figura 1). Por causa da pandemia de Covid-19, a
cais de conhecimento com base pesquisa mudou inteiramente para o formato on-line, com o uso do
em suas experiências e práticas WhatsApp como principal meio de comunicação. Entre novembro de
cotidianas. O diálogo com jovens 2020 e abril de 2021, foram realizadas atividades semanais por meio
de Franco da Rocha em bairros de três grupos de WhatsApp incluindo discussões em grupo, ativida-
com alta vulnerabilidade so- des como photo-voice (onde os participantes se expressam por meio
cioambiental tem evidenciado a de fotografias, como ilustrado na Figura 2) e entrevistas individuais.
relevância de ampliar o diálogo Os jovens que participaram da pesquisa apontaram, por exem-
em torno do nexo para incluir as plo, questões em torno do acesso a alimentos saudáveis e problemas
vozes particularmente daqueles ambientais, como queimadas, que impactam a saúde e qualidade
jovens que nunca reclamaram de vida. Além disso, identificaram interligações entre eventos como
espaços ambientais através de tempestades e enchentes com o acesso à água, energia ou alimentos
um ativismo ambiental organi- – uma vez que estas podem causar cortes de energia ou a perda de
zado (BÖRNER et al. 2020a). alimentos e restringir a mobilidade das pessoas. Também relataram
Embora os jovens da perife- práticas diárias de adaptação à escassez de recursos, por exemplo,
formas de economia de água em casa. Alguns dos participantes re-
1 - Pesquisa financiada pela da bolsa individ- lataram como desconectam aparelhos eletrônicos antes das tempes-
ual nº 833401 do Programa de Pesquisa e In-
ovação Horizon 2020 da União Européia sob o
tades para evitar queimadas por raios, e outros estão engajados em
Acordo de Subsídio Marie Sklodowska-Curie. iniciativas familiares ou comunitárias de produção de alimentos.

13
et al., 2020ª; MORAN, 2021). Além
disso, precisamos de abordagens
que não aumentem o estigma da
vulnerabilidade socioambiental
da juventude na periferia e que
também reconheçam a beleza da
natureza e os potenciais dos es-
paços urbanos. Isto é importante
para ajudar a juventude a se (re)
conectar com suas realidades
criticamente, mas também com
esperança. Em última análise,
isto também significa explorar
novas formas de adaptação e
mitigação pra não só enfrentar,
mas também viver melhor com
Figura 1: (Re-)Conectando-se com os ambientes cotidianos as atuais e futuras ameaças à ali-
Fonte: Susanne Börner mentação, à água e à energia.

Ao mesmo tempo, precisamos um diálogo horizontal para ex- Agradecimentos


repensar as realidades da peri- plorar as maneiras pelas quais Esta pesquisa foi financiada
feria em termos de diversidade, eles experimentam e se adaptam através da bolsa individual nº
onde os jovens apresentam di- às inseguranças de acesso aos re- 833401, financiada pelo Progra-
ferentes conhecimentos e ações cursos (BÖRNER et al., 2020a). É ma de Pesquisa e Inovação Hori-
dependendo de suas micro-rea- importante encontrar formas e zon 2020 da União Européia sob
lidades. Alguns jovens podem meios de diálogo e comunicação o Acordo de Subvenção Marie
não ter acesso à água potável que engajem os jovens em uma Sklodowska-Curie.
de qualidade, enquanto outros reflexão conjunta, de aprendiza- Agradecemos a colaboração dos
não identificam isto como um gens de jovens para jovens. O en- Centros de Referência de Assis-
problema; alguns têm conheci- gajamento dos jovens por meio tência Social (CRAS) em Franco
mento sobre acesso à produção de pesquisas participativas pode da Rocha nessa pesquisa, em
local de alimentos frescos, mas trazer importantes aprendizados especial o CRAS Lago Azul e o
isto pode não ser o mesmo para sobre suas realidades cotidianas CRAS Vila Bazú.
todos. e seus mecanismos de enfrenta-
Para tornar visível o conheci- mento (BÖRNER et al., 2020b).
mento “oculto” dos jovens, nós, Entretanto, a mudança para Referências
como pesquisadores, ou toma- o digital apresenta certos desa- BÖRNER, S.; KRAFTL, P.; GIATTI,
dores de decisão, adultos, pre- fios para a natureza participativa L.L. Blurring the “-ism” in youth
cisamos parar de “vitimizar” os e dialógica da interação. Nessa climate crisis activism: everyday
que estão em condições de vul- nova realidade virtual, descobrir agency and practices of margina-
nerabilidade socioambiental e formatos de comunicação que lized youth in the Brazilian urban
começar a percebê-los também permitam criar confiança e que periphery. Children’s Geographies,
como agentes. Precisamos estar sejam envolventes e lúdicos tem 2020a.
dispostos a engajar os jovens em se tornado um desafio (BÖRNER

14
BÖRNER, S.; GIATTI, L.; KRAFTL,
P. Saberes e ações dos jovens: refle- Figura 2: Olhando para as belezas e os potenciais do espaço urbano
xões e práticas na educação para a Fonte: participante masculino com 16 anos de idade.
sustentabilidade. Em: GRANDISO-
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15
CONJUNTURA

Ações integra-
doras para água,
energia e alimen-
tos na capital
paulista: as contri-
buições do Projeto
GLOCULL

O
s desafios nos siste- Hoff, 2011).
mas de alimentos,
água e energia es- Nesse sentido, o projeto GLO-
tão local e global- CULL - “Inovações Alimento-
mente conectados. -Água-Energia globalmente e
Globalmente, há uma preocu- localmente sustentáveis em La-
pação crescente com a seguran- boratórios Urbanos Vivos” (finan-
Fabiano de Araújo
ça desses recursos devido a um ciado pela Fapesp, em parceria Moreira
aumento esperado em sua de- com o consórcio internacional
manda em face das mudanças de agências de fomento à pes-
climáticas e pressões antrópicas. quisa Belmont Forum), busca,
Localmente, particularmente por meio de uma abordagem in-
nas cidades de países em de- tegrada e participativa, avaliar e
Michele Dalla
senvolvimento, como é o caso discutir soluções na perspectiva Fontana
do Brasil, a crescente urbaniza- da transição para sustentabilida-
ção e a pobreza são vistas como de com o enfoque do nexo FWE.
questões centrais considerando O Projeto GLOCULL envolve uma
seus impactos no uso do solo, rede de pesquisadores e atores
distribuição da população, in- locais, em sete países (Brasil, Tadeu Fabrício
fraestrutura urbana e fluxos de EUA, Áustria, Holanda, Suécia, Malheiros
alimentos, água e energia (Dalla África do Sul e Alemanha), que
Fontana et al., 2020). Para estas atuam em diversas instituições,
cidades, em particular, é difícil incluindo a Universidade de São
prever se as soluções para um Paulo, na tentativa de contribuir
problema no nexo alimentos-á- com experiências em curso, com Gabriela Marques
gua-energia (food-water-energy/ enfoque nos recursos de água, Di Giulio
FWE nexus, pelas suas siglas em energia e alimentos.
inglês) são sustentáveis em todos
esses sistemas, e como respon- No Brasil, especificamente, o Palavras-chave: Nexo água-energia-
dem efetivamente aos desafios projeto busca analisar recentes -alimentos, Política, Governança, Bi-
socioeconômicos (Bazilian, 2011; iniciativas propostas pela ges- combustíveis

16
Figura 1 - Localização e informações da zona sul rural do município de São Paulo
Fonte: Ligue os Pontos, 2020.

tão pública no município de São sença de produção convencional Porém, existe uma diversidade
Paulo com vistas ao desenvolvi- e, mais recentemente, produção de conflitos quanto ao uso do es-
mento de produção agrícola sus- orgânica (Figura 1). Conta tam- paço e dos recursos locais como,
tentável, preservação de infraes- bém com Unidades de Conser- por exemplo, o avanço da man-
trutura verde e contenção do vação de Uso Sustentável, sendo cha urbana e o baixo IDH (Ipea,
espraiamento urbano na região duas Áreas de Proteção Ambien- 2013). Políticas públicas locais
sul rural do município, no entor- tal, a APA Bororé-Colônia e a têm priorizado suas ações na re-
no das represas Billings e Gua- APA Capivari-Monos; Unidades gião na tentativa de melhorar as
rapiranga, consideradas estra- de Conservação de Proteção In- condições de habitação e quali-
tégicas para o abastecimento de tegral, incluindo o Parque Esta- dade de vida da população e, ao
água e produção de energia e ali- dual da Serra do Mar e diversos mesmo tempo, conter a expan-
mentos para a região. Essa área Parques Naturais Municipais; são urbana por meio do estímulo
periurbana e rural, que corres- além de Terras Indígenas, deno- a práticas sustentáveis, como a
ponde a 85% do território rural tando o esforço municipal para a produção de alimentos orgâni-
paulistano, abriga mais de 400 proteção ambiental dessa região cos e melhorias nas práticas con-
unidades agrícolas produtivas do município. vencionais de agricultura.
(Ligue os Pontos, 2020), com pre-

17
O projeto “Ligue os Pontos”
(LoP), da Prefeitura Municipal
de São Paulo, é uma dessas ini-
ciativas e foi identificado como
estudo de caso do projeto GLO-
CULL por integrar as questões
do nexo FWE em seu escopo. O
projeto, idealizado e coordenado
pela Prefeitura de São Paulo, por
meio da Secretaria Municipal de
Urbanismo e Licenciamento, re-
cebeu o prêmio Mayors Challen-
ge América Latina e Caribe 2016,
e conta com apoio e recursos da
fundação Bloomberg Philanthro-
pies. O LoP realiza ações na zona
sul da cidade em três frentes
principais:

1- “Dados e evidências” – com co-


leta de dados e informações so- Figura 2 - Assentamentos precários na zona sul da cidade de São Paulo, ao lado da represa
bre os agricultores e proprieda- Billings
des agrícolas da região por meio Fonte: Arquivo da SVMA, Prefeitura Municipal de São Paulo.
de um censo;
formada por diversos atores da Um dos objetivos centrais da
2- “Fortalecimento da Agricultu- ciência e do setor público (ex: rede é desenvolver indicadores
ra” – para levar assistência técni- representantes da Secretaria Mu- de sustentabilidade que possam
ca aos agricultores e promover a nicipal de Urbanismo e Licencia- capturar o contexto de conflitos
transição para a agricultura or- mento e da Casa da Agricultura existentes no local e as possíveis
gânica e agroecológica, melho- Ecológica do distrito de Parelhei- respostas a serem dadas para
rando as técnicas tradicionais; e ros; representantes das Áreas de os setores de alimentos, água e
Proteção Ambiental da zona sul energia no território. O desen-
3- “Cadeia de valor” – na tentativa da cidade; integrantes do projeto volvimento destes indicadores
de melhorar o acesso ao merca- LoP, entre outros) para coprodu- de maneira participativa é útil
do para os agricultores e buscar zir conhecimento em torno des- para validar a sustentabilidade
alternativas para uma melhor lo- sas ações (Figura 3). Dentro de das ações municipais na área
gística entre a produção e distri- uma perspectiva participativa de rural, com foco particular nas
buição de alimentos. pesquisa, as atividades são reali- atividades de apoio à agricultura
zadas em reuniões dos principais local. Os resultados prelimina-
O projeto GLOCULL trabalha conselhos municipais e locais, res do projeto estão relacionados
com o objetivo de contribuir em oficinas interativas, reuniões à adoção de 35 indicadores de
com essas ações no campo do técnico-científicas e trabalhos de Pressão-Estado-Impacto-Respos-
nexo FWE, a partir de uma rede campo na área de estudo. ta (PEIR), para utilização de um
modelo mais abrangente de sus-

18
adoção de práticas sustentáveis
(como a agroecologia) pode con-
tribuir para propor alternativas
de desenvolvimento socioeco-
nômico que, ao mesmo tempo,
preservam a paisagem e o patri-
mônio cultural local e regional,
protegem os recursos naturais,
com benefícios estendidos às
áreas vizinhas, e têm impactos
para os setores de alimentos,
água e energia.

Referências:

Bazilian, M., Rogner, H., Howells,


M., Hermann, S., Arent, D.,
Gielen, D., ... & Yumkella, K. K.
(2011). Considering the energy,
water and food nexus: Towards
Figura 3 - Equipe do projeto GLOCULL e seus parceiros na zona sul de São Paulo. an integrated modelling approa-
Fonte: Fabiano Moreira. ch. Energy policy, 39(12), 7896-
7906.
tentabilidade que considere os as- preservação ambiental local.
pectos do nexo FWE na região de Dalla Fontana, M., Moreira, F. A.,
estudo. Os indicadores perpassam A abordagem do nexo FWE ado- Di Giulio, G. M., & Malheiros, T.
questões que envolvem aspectos tada por essa rede tem possibi- F. (2020). The water-energy-food
técnicos da produção agrícola, de litado avaliar a agricultura lo- nexus research in the Brazilian
saúde, aspectos ambientais, de cal de forma mais abrangente, context: What are we missing?.
projetos de assistência técnica, reconhecendo sua relação não Environmental Science & Poli-
entre outros, abarcando os três ei- apenas com os setores de água, cy, 112, 172-180.
xos de atuação do projeto LoP. O energia e alimentos, mas tam-
processo colaborativo para a pro- bém com um sistema socioam- Hoff, H. (2011). Understanding
dução dos indicadores pode con- biental mais amplo, que se es- the Nexus. Background paper for
tribuir para a avaliação das ações tende para além da parte sul the Bonn2011 Nexus conference:
realizadas na zona sul de São Pau- do município. Com este olhar, The Water, Energy and Food Se-
lo e análises para cenários futuros é possível construir coletiva- curity Nexus.
na perspectiva de impulsionar a mente evidências sobre como
transição para sustentabilidade e o apoio à agricultura local e a IPEA - Instituto de Pesquisa Eco-

19
© Érico Hiller, 2020.

nômica Aplicada. (2013). Dispo-


nível em: <www.ipea.gov.br>.
Acesso em: 17-mar-2021.

Ligue os Pontos. (2020). Quem


são os produtores agrícolas da
Zona Sul de São Paulo. Informes
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de São Paulo, nº45, Maio/2020.
Disponível em: <https://www.
prefeitura.sp.gov.br/cidade/
secretarias/upload/desenvol-
vimento_urbano/arquivos/45_
I U_ P R O DU T O R E S -AG R I C O -
LAS_2020_final.pdf>. Acesso em:
17-mar-2021).

20
JOVEM PESQUISADOR

O nexo para re-


duzir injustiças
na Macrometró-
pole Paulista Mateus Henrique
Amaral

Á
gua, energia e ali- e injustiça na distribuição de re-
mentos em quan- cursos essenciais (GIATTI et al.,
tidade e qualidade 2019) e oportunidades que pro-
adequadas contri- porcionam bons níveis de desen-
buem para o bem-es- volvimento humano (AMARAL
tar e desenvolvimento humano et al., 2021).
nos municípios. Afinal, enquan- Contudo, sabemos que não
to a água e os alimentos nutrem é fácil lidar com questões so-
as pessoas, a energia movimenta cioambientais urgentes e com-
os ecossistemas, as indústrias e plexas como essa, ainda mais
os meios de transporte. em territórios superpopulosos,
Entretanto, na medida em que desiguais e extensos como a Ma-
as populações urbanas crescem, crometrópole Paulista (MMP).
as cadeias de suprimento desses Mas, então, de que maneira os
recursos podem ser pressiona- gestores públicos de municípios
das pelo aumento da demanda. que integram a região macrome-
No Brasil, por exemplo, o uso da tropolitana podem garantir mais
água – que é central para os seto- sustentabilidade e equidade nas
res de alimentos e energia – de- cadeias de suprimento de água,
verá crescer 24% até 2030; quan- energia e alimentos?
do é esperado um contingente de A abordagem do nexo pode
mais de 226 milhões de habitan- contribuir nesse sentido por au-
tes (ANA, 2019). xiliar na compreensão das rela-
Com base nessa estatística que ções de interdependência entre
prevê fortes pressões sobre os dois ou mais setores (LIU et al.,
recursos hídricos, é importante 2018), facilitando a análise de
Palavras-chave: Desenvolvimento
que as agendas da administração trade-offs (compensações) e pro-
humano; justiça ambiental; macro- pública contemplem estratégias moção de sinergias. Trade-offs
metrópole paulista; nexo entre água, mais inovadoras e sustentáveis podem ser entendidos como ex-
energia e alimento para evitar cenários de escassez ternalidades da alocação de dois

21
ou mais recursos a favor de um. dessedentação animal são aque- Entretanto, os insights obtidos
Por exemplo, o gasto de energia les que registram os piores in- com o nexo podem subsidiar as
elétrica e água da irrigação é um dicadores de desenvolvimento políticas públicas de desenvol-
trade-off da produção de alimen- humano, se comparados com os vimento regional que buscam
tos. seus pares do sistema macrome- a equidade intermunicipal e a
Esse nexo de interdependên- tropolitano. sustentabilidade das cadeias de
cias tem sido contemplado em Em outras palavras, é injusto suprimento de recursos vitais e
importantes instrumentos de po- que esses municípios provedores interdependentes como água,
lítica pública da MMP. O plano de alimentos (e perdedores) es- energia e alimentos.
diretor de aproveitamento de re- tejam assumindo para si os tra-
cursos hídricos para a Macrome- de-offs da retirada da água e do
trópole (DAEE, 2013) sugere que uso da terra para subsidiar a pro- Referências
mudanças na gestão e no uso de dução agropecuária e geração de
tecnologias para a agricultura energia sem contar com oportu- AMARAL, M. H. et al. Environ-
irrigada têm o potencial de re- nidades equivalentes de empre- mental injustices on green and
duzir o consumo de água em até go e renda, saúde e educação que blue infrastructure: urban nexus
22,4% pelo setor. Portanto, um os outros municípios possuem. in a macrometropolitan terri-
município dedicado à produção A abordagem do nexo, nesse tory. Journal of Cleaner Produc-
agrícola pode produzir mais gas- mesmo sentido de análise, tam- tion, v., p. 1-13, 2021.
tando menos ao compreender e bém foi entendida como uma
intervir sobre essas relações de alternativa capaz de otimizar a ANA – Agência Nacional das
interdependência. prestação de serviços ecossistê- Águas. Manual de Usos Consun-
Porém, para além dessa pers- micos de provisão dos elementos tivos da Água no Brasil. Brasília,
pectiva de eficiência, explorar que integram a cadeia do nexo, 2019.
esse tipo de nexo a partir das a fim de conservar mais e garan-
iniquidades sociais ainda é um tir o desenvolvimento humano. DAEE – Departamento de Águas
desafio de pesquisa e gestão. Em Essa otimização de serviços faz e Energia Elétrica. Plano Diretor
um estudo recente que conside- referências diretas ao uso estra- de Aproveitamento dos Recur-
rou a MMP como unidade expe- tégico de recursos hídricos lo- sos Hídricos para Macrometró-
rimental de análise, Amaral et al. cais, a fim de não negligenciar a pole Paulista. São Paulo, 2013.
(2021) classificaram os municí- água poluída que poderia estar
pios da região como perdedores proporcionando riquezas e ou- GIATTI, L. L. et al. Nexos de ex-
e ganhadores a partir dos níveis tros recursos como alimentos e clusão e desafios de sustentabi-
de desenvolvimento humano e energia elétrica. lidade e saúde em uma periferia
da vocação territorial de cada Dado o exposto, podemos urbana no Brasil. Cad. Saúde Pú-
um para sustentar a cadeia pro- concluir que a Macrometrópole blica, v. 35 n. 7, p. 1-12, 2019.
dutiva do nexo entre água, ener- requer soluções orientadas pela
gia e alimentos. intersetorialidade. A abordagem LIU, J. et al. Nexus approaches to
Um dos resultados obtidos do nexo, apesar de demonstrar global sustainable development.
pelo estudo mostra que os mu- relevância, não deve ser percebi- Nature Sustainability, v. 1, p.
nicípios que mais retiram água da pelos gestores e tomadores de 466-76, 2018.
para as atividades de irrigação e decisão como uma bala de prata.

22
JOVEM PESQUISADORA

O paradigma ho-
lístico da ciên-
cia da Nutrição
Nadine Marques
Nunes-Galbes

A
ciência da Nutrição se deu já no final do século XVIII,
como conhecemos na França.
hoje, chamada mo-
derna, é relativa- Cabe ressaltar que o pensamen-
mente jovem. Ainda to científico moderno já vinha se
que haja referências de muitos desenvolvendo desde os séculos
séculos atrás sobre a relação entre XVI e XVII, sob a liderança de no-
a alimentação e a saúde humana mes como René Descartes e Isaac
na Grécia antiga e na China, por Newton. Esse sistema de pensa-
exemplo, a Nutrição somente pas- mento instituiu a divisão das ciên-
sou a ser reconhecida como disci- cias em disciplinas; a fragmenta-
plina científica no início do século ção dos problemas e objetos de
XX. pesquisa em partes menores, para
poder analisá-los e rearranjá-los
Ações de saúde pública, com foco em sua ordem lógica. Trata-se da
na nutrição de determinadas po- visão mecanicista, segundo a qual
pulações, já eram implementadas o universo material seria apenas
em meados do século XVII, como uma máquina, e, portanto, se-
foi o caso da inclusão de frutas cí- ria possível explicá-lo a partir da
tricas nas provisões de tripulações compreensão do arranjo e movi-
dos navios que realizavam longas mento das suas “peças”. Foram es-
travessias entre os continentes, sas as lógicas que nortearam não
no intuito de evitar o escorbuto. somente o estudo do corpo huma-
Não se sabia exatamente de que no, como também dos alimentos,
maneira, mas algo nessas frutas a partir da Revolução Química.
impedia que se desenvolvesse a
doença. O esclarecimento sobre o Ao longo do século XIX, aspec-
componente que exercia esse pa- tos sobre o processo respiratório,
pel – a vitamina C – só viria mui- o metabolismo e a produção de
to mais tarde, a partir das bases energia pelo corpo humano fo-
Palavras-chave: Nutrição; Paradig- bioquímicas dos alimentos, cuja ram sendo desvendados e apro-
mas científicos; Nutricionismo; Holis- descoberta passou a ser possível a fundados. Já na segunda década
mo. partir da Revolução Química, que do século XX, a primeira vitami-

23
na (B3 ou niacina) foi isolada, e tão insuficiente) e estabelecer re- desenvolvimento do seu trabalho
logo em seguida foi esclarecido comendações de ingestão mínima teórico. Segundo Kuhn, toda dis-
seu papel na prevenção da pelagra desses nutrientes para garantir a ciplina científica é atravessada
(doença causada pela falta dessa saúde das populações. por 5 diferentes fases, norteadas
vitamina). Pelos seguintes 30 anos, pelo estabelecimento, suficiência
num mundo marcado por guerras Temos como referência aqui o con- e transformações no paradigma
mundiais, fome e escassez, o en- ceito de “paradigma científico”, dominante. A figura 1 ilustra esse
foque da Nutrição se voltou para a definido por Thomas Kuhn (2013), processo.
descoberta, isolamento e síntese como uma espécie de manual por
das vitaminas. Esse passou a ser o meio do qual se deve olhar e lidar Por conta de suas bases bioquími-
paradigma dominante da ciência com os problemas de uma deter- cas e mecanicistas, a ciência da
que estava nascendo: reduzir os minada época para conseguir en- Nutrição tem se fundamentado
alimentos às suas menores partes contrar as respostas, para definir em um paradigma reducionista,
(nutrientes), desvendar seu pa- a visão de mundo compartilhada denominado “nutricionismo”, ter-
pel no organismo (à princípio, as por uma comunidade científica, mo desenvolvido por Gyorgy Scri-
doenças causadas por sua inges- a qual se expressa por meio do nis (2008) para definir “reducionis-

Figura 1 – Estrutura das mudanças de paradigma.


Fonte: adaptada de Ridgway et al., 2019.

24
mo nutricional”. O nutricionismo do século XX alcançamos uma dis- trófico previsto na saúde humana
foi muito importante em desven- ponibilidade e variedade de ofer- e nos mais variados ecossistemas
dar os nutrientes que compõem os ta de alimentos sem precedentes do planeta (SWINBURN et al.,
alimentos e suas respectivas fun- na história - mas cuja qualidade 2019). É interessante notar que,
ções no organismo humano, bem nutricional é bastante questioná- embora a emergência climática
como para fundamentar ações de vel. Isto acompanhou mudanças promova agravamento dos índices
prevenção e tratamento de doen- consideráveis de estilo de vida no e consequências da má nutrição
ças carenciais, num cenário histó- sentido de favorecer o sedenta- (tanto relativa ao excesso, quanto
rico de fome e escassez. rismo. Esse contexto favoreceu o à carência de nutrientes), e a pro-
surgimento e crescimento expo- dução de alimentos seja a ativida-
Contudo, foi também o nutricionis- nencial da prevalência de doenças de humana que causa maior im-
mo que embasou o olhar sobre os crônicas não transmissíveis, como pacto no meio ambiente, esse não
alimentos apenas como veículos a obesidade, a hipertensão e as é um tema abordado pelo paradig-
de nutrientes, a compreensão de doenças cardiovasculares. ma dominante até hoje na ciência
que sua composição pode ser me- da Nutrição.
lhorada por meio da fortificação O nutricionismo tentou atuar se-
ou da redução de determinados gundo suas ferramentas, e encon- Nos encontramos, portanto, numa
nutrientes, originando as versões trou em nutrientes específicos fase de crise de paradigma, se-
diet e light, e a atuação da indústria (açúcar, gorduras e sal) a causa gundo a teoria de Kuhn, em que
de alimentos ultraprocessados. para tais condições de saúde. En- a mudança se torna cada vez mais
A lógica é a redução de alimen- tretanto, ainda que tenham sido necessária e urgente. De fato, já
tos a determinados ingredientes elaboradas sucessivas recomen- está em curso, e o caminho que
(farinha, óleo, açúcar, proteína dações de controle da ingestão de vem sendo apontado como mais
isolada, entre tantos outros) e sua tais nutrientes, essa abordagem promissor para abordar os desa-
recombinação, contando com a não está sendo suficiente para re- fios complexos e sem precedentes
presença de um número cada vez solver a obesidade, que se consoli- da atualidade é a expansão das
maior de aditivos, de modo a ori- dou como um dos maiores contri- noções existentes, rumo a uma vi-
ginar produtos alimentícios que buintes para a saúde precária da são sistêmica ou holística. Nela é
se distanciam bastante dos ali- maioria das populações ao redor marcante a compreensão de que
mentos in natura, mas apresentam do mundo. Por outro lado, condi- as propriedades essenciais de um
elevada durabilidade e atributos ções carenciais relacionadas ao organismo ou sistema são aquelas
sensoriais (sabor, aroma, cor, cro- consumo insuficiente ou desba- apresentadas pelo todo, que sur-
cância) marcantes. lanceado de nutrientes também gem justamente das interações e
não foram resolvidas, e seguem relações entre as partes, de modo
Fato é que, desde a fundação da sendo a maior causa de perda de que nenhuma das partes as possui
ciência da Nutrição, o mundo mu- saúde globalmente. individualmente, ao contrário do
dou muito, assim como os proble- que fundamenta o nutricionismo.
mas e desafios que a humanidade Somam-se a essa equação tão com-
enfrenta – muitos deles originados plexa e perigosa, as mudanças cli- O movimento de construção de
pela própria humanidade. Com a máticas, que já adquiriram o cará- um novo paradigma vem se con-
intensificação da urbanização e ter de emergência global, graças à solidando e ganhando força há
da mecanização da produção de iminência de entrar em um cami- mais de uma década, apesar de
alimentos, já na segunda metade nho sem volta, com impacto catas- ainda não ter recebido suporte

25
político ou atenção suficientes, O paradigma holístico da ciência cada vez mais diversos”.
face à oposição organizada e con- da Nutrição reconhece, portanto,
centrada que vem sofrendo. Um que o maior objeto de estudo des- Que os esforços transdiscipli-
marco de grande relevância nesse sa ciência precisa ser os sistemas nares sejam cada vez mais mar-
movimento foi a elaboração, pelo alimentares e seus nexos, cujas cantes na evolução e consolida-
grupo de trabalho da Declaração múltiplas atividades são mediado- ção desse novo paradigma, para
Giessen, conferência realizada ras da sustentabilidade ambien- que sejamos capazes, enquanto
na Alemanha em 2005, dos prin- tal, transformando-a em um dos comunidade científica e socie-
cípios, definição e dimensões do dade como um todo, de endere-
que foi batizada a “Nova Ciência çar os desafios tão urgentes que
da Nutrição”. O desenvolvimento já não podem mais ser minimi-
dessa proposta se deu a partir da zados ou negligenciados.
percepção de que a Nutrição foi se
desenvolvendo ao longo do último Referências
século sem uma definição consen-
sual e uma teoria geral, o que se BEAUMAN, Christopher et al.
reflete em lacunas importantes e, The principles, definition and
consequentemente, em sua capa- dimensions of the new nutrition
cidade de resolução de problemas science. Public health nutrition,
cada vez mais limitada, enquanto v. 8, n. 6a, p. 695-698, 2005.
campo científico (BEAUMAN et
al., 2005). KUHN, Thomas S. A estrutura
das revoluções científicas. Edi-
A proposta é que a “Nova Ciên- Figura 2 – Ilustração da nova ciência da tora Perspectiva SA, 2020.
cia da Nutrição” não deixe de lado Nutrição como uma disciplina integrativa,
suas bases nas ciências biológicas, com três pilares igualmente relevantes. RIDGWAY, Ella et al. Historical
mas que, atendendo às circuns- Fonte: Produzido pela autora com base em developments and paradigm
tâncias do século XXI, se trans- Beauman et al., 2005. shifts in Public Health Nutrition
forme e passe a ser identificada Science, guidance and policy
também como uma ciência inte- desafios mais urgentes do século actions: a narrative review. Nu-
grativa, abarcando explicitamente XXI. Seu propósito está para além trients, v. 11, n. 3, p. 531, 2019.
e com igual relevância as dimen- da promoção e manutenção da
sões social e ambiental. Dessa for- saúde e bem-estar das populações SCRINIS, Gyorgy. On the ideolo-
ma, a Nutrição passaria a apresen- humanas. Ao estabelecer conexões gy of nutritionism. Gastronomi-
tar uma só definição, muito mais com a saúde planetária na medi- ca, v. 8, n. 1, p. 39-48, 2008.
holística e ampliada: “estudo dos da em que muda seu centro do
sistemas alimentares, alimentos e ser humano para a biosfera, bus- SWINBURN, Boyd Anthony et
bebidas, seus nutrientes e outros ca “contribuir para um mundo em al. The Global Syndemic of Obe-
constituintes, e de suas interações que as gerações presentes e futuras sity, Undernutrition, and Clima-
dentro e entre todos os sistemas cumpram seu potencial humano, te Change: The Lancet Commis-
biológicos, sociais e ambientais vivam o melhor da saúde, e desen- sion report. Lancet, v. 393, n.
relevantes”. volvam, sustentem e desfrutem de 10173, p.791-846, 2019.
um ambiente humano, vivo e físico

26
© Érico Hiller, 2020.

27
Cátedra Josué de
Castro de Sistemas
Alimentares e Sus-
tentáveis: um novo
espaço para refle-
Ana Paula Tereza Campello
Bortoletto Martins

xão e ação
INTERDISCIPLINARIEDADES

O
s Brasil tem se des- te desde 1955, da produção e dis-
tacado, tornan- seminação de Guias Alimenta-
do-se referência res1 ou mesmo de mudanças de
internacional, na regulamentos envolvendo venda
produção científica e rotulagem de alimentos2, den-
sobre produção agrícola, alimen- tre muitos outros (Vasconcelos et
tação e nutrição, inovação tecno- al. 2019, Constante et al. 2018).
lógica, cadeias de suprimentos e Não obstante o progresso no
acesso a alimentos. A academia e processo de reflexão e produção
instituições científicas têm cum- do conhecimento que faz do Bra-
prido importante papel na pro- sil uma referência na América
dução de evidências capazes de Latina e no mundo no campo da
influenciar a tomada de decisão alimentação, identifica-se um li-
por gestores públicos e a cons- mite na reflexão sistêmica, que
trução de políticas públicas para permita observar, refletir e for-
enfrentar os principais desafios mular acerca do conjunto dos
relacionados à construção de sis- sistemas alimentares e apontar
temas alimentares saudáveis e caminhos que possibilitem a
sustentáveis. sua transformação. A atual crise
É fundamental ressaltar ain- causada pelo novo coronavírus é
da o crescente interesse e envol- reveladora do quanto este debate
vimento da sociedade civil bra- é urgente e necessário. A pande-
sileira em torno do tema. Parte mia da COVID-19 ao impor, for-
das inovações em políticas públi-
cas e avanços no sentido de ter- 1 - Guias Alimentares produzidos pelo
Ministério da Saúde, como o Guia para a pop-
mos sistemas alimentares mais ulação brasileira (2014) e o guia para crianças
saudáveis foram resultantes da menores de 2 anos (2019): https://aps.saude.
gov.br/ape/promocaosaude/guias
mobilização de organizações da
sociedade civil (Silva et al., 2019). 2 - RDC 429/2020 (https://www.in.gov.
b r / e n / w e b / d o u / - / re s ol u c a o - d e - d i re to -
São dezenas de exemplos, como ria-colegiada-rdc-n-429-de-8-de-out-
Palavras-chave: Sistemas alimenta- no caso das políticas de compras ubro-de-2020-282070599 ) e IN no 75/2020
públicas do Programa Nacional (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instru-
res, think thank, alimentação saudá- cao-normativa-in-n-75-de-8-de-outubro-
vel, sustentabilidade. de Alimentação Escolar, existen- de-2020-282071143), publicadas pela Anvisa.

28
mal ou informalmente, medidas A crise gerada pela pandemia mento da produção de comida
de distanciamento social para da COVID-19 marca o processo (lado da oferta) permitirá inte-
conter o avanço do contágio e inicial de construção da Cátedra grar de fato o conjunto dos deter-
propagação da doença, gerou e estimula a refletir sobre este minantes para uma análise mul-
uma interrupção abrupta das momento como sendo, talvez, tidimensional dos problemas e
atividades econômicas, geran- uma importante janela histó- limites do atual sistema alimen-
do um gigantesco e inédito cho- rica para repensar os modelos tar e avançar para a construção
que na economia tanto da ofer- na produção, processamento, de respostas simultaneamente
ta quanto da demanda. Deixou distribuição, comercialização, complexas e multidimensionais.
assim evidente os limites dos preparação e consumo de ali- Considerando os desafios co-
atuais processos de produção de mentos. Pretendemos e devemos locados, destacam-se os objeti-
alimentos, quebrando cadeias ousar, mais ainda tendo sidos vos4 específicos construídos para
de suprimentos, desorganizando provocados pelo grande choque, o trabalho inicial da Cátedra: am-
mercados3, e explicitando os frá- a pensar o futuro dos sistemas pliar o debate público sobre sis-
geis elos nos sistemas alimenta- alimentares em bases saudáveis temas alimentares, contribuindo
res ao acirrar a fome e deixar a e sustentáveis. para a transformação do atual
nu o uso abusivo dos limites do A constituição da Cátedra bus- modelo; integrar acadêmicos,
planeta. ca enfrentar o desafio de cons- formuladores de políticas públi-
Diante desse cenário, pesqui- truir um espaço de reflexão sobre cas e representantes da socieda-
sadores da Faculdade de Saúde sistemas alimentares que avance de civil numa rede de troca de
Pública da Universidade de São para além dos debates setoriais, conhecimento e de experiências
Paulo USP (FSP/USP) e do Nú- importantíssimos e necessários, voltada à ação; constituir acervo
cleo de Pesquisas Epidemiológi- mas muitas vezes fragmentados. público de boas práticas; formar
cas em Nutrição e Saúde do USP Neste sentido, o objetivo se es- pessoas (estudantes, ativistas,
(Nupens/USP) assumiram o de- tende para além de olhar siste- gestores públicos, entre outros)
safio de constituir um espaço es- mas alimentares como a cadeia e apoiar a agenda de advocacy
tratégico e interdisciplinar para que vai de desde a porteira ao pelo direito à alimentação sau-
viabilizar reflexões e a produção garfo. Ou seja, não basta olhar as dável e sustentável; e estimular a
de conhecimento sobre sistemas fases da produção, distribuição e produção acadêmica e científica
alimentares, integrando as múl- consumo e as diferentes cadeias numa perspectiva interdiscipli-
tiplas dimensões da sustentabili- de produção. A pergunta que nos nar, buscando integrar diversos
dade, e criaram a Cátedra Josué mobiliza é: como discutir siste- centros de pesquisa, saberes e
de Castro de Sistemas Alimenta- mas alimentares integrando as atores.
res Saudáveis e Sustentáveis da dimensões econômica, política,
FSP/USP. Sua constituição tem a de saúde, meio ambiente, sociais Josué de Castro
ambição de suprir uma impor- e culturais?
tante lacuna na produção de co- Ademais, é urgente que se O nome escolhido para a Cáte-
nhecimento para transformar os avance para olhar os sistemas dra homenageia Josué de Castro,
sistemas alimentares no Brasil, alimentares com foco no consu- como reconhecimento pela sua
pensado de forma mais holística midor, o cidadão. Esta quebra de valiosa contribuição no combate
e a partir da ótica do cidadão. paradigma do modelo tradicio- à fome, mas também por ter sido
nal de pesquisa em sistemas ali-
3 - https://www.fronteiras.com/entrevis-
tas/thomas-piketty-o-coronavirus-resul-
mentares que majoritariamente 4 - Site da Cátedra Josué de Castroo [website]:
tara-em-sociedades-mais-justas. têm foco na agricultura e no au- http://catedrajc.fsp.usp.br/

29
o pioneiro no pensamento social plinares e multidimensionais.
brasileiro ao tratar da questão Para tanto, pretende-se enfocar ao longo do ciclo de cinco anos
alimentar de forma integrada e em quatro grandes eixos de trabalho: a) Disseminação, para propor
multidimensional, articulando-a e disseminar reflexões e visões de múltiplos atores sobre sistemas
com aspectos sociais, culturais, alimentares por meio de mapeamento da produção de conhecimento
territoriais e da saúde coletiva. e execução de plano de comunicação; b) Formação, para contribuir
Sua extensa carreira como mé- para a formação de estudantes, gestores públicos e atores da socie-
dico, nutrólogo, professor, geó- dade civil organizada que atuam no sistema alimentar brasileiro; c)
grafo, cientista social, político, Incidência, para apoiar e elaborar subsídios técnicos para mobiliza-
escritor e ativista deixou um le- ções em andamento, de forma a contribuir para fortalecer as vozes
gado fundamental para o campo, da academia, gestores públicos e sociedade civil organizada; d) Pes-
incluindo uma extensa obra e quisa, para organizar uma agenda de pesquisa comum no campo de
representações em espaços po- sistemas alimentares no Brasil, em diálogo com atores internacio-
líticos internacionais. Josué de nais, e incubar novos projetos de pesquisa em colaboração com pes-
Castro foi presidente do Conse- quisadores de referência.
lho executivo da FAO, embaixa- Uma primeira experiência no eixo de formação já aconteceu an-
dor brasileiro na ONU e recebeu tes mesmo do lançamento oficial da Cátedra, com a realização do
o Prêmio Internacional da Paz, curso de verão da FSP/USP sobre sistemas alimentares saudáveis e
pelo Conselho Mundial da Paz. sustentáveis. As aulas do curso foram gravadas e disponibilizadas na
plataforma de aulas da USP5.

Formato e governança
Eixos de trabalho
A Cátedra Josué de Castro propõe uma nova forma de pensar, cons-
Pretende-se que a Cátedra seja truir e compreender o conceito de ‘Cátedra’. Respaldada pelo modelo
um lócus que proporcione a atua- das Cátedras da Universidade de São Paulo, deseja ser um espaço de
ção conjunta dos vários atores da construção coletiva e de diversidade. A proposta da Cátedra se be-
sociedade e da academia para neficia da existência do modelo das Cátedras da USP como base for-
pensar e debater questões dos mal. Visa se constituir em um espaço privilegiado onde professores,
sistemas alimentares de forma pesquisadores visitantes e atores interessados têm a oportunidade
abrangente e plural. Para isso, de refletir sobre temas interdisciplinares relevantes para a sociedade
faz-se necessária a identificação brasileira e de disseminar de diversas formas o resultado dessas re-
de um campo robusto a partir flexões (incluindo publicações em revistas científicas e em jornais e
da academia, mas que agregue revistas de grande circulação, entrevistas concedidas a jornalistas e
saberes científicos e populares, conferências e debates), num formato semelhante a umthink tank ou
criando conexões com atores de 'fábrica de ideias'.
além dos muros da Universida- Na estrutura da USP, as Cátedras são projetos de cinco anos de
de. Apenas com a construção duração, renováveis por igual período, que são propostos e coordena-
de um espaço de análise mul- dos por uma unidade de ensino ou pesquisa (instituto, faculdade ou
tidimensional dos problemas e núcleo de pesquisa) e financiados com recursos próprios e recursos
limites do atual sistema alimen-
tar que será possível avançar na 5 - Aulas Departamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública – USP. E-book do curso de verão
sobre sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. São Paulo, 2021. Disponível em: http://
construção de respostas simulta- www.fsp.usp.br/site/wp-content/uploads/2021/03/E-book-_-Curso-de-Verao-2021.pdf: http://
neamente complexas, interdisci- eaulas.usp.br/portal/course.action?course=23809.

30
externos à Universidade. A cada de direitos, com múltiplos olha- in Brazil: From Lula to Temer.
novo ano, um pesquisador com res e atores sociais. A Cátedra, Rev Nutr. 2019;32:e180161.
'notório saber' na área de interes- portanto, se coloca como um h t t p : // d x . d o i . o r g / 1 0 . 1 5 9 0 /
se da Cátedra, recrutado no Bra- espaço para mobilizar em torno 1678-9865201932e180161
sil ou no exterior, é convidado de temas e questões estratégicas
para liderar, na condição de pes- a academia, gestores públicos, Jaime, Patricia Constante, Del-
quisador visitante, as atividades organizações da sociedade civil muè, Denise Costa Coitinho,
do projeto. e ativistas comprometidos com Campello, Tereza, Silva, Denise
Considerando a liderança e uma agenda transformadora em Oliveira e, & Santos, Leonor Ma-
o potencial aglutinador do NU- torno dos sistemas alimentares e ria Pacheco. (2018). Um olhar
PENS/USP dentro e fora da Uni- do direito à alimentação saudá- sobre a agenda de alimentação e
versidade, a Coordenação Aca- vel. nutrição nos trinta anos do Sis-
dêmica da Cátedra será realizada tema Único de Saúde. Ciência &
pelo Núcleo. A execução das ati- Saúde Coletiva, 23(6), 1829-1836.
vidades da Cátedra será condu- Agradecimentos https://doi.org/10.1590/1413-
zida por seu titular em conjunto As autoras agradecem o apoio do 81232018236.05392018
com o coordenador acadêmico. Instituto Ibirapitanga.
Também foi criado um “grupo
de referência”, com atores-chave Referências
© Érico Hiller, 2020.
que foram convidados a contri-
buir e sugerir ações, apontar os Ahmed S, Downs S, Fanzo J.
caminhos e prioridades, intera- Advancing an Integrative Fra-
gir e promover debates internos mework to Evaluate Sustainabi-
etc. e que irão garantir a “anima- lity in National Dietary Guide-
ção” e engajamento dos atores lines. Front Sustain Food Syst.
envolvidos na Cátedra. A par- 25 September 2019. https://doi.
tir de acordos e pactos a serem org/10.3389/fsufs.2019.00076
construídos ao longo do proces-
so, este será um grupo informal Ana Carolina Feldenheimer da
que contribuirá para o desenvol- Silva, Elisabetta Recine, Pau-
vimento das atividades. la Johns, Fabio da Silva Gomes,
Mariana de Araújo Ferraz &
Considerações finais Eduardo Faerstein (2019) His-
tory and challenges of Brazi-
Diante do contexto desafiador lian social movements for the
da pandemia de COVID-19 e o ce- achievement of the right to
nário político de retrocessos de adequate food, Global Public
direitos sociais, incluindo o di- Health, 14:6-7, 875-883, DOI:
reito à alimentação, seguiremos 10.1080/17441692.2018.1439516
construindo a Cátedra Josué de
Castro como um espaço que pos- Vasconcelos FAG, Machado
sa debater e formular soluções ML, Medeiros MAT, Neves JA,
para a defesa e fortalecimento Recine E, Pasquim EM. Public
policies of food and nutrition

31
A Experiência da
Escola São Paulo
de Ciência Avan-
çada no Nexo Ana Paula Bortoleto
Água-Energia-
Alimentos
INTERDISCIPLINARIEDADES

A
Organização das Na- de de acesso universal a padrões
ções Unidas (ONU) mínimos de água, energia e ali-
estima que a popula- mentos dentro dos limites pla-
ção global aumenta- netários, é necessário o compro-
rá em 2,3 bilhões até misso político da sociedade para
2050, para 9,6 bilhões (UNDESA, a manutenção de uma platafor-
2019). Segundo a Organização ma democrática, que permita a
para a Alimentação e Agricultura discussão livre, científica e críti-
(FAO) estima-se que atualmente ca sobre esse tema urgente.
cerca de 900 milhões de pessoas A palavra NEXO significa a
estão famintas e 2 bilhões so- compreensão dessas interdepen-
frem de deficiências de micronu- dências, tensões e compensa-
trientes (UNFAO, 2017). O Fórum ções. No contexto das mudanças
Econômico Mundial projeta que climáticas, os sistemas de água,
a demanda global de água doce energia e alimentos estão inex-
excederá os suprimentos hoje tricavelmente ligados - de forma
disponíveis em mais de 40% que não é possível dissociá-los,
até 2030 (SARNI et. al, 2018). A e qualquer esforço para atingir
Agência Internacional de Ener- a sustentabilidade deve consi-
gia afirma que a demanda glo- derar suas conexões mais am-
bal de energia aumentará 37% plas (MOHTAR; DAHER, 2012).
até 2040 (IEA, 2018). A demanda Em termos práticos, o estudo do
por recursos naturais pode ex- NEXO oferece um enfoque con-
ceder os limites de recuperação ceitual para integrar o ambiente
e de reabastecimento nas próxi- natural e as atividades humanas
mas décadas. Assim, alcançar a (IISD, 2013). Isso permite uma
segurança hídrica, energética e abordagem mais coerente da
alimentar e, consequentemente, gestão dos recursos naturais em
a sustentabilidade é ação impe- contraste com os objetivos so-
rativa, mesmo em condições so- ciais, econômicos e ambientais.
Palavras-chave: Nexo água-energia- ciais e econômicas globais desa- Alguns dos principais fatores
-alimentos, Interdisciplinaridade, En- fiadoras e dinâmicas. Ressalta-se globais neste contexto são a ur-
sino, Políticas Públicas. que, para garantir a possibilida- banização, o crescimento popu-

32
lacional, os comportamentos so- dependentemente da classe so- cial para viabilizar o desenvolvi-
ciais, os impactos ambientais, a cial ou nacionalidade. Diversos mento de políticas públicas que
crise de governança, o desenvol- compromissos internacionais possibilitem o uso sustentável
vimento industrial e a inovação foram assinados com esse obje- dos recursos naturais do planeta.
tecnológica (AVTAR et al., 2019). tivo, incluindo os 17 Objetivos de Assim, a Escola São Paulo de
O Brasil é um caso particular Desenvolvimento Sustentável da Ciência Avançada no Nexo Água-
do NEXO. Atualmente, é um dos Organização das Nações Unidas -Energia-Alimentos teve como
maiores exportadores de alimen- (UNDESA, 2017). A implemen- objetivo central permitir uma
tos e recursos naturais, possui tação desses objetivos necessita análise aprofundada por seus
uma matriz energética baseada primordialmente de capacidade participantes dos benefícios da
majoritariamente em hidrelétri- humana capaz de compreender aplicação da abordagem NEXO
cas e com uma demanda cres- as interconexões entre as dife- em diferentes campos científi-
cente por água em seus centros rentes áreas do conhecimento; cos, servindo também como um
urbanos. As políticas públicas explicar as interligações entre fórum para troca de experiên-
convencionais implementadas sistemas de água, energia e ali- cias, conhecimentos e perspec-
ainda não foram efetivas em mentos; identificar os chamados tivas. O curso ocorreu entre os
controlar e prevenir as conse- hotspots e riscos globais refe- dias 15 e 26 de outubro de 2018 na
quências dos impactos ambien- rentes ao NEXO; e, desenvolver Universidade Estadual de Cam-
tais gerados por essas atividades, estratégias eficientes para utili- pinas com o suporte do Núcleo
consequentemente, resultou em zar as diversas fontes de dados Interdisciplinar de Planejamen-
um grande interesse no debate (UNDESA, 2017). to Energético. Esta foi a primeira
de uma perspectiva integrado- As universidades brasileiras iniciativa brasileira com a fina-
ra das causas desses problemas têm um papel essencial no de- lidade de encorajar professores,
(HARWOOD, 2018). Dentro do senvolvimento de novas práticas pesquisadores, jovens pesquisa-
panorama atual do país frente de gestão, inovação tecnológica dores e doutorandos de diversas
à pandemia do COVID-19, esses e no fomento de novas pesquisas disciplinas a aplicar a aborda-
problemas tendem a se acentua- que reconheçam as condições gem NEXO em suas pesquisas e
rem devido ao cenário, já existen- locais, regionais e globais, e que demais trabalhos em um curso
te, de políticas contraditórias à desafiem o pensamento conven- de imersão de duas semanas. Do
preservação ambiental no Brasil cional. Esses centros de conhe- total de 80 participantes, 46 eram
(STEWART et al., 2020; ARAÚJO, cimentos são responsáveis por brasileiros e 34 eram estrangei-
2020). Este é um desafio crucial aumentar a consciência pública ros vindos majoritariamente da
do atual momento da sociedade e encorajar discursos científicos Alemanha, Estados Unidos e
brasileira, porquanto as conse- e políticos sobre a sustentabili- Reino Unido. A estrutura do cur-
quências dessas políticas serão dade e as questões ambientais. so se dividiu em três partes: (1)
severas para as futuras gerações, Consequentemente, o fomento a crise alimentar, hídrica e ener-
tanto no âmbito da justiça social da capacidade humana em com- gética; (2) a abordagem NEXO,
quanto na questão ambiental. preender esses problemas com- e; (3) avaliação de sistemas com-
A questão dos direitos huma- plexos se dá, em sua maioria, plexos urbanos.
nos se encontra como o ponto nas universidades. Entretanto, o Quinze cientistas de destaque
central da abordagem NEXO, desafio de qualquer curso inter- em diferentes áreas do conhe-
uma vez que seu propósito é disciplinar é a integração de di- cimento lecionaram aulas e de-
garantir a obtenção de água, ferentes áreas do conhecimento senvolveram atividades práticas
energia e alimentos a todos in- e, no caso do NEXO, é algo essen- com os participantes em um am-

33
biente multicultural. Entre eles tribuição dos diferentes atores xus Stockholm Environment Ins-
destacam-se o Professor Emilio da sociedade. Destaca-se, assim, titute, Stockholm. Background
F. Moran, a Profa. Doris C. C. K. a urgência da inclusão da abor- Paper for the Bonn 2011 Con-
Kowaltowski e o Prof. Jörg Mats- dagem do NEXO nos currículos ference: The Water, Energy and
chullat. Os participantes foram acadêmicos das universidades Food Security Nexus, 2011.
estimulados a discutir como a brasileiras, de forma transversal,
pesquisa aplicada poderia con- não se restringindo a uma disci- IEA - INTERNATIONAL ENERGY
tribuir efetivamente para o de- plina isolada. AGENCY. Energy Efficiency 2018.
senvolvimento de políticas in- Analysis and outlooks to 2040.
tersetoriais através de iniciativas IEA, 2018.
interdisciplinares. Como prin- Agradecimentos
cipal resultado, essa imersão de IISD – THE INTERNATIONAL
duas semanas possibilitou a cria- A autora agradece o apoio da INSTITUTE FOR SUSTAINABLE
ção de uma rede virtual de comu- Fundação de Amparo à Pesquisa DEVELOPMENT. Bizikova, L.,
nicação entre os participantes do Estado de São Paulo (FAPESP), Roy, D., Swanson, D., Venema,
atualmente ativa, colaborações processo nº 2017/17447-9. A auto- H.D., McCandless, M. The Water–
em projetos internacionais de ra também agradece o trabalho Energy–Food Security Nexus:
pesquisa e em publicações de ar- conjunto na organização da São Towards a Practical Planning and
tigos científicos. Paulo School of Advanced Scien- Decision-Support Framework for
As bases conceituais do NEXO ce on the Water-Energy-Food Ne- Landscape Investment and Risk
são recentes e ainda necessitam xus ao Prof. Dr. José Roberto Gui- Management, Winnipeg, 2013.
aprimoramento metodológico marães, Prof. Dr. Paulo Sérgio
tanto em pesquisa quanto em en- Franco Barbosa e Prof. Dr. Luiz MOHTAR, R. H.; DAHER, B. Wa-
sino (Murray et al., 2021). A pri- C. M. Vieira Jr. ter, energy, and food: The ulti-
meira abordagem do tema foi em mate nexus. Encyclopedia of
2011 em um congresso na cida- agricultural, food, and biological
de de Bonn (Alemanha) em pre- engineering. CRC Press, Taylor
paração à Conferência Rio +20 Referências and Francis Group, 2012.
(Hoff, 2011). A maioria dos parti-
cipantes e palestrantes foram in- ARAÚJO, S. M. V. G. Environmen- MURRAY, R. T., MARBACH-AD,
cisivos em destacar a importân- tal Policy in the Bolsonaro Gover- G., MCKEE, K., & SAPKOTA, A.
cia de cursos interdisciplinares nment: The Response of Envi- R. Experiential Graduate Course
que enfoquem a sinergia entre ronmentalists in the Legislative Prepares Transdisciplinary Futu-
as distintas áreas (água, energia Arena. Brazilian Political Science re Leaders to Innovate at the Foo-
e alimentos) do NEXO para a ca- Review, v. 14, n. 2, 2020. d-Energy-Water Nexus. Sustaina-
pacitação de pesquisadores, ape- bility, 13(3), 1438, 2021.
sar das dificuldades presentes AVTAR, R., TRIPATHI, S., AG-
a serem superadas. Um planeta GARWAL, A. K., & KUMAR, P. STEWART, P., GARVEY, B., TOR-
interconectado e em intensa mu- Population–urbanization–energy RES, M., & BORGES DE FARIAS,
dança requer pesquisas de base Nexus: a review. Resources, v. 8, T. Amazonian destruction, Bol-
ampla entre disciplinas e méto- n. 3, p. 136, 2019. sonaro and COVID-19: Neolibera-
dos, como também, o desenvol- lism unchained. Capital & Class,
vimento de soluções com a con- HOFF, H. Understanding the ne- 2020.

34
© Érico Hiller, 2020.

UNDESA - UNITED NATIONS


DEPARTMENT FOR ECONOMIC
AND SOCIAL AFFAIRS. World
Population Prospects 2019: Data
Booklet. UN, 2019.

UNFAO - UNITED NATIONS


FOOD AND AGRICULTURE OR-
GANIZATION. The State of Food
Security and Nutrition in The
World. Rome: Building resilien-
ce for peace and food security,
2017.

UNDESA - UNITED NATIONS


DEPARTMENT FOR ECONOMIC
AND SOCIAL AFFAIRS. The Sus-
tainable Development Goals Re-
port 2017. UN, 2017.

SARNI, W., STINSON, C., MUNG,


A., GARCIA, B., BRYAN, S., &
SWANBOROUGH, J. Harnessing
the fourth industrial revolution
for water. World Economic Fo-
rum, 2018.

35
© Érico Hiller, 2020.

36
Simone Ley
Omori-Honda

Implantação de ENGAJAMENTO
uma horta comuni-
tária, no âmbito do

A
nexo na Macrome- dissertação de mes- cobrassem efetivamente taxas e/
trópole Paulista trado intitulada “Pes- ou tarifas reais sobre os custos de
quisa-ação na im- gestão dos resíduos urbanos e pro-
plantação de horta movessem a redução da produção
comunitária: empo- de resíduos na fonte geradora tam-
deramento e sustentabilidade na bém foram fatores relevantes.
periferia de Guarulhos”, estudou Novo Recreio é um típico bair-
o potencial e adequações de uma ro periférico; por um lado, repleto
pesquisa-ação na criação de uma de vulnerabilidades socioambien-
horta na perspectiva da construção tais, com sua geografia acidentada
de saberes colaborativos, empo- e moradias em áreas de risco, de-
deramento comunitário, estabe- semprego em alta e baixa mobili-
lecimento de parcerias e busca de dade, acesso restrito a alimentos
alternativas viáveis à sustentabili- frescos e lazer. Por outro, possui
dade e à promoção da saúde (OMO- sua riqueza nas pessoas, com suas
RI-HONDA, 2018). experiências e sonhos.
Por outro lado, existe um con- A horta comunitária é um
senso no que se refere ao fato de exemplo de agricultura urbana e
que a Política Nacional de Resíduos periurbana, que tem ganhado for-
Sólidos (PNRS) (LEI Nº 12.305, DE 2 ça em vários países. Os benefícios
DE AGOSTO DE 2010), após 10 anos são diversos: suprem, em parte,
de sua aprovação, não conseguiu os sistemas urbanos de produção
atingir os objetivos e metas pro- alimentar; aproveitam espaços su-
postas, mas existem diferentes vi- butilizados; viabilizam manejo de
sões sobre as causas e os caminhos solo e água; fortalecem a segurança
para avançar na direção de uma alimentar e nutricional (RIBEIRO,
gestão integrada e sustentável dos 2013); reduzem o uso de fertilizan-
resíduos urbanos. A ausência da tes, por haver uma aplicação mais
implementação do Plano Nacional precisa; e, nos casos de “agricultura
de Resíduos Sólidos, ao longo dos verde”, quando há uso de compos-
últimos dez anos, e a elaboração de to orgânico, rotação de culturas, e
Planos Municipais de Gestão Inte- aproveitamento de água da chuva,
Palavras-chave: Horta comunitária; grada de Resíduos eficientes que ocorre a manutenção da fertilidade
agricultura urbana; nexo urbano. fizessem com que os municípios do solo, regulação do microclima,

37
Figura 1 - Bairro Novo Recreio - Guarulhos
Foto: Simone Omori

e polinização (HOFF, 2011); consis- à alimentação saudável e orgâni- to sustentável e às mudanças cli-
tindo, assim, em uma alternativa ca, afinal, independentemente de máticas: Objetivo 2 - “Acabar com
sustentável ao meio ambiente e à classe social, a agricultura urbana a fome, alcançar a segurança ali-
saúde humana. pode ser praticada por qualquer mentar e melhoria da nutrição e
O cultivo de plantas comestíveis pessoa, de qualquer idade ou es- promover a agricultura sustentá-
e medicinais é assimilado no âm- colaridade. Nesse espaço, há valo- vel.
bito da promoção da saúde, visto rização dos saberes tradicionais e A convergência está em com-
que está associado a políticas pú- das experiências vividas. E ainda, preender a agricultura urbana
blicas de abordagem de assistência em tempos de modernidade líqui- como alternativa para atingir a
integral, como a Política Nacional da (BAUMAN, 2001) e prevalência segurança alimentar e promover
de Promoção da Saúde, a Política do individualismo, as hortas comu- uma agricultura sustentável a uma
Nacional de Práticas Integrativas e nitárias aparecem como oportuni- comunidade, aqui, aos morado-
Complementares, a Política Nacio- dade de integração e fortalecimen- res do Novo Recreio. Sem contar
nal de Plantas Medicinais e a Políti- to do coletivo. a sinergia e intersetorialidade que
ca Nacional de Educação em Saúde O exposto acima, converge com uma horta comunitária pode criar,
(COSTA; et.al., 2015). um dos Objetivos de Desenvolvi- ao associar ao conceito do nexo ur-
Importante ressaltar que as hor- mento Sustentável (ODS) estabele- bano as ideias que a agenda 2030
tas comunitárias representam uma cidos pela ONU, em 2015, em sua da ONU propõe.
saída igualitária quanto ao acesso Agenda voltada ao desenvolvimen- A implantação da horta comuni-

38
tária em Novo Recreio foi realizada A horta comunitária apresenta a realização de bazares e venda de
em 5 fases: 1) Convite/ apresenta- inúmeras vantagens e benefícios à bolos e tortas, contribuíram para o
ção da proposta da horta comuni- saúde e ao ambiente, ainda assim, aumento do fluxo de caixa. Quanto
tária; 2) Construção das regras de trata-se do envolvimento de pes- ao apoio técnico, houve o envolvi-
convivência; 3) Construção de can- soas de diferentes culturas e ideais, mento e participações pontuais de
teiros; 4) Plantio e 5) Colheita. compartilhando o mesmo espa- algumas Secretarias da Prefeitura
Inicialmente, a horta comuni- ço. Ou seja, organizar um grupo de Guarulhos, por meio do Progra-
tária foi estabelecida com base na de horta comunitária pode trazer ma Ambienta Saúde.
articulação de três pilares: Unida- grandes desafios. No caso da hor- Assim, a experiência no Novo
de Básica de Saúde (UBS) Novo Re- ta comunitária do Novo Recreio, Recreio demonstrou que o estabe-
creio, EPG Nazira Abbud Zanardi as adversidades surgiram por meio lecimento de parcerias locais e no
(escola local) e USP, representada de: desistências; comunicação e âmbito governamental, por meio
por pesquisadores. Em um segun- diálogos enfraquecidos; falta de re- de políticas públicas, resulta em
do momento, após convites en- cursos financeiros; falta de mate- pontos fortes para a consolidação
tregues para a comunidade pelos riais; não cumprimento de regras; e sustentabilidade da horta comu-
Agentes Comunitários de Saúde confiança entre os membros do nitária.
(ACS) da UBS Novo Recreio e aos grupo fragilizada; não valorização Contudo, mais complexo do que
responsáveis dos alunos da Escola, do saber popular, quando na inte- a falta material, as questões mais
reuniram-se num primeiro encon- ração com técnicos da prefeitura. delicadas e que desestabilizaram o
tro todos os interessados da comu- Os percalços financeiros foram grupo, foram as relacionadas à fal-
nidade. resolvidos com o apoio de parcerias ta de diálogo e à desvalorização do
No segundo encontro, estabele- locais, como doação de materiais saber popular. A primeira deu-se
ceram-se as regras de convivência, de alvenaria do comércio local; em discordâncias relativas ao fato
que consistiram em combinados trabalho voluntário de vizinhos na da horta estar sediada na escola,
entre os membros que abordavam construção de canteiros; ademais, não permitindo autonomia sufi-
questões de responsabilidade, fre-
quência de encontros, colheita etc.
Para facilitar a conjunção de ideias
e objetivos, a autora fez uso de
instrumentos participativos, tais
como: observação participante,
mapa falante, painel integrado e
jornal comunitário.
O local estabelecido para a im-
plantação da horta foi a escola,
área dos fundos, onde já havia al-
guns temperos cultivados por fun-
cionários da escola. Até o final da
pesquisa, o grupo consolidou-se
com 15 integrantes, majoritaria-
mente feminino, que participavam
conforme disponibilidade de tem-
po, e contribuíam com doação de
mudas, cuidados de manutenção, Figura 2 - Estabelecendo as regras de convivência
plantio e troca de saberes. Foto: Alberto Urbinatti

39
ciente ao grupo de ir e vir, o que desencadeou outros desentendimentos; Referências
e a segunda, refere-se à interação com os técnicos da Prefeitura que, em-
bora tenham contribuído com seus conhecimentos, desconsideraram o BAUMAN, Z. Modernidade líqui-
conhecimento popular. da. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
A partir desse cenário, percebeu-se a necessidade de reunir o grupo Editor, 2001.
para conversar e pensar coletivamente, criar uma oportunidade de diá-
logo acerca dos desentendimentos e de quais estratégias poderiam ser COSTA, C.G.A.; GARCIA, M.T.;
adotadas para transpor tais problemas. RIBEIRO, S.M.; SALANDINI, M.
Isto posto, vale destacar que a ferramenta mais valiosa na criação de F.S.; BÓGUS, C.M. Hortas comu-
qualquer grupo comunitário, como o caso da implantação de uma horta nitárias como atividade promo-
comunitária, é o diálogo. Na concepção da educação popular de Paulo tora de saúde: uma experiência
Freire, na qual o método é fundamentado no diálogo, os educandos mos- em Unidades Básicas de Saú-
tram-se receptivos, pois se entrelaça o saber construído à bagagem de vi- de. Ciência & Saúde Coletiva:
vências que cada um carrega consigo (FREIRE, 2017). Da mesma forma, 20(10):3099-3110, 2015.
no caso do Novo Recreio, a horta somente ganhou sentido, quando houve
respeito ao saber do próximo e a partir do diálogo, todos puderam apren- FREIRE, P. Pedagogia do opri-
der. mido. 64a ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2017.

HOFF, H. Understanding the


Nexus. Background Paper for
the Bonn 2011 Conference: The
Water, Energy and Food Securi-
ty Nexus; Stockholm Environ-
ment Institute (SEI): Stockholm,
Sweden, 2011; p. 52.

OMORI-HONDA, Simone Ley,


Pesquisa-ação na implantação
de horta comunitária: empo-
deramento e sustentabilidade
na periferia de Guarulhos - Fa-
culdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2018.

RIBEIRO, S.M. Agricultura urba-


na agroecológica sob o olhar da
Promoção da Saúde: a experiên-
cia do Projeto Colhendo Sus-
tentabilidade – Embu das Artes
– SP. [dissertação de Mestrado].
São Paulo: Faculdade de Saúde
Figura 3 - Grupo de horta comunitária "Germinando o Futuro" Pública da USP; 2013.
Foto: Simone Omori

40
Sophia B. Ângela Cruz Sandrine
N. Picarelli Guirao Giancristófaro Gouvêa

Perspectivas do ENGAJAMENTO
“nexo” para pla-
nejamentos re-
gionais: o caso da

A
busca para melhorar do nexo, existe uma clara inter-
aspectos sociais, eco- -relação entre os sistemas. Em
Área de Conecti- nômicos e ambien- contexto urbano, esse olhar mais
tais segue como um holístico pode enfrentar outras
vidade na Região dos grandes desafios complexidades devido aos vários
Metropolitana de diários dos gestores públicos com-
prometidos com princípios de um
fatores sociais, econômicos, cultu-
rais, e tantas outras variáveis que
Campinas desenvolvimento mais sustentável influenciam diretamente. Traba-
e justo. A fragmentação, a setoria- lhar com lógicas mais amplas e in-
lidade, os entraves técnicos-admi- tegradoras de planejamento segue
nistrativos, as disputas políticas, como uma premissa básica para
a polarização social, os interes- a busca de ações que apresentem
ses econômicos, entre outros, são mais co-benefícios para a socieda-
componentes que trazem ainda de e o meio ambiente (SCHULTER-
mais complexidade para o desen- BRANDT-GRAGG et al., 2018).
volvimento e implementação de Alguns esforços no sentido da
políticas públicas, principalmente construção de políticas públicas
as de médio e longo prazo (MO- ambientais mais integradas, par-
RAN, 2011). ticipativas e regionais apresentam
Algumas abordagens relaciona- avanços, como são os casos das Re-
das a desafios ambientais, refor- giões Metropolitanas de Belo Hori-
çam que soluções para problemas zonte e Campinas no Brasil e Vale
complexos precisam de um olhar do Aburrá na Colômbia.
cada vez mais amplo, sistêmico, in- A Prefeitura Municipal de Cam-
terdisciplinar, multisetorial e par- pinas, por meio da Secretaria do
ticipativo (FORTES, 2014). Alguns Verde, Meio Ambiente e Desen-
exemplos que podem ser conside- volvimento Sustentável (SVDS), ao
rados nessa lógica: Soluções basea- elaborar o Plano Municipal Verde
das na Natureza (SbN); justiça cli- (PMV), que incorporou o Plano
mática; desenvolvimento circular de Mata Atlântica (Decreto Muni-
e o nexo água-energia-alimentos cipal nº 19.167/16), definiu ações
(SCHULTERBRANDT-GRAGG et para um horizonte de 10 anos. Po-
Palavras-chave: Planejamento inte- al., 2018; IUCN, 2020) . rém, no âmbito do referido Plano,
grado; nexo; governança; natureza De acordo com os conceitos identificou-se que o sucesso da im-

41
plantação de algumas das ações, dade e serviços ecossistêmicos em tureza. A AC-RMC é uma zona es-
principalmente o da fragmentação instrumentos de planejamento lo- tratégica para promover iniciativas
de hábitats, dependeria de uma cais e regionais. Apoiando o desen- de conservação da biodiversidade,
integração com os municípios vi- volvimento de estratégias e planos manutenção de processos ecológi-
zinhos, o que levou ao estabeleci- de ação, que fomentem as Soluções cos, oferta de serviços ecossistêmi-
mento de um programa específico baseadas na Natureza, assim como cos e recuperação da paisagem, de
de integração com a Região Me- a interação multinível e multiato- forma integrada e a nível regional.
tropolitana de Campinas (RMC). O res. No âmbito da AC-RMC, impor-
objetivo foi estabelecer estratégias Desde então, o Programa RECO- tante destacar os principais passos
conjuntas de recuperação e con- NECTA-RMC e o Projeto INTERAC- que já foram dados (ICLEI,2021):
servação a ser firmado pelos muni- T-Bio têm avançado juntos, promo- (1) Mapeamento dos serviços
cípios da RMC. vendo processos de planejamento ecossistêmicos usou como base a
Assim, por intermédio da Agên- regional, construídos por diversos metodologia Mapping ecosystem ser-
cia Metropolitana de Campinas atores daquele território. vice supply, demand and budgets3 de
(AGEMCAMP), foi assinado em Como um dos produtos, con- Burkhard et al. (2012). O processo
2017 um Termo de Cooperação Téc- solidou-se a definição da Área de também contou com contribuições
nica entre os vinte municípios da Conectividade da RMC (AC-RMC). diretas do Instituto Florestal do Es-
RMC, com o objetivo de integrar, A proposta partiu de uma visão tado de São Paulo, no contexto do
identificar e discutir as ações rele- multidimensional, abrangendo vá- desenvolvimento do Zoneamento
vantes para subsidiar uma linha de rias frentes simultâneas, no intuito Ecológico-Econômico do Estado,
ação regional voltada para a pre- de promover maior sustentabili-
3 - Mapeamento de oferta, demanda e orça-
servação e recuperação da fauna dade no uso e ocupação do solo, e mentos de serviços ecossistêmicos, em
e da flora, além do intercâmbio de priorizar Soluções baseadas na Na- tradução livre.
conhecimentos técnicos, que rece-
beu o nome de programa RECO-
NECTA RMC1.
No mesmo ano a RMC foi sele-
cionada pelo ICLEI – Governos Lo-
cais pela Sustentabilidade, como
região metropolitana modelo pelo
projeto “INTERACT-Bio: Ação In-
tegrada pela Biodiversidade”2, con-
siderando o caráter inovador atri-
buído ao programa que tem como
objetivo considerar a biodiversi-

1 - O Programa Reconecta RMC foi cria-


do no âmbito do Plano Municipal do Verde
de Campinas/SP (Decreto Municipal nº
19.167/2016) e integra o Termo de Cooperação
Técnica 002/2018 firmado pelos 20 municípios
da Região Metropolitana de Campinas. Infor-
mações disponíveis em: https://reconectarmc.
wixsite.com/meusite-2 acessado em 12 de
abril de 2021.

2 - https://americadosul.iclei.org/projetos/in-
Figura 1 - Lagoa do Taquaral, Campinas—SP
teract-bio/ acessado em 12 de abril de 2021. Fonte: Cedida por Rogério Capela à Prefeitura de Campinas

42
com a aplicação dos métodos para (3) Envolvimento e participa- está sendo realizado em conjunto
avaliação de serviços ecossistêmi- ção de representantes dos diferen- com o WRI-Brasil. Utilizam o mé-
cos. O mapeamento foi realizado tes níveis de governança: Sua con- todo de Avaliação de Infraestrutu-
de forma participativa com repre- cepção se deu de forma coletiva e ra Natural (Green-Gray Assessment
sentantes técnicos dos municípios colaborativa, com o envolvimento – GGA/WRI) para estimar custos e
da RMC. A fim de tornar a proposta de mais de 80 atores de diversas benefícios que seriam agregados
da AC-RMC em algo visual, assim áreas e setores de atuação, poden- ao sistema de saneamento a partir
como tornar conceitos relaciona- do destacar os técnicos e gestores da implementação de estratégias
dos aos serviços ecossistêmicos, dos municípios, Comitê de Bacia de restauração da infraestrutura
atributos naturais e pressões rela- dos Rios Piracicaba, Capivari e natural, em comparação a um ce-
cionadas, em uma linguagem mais Jundiaí (PCJ), AGEMCAMP, Secre- nário em que apenas a infraestru-
acessível para um público mais taria de Meio Ambiente do Estado tura construída é utilizada. Com o
amplo e diverso, as informações de São Paulo, Grupo de Atuação Es- objetivo de maximizar o controle
foram trabalhadas em um mapa pecial de Defesa do Meio Ambiente da erosão, serão identificadas áreas
ilustrado, conforme figura 2. (GAEMA do Ministério Público do prioritárias para reflorestamento,
(2) Elaboração do Plano de Ação Estado de SP), WRI Brasil Univer- enfocando na restauração florestal
para Implementação da AC-RMC: sidades, Conselhos Municipais, es- de pastagens degradadas. Os resul-
elaborado, ao longo de 2020, pro- pecialistas vinculados às temáticas tados devem trazer perspectivas
põe consolidar uma zona estratégi- dos pilares, entre outros. que possam mobilizar projetos de
ca para promover iniciativas à con- (4) Inserção no Plano de De- restauração ambiental ao reconhe-
servação da biodiversidade, além senvolvimento Urbano Integrado: cer os benefícios da infraestrutura
de impulsionar a manutenção de Após uma série de reuniões para natural, especialmente em termos
processos ecológicos e a recupera- apresentação da AC-RMC, o pro- de custo evitado (ICLEI; WRI-Bra-
ção da paisagem. Também conside- cesso de planejamento territorial sil, 2020).
rou as interferências das rodovias regional absorveu esses resultados O exemplo da Região Metropoli-
que cortam a RMC, a implantação na Proposta de Zoneamento Metro- tana de Campinas, mostra que com
de áreas verdes livres, o incentivo politano e no Livro de Propostas dedicação técnica, vontade política,
à adoção de práticas de produção Preliminares do Plano de Desen- transparência, estabelecimentos de
e consumo sustentáveis na agro- volvimento Urbano Integrado da atos normativos e parcerias, é pos-
pecuária e contribuições para mi- RMC (Caderno Preliminar de Pro- sível construir uma política públi-
tigação e adaptação à mudança postas), processo então conduzido ca mais integradora, de qualidade,
do clima. O plano de ação traz 19 pela EMPLASA, em conjunto com a que atenda aos diferentes anseios
objetivos estratégicos desdobrados AGEMCAMP. A AC foi considerada e que preze pelo desenvolvimento
em metas, ações, indicadores, um uma Área Estratégica de Ação Me- sustentável e qualidade de vida da
detalhamento do que será neces- tropolitana de Conectividade Am- população da região. Espera-se que
sário fazer e, por fim, a atribuição biental (Área Estratégia para Ação essa experiência possa ser amplia-
de responsáveis. Os objetivos fo- Metropolitana de Conectividade da para cada vez mais apresentar
ram desenvolvidos a partir de seis Ambiental), um nível abaixo do soluções para os desafios ambien-
pilares definidos pelos grupos de macrozoneamento metropolitano tais, contribuindo diretamente
trabalho do RECONECTA-RMC. Os (São Paulo, 2018). para endereçar questões sociais e
pilares são: I. Arborização Urbana; (5) Análise de Oportunidades econômicas, assim como ampliar
II. Parques Lineares; III. Corredo- para Investimento em Infraestru- as práticas mais sistêmicas, que fa-
res Ecológicos; IV. Fauna Silvestre tura Natural: a fim de demonstrar voreçam a integração setorial, com
Regional; V. Regulamentação, Fis- oportunidades de algumas ações otimização de esforços e recursos,
calização e Compensação, VI. Arti- prioritárias para implementação resultando em práticas de gestão
culação e Comunicação. da AC-RMC, um estudo específico mais justas e sustentáveis.

43
Figura 2 - Mapa ilustrado da Área de Conectividade, Serviços Ecossistêmicos, Atributos Naturais e Pressões.
Fonte: ICLEI América do Sul, 2019.

Referências interno. Desenvolvimento Urbano Integrado


RMC. https://www.pdui.sp.gov.br/
FORTES, P.A.C.; RIBEIRO, H. Saúde IUCN (2020). Global Standard for Na- rmc/?p=2370
Global em tempos de globalização. ture-based Solutions. A user-friendly
Saude soc. [online]. 2014, vol.23, n.2 framework for the verification, de- Schulterbrandt-Gragg, R.; Anandhi,
[cited 2015-02-23], pp. 366-375. sign and scaling up of NbS. First edi- A.; Jiru, M.; Usher, K.M., 2018. A
tion. Gland, Switzerland: IUCN. Conceptualization of the Urban Foo-
ICLEI, 2021. Plano de Ação para Im- d-Energy-Water Nexus Sustainability
plementação da Área de Conecti- MORAN, E., 2011. Meio ambiente Paradigm: Modeling From Theory to
vidade da Região Metropolitana de e Ciências Sociais. Cap. 5 - Análise Practice. Frontiers in Environmen-
Campinas - Versão Completa. São multiescalar e multitemporal; Cap. 6 tal Science. 6:133. doi: 10.3389/fen-
Paulo, Brasil. - Biocomplexidade nos sistemas eco- vs.2018.00133
lógicos e Cap. 7- Tomada de Decisão
ICLEI; WRI-Brasil, 2020. Produto 2: Ambiental
Contextualização e Análise de Opor-
tunidade e Investimento. Relatório São Paulo (Estado), 2018. Plano de

44
ARTES

Água - um manifesto
para o século 21

Quando olho pela janela da minha sala no assumir o controle de todos os aspectos da
mar de prédios em São Paulo às vezes fica água a fim de obter lucro em benefício pró-
inevitável revisitar na memória o que an- prio.
dei fazendo até pouco antes da pandemia.
Eu me sento de volta ao computador e olho Sempre que faço uma fotografia hoje, penso
para as minhas fotografias. Água é o tema no meu filho. É o legado da memória. Mais
do século, é a história de todas as histórias. do que gerar conteúdo e massa de ideias, fo-
Como fotógrafo, eu dou o testemunho a par- tografar para mim, se tornou um ato de resis-
tir do que vejo, para tentar não me perder tência, uma candeia moral. Uma revolução
no esforço de entender o que está errado: íntima, interior. Neste momento suspenso
o que eu não quero mais para mim. Eis um em que o mundo está unido olhando para
excelente ponto de partida para o ajuste de o futuro, é terrível constatar que água, o elo
rota que desejamos para as gerações futu- mais básico da vida, ainda é uma raridade
ras. A especialista e ativista canadense Mau- para grande parte do planeta. A partir desta
de Barlow, aponta em seu livro Água - Pacto reflexão, iniciei há três anos uma jornada em
Azul, pelo menos três cenários para nossa busca de respostas, sem saber ao certo onde
reflexão: o mundo está ficando sem água eu iria chegar.
doce por desvio, esgotamento ou poluição
das fontes disponíveis; a cada dia, mais pes- No ano de 2019 eu já estava há seis meses via-
soas estão vivendo sem acesso à água limpa; jando para fotografar vidas de famílias que
há um obscuro cartel corporativo capaz de passam dificuldades com consumo de água

45
POR: ÉRICO HILLER

não apropriada. A esta altura do meu proje- Cruzei um trecho caudaloso do rio Jequiti-
to, cheguei ao Vale do Jequitinhonha (MG), nhonha, em Minas Gerais, com meu carro
num momento em que a previsão meteoro- sobre uma balsa. Parecia impossível re-
lógica alimentou o plácito de um período conhecer que justamente a água era um
mais chuvoso, com boas perspectivas para problema por ali. Um pouco mais adiante,
a lavoura, depois de mais de sete anos de es- quando passei por uma fazenda árida na
tiagem. Passou janeiro e fevereiro e nada. comunidade Retiro, entrei na residência de
Em plena estação de chuvas, o que vimos Dona Márcia Lima. Ela começou se descul-
até agora foram apenas duas precipitações pando pela bagunça. Tentei criar um am-
fortes, porém rápidas, que caíram em áreas biente descontraído, mas, em vez de cau-
dispersas e serviram apenas para dar um sos, desta vez pairava uma ansiedade no
breve ânimo aos esperançosos trabalha- ar. Contei que estava ali para entender seus
dores rurais deste vale de cerrado, cheio problemas relacionados à água. Foi então
de grotas e algumas veredas resilientes, no que ela não resistiu e começou a chorar com
nordeste mineiro. Depois de nos mostrar as mãos trêmulas sobre os olhos. “Eu pedi
uma jiboia que tinha acabado de matar, hoje mesmo a Deus que me enviasse anjos,
Dona Márcia se despediu de mim: “Dizem e vocês apareceram!”, disse. “Nós vivemos
que estou ficando louca, mas não estou. nessa miséria. Olha as roupas que estamos
Como se pode viver assim? A coisa que eu usando. Bebemos só a água da chuva e nos
mais quero no mundo são meus filhos perto banhamos num lamaçal”.
de mim… E água!”.

46
Dona Márcia me leva a uma nas- vida no vale mineiro de uma dé-
cente desprotegida, fétida e es- cada para cá, transformando a
verdeada. É a única forma de to- situação em inferno para os que
mar banho, mesmo na época de moram em comunidades mais
chuvas. O caminhão pipa é um afastadas dos grandes municí-
curativo não sustentável à situa- pios. São pequenos grupos ru-
ção – famílias esperam entre 90 rais, famílias dispersas e alguns
e 120 dias para receberem água quilombolas que vivem como
tratada. “Fazemos tudo que po- podem com pouca água e em
demos, não temos recursos. Às constante espera de chuva para
vezes, o que dá para fazer é en- abastecer suas cisternas. São
viar o caminhão pipa uma vez ao regiões como as que visitei de
dia. É uma família de cada vez, Córrego de Narciso, Prata, Cha-
olha o tamanho da lista”, conta o pada do Norte, Palestrina, entre
secretário de obras da cidade de outras. Em locais como esses, os
Almenara (MG), Juraci Botelho, jovens migram para as cidades
com uma pilha enorme de pa- grandes, e os pais, geralmente
péis na mão. com idade avançada, não dão
conta da roça, cuja produção
O clima mais seco bagunçou a mal dá para o consumo próprio.

47
Sem alternativa, precisam fazer começam a acontecer com mais
compras em mercados, gastando frequência. E o período de estia-
o que ganham de aposentadoria gem, também. São tempestades
ou do Bolsa-família, esgotando intercaladas de secas”.
suas economias para ter pelo
menos um café para tomar. O Drama no Himalaia
A senhora Stanzin Iadol me leva
“Estamos observando uma mu- até seu vilarejo natal Shara, não
dança do padrão de comporta- muito longe da cidade de Leh, a
mento da chuva. É indiferente se maior da região. Hoje sua casa
a alteração do clima é antrópica está abandonada e a vila inteira
ou não, o que estamos vivendo foi evacuada por um motivo pri-
hoje é uma nítida aceleração dos mal: acabou a água. Certo dia,
processos de convecção”, disse com o adubo já distribuído sobre
Roberto Kirchhein, hidrogeólo- a terra, os moradores olharam a
go do Serviço Geológico Nacio- geleira secar e a água veio ape-
nal. “A água evapora, circula e nas em miúdos filetes. O maior
volta a chover. Chuvas torren- dos temores se transformara em
ciais que antes tinham um pe- realidade – a água nunca mais
ríodo de retorno mais amplo voltou. Ela me leva até sua antiga

48
casa vazia onde nasceu e vivera anos de felicida- geleiras artificias em encostas sombreadas. Fun-
de e fartura. Foi construída por seu avô há quase cionando como as barragens que vi no Jequiti-
100 anos. Apenas alguns sapatos velhos e utensí- nhonha, as galerias artificiais têm permitido que
lios domésticos empoeiradas restavam no chão. as vilas “estoquem” água o suficiente na forma de
Assim como a água, a saga humana terminou em gelo, driblando o clima enquanto ainda é possível,
Shara e todos se foram. garantindo o mínimo para sobreviver, pelo menos
até que chegue a um contribuinte do rio Indus, o
Essa parte da Índia mais se assemelha a um gran- maior da região. A vida ainda resiste por meio da
de deserto, não fosse o fato de que nos invernos sabedoria.
severos tudo se transforma em uma massa bran-
ca infinita de neve. A contradição é que a mesma Enquanto nas grandes cidades sentimos as ondas
neve que deveria prover água pelo derretimento de calor inclementes e enchentes fora de tempo-
está vindo e indo mais rápido, não garantindo a rada, nas comunidades rurais isoladas mundo afo-
perenidade e, portanto, o controle de sua vazão. ra a menor variação do clima exerce um impacto
O gelo precisaria derreter ao longo das meias es- significativo nos regimes pluviais e hidrológicos.
tações e no verão, deixando o suficiente para as Na prática, isso impõe um regime de adaptações
pessoas e para a lavoura pelo resto do ano. Assim, sem aviso prévio a povos rurais que sempre ten-
muitas soluções que eram eventualmente pratica- taram compreender o mundo natural e viver em
das por antepassados tornaram-se o conhecimen- harmonia com ele, respeitando-o e extraindo o
to vital para a sobrevivência em outras regiões de suficiente para sobreviver e conservar.
Ladakh – uma delas é desviar o curso da água do A lenta morte do Mar Morto
derretimento do gelo para se produzir pequenas

49
50
O encolhimento das bordas do um pouco de água num balde, “Quando acaba, pegamos mes-
Mar Morto é visível a olho nu, ela esfregava o chão com seu fi- mo das piscinas de irrigação.
sendo possível perceber as va- lho. A luz do sol entra pela janela Sim, sabemos que é suja”, dizem,
riações mensalmente, me conta e deixa o final do dia mais quente apontando para uma cratera no
um morador da região. Enormes e mais triste pra mim. Khaldoun meio da areia coberta com um
buracos e erosões no solo sur- fala pouco mas reclama que co- plástico preto para reter água.
gem do dia para a noite – perigos bras começaram a surgir depois Vejo um outro homem se abai-
para pessoas e animais. Casas, que covas de um antigo cemité- xando para bebê-la. O senhor
hotéis e empresas simplesmente rio ao lado de sua casa se trans- Ahmed olha para mim com can-
se mudam ou são engolidas pelo formaram em ninhos. Hoje ela to dos olhos mas não se incomo-
chão. Falta de água e o aumento vive de ajuda de vizinhos, que da com a minha foto. “A situação
da temperatura são a principais doam um pouco de água quando aqui vai muito mal”, ele comen-
preocupações. O rio Jordão é a possível. Resiliente, ela me pa- ta. Conto para Jafar que tenho
principal fonte de água fresca rece ser o retrato da mulher do viajado muito para documentar
para a Jordânia e já foi 4 vezes Oriente Médio: forte e íntegra, famílias que sofrem com a falta
mais volumoso do que é hoje. “O um rosto para representar a hu- d’água e ele me pergunta: “Por
Mar Morto é um lago salgado no- manidade, que, limpando o suor acaso existe algo pior do que isso
tável, cheio de minerais, que tes- dos olhos, me dá uma discreta aqui?”. Silêncio. Minha cabeça
temunhou a herança humana e ideia do que seria viver naque- vai longe, lembro do Brasil, meu
agora encolhe mais de um metro las condições. A vida não é fácil país, mas não consigo deixar de
por ano”, me explica Eshak Al Gu- quando se mora no ponto mais pensar na Etiópia.
zaa, gerente nacional de projetos baixo habitável da Terra.
da organização EcoPeace Middle Os baldes amarelos pela África
East. “As bacias hidrográficas es- Ghor Mazra-a é uma pequena
tão sendo superexploradas, com vila de casas escuras de onde Cruzei a Etiópia de sul a norte
uma taxa de bombeamento que ainda conseguimos ver, ao lon- pela segunda vez para documen-
varia de 150% [da capacidade] ge, uma linha azul do que resta tar as histórias da água no come-
em aqüíferos menores a 210% do Mar Morto. Entrei em uma ço de 2020. A Etiópia é emblemá-
nos grandes. O desafio da mu- casa onde moram 25 pessoas. Os tica para nos ensinar sobre o que
dança climática está patrocinan- simpáticos irmãos Jafar e Amir acontece no mundo – trata-se do
do nosso fracasso na gestão da puxam cadeiras de plástico para segundo país mais populoso da
água.” mim e para o meu tradutor de África e da nação com menos
árabe. Os sorrisos de boas vin- água potável disponível por ha-
Cheguei até o extremo sul do vale das vão mudando para um tom bitante. Pela característica cli-
do Jordão, onde o mar desapare- mais realista depois que toma- mática, geográfica e populacio-
ceu por completo dando espaço mos o tradicional chá vermelho. nal, é na Etiópia onde podemos
a uma planície ardente e salgada. Eles me mostram como guardam ter uma dimensão visual do que
Entrei na casa de Um Khaldoun, a água em galões para beber e é viver com pouco, aproveitando
uma mulher sorridente que tem me contam que o governo dis- apenas o se que tem naquele dia.
11 filhos e estava grávida do 12º. ponibiliza caminhões-pipa duas A água é a agenda diária da gran-
Sua cozinha é anexa ao único ba- vezes por semana. É um estres- de maioria das mulheres e crian-
nheiro que tem na casa, o que se enorme gerenciar água para ças. Para onde quer que olhe-
fazem os cheiros de comida e tudo e para todos. Naquele dia, mos, há alguém com um galão
esgoto se misturarem no ar. Com o tanque de reserva estava vazio. de plástico amarelo nas costas.

51
52
53
A economia etíope é baseada na a 20 litros por vez. Desci junto de água no solo tem o seu valor,
agricultura. Cerca de 86% da po- e testemunhei o martírio diário toda sombra é aproveitada. Onde
pulação é formada por agriculto- de mulheres como Bona Arbane, houver uma grande acácia, tam-
res rurais. A região sul do país é 32 anos, cujos músculos dos bra- bém haverá uma colmeia artifi-
uma amostra do que foi a África ços brilhavam cheios de veias, cial em que as abelhas podem
antiga. As tribos do vale do Omo, num ambiente reluzente como acolher seu mel. Os animais do-
ao sul, isoladas e culturalmente num cenário de teatro – trágico mesticados são respeitados e as
preservadas, são um exemplo de e literário, onde um pequeno ca- pessoas trabalham. Muito. Não
como o homem vivia em com- pítulo de crise hídrica se mani- existe calor ou chuva que tire
promisso com a vida, pratican- festa em silêncio. A subida com os agricultores de sua labuta – é
do a caça e a coleta e, depois, a o galão na mão em uma escada emocionante ver tanta gente tra-
agricultura e a pecuária. Pouco de ferro é uma operação inima- balhando juntas, enquanto há
mudou, mas nos últimos 20 anos ginável, que exige equilíbrio e alguma luz do dia. O campo não
a região foi invadida por uma muita força. Algumas repetem para, os turnos parecem não ter
enxurrada de turistas. Celula- a operação quatro ou cinco ve- fim.
res, carros modernos e redes de zes ao dia. Ao saírem descalças
energia dão um tom interessante do ambiente úmido, o desafio é “Os agricultores de terras altas
para um lugar que obriga o pas- evitar os escorpiões que se acu- da Etiópia dependem de um sis-
sado a coexistir com o futuro. As mulam em volta do buraco da tema alimentado pelas chuvas.
tribos estão se adaptando cada escada – uma delas me mostra Eles confiam nas chuvas bimo-
vez mais às tecnologias e às pos- um que havia acabado de matar. dais que estão por vir. O período
sibilidades trazidas pelo gover- Um pequeno problema leva a ou- mais chuvoso entre julho e agos-
no, por pesquisadores e ONG’s. tro, e toda a cadeia de demandas to é o que traz esperança para
Em algumas comunidades da hídricas cria desafios não ditos deixar as encostas verde claras e
etnia hammar, por exemplo, os que jamais podemos saber. Na fazer com que a colheita mante-
buracos em rios que são cava- caminhada de volta, do alto de nha a família”, explica Lemlem
dos à mão nas épocas secas para uma colina amarelada, pude ver Sissay Fetene, consultora inter-
procurar uma linha barrenta uma estrondosa nuvem com bi- nacional na Divisão de Alimen-
de água para beber, agora estão lhões de gafanhotos – um toque tos e Nutrição do Departamento
dando lugar a cisternas que cap- apocalíptico e inesperado para de Agronegócios da Organização
tam águas de chuvas, a partir de um fim de dia que eu jamais vou das Nações Unidas para o Desen-
grandes terraços que são cons- esquecer. volvimento Industrial (Unido).
truídos em áreas abertas. Eu já “A esparsa chuva da primavera
tinha visto sistemas parecidos O que me comoveu foi testemu- traz apenas o suficiente para ger-
em diversos locais no mundo, in- nhar como as comunidades ru- minar as sementes e obter ciclos
clusive no semi-árido brasileiro. rais vivem das mesmas práticas curtos. As chuvas são cada vez
há incontáveis gerações, trans- mais irregulares, o que torna os
Visitei o vilarejo Bita Gelefa e o ferindo conhecimento de pai agricultores vulneráveis e de-
nível da água estava tão baixo pra filho, no ofício de ler, lidar e safia a sustentabilidade de seus
que as pessoas se revezavam, sobreviver com as regras e desa- meios de subsistência.” A grande
entrando uma de cada vez, em fios da natureza que rege a vida maioria dos agricultores etíopes
uma pequena abertura por uma em meio a planícies e monta- vivem em função da ecologia,
escada até o fundo de um tan- nhas. Nada passa despercebido não trazem nada de fora, como
que de chuva, pegando de dez para os agricultores – cada linha sementes, nutrientes e pestici-

54
das. Também raramente irrigam te em aparente harmonia entre
o solo – deixam que as chuvas seres humanos e natureza. Mas
façam isso. Eles observam a na- algo não me parecia certo – ha-
tureza e fazem as previdências via alguma tensão no ar. Na es-
para atender suas necessidades, tação seca, quando não há uma
mas pequenas variações na tem- bomba para sugar o subsolo, a
peratura média mudam também única alternativa é sair cami-
os hábitos das plantas, bactérias nhando. Eu perguntei onde as
e insetos. Quando a água vem pessoas encontravam água, e al-
em tempestades rápidas existe guém apontava o queixo na dire-
a impressão que há muita água ção do horizonte onde não havia
disponível. No entanto, apenas nada. A crise hídrica é uma pe-
uma pequena parte dela pode quena amostra do que estamos
ser captada – é como se não hou- fazendo com nós mesmos. Trata-
vesse nada. -se de um lento suicídio coletivo.
Alguns dos maiores problemas
No extremo norte da Etiópia, fui que enfrentamos hoje – pobreza,
de carro de Lalibela até Mekele, saúde precária, ausência de edu-
um panorama campesino entre- cação, injustiça social, insegu-
cortado de pães de açúcar com rança alimentar – possuem uma
plantações que sumiam no hori- razão em comum: a água.
zonte repletos de trabalhadores
em diligências puxadas por bois Ao observar os rios Jequitinho-
e uma infinidade de casinhas, nha, Omo e Indus desapare-
ora esculpidas em esterco de cendo no horizonte – seja por
vaca, ora de madeira coloridas. estarem secos ou causando en-
No meio de tudo isso, pequenos chentes – percebi que não enxer-
filetes de água ainda fluíam em go mais a crise hídrica como um
meio a um calor escaldante. Al- alarme para o futuro, mas algo
guns eram apinhados de gente em pleno curso. Em alguma ins-
agachada em volta. As mulheres tância, cada um de nós já deve
com jarros de plástico buscavam tê-la sentido. Estatísticas, desco-
água para as necessidades da bertas e estudos nos dão apenas
casa, para beber e para fazer o uma tímida perspectiva da tra-
prato tradicional etíope, a inge- gédia. Toda essa documentação
ra. Crianças sempre corriam em de histórias da água pelo mundo
volta, sorrindo, brincando, tam- também me leva a constatar que
bém carregando sua cota menor essa é uma saga predominante-
de água, dando uma música ao mente feminina. Assim como
cenário de tirar o fôlego que se Márcia, no Brasil, Stanzin, na
desenhava diante de mim a cada Índia, ou as mulheres hammers
curva. Foram 12 horas dirigindo na Etiópia, muitas outras mundo
e não vi o tempo passar, pois me afora estão sendo as protagonis-
sentia abraçado pelo ambien- tas de uma geração que precisa

55
lidar com as decisões equivo-
cadas de quem não priorizou a
água no passado. Hoje, a ideia
da fonte infinita dá lugar a um
tom mais realista: a água nunca
vai acabar, mas as fontes lim-
pas estarão disponíveis apenas
para os que poderão pagar por
elas. Um drama ecológico que
deve aprofundar as diferenças
entre as pessoas, transforman-
do-o num drama humanitário.
Foi por isso que combinei o viés
histórico, ecológico e geológico
e resolvi olhar através de uma só
perspectiva: a das pessoas que
acordam e já precisam pensar
em como conseguir água todos
os dias. Apenas elas nos darão a
real dimensão dessa crise. Então
em 2020 em plena pandemia eu
entendi que havia chegado o mo-
mento; a hora de trazer toda essa
reflexão em meio ao momento
que vivemos. O meu livro estava
pronto. Na capa apenas uma pa-
lavra, Água.

Fonte:
HILLER, Érico. Água. São Paulo:
Vento Leste, 2020.
http://www.ericohiller.com.br/
home

56
editores
PEDRO ROBERTO JACOBI
Professor Titular Senior do Programa de Pós-Gradu-
LIDIANE ALONSO PAIXÃO DOS ANJOS
Engenheira Florestal (UNESP), Mestra em Ambiente,
QUEM
ação em Ciência Ambiental (IEE) da Universidade
de São Paulo (PROCAM/IEE/USP). Coordenador do
Projeto Temático Fapesp MacroAmb. Editor da re-
Saúde e Sustentabilidade (USP) e Doutoranda em
Planejamento e Gestão do Território pela UFABC. Atua
como Professora de biologia, Pesquisadora do Temá-
FEZ
vista Ambiente e Sociedade. Coordenador do Grupo tico Fapesp Macroamb e Pesquisadora Colaboradora
de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do Instituto
de Estudos Avançados da USP (IEA). Presidente do
Conselho do ICLEI- Governos Locais pela Sustenta-
do Projeto GovernAgua - SARAS Institute - Inter-A-
merican Institute for Global Change Research (IAI).
Participa do Grupo de Pesquisa “Governança, políticas
ESSA
bilidade – América do Sul. Atua na coordenação do
sub-projeto de pesquisa junto ao INCLINE. Coordena-
dor (Brasil) do Projeto GovernAgua - SARAS Insti-
tute - Inter-American Institute for Global Change
públicas e território” da UFABC.

IGOR MATHEUS SANTANA-CHAVES


EDIÇÃO?
Arquiteto e Urbanista, Mestre e Doutorando em Pla-
Research (IAI). nejamento e Gestão do Território pela UFABC. Pesqui-
sador do temático MacroAmb (FAPESP), Pesquisador
LUCIANA TRAVASSOS Colaborador do Projeto GovernAgua - SARAS Institute
Professora adjunta da Universidade Federal do ABC - Inter-American Institute for Global Change Research
(UFABC), no Bacharelado em Planejamento Territo- (IAI), e do Laboratório de Planejamento Territorial
rial e na Pós-gradução em Planejamento e Gestão do (LabPlan) (UFABC/PGT). Também é membro do corpo
território. É arquiteta urbanista e doutora em Ciência editorial da Revista Ambiente & Sociedade.
Ambiental (PROCAM-USP). Trabalha com a relação
entre a produção do espaço e a natureza,  com base ANA LIA DA COSTA LEONEL
na justiça ambiental e foco em dinâmicas territoriais Ciêntista Social (UFSCar), Mestre e Doutoranda em
e políticas públicas. Professora colaboradora do Pro- Planejamento e Gestão do Território pela UFABC com
jeto GovernAgua - SARAS Institute - InterAmerican pesquisa, principalmente, na área de planejamento
Institute for Global Change Research (IAI). ambiental. Associada ao Laboratório de Planejamento
Territorial (LabPlan) (UFABC/PGT), integra os Grupos
de Pesquisa CNPq “Campo do planejamento territo-
rial” e “Território e natureza: planejamento e gestão”.
Pesquisadora do temático MacroAmb (FAPESP).

autores

Ana Paula Bortoleto - Engenheira civil pela Uni- Ana Paula Bortoletto Martins - É pós-doutoranda iniciativa Comunidades Vivas - Mapeamen-
versidade Estadual de Campinas, com mestrado na Faculdade de Saúde Pública da USP, pesqui- to Participativo. Fez pós-doutorado em saúde
e doutorado pela Universidade de Tóquio em sadora do Nupens-USP (Núcleo de Pesquisas ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da
Engenharia Urbana e Ambiental, e livre-do- Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP) Universidade de São Paulo (USP), e é Doutora em
cência em Design pela Universidade de São e consultora técnica do Idec (Instituto Brasileiro Planejamento Ambiental pela COPPE-Universi-
Paulo (FAUUSP). Trabalhou como pesquisadora de Defesa do Consumidor). dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É Mestra
associada no Departamento de Geografia da em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacio-
Universidade de Sheffield (2011, EU FP7 Marie Ângela Cruz Guirao - Formada em Ciências Bio- nal de Pesquisas Espaciais (INPE) e graduada em
Curie Fellowship) e no Instituto Max-­Planck lógicas pela PUC-Campinas (2006), Mestre em Geologia pela Unesp.
para Desenvolvimento Humano (2013, Alexan- Geografia (2010) e Doutora em Ciências, ambos
der von Humboldt Fellowship). Atualmente, é pelo Instituto de Geociências/UNICAMP (2015). Érico Hiller - Nasceu em Belo Horizonte (MG), e
professora doutora do Departamento de Infraes- Ingressou na Prefeitura Municipal de Campinas adotou São Paulo como cidade para residir. Seu
trutura e Ambiente da Faculdade de Engenharia (2008) e está como Diretora da área de planeja- interesse pela arte e pela fotografia despertou
Civil, Arquitetura e Urbanismo; sendo responsá- mento, informação,educação e gestão ambiental desde muito cedo, mas foi durante a Faculdade
vel pela área de gestão de resíduos sólidos. Seus e áreas protegidas na Secretaria Municipal do de Comunicação Social (ESPM) que realmente
principais temas de pesquisa são: prevenção de Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sus- houve uma conexão com a fotografia de maneira
resíduo sólido, comportamento pró-ambiental, tentável desde 2017. mais intensa e definitiva. A vocação natural-
análise de ciclo de vida e gestão integrada de mente se converteu em trajetória profissional.
resíduo sólido. É membro da Marie Curie Alumni Carolina Monteiro de Carvalho - Pesquisadora Desde então, Érico mantém um escritório de pro-
Association (MCAA) Brazil Chapter e do Clube colaboradora no Instituto de Energia e Ambiente dução de projetos documentais. Pelos últimos
Humboldt do Brasil. da Universidade de São Paulo, e consultora em anos, Hiller se dedicou a fotografar histórias de
mapeamento participativo. É idealizadora da pessoas que vivem sem acesso seguro à água e
57
ao saneamento básico para compor o livro Água Nadine Marques Nunes-Galbes - Nutricionista Gestão de Resíduos da Faculdade de Medicina
(2020). Para conhecer mais seus trabalhos, aces- pela Universidade de São Paulo (USP); Especia- da USP.
se ericohiller.com.br. lista em Psicobiologia e Exercício pela Univer-
sidade Federal de São Paulo; Mestra em Ciências Sophia B. N. Picarelli - Gestora Ambiental pelo
Fabiano de Araújo Moreira - Atualmente integra pelo Programa de Nutrição em Saúde Pública Centro Universitário Senac (2005) e Mestre em
o Projeto GLOCULL (Forum Belmont/Fapesp) da Faculdade de Saúde Pública da USP; Douto- Tecnologia Ambiental pelo IPT-SP (2009). Rea-
como pós-doutorando na Faculdade de Saúde randa do Programa de Saúde Pública da mesma liza pesquisa de doutorado focada em Soluções
Pública da USP. É Doutor e Mestre em Geografia instituição; Mentora do Sustentarea - núcleo de baseadas na Natureza e o potencial de adapta-
pela UNICAMP. Atua principalmente nos seguin- extensão universitária da USP sobre alimenta- ção à mudança do clima em cidades brasileiras,
tes temas: Mudanças Climáticas, Adaptação, ção sustentável. pelo Programa de Pós Graduação em Ciência
Sustentabilidade, Meio Ambiente, Nexo água- Ambiental da USP. Possui mais de 15 anos de
-energia-alimentos. Tadeu Fabrício Malheiros - Engenheiro am- experiência na área ambiental. Atualmente é
biental, com doutorado em saúde pública. Tem Gerente de Biodiversidade e Desenvolvimento
Gabriela Marques Di Giulio - É docente do Depto. experiência em avaliação de sustentabilidade, Circular no ICLEI América do Sul.
Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Públi- tendo atuado vários anos na implementação de
ca, USP. Doutora em Ambiente e Sociedade, é projetos de educação para o desenvolvimento Susanne Börner - Pesquisadora no campo da
vice-coordenadora do grupo de pesquisa Meio sustentável. Atualmente é professor associado agência juvenil, (in)segurança de recursos,
ambiente e Sociedade (IEA/USP) e integra o Nú- na Escola de Engenharia de São Carlos da Uni- vulnerabilidade e pesquisa participativa. Ela é
cleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climá- versidade de São Paulo, e assessor na Superin- doutora em ciências políticas pela Universidade
ticas (INCLINE/USP). Suas áreas de interesse tendência de Gestão Ambiental. de Frankfurt, Alemanha, com foco na participa-
incluem: mudanças climáticas; riscos e incer- ção comunitária e na justiça ambiental. Desde
tezas; ciência, comunicação e política; saúde Tereza Campello - É professora visitante da Fa- 2019, ela é pós-doutoranda na Universidade
global e sustentabilidade. culdade de Saúde Pública da USP (Universidade de Birmingham, Reino Unido, e na Universi-
de São Paulo), pesquisadora do Nupens-USP (Nú- dade de São Paulo, Brasil (Marie Curie Global
Leandro Luiz Giatti - Biólogo e doutor em Saúde cleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição Fellowship). Através da pesquisa-ação, ela ex-
Pública. É professor associado na Faculdade de e Saúde da USP) e professora do Programa de plora os saberes e as práticas sociais dos jovens
Saúde Pública/USP, editor adjunto da revista Pós-Graduação em Políticas Públicas em Saúde brasileiros relacionadas ao nexo água-alimen-
Ambiente & Sociedade e pesquisador do grupo da Escola Fiocruz de Governo. É ex-ministra tação-energia e redução do risco de desastres.
Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Es- de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Com interesse em pesquisa aplicada e orientada
tudos Avançados - IEA/USP. Possui experiência ao impacto, tanto na América Latina quanto na
com os temas sustentabilidade e saúde, nexo Sandrine Giancristófaro Gouvêa - Bióloga pela Europa, ela tem como objetivo identificar cami-
água-energia-alimentos, saneamento e promo- UNICAMP (2018), atua no ICLEI América do Sul nhos para integrar o conhecimento dos jovens
ção da saúde. Trabalha com pesquisas partici- na área de biodiversidade, apoiando a gestão nas políticas públicas para um desenvolvimento
pativas para ampliar o diálogo entre academia, pública com estratégias para conservação da urbano sustentável e saudável.
sociedade e tomadores de decisão. biodiversidade e enfrentamento da mudança
do clima. Selecionada em 2020 como ponto fo-
Mateus Henrique Amaral - Mestre em Ciências cal da América Latina pelo UN Major Group for
pela Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP/ Children and Youth para assistir ao UN Food
USP) e pesquisador do projeto temático Macro- Systems Summit, é ativista por sistemas ali-
Amb (Processo FAPESP n.º 15/03804-9). mentares mais resilientes, justos e inclusivos.

Michele Dalla Fontana - Atualmente integra o Simone Omori - Graduada em Bacharelado em


Projeto GLOCULL (Forum Belmont/Fapesp) como Gestão Ambiental pela Escola de Artes, Ciências
pós-doutorando na Faculdade de Saúde Pública e Humanidades (EACH) da USP, Mestre em Saú-
da USP. É Doutor em Planejamento Regional e de Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública
Políticas Públicas e Mestre em Política e Plane- (FSP) da USP e realizou uma pós-graduação em
jamento para Cidades, Meio Ambiente e Paisa- Agricultura Orgânica pela Tokyo University of
gem pela Universidade IUAV de Veneza, Itália. Agriculture no Japão. Já atuou como gestora am-
Atua principalmente nos seguintes temas: Nexo biental, coordenando projetos socioambientais,
água-energia-alimentos, Adaptação à mudança e atualmente presta serviços para uma consul-
climática, Sustentabilidade, Meio Ambiente. toria na área de agricultura é responsável pela
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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 8. O arquivo todo do manuscrito deverá ter o
máximo de 2. Poderá haver excepcionalidades em
casos de utilização de mapas, gráficos e tabelas
1. O tema de cada artigo é sugestão temática essenciais a compreensão do texto.
norteadora por parte dos organizadores para guiar
os autores, podendo ser alterado pelos mesmos. 9. Título do artigo deve ter, no máximo, 15 pala-
vras.
2. O recorte da Macrometrópole paulista pode
tanto ser utilizado de forma sistêmica, como recorte 10. As Palavras-chave, devem ser no mínimo 3 e
geográfico ou mesmo a escolha de uma cidade, uma no máximo 5.
região que esteja inserida dentro da MMP. 11. Elementos gráficos (Tabelas, quadros, gráfi-
3. Entende-se por MMP o conjunto dos 174 cos, figuras, fotos, desenhos e mapas). São permiti-
municípios formados pela soma das regiões metro- dos apenas o total de três elementos ao todo, nume-
politanas de São Paulo, Baixada Santista, Campinas, rados em algarismos arábicos na sequência em que
Vale do Paraíba e Litoral Norte, Sorocabana, além aparecerem no texto.
das Aglomerações Urbanas de Jundiaí e Piracicaba. 12. Imagens coloridas e em preto e branco, digi-
https://www.emplasa.sp.gov.br/MMP talizadas eletronicamente com resolução a partir de
4. O manuscrito deve ser estruturado da se- 300 dpi.
guinte forma: Título, autor e co-autores em ordem 13. As notas de fim de página são de caráter
de relevância para o texto, Palavras-chave, introdu- explicativo e devem ser evitadas. Utilizadas apenas
ção, desenvolvimento do texto, referências. Notas de como exceção, quando estritamente necessárias
rodapé e/ou de fim de página são opcionais e devem para a compreensão do texto e com, no máximo,
ser evitadas ao máximo. três linhas. As notas terão numeração consecutiva,
5. O texto deve ser redigido no idioma portu- em arábicos, na ordem em que aparecem no texto.
guês. 14. Número de Referencias não deve ultrapas-
6. Fonte Arial 11 e espaçamento 1,5 (um e meio) sar cinco.
entre linhas. 15. As citações no corpo do texto e as referên-
7. O texto deverá apresentar as referências ao cias deverão obedecer às normas da ABNT para
final. autores nacionais e Vancouver para autores estran-
geiros.

REALIZAÇÃO

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