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Agricultura Familiar E Desenvolvimento Rural Endógeno:: 1. Introdução
Agricultura Familiar E Desenvolvimento Rural Endógeno:: 1. Introdução
1
Trabalho apresentado no Seminário de Desenvolvimento rural: tendências e desafios contemporâneos, realizado
em 26 e 27 de maio de 2003, pela UFSM, em Santa Maria. Agradeço ao Prof. Dr. José Marcos Froehlich
pelo convite.
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Sociólogo, Mestre e Doutor em Sociologia. Pesquisador do CNPq (Bolsa Produtividade em Pesquisa). Professor
do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS.
O autor registra seus agradecimentos ao CNPq pelo apoio concedido para continuidade de suas pesquisas
sobre a agricultura familiar e o desenvolvimento rural.
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Além desses dois elementos, pode-se destacar um terceiro, que diz respeito à
reorientação dos debates acadêmicos sobre a ruralidade. Surpreendentemente, a partir da
segunda metade da década de 1990 assistiu-se a uma relativa retomada dos estudos agrários e
rurais no Brasil que até então suscitara pouco interesse dos pesquisadores. Voltou-se a falar
não apenas da agricultura e da produção agrícola, mas também do rural lato sensu. Esse novo
cenário permitiu que os estudiosos ampliassem seu escopo temático para além das discussões
acerca dos impasses e das possibilidades da reforma agrária e dos assentamentos, das questões
relacionadas aos impactos do progresso tecnológico ou das migrações. Verifica-se, assim, a
afirmação da temática ambiental e da sustentabilidade e assiste-se ao crescente interesse dos
estudiosos por novos temas, como a agricultura familiar, a conformação dos mercados de
trabalho e a dinâmica ocupacional da população rural.
Esse conjunto de novas temáticas, que passaram a ser objeto de pesquisas, ensejaram
várias mudanças, que vão desde o estímulo ao interesse individual até reorientações de cunho
teórico e epistemológico por parte de alguns investigadores. Contudo, a alteração de mais
longo alcance, ainda não totalmente sedimentada nos meios sociopolíticos e no âmbito
intelectual como um todo, talvez esteja relacionada à insistente afirmação de que não se pode
mais confundir ou interpretar como sinônimos o espaço rural e as atividades produtivas ali
desempenhadas. Embora isso não seja inteiramente novo, recentemente passou a ganhar
projeção e reconhecimento no Brasil o argumento de que a agricultura como atividade
produtiva não deixou de integrar o mundo rural, mas, em algumas regiões, observa-se a
diminuição de sua importância no que concerne à geração de emprego e à ocupação.
Sem desconhecer que a agricultura ocupa um lugar de destaque no espaço rural, cuja
importância varia segundo as regiões e os ecossistemas naturais, não se pode, contudo,
imaginar que ela própria não tenha sido modificada no período recente. Em contextos
internacionais, a dinâmica da própria agricultura no espaço rural vem sendo condicionada e
determinada por outras atividades, passando a ser cada vez mais percebida como uma das
dimensões estabelecidas entre a sociedade e o espaço ou entre o homem e a natureza. Talvez o
exemplo emblemático dessa mudança estrutural seja a emergência e a expansão das unidades
familiares pluriativas, pois não raramente uma parte dos membros das famílias residentes no
meio rural passa a se dedicar a atividades não-agrícolas, praticadas dentro ou fora das
propriedades. Essa forma de organização do trabalho familiar vem sendo denominada
pluriatividade e refere-se a situações sociais em que os indivíduos que compõem uma família
com domicílio rural passam a se dedicar ao exercício de um conjunto variado de atividades
econômicas e produtivas, não necessariamente ligadas à agricultura ou ao cultivo da terra, e
cada vez menos executadas dentro da unidade de produção. Ao contrário do que se poderia
supor, esta não é uma realidade confinada ao espaço rural de países ricos e desenvolvidos.
Uma revisão das principais contribuições teóricas do pensamento social que têm sido
influentes no período recente para abordar os temas relacionados às sociedades rurais e à
agricultura certamente apontaria o marxismo como uma das vertentes analíticas que mais se
dedicou a esses objetos. O predomínio do instrumental analítico marxista é ainda mais
significativo em relação às análises mais específicas sobre a agricultura familiar e as formas
sociais de trabalho vigentes no mundo rural. Entre as hipóteses que justificam essa hegemonia
pode-se apontar, provavelmente, o próprio referencial epistemológico com o qual opera a
teoria social crítica, situado no campo dos aportes holísticos e nomológicos, que privilegiam o
estudo das relações sociais e econômicas, a ação social e/ou os comportamentos e as
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representações dos indivíduos. Já com relação a outros temas, como é o caso dos processos de
difusão e adoção do progresso tecnológico pelos agricultores, a contribuição da Sociologia
Rural de orientação funcionalista (especialmente a norte-americana) certamente registra maior
acúmulo de trabalhos. No entanto, as opções teóricas e metodológicas não devem ser feitas de
acordo com a variação dos temas a serem estudados mas, ao contrário, orientadas pelas
convicções epistemológicas e científicas do investigador.
Seguindo-se aos escritos fundadores de Marx, com a exceção notável das contribuições
de Lênin e Kautsky (esse último escassamente difundido no Ocidente até meados da década de
1960), o debate marxista sobre a agricultura e as relações sociais por ela engendradas
permaneceram circunscritos ao seu papel econômico no interior do processo de
desenvolvimento do capitalismo. Ou seja, a principal questão perseguida pela maioria dos
autores consistia em investigar se a instauração do modo de produção capitalista acarretava ou
não determinadas formas de propriedade (que, assim acreditava-se, seriam necessariamente
semelhantes àquelas estudadas por Marx em relação ao caso inglês) e, em conseqüência, um
certo tipo de estrutura de classes. Por esta razão, entre a década de 1920 e meados dos anos
sessenta, a maior parte dos estudos propriamente sociológicos sobre as sociedades agrárias e o
mundo rural foram realizados por outras tradições teóricas do pensamento social que não o
marxismo, como é o caso, em particular, do estrutural-funcionalismo (Newby, 1987).
Nesse sentido, é sintomático o fato de que, para o marxismo, no período mencionado, a
agricultura e o mundo rural tivessem sido tratados como “questão agrária”, expressão que
rotulou o debate acerca dos rumos e especificidades da penetração do capitalismo na
agricultura, sob o ponto de vista do processo de acumulação de capital e de formação da
estrutura de classes. As relações sociais e as categorias agrárias eram tratadas sob tal enfoque a
partir da perspectiva do desenvolvimento do capitalismo. Embora tenham havido alguns
impasses críticos em relação a certos aspectos dessa tradição, é preciso reconhecer que a
abordagem marxista, ao contrário das outras vertentes sociológicas, teve o mérito de mostrar
como determinadas formas sociais são superadas ou eliminadas, à medida que avança o
processo de divisão social do trabalho na sociedade capitalista e indicar como aparecem novas
categorias em seu lugar que são incorporadas às formas sociais pré-existentes. As ressalvas,
referem-se sobretudo a um evidente grau de reducionismo conceitual, fruto de interpretações
dedutivistas em relação à contribuição original de Marx, que acabou privilegiando
excessivamente os aspectos econômicos das relações sociais do campo, relegando a plano
secundário as demais dimensões que conformam os arranjos societários. Apesar disso,
nenhuma outra tradição teórica do pensamento social foi capaz de produzir interpretações tão
vigorosas e abrangentes sobre o desenvolvimento do capitalismo na agricultura e as
transformações das sociedades rurais e agrárias.
Contudo, a partir de meados da década de 1970, a literatura marxista sobre a agricultura
e o mundo rural ganhou novo impulso e passou a ser difundida nos principais centros
universitários. Essa mudança parece estar fortemente relacionada, naqueles anos, à própria
ascensão acadêmica do marxismo enquanto um método científico de análise do social. Em
razão disso, houve um deslocamento da questão agrária original, tal como enfatizado nas obras
de Marx, Lênin e Kautsky (aqui entendida como uma questão política de acumulação de forças
a favor da luta de classes), para uma reflexão acerca das características e particularidades do
processo de desenvolvimento do capitalismo no campo (Buttel, Larson, Gillespie, 1990). Um
dos principais temas desse debate foi, e em larga medida ainda continua a ser, a reflexão acerca
da estrutura social e das formas da organização produtiva que vigorariam na agricultura
capitalista. Nesse sentido, em razão do amplo predomínio da agricultura familiar na estrutura
agrária dos países desenvolvidos, que se ampliou fortemente a partir do final da Segunda
Guerra Mundial e durante o ciclo expansionário dos “anos dourados” (1945-1973), o debate
4
passou a concentrar-se em torno da persistência das unidades agrícolas baseadas no trabalho da
família3. Por este motivo, quando se opta pelo estudo da agricultura familiar deve-se ter
consciência de que se trata de um tema umbilicalmente arraigado no pensamento social
marxista, embora não seja, evidentemente, de seu domínio exclusivo.
Pela sua complexidade e magnitude, uma revisão abrangente e detalhada da literatura
marxista acerca da agricultura familiar certamente não é tarefa simples. Não cabe aqui um
escrutínio dos erros e acertos do marxismo em relação aos desígnios do desenvolvimento do
capitalismo no campo e tampouco um esforço comparativo de avaliação em relação às
vertentes teóricas concorrentes. Acredita-se que a teoria marxista ainda guarda potencialidades
explicativas quando se pretende discutir o trabalho e suas formas de materialização, quer sejam
familiares ou sociais, em determinados ambientes econômicos e produtivos, como é o caso das
famílias rurais que possuem pequenas propriedades de terra.
Assim, é preciso um esforço de situar a discussão teórica sobre a agricultura familiar no
debate mais amplo sobre a persistência das formas familiares de trabalho e de produção no
interior do capitalismo. A dinâmica socioeconômica destas formas sociais no meio rural
configura-se como uma projeção particular do conjunto das relações de produção e trabalho
que existem e se reproduzem nos marcos de uma sociedade mais ampla onde imperam as
relações sociais de caráter capitalista. O modo pelo qual a forma familiar interage com o
capitalismo pode variar e assumir feições heterogêneas e muito particulares. É bem verdade
que em alguns casos históricos, as formas sociais identificadas com o trabalho familiar
acabaram sucumbindo e foram absorvidas pelo próprio capitalismo. Em outros contextos,
entretanto, a presença do trabalho familiar em unidades produtivas agrícolas pôde desenvolver
relações estáveis e duradouras com as formas sociais e econômicas predominantes como é o
caso, só para dar um exemplo, da integração dos agricultores familiares às empresas
agroindustriais que operam no regime de integração. Em várias situações e contextos as
unidades familiares subsistem com uma relativa autonomia em relação ao capital e vão se
reproduzindo nessas condições. A sua permanência ao longo do tempo não é estática e vai
depender de sua relação com as formas distintas e heterogêneas de estruturação social, cultural
e econômica do capitalismo, em um certo espaço e contexto histórico.
Neste sentido, deve-se abandonar aquelas perspectivas de análise e interpretação que se
baseiam em um raciocínio dualista, tipológico e ordenador da heterogeneidade social e
econômica que caracteriza as formas familiares de produção. Para estas perspectiva, às formas
familiares corresponderiam características como trabalho familiar, resistência à apropriação do
excedente via mercado, propriedade de meios de produção, busca de autonomia etc. Já as
formas capitalistas seriam definidas por assentarem-se em trabalho assalariado, apropriação de
mais-valia, reprodução ampliada, racionalidade dirigida à obtenção de produtividade e
rentabilidade, entre outros aspectos. Dessa classificação derivam qualificações empíricas,
muitas vezes utilizadas para caracterizar os próprios produtores, como a polarização entre
produtor tecnificado ou capitalizado versus os camponeses, pobres ou tradicionais. Segundo
Neves (1995), esse tipo de raciocínio deriva de equívocos metodológicos que reduzem a
compreensão e a análise das formas sociais existentes no campo à mera contraposição de dois
segmentos: um social, caracterizado pelas unidades familiares, e outro, econômico, consagrado
à empresa capitalista.
Para fugir a este tipo de raciocínio e interpretação é necessário elaborar uma outra
compreensão. Como no espaço deste artigo não será possível abordar em profundidade estas
questões, apresentar-se-á um síntese das idéias desenvolvidas em outro trabalho (Schneider,
3
Para um visão histórica da presença da agricultura familiar nos principais países ocidentais, consultar Veiga
(1991), Abramovay (1992), Gervais, Jollivet e Tavernier (1977).
5
2003). A seguir, são indicados alguns elementos que se consideram úteis na elaboração de uma
definição mais abrangente para compreensão da categoria social denominada agricultores
familiares a partir da perspectiva de análise mais geral das formas familiares de organização do
trabalho e da produção existentes no interior da sociedade capitalista contemporânea.
O primeiro elemento diz respeito à forma de uso do trabalho. As unidades familiares
funcionam, predominantemente, com base na utilização da força de trabalho dos membros da
família que, por sua vez, podem contratar, em caráter temporário, outros trabalhadores. No
entanto, a utilização de critérios de quantificação para determinar o limite a partir do qual uma
unidade familiar que usa trabalho contratado deixa de ser considerada como tal constitui-se em
operação heurística que, isoladamente, não é suficiente para se entender e se caracterizar
sociologicamente sua natureza, ou seja, como vivem seus integrantes e por que tomam [AN1] Comentário: Sugiro
suprimir essa afirmação, pois da
determinadas decisões.4 maneira como está dita soa
O segundo elemento refere-se aos obstáculos oferecidos pela natureza, que impedem estranho imaginar quais seriam as
formas que os integrantes de uma
uma eventual correspondência, em essência, entre a atividade produtiva agrícola e industrial. família usam para se reproduzir.
Embora notórios, os avanços científicos e tecnológicos ainda não conseguiram eliminar a “base
natural” sob a qual se assenta a produção de alimentos e fibras, e muito menos subverter os
processos produtivos agrícolas a ponto de suprimir a distinção, em termos de funcionamento,
entre agricultura e indústria.5 De fato, malgrado argumentos contrários, um olhar atento sobre a
produção agrícola é suficiente para convencer o observador de que se trata de uma atividade
ainda muito dependente de fatores naturais como clima, solo, ou equilíbrio dos ecossistemas.
Na agricultura, o tempo de trabalho que se gasta para produzir uma mercadoria, sobretudo nas
situações em que a produção é especializada, não corresponde ao tempo de produção
necessário à sua elaboração. Além disso, é cada vez mais perceptível o apelo que a produção
dita “natural” exerce sobre os consumidores, forjando, inclusive, situações específicas de
mercado para essas mercadorias. Portanto, as barreiras naturais continuam limitando o
desenvolvimento de economias de escala na agricultura, impedindo, assim, uma total
subordinação dos processos produtivos ao interesse do capital e, por isso, operando com base
em relações de trabalho não assalariadas. Não é por acaso que uma parcela majoritária da
produção agroalimentar dos países capitalistas mais desenvolvidos continua nas mãos dos
agricultores familiares.
O terceiro elemento pode ser extraído da teoria social. A tradição marxista sempre
privilegiou o enfoque do desenvolvimento agrário como um processo macrosocial e econômico
sem considerar a resiliência das formas familiares e reconhecer a capacidade de adaptação e
interação dessas categorias sociais com o sistema dominante. Considera-se que este enfoque
precisa sofrer um ajustamento, sendo necessário deslocar seu referencial holística e
nomológico para a compreensão das formas de articulação da agricultura familiar com o
ambiente social e econômico em que estiver inserida. Este ambiente é constituído por um
conjunto de instituições que fornece estímulos e determina os limites e as possibilidades,
exercendo, assim, uma influência decisiva sobre as decisões individuais e familiares. As
relações dos agricultores com o ambiente social e econômico podem ocorrer por meio do
crédito, do financiamento ou de outra forma de apoio institucional – Estado ou ONGs –, e
também pelo acesso a mercados de produtos (compra de insumos e venda de mercadorias,
4
Quando um pesquisador analisa uma situação concreta, tendo como variável a forma de uso da força de trabalho,
e chega a conclusão de que a caracterização de determinadas unidades se dá pelo seu caráter familiar ou
capitalista, ele está, no limite, reproduzindo uma fórmula dualista de pensamento que pouco auxilia a explicação
sociológica. Para o aprofundamento dessa questão, consultar o excelente artigo de Neves (1995).
5
Há uma vasta bibliografia que discute as particularidades ou os obstáculos naturais para a realização da produção
capitalista na agricultura. As posições mais interessantes sobre esse tema foram desenvolvidas por Mann (1990,
cap. 1) e Abramovay (1992, p. 247).
6
relação com a agroindústria etc.), mercado de trabalho (como a possibilidade de obter rendas
em atividades não-agrícolas), acesso e informações e inovações produzidas pelo progresso
tecnológico. Além disso, o ambiente social e econômico também compreende as expectativas
cambiantes e as percepções que as famílias nutrem em relação ao seu futuro e às possibilidades
de desenvolvimento do local em que vivem.
Contudo, o elemento central que patrocina a relativa estabilidade e exerce um papel
regulador entre os diferentes aspectos aqui apresentados é a própria natureza familiar das
unidades agrícolas, que está assentada nas relações de parentesco e de herança existentes entre
seus membros. É no interior da família e do grupo doméstico que se localizam as principais
razões que explicam, ao mesmo tempo, a persistência e a sobrevivência de certas unidades e a
desagregação e o desaparecimento de outras.6 As decisões tomadas pela família e pelo grupo
doméstico ante as condições materiais e o ambiente social e econômico são cruciais e
definidoras das trajetórias e estratégias que viabilizam ou não sua sobrevivência social,
econômica, cultural e moral.
Mesmo que em certos casos as unidades familiares estejam submetidas a determinados
condicionantes externos como, por exemplo, o monopólio de preços ou os diferentes tipos de
mercado (de trabalho, de crédito, de produtos e insumos, entre outros), o fato de estruturarem-
se com base na utilização da força de trabalho de seus membros permite que determinadas
decisões se tornem possíveis, o que muitas vezes um agricultor amplamente inserido na
dinâmica capitalista, contando com a contratação de assalariados, não poderia concretizar ou
sofreria fortes restrições. Isso não significa concordar com a idéia de que essa especificidade
do caráter familiar seja suficiente para explicar por que algumas unidades conseguem
reproduzir-se ou resistir, mesmo em condições adversas.
A reprodução social, econômica, cultural e simbólica das formas familiares dependerá
de um intrincado e complexo jogo pelo qual as unidades familiares se relacionam com o
ambiente e o espaço em que estão inseridas. Nele os indivíduos e a família devem levar em
conta o bem-estar e o progresso de sua unidade de trabalho e moradia e as possibilidades
materiais de alcançar determinados objetivos. Desse modo, a reprodução não é apenas o
resultado de um ato da vontade individual ou do coletivo familiar, e tampouco uma decorrência
das pressões econômicas externas do sistema social. A reprodução é, acima de tudo, o
resultado do processo de intermediação entre os indivíduos-membros com sua família e de
ambos interagindo com o ambiente social em que estão imersos. Nesse processo cabe à família
e a seus membros um papel ativo, pois suas decisões, estratégias e ações podem trazer
resultados benéficos ou desfavoráveis à sua continuidade e reprodução.
Essa perspectiva permite romper com o usual reducionismo classificatório dos estudos
sobre a agricultura familiar, pois nem a categoria trabalho familiar estritamente, nem a
contratação ou não de assalariados, nem tampouco as relações com o mercado servem,
isoladamente, como critérios para definir a natureza de uma determinada forma social. Nesse
sentido, é preciso admitir que determinadas formas sociais se transformam (no sentido de que
se superam), se metamorfoseiam e se reproduzem fora do escopo rígido das leis de valorização
do capital. Trata-se de aceitar a hipótese de que determinadas formas sociais estabelecem
relações com o modo de produção dominante sem que, a priori, elas assumam um caráter
capitalista. A contratação eventual ou regular de assalariados pelas unidades familiares ou sua
inserção em circuitos mercantis, seja pela venda da força de trabalho (via atividades não-
agrícolas), seja pela venda de produtos agrícolas, não autoriza a categorização compulsória
como capitalistas.
7
3. Metamorfoses da Agricultura Familiar no Rio Grande do Sul
A partir dos elementos teóricos delineados pretende-se examinar a dinâmica das formas
familiares de organização do trabalho e da produção presentes no meio rural do Rio Grande do
Sul expressas na categoria social dos agricultores familiares. O grupo social formado pela
agricultura familiar será, portanto, o objeto de interesse desta reflexão sociológica.
Não obstante, quando se busca aproximar os conceitos analíticos e o referencial teórico
das categorias empíricas e dos processos sociais concretos tornam-se necessárias duas
mediações fundamentais. A primeira delas está na necessidade de se reconhecer que os
conceitos e os referenciais analíticos nunca são instâncias abstratas prontas, terminadas e
concluídas, pois nascem a partir de uma formulação original, são burilados ao longo do tempo,
mas sempre ficam na dependência da renovação e atualização em virtude da mutabilidade
constante da base empírica. Daí decorre a necessidade permanente de aperfeiçoamento das
categorias de análise, algo que só pode ser adequadamente realizado através do processo
contínuo de investigação.
Outra mediação necessária refere-se ao recorte espacial e temporal dos objetos e
processos a serem investigados. No caso específico aqui abordado, a agricultura familiar, será
necessário deixar claro que se trata da agricultura familiar do Rio Grande do Sul, cuja origem
social remonta ao processo de ocupação espacial promovido pela colonização com imigrantes
de origem européia iniciada na primeira metade do século XIX, com a chegado dos colonos de
origem alemã, na localidade onde hoje se encontra o município de São Leopoldo, no ano de
1824.
Obedecendo-se a estas demarcações teóricas e conceituais e seguindo-se as
recomendações sobre as mediações necessárias, nesta segunda parte do artigo pretende-se
adiantar algumas noções que consideradas fundamentais para o estudo da agricultura familiar
gaúcha na perspectiva analítica proposta na primeira seção.
Para o estudioso que analisa as formas familiares de trabalho e suas estratégias de
reprodução ao longo da história, a primeira questão que se apresenta para ser respondida
refere-se à comparação entre a configuração atual agricultura familiar (ou dos grupos sociais
assim identificados) em relação àquelas formas sociais que se implantaram no Rio Grande do
Sul através dos processos de colonização. Objetivamente, a indagação é sobre a possibilidade
de se afirmar que o colono de antigamente é o agricultor familiar de hoje em dia7.
Segundo o entendimento que será adotado neste trabalho, embora os grupos sociais
formados pelos assim denominados colonos de ontem e agricultores familiares de hoje sejam
os mesmos, para efeito de sua compreensão teórica e conceitual é preciso distinguí-los e
mostrar que sua existência e reprodução social obedece à características sócio-culturais e à uma
racionalidade econômica que não são análogas. Portanto, vale a pena frisar, em termos
empíricos e do senso comum, os indivíduos e as famílias que se denominam colonos e/ou
agricultores familiares constituem um mesmo grupo social mas, do ponto de vista analítico e
conceitual, eles formam duas categorias distintas.
Embora mantenham semelhanças objetivas entre si como a propriedade de um pequeno
lote de terra, o uso predominante do trabalho da família na consecução das tarefas produtivas, o
acesso à terra mediante a herança, a manutenção de vínculos sociais assentadas em relações de
parentesco entre outras; o traço fundamental que distingue os agricultores familiares dos
colonos assenta-se no caráter dos vínculos mercantis e das relações sociais que estas unidades
6
Essa perspectiva de análise está de acordo com as idéias de Friedmann (1978a, 1978b) e Carneiro (1996).
7
Semelhante questão se coloca na discussão entre campesinato versus agricultura familiar, em que a interrogação
fundamental está na existência ou não de diferenças.
8
passam a estabelecer à medida que se intensifica e se torna mais complexa a sua inserção na
divisão social do trabalho. Ou seja, é o maior envolvimento social, econômico e mercantil que
torna o agricultor familiar, ao mesmo tempo, mais integrado e mais dependente da sociedade
capitalista moderna.
Neste sentido, a análise de situações e processos sociais concretas tentará identificar
como se dá esta diferenciação, mostrando que não ocorre uma ruptura total e a polarização
antagônica entre o colono e o agricultor familiar, mas uma metamorfose, que consiste em uma
transformação com a manutenção de determinados características e a superação de outras. A
tarefa que se impõem ao investigador, nestes termos, é verificar como se deu esta evolução ao
longo do tempo, quais foram os processos que determinaram mudanças e/ou alterações
fundamentais e de que modo os agentes (os indivíduos e as famílias envolvidas) reagiram a
eles. Conforme antes indicado, o objetivo perseguido não será o de formular tipologias e
classificações, mas refletir sobre processos sociais e identificar as estratégias de reprodução
dos agentes buscando perceber como se dá a transformação e a integração de determinada
categoria social específica à dinâmica econômica e societária mais geral.
Como ponto de partida, a abordagem sugerida começará pela análise dos aspectos
sociais, econômicos e culturais que caracterizam o grupo social identificado como colonos, que
se originou do processo de ocupação territorial e assentamento dos imigrantes de origem
européia no Rio Grande do Sul. Os colonos configuram uma determinada formação social que
pode ser caracterizada como um modo de vida (Schneider, 1999; 2002). A noção de modo de
vida, aqui sugerida, inspira-se na idéia originalmente desenvolvida por Antônio Cândido
(1987), em seu clássico estudo sobre os caipiras paulistas, onde indica que o funcionamento de
um determinado grupo social sempre está assentado em uma forma de organização da
produção e uma forma de sociabilidade. O conceito de formas sociais, que podem ser de
trabalho e de produção bem como de sociabilidade, sugerido por Cândido, permite
compreender tanto as relações materiais e as estratégias necessárias para garantir a organização
dos meios de produção como as relações de sociabilidade (parentesco, reciprocidade, etc) e a
cultura de um determinado grupo social. Trata-se, portanto, de um recurso analítico e
interpretativo que pode ser utilizado para descrever e interpretar o funcionamento do modo de
vida dos colonos no Rio Grande do Sul8.
Embora a forma de produção e a forma de sociabilidade estejam intimamente ligadas na
formação deste modo de vida, para efeitos heurísticos acredita-se ser possível abordá-los de
modo desagregado. Na segunda parte deste trabalho será adotado esse procedimento,
conferindo-se maior ênfase aos aspectos econômicos e produtivos com o intuito de demonstrar
como transcorreu o processo lento e gradual de mudança e superação do modo de vida colonial
e, em seu lugar, emergindo a agricultura familiar, tal como definida nas seções anteriores.
Neste sentido, buscar-se-á descrever o processo de evolução e transformação do que se
chamará sistema produtivo colonial (ou seja, uma determinada forma social de organização da
produção e do trabalho), que é entendido como um conjunto de estratégias produtivas e de
manejo dos agroecossistemas que os colonos foram colocando em prática ao longo da história.
O entendimento do processo de evolução e transformação das formas familiares será
baseado em um estudo de caso tomando-se como referência a região da Encosta Superior da
8
Para uma discussão do significado dos conceitos de modo de vida e formas sociais remete-se o leitor a obra de Marx (1986;
Marx e Engels,1986) quando discute as relações ontológicas Homem X Natureza e o processo de socialização pelo labor
como primeiro passo para o surgimento de uma divisão social do trabalho em grupos sociais. Cândido (1987), em sua obra
referencial sobre os caipiras do Rio Bonito e a cultura do cururu, destaca o papel do uso dos meios de vida em sociedade
simples (fatores de produção). Este autor ressalta que a reprodução social dos indivíduos e sua sociabilidade dependem da
existência de uma organização social que possa prover os recursos mínimos vitais, sem os quais a existência social não é
possível.
9
Serra do Nordeste e o município de Veranópolis. Neste tipo de análise a atenção maior recairá
sobre a forma de acesso da terra, o processo produtivo, o uso da força de trabalho, o acesso ao
progresso técnico e ao crédito e as relações com o mercado.
No primeiro item aborda-se a ocupação e a formação do sistema produtivo colonial,
indicando como se deu o processo de assentamento, arroteamento das terras, instauração dos
primeiros cultivos e o frágil acesso aos mercados.
No segundo da discute-se a evolução do sistema produtivo colonial, identificando o
processo de especialização de alguns cultivos e produtos que passaram a ter maior viabilidade
comercial. Em razão disto, o comércio se intensifica e as comunicações com os centros
consumidores se amplia. Em ambas as fases, indica-se que o sistema produtivo estabelecido
permitia aos colonos uma reprodução social semi-autônoma.
A partir da década de 1970, contudo, o sistema produtivo colonial passou a ser
submetido a um conjunto variado de pressões sociais e econômicas que resultaram em um
processo de transformação estrutural que comprometeu várias de suas características originais.
Estas mudanças na forma de produção também afetaram aspectos da cultura e da sociabilidade,
o que acabou transformando e metamorfoseando o próprio modo de vida.
Neste terceiro item, analisa-se as mudanças ocasionadas pela modernização tecnológica
dos processos produtivos agrícolas, procurando demonstrar que a mercantilização crescente da
vida social e econômica dos colonos conduziu à uma integração social e econômica crescente e
uma maior dependência do mercado. Como resultado deste processo, reduziu-se
consideravelmente a autonomia das famílias rurais e as estratégias de reprodução social
tornaram-se cada vez mais subordinadas e dependentes. É neste cenário que surge a
agricultura familiar, que ao ampliar a interação mercantil com o ambiente social e econômico
amplia também suas relações de dependência, o que resulta em um processo de reprodução
social significativamente distinto daquele vivido pelos colonos, porque se torna mais
dependente e subordinado.
Este processo de transformação econômico e produtivo e a metamorfose social que lhe
corresponde, que faz a emergir a agricultura familiar como uma categoria-social síntese,
constitui-se no que será denominado desenvolvimento rural endógeno.
Este primeiro período corresponde a fase de ocupação dos lotes e assentamento dos
colonos. Schmitt (2001), definiu este período como de uma “agricultura de corte e queimada
com comercialização de excedentes”. Parece razoável imaginar que esta caracterização
corresponda ao processo ocorrido, pois há que se considerar que a propriedade definitiva do
lote colonial estava não só condicionada ao pagamento da terra e das despesas com a imigração
pelos colonos, o que obviamente demandava recursos monetários, como também pela
necessidade de justificar sua utilização produtiva. Em face da fertilidade inicial dos solos
recém submetidos à queimada, os novos habitantes não precisavam se preocupar com a
utilização de técnicas de cultivo e manejo que prezassem pelos cuidados ambientais.
Durante a primeira fase da agricultura os colonos cultivavam produtos vegetais como o
milho, a abóbora, amendoim, batata-doce, feijão e mais tarde o trigo. A criação de animais era
ainda muito restrita, limitando-se no geral aos animais de carga. Os principais instrumentos de
trabalho eram basicamente o machado, a serra à mão, o facão, a enxada e a cavadeira. Estes
cultivos e este meios de produção formam o sistema produtivo colonial, cujo principal
propósito era prover a alimentação da família e conseguir pagar as dívidas do assentamento.
Um vez chegado ao lote colonial, a maioria dos colonos começava a desmatar e
desbravar a floresta. Desta atividade inicial resultou inclusive uma outra acessória, de grande
importância para os colonos e para a economia local da região da Encosta Superior da Serra
que eram as serrarias. A exploração da madeira, especialmente a derrubada de araucárias,
assim como o conserto de estradas e a construção de alojamentos para os novos colonos
foram, por isto, uma fonte de recursos não-agrícolas importantes para os italianos recém
chegados, que com isto puderam facilmente saldar suas dívidas de viagem a quitar a compra
do loto colonial. Isto demonstra que a instalação dos colonos na Serra gaúcha ocorreu de forma
integrada aos circuitos mercantis ali existentes ou criados em função do própria processo de
colonização e não de instalação de uma economia de subsistência.
Além das serrarias, que conheceram seu auge na fase de 1890 a 1920, uma vez iniciado
o cultivo agrícola nas propriedades, cujos principais produtos eram o milho, o trigo, a erva-
mate e outros, os colonos logo passaram a demandar outros tipos de serviços fazendo com que
11
as antigas habilidades artesanais dos imigrantes italianos pudessem também ganhar espaço e se
desenvolver. Foi assim que, desde o início da colonização, uma gama variada de
estabelecimentos industriais assumiu um papel de destaque na economia colonial. Tomando-se
exclusivamente o caso de Veranópolis, verifica-se que no ano de 1911, quando foi realizado o
recenseamento, havia um total de 45 moinhos, 30 alambiques, 35 sapatarias, 2 fábricas de
chapéus, 7 fábricas de açúcar e rapadura, 5 cervejarias, 39 ferrarias, 32 carijos,13 curtumes, 6
selarias, 11 alfaiatarias, 7 funilarias, 20 carpintarias para construção de carroças, entre outros
(Farina, 1992, p. 83).
Importante ressaltar que o assentamento dos colonos nas terras da Serra gaúcha dava-se
sob certas condições de ocupação produtiva. Assim, o título definitivo da terra dependia da
quitação integral do lote e das demais dívidas contraídas pelos colonos com a administração
pública. Deveriam ainda ser capazes de comprovar a derrubada da mata após recebido o lote e
fixar residência e cultivar a terra por período de pelo menos um ano. Para saldar estas
exigências muitos colonos apelavam para o trabalho em atividades de prestação de serviços
como a abertura de estradas, a construção de pontes, a instalação de barracões para alojamento
de novos colonos, que representavam quase sempre a única fonte monetária utilizada para
saldar as dívidas.
Estes condicionantes levaram a rápida derrubada das florestas e o início dos cultivos
agrícolas, o que resultou quase sempre em uma agricultura predatória e altamente devastador
das florestas sub-tropicais ali existentes. Além disso, deve-se também destacar que este modelo
produtivo dependia, desde o princípio, da produção de excedentes comercializáveis. Do
contrário, não seria possível ao colono, em prazo estabelecido, quitar suas dívidas e garantir a
propriedade do lote. Em face a isto, os canais de comercialização da produção agrícola da Serra
desenvolveram-se quase concomitantemente à ocupação das terras do planalto, pode-se afirmar
que o sistema produtivo que aí nasce já está inserido nos circuitos mercantis desde o princípio.
A região de colonização italiana da Encosta Superior do Nordeste pôde desenvolver-se
ainda mais intensamente a partir da melhoria dos meios de comunicação que ligavam a Colônia
à Capital. Esta melhora ocorreu no período 1908-1910 mediante a extensão da rede ferroviária
até Caxias do Sul e, já ano de 1919, foi estendido um ramal até Bento Gonçalves (Roche, 1969,
64). Os canais de comércio e escoamento da produção, na verdade, já existiam na região de
colonização alemã, que havia se estabelecido do andar inferior da Serra do Nordeste. Nesta
região, as vias fluviais (rio Caí e rio Taquari) eram navegáveis e representavam um excelente
meio de transporte e acesso a ampla variedades de produtos como sementes e ferramentas de
trabalho, por exemplo. Além disto, já no ano de 1908 a ferrovia alcança as colônias italianas da
Serra ligando-as à Capital Porto Alegre ao sul e ao centro do País pelo norte, o que provoca
uma reorientação econômica em toda a região pois ampliam-se drasticamente os canais para
comercialização dos produtos coloniais9.
A partir da década de 1910 as colônias italianas da Serra gaúcha puderam abandonar
rapidamente o extrativismo vegetal como principal fonte de renda monetária. Deste período em
diante e, sobretudo, no imediato pós-I Guerra Mundial, em 1917, amplia-se a demanda por
produtos alimentares da colônia e a produção agrícola que até então pequena e destinada
exclusivamente para o autoconsumo passa a entrar nos circuitos mercantis. A partir de então o
sistema produtivo colonial assume suas características mais acabadas, o que significa a
manutenção de uma forte autonomia de reprodução social baseada na produção policultora de
subsistência e na venda de excedentes comercializáveis. Estes excedentes passaram a ser o
9
Em 1908 a ferrovia chega a localidade de trinta e cinco (hoje Carlos Barbosa) e em 1918 estende-se um ramal por Bento
Gonçalves que vai até Garibaldi. No final da década de 1970 a ferrovia Porto Alegre-Caxias foi desativada.
12
trigo, o milho e o vinho e, mais tarde, a partir da década de 1920, os derivados de suínos,
sobretudo a banha.
10
Segundo Farina (1992, p.118) em 1928 havia em Veranópolis 9 caminhões da marca Chevrolet, 9 da Ford, 4 da Rugby, 2 da
Fiat, 1 da Dodge e 51 autos.
14
importantes de outras municípios como a Aurora, de Bento Gonçalves, que é fundada em 1931,
a Cooperativa Vinícola Garibalde, de 1939, entre outras11.
Não obstante, nenhum outro aspecto teve impacto tão decisivo na vida dos colonos ,
sobretudo a partir da década de 1940, do que o acesso crescente a renda. A partir deste período,
muitos colonos conheceram melhorias significativa nas suas condições de moradia e nas
instalações da propriedade (galpões, pocilgas, etc). Além disso, cabe ressaltar que o incremento
da renda pessoal favoreceu o processo de monetarização de toda a economia local,
representando um especial estímulo ao comércio e as atividades da indústria local. Na década
de 1950, por exemplo, são criados dois bancos em Veranópolis e o comércio local diversifica-
se de forma acelerada.
Além do comércio e das atividades de prestação de serviços, a economia local também
passa por significativos avanços nos empreendimentos industriais. O que antes não passavam
de pequenos ofícios rurais que combinavam o exercício de alguma atividade artesanal com as
atividades agrícolas, em sua maioria ligados à própria agricultura, como no caso dos moinhos,
atafonas e outros, a partir da década de 1950 passam a se especializar. Um primeiro efeito
desta especialização foi o desaparecimento do caráter pluriativo destes estabelecimentos, que
passam a operar com poucas atividades.
Este processo de especialização das atividades artesanais ocorre a partir de meados da
década de 1950, tornando-se mais intenso no período seguinte. Fundamentalmente o que
ocorre é um processo de reinvestimento local dos capitais acumulados na agricultura ao longo
da década de 1940. Conforme mencionado, dadas as condições de fechamento da fronteira
agrícola e de limitação de expansão da zona pioneira para o norte da região Meridional do
Brasil, acrescidas de um processo de crescimento da especialização produtiva das propriedades
na Encosta Superior da Serra do Nordeste e do incremento de determinadas tecnologias no
processo produtivo agrícola, a alternativa que restava aos colonos era a de encontrar uma nova
forma de ocupação para os filhos mais jovens na própria região ou localidade. A outra
alternativa era modificar os padrões de herança assentados no minorato e dividir a propriedade
entre todos os herdeiros, o que certamente inviabilizaria ainda mais o sistema produtivo
vigente, pois um aumento considerável de pressão antrópica sobre a exploração e o uso do solo
aceleraria a velocidade de exaustão de sua fertilidade. De fato, esta via foi seguida por várias
famílias de colonos, sobretudo aquelas que residiam em áreas rurais mais distantes dos centros
urbanos e proprietárias de terras mas declivosas. Inicia-se aí o processo de diferenciação social
e econômica que irá se aprofundar ao longo da terceira fase do desenvolvimento da agricultura
familiar na região.
Nestas condições, as possibilidades mais promissores para viabilizar a reprodução
social das famílias de colonos apresentavam-se na indústria e no comércio local. No caso de
Veranópolis, a existência destas atividades em bases artesanais de pequeno porte era antiga e o
comércio local desempenhava o papel de centro aglutinador de toda a movimentação mercantil
da região colonial situada em torno do Vale do Rio das Antas. A partir de meados da década de
1950, estas atividades comerciais e industriais passaram a captar os recursos financeiros
gerados pela agricultura colonial, quer seja pela aquisição dos produtos dos colonos na
condição de intermediários, quer seja mediante o empréstimo direto dos capitais, o que muitas
vezes era propriamente um negócio em família devido as relações de parentesco vigentes na
região. Na terceira fase do desenvolvimento este processo assumirá proporções cada vez mais
expressivas até o momento de alterar a estrutura produtiva da economia local, conforme
descreve-se a seguir.
11
Para maiores informações sobre a história do cooperativismo na região consultar Tavares dos Santos (1978, p 116) e Giron
(1980).
15
4.3. Modernização agrícola e mercantilização da agricultura familiar (1960 até 1990)
12
Em Veranópolis, por exemplo, segundo o depoimento colhido na pesquisa de campo, a partir do momento em que as
agroindústrias passaram a atuar com mais intensidade as formas tradicionais de venda e comercialização da produção
agrícola foram superadas. Este foi o caso não apenas das casas de comércio e dos transportadores mas, sobretudo das
cooperativas agrícolas, criadas na fase anterior. Em Veranópolis, no período de 1975 a 1980 desapareceram três dessas
cooperativas: a Cooperativa de Fagundes Varela (até então pertencente a Veranópolis), a Cooperativa de Erva-Mate e a
Cooperativa de Cereais.
18
trata aqui de descrever o processo regional de industrialização, mas enfatizar que foi em
direção às indústria instaladas na região da Encosta Superior da Serra do Nordeste que parcela
expressiva da população rural excedente se deslocou no período entre 1970 e 1990. Mas o que
diferencia o processo ocorrido em Veranópolis de outros, é que ali a expulsão da população
rural pôde ser absorvida na própria região. Ou seja, ao invés de exportar seu excedente
populacional, a região absorveu-o.
De um modo geral, o período de três décadas entre 1960 e 1990, representa a fase em
que o sistema produtivo colonial existente em Veranópolis entrou em crise e passou por uma
transição que o modificou estruturalmente. Esta transição ocorreu nas décadas de 1960-70
através da modernização da base tecnológica, via maior utilização de equipamentos moto-
mecânicos e insumos de origem industrial. Neste modelo produtivo os agricultores ampliaram
a produção para o mercado e se especializaram no cultivo de determinados produtos como a
uva e a fruticultura de clima temperado (maçãs, pêssego, ameixas, etc). A partir dos anos
oitenta, a produção agrícola vai sendo cada vez mais integrada as agroindústrias vinícolas, de
leite, de aves e de suínos, e sua participação relativa vai sendo reduzida na economia do
município, assim como a população rural também vai diminuindo.
13
Devido ao volume impressionante deste comércio e de sua importância decisiva para a economia do município, seria
necessário um aprofundamento posterior deste fenômeno, algo que a disponibilidade de tempo e espaço não permite ser
feito neste trabalho.
14
Além das rendas insatisfatórias, os agricultores entrevistados destacaram a penosidade e a intensidade do trabalho agrícola
como motivo de abandono pelos jovens, pois segundo eles os jovens preferem ter atividades mais leves e com jornadas de
trabalho mais definidas e, sobretudo, não precisar trabalhar nos finais de semana.
15
Em Veranópolis, por exemplo, segundo dados colhidos na pesquisa de campo, existem apenas 85 estabelecimentos
integrados à agroindústria de aves e 13 de suínos, que produziram 925.200 e 4.540 cabeças, respectivamente, no ano de
2000.
21
ofertados pelas indústrias de materiais esportivos e de calçados. Este processo teve início em
meados dos anos oitenta e sofreu um incremento significativo durante a década de 1990.
De certo modo, ocorre um ressurgimento da pluriatividade, no sentido de que ela pode
ser entendida como a combinação de múltiplas atividades, prática comum desde a chegada dos
imigrantes italianos, conforme descrito acima. Mas a pluriatividade atual da agricultura
familiar parece ser mesmo uma decorrência da própria evolução do processo de
mercantilização da vida social e econômica que, neste caso, chega ao mercado de força de
trabalho. Ao invés das propriedades venderem mercadorias agrícolas elas passam a vender a
própria força de trabalho de alguns de seus membros integrantes, sem que isto implique em
abrir mão da propriedade. Portanto, em um contexto de ampliação da divisão social do trabalho
e de mercantilização crescente das relações sociais a pluriatividade pode ser entendida como
um estratégia individual e familiar de reprodução.
Além da pluriatividade, o espaço rural de Veranópolis e da região passou a contar
recentemente com outras vantagens e potencialidades para o desenvolvimento não apenas da
agricultura familiar mas da encomia local como um todo. A partir da década de 1990,
Veranópolis passou a se beneficiar de um conjunto de novas demandas sobre o espaço rural
que até então eram muito incipientes e quase inexploradas comercialmente. Entre estas
demandas está a exploração da pedra de basalto (neste caso em município vizinhos como Vila
Flores, Paraí, Nova Prata e outros) e as olarias (produção de tijolos), atividades que são
realizadas pelos próprios agricultores em suas propriedades, eventualmente contratando algum
empregado temporário. Mas as demandas recentes mais expressivas sobre o espaço rural estão
relacionadas as potencialidades ligadas aos aspectos ambientais (trata-se de um região de serra
com clima temperado dotada de vários atrativos naturais como quedas d’água, etc) e histórico-
culturais (a gastronomia, o artesanato, entre outros), tornando a cidade e a região um pólo de
atração de turistas. Muitos destes turistas não são sequer estranhos, pois nasceram nas
localidades rurais da região e estão a retornar para elas na condição de aposentados em busca
de tranqüilidade, sossego e qualidade de vida16.
16
Outro estímulo a este retorno ao meio rural é o fato de que o preço das terras é relativamente acessível, estimando-se em
torno de R$ 1.000,00 o hectare. Além disto, o meio rural também conta com enrgia elétrica em todo município e um total de
235 telefones fixos (na média de 3,7 famílias por telefone) O preço atraente, a facilidade das vias de acesso e a proximidade
com os centros urbanos fazem com que muitos moradores das cidades tenham sítios de lazer (chácaras) ou apenas uma
“residência secundária” (casa de campo) no meio rural.
22
de 1970, os problemas de ordem social, econômica, ambiental e cultural que começaram a
aparecer a partir de meados da década de 1980 talvez não pudessem ter sido minimizados e
absorvidos pela dinâmica do mercado de trabalho não-agrícola. Foi em função da articulação
histórica entre a agricultura com as outras atividades econômicas (artesanato, comércio e
pequenos ofícios industriais) que o excedente populacional produzido pelas transformações
estruturais da agricultura familiar pôde ser assimilado pelo mercado de trabalho local.
Este processo se reforçou a partir de meados da década de 1970 e, especialmente, na
década de 1980, quando novas indústrias se instalam e a industrialização de Veranópolis se
consolida. Deste modo, a estrutura econômica e produtiva local passou a oferecer as condições
para que determinados setores de atividades econômicas não-agrícolas, até então
“adormecidos” ou em estado de latência, pudessem emergir e absorver o excedente de mão-de-
obra que continuava a ser transferido do setor agrícola.
O resultado da análise do processo de evolução da agricultura familiar na região da
Encosta Superior da Serra do Nordeste demonstra que historicamente ela estava
interrelacionada com outras atividades econômicas. Por isso não basta fazer uma análise da
agricultura mas do processo mais geral de desenvolvimento endógeno da economia local.
Neste sentido, o caso analisado vai de encontro aquilo que Abramovay (2003) vêm
indicando como condições virtuosas e dotadas de determinadas prerrogativas que permitem
uma interelação positiva entre as cidades e os espaços urbanos com o meio rural existente em
seu entorno. Inspirando-se na contribuição de Jacobs (1986), Abramovay destaca a
possibilidade que esta interelação permita que a população rural tire proveito do dinamismo
que as cidades tendem a propagar ao seu redor (2003)17. A idéia central, segundo o autor, “é
que o território, mais que simples base física para as relações entre indivíduos e empresas,
possui um tecido social, uma organização complexa de laços que vão além de seus atributos
naturais, dos custos de transportes e de comunicações. Um território representa uma trama de
relações com raízes históricas, configurações políticas e identidades que desempenham um
papel pouco conhecido no próprio desenvolvimento econômico” (Abramovay, Gazeta
Mercantil, 12 de abril de 2001, página A3).
Por fim, resta uma indagação acerca das possibilidades de reaplicação deste processo de
desenvolvimento rural em outros contextos. Embora o estudo de Veranópolis possa trazer
lições interessantes sobre a natureza e as especificidades históricas de um processo de
desenvolvimento rural endógeno, é preciso não esquecer que o caso estudado não funciona
como um espaço hermético sem relação com o ambiente externo. Ou seja, a natureza endógena
e territorial do processo analisado não significa que o espaço local de Veranópolis opere de
forma isolada em relação ao sistema econômico geral. O que se pretendeu demonstrar é que o
modelo de funcionamento da economia local de Veranópolis e da microrregião da Encosta
Superior da Serra do Nordeste opera com alto poder de regulação endógena e capacidade de
inovação. Para exemplificar esta compreensão pode-se citar as diferentes formas de
relacionamento dos agricultores familiares com os mercados compradores como as
agroindústrias, o comércio de atacado e varejo feito pelos fruteiros, etc. Além disto,
importantes atores econômicos locais, que tiveram um papel decisivo na disversificação das
oportunidades ocupacionais da força de trabalho, como as empresas de material esportivo e
calçados, estão plenamente inseridas aos circuitos mercantis nacionais e mesmo estrangeiros.
17
Segundo Abramovay “este dinamismo é próprio a cidades que se convertem em centros regionais, como mostra Jacobs
(1986) e não àquelas que podem ser encaradas como "enclaves". E é justamente este potencial de irradiação regional que
está presente em grande quantidade de cidades médias brasileiras”.
23
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