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A dona de casa no espaço parisiense no século XIX

A autora inicia o capitulo afirmando que a dona de casa nas classes populares urbanas do século
XIX, é um personagem maior e majoritário. O modo de vida popular pressupõe a mulher “em casa”,
o que necessariamente não significa absolutamente “no interior do lar". Há uma forte resistência da
classe operária ao trabalho externo das mulheres casadas, sobretudo nas cidades, que não são
necessariamente industriais. Por que a autora fala que a mulher é um personagem maior? Porque a
dona de casa de fato tem muitos poderes, de natureza diferente dos homens, passando por redes de
sociabilidade informal onde justamente o espaço tem grande participação.
A dona de casa está investida de todos os tipos de função. Primeiramente, dar à luz e criar filhos que
leva consigo e, a partir do momento em que sabem andar, acompanham-na por toda parte. Segunda
função: a manutenção da família, os “trabalhos domésticos", expressão que tem um sentido muito
amplo, incluindo a alimentação, o aquecimento, a conservação da casa e da roupa, o transporte de
água etc. Tudo isso representa idas e vindas, tempo, trabalho considerável. A sociedade do século
XIX não poderia crescer e se reproduzir sem esse trabalho não contabilizado, não remunerado da
dona de casa. Finalmente, ela se esforça em trazer à família recursos monetários, marginais em
períodos normais, às vezes com um destino especial (complemento para os pequenos gostos,
diversões ou melhorias no alojamento. . .), vitais em caso de crise, que sempre acarreta um aumento
da atividade feminina, já que é preciso compensar o salário instável do pai de família. Esse “salário
de trocados" provem essencialmente de atividades no setor de serviços: faxina, lavagem de roupas,
entregas e também o pequeno comércio das mulheres com bancas ou das vendedoras a domicílio de
artigos variados. Contra tudo e contra todos, a dona de casa tenta manter esse papel monetário:
trazer dinheiro para o lar.
A maioria dessas tarefas implica deslocamentos. A dona de casa de alguma forma se desdobra m
cidade do século XIX. É claro que o que vale para a mulher do povo não vale para a burguesa. Em
nível as classes, os usos sociais da cidade se diferenciam muito duramente. As mulheres burguesas
têm um modo de circulação muito mais rígido, uma relação interior/exterior muito regulada.

A cidade: um espaço sexuado

A sociedade dita “tradicional" tinha elaborado uma estruturação bastante acentuada dos espaços
masculinos e feminino, correspondendo de maneira sutil, às tarefas e representações ligadas a cada
sexo.
O forte impulso urbano dos anos 1760-1830, o afluxo dos migrantes, o desequilíbrio dos sexos
(homens em quantidade, menos mulheres, o que aumenta a disparidade) embaralham os esquemas
da sociedade rural, apesar de não serem esquecidos. Seja como for, parece ter havido nessas cidades
populosas um período de fusão, de relativa incertezas, as fronteiras sociais sexuais estão mais
indefinidas.
Os locais mistos, e a indiferenciação do público e do privado caracterizam ouso da cidade, onde as
mulheres fazem parte integrante, assim, a dona de casa circula por tudo, instala-se em qualquer
lugar.
Com efeito, um dos meios de conseguir recursos para as pessoas do povo é se fazer de camelô:
alguém se apropria de um trecho de rua, estendendo, por exemplo, um pano, e expõe objetos à
venda - produtos artesanais, mercadorias compradas e baixo preço, que alguns diziam que eram
roubadas, no mercado, coisas pessoais, entre outros. As mulheres aí se sobressaem, os pequenos
ofícios, os pequenos comércios.
A segregação sexual do espaço é relativamente pouco marcada. A autora cita uma descrição da
época de Sébastian Mercier, na qual ele descreve uma taverna onde as pessoas se reúnem. Essas
reuniões de artesãos são, no mais das vezes, festas de família. Ali tudo é público. O pai, a mãe, os
filhos se reúnem para comer e beber no meio de muitas outras famílias. O vinho corre à vontade,
bebe-se, ri-se, canta-se embebeda-se, mas a mulher, geralmente para exatamente no grau de lucidez
de que precisa para levar de volta o marido, não o força porém a deixar a mesa, a não ser quando o
dinheiro se esgota.
Essa mistura dos sexos nos prazeres também se encontra em certos trabalhos, por exemplo nos
canteiros de trabalhou público. Depois de Revolução de 1830, o governo de Luís Filipe abre
canteiros de terraplanagem para dar trabalho aos desempregados. As mulheres vão até lá
acompanhada pelos filhos: elas manejam a pá, a enxada, trabalham. Até que o governo toma uma
resolução dizendo que só os homens serão admitidos àquele trabalho.
Nas ruas, as mulheres sabem se manifestar. Elas conduzem os motins por alimentos, principalmente
ligados a escassez do pão, muito frequente principalmente por volta de 1848. Elas que não as
administradoras do lar, as guardiãs do orçamento. Se associam aos homens durante a jornadas
revolucionárias que pontilham o século. Já em 1848 elas são mais tímidas: zombam das Vesuvianas,
ou milícia feminina. Em 1871, elas ajudam como cantineiras ou atendentes de ambulância. As que
querem lutar vestem-se de homem.
A distinção entre público e privado implica uma segregação sexual crescente do espaço. Uma das
suas chaves talvez seja a definição do espaço público como espaço político reservado aos homens.
A burguesia daquela época exclui da política os operários e as mulheres. E os operários, quando
reivindicam o acesso à esfera política reproduzem o modelo burguês, excluindo as mulheres.
No final do século XVIII e início do século XIX, os homens e mulheres ainda se reuniam nos pubs
e tavernas, cantando, reivindicando, preparando as manifestações, porém aos poucos, a presença das
mulheres se torna marginal, inabitual. Para elas, fica cada vez mais difícil tomar a palavra: elas têm
de passar pelo intermédio de um homem, e depois, a partir de 1840 e do cartismo, desaparecem
totalmente, e o pub e as tavernas inglesas se tornam lugares exclusivamente masculino.
As classes dominantes, principalmente as autoridades urbanas (administradores do Sena, delegados
de polícia), denunciam cada vez mais essa confusão tão vergonhosa para as transações econômicas
e a ordem pública. Bufões, músicos ambulantes, camelôs são foco na batalha pela ordem na rua.
A circulação das coisas e das pessoas é cada vez mais regulada. De modo geral, a vagabundagem
regride. Ela se torna quase inacessível às mulheres. As teorias antropológicas da segunda metade do
século XIX, além disso, desenvolvem o tema da mulher sedentária, civilizadora, conservadora, em
oposição ao homem nômade. Guerreiro, caçador, predador, mas também descobridor e criador.
Paralelamente a esse retraimento da mulher, desenvolve-se uma ampliação de imagens. A mulher
enfeita a cidade, como enfeita a casa, as igrejas (culto de Virgem Maria). Visualmente, a mulher está
tanto mais presente quanto existe a tendência de limitar seu papel e sua presença por outras vias. Na
idade do século XIX, a mulher é o espetáculo do homem.

Espaços femininos

A mulher do povo continua muito presente na cidade de século XIX. De forma alguma presa no
interior do lar, já que ele praticamente não existe no que se refere a ela. As moradias da época eram
extremamente pequenas e entulhadas, mal chega a ser um interior, sim um ponto de reunião.
A cidade aos poucos se quadricula em espaços masculinos, femininos e mistos. Estes podem ser
espontâneos ou organizados. O exemplo mais comum do local de encontro organizado era o bordel.
Outro exemplo era o baile, um ponto alto da sociabilidade popular, burguesa, aristocrática do século
XIX.
O baile era considerado um lugar de aculturação à cidade e de encontro entre os sexos, um local de
busca e desejo, carregado de desafio, de paixão que muitas vezes geram rixas e explosões de
brutalidade. Nos bairros populares, as saídas de baile são momentos de temida violência.
Nos meios populares, mulher é o "ministro das finanças” da família. Ela gere o pagamento que seu
marido lhe entrega, não sem conflito: o pagamento é momento de tensão nos bairros, as donas de
casa temem que ele seja desfalcado pela taverna. Ao mesmo tempo que se trata de uma conquista
feminina, é também uma carga pesada: com a soma que lhe é confiada, a mulher tem de alimentar a
família, ela é responsável pela sua subsistência. Daí um sentimento de culpa se não o consegue e o
fato, muitas vezes assinalado, de se privar em tempos de penúria.
A função comercial da mulher é oposta a tendência a do século XIX tende a limitar, a especificar os
locais de comércio, a construir mercados cobertos, a fazer com que os comerciantes e as mulheres
entrem em lugares fechados, a mulher prefere vender por toda parte, ao ar livre.
Aos poucos, esse movimento de troca entra nas lojas: as bancas desaparecem. Essas lojas se tornam
um grande local de encontro das mulheres.
Os grandes magazines eram considerados local de mulheres, no início, o pessoal de serviço é
masculino, a clientela é feminina. Quando o pessoal se feminiliza (muito disso deve-se a greve dos
empregados de 1869, onde os vendedores se mostram muito resistentes). Sob o ângulo do consumo,
o grande magazine desempenha um papel motor nas necessidades e gostos, e mesmo na educação
da limpeza (a obsessão pelo branco, enfatizada pelas exposições de artigos brancos). E um ponto
alto de delinquência feminina; o roubo em grandes magazines.
Outros pontos de convergência das mulheres: os equipamentos coletivos - hospitais, igrejas,
creches, escolas, cemitérios - porque correspondem a tarefas femininas. Maternas: as mulheres
levam os filhos a creche ou à escola. De atendimento: elas vão visitar os doentes no hospital.

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