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WELLINGTON DO ROSÁRIO DE OLIVEIRA

COMÉRCIO IMORAL E A ATUAÇÃO DE AGENTES PROXENETAS DO


ZWI-MIGDAL NO CENÁRIO CURITIBANO (1930-1939)

Dissertação em andamento apresentado ao Programa


de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Paraná – UFPR, como requisito para a
titulação de Mestrado. Professor orientador, Clóvis
Gruner.

Linha de pesquisa:
Arte, Memória e Narrativa

CURITIBA – PR
2020
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................03

CAPÍTULO 1 – Nos caminhos de Buenos Aires...........................................................20

1.1 -Percorrendo as trilhas do torpe comércio das "escravas brancas” ............................20


1.2 – Liga das Nações.......................................................................................................25
1.3 - Tecendo as máscaras que regem a criminalidade.................................................... 27
1.4 - Trilogia do Tráfico de Escravas Brancas..................................................................34
1.5 - Raquel Liberman......................................................................................................38
1.6 - Uma perspectiva transacional do crime....................................................................43
1.7 Circulação e identificação..........................................................................................48

CAPÍTULO 2 - Mulheres, prostituição e criminalidade; das fábulas às narrativas


de crimes em Curitiba......... ..........................................................................................58

2.1 - O corpo feminino como instrumento discursivo......................................................58

2.2 - Entre gravetos e fagulhas; representações da mulher curitibana..............................66

2.3 - Dos crimes contra a honra; impressões e práticas da prostituição de menores........70

2.4 - Dos crimes contra a vida; prostituição por morte voluntária: o assassinato de si
mesmo..............................................................................................................................80

2.5 - Segredos desvelados, crimes passionais.................................................................. 85

3 CAPÍTULO 3 - Evocando Sherlock Holmes: apontamentos em torno da


“policiologia” ............................................................................................................... 92

3.1 Estudos de polícia no Brasil nas décadas iniciais do século XX.............................. 92

3.2 - Apontamentos em torno de uma topografia dos “bas-fonds” curitibanos..............102

3.3 - Curitiba, uma cidade “despoliciada” .....................................................................114

4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................130

5- FONTES...................................................................................................................133

6- GLOSSÁRIO...........................................................................................................134
Introdução

Como um estudo que tem como base uma “matriz” presente no âmbito da História
das mulheres, em especial sobre a prostituição, e consequentemente, o tráfico de mulheres
no limiar do século XX no Brasil, trazer essas discussões para uma cidade como a Curitiba
dos anos de 1930, requer uma série de analises e discussões que foram sendo incorporadas
ao longo deste trabalho. Para sustentar essa discussão, os estudos de gênero, que surgiram
em meados dos anos 1980, a partir de feministas americanas que queriam compreender e
intervir na qualidade fundamentalmente social das diferenças baseadas na sexualidade.
Com o uso desta terminologia, o que se pretendia, inicialmente, era reforçar a rejeição do
determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”.
Desta forma, os estudos de gênero sublinhavam também o aspecto relacional das
definições normativas de feminilidade. Para essas autoras, o fato de a produção dos
estudos feministas estar centrada nas mulheres, estreia e isoladamente, comprometia suas
possibilidades analíticas. A proposta de uso do termo “gênero” permitiria, segundo elas,
introduzir uma noção relacional no vocabulário analítico e, ao mesmo tempo, reconhecer
a amplitude dos papeis sexuais e do simbolismo sexual nas sociedades, evidenciando suas
repercussões sobre as mulheres e os homens. Um breve balanço sobre a contribuição dos
estudos de gênero pode ser resumido na transformação dos paradigmas através dos quais
as mulheres eram concebidas nas diversas disciplinas, o que confere visibilidade tanto a
vivência pessoal e subjetiva, como também as atividades públicas e políticas no que
concerne a essas mulheres.

No entanto, os estudos de gênero, em qualquer disciplina, contribuem para


recorrer as concepções no âmbito da criminalidade e até mesmo na forma como a justiça
contemplava os sujeitos com base na lei. Vem daí a razão pela qual as desigualdades de
gênero precisam ser estudadas, também, a partir das categorias de análise como violência
de gênero e das denominações de poder. Tal abordagem permite uma reflexão sobre o
corpo a partir de uma abordagem complexa, com o objetivo de construir uma
compreensão jurídica e policial sobre o corpo no âmbito das práticas policiais, que nos
propicia uma visão de análise e reflexão sobre os diferentes modelos de políticas sociais
e públicas, particularmente com relação a insubmissão de mulheres que estiveram à
margem dos padrões de moralidade.
permutar=trocar
Isso nos leva a permutar o gênero como uma categoria útil para análise histórica,
conforme SCOTT1, considerando admitir que essas experiências são produzidas pelos
sujeitos em contextos socioculturais e históricos específicos, e não devem ser
naturalizadas. É preciso analisar a natureza discursiva da experiência e sua reconstrução
política. Nesse sentido, a interlocução com os sujeitos da pesquisa permitiu considerar o
modo como as pessoas falavam de si no contexto das transformações sociais que ilustram
o período republicano brasileiro, a partir de crônicas e análises de processos judiciais,
entendendo que não falavam apenas de si nem somente para outrem, mas também para
si, como um modo de constituir tanto suas experiencias quanto a si mesmos. Nas análises,
buscou-se produzir um conhecimento que conjugasse as dimensões coletivas e individual
de tais experiências, como proposto por Scott.

Sujeitos são constituídos discursivamente, a experiencia é um evento


linguístico (não acontece fora de significados estabelecidos), mas não está
confinada a uma ordem fixa de significados. Já que o discurso é, por definição,
compartilho, a experiencia é coletiva assim como individual. A experiência é
uma história do sujeito. A linguagem é o local onde a história e encenada2.

Em uma análise global, foram evidenciados aspectos interligados e, ao mesmo


tempo, contraditórios na concepção do feminino e masculino, apontando as relações de
poder presentes no processo de iniciação sexual dos adolescentes. A compreensão das
relações de poder é fundamental na discussão acerca da sexualidade. Partindo dessa
concepção, há um exercício produtivo das relações sociais que questiona a existência de
um poder único, hegemônico, externalizado como repressão, associado, muitas vezes, a
classes sociais, relações de gênero e ao Estado, segundo Foucault 3. Inúmeras situações
retratadas pelo coletivo social, e nesse caso, de sujeitos marginalizados, retrataram as
relações de poder no cotidiano vivido, apresentando poucas reações ou resistências a elas.
Essas questões evidenciam formas específicas de poder e reforçam papeis assumidos por
homens e mulheres em diferentes situações, repercutindo na formação de uma
subjetividade desses sujeitos históricos, como implicado na representação de mulheres
prostitutas. As análises dessas relações identificam o significado atribuído ao masculino
e ao feminino para compreender as consequências dentro de práticas sociais concretas,
como os métodos coercitivos e descritivos de autoridades policiais, médicas e psiquiatras
do século XIX e XX.

1
SCOTT, Joan. 2008.
2
SCOTT, Joan. Ibidem.
3
FOUCAULT, Michel, 2005.
Ao trabalharmos como substantivo feminino de “mulheres”, é possível identificar
que o termo foi, e ainda continua sendo, empregado com um sentido pejorativo, associada
a histerismo, mulher da vida, mulher perigosa, e de certa forma, com adjetivos carnais.
São poucas as palavras relacionadas à mulher que não usam essas conotações. O próprio
verbete de “mulher” já é apresentado no dicionário de forma especial. Segundo o
consagrado Aurélio Buarque de Holanda, mulher é: “1. pessoa do sexo feminino, após a
puberdade; 2. esposa”. Em seguida a definição, vem as composições usualmente feitas
com a palavra “à toa”, “da comédia”, “da rua”, “da vida”, “da zona”, “da rótula”, do
“fado”, “errada”, “perdida’, dentre outras, todas sinônimos de meretriz. Na mera
observação da linguagem, pode ser revelada muito mais sobre a desigualdade e assimetria
na relação homem/mulher do que todas as histórias de horror e violência que se possam
compilar. Sendo assim, há uma série de evidencias de que a língua portuguesa não é um
código neutro na designação do mundo masculino e feminino. No seu uso cotidiano, a
mulher é inferiorizada, discriminada, tornando-a invisível, desqualificada para o campo
de trabalho e é inserida nas premissas de uma cultura centrada no domínio masculino.

Como num passe de linguagem, o feminino desparece na concordância de


pronomes indefinidos ou na designação de formas genéricas. Nesse sentido, as expressões
de linguagem de duplo valor da moral sexual da sociedade do início do século XX, era
permissiva para o homem e restritiva para a mulher. Na língua portuguesa, não há
equivalentes masculinos para palavras ou expressões que denotam adjetivos que
expressam uma conduta ilícita associada as mulheres, tais como meretriz, piranha, mulher
da rua, sem vergonha, mulher da vida fácil, mulher de cama, puta ou prostituta. Até
mesmo no Código Penal de 1890, que nos interessa para o desenvolvimento desta
pesquisa, as mulheres são associadas à fragilidade, a delicadeza e o seu avesso acabam
regredindo na figura da mulher da vida, mulher prostituta. Nas leis, as prostitutas eram
inferiorizadas por serem mulheres públicas, e recebiam penas maiores em casos de
desordem, mas na contramão, os agressores dessas mulheres prostitutas, em casos de
conflitos com armas de fogo ou armas brancas, além de crimes sexuais, recebiam penas
reduzidas caso fosse comprovado a condição social da vítima, de mulher prostituta.

O corpo, pelo menos na nossa sociedade ocidental, é um dos objetos privilegiados


para pensar o exercício da dominação masculina. Nesse sentido, estudos recentes sobre o
processo de trabalho como Braverman, das escolas, prisões e direito penal por Foucault,
da medicina por Illitch, da psicanalise por Freud, Deleuze, Laing, da sociedade de
consumo e de rendimento por Marcuse, Lasch, ou sobre o corpo face à consciência
Nietszche, Merleau-Ponty, deixam patente a presença de ideologia e de práticas sociais
destinadas a confinar o corpo à região das coisas controláveis e manipuláveis. De fato,
essa dominação masculina sobre os corpos femininos apresenta um dos fatores
primordiais para compreender o desenvolvimento do crime de lenocínio na historiografia
recente sobre a prostituição nas Américas, considerada por muitos historiadores e
pesquisadores como o “auge” da história da prostituição recente no ocidente.

Posto pela filosofia e pela ciência como um conjunto impessoal e mecânico de


automatismos entre partes e funções, posto pelo direito como propriedade privada
alienável num contrato, que pode ser de trabalho ou de casamento, posto pela economia
como força de trabalho e força produtiva, posto pela psicanalise como sujeito-objetivo de
desejo e de uma libido infinita a ser “civilizada”. O corpo é fragmentado por diversas
visões, pelo trabalho, disciplinado e controlado, pela medicina e pelo direito penal,
manipulado pelo consumo e pelos meios de comunicação, como a imprensa. É sobretudo,
um instrumento, mas é também uma realidade contraditória em nossas sociedades, pois é
simultaneamente utilidade, no trabalho e no mercado, perversidade, na lógica das paixões
e do desejo, do espetáculo, no consumo e na pornografia, da máquina produtiva e
desejante, transparente para os que o manipulam e, todavia, opaco e incompreensível
quando comparado à clareza e a transparecia da consciência. O peso dessa hegemonia, ou
da consciência por ser avaliado quando examinamos certas sexologias, não apenas, como
disse Foucault4, porque nossa sociedade foi a única a elaborar uma “scientia sexualis”,
em lugar de uma “ars erótica”, mas pelo modo como a sexualidade é retalhada, dividida,
controlada, submetida a procedimentos “corretos” de produção de um novo objeto: “o
corpo prazeroso”, o prazer reduzido a um conjunto sapiente e consciente de técnicas de
manipulação corporal.

A sociedade do século XIX desenvolveu nos mínimos detalhes uma política do


corpo discriminando corpos “validos” e “inválidos”, produtivos contra improdutivos,
disciplinados contra rebeldes, fragmentados contra totalizantes, normas contra perversos,
heterônomos contra autônomos. O poder disciplinatório, como descrito por Foucault
depende basicamente da vigilância, no sentido de manutenção da informação,
especialmente na forma de registros pessoais de histórias de vida mantidas pelas

4
FOUCAULT, M. História da sexualidade. 2005.
autoridades administrativas5. Mas ele também envolve a vigilância no sentido de
supervisão direta. Nesse sentido, prisões e asilos dividem algumas das características
generalizadas das organizações modernas, incluindo o local de trabalho capitalista, além
de uma variedade de outras organizações. Enquanto o pensador francês se concentra nos
mecanismos usados pelo Estado para impor sua normatização, tanto na esfera pública
quanto na vida privada, com o confinamento em larga escala dos doentes, loucos e
criminosos, a relação do indivíduo com a sociedade e o local de trabalho é uma das
grandes trincheiras que marcam as sociedades modernas. Sendo assim, todo sujeito ou
coletivo de indivíduos que se esbarram com essas normatividades, estiveram passíveis de
tornar-se escopo para discursos coercitivos e métodos repressivos.

Para delinear essa narrativa, é preciso recorrer a outro ponto central das
conjunturas cruciais para se pensar uma escrita sobre a prostituição feminina. Nessa
estratégia global, as instituições penal e médica se destacaram, fundadas que eram nas
práticas de polícia que realizava o controle social da população urbana. A criminalização
e a medicalização das camadas mais pobres estavam no front primordial dessas práticas
coercitivas. Isso porque a degeneração era o denominador comum que permeava os
discursos médico e penal. Foi assim que o biopoder, mencionado por Foucault 6, foi
estabelecido nas sociedades contemporâneas, constituindo uma política simultaneamente
eugênica e racial. Foi isso que possibilitou o encontro fatal entre os discursos jurídico,
psiquiátrico e de certa maneira, o discurso jornalístico nas representações desses sujeitos,
constituindo a criminologia. Assim, a psiquiatrização foi a contrapartida da
criminalização; ambas tiveram na polícia o seu ponto de apoio para o rastreamento dos
ruídos existentes no campo social, realizando o esquadrinhamento meticuloso das
populações urbanas, polarizadas que era entre os polos do normal e do anormal.

A evolução sociocultural e cientifica, afastou de nossa memória o que foi para


nossas avós o cumprimento de seu papel. Menosprezadas pelos maridos, mal alimentadas
vida a fora, enfraquecidas pelas sucessivas gravidezes, trabalhando sem repouso embora
gravidas ou recém paridas, a grande maioria delas sofria na pele as consequências de sua
condição biológica. Em tese de Edward Shorter7, historiador canadense, que nos é
apresentada a obra Le Corps des Femmes, argumenta que no retrilhar da história das

5
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. 2005.
6
Foucault, M. Segurança, território, população: Curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo:
Martins Fontes. 2008.
7
EDWARD, Shorter. A History of Women's Bodies. Pelican Book. 1984.
mulheres, o século XX representou um marco importante na destruição de mitos do século
XIX ainda circulantes até a segunda metade do século XX. O autor estabelece
comparações entre a longevidade feminina e masculina, explicando a nítida inferioridade
das mulheres causada pelas condições de vida e saúde que lhes eram impostas nos séculos
anteriores. Percorre também as doenças relativas à sexualidade subversiva, usualmente
associada à prostituição, e as repercussões sempre negativas no imaginário social,
fundamentando a ideia de que residia no corpo social a raiz explicativa para a opressão,
corroborada pelo tratamento social que foi reservado as mulheres marginalizadas e pelo
interesse que a ciência teve em fazer progressos nesse campo mítico e difuso

Apesar das muitas lacunas, a historiografia brasileira permite escrever, em meio a


um processo de instauração da República, no final do século XIX, novas práticas de
controle da criminalidade e desordem urbana que foram implementadas, sobretudo, nos
grandes centros urbanos, tendo efeitos deslocados para outras cidades. Em meio a esse
período, onde ocorreu uma difusão de discursos sobre os corpos, inúmeras teorias como
a da inferioridade feminina de mulheres prostitutas foram sendo introduzidas nas crônicas
policiais e no discurso jornalístico, tendo reflexos no imaginário social, entre as palavras
e conversas que ecoavam sobre as marquises e boulevards das cidades, onde a sociedade
costumava se reunir para acompanhar as crônicas jornalísticas do dia a dia.

Dessa forma, não deixa de ser significativo que os primeiros passos para o
florescer de uma escrita sobre prostituição feminina em uma cidade em que os sintomas
de uma cidade metropolitana começavam a ganhar forma, estivesse envolto de fábulas e
mitos que rodeavam o imaginário social em torno do discurso da sexualidade. Mais do
que isso, esses discursos sobre o fenômeno da prostituição e do lenocínio, ficou
circunscrito em meio às barreiras que foram capazes de projetar uma retórica do gozo e
das práticas alternativas que ligavam o intimo erotismo social, com o desenvolvimento
da criminalidade por meio da linguagem científica. Nesse sentido, pode-se dizer que tanto
na literatura, quanto nas ciências médicas e policiais, a noção do corpo, do prazer e da
sexualidade se tornaram elementos centrais no escopo teorias e discussões que buscavam
dar “sentido” a esses fenômenos urbanos, que resultavam em práticas e comportamentos
alternativos em meio a um projeto de sociedade moderna e “civilizada”.

Nesse começo de século, com todos os valores virados e revirados, sem dúvida,
é interessante pegar um fio da história e ir seguindo até onde o folego der. Sendo assim,
a principal hipótese aventada pelo presente estudo busca analisar as formas de “comércio
imoral”, que estiveram circunscritas a um enfileirado conjunto de comportamentos
desviantes que tradicionalmente, estiveram atrelados ao desenvolvimento industrial dos
grandes e pequenos centros urbanos. O envolvimento das camadas mais populares com
“vícios urbanos”, parecia absorver os olhares tênues das práticas policiais e do discurso
jornalístico, enfatizando a ciclo inexorável do alcoolismo, do consumo e comercialização
do ópio e do lenocínio, que, em conjunto, completavam uma parte gráfica do que se refere
ao lado obscuro das cidades. Nesse sentido, compreender o fenômeno da vivencia destes
seres humanos, é desvelá-lo através de suas práticas e de seus movimentos, buscando
analisar, por mais tortuosa e paradoxal que seja, a construção da representação da mulher
prostituta em sociedade, definida através do seu contexto social e moral.

Na periodização deste estudo, como veremos, percorrendo os circuitos paralelos


que, em virtude das convergências práticas, não apresentava uma certa distinção
pragmática entre o conjunto de práticas que definiam a prostituição livre, da prostituição
clandestina. No Brasil, entre os anos de 1900 - 1939, não oficializou um planejamento
jurídico em prol da regulamentação da prostituição, diferente de outros países em relação
ao mesmo período, mas sim tentativas de regulamentação em diferentes contextos locais,
diferente das grandes metrópoles europeias do século XIX. Como na Inglaterra e na
França na segunda metade do século XIX, as autoridades públicas passaram a sancionar
uma série de medidas legais para submeter as mulheres públicas à procedimentos
sanitários e administrativos por meio da regulamentação da prática livre 8. Em Buenos
Aires, os estudos médicos sobre o aumento dos casos de sífilis congênita e da mortalidade
infantil por vias veneras, acabou pressionando as autoridades públicas para uma
regulamentação repentina e necessária, capaz de conter o desenvolvimento da sífilis que
deixava rastros alarmantes nos boletins de serviço médico daquela cidade.

Neste caso, o conteúdo desmoralizante que a setorização policial costumava


deliberar, era quase o mesmo, tomando a prostituição livre ou clandestina, como uma
mesma atividade que não admitia o amor, mas sim a exploração do sexo explícito por
meio do erotismo implícito nas ruas das cidades. Esse certo “erotismo explícito”, era
marca registrada de grandes centros urbanos, como em Buenos Aires, onde até mesmo as
autoridades governamentais, se negavam a aceitar o fenômeno do tráfico das “Escravas

8
ADLER, Laure. Os bordeis franceses, 1990.
Brancas”, germinado em bas-fond daquela metrópole, onde se concentravam colônias
estrangeiras, e que aos poucos foram se expandindo para outros centros urbanos, como
Rio de Janeiro, São Paulo, Montevidéu, New York e em até mesmo capitais em processo
de expansão, como Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.

Em relação à escrita sobre as mulheres prostitutas e sobre o corpo em


movimento, a excitação e exaltação foram constantes, já que estas mulheres estiveram
associadas a um universo paralelamente masculino, onde a figura do homem era encenada
como uma doutrina, capaz de deter o poder de dominar os corpos femininos, enraizado
pela própria cultura por meio do patriarcalismo e pela noção de dominação, levando a
problematizar o erotismo nas cidades, associada apenas por uma perspectiva feminina,
como a pornografia. Em paralelo com as produções fílmicas do mesmo período, o lugar
das mulheres fora do lar e do trabalho, estiveram potencialmente opostos, circunscrito ao
underground das cidades, ou seja, nas narrativas que buscaram legitimar essa sexualidade
alternativa, em meio as manifestações e práticas criminosas fundidas no seio social.

Em meio a essa constelação de discursos e representações, nas artes, seguidos


das obras de Toulouse-Lautrec, os espaços que compunham os Moulin Rouge parisienses
do século XIX, era possível captar, através das suas pinturas, as expressões de
subjetividade das mulheres e amantes que se deliberavam em meio ao erotismo. Na
literatura, a feminilidade operava sobre um sistema de mitos-poéticos, onde as narrativas
sobre a representação do feminino criavam fantasias alegóricas da mulher fora do âmbito
da vida privada9. Considerados “mitos”, porque essas narrativas compunham de grupos
coletivos, como o exemplo da bruxaria, um fenômeno histórico colossal e ainda pouco
estudado na historiografia, como foi a prostituição e os fenômenos que dela derivam, a
exemplo do tráfico de mulheres. A analogia do termo “Escravas” se deu em torno da
concentração da carga histórica com base em um outro fenômeno recentemente ocorrido
entre os países latino americanos, a abolição da escravidão. Por isso, criou-se uma
concentração em torno desse fenômeno que se desenvolvia em meio as grandes ondas
migratórias, impulsionadas pela abertura política as colônias estrangeiras nos países como
Brasil e Argentina.

Nas ciências médicas do século XIX, as vozes humanas ecoavam sobre um


limitado grau de existência que defendia e definia as mulheres prostitutas como inferiores,

9
FREY, Julia. Toulouse-Lautrec. Uma Vida, 1985.
relevando ainda, outros elementos que pregavam sobre os traços da “natureza humana”,
sendo classificadas, geralmente, nas rubricas da histeria e da loucura moral. Dessa forma,
diferentes saberes formularam no século XIX, discursos que se baseavam na antropologia
criminal e nas ciências médicas, apresentando possíveis diagnósticos invariavelmente
concisos, sempre em direção à escala da degeneração física e moral, sustentados por
categorias próximas à anormalidade.

Essas ideias abriram caminho para o surgimento da ciência mental, que


inaugurou a psiquiatria do século XX, sendo pregados discursos contra o alcoolismo, pela
educação sexual, contra as doenças venéreas e a prostituição, zelando em prol da
organização social e do trabalho. Mas, havia também, casos que dizem respeito a outras
esferas do comportamento feminino não condizentes com o seu papel “natural”, como
mulheres solteiras, independentes, insubmissas aos pais, mulheres deprimidas, mulheres
que se sentem “inutilizadas” para desempenhar o seu papel social pela epilepsia ou pela
sífilis, mulheres com problemas congênitos ou que sofriam de problemas mentais ou
físicos, mulheres como um todo, que eram vistas como “incapacitadas” para a procriação
ou para a vida social

Dessa forma, em meio as práticas e discursos que fragmentavam a sexualidade


feminina do século XIX duas representações se edificam para a construção de uma
narrativa sobre a História das Mulheres, uma pela via da maternidade, das mulheres e das
relações sociais no meio urbano, e por via da promiscuidade, das mulheres nas ruas, nas
ciências, nos hospícios e hospitais, nas Delegacias e Prisões. Esses discursos, como
veremos mais adiante, foi resultado de uma constituição ideológica e moral de uma
determinada sociedade que visava preservar a “santidade” das mulheres. Quanto à
violência, ela não foi resultado imediato de uma determinada situação política, nem de
um regime econômico capaz de explicar o fenômeno da prostituição na sociedade. O
discurso alimentava e reproduzia o fato de a violência ser canalizada através do
espancamento, do estupro, do assassinato e dos suicídios dessas mulheres. Há algo em
específico que torna os olhares tênues de mulheres meretrizes algo tão frequentemente
vigiado e marginalizado, cuja especificidade é justamente a fragilidade do seu papel
social, a sua posição submissa e impotente frente a supremacia masculina.

Sendo assim, nas próximas páginas, buscou-se enfatizar a predominância dessas


“vidas sem saídas”, de mulheres meretrizes confinadas em espaços não apenas de
transgressão a ordem pública, como se tem feito na historiografia contemporânea sobre o
tema, mas também, problematizar esses espaços enquanto “palco” de diversas
manifestações criminosas, possibilitando compreender as narrativas que compõem esses
dois elementos difusos neste mesmo contexto. Seja a partir de relatos e denúncias da
imprensa, que se multiplicam em meio as crônicas policiais do dia a dia, onde são narradas
as práticas delitivas do cotidiano da cidade, ou nas resenhas forenses, documentos e
relatórios de caráter judicial, onde foi possível compreender a natureza dos crimes que
envolveram mulheres meretrizes. Em face da vivência cotidiana, essas notícias circularam
como artérias, onde prostituição e criminalidade se escamoteavam nas vestes da figura
tradicional.

Na Curitiba, deste período, em meio ao surto industrial e da expansão


populacional, comum em centros urbanos em desenvolvimento, os estudos em torno da
“policiologia”, ciência dos estudos sobre os métodos e técnicas policiais, passou a refletir
nas manifestações de sujeitos alternativos, criando métodos e instituições capaz de
observar na prática, o grau de resistência aplicado sobre a vida cotidiana de sujeitos
alternativos que coabitavam a cidade. A rotina por meio da disciplina e do controle,
poderia diagnosticar e oferecer políticas públicas capazes de conter os assustadores
recantos sombrios dos grandes centros urbanos, que em meio a concentração de multidão
crescentes, sujeitos desviados abriam caminho para novos embates. Foi ainda nesse
século que retomou na Europa, a ideia de que a loucura, além de um fundo orgânico,
apresentava também, uma origem social. É a noção de que os humores e vapores da cidade
e da indústria provocam a degeneração física em camadas densas da sociedade, como o
proletariado. Sendo assim, o nascimento do conceito de “estigma degenerativo
hereditário” passou a representar não apenas o “louco delirante” ou monomaníaco, mas
também possíveis sujeitos “degenerados”.

Para compreender as primas do fenômeno social da prostituição, em esforço


conjunto com autoridades policiais e de outros agentes de saneamento moral, que se
manifestavam com maior intensidade, foi preciso percorrer pelas crônicas jornalísticas e
resenhas forenses, ou escritos policiais, sobre a febre do imoderado uso dos prazeres na
capital durante as décadas de 1920 e 1930. Para trilhar os caminhos que levam ao
entendimento desta pesquisa, foi preciso retomar a circulação de notícias do periódico
carioca A noite, do Rio de Janeiro, que se manifestava contra a intensidade que as
aglomerações humanas, que progrediam rapidamente, para outros centros urbanos, como
aconteceu com a circulação de notícias referentes à desfragmentação de membros
proxenetas da Zwi-Migdal, após o advento protagonizado por Raquel Liberman, meretriz
responsável por denunciar publicamente, uma das maiores quadrilhas do período,
destinado ao tráfico e exploração de mulheres.

Já a imprensa paranaense, entre os principais veículos de comunicação imprenso,


além da reprodução de notícias sobre o tráfico em âmbito internacional, como as
conferencias da Liga das Nações, e o impacto que o desfecho da quadrilha causou em
vários países, no qual esteve envolvido, também passou a representar um importante
mecanismo capaz de impelir a acomodação desses sujeitos de circularem livremente pela
capital do Paraná. Como parte do fenômeno da modernidade, como uma grande mácula,
o Estado não se dispunha no seu “formidável” aparelhamento, de meios eficazes para
impedir as consequências associadas a generalização da prostituição e da criminalidade
como ofensa a moral e aos bons costumes, se tornando fatores imediatos de uma
“decadência física” e moral da sociedade. Dessa forma, a polícia, por meio de analises
referentes aos relatórios de Chefe de Polícia do Paraná, bem como uma série de fichas de
referente à processos criminais que ocorreram na cidade, bem como os documentos de
identificação por parte da Delegacia de Costumes, contribuem para ilustrar as narrativas
sobre as formas de comércio imoral, atreladas as consequências da prostituição.

Nos últimos anos temos visto aparecer um número avultado de escritas de história
que mostram inúmeros caminhos para se conhecer o passado através de narrativas, melhor
dizendo, para conhecer o ser humano, seja qual for a época em que viveu. Na esteira do
grupo dos Annales e de outros menos conhecidos, os grandes temas foram deixados de
lado em benefício de abordagens, assuntos e enfoques novos. A partir de meados dos anos
1970, começou a surgir uma série de estudos a respeito da história das camadas populares
no Brasil. Sendo assim, buscou-se analisar temas que abordam a vida dos trabalhadores
e de coletivos que não pertenciam a elite nacional de maneira mais especifica. Ou seja,
trata-se de reduzir a amplitude do objeto, que tem cada vez mais ganhado repercussão,
para aprofundar-se no conhecimento e nos estudos de categorias como a vida de
trabalhadores, a condição de trabalho em dada região, aspectos do cotidiano dos
populares, e assim por diante. Trocando em miúdes, a historiografia do crime e da
criminalidade, busca, em esforço coletivo com outras áreas que dialogam com a história,
estudando objetos que ainda não foram bem investigados como a condição de mulheres
prostitutas, das formas de violência feminina, e as formas de controle social, que
acompanham o início do desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

O palco nada imaginário dos acontecimentos em questão são os grandes e médios


centros urbanos que se constituíam em um processo progressista e modernização e
civilização. Neste palco, os protagonistas não eram bruxas nem fadas, mas sim sujeitos
que refletiam no cotidiano das cidades através dos mecanismos de poder contidos tanto
na estrutura do poder judicial, quanto na interpretação impressa a respeito da classe
dominante. Conforme analisa Sidney Chalhoub, em Trabalho, Lar e Botequim10, é na
cidade que são evidenciados os efeitos causados pelos padrões morais do capitalismo
sobre a vida privada dos menos favorecidos. Nesse sentido, os processos criminais
permitem percorrer os vários sentidos da micro-história, onde a luta pela sobrevivência
termina por inventar a sua própria saída, entre a aceitação e a rebeldia. Nesses estudos,
mistura-se suicídio ou homicídio, já que a violência das classes mais pobres parecia
voltar-se contra si mesma em favor de uma consciência de classe. Outros estudos tem
potencializado as narrativas contemporâneas sobre crime e criminalidade no Brasil, como
Marcos Luís Bretas11. Pensando as primeiras décadas do período republicano, o
historiador Boris Fausto, em Crime e Cotidiano12, onde o autor busca analisar o fenômeno
da criminalidade, de 1880 a 1924, onde o autor busca compreender o código e a ética
social, além da ideologia que movia a sociedade no julgamento dos criminosos. O autor
embarca em um período de profundas mudanças sociais ocorridas na grande São Paulo,
que em meio a libertação dos escravos, da imigração estrangeira e o processo de
industrialização, fez com que a cidade perdesse uma certa “inocência” , para se
transformar em um centro urbano violento, no que se refere aos padrões estabelecidos da
época.

Dessa maneira, a associação dos conceitos de povo, dominação e poder


representam um importante instrumento analítico que estabelece novas perceptivas de
estudos. Assentando na análise das formas de violência presente na transformação social
ocorrida no Brasil entre um século e outro, a chamada “modernização”, se traduz em uma
“complexificação social”, explicada na macromorfologia de uma estrutura de classes e na
microdinâmica dos padrões de conduta e dos atores coletivos. Os estudos dos fenômenos

10
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o quotidiano dos trabalhadores cariocas na Belle
Époque. Campinas: Editora da Unicamp. 2001.
11
BRETAS, Marcos Luiz. 1997.
12
FAUSTO, Boris. 1984.
sociais indicam a direção de um novo pacto social e cumpre ressaltar que os estudos
recentes que remete a prostituição feminina, das formas de violência e de controle contra
sujeitos marginalizados, buscam acompanhar de perto esses fenômenos muitas vezes
associados ao âmbito do crime e da criminalidade.

Desde o desenvolvimento das redes de tráfico de mulheres, ainda na segunda


metade do século XIX, em Buenos Aires, impulsionado pelas grandes levas migratórias
de colônias europeias e a recente regulamentação da prostituição livre no país, os métodos
de identificação procuraram ampliar as relações mantidas com profissionais estrangeiros
e especialistas do meio jurídico, no mero intuito de acompanhar de perto os avanços
contrários de criminosos modernos. Assim, buscando cumprir para o dispositivo de
regulamentar os sujeitos delinquentes, ocorreram diferentes convênios e congressos de
policias entre as republicas latino-americana, onde foram sendo apresentados métodos
para resultados práticas de competência policial, organizado por diferentes repartições.
Em meio a esses diálogos e correspondência com estudiosos como Enrico Ferri, Locard,
Bertillon, Moquin Ingegnieros Quesada, Vucetich, Sarachaga e outros, que os chefes de
serviço de investigações foram se adequando as estatísticas criminais que figuravam
impressões de crimes no âmbito transnacional, como os estudos de documentos
falsificados, moedas falsas, tráfico de mulheres. Esses respectivos estudos aplicados pela
“policiologia” buscavam, respectivamente, apresentar contribuições para as mais diversas
repartições como polícia marítima, exercito, guarda-civil, guarda-noturno, marinha,
dentre outras funções que compunham os boletins policiais do início do século XX.

Fosse em Buenos Aires, São Paulo, em Curitiba ou no Rio Grande do Sul, a


implicação desses métodos representaria na vigilância de indivíduos considerado
perigosos a sociedade. Eram considerados “perigosos”, os deportados e expulsos do
território nacional, os que exerciam o lenocínio, envolvidos em delitos grave contra a
pessoa ou propriedade, sujeitos envolvidos em falsificação de moeda nacional ou
estrangeira, incitadores de greves, como anarquistas e comunistas que iniciavam os
motins, sujeitos que “subvertiam” a ordem social do trabalho livre. Enquanto que as fichas
individuais datiloscópicas, seguia detalhadamente uma planilha de filiação morfológica
segundo o sistema Vucetich, ao se tratar especialmente de sujeitos deportados e expulsos,
como ladrões internacionais, anarquistas e proxenetas. Além da fotografia 9x13, seguindo
as dimensões do modelo adotado na conferência de 20 de outubro de 1905, celebrado em
Buenos Aires, as fotografias deveriam ser tiradas em distância uniforme, além dos exames
descritivos, identificando notas cromáticas, traços característicos e peculiares como
marcas e sinais de nascença, cicatrizes, tatuagens, anomalias congênitas ou acidentais
adquiridas no corpo do sujeito. As linhas papilares das extremidades digitais, como
também impressões palmares se tornaram frequentes no oficio de examinar, por parte dos
Gabinetes de Identificação. Segundo o Art. 4:

Para efeitos deste convenio as policias dos Estados do Brazil


procurarão, por seus respectivos governos, introduzir a identificação
datiloscópica de Vucetich, devendo essa introdução ser realizada até 31
de dezembro de 1912 nos Estados que ainda não possuem13.

Todos esses métodos e práticas coincidiram com o triste e pungente drama


criminoso de vítimas do tráfico das “Escravas Brancas”. A polícia, sem embargo de suas
delicadas e escabrosas pesquisas, verificou, desde o final do XIX, que o aumento da
prostituição em Buenos Aires, esteve associada ao desenvolvimento da criminalidade. Os
proxenetas que viviam nas grandes capitais não se ocultavam, como faziam antigamente
os alcoviteiros e rufiões, eles eram ousados e terríveis, os atos que praticavam, ferindo os
costumes, já não eram velados, provocavam e aliciavam mulheres ao torpe tráfico dos
corpos, de onde auferiam lucros absurdos que eram feitos abertamente. Eles se
apresentavam na sociedade trajando com requintes da elegância, se passando por senhores
de imaginárias empresas, pagando impostos de negociantes, ambulantes, donos de
restaurantes, fábricas, ou comerciantes de joias de alto valor. Essas figuras apareciam em
importantes festas da elite das cidades, nos boulevards ou transitavam pelos campos,
penetrando nos lares, chamando a atenção de outrem, que acreditavam na convicção digna
desses homens. Esses criminosos, proventos da prostituição clandestina, se cortaram uma
constante afronta ao decoro público, colocando em risco a presença feminina no espaço
urbano, exercendo em seu ofício ignóbil, resultado do tráfico, a exploração e
defloramento das infelizes vítimas que caiam nas garras desses criminosos.

Os escândalos praticados em Buenos Aires, que foram sendo negligenciados e


silenciados, devido ao forte envolvimento de autoridades públicas nas teias que
compunham o grandioso e rentoso tráfico, rapidamente despertou os olhares de jornalistas
e importantes entidades internacionais, como a Liga das Nações. A partir desses escritos,
foi possível compreender o modus operandi de como quadrilhas as quadrilhas, compostas

13
Art. 4 do Código Penal de 1890.
por proxenetas internacionais, desenvolviam suas artimanhas em diferentes cidades. Em
atenção à Buenos Aires, os escritos de Albert Londres, jornalista francês que analisou
cara a cara o cotidiano das organizações Zwi-Migdal e Marchereal, além da tese
publicada pelo então delegado responsável pela formação do inquérito policial onde
investigou, além da origem da organização Zwi-Migdal, as falhas que o próprio aparato
policial do período desempenhou na tentativa de ocultar denúncias e declarações
ocorridas durante a década de 1920, em decorrência dos casos de exploração da
prostituição de mulheres desconhecidas na capital portenha.

A partir da prisão preventiva das autoridades policiais, ocorreu a formação de


uma desfragmentação geográfica, onde esses criminosos passaram a migrar para outras
capitais, próximas das fronteiras com a Argentina, como as três capitais da região sul do
Brasil. Independente da ordem escrita, que indicava a apreensão de 400 sujeitos ligados
à organização criminosa, a justiça não conseguiu lidar com os desfechos que esses
criminoso obterão, após fugirem por vias férreas e marítimas, para fora do continente,
tendo que se submeterem antes disso, a coexistir nas sombras de cidades que começavam
a se expandir economicamente. Embora na vigilância dos centros urbanos, fosse noturno
ou diurno, os aspectos referentes as discussões de uma ciência policial na prática, se
mostraram eficientes, limitando a circulação e tentativa de dezenas de criminosos de
fugirem do continente com destino à países como França, Inglaterra e Rússia. Ambos os
lados se moviam em meio a essas modificações culturais, tanto no domínio policial
quanto criminal. Esse exame singular, buscou, dessa forma- examinar a impetuosa colisão
entre as práticas e técnicas polícias com a epidemia de criminosos que se espalhavam em
diferentes distritos, praticando excessivamente, a exploração e os maus hábitos em
decorrência do fenômeno do tráfico de mulheres, fazendo uma introdução aos vapores
que se ancoraram na cidade de Curitiba, desembarcando e abrigando esses sujeitos que
foram sendo, cautelosamente, descobertos pela imprensa popular do período.

No capítulo 1, intitulado “Nos caminhos de Buenos Aires”, procuro fazer uma


revisão da literatura sobre o fenômeno do tráfico de escravas brancas, ainda durante o
início do regime republicano no Brasil. Ressalto, nessa revisão, os dilemas que norteiam
a construção de uma escrita sobre o fenômeno social da prostituição e a construção de
uma ordem social e jurídica assentada nas investigações do período com base em duas
importantes obras publicadas no período e que serviram, posteriormente, como pilares
para problematizar a discussão, dimensão e as consequências do tráfico nos países
envolvidos. Interessa ainda, qualificar as investigações do período, que buscaram
enquadrar possíveis atos criminais com a exploração de mulheres em estabelecimentos
comerciais, mas que foram sendo ocultados, e de certa forma, negligenciado, por uma
parte da parcela de autoridades públicas de Buenos Aires nos anos de 1920. Procurei
centrar neste capitulo, a analise em torno de um importante jornalista investigativo
europeu, Albert Londres, enviado especialmente pela Liga das Nações, com o ensejo de
percorrer as ruas de Buenos Aires, na perspectiva de codificar as mais exóticas e
pitorescas práticas de diferentes gangues internacionais, apresentando um quadro
dramático do modus operandi do qual compunham essas organizações clandestinas que
operavam em favor do lenocínio. Por seguinte, discuto o impacto que a trilogia de eventos
sucessivos, desde a aparição de Londres, a denúncia da meretriz, vítima do tráfico Raquel
Libermann e aos encaminhamentos de duas importantes figuras policiais, o delegado Júlio
Alsogaray e o juiz Ocampo, com base em estratégias envolvidas no embate jurídico e
social que esteve subjacente ao processo criminal de agentes proxenetas, vinculados á
Zwi-Migdal. Na última abordagem, menciono o impacto que essa trilogia proporcionou
no âmbito transacional, dando início a uma desfragmentação desses criminosos para
outras cidades, com o propósito de constituírem novos locais do crime, possíveis
albergues para a comercialização do tráfico, localizados em meio as fontes coletadas,
dando início a problemática central desta pesquisa, o cenário curitibano dos anos 1930.

No capítulo 2, discuto brevemente a formação de um sentimento de inferioridade


nas ciências sobre os seres humanos, em especial o corpo feminino relacionado a mulher
representação da prostituta nata, por médicos e higienistas do século XIX, tendo como
escopo, as noções de inferioridade feminina e as formas de violência na história. No
sentindo de ampliar a discussão da penalidade sobre os diversos aspectos da prostituição,
convém analisar as narrativas sobre o discurso vedado as mulheres curitibanas do período,
partindo de uma análise documental das denúncias periódicas e levantamentos criminais,
oriundo de processos crimes, instaurados a partir do limiar do século XX, para ampliar o
aspecto da criminalidade na capital. Como em outras cidades, o crime de lenocínio, sob
as suas diversas formas e modalidades, passou a ser punido com penas severas e medidas
que variavam, desde a prisão, multa e até a deportação contra sujeitos estrangeiros
“indesejáveis”, além da perda dos direitos enquanto cidadão neste país. O interesse que
move a prostituição nessa documentação, é entender como parte do universo da
criminalidade em Curitiba, esteve amarrado com narrativas que objetivavam a
representação das mulheres prostitutas como elementos constitutivos do crime, pelo
dispositivo do código penal de 1890. Ou seja, como nas capitais onde o tráfico se
hospedou, a prostituição em Curitiba também representava uma forma especial de
corrupção e da exploração do “mercado do prazer”, acobertando a corrupção de menores
em emprego pela libidinagem, dando espaço para discussões referentes à prostituição de
menores, bem como o espirito que despertava os “apetites carnais”, como os crimes de
defloramento e estupros, a partir da documentação levantada, além dos crimes contra a
vida, como o homicídios e suicídios envolvendo mulheres meretrizes no respectivo
recorte espacial e temporal.

Na redação do capítulo 3, procuro fazer uma breve discussão sobre o


policiamento e a subtração da marginalidade na esfera cotidiana na cidade, enfatizando
as décadas de 1920 e 1930. No vocabulário que empregava os discursos científicos sobre
a prostituição, vale ressaltar ainda, os efeitos de uma modernidade que se estendia sobre
essa cidade em desenvolvimento. Na primeira analise deste capítulo, busquei
contextualizar os estudos em torno da “policiologia” e suas particularidades e propósitos
no campo da ciência policial, abarcando os estudos sobre os “locais do crime”, e dos
métodos que formaram categorias de representação social e abstrata como as de gênero,
sexualidade e nacionalidade. Essas categorias serviriam para aumentar a probidade de
condenação e estigmatização de grupos alternativos, e especialmente de indivíduos
estrangeiros. Também aponto questões que contribuem para pensar o imaginário social
da cidade marginalizada através da noção de “bas-fonds”, discutido pelo historiador
Dominique Kalifa. Para o autor, esse termo refere aos lugares que compunham, no
imaginário social, sujeitos e comportamentos que se deliberavam em meio ao vício e a
libidinagem, e como as autoridades se manifestavam contra esses “maus elementos”, por
meio de intervenções e combates na prática, como fechamento de lugares clandestinos,
além de um breve mapeamento dos rendez-vous curitibanos, no sentido de configurar os
lugares denominados bas-fonds. A partir da análise de fontes impressas e dos relatórios
de Chefe de Polícia, ressalto nessa revisão, os dilemas que foram sendo envolvidos na
construção de uma noção de “cidade despoliciada”, parcela importante para compreender
o contexto do aparelho policial curitibano, indiciando questões teóricas e temáticas que
orientam a análise para as próximas discussões.

Nesse tocante embate, o 4 e último capítulo, mostro o surgimento dos primeiros


resquícios da participação de membros da Zwi Migdal, realizadas pela imprensa local no
período que antecedeu a descoberta da organização, delimitando a discussão para os
últimos anos da década de 1920. Apresento também os estratagemas das autoridades
curitibanas no que se refere a circulação e identificação de meretrizes estrangeiras na
capital, sobretudo após a série de acontecimentos que repercutiram no âmbito
internacional contra a circulação indevida de proxenetas e meretrizes vítimas do tráfico
para outras cidades, onde foram sendo construídos novos “eixos”, que ligavam regiões
fronteiriças, com o território argentino, como é o caso do Paraná. Procurei manter, na
análise seguinte, a estrutura que da forma e projeção para a problemática central desta
pesquisa, tendo como documentação, o manuseio de denúncias da imprensa local que
reproduziam uma representação da sociedade “despoliciada”, se tornando propicia para
albergar “estrangeiros indesejáveis”, segundo o qual são submetidos agentes proxenetas,
essencialmente provenientes da Zwi-Migdal. Desta maneira, havia a presunção de que a
imprensa, por meio de denúncias da própria população, indicava uma certa incorporação
das práticas referentes ao comércio de escravas brancas na capital curitibana e a
circulação de agentes proxenetas da referida organização, sobre os quais a polícia local
pouco tinha conhecimento. Por final, busco trabalhar com um processo crime de 1939,
do interior do Paraná, mas que acabou repercutindo não apenas entre as polícias de
Curitiba, mas também de São Paulo, já que na prática esses sujeitos agiam em regiões
interioranas, abastecendo suas “mercadorias” para traficá-las nos grandes centros
urbanos, e sem descartar a crença de que a moderna e civilizada Curitiba dos anos de
1930, já tivesse tomado forma e projeção de uma cidade, capaz de abrir as formas de
resolução para novos estudos que representam uma nova forma particular de exercício
policial, o tráfico de mulheres.

CAPÍTULO 1 – Nos caminhos de Buenos Aires

1.1 - Percorrendo as trilhas do torpe comércio das "escravas brancas”

No final do século XIX, Buenos Aires, ficou conhecida internacionalmente


como “um território que hospedava um misterioso porto de mulheres europeias, com
destinos desconhecidos”. Impulsionado pelas primeiras correntes migratórias na América
do Sul, sobretudo após a abolição do modo de produção escravista, Buenos Aires viu
desenvolver em seu elemento geográfico, práticas cosmopolitas de grandes centros
urbanos como Paris e Londres. Após a consolidação da necessidade de um modelo de
regulamentação da prostituição publica 14, em 1875, como forma de conter o avanço da
sífilis, surge, enquanto um projeto desenvolvimentista de progresso e racionalidade, a
adoção de políticas públicas como prostituição regulamentada e a entrada de imigrantes
no país, que rapidamente culminou em uma onda de excessivas preocupações sociais por
diferentes entidades públicas do período.

Como na estação da primavera, onde a maioria das plantas costumam florescer,


a prática da prostituição livre, fez desabrochar outras práticas, como parte de um conjunto
de fenômenos oriundos do crescimento desenfreado do capitalismo industrial moderno, e
do desenvolvimento da criminalidade nos grandes centros urbanos. Não obstante, a
concentração de certos códigos imorais, enraizados através da prostituição e de outras
formas de criminalidade, como é o caso do lenocínio, esteve concentrada sobretudo em
regiões portuárias que possuíam certo destaque, ou seja, regiões movimentadas que
conectavam outros países, como aconteceu em Buenos Aires e em Rosário 15.

No entanto, como toda planta que ao estreitar sobre o chão, esparra suas
sementes, o curso ascendente do capitalismo e de algumas práticas criminosas resultaram
em condutas relativamente módicas, que foram sendo, aos poucos, enraizadas na própria
cultura portenha, como a “romantização” do surgimento do Tango, ritmo característico
dos bares e bordeis de Buenos Aires16.

Por se tratar de um país, cujo modelo agroexportador possuía relações mercantis


e apresentava segmentos entre diferentes cidades, principalmente para o exterior, ficou
quase que inevitável a incorporação de novos aspectos estruturais na formação de um
imaginário social argentino contemporâneo 17. No decorrer da segunda metade do século
XIX, em caminhada de aspecto gradual, o cenário de Buenos Aires foi se transformando
em uma topografia que imitava as noites da cidade parisiense, com práticas cosmopolitas

14
FIDANZA, Eduardo. De la regulamentacion de la prostitucion pública. Buenos Aires. 1860. Documento
facultativo da academia de Ciências Médicas de Buenos Aires, onde são apresentadas as razões pelas quais
as autoridades governamentais deveriam adequar a prostituição enquanto atividade regulamentada.
Composta por treze membros acadêmicos, esse corpo justifica em 118 páginas, explorar as necessidades de
tornar a prática da prostituição individual livre, prevista por lei. Um da das justificativas seria como
manobra para conter o avanço da sífilis e os habituais exames médicos no qual essas mulheres estariam
submetidas.
15
SCHNABEL, Raúl. História de la trata de personas em Argentina como persistenia de la esclavitud. 2013.
16
MARTIBELLO, Liliana. 2008, p. 4.
17
FERRERAS, Norberto. A formação da sociedade Argentina contemporânea. Sociedade e trabalho entre
1880 e 1920. História, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 170-181, 2006
e refinadas. Isso porque, em cidades localizadas no litoral argentino, que se tornariam
metrópoles de destaque, os entretenimentos “semioculto”, como no caso da prostituição
clandestina, do tráfico e do álcool e posteriormente, o uso da cocaína se tornaram
corriqueiros nos embates jurídico e policial, que resultou, década depois, em novas
políticas públicas contra a “imoralidade”.

Nesse estágio avançado em que caracterizava a situação do lenocínio


regulamentado na Argentina, que durou aproximadamente sessenta anos, novos embates
políticos acerca do crescimento da sífilis, e a exploração desenfreada de mulheres e
adolescentes estrangeiras nos alcouces da prostituição, possibilitou que fossem
questionadas e repensadas a adoção de medidas em prol da “decência humana”, como foi
como a Lei de Profilaxia. Apenas em 1934, após uma série de acontecimentos e fortes
críticas de países europeus que se diziam “vítimas” do grandioso esquema do tráfico de
mulheres, encobertado pela Argentina, é que as autoridades decidiram abolir por
completo a regulamentação prostituição livre em bordeis daquele território, chamando a
atenção e a curiosidade para os olhares críticos de políticos e jornalistas de outras nações.

Mas, antes disso, tais mudanças tardou a acontecer. Influenciado por estudiosos
da Escola de Chicago, Albert Londres foi um jornalista, escritor e investigador francês,
que dedicou uma pequena parcela de sua vida profissional a apresentar estudos com base
em problemas enfrentados pela cidade moderna e os desvios pelos quais derivavam de
seus habitantes. A Escola de Chicago, que surge no final do século XIX, concentrou uma
leva de estudos empíricos com base no sentimento de rompimento de especulações sobre
diferentes fenômenos sociais. Seus pensadores tinham a premissa de estimular um método
científico com base na investigação prática, consagrando a teorização no estudo do
comportamento social com base na premissa da observação delineada de sujeitos e
práticas alternativas.

Com o crescimento da cidade de Chicago, nos Estados Unidos, nos primeiros


anos do século passado, em meio a um cenário em que desenvolvimento urbano
predominava, novas teorias sociológicas se dispuseram a explicar os fenômenos sociais
urbanos, como a criminalidade, os imigrantes e as relações raciais, problemas constantes
da sociedade daquele período. Dessa forma, os pensadores desta Escola propuseram
instituir o conceito de “human ecology”, onde se propuseram pensar o espaço físico, o
habitat, bem como as relações sociais que dali provinham e determinavam, sob forte
influência, no estilo de vida das pessoas que vivenciavam determinados lugares. Sobre a
criminalidade, os estudiosos adeptos a esse modelo de pensar o espaço urbano,
procuraram compreender se “o crime é produto do meio, ou se era uma ação deliberada
contida no interior dos indivíduos” 18.

No entanto, longe de se considerar um sociólogo, Albert Londres se debruçou


sobre métodos antropológicos em suas pesquisas do homem urbano. Seu destino, Buenos
Aires foi, paradoxalmente, o lugar que o levou à fama e lhe deu lugar de destaque no meio
jornalístico. Iniciou sua carreira em 1914, após se formar em jornalismo e durante a
primeira grande guerra mundial, trabalhou em seu primeiro artigo para o jornal “Le
Matin: Visions de guerre”. Chegou a denunciar conflitos militares em 1920, e após uma
série de tentativas de censura por parte do jornal, renunciou seu contrato, sendo contratado
pouco tempo depois pelo Le Petit Journal, onde serviu como correspondente na URSS
em 192019.

Antes de chegar na América do Sul, Londres realizou viagens mundo a fora


investigando as mais diversas causalidades daquele turbulento período. Foi enviado
também ao extremo oriente, em países como Japão, China, indochina e índia, onde
publicou uma série de artigos na coleção La Chine em Folie, de 192520. No Brasil chegou
a conhecer um condenado francês chamado Dieudonné, que lhe relatou as terríveis
condições em que presenciou durante seu período de detenção no país.

Mas, foi somente em 1927, que, Albert Londres, ousou ao investigar o que outros
jornais jamais teriam ousado naquele período. Sua ambição, o levou a penetrar em um
submundo submerso de práticas criminosas, onde relatou, em seus escritos, o
constrangimento, brutalidade e horror ao vivenciar e acompanhar o cotidiano de mulheres
vítimas do tráfico de escravas brancas. Em sua obra Les Chemin de Buenos Aires, o autor
descreveu, como espécie de diário, sua experiência em meio ao cotidiano de agentes
proxenetas criminosos que atuavam nos portos de Buenos Aires e Rosário, aliciando e
comercializando mulheres de origem “desconhecida”, para os principais bordeis não
apenas da Argentina, mas de toda a América do Sul.

18
MELHEM, P.M. Cidade grande, mundo de estranhos: escola de Chicago e comunidades guarda-roupas.
2012.
19
JORNAL DO BRASIL. Quixotismo de Albert Londres. 23/06/1932.
20
Ibidem
Em suas narrativas, foi possível compreender que o objetivo dessas
investigações internacionais, não se baseava apenas na produção de uma análise
discursiva sobre tais práticas, como o mesmo descreve ao relatar a degradação dos
hospitais psiquiátricos na França, em 192521. A reflexão do autor, embora jornalística, foi
sendo construída através de uma estratégia discursiva com base em seu fichário de campo,
onde o autor, primeiro se baseava em vestígios e códigos apresentados pelo próprio
cotidiano social, dando sentindo, posteriormente, as teorias sobre os fenômenos que
condicionavam tais práticas hediondas, como foi com tráfico das escravas brancas na
historiografia argentina.

Dessa forma, Londres transitava conhecendo de desvendando as diversas facetas


de um lado alternativo daqueles grandes centros urbanos do início do século XX,
vivenciando desde os hábitos mais exóticos e pitorescos, até a formação de práticas que
submetiam a servidão humana, como foi em Senegal, ao denunciar a condição análoga a
escravidão em que eram submetidos os trabalhadores negros nas construções de grandes
ferrovias. Londres afirmava ainda, que sua vida não foi outra coisa, em última instancia,
que uma série interminável de longas e perigosas viagens. Seus escritos tiveram grande
influência em estudos com base no rompimento de especulações nas observações dos
fenômenos sociais mundo a fora.

Pensadores deste período, como Erza Pak e Watson Burges estiveram pensando
o método sociológico que foi utilizado por Londres, ao decorrer de sua carreira. Esses
pensadores entendiam que, em um cenário de grandes migrações e mobilidade social,
haveria uma certa ruptura dos dispositivos que instauravam a ordem social do espaço
urbano. Essas aglomerações, bem como aconteceu no contexto do tráfico de mulheres na
Argentina, se estende a um cenário de novos modos de vidas e comportamentos distintos
oriundos de grupos étnicos, nascendo o conflito que gera a desordem, o que possibilitou
o relaxamento de freios morais, bem como aumento da criminalidade 22.

Sendo assim, é importante exemplificar que na sua análise, o autor se propôs a


um estudo de caso para compreender alguns códigos que regiam o esquema de poder
baseado em práticas subversivas, percebendo diferenças e singularidades na composição
de organizações distintas, que bebiam do mesmo anseio, o tráfico. Neste sentido, questão

21
A NOITE. O mais sensacional “repórter” dos nossos dias. 07/06/1932.
22
BREUNING, Alex Erno. Sociologia do crime e da violência. 2008.
fundamental a ser debatida, é que a obra de Londres, jamais tentou dar uma justificativa
ao fenômeno das escravas brancas, mas sim, através das dramas que o espaço cotidiano
dos centros urbanos e suas redes de sociabilidade e solidariedade, possibilitam
desenvolver no interior da sociedade, organizações, cuja atividades desempenharam
problemas que lavram Londres a circunscrever uma narrativa a fins de compreender as
“máscaras” que teciam a prostituição involuntária, o tráfico de mulheres.

A singularidade no trabalho do jornalista, esteve na proposta em dar uma


resposta às autoridades de países europeus, que cobravam da Argentina, repostas sobre o
paradeiro de inúmeras vítimas do tráfico, tendo rumo desconhecido. Segundo o
historiador Galeano (2017), é em meio a esse contexto de turbulências migratórias que
histórias de criminosos e suas mais diversas facetas delituosas estampavam as páginas
dos jornais e atravessavam as fronteiras do atlântico. Para Kushir 23, o tráfico de brancas
e a repressão contra as praticantes deste, já esteve em pauta desde o fim do século XIX,
com a realização de congressos internacionais nas principais capitais europeias.

1.2 - Liga das Nações

A prática de recrutar mulheres europeias por intermédio do tráfico, se tornou


uma prática tão comum antes da primeira grande guerra, que até mesmo durante o
acontecimento, centenas de mulheres teriam sido enviadas da Europa para portos da
América do Sul24. Após os anos que sucederam o término da primeira guerra, a
organização internacional Liga das Nações25, começou a emitir uma série de alertas para
países aliados em razão da prisão de um traficante de nacionalidade polonesa, que teria

23
KUSHIR, Beatriz. Baile de Máscaras, 1996.
24
VINCENT, Isabel. 2006. P.39.
25
Após o término da primeira grande guerra mundial, que germinou da assinatura da rendição alemã, em
11 de novembro de 1918, na crença de que o fim da grande guerra pudesse gerar tréguas e evitar possíveis
repetições de acontecimentos semelhantes, resultando em conflitos, foi instaurada em 1919 a Liga das
Nações. Dessa forma, despertou-se na opinião pública, a necessidade de um conjunto de uma nova era das
relações pacificas entre diferentes nações. No entanto, naquele momento apenas países que estiveram
associados aos campos de batalha se propuseram a participar em apoio a Liga das Nações. O Brasil mesmo
que não tenha fornecido uma colaboração relevante, via na possibilidade de vitória, receber algum apoio
ou recompensa no futuro, contribuindo para importantes decisões no âmbito de políticas externas no
período. Segundo Eugenio Vargas (2000), havia uma certa rivalidade por parte da Argentina, que se
estendia à competição por um prestigio internacional na Europa, porque, em determinado ponto, o
desenvolvimento econômico do país se mostrava essencialmente estável, o que dava brechas para se
importar apenas contra possíveis agressões externas que afetariam a economia do país, ficando de fora do
acordo inicial da Liga das Nações
“desposado” aproximadamente, 30 mulheres em prostíbulos de cidades desconhecidas da
América do Sul.

Em uma das primeiras assembleias, onde o tema principal do “tráfico de escravas


brancas”, ganhou um destaque notório, aconteceu em 1925, em Genebra, dois anos antes
da viagem de Londres para a América do Sul, de acordo com o relatório apurado pelo
periódico Universal Pictures do Brasil26, foi apresentado à quinta comissão relatório sobre
a necessidades de combater e reprimir o tráfico de escravas brancas. Para Lord
Cushendum, representante da Grã Bretanha na Liga, seria necessário a criação de uma
comissão de polícia feminina, como forma de deter o desenvolvimento do tráfico e de
proxenetas criminosos. O idealizador do projeto reforçava ainda que a organização de
uma polícia feminina agiria especialmente na repressão contra o lenocínio, afirmando que
tais mulheres poderiam incumbir um importante serviço social à disposição da sociedade.

O periódico A noite, do Rio de Janeiro, enviou um representante à Liga em 1927,


João Balderston, responsável por averiguar do que se tratava o misterioso relatório a
respeito do tráfico de escravas brancas. O jornalista afirmava ter tido acesso ao
documento onde, países como o Egito, a Argentina e o Brasil, se destacavam entre os
“melhores mercados” para se comercializar mulheres vítimas do tráfico. O relatório
ressalta ainda que em função das péssimas condições sanitárias e de segurança pública, o
Brasil se destacava como um dos piores da América do Sul. Isso proporcionou no
significativo número de mulheres que eram “entregues” a degradante profissão da
prostituição27.

Curiosamente, a viagem de Albert Londres até a cidade do “tango”, que também


aconteceu no ano de 1927, teria sido financiada por ninguém menos que a própria Liga
das Nações. Talvez, a sua excursão tenha sido fruto de uma, dentre várias outras medidas
impostas pela organização internacional, para combater o tráfico de pessoas. Desde 1921,
autoridades dessa organização já se mobilizava para impedir o torpe comércio que tinha
como objetivo comercializar mulheres vítimas do tráfico, que parecia ganhar, cada vez
mais, forças após o termino da primeira guerra mundial. Desde então, relatórios foram
sendo apresentados contra o crime organizado transnacional, relativo à prevenção, a

26
O DIA. Liga das Nações procura abolir a escravidão. 20/09/1925
27
O Dia. A escravatura branca. Rio de Janeiro, 09/12/1927.
repressão e a punição para traficantes de mulheres e crianças em território de países
aliados à entidade, o que não aconteceu com a Argentina.

Assim, surge em 1927, os escritos de Albert Londres, em que o autor apresenta


um panorama sob sua ótica, de um universo reservado, discreto e “disciplinado” de uma
associação criminosa. Tudo indicava que o jornalista estaria fazendo menção a associação
criminosa Zwi-Migdal, ainda no fervor de denúncias locais que colocavam membros da
associação em constante ameaça. Sua análise minuciosa, com inesperadas revelações
acabou despertando a atenção da opinião pública internacional para o problema do tráfico.
Muitos outros fatores devem ser elencados nas observações do jornalística sobre a
dinâmica das práticas e códigos que contribuíam para demarcar nitidamente, a
originalidade de uma, dentre várias outras organizações criminosas do período.

1.3 Tecendo as máscaras que regem a criminalidade

Envolto por uma áurea de fantasias e estereótipos, em 1927, com as


investigações de Albert Londres, esses sujeitos históricos, homens e mulheres, vítimas ou
não, se tornaram parte de um processo histórico que trouxe consigo, uma bagagem de
novas problemáticas, estando inclusos no sentindo de concentrar, sob diferentes
problemáticas, discursos sobre o fenômeno do tráfico de mulheres. Dessa forma,
indicando possíveis caminhos que davam acesso a um universo refutado pelo silêncio e
pela opacidade, analisaremos alguns aspectos levantados pelo autor que nos possibilitarão
compreender, com o auxílio das fontes periódicas do período, detalhes que serviram para
ajustar possíveis narrativas sobre um passado obscuro e negligenciado na
contemporaneidade contemporânea 28.

Até o presente momento, conjugamos a obra do autor visando seu impacto e


ebulição social, para a reconstituição de um elemento histórico no contexto da
historiografia da prostituição na América do Sul. Com uma égide, sua escrita autentica e
sagaz proporcionou ainda, na possibilidade do leitor ao mergulhar sobre uma imersão de
códigos e através de suas anotações e observações que colocaram em xeque a relevância
de se estudar o tráfico. A ambientação pelo qual o autor percorre, perpassando pelos bailes
e estabelecimentos exuberantes, observando mulheres de trajes escandaloso e a

28
RAGO, Margareth. Os prazeres da noite, 1989.
magnitude com que homens comerciantes gerenciavam atividades ilícitas, sem um
momento se quer tropeçarem por tais deslizes.

As regras da vida são extrapoladas são extrapoladas pela narrativa ordinária que
Londres percorre ao desenhar discussões sérias sem abrir mão da sensibilidade com que
vivenciou o cotidiano de mulheres e mulheres envolvidos no tráfico. A começar por Vitor,
“O Vitorioso”, onde o autor mostra que havia uma certa insatisfação da velha geração de
cafténs com os mais novos, que segundo Vitor, cáften entrevistado por Londres, os mais
velhos serviam como espécie de protetores da regeneração da mulher prostituta. Segundo
ele, porque cabia ao homem colocando-as nos trilhos, civilizando, de certa forma, as
mulheres para que pudessem ingressar e conviver na alta boemia29 dos centros urbanos,
sem se deixar levar pela pieguice.

Segundo Margareth Rago30, a preocupação com que caftens demonstravam


sobre a aparência das meretrizes, pode ser explicada em razão da racionalidade do
“sistema mercantil” com que estes homens deliberavam. Embora se saiba que em regiões
do Rio de Janeiro, por exemplo, prostitutas vítimas do tráfico viviam que expensas as
margens da região do mangue, não tinham direito ao acesso à informação e questões de
higiene básica, sendo frequentemente agredidas por serem obrigadas a atender uma
clientela projetivamente marginalizada, como trabalhadores pobres, bêbedos, criminosos
e marinheiros31. Dessa forma, antes de serem redistribuídas para diferentes bordeis, elas
passavam pelos “mercados da carne branca”. Isso justifica a obsessão pela imagem e pela
aparência, visto que se tratava de uma sociedade cujo objeto de consumo, a prostituição.

Na lógica mercantil que permeia a relação entre os sexos segundo esta


forma de sociabilidade, a representação da mulher como força de
trabalho que deve produzir lucro ao proprietário, taylorizando a
ativação sexual de seu corpo serializado, não é incompatível com a
construção da autoimagem protetora do gigolô32.

Outro aspecto, essencialmente observado pelo jornalista e, que possibilitou mais


tarde, entender como funcionavam as diferentes redes de prostituição em Buenos Aires,
foi na tipificação da figura do cáften. Além de vários outros grupos formados por
diferentes nacionalidades, Londres se concentrou especificamente em dois grupos

29
LONDRES, Albert, p. 45.
30
RAGO, Margareth, Op. Cit.
31
VINCENT, Isabel. Bertha, Sophia e Rachel.
32
RAGO, Margareth. O que e taylorismo, 1988.
distintos, que na prática, desempenhavam as mesmas atividades, competindo de certa
forma, pelo monopólio que a prostituição involuntária dissolvia, através da noção
impregnada por Margareth Rago de “prostitutas-máquinas33”.

Em meio a dois milhões de habitantes, percorrendo os bondes que dobravam as


esquinas de Buenos Aires, Londres observou que em meio ao rebanho de homens que
aterrissavam sobre a República Argentina, eram homens e mais homens, que em seus
desejos, como flores silvestres da juventude, buscavam riquezas e deixavam-se levar
pelas tentações que a carne proporcionava 34. O jornalista observou que, apesar da
semelhança, muitas destas mulheres falavam francês, ao invés do polonês. Em La Boca,
importante bairro de Buenos Aires, as francesas se concentravam no que o autor chama
de “casa francesa”, porque segundo ele foi possível identificar: “quatre casa, quatre
femmes, solvente quatre françaises à I’hectare carré!”35.

Apesar de haver um consulado francês nas proximidades, no limiar da noite, era


possível localizar mulheres francesas pelas ruas, caminhando pela frente do consulado
como se estivessem procurando não apenas clientela, mas uma forma de proteção, já que
na cidade havia um certo conflito entre diferentes máfias. Nem apenas La Boca era
considerado como um território visível de circulação destas mulheres exploradas, pois a
desolação dos lugares em que homens se divertiam em toda a capital portenha, era como
“gales de nuit36” que estava por toda a parte, até mesmo dando de frente com autoridades
oficiais que negligenciavam o fenômeno do tráfico 37.

Vale ressaltar ainda, que embora essas mulheres também fossem vítimas do
tráfico, diferentemente das mulheres de origem polonesa, as franceses não eram, pelo
menos em sua grande maioria, enganadas e aliciadas por falsas promessas. Tendo em
mente que Paris era considerado, no século XIX, como um dos maiores prostíbulos a céu
aberto do mundo, muitas destas mulheres que vagavam pelos alcouces franceses para a
América do Sul por livre e espontânea vontade, pois já viviam expensas ao submundo da
prostituição em cidades como Paris e Marselha 38. Perguntado sobre como essas

33
RAGO, Margareth, 1989.
34
LONDRES, ALBERT, p. 99.
35
Idem.
36
Espécie de doença, como “sarnas noturnas”, que predominavam ao anoitecer.
37
LONDRES, Albert. P. 100.
38
Neste período, as prostituições francesas já eram internacionalmente conhecidas tanto por serem
sinônimo de beleza e elegância, mas também por representarem um importante parcela da prostituição baixa
em paris, como lembra alguns estudos de Alexandre Parent du Châtelet na primeira metade do século XIX.
Na Argentina, as prostitutas francesas que eram “recrutadas”, como aparece nos escritos de Londres, mas
franchucas39 iriam em Buenos Aires, alguém respondeu muitas vinham acompanhadas,
quase sempre de sujeitos familiarizados com o comércio de escravas brancas na
América40.

Dos bairros de Paris, para o bairro La Boca, em Buenos Aires, os dois centros
urbanos onde a prostituição tinha em comum a noção de regulamentação da prática e das
formas de “venalidade” do amor, em meio a um século de tensões e obsessões pela
erradicação do uso dos prazeres. Ainda no século XIX, uma série de leis previa, por
exemplo, que as mulheres públicas só poderiam exercer a prostituição sobre casas de
tolerância na Argentina, pois assim as autoridades médicas e policiais poderiam controlar
e vigiar esses corpos, visto que entre os pilares da regulamentação da prostituição na
capital portenha, estava o desenvolvimento de doenças venéreas, em especial a sífilis 41.

Não é demais lembrar que o sistema francês da tolerância se alastrou


não só por toda a França quanto foi introduzido, rapidamente, na
Áustria, com Viena tornando-se lugar de intenso trânsito de prostitutas
e proxenetas, passando a ocupar, no mercado de mulheres, lugar
privilegiado de ligação entre as Europas Ocidental, Central e Oriental.
Por outro lado, a caracterização da Paris de segunda metade do século
XIX como modelo de civilização e farol para o mundo fez o regime da
tolerância – com graus diferenciados de aplicação – alastrar-se pelo
mundo42.

Não é de hoje, como veremos mais adiante, que inúmeros estudos no âmbito da
história do crime e da criminalidade na América Latina apresentam diversas
aproximações com o sistema francês de polícia, e, o impacto que essas políticas externas
obtiveram na adoção de medidas em prol da segurança pública de países da América do
Sul. No que concerne à prostituição de Buenos Aires, o modelo de regulamentação,
entendida como uma medida “moderna e europeia”, segundo Cristiana Schettini, foi
aprovada, em 1875, após uma série de debates e sucessivas ordenanças municipais,
fundamentado sobretudo, por argumentos higiênicos e morais do período, contra as

que na verdade foram traficadas, costumavam circular vagamente pelas ruas das grandes cidades, o que as
tornavam “corpos fáceis” de serem manipulados e enviados para outros centros urbanos familiarizados com
esse comércio da “carne branca”.
39
Prostitutas de origem francesa.
40
LONDRES, Albert. P.106.
41
SCHETTINI, Cristiana. Lavar, passar e receber visitas: debates sobre a regulamentação da prostituição e
experiências de trabalho sexual em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, fim do século XIX. cadernos pagu
(25), julho-dezembro de 2005, pp.25-54, p. 33.
42
MENEZES, Lena Medeiros. O tráfico de brancas e os bastidores migratórios em obras de época. 2017.
ameaças que a prostituição clandestina poderia desencadear, como é o caso das doenças
sexuais.

Como em outros países que se inspiravam no modelo francês de regulamentação,


as autoridades portenhas criaram um status legal diferenciado para as prostituições
pública. Medidas que definiam regras para a circulação no espaço urbano, bem como
horários e condições de trabalho e moradia, além de exames médicos periódicos
obrigatórios, que previa ainda, a intenção forçada para meretrizes adoecias em
decorrência de doenças venéreas. No entanto, em meio a implementação da
regulamentação da prostituição na sociedade portenha, medidas em prol do controle
desenfreado da prostituição, havia a necessidade de mudanças legislativas que poderiam
incorporar, na esfera regulamentária, diferentes dispositivos de controle territorial da
prostituição.

A começar pelos modelos de identificação estabelecido por autoridades


portenhas por intermédio da criação de um gabinete de identificação em 1888. No Brasil,
o primeiro Gabinete antropométrico43 surgiu em 1892, na cidade do Rio de Janeiro, graças
a um grupo de médicos legistas, juristas e criminologistas ligados à escola italiana, como
Agostinho J. de Souza Lima, Cândido Mendes de Almeida, José A. de Souza Gomes e
Antônio Maria Teixeira. Sendo assim, os modelos de identificação de meretrizes, adotado
por autoridades portenhas, foi o mesmo adotado por autoridades do Rio de Janeiro.

Os escritos de Albert Londres, apresentam uma série de evidências sobre a


existência de diferentes “padrões” de comportamentos impostos por diferentes
organizações que funcionavam às custas do tráfico e do lenocínio na Argentina. Sua
análise possibilita ainda, delimitar os apontamentos minuciosos do interior dessas
organizações para compreender a existência de “padrões comportamentais” no âmbito da
criminalidade, em meio ao imaginário social instalado na República Argentina. Seu
estudo, na perspectiva de identificar as harmoniosas composições de organizações que se
mantiveram intactas por longos anos, produziu resultados consistentes no fenômeno
urbano da prostituição clandestina. A concepção atinente ao modo como interagiam,
possibilitou ainda, compreender como diferentes redes traficantes se coadunam em meio
à distintos métodos de intervenção, em meio à prostituição clandestina.

43
GALEANO, Diego. Polícia, antropometria e datiloscopia: história transnacional dos sistemas de
identificação, do rio da Prata ao Brasil, p. 173.
Em decorrência dessa demanda por um poder policial capaz de vigiar e controlar
os corpos, foi instaurado, com o nascimento da prisão, forças de normalização, que
Foucault vai chamar, através do conceito de panóptico, de uma sociedade disciplinar 44.
Dessa forma, a disciplina, buscando vigiar e controlar os sujeitos, se pautava no exercício
de poder sobre os sujeitos, apurando e reprimindo comportamentos e expressões que
perpassavam a noção definido como “normal”. Com o nascimento da prisão, através da
disciplina, esse poder de “regulamentação” dos corpos, em certo ponto, teria ocasionado
uma certa homogeneidade sobre os indivíduos criminosos, forçando, dessa forma, a se
desprenderem dos desvios e se auto ajustando na sociedade em meio as normas e valores
estabelecidos em determinada época.

Sendo assim, compreendido como uma espécie de produção subjetiva, capaz de


internalizar a normalização da conduta do sujeito criminoso, a prisão, bem como outras
instituições onde a noção de panóptico poderia conferir os mesmos efeitos, se demonstrou
uma extensão a parte das instituições disciplinares a partir do século XIX. Mas, o que
interessa, nesse aspecto, é compreender como, segundo Foucault, as tentativas de
“normatizar” os indivíduos delinquentes, proporcionaram experiencias negativas no
âmbito dos métodos de exploração de atividades torpes, como o proxenetismo. Ou seja,
esses sujeitos, quando reunidos e mantidos em prisão, eram capazes de desenvolver, até
mesmo em grupos, manifestações e articulações capazes de tirar alguma forma de
proveito com base na delinquência. É desse pensamento que, segundo o autor, surge o
chamado “edifício da prostituição” no século XIX, trazendo consigo, o desenvolvimento
de redes de proxenetismo, atreladas a articulação entre prazer quotidiano e o sistema
capitalista em países da Europa.

Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar os


criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos
criminosos ou para afundá−los ainda mais na criminalidade.
(FOUCAULT, 1975, pag. 75)

Como ofício da prostituição, o autor argumenta que isso se desencadeou em um


“preenchimento estratégico do dispositivo”, que consistiu na concentração de um
emaranhado de sujeitos, cujos interesses organizavam atividades criminosas com base na
extração do lucro pelo prazer45. O surgimento de redes de prostituição, e como

44
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 1975.
45
(FOUCAULT, 1975, pag. 174).
consequência o tráfico de mulheres, parece ter surgido como efeito que não estava, de
modo direto, previsto de antemão. Todavia, as ações solares do poder, concebidas como
funções capazes de reprimir e impor uma determinada ideologia, onde a submissão passou
a ser disfarçada em operações que a própria modelagem do corpo produzia, foi capaz de
gerar um conhecimento do indivíduo, onde o aprendizado das técnicas induzia novos
modos de comportamento e a aquisição de aptidões de poder.

Nesse universo onde pesa o segredo, onde a mentira e o escamoteamento se


tornavam comuns, seria ingênuo pensar na homogeneidade das relações em que a
prostituição clandestina tentando justificá-las ou difundi-las, cujas raízes sejam políticas,
jurídicas, psicológicas ou imaginárias. O impacto da publicação de Albert Londres sobre
a prostituição na vida cotidiana de metrópoles do cone sul, tem desempenhado importante
papel na diversidade e heterogeneidade que as fontes jornalísticas ou judiciais
desempenham, cabendo ao historiador lançar mão dessa multiplicidade de visões que
contribuem para nutrir as narrativas sobre o passado.

Como um todo, Londres identificou diferentes em meio ao imaginário social do


tráfico de escravas brancas, diferentes grupos étnicos que se organizam e desenvolviam
as margens de um considerável conjunto de hábitos populares em meio a uma sociedade
constituída pelo mercado de trabalho livre. Sendo assim, os poloneses, russos e francês
não representavam quase que exclusivamente mediadores do tráfico, mas foram os que
mais deixaram registros visíveis no imaginário popular, bem como detectado por Albert
Londres.

A historiografia, bem como ressalta Laure Adler 46, não se baseia num discurso
de verdade controlável em todos seus aspectos. Pois afinal, todos os discursos sobre a
prostituição estão atrelados ao furor de fantasias e da forma como diferentes mecanismos
de repressão tendem a objetivá-las para um discurso desmoralizador. Neste aspecto, cabe
ao historiador vasculhar os arquivos e descobrir informações que muitas vezes passaram
por despercebidas.

46
ADLER, Laure. Os bordeis franceses.
1.4 - Trilogia do Tráfico de Escravas Brancas

Graças a um estudo publicado pelo historiador argentino Gerardo Bra, que


posteriormente resultou em sua obra “La organización negra: La increíble historia de la
Zwi Migdal”, é possível compreender que, além dos escritos de Albert Londres, as pontes
que levaram até o suspiro das autoridades contra a exploração de mulheres. As lutas e
discussões eram frequente a todo momento e as denúncias jornalísticas acompanhavam o
desenvolvimento das redes de tráfico desde seu aparecimento na Argentina, ainda na
segunda metade do XIX.

Os primeiros registros oficiais de um possível declínio do grandioso esquema do


tráfico e exploração de mulheres, começa a surgir em 1927, em meio a constantes debates
e algumas denúncias no âmbito da criminalidade, como já discutimos anteriormente.
Como uma realidade desafiadora, com valores sociais à prova de denúncias criminosas,
tendo a própria sociedade portenha como possível “redentora” de algumas práticas
alicerces ao tráfico. Sendo assim, por muitos anos autoridades policiais de fato
negligenciaram evidências e pistas que pudessem fundamentar processos criminais contra
proxenetas do cenário noctívago portenho daquele período.

Isso corroborava a convicção de que a ausência de inquéritos relativos às


denúncias de mulheres vítimas do tráfico, que por uma brecha conseguiam cindir das
garras daqueles que cooperavam com a manutenção dessas organizações, os caftens,
ocorriam mormente devido aos obstáculos que foram sendo lapidados pelos caminhos.
Parcela da fiscalização de problemas relativos à ordem, a higiene e a manutenção da
cidade eram executadas por representantes da polícia e funcionários judiciais, que
segundo Liliana Mabel Martiello 47 se deixavam levar pelas tentações, e que ao invés de
contribuir intermediando uma série de denúncias, acabavam sendo subornados,
protraindo ainda mais na devassidão e silenciamento do esquema.

Sendo assim, possivelmente pelo fato de apresentar uma identidade de


“organização beneficente”, que agia em prol da ajuda mútua para membros da
comunidade judaica em Buenos Aires, não tenha proporcionado diretamente olhares

47
MARTIBELLO, Liliana. Apuntes para una historia de lá prostitución em Buenos Aires (1920-1940). 2008,
p. 05.
tênues, sobre possíveis atividades ilícitas, já que agiam articulando submersos à
fiscalização policial e municipal. Seria um descuido saltar para o final trágico que o
desfecho da organização vivenciou, sem antes escrever o papel que desempenhou, por
meio de uma série de transformações de caráter sociocultural na sociedade portenha, sem
antes percorrer pelos dicotomia dos caminhos que traçaram esses sujeitos, como forma
de precaver uma possível colisão entre lei, cotidiano e municipalidade 48.

A entidade beneficente, oficialmente legalizada, denominada “Sociedad de


Socorros Mutuos Varsovia49”, viveu seu ápice durante os anos de 1920. Como num
espetáculo teatral, uma produção cinematográfica, ou uma obra literária, toda narrativa
apresenta idas e vindas, amores e desavenças, a história que repercute a Zwi-Migdal não
foi diferente. Fundada ainda no final da década de 1880, essa sociedade se recompôs em
meio a um contexto de maciças ondas migratórias para a América do Sul. A entidade deu
início às atividades como uma funerária israelita, estratégia usada para burlar e driblar as
autoridades para eventuais infrações que perpassariam muito além apenas do tráfico e da
exploração de mulheres.

Em um pequeno momento de alarde, que teria acontecido por meados de 1906,


como respostas as inexoráveis queixas de países europeus como a Polônia, em
complexidade dos problemas relativos ao tráfico, algumas reinvindicações de caráter
repressivo foram sendo chefiados por autoridades locais, sobre possíveis desvios
vinculados à empresas “fantasmas”. É nesse meio termo que a sociedade de caftens decide
renomear a organização, mudando o seu nome para zwi-migdal. Dessa vez, assumindo
um caráter muito mais identitário, o novo dava visibilidade a figura de Luís Migdal
Wereticky50, que além de sua trajetória controversa após chegar na América, foi
considerado como um dos principais pela criação da “Sociedad Varsóvia” no final do
século XIX

O prédio onde funcionava a administração da organização, estave localizado na


Avenida Córdoba, número 3280. Em um prédio grande e luxuoso, funcionava como uma
agência funerária, sob a identificação de Sociedade Varsóvia, e aparecia em listas

48
ALSOGARAY, Júlio.
49
Explicar o porquê do nome.
50
Foi um dos principais líderes da organização criminosa ainda durante a fase “ajuda mutua Varsóvia”, e,
posteriormente, teve seu nome homenageado por membros da organização, dando início, então, a uma outra
fase, intitulada zwi-migdal. Luís ficou conhecido, antes de se envolver com o lenocínio, por ter sido preso
acusado ser anarquista e promover desordem em países por onde teria transitado.
telefônicas da cidade em 1928. Nele, se concentrava toda a hierarquia constituída pela
máfia clandestina, desde líderes até traficantes proxenetas que leiloavam suas vítimas em
palcos, como grandes leilões de venda de mulheres. Estimasse que o saldo da funerária
apresentava um aumento significativo a cada ano. Em termos líquidos, conseguiu
arrecadar até 1929, 275.204,01 mil pesos. Como é de se notar, a circulação desse capital
logo acabou se tornando alvo para possíveis investigações, o que inicialmente foram
rebatidos sob alegações de que se tratavam de doações fervorosas doações em dinheiro,
ou bens materiais, de associados, já que se tratava de uma entidade religiosa.

Os primeiros caminhos foram se abrindo em 1926, quando o periódico A noite,


em março, notifica que jornais portenhos apuraram uma investigação que teria descoberto
uma suposta “máfia clandestina”. Peculiarmente, essa máfia se chamava, segundo a
imprensa daquele país, de “Sociedade Internacional”, o que aproximou os olhares de
diferentes diligências policiais para a funerária mencionada antes. A denúncia tratava-se
do familiarizado caso de “Mercado de Mulheres 51”, que teria sido descoberto graças as
investigações pelo paradeiro de uma jovem moça, oriunda de terras longínquas, que teria
sido traficada e comercializada pelo seu noivo na Argentina. Tanto a imprensa portenha,
quanto a imprensa internacional logo se viram atentos sobre a importância de certa
investigação, apurando ainda, sob cautela, possíveis ramificações que poderiam ocasionar
no ocultamento de provas e na dispersão dos envolvidos antes de quaisquer interdições
de delegacias e auxiliares.

Sendo assim, o ponto de partida para penetrar a fundo nesse universo


“polimorfo” que caracterizava a criminalidade portenha, visando identificar empresas,
bares, restaurantes que desenvolviam atividades torpes, que funcionavam estreitas às
margens da lei, caçando licenças e alvarás distribuídos de forma irregular. Vale ressaltar
ainda, que embora os bordeis, ou pelo menos boa parte deles, fossem regulamentados pela
justiça, instigar atividades colocando mulheres enquanto mercadorias, poderia acarretar
na cassação do alvará de licenciamento. Esses homens não seriam tolos ao ponto de
praticar essas atividades sob olhares públicos da clientela que transitava pelo vai e vem
dos bordeis da cidade.

51
O termo “mercado de mulheres”, ficou registrado, sobretudo na imprensa periódica do início do século
XX, se referindo principalmente, ao ato de comercializar mulheres no interior dos salões disfarçados de
restaurantes e bares.
Devido aos obstáculos que driblavam essas denúncias, apenas em 1927, com a
nomeação do renomado inspector Martin Pérez Estrada, segundo José Luís Scarsi 52,ficou
encarregado de chefiar a Inspeção da Sociedade de Informações Legais da Argentina, é
que os ares começaram a tomar outros rumos. No mesmo ao em que foi nomeado
Inspector, Estrada ficou encarregado em averiguar uma série de denúncias que teriam
sido arquivadas por falta de provas, sobre possíveis atividades que estariam, de forma
ilícita, alimentando o comércio imoral do tráfico de mulheres naquela cidade. Como já
mencionado antes, haviam diligências em aberto que deveriam ser investigados a fundo,
dito isso, o Inspetor deu início a uma série de recentes denúncias para apurar a fiscalização
de bares, lojas e restaurantes que estariam vinculados ao caso Varsóvia, pelos autos
ganhos arrecadados em um curto período e sem recebedores identificados.

Um dos alvos da investigação de chefiada pelo Inspetor Estrada teria sido um


restaurante gerenciado por Zacarias Zitnitzky, seu sócio Felipe Schon, o secretário Max
Saltzman, o subsecretário Arnaldo Hartglas e o tesoureiro Simon Burtkievich e outros
membros que ocupavam diferentes cargos dentro da empresa. No entanto, como veremos
mais adiante, muitos destes nomes, embora não tivessem sido denunciados por atividades
ilegais, devido à falta de provas, segundo o Inspetor, vão aparecer no decorrer do processo
em que levou o então delegado Júlio Alsogaray a investigar a fundo as falcatruas da
organização.

A denúncia chegou até o diretor jurídico, após uma série de declarações por parte
de Don Selig Ganopoi, alegando que o restaurante em questão, era usado como prostíbulo,
servindo ainda para leilão de mulheres. Na época, o Inspetor chegou a entrevistar o
responsável pelo estabelecimento, Zitnitsky, no qual o mesmo alegou em tom indignado,
de que os acusadores, Ganopoi nesse caso, não teria razões coesas para deliberar tamanha
gravidade. A princípio, a de defesa do acusado e dos demais envolvidos teria tentado
inocentar os envolvidos alegando que as atividades monetárias do restaurante, se
originava em razão da sua função como fabricante e comercial de tecidos local 53. No
entanto, a tática de alegar exercer profissões como fabricantes donos de comércios de
tecido já era alvo familiar para as entidades policias, devido ao constante uso de tal
circunstância em processos criminais envolvendo criminosos viajantes.

52
SCARSI, Luís. Tmeiim: los judíos impuros: historia de la zwi migdal. 2018, p. 65.
53
BRA, Gerardo. La Organización Negra. La Increíble Historia de La Zwi Migdal. 1982, p. 129.
Mas, na época, em resolução do Diretor Jurídico da cidade de Buenos Aires, o
mesmo teria alegado que decidiu dispensar tais acusações omitidas por Don Selig
Ganopoi contra a suposta Sociedade, devido à falta de provas. Segundo o delegado de
polícia, que estava envolvido em atividades ordenadas pela organização, não existiam
evidências de possíveis desvios nas atividades da sociedade ou quaisquer histórico
criminal envolvendo os suspeitos.

1.3 - Raquel Liberman

Como muitas mulheres vítimas do tráfico, Raquel Liberman, durante os anos de


1920, decidiu viajar para Buenos Aires, acompanhada de dois filhos, acompanhar os
negócios de seu marido. Diferente de inúmeras outras vítimas do tráfico, Liberman não
chegou a ser aliciada nem traficada diretamente por via marítima, ou por rituais religiosos
praticados por caftens viajantes. Nascida na Berdichev, atual Ucrânia, em 1919, se casou
com Yaacov Ferbes, que possuía parentes residindo na então República Argentina. Em
busca de emprego, Ferbes emigrou para Tapalqué, uma pequena província de Buenos
Aires sem a companhia de sua esposa, Raquel, que anos mais tarde viajaria para a
América do Sul para reencontrar seu marido 54.

Meses após a sua chegada, Yaacov Feber se encontrava muito debilitado em


razão das consequências que a tuberculose, doença respiratória água teria ocasionado,
debilitando seus órgãos pulmonares55. Na Argentina, embora os índices de mortalidade
relativos a homens e mulheres fosse predominantemente maior entre os homens, a
tuberculose era um problema de saúde pública que necessitava de medidas urgentes de
caráter sanitário 56. Todavia, embora medidas de prevenção como a criação de “espaços
verdes”, implantados como parte de um modelo de cidade moderna, essas medidas não
atingiam majoritariamente todas as camadas da sociedade, deixando em evidência
sujeitos excluídos socialmente57, expostos às doenças que germinavam da insalubridade
de becos e vielas de regiões portuárias 58.

54
GLICKMAN, Nora. The Jewish White Slave Trade and the Untold Story of Raquel Liberman. 2000.
55
HOCHMAN, Gilberto. Lima, Nísia Trindade. Pouca saúde, muita saúva, os males do Brasil são...
Discurso médico-sanitário e interpretação do país. 2000.
56
(FARIA, 2010, p.831)
57
PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres, prisioneiros. 2017.
58
FERLA, Luís Antônio Coelho. Feios, sujos e malvados sob medida: do crime ao trabalho, a utopia médica
do biodeterminismo em São Paulo (1920-1945). 2005.
Com a profissão de costureira para ajudar nas despesas da família, Raquel
desesperadamente partiu rumo à capital portenha em busca de emprego que pudesse
desarcar com as despesas familiares que o marido chefiava. No entanto, a historiografia
recente sobre o tema não explana exatamente se Liberman teria sido vítima da prostituição
involuntária, ou se teria deixado cair nas lábias de homens e mulheres que transitavam
pelas cidades, aliciando mulheres para trabalhar em bordeis da cidade em troca de
dinheiro. No entanto, se sabe que Elke, cunhada de Liberman trabalhava em um bordel
clandestino nas proximidades de Buenos Aires, desempenhando funções relativas à
prostituição clandestina, o que a tornava uma cafetina que servia para a organização Zwi-
Migdal.

Estimasse, em decorrência da documentação escrita sobre sua trajetória, que


Raquel tenha sido mantida em cárcere, sendo forçada a se prostituir por aproximadamente
5 anos, desde que partiu rumo à capital em busca de serviços. Neste progresso, inúmeras
foram as tentativas de mulheres vítimas da exploração de tentarem fugir dos locais onde
eram expostas como objetos sexuais. Convenhamos, para uma mulher explorada, vítima
de criminosos, pensar em liberdade em uma sociedade onde as políticas públicas
funcionavam a favor da regulamentação da prostituição, tendo em vista, ser reconhecida
nacionalmente como um “bem necessário”, não seria uma tarefa tão simples.

Otimismo, juventude e beleza eram atributos únicos que mulheres solteiras,


sobretudo na condição de estrangeiras, poderiam apresentar em um país desconhecido.
Após ter sido capturada e vendida como “mercadoria”, sua ingressão ao submundo da
prostituição clandestina não tardou a acontecer, possivelmente graças a ligação de Elke
com a organização criminosa que gerenciava o meretrício portenho. Ao contrário de
outras mulheres, Raquel Liberman teve a permissão de “comprar” sua liberdade após
pagar uma fiança de 1.500 U$ ao seu proxeneta, Jaime Cissinger.

Após se desprender das garras da organização, aos poucos ela tentou reconstruir
sua vida, adquiriu uma propriedade e instalou uma loja de antiguidades na Rua Callão,
no centro de Buenos Aires, graças a arrecadação que juntou durante os anos em que fora
explorada. No entanto, após se desligar de membros e da própria organização, Raquel
passou a receber constantes ameaças de homens ligados ao comércio imoral, sob
alegações de que não seria permitido que nenhuma mulher se tornasse independente. Um
desses sujeitos teria sido Mauricio Kirsthein, que passou a ameaçá-la caso ela recorresse
as autoridades policias.

Ficou claro, que a organização não permitia nenhuma tentativa de “rebelião” por
parte das mulheres. Na verdade, se tratava de mais um golpe que os proxenetas aplicavam
sobre suas vítimas, tomando-as tudo o que conseguissem arrecadar, sendo obrigadas a se
sujeitarem aos desejos dos proxenetas. Muitas vezes, sem ter para onde ir ou para quem
pedir auxílio, essas mulheres ficavam espessas as margens da pobreza dos centros
urbanos, assim como aconteceu com as escravas brancas traficadas na cidade do Rio de
Janeiro, no início do XX.

A partir de então, os acontecimentos começaram a se cruzar, enfatizando


acontecimentos anteriores que, de certa forma contribuíram para o desfecho da
organização. Após conhecer e se casar com um jovem polonês chamado Salomão José
Khon, pouco tempo depois, Raquel descobriu que o sujeito estaria agindo a mando da
Zwi-Migdal para vigiá-la e controlá-la. Ela então apelou para que o presidente da
sociedade, na época o então Simon Brutkievich, o mesmo investigado sobre possíveis
atividades criminosas, além de corrupção, para que ele a ajudasse a recuperar seus bens
perdidos.

O epicentro de toda essa “fervura”, aconteceu quando Raquel Liberman,


recorreu à justiça pela segunda vez, em pouco menos de dois anos, contra as atividades
ilícitas da Sociedade Varsóvia. Desta vez chefiada pelo então delegado, formado pelo
exército, Júlio Alsogaray, acompanhado do juiz Ocampo Estrada, o mesmo responsável
por apurar uma série de possíveis suspeitas contra sociedades clandestinas.
Evidentemente esse foi o primeiro grande golpe contra a Zwi-Migdal e sua rede de
prostituição em toda a América do Sul. Levou alguns meses até as autoridades
recolhessem provas o suficiente para a que medidas eficazes fossem colocadas em
práticas.

Dessa forma, inicia-se uma série de investigações, sem o alarde da imprensa,


como forma de despistar as atenções sobre o caso, buscando desvendar os códigos que
geriam os negócios dos falsos estabelecimentos investigados. Ficou comprovado que
esses traficantes tinham a colaboração de funcionários argentinos ao embarcarem no país
com suas “mercadorias”. Esses sujeitos desempenhavam a função de fornecer
documentos falsos para as mulheres, desviando as atenções da polícia marítima. Esses
documentos também se mostravam essenciais, visto que era um requisito indispensável
para despejar mulheres à prática da prostituição regulamentada no país.

Neste percurso, foi descoberto ainda que, inúmeros leilões aconteciam nos
fundos de estabelecimentos comerciais, como foi apurado na suposta ilegalidade do
restaurante de Zitnitzki anos antes. No interior desses locais havia salas separadas,
destinadas a compra e venda dos corpos femininos. O “ápice” do espetáculo acontecia
quando enormes cortinas que separavam a divisão dos estabelecimentos entre o “aceitável
e o não aceitável” eram abertas, expondo mulheres totalmente nuas às dezenas de homens.
Há relatos ainda, de que os funcionários que chefiavam os leilões permitiam que os
compradores apalpassem e sentissem os dentes das mulheres, além das dimensões
corporais, conforme fosse do agrado da “clientela”.

Como pano de fundo, ouviam-se as vozes de sucessivas ofertas emitidas em voz


alta pelo locutor dos leilões, sugerindo os valores sobre cada “mercadoria”. Segundo Júlio
Alsogaray, outra meretriz de nome Raquel Spertzein, havia apresentado uma queixa
anterior à Liberman, mas, no entanto, a estratégia usada por ela foi de cometer uma série
de ataques físicos ao seu cliente cujo nome era Natalio Zisman, deixando-o internado em
um hospital. Como punição, a sociedade impôs que a meretriz deveria arcar com todas as
despesas no período em que o sujeito estivesse internado. Quando veio a óbito, além de
arcar com o funerário, precisou prestar queixa na delegacia, onde foi ouvida e apreendida.
No entanto, há havia uma relação atrelada aos bens familiares, onde Spertzein deveria ser
deixada para Max Zisman, irmão do falecido, dando continuidade aos abusos sexuais na
vítima.

Com a abertura do inquérito policial, rapidamente as autoridades se mobilizaram


para invadir a sede da organização. Nos documentos oficiais do Zwi-Migdal,
aproximadamente 3.000 mulheres estariam sendo exploradas apenas naquela cidade em
1929. Isso não levava em conta a atuação da organização em outras cidades e em países
vizinhos, como o Brasil, tido como segundo grande concentrador do tráfico de escravas
brancas nas Américas.

Quando foi emitido a informação de que havia sido descoberta uma sociedade
clandestina, vulgo Zwi-Migdal, localizada na Avenida Avellaneda, no centro da capital
portenha, as autoridades rapidamente providenciaram a retirada do status legal concebido
a empresa, em 25 de julho de 1906. Em parágrafo especial, foram apontadas as seguintes
diligências no que se referia à ilegalidade da sociedade:

"Que si bien no se cumple en dicha sociedad lo que dispone el art. 19


del Reglamento de agosto de 1911, lo que sería motivo suficiente para
retirarle la personería jurídica de que goza, hay razones muy superiores
para considerar a dicha institución al margen de las que deben merecer
las franquicias e importancia que otorga el ser reconocida su personería
jurídica, como lo evidencia la investigación que se está realizando en la
Capital Federal, al poner de manifiesto con el consigu iente estu por
general los siniestros fines de toda su complicada organización, yel
hecho de que. casi la absoluta ·totalidad de los miembros que la forman
son sujetos de los más pésimos antecedentes y prontuariados como
elementos de la peor especie social"59.

As investigações concluíram ainda, que, a grande quantidade de evidências de


como os réus enganavam as famílias das vítimas e as formas com as quais conseguiam
iludir as mulheres através de passaportes falsos, não só da Polônia, mas também na
Alemanha e na França. Enquanto as grandiosas fortunas dos membros processados, havia,
segundo o juiz Ocampo, uma série de truques que burlavam as autoridades públicas,
facilitando a circulação e arrecadação de bens entre os envolvidos. Homens que
enriqueciam de um dia para a noite, adquiriam propriedades luxuosas, mas que não
constavam nos documentos de repartição, quando estes mesmos chegavam à Argentina.

Dentre os crimes que os envolvido entre os acusados, estavam os crimes de


corrupção, lesões corporais, abortos, fraudes em documentos jurídicos, extorsões, falso
testemunho, dentre outros. Mas em 27 de janeiro de 1931, a Câmara de Crime de Buenos
Aires emitiu uma resolução sobre o caso Zwi-Migdal. Embora os proxenetas tenham sido
acusados de uma série de crimes, a Câmara considerou que não seria cabível puni-los por
associação ilícita. Dessa forma, dos mais de 400 mandados de prisão, não significou
necessariamente no recolhimento em cárcere desses sujeitos, justamente por não
pertencerem a República da Argentina.

Estimasse que dos 434 mandados de prisão, 103 foram realizados e apenas 15
sujeitos tiveram a prisão executada60. Os demais acusados fugiram da Argentina para
países vizinhos como Brasil, Paraguai e Chile, dando início a um processo de
identificação em regiões como Rio de Janeiro e São Paulo contra a entrada indevida de

59
BRA, Gerardo. P. 48.
60
Diário da Tarde. “as prisões efetuadas em Buenos Aires. Curitiba, 23/04/1930.
agentes proxenetas em território nacional. No entanto, por se tratar de grandes cidades,
onde haveria uma concentração maior de vigilância por parte das autoridades, outras
cidades como Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, abriram caminhos para possíveis
novas atividades desse grupo que por uma brecha, teria se desfragmentado.

Em memória a luta de Raquel Liberman, e as manifestações de grupos feministas


de Buenos Aires, anos depois, em 1934, é que a regulamentação da prostituição em todo
o território da Argentina deixa de ser legalmente tolerada, sendo devidamente proibida
quaisquer formas de exploração dos corpos femininos61. No Brasil, o reconhecimento por
leis contra o tráfico de pessoas, para fins de submetê-las a trabalhos em condições
análogas a escravidão, como a exploração sexual, passou a ser lei apenas no Código Penal
de 1940. No Brasil, a pena contra o tráfico de mulheres e crianças poderia resultar em
reclusão de quatro até oito anos de prisão e multa. A pena poderia ser aumentada em casos
envolvendo funcionários públicos, ou contra crianças, adolescentes, pessoas idosas ou
com deficiência, ou se a vítima fosse encaminhada para outros países. No entanto, em
caso de réu primário ou não agir por via de interações de organizações criminosas, a multa
poderia ser reduzida de um até dois terços. O dia 30 de julho ficou instituído
nacionalmente como sendo reconhecido o Dia Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas, além de campanhas com o apoio de veículos de comunicação e a conscientização
da sociedade sobre as modalidades do tráfico.

1.5 - Uma perspectiva transacional do crime

De forma difusa, e para além de suas atribuições regulares, a organização


criminosa Zwi-Migdal, desempenhou uma preocupação que perpassaria além dos
auxiliares da polícia portenha após sua descoberta em 1930. Apesar das atividades terem
sido vedadas no âmbito da municipalidade de Buenos Aires, por usufruírem de uma ampla

61
Raquel Liberman hoje, é reconhecida internacional como “heroína”, ícone que lutou contra o tráfico e
exploração de mulheres, e contribuiu desencadeando o desfecho de uma das maiores organizações
criminosas destinadas ao tráfico de mulheres ao submundo da prostituição clandestina. Sua trajetória de
vida despertou inúmeras produções mundo à fora, além de inspirar produções audiovisuais e romances que
relatam o fenômeno do tráfico por um viés literário. Atualmente, acontece em Buenos Aires o concurso
Prêmio Raquel Libermann em Buenos Aires em sua homenagem pela contribuição aos direitos humanos.
O concurso age em prol do reconhecimento de organizações não governamentais ou pessoas com projetos
sociais, que promovem e protegem os direitos de mulheres vítimas de violência física ou simbólica, por
estarem sujeitas a um universo “inebriado” por discursos de estigmas e exclusão.
discricionariedade, os apontes para investigar a alta demanda de criminosos ou crimes
cometidos por eles, logo se mostrou uma tarefa árdua, que necessitaria de um elenco de
atribuições e contribuições por parte das diligências policias de países vizinhos,
principalmente o Brasil.

Embora no início do século passado a noção de polícia de fronteiras ainda não


existisse, quem ficava responsável por deter crimes e contravenções era a polícia marítima
das cidades portuárias, que recebiam, com maior fluxo, o embarque e desembarque de
indivíduos estrangeiros. Tomados pelo caos que regiões portuárias desenvolviam
naturalmente, devido a sua constante movimentação, a polícia marítima ficava a cargo de
aspectos indecorosos cometido por estrangeiros, comerciantes, prostitutas e dos mais
variados tipos de criminosos viajantes. Dessa forma, a polícia marítima ficava
responsável por registrar e identificar todos aqueles que entravam e saiam do país, por
via marítima. Um exemplo disto são os relatórios de chefe de polícia do Estado do Paraná
de 1927, onde o então Inspetor da Polícia Marítima de Paranaguá, Clotário de Macedo
Portugal, apresentava um panorama pertinente ao acesso de imigrantes que chegavam ou
saiam do país, por via portuária 62.

Dessa forma, a revolução dos transportes, e a facilidade de locomoção entre


territórios distintos, além é claro do desenvolvimento dos grandes centros urbanos, nos
auxiliam a pensar em histórias de crimes, ou sujeitos criminosos transnacionais 63. Dessa
forma, como produto resultante de uma ordem progressista, a modernidade impôs
também a necessidade de técnicas capazes de intensificar o métier de profissionais como
a polícia técnica e a polícia marítima. Mais importante do que investigar as características
nefastas do sujeito criminoso, era preciso investigar sua inteligência, ou sua capacidade
de criação, emaranhados pela argúcia, resultando em crimes a ponto de se tornarem quase
imperceptíveis.

Embora houvesse um esforço entre intelectuais e estudiosos das ciências


policiais sobre os métodos e técnicas policias deste período, segundo Luís Antônio 64, era
na prática que aconteciam, na maioria das vezes, o conhecimento desses métodos que se
aprendiam nas escolas de formação policial. Dessa forma, somente a experiência poderia
responder as necessidades do trabalho em combate ao crime. Sendo assim, a noção do

62
Relatório do Chefe de Polícia de 1927.
63
GALEANO, Diego. P. 19.
64
ANTONIO, Luís.
criminoso escruchulante, ventanista ou punguista passa a compartilhar de novas
experiencias, de sujeitos especialistas que fogem em meio a aglomerações, que
desaparecem nas estações ferroviárias, os mesmos que folheiam repentinamente as
páginas da imprensa em lugares de boemia, que na alvorada da manhã, transitam em
outras cidades, despistando as deliberações do cotidiano de um aparelho policial, que
semelhante a qualquer atividade profissional, necessitaria de melhorias a seu favor65.

Em um mundo cercado por várias formas de diligência e interações, a figura do


homem cáften, rufião ou proxeneta, se configura na representação do tipo de sujeito
criminoso celerado que vive como empresário de um prostibulo, aliciando e explorando
mulheres aos mais diversos aspectos de alcouces que os centros urbanos proporcionavam.
O submundo da prostituição é o mundo do jogo, do risco prementemente, da supressão
incessante, onde sujeitos são agem como empresários tragando grandes redes de
prostituição. Outras histórias floresciam desse fenômeno, como o aumento da sífilis, o
uso de substancias do ópio e o consumo desenfreado de bebidas alcoólicas, que foram se
tornando parte do cotidiano do meretrício, identificados através das escritas sobre a
cidade66.

Definindo a cidade como um ímã, Rolnik 67 explica que grandes centros urbanos
passaram a respirar em tom libertador durante as transformações culturais do homem no
espaço urbano, contribuindo de forma indireta para redefinir, projetar e reorganizar
modelos arquitetônicos de grandes cidades civilizadas. Nesse parâmetro, as noções de
espaço deixam de se restringir a um conjunto denso e definido de edificações, ou seja, de
aglomerações, se tornando espaços de reorganização do convívio social. Sendo assim, a
noção de cidade política se torna cada vez mais evidente a medida em que políticas
públicas em prol do saneamento social foram criando barreiras, diferenciando a
arquitetura urbana não apenas em espaços destinados ao comércio e ao lazer, mas também
ao convívio social da sociedade, acarretando na vida coletiva de grupos menos
favorecidos.

Habituados com a vida coletiva dos bordeis, o ritual de dispersão desses sujeitos
criminosos acabou acarretando na circulação pelas capitais em movimento, como Rio de
Janeiro, São Paulo e Buenos Aires. Entretanto, há certa peculiaridade no que diz respeito

65
GALENAO, Diego.
66
ENGEL, Magali. Sexualidades interditadas: loucura e gênero masculino. 2008.
67
ROLNIK, Rachel. O que é a cidade.
ao povoamento desses criminosos em cidades que, em meio a esse contexto, semeavam
rumo ao progresso, injetados via a um modelo de modernidade, como veremos mais
adiante. Esse mapa que caracterizava as rotas que o tráfico percorria no período
trabalhado, esteve acompanhado de complexos códigos, no que diz respeito a operação
de grandes máfias, bem como a atuação de sujeitos que agiam em pequenos grupos ou
individualmente.

Apesar das atribuições legais e dos esforços do policiamento cotidiano, ficou


evidenciado através da historiografia sobre o crime, que tais sujeitos apresentavam um
nível tão aprofundado de técnicas torpes e desenvolviam um escalão de diligências que
se distanciavam da noção de criminalidade demasiadamente marginalizada. Uma dessas
atividades era o crime internacional, como demonstra inúmeros processos judiciais
levantados por historiadores que pesquisam a temática durante o início do XX como
Galeano68, Soihet69, e Lena Medeiros Menezes70.

No primeiro caso, Galeano, discute especificamente a densa rede de cooperação


internacional entre policias do cone sul, que surge com base em encontros vis-à-vis que
aconteceram em congressos, convênios e conferencias de âmbito internacional na
América do Sul. O objetivo dessas discussões em trono da criminalidade viajante,
buscava apurar a intensificação dos intercâmbios simbólicos entre países vizinhos, que
pudessem facilitar na incorporação de novos métodos de identificação. Esses modelos
policiais implantados em cidades como Buenos Aires e posteriormente no Rio de Janeiro,
beberam de ideias de países europeus, centros urbanos civilizados. Esses modelos
circularam entre as capitais de forma gradual através da criação de Gabinetes
Antropométricos e a implantação de Fichas Datiloscópicas para facilitar e simular a
identificação de criminosos internacionais.

O autor explica ainda que essa discussão esteve atrelada a necessidade dos
modelos policiais em acompanhar o desenvolvimento do crime internacional, que
adquiria um novo arsenal de exames como armas, objetos e táticas, tidos como códigos,
utilizados por esses criminosos viajantes. Esses intercâmbios proporcionaram diferentes
saberes e práticas policiais e criminológicas se deu pelo intenso movimento de homens e

68
GALEANO, Diego. Idem.
69
SOIHET, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-
1920.
70
MENEZES, Lena Medeiros. Os indesejáveis, 1996.
mulheres que convertiam as cidades em territórios de interação entre sujeitos anônimos.
Ou seja, cada vez mais a circulação de estrangeiros criminosos usufruía da precariedade
policial para estabelecer procedimentos tendo como fio condutor, a fuga e falsificação de
documentos para despistar processos judiais.

Adentrando no mérito desenvolvido pelas polícias vizinhas dos países


mencionados, as constantes levas de escritos policiais possibilitaram na adequação de
impor na prática os estudos já discutidos da criminologia europeia. Um dos estudos que
foram adequados ao trabalho desenvolvido pela polícia, para suprir lacunas deixadas pela
criminalidade viajante. Um desses modelos no que diz respeito ao procedimento de
buscas e apreensões foi o modelo implementado por Alphonse Bertillon 71, através do uso
da Antropologia Judicial, onde busca-se identificar suspeitos através de um processo de
identificação por via de fichas datiloscópicas, além de propor o uso de fotografias para a
identificação de sinais e características que nem mesmo as melhores vestimentas ou cortes
de cabelo, poderiam esconder.

Outro método adotado no final do século XIX foi o sistema de classificação


Vucetich, criado por Juan Vucetich72, que lado a lado ao método de Bertillon, tinham o
objetivo de “frear” os gatunos modernos que driblavam autoridades marítimas onde
apresentavam informações alteradas por documentos falsificados para transitar
facilmente entre países vizinhos. Esse sistema compunha na impressão dos dados digitais
dos dez dedos da mão. A junção destes métodos, com o uso da fotografia parecem ter
difundido um só método ao decorrer da instauração de gabinetes antropométricos nas
demais cidades, para além das grandes metrópoles73. Um exemplo dessa junção está no
modelo de identificação adotado pelas autoridades para identificar e registrar mulheres
meretrizes, como veremos ao discorrer desta pesquisa.

O uso de fotografias como elemento essencial no processo de identificação de


criminosos delinquentes foi introduzido em 1891, em Buenos Aires e sua função era

71
Considerado o “iniciador” da polícia cientifica, Alphonse Bertillion orientou a organização de um
conjunto de métodos, processos e noções, utilizados no inicio do século XX, para facilitar o inquérito
judiciário, cuja existência serviu incontestavelmente, para constiruir as etapas no caminho do progresso da
polícia técnica.
72
Juan Vucetich, responsável por coordenar a Oficina de Identificação de La Plata, na Argentina, ficou
conhecido pela imprensa policial como o “pesquisador do dedo alheio”, foi responsável por empregar o uso
da impressão papilar como valor de identidade no campo da policia cientifica. Esse novo método de
identificação baseado sobre as impressões digitais ficou conhecido como Datiloscopia.
73
GALEANO, Diego.
descrever detalhadamente, legendas que pudessem identificar o escalão dos criminosos,
desde do gatuno, do falsificador até o proxeneta. Mas foi nas décadas de 1920 e 1930 que
boa parte das reportagens jornalísticas sobre narrativas de crimes faziam o uso dessas
fotografias, como forma de ilustrar ao leitor, visto que boa parte da sociedade neste
período era analfabeta, os perigos que poderiam circular nos arredores das cidades.

No entanto, o uso indevido e apressado de tais mecanismos parece não ter


agradado nem mesmo a população como um todo. Segundo ainda Galeano74, o uso
indevido dessas fotografias utilizadas para identificar suspeitos de crimes, acabou gerando
controvérsias na sociedade, pois muitos homens eram acusados de cometer algum tipo de
delito tinham suas imagens divulgadas antes mesmo da conclusão do processo criminal
for publicado. Então, por via da fotografia de “supostos” criminosos nas páginas da
imprensa, o sujeito estaria sujeito a um discurso desmoralizante, atribuídos à grupos de
delinquentes hediondos, como prescritos pelos escritos policias da época.

Todavia, o enunciado que a imprensa fazia dessas fotografias contribuía como


forma de sentinela para que a sociedade ao mesmo tempo que tomassem cuidado,
contribuíssem na localização desses indivíduos perigosos. Isso porque das qualidades que
esses criminosos provinham era deflorar falsas lábias para incitar quaisquer suspeitas,
sendo muitas vezes hospedados em hotéis, pensões e espaços de sociabilidade. Para Luís
Antônio75, esses crimes que chegavam nas páginas da imprensa contribuíam para criar a
imagem da “delinquência natural” que persistia no imaginário social do começo do século
passado.

1.5 - Circulação e identificação


De antemão, apresentamos o contexto social que a aproximação de trocas de
informações possibilitou na consolidação de processos criminais, identificando
criminosos que cometiam delitos em um país e se dispersavam para outros, como forma
de se mantem impunes. Em meio a essa imagem do criminoso envolvido em quadrilhas
para mover roubos e falsificações, estão homens proxenetas, peças primordiais que
compunham a hierarquia de uma grandiosa organização que, para além do tráfico de

74
Idem.
75
ANTONIO, Luís. Ibidem, p. 329.
mulheres, desenvolviam outras atividades que interferiam diretamente na conexão
policial entre diferentes polícias.

Essa imagem construída criminoso mafioso, que compunha o mundo do crime


organizado, que fazia parte do imaginário da sociedade, através de padrões estéticos e
comportamentais não é um produto de uma história natural do crime ou da criminalidade,
conforme Luís76. Esse estereótipo foi construído peça por peça graças à intervenção
policial e pela ampla divulgação caricatural do mundo dos criminosos, tidos como
inescrupulosos, impiedosos, habituados com a violência de práticas característico de atos
hediondos, como defloramento e assassinato, por exemplo. O autor chama a atenção para
o papel que a imprensa desempenhou ao proliferar notícias de crimes, de forma a
sensibilizar o público leitor, construindo uma narrativa do criminoso caricato única, a de
inimigo, monstro real.

A lei e prática servia para todos, independente do crime ou da acusação. Dessa


forma, antes de um árduo processo de identificação, inicia-se logo nas primeiras semanas
após os principais jornais notificarem a descoberta de uma Sociedade Varsóvia que
funcionava em Buenos Aires, aliciando e traficando mulheres à prostituição clandestina.
Assim sendo, graças a rapidez com que as investigações da polícia portenha se
propuseram a notificar as autoridades de outros países, rapidamente surge nas regiões
portuárias como Rio de Janeiro e Santos, em barrar qualquer tentativa de entrada ou saída
de homens suspeitos de estarem compondo um grande esquema que coordenavam o
funcionamento de práticas características da criminalidade

Sendo assim, buscou-se adentrar na dinâmica imposta pelos membros da


organização, trazendo referencias periódicas denunciadas durante os primeiros anos da
década de 1930, sobre o contínuo fluxo de circulação e tentativa de identificação destes
sujeitos. Essas cenas se repetiram evidentemente por inúmeras vezes, mas em distritos
policiais diferentes, localizados em outros países onde a polícia portenha descobriu
atividades da organização como o Chile, Paraguai e no Uruguai. No entanto, adentrar
nesse universo em busca de uma tentativa de circunscrever a circulação internacional
desses sujeitos é uma tarefa demasiadamente longa e que querer uma jornada em busca
por fontes de difíceis acesso e localização.

76
ANTONIO, Luís. Ibidem, p. 153.
Quando o crime passa a ser um objeto de consumo, gerando repercussão para
grandes empresas de periódicos, crimes de nível internacional rapidamente acabam
repercutindo em todo o território nacional, e até mesmo para países vizinhos. No caso da
imprensa nacional, grandes jornais como A noite e O dia repercutem diretamente com
suas informações que são apuradas por correspondente a países estrangeiros, enquanto
que a imprensa propriamente dita, de menor repercussão, acaba transmitindo notícias
projetas em versões anteriores77.

A partir dos meses que sucederam a denúncia, todo “estrangeiro indesejável”


que tentavam desembarcar a bordo de navios em cidades portuárias, estiveram
submetidos à rigorosos processos de identificação por parte de autoridades policiais. Em
cooperação com autoridades argentinas, essas medidas buscavam conter a fuga eminente
dos proxenetas fugidos do país vizinho. Veremos ao discorrer dessa discussão que ao
longo de toda a década de 1930, vários foram os casos descobertos de membros do Zwi-
Migdal de estarem “hospedados” em cidades diferentes cidades. Isso possibilita
compreender que as dimensões coercitivas das experiencias presente em documentações
periódicas referente à prática expulsão de estrangeiros.

Dois meses após o Juiz Ocampo, solicitar a prisão de 424 associados da


organização, o mesmo expediu fichas dos acusados onde foram descobertos que muitos
deles, quase em sua totalidade, já apresentavam condenações por corrupção, exploração
e jogos de azar. De acordo com a justiça portenha, a única saída para esses membros era
a fuga para outras paragens, onde o instinto humano pudesse novamente alimentar o
hábito criminoso e miserável desses hospedeiros da modernidade. Alguns polacos que
foram naturalizados argentinos, em razão da posse de documentos legais, conseguiram se
se acomodar em meio a sociedade portenha, enquanto que outros, em virtude da
decretação de prisão preventiva, tomaram fuga para outros territórios, fora do alcance de
atribuições pertencentes à esfera do judiciário daquele país.

Iniciou-se assim, uma guerra na busca e prisão preventiva de agentes proxenetas,


além de medidas capazes de deter a fuga de criminosos para as fronteiras. Assim,
identificações ao longo das primeiras semanas não tardaram a acontecer, pois logo no
mês de maio daquele ano, o Diário da Noite78 fazia menção ao desempenho do

77
MAROCCO, Beatriz. Prostitutas, Jogadores, Pobres e Vagabundos no Discurso Jornalístico. 2004
78
DIÁRIO DA TARDE. Mercadores de escravas brancas. Curitiba, 03/08/1930.
policiamento portenho contra a tentativa de fuga de estrangeiros suspeitos, possivelmente
relacionados a crime à ordem pública. A polícia marítima neste contexto tornou-se
principal instrumento no enquadramento na nova ordem social, principalmente contra
proxenetas traficantes, criminosos viajantes. Uma das características que levaram as
autoridades a suspeitarem de possíveis contraventores, seria o fato de andarem sempre
em grupos pequenos, desquitados de malas e acessórios, acompanhados de mulheres
jovens, fazendo alusão à figura do proxeneta e suas “mercadorias” tomando rumo
desconhecido em razão de algum processo criminal.

Hospedados no Rio de Janeiro, à espera do navio alemão “Cap. Polônio”, a


polícia conseguiu identificar dois sujeitos que estariam à espreita de tentar embarcar no
navio, rumo ao velho mundo, sem apresentar argumentos sucintamente aceitáveis. Os
indivíduos identificados foram Zacharias Litnitzhy79, Moutiz Caro e Shopia de Pasco,
passageiros de segunda classe que vinham fugindo da justiça argentina, e cuja prisão foi
solicitado pelo embaixador do país platino, que as autoridades cariocas tomassem as
devidas providencias até o recolhimento dos envolvidos pela jurisdição do responsável.
Ficou a cardo da 3° Delegacia Auxiliar, remover os envolvidos para a Casa de Detenção,
como solicitado o embaixador da Argentina, até que fossem recambiados para a
República Argentina na companhia de policiais especializados80.

Naquele mesmo ano, no mês de outubro, o periódico catarinense O Estado,


trouxe um dado relativamente preocupante para as autoridades no combate aos
traficantes. Segundo o Juiz Ocampo, responsável por chefiar o caso e sentenciar os
membros ligados a organização, aproximadamente dois mil bordeis eram gerenciados por
eles, apenas no território argentino. Isso de certa forma era preocupante, pois apenas 434
membros ativos da organização foram identificados durante o processo. No prazo relativo
a buscas dos envolvidos, logo nos primeiros meses, apenas 103 homens teriam sido
presos. No entanto, havia ainda o recuso da fiança, que para casos como tráfico e
corrupção, acabou girando em tono de 50 mil pesos para cada indivíduo. A fiança poderia
ser elevada a 100 mil pesos, se os envolvidos fossem acusados de lenocínio, podendo
chegar até o agrave de 3.900.00 pesos, contabilizando outros processos de crimes em
aberto81.

79
O mesmo sujeito investigado em Buenos Aires, sendo um dos responsáveis pelo restaurante clandestino.
80
Diário da Noite. “Uma grande organização para o tráfico das brancas”. 18/05/1930.
81
Ultimas Informações. O tráfico de brancas na Argentina. Santa Catarina, 04/08/1930.
Evidente que este processo de dispersão teria acontecido durante primeiros
meses após a descoberta da organização, tomando proporções maiores do que apenas as
mostradas pela imprensa carioca e paulista na década de 1930. Nos anos posteriores à
denúncia, as investigações tomam outro rumo. Ficou claro pelas fontes analisadas sobre
o período que as tentativas de embarcarem ou desembarcarem no Rio para fins de
exploração sexual, sucederam durante toda a década decorrente, mas o policiamento
tomou frente de novas constatações que indicavam uma possível ligação desses
traficantes em bordeis, cabarés e pensões alegres nos centros das cidades.

Assim como no caso anterior, dos envolvidos que tentaram sair do país por via
marítima, desta vez noutra reportagem do A noite, em um antro da Avenida Gomes Freire
a polícia teria efetuado a prisão de 4 homens suspeitos de pertencerem à Migdal. Por meio
de uma denúncia não identificada, a polícia teve conhecimento que membros da dita
organização estariam novamente explorando o lenocínio na capital carioca. Esses sujeitos
teriam sido expulsos do território argentino, traçando rumo à Montevideo, mas por não
apresentarem documentação e passaporte legal, se hospedaram na velha modesta cidade
do prazer, o Rio de Janeiro. Para não barrar diretamente com a polícia marítima, esses
sujeitos buscavam atravessar fronteiras, entrando pelo Estado do Rio Grande do Sul,
marchando por capitais como Florianópolis, Curitiba até São Paulo e Rio de Janeiro.

“Nestes últimos tempos, a cidade tem sido um campo livre para essa
sociedade de homens... Poucos são os bairros em que não haja um grupo
de exploradores metidos em apartamentos, onde as infelizes, quando
não são por eles procuradas, vão levar a diária a que são forçadas a custa
de ameaças terríveis. A polícia, felizmente, a despeito de não dispor,
porá ora, de uma delegacia especializada, vae capturando e expulsando
os que lhe caem nas mãos. Às vezes, conforme a necessidade de uma
providencia mais urgente, eles são postos, mesmo sem processo de
expulsão, a bordo do primeiro navio apropriado, que os deixa longe do
Brasil. Essa providencia, entretanto, depende sempre, como é natural,
do passaporte encontrado em poder de cada um deles”. 82.

Segundo a Delegacia Auxiliar do Rio de Janeiro, representada naquele ano pelo


Comissário Waldemar, em exercício do poder judicial, passou a centralizar as atenções
policias para possíveis estrangeiros que estivessem na prática infringindo a confluência
dos costumes e hábitos aceitáveis em sociedade. Cada vez mais, portanto, o lenocínio
ficou marcado como uma pratica que interessava ao Estado abolir, como parte de um

82
A noite. Tráfico de Brancas. 24/02/1932.
conjunto de problemas sociais que recaiam sob o controle do policiamento urbano das
cidades.

Na Avenida Gomes Freire, n 32, em um sobrado, a “dois passos” da polícia


central e do 4° policial daquela região, Israel Feingebaun, mais conhecido por Isidoro,
tido como um dos “reis exploradores” do Rio de Janeiro. Natural de Polônia, naturalizado
brasileiro, declarou as autoridades ser negociante de roupas. Entretanto, a polícia,
investigando a fundo uma possível suspeita de traficantes de escravas brancas, descobriu
que Israel, acompanhados de Schana Kumer, polonês naturalizado argentino, e Mauricio
Parker, russo, naturalizado Uruguai, comandavam um estabelecimento que,
aparentemente funcionava como uma loja de “roupas brancas”.

No ato da batida policial, ao serem surpreendidos pelo comissário Waldermar e


demais integrantes da polícia local, os acusados foram flagrados sentados em poltronas
de luxo, se refrescando com vestimentas de seda, pijamas recheados com mais de um
conto de reis nos bolsos. Na propriedade a polícia encontrou documentos sobre o
estabelecimento, identificando Albino Rodrigues como dono, além de uma mulher de
nome Maria Galdfort, uma das vítimas traficadas pelos acusados. A polícia da 2°
Delegacia apurou que os quatro envolvidos desempenhavam serviços nas custas de outras
infelizes mulheres. Dora Eresembusck trabalhava como gerente e tinha outro
estabelecimento na rua Julio do Carmo, n. 381 e Sarah Kuanel, na rua Benedicto Hupolito,
n.231. Ouvidas pela polícia, essas mulheres confessaram que os acusados tinham
negócios também em São Paulo.

Figura 1 - Grupo de homens presos pela polícia do Rio de Janeiro acusados de tentarem fugir das autoridades
portenhas, para países europeus, acompanhados de jovens moças, vítimas do tráfico. A NOITE. 21/04/1930.

Por apresentarem certidões de outros países, os quatro acusados foram


despejados para “longe do Brasil”. Ainda puderam, devidamente vigiados com a presença
de investigadores, retirar somas depositadas em brancos brasileiros, conseguidos,
segundo a polícia, através da exploração do lenocínio. O fato de haver pequenas
ramificações da presença desses sujeitos em diferentes regiões, apresentam de fato, uma
dimensão maior do que as enunciadas pela imprensa da época. A justiça parecia se
convencer da necessidade social da perseguição desses delinquentes, colocando-os no
circuito da ilegalidade transnacional. Dessa forma, o policiamento brasileiro funcionava
como mediador, colocando à disposição dos países responsáveis, as medidas repressivas
impostas de forma padronizada pelo código penal de cada país.

Seguindo Luís83, durante as primeiras décadas do período republicano brasileiro,


o policiamento, como conta nos processos criminais, fazia a apreensão em massa de
sujeitos vadios acusados por infringirem a lei, isso acabou atoalhando os xadrezes com a
presença de supostos delinquentes. Reforçando essa noção do proxeneta como um
contraventor passível de leis transnacionais, Lena Medeiros explica que esses
indesejáveis se tornaram recorrente nos processos criminais e em listas de expulsão de
imigrantes84. De um lado os estrangeiros estigmatizados em função da militância
anarquista e comunista, do outro, se distinguiam entre os vadios, mendigos, jogadores,
ébrios e ladrões, oriundos da do mundo gerido pela criminalidade.

Nesse meio termo, havia os criminosos internacionais, vinculados ao comércio


do prazer, os proxenetas. Esse grupo não se caracterizava distintamente no que diz
respeito a classificação estigmatizada desses estrangeiros, porque muitos proxenetas,
como é o caso de Luís Migdal, líder da organização problematizada, veio para a América
do Sul enquanto militante do movimento anarquista na Argentina, e posteriormente se
tornando cafténs. Esses processos de expulsão analisados por Lena, correspondiam a
necessidade de higienizar a cidade carioca para a manutenção da ordem pública e da
segurança nacional, visando estabelecer medidas que favorecessem as elites dirigentes.
Através da análise dos processos de expulsão, a autora identificou a movimentação entre
homens e mulheres, compondo as rotas que esses contraventores percorriam relativos à
entrada e saída no porto da Bahia de Guanabara.

Como veremos no próximo caso, cabe citar que o plural de indesejáveis se torna
cada vez mais recorrente no que diz respeito as investigações de proxenetas traficantes.
Três anos depois do caso anterior, em 1935 a polícia carioca novamente desenvolvia uma
série de campanhas contra os traficantes de mulheres brancas no Rio de Janeiro. Como

83
ANTONIO, Luís. Ibidem.
84
MENEZES, Lena Medeiros. Ibidem.
muitos desses proxenetas eram mandados a tomar “novos ares”, muitos acabavam se
instalando no Brasil. Essas medidas, em prol do saneamento e da ordem pública, tinham
reflexo em outras cidades, como em São Paulo, onde as autoridades também
desempenhavam uma vigorosa ação contra esses elementos “infames” 85.

Esses cafténs, por possuírem dinheiro, foram aos poucos, se hospedando com
pessoas da elite brasileira, segundo a imprensa, se passando por turistas, gente
“qualificada”. Rapidamente se tornam comerciantes no Rio ou em S. Paulo, mas que
apresentam antecedentes em países onde percorreram durante anos. Em um caso, um dos
envolvidos era foragido de Montevideo por ter assassinado um comissário da polícia
durante um conflito. Esses sujeitos estão sempre protegendo suas “mercadorias”, como é
o caso de Edmundo, proxeneta vindo do Uruguai acompanhado de duas escravas, ambas
de origem polonesa. Havia ainda aqueles que preferissem as francesas, ou as italianas, as
espanholas ou até as chilenas, como é o caso de Mauricio, conhecido como “polaco”.

Certamente, essa variedade da “carne branca” era grande, e atendia a todos os tipos de
gostos e desejos dos traficantes. Mas o que parecia entusiasmar a clientela dos bordeis
gerenciados por esses caftens ia além pelo desejo carnal. Conforme ainda na mesma
reportagem, nestes locais as meretrizes eram fornecedoras da “poeira do sonho”, alegando
que além do consumo, os agentes administravam a distribuição da cocaína nas redondezas
do prostíbulo. Dessa forma, as autoridades cariocas entravam em coloração com
autoridades de outras cidades, como São Paulo, para agirem coletivamente impedindo o
vício, a perversão e o crime. Segundo a própria polícia carioca, muitos desses criminosos
apresentavam características ágeis que impediam o funcionamento da lei na prática.

Como no caso anterior, aqui esses homens também administravam


empreendimentos e se diziam comerciantes. Após a prisão de um funcionário,
companheiro do administrador do estabelecimento, os demais envolvidos se refugiaram
com rumo desconhecido, mas as autoridades cariocas suspeitavam que tivessem
embarcado rumo à São Paulo ou até mesmo para a Europa. Esses indivíduos compunham
parte da Migdal, e provavelmente estabeleciam uma continuidade da organização, como
aconteceu em diversos campos do país. Neste aspecto, as autoridades fazem menção aos
Estados de Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul como possíveis pontos concentradores
dos caftens traficantes, o que não descartaria a hipótese de que, rumo ao trajeto

85
FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1889-1924). 2001.
estabelecido por esses criminosos, Curitiba e Florianópolis também teriam se tornado os
ares para onde os ventos teriam levado esses “indesejáveis”.

Naquele momento, foram presos na Casa de Detenção, aguardando serem


expulsos os indivíduos Harry Kriss, natural da Rússia, vindo da Argentina, acompanhado
de Charlotte Donar, meretriz de nacionalidade alemã. Aparentemente a polícia chegou
até os sujeitos após uma possível desavença entre os membros da Migdal, que não foi
possível identificar o teor da possível desavença. Segundo a polícia, outros três membros
teriam desaparecido após a suspeita de uma possível investigação policial. O comissário
Mario Moreira de Souza, chefe da sessão de repressão ao meretrício, tomou providencias
para descobrir o paradeiro dos exploradores para que fossem expulsos do território
nacional.

Figura 2 - Apreensão de homens e mulheres, proxenetas, caftinas e meretrizes, envolvidas com o Zwi-Migdal no
cenário carioca. A NOITE. 19/06/1930.

Reforçando para compreender a expulsão e exploração de estrangeiros no


circuito sul-americano, Cristiana Schettini86, explica que os processos de expulsão de
proxenetas aconteciam por meio de um processo judicial ou inquérito que resultava em
uma portaria ministerial pedindo a expulsão, sem interferência do juizado. No caso de
proxenetismo e vadiagem, era exigido duas testemunhas e um inquérito iniciado com um
auto de flagrante do ato criminoso, nesse caso, a prática de aliciar ou viver às custas de
mulheres exploradas. Essas características reforçavam, segundo a autora, a noção de

86
Ibidem.
sujeito ocioso, e no caso do lenocínio, a prova testemunhal contra os suspeitos era peça
chave para o processo de expulsão dos estrangeiros.

Dessa forma, graças a criminalização do lenocínio no Código Penal de 1890,


Art. 277, que considerava essa prática um crime contra a segurança da honra e da
honestidade, pois toda forma de violência carnal, desde raptos até ultraje pulico ao pudor,
estariam sujeitos a medidas repressivas. Nesse caso, para os estrangeiros que infringissem
a lei, a expulsão era a única medida cabível, mas no caso de proxenetas naturalizados
brasileiros, a lei previa prisão por um até dois anos, mas dependendo do agravamento do
caso a prisão poderia se prolongar até quatro anos.

Através da circulação de informações por via da imprensa do período, foi


possível identificar os percursos pelo qual a organização criminosa Zwi-Migdal percorreu
no circuito nacional. Regido pelo constante policiamento nos dois grandes centros
urbanos do país, muitos desses criminosos viajantes migraram para regiões pouco
exploradas, como Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, descendo para regiões como Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, devido ao fácil acesso que as fronteiras entre os
países, resultado da circulação via fluvial que ligava esses Estados com países como
Argentina e o Uruguai.

Segundo a historiadora Margareth Rago87, o capítulo que sucedeu a denúncia


contra a organização desencadeou em uma série de desarticulações da organização, fugas
para países vizinhos, tentativas de subornos, descoberta de vítimas exploradas, além da
deportação de caftens e caftinas. Sendo assim, o que parece ter tido um final, se tornou
uma tarefa ainda mais densa e complexa, que seguindo rastros deixados por investigações
em diferentes regiões, nos possibilita a compreender e um panorama geográfico da
circulação desses proxenetas no Brasil. Dessa forma, Rago dá indícios da movimentação
desses agentes para regiões sul do país, indícios que foram sendo mapeados através da
circulação de notícias da imprensa das capitais do sul do país, que de fato registraram a
presença

Dessa forma, esse capítulo buscou relevar uma participação canônica masculina,
configurando os principais agentes responsáveis pelo tráfico das escravas brancas. Antes
de quaisquer ramificações no que se refere ao tráfico, é preciso cumprir com o objetivo
de auxiliar o leitor de que o universo privado dessa narrativa histórica não se restringe na

87
RAGO, Margareth. A mulher e o espaço urbano. 1989
construção de uma narrativa baseada em exercício de estereótipos e estigmas. Tendo em
vista, não se deve justificar o tráfico, mas sim, compreendê-lo, é preciso tornar público a
existência dos verdadeiros agentes responsáveis pela existência de uma marginalidade
transnacional. É preciso ainda, nas falas de Moacyr Scliar 88, exorcizar os fantasmas que
sucumbem operando sob falsas máscara, sujeitos que estiveram segregados a uma
construção de uma entidade conceituado por tabus, observando dessa forma, o fenômeno
aqui concebido.

CAPÍTULO 2 - Mulheres, prostituição e criminalidade; das fábulas às narrativas


de crimes em Curitiba

2.1 - O corpo feminino como instrumento discursivo

A violência como fenômeno social é um assunto demasiadamente antigo, e


esteve presente em todas as temporalidades históricas. Ao longo do percurso histórico
ocidental, ela deixou de ser uma violência apenas física, comum nas era mais extremas,
para uma violência simbólica e moral, por exemplo, em combate à transgressão e a
imoralidade. No campo da História, a violência passou a ser discutida, a partir da era
Moderna, como um novo modo de disciplinamento do comportamento social, sem o uso
direto, mas nem sempre é o caso, e imediato de meios coercitivos, através da violência
física. Desde autores que embarcam no campo da violência, embora partindo de analises
e perspectivas distintas, podemos mencionar (ARENDT, 1951); (PERROT, 1988);
(BENJAMIN, 2013); (FOUCAULT, 1975); aos escritos de (BOURDIEU, 1998);
(MUCHEMBLED, 2010); (ELIAS, 1939), entre outros que buscam tecer em seus
escritos, os percalços das formas de violência na sociedade, problematizando ainda,
discussões como a formação da sociedade contemporânea, cotidiano, gênero e
criminalidade.

Em contraponto a uma longa tradição da história baseada em grandes


acontecimentos polarizados em grupos dominantes, nos últimos anos, a historiografia
buscou prevalecer, em meio a obstáculos, a atuação dos segmentos populares da
sociedade, que estiveram, durante décadas, excluídos no campo da história. Aos

88
SCLIAR, Moacyr. O ciclo das águas, 1996.
historiadores cabe, portanto, valendo-se de argúcia, sensibilidade e criatividade, buscar
resquícios, indícios e fragmentos capazes de fornecer narrativas sobre o passado, um
método, bem como lembrou Carlo Ginzburg, um método que se aproxima ao do detetive
e ao do psicanalista. Entre os exemplos mais notórios no desenvolvimento dos estudos
sobre a mulher, mas não únicos, podemos citar (SOIHET, 1989), onde a autora avalia a
violência física e simbólica a que as mulheres eram submetidas na virada entre os séculos
XIX e XX e as formas de resistência articuladas por elas. Outras narrativas seguem
contribuindo para se pensar a violência sobre diferentes recortes e perspectivas de analise,
como (RAGO, 1989), ao conectar a formação de uma sociedade paulistana trazendo o
recorte de gênero numa análise sobre a prostituição feminina que engloba as décadas
inicias do século XX.

Em uma parte, referente ao campo dos estudos sobre história das mulheres, que
é a prostituição feminina, destacam-se autores que buscam dialogar em suas pesquisas,
os problemas de gênero atrelados as formas de violência, em diferentes contextos e
recortes teóricos. Dessa forma, ainda que em diferentes escalas, a historiografia sobre a
prostituição, que dialogam com os problemas de gênero atrelados as formas de violência,
sobretudo com base em diferentes mecanismos de intervenção social e moral, podemos
mencionar (RAGO, 1989); (ENGEL, 1989); (SOARES, 1992); (KUSHNIR, 1996);
(MENEZES, 1996); (SALDANHA,2013) e outros autores que buscam ressaltar a
relatividade da condição humana, implicando discussões que não diferente das
proporções das ciências ditas empíricas. Das formas de violência, oriundo das
transformações sociais, sobretudo na linearidade das abordagens mencionadas, autores
como (ADLER, 1991); (BRA, 1982), (KALIFA, 2019), (CORBIN, 1989); e (GRUNER,
2018), contribuem para ilustrar como as transformações sociais e culturais acabaram
refutando em comportamentos subversivos, se configurando em meio as transformações
sociais ocorridas por grupos alternativos inseridos sobre as marquises de diferentes
centros urbanos.

As representações do feminino, como parte dessa heterogenia das formas de


violência, tiveram importância atribuída ao longo dos séculos, sempre envolto sobre um
pensamento estigmatizado, e de certa forma, irracional. A reprodução discursiva sobre
narrativas femininas, seja elas semióticas, através das artes ou da literatura, como nas
ciências naturais e médicas, como também nos escritos policias, que atrelados ao discurso
moral e atribuídos ao clericalismo ocidental, se propuseram a construir narrativas sobre o
gênero feminino enquanto corpos dóceis e corpos subjugados. Embora o apagamento
social da representação feminina na sociedade tenha acontecido de forma ascendente
desde os primórdios do cristianismo, a importância atribuída ao sexo não foi a mesma ao
longo das épocas, pelo menos não no ocidente, segundo a historiadora Michelle Perrot 89.

Dessa forma, diferentes discursos e práticas coexistiram na tentativa de incumbir


a inferioridade da mulher através de aspectos relacionados à sexualidade e a socialização
da representação feminina na sociedade. O gênero feminino foi, e ainda continua sendo
inferiorizado por diferentes discursos que albergam métodos coercitivos, delimitando na
medida do possível, a performance feminina na sociedade, comum no século XIX, entre
a distinção do público e do privado. Esses discursos foram sendo penetrados no
imaginário popular, como o patriarcalismo, criando um conjunto de apropriações, visando
sujeitar o corpo feminino em questão, como forma de submissão, ao mesmo tempo em
que os impasses do feminismo, tanto na Europa, quanto no Brasil nas primeiras décadas
do século XX, ganhava cada vez mais destaque nos embates políticos e sociais. Sistemas
hierárquicos como o patriarcalismo, se tornaram meras ferramentas de opressão, capazes
de induzir uma ideia errônea de corpos objetivados e submissos, aos deleites do gênero
masculino 90.

A partir desse fluxo continuo de discursos atribuídos à representação da mulher


na sociedade, e consigo, os discursos sobre a prostituição, palco ainda maior para
manifestações argumentativas, pode ser compreendido através do processo de
“autodestruição” da memória feminina, ocasionada ao longo da história. Ou seja, em sua
existência, muitas mulheres destruíam, e ainda destroem, seus papéis sociais na
intimidade do quarto, gesto comumente utilizado por mulheres idosas, o que de certa
forma dificulta o trabalho do historiador ao compreender as narrativas sobre as vidas
passadas que se estendem ao longo de séculos, através de uma ampla rede de
“insignificâncias” atribuídas a representação do feminino em sociedade. Todavia, no que
tange a participação de mulheres em arquivos públicos policiais e judiciais, apenas a partir
dos séculos XVII e XVIII, quando a ordem das ruas se torna uma obsessão, é
frequentemente a mulher passa a ser associada à perturbação da ordem91.

89
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. 2017.
90
91
PERROT, Michelle. P. 77.
A prostituição feminina foi, em diferentes contextos históricos, vista como
sistema antigo e quase “universal”, mas organizado e compreendido sobretudo por
diferentes hierarquias internas, ou seja, ela é entendida e aceitavelmente tolerada em
algumas sociedades dependendo do discurso que é atribuído a sexualidade e a figura da
mulher, como em sociedades onde há a supervalorização ao tributo da virgindade92. O
princípio básico que norteava a noção de virgindade, sobretudo em sociedades cristãs, se
pautava na simbolização da castidade perante à Deus. Sendo assim, toda forma de
“amores ilícitos”, representava a mais fiel representação do “fruto proibido”,
estabelecidos na sociedade através da alienação praticada pela igreja cristã ao longo da
história.

Adentrando na discussão sobre a inferioridade, embora tenha apresentado uma


teoria, considerada há tempos por estudiosos contemporâneos, como “preconceituosa e
ultrapassada”, o criminologista italiano Cesare Lombroso, continua sendo um importante
nome para se pensar a psiquiatria e a antropologia física ligada a entender o crime e a
loucura no século XIX. O autor desenvolveu uma tese cientificada, onde apresentava as
características físicas e biológicas do delinquente nato 93. Grosso modo, a teoria do
delinquente nato descarece de princípios básicos e racionais, acreditando ser possível
identificar criminosos pela fisionomia humana, como também identificar mulheres
meretrizes pela largura dos quadris e do busto. Uma das características dessa teoria
eugenista, segundo Lombroso, era de que certas características fenotípicas do corpo
humano, induziam o potencial do sujeito a se submeter à criminalidade, através da sua
“inferioridade” genética.

Se biologicamente a mulher era vista como um ser inferior ao homem, a


representação da mulher prostituta foi, em tese sexista, vista como oposição à
representação da mulher normal em sociedade. Segundo Lombroso e Ferri, a prostituição
seria o equivalente ao feminino da criminalidade nata, por ser representada enquanto uma
“válvula”, que garante a imoralidade e a desordem pública. As concepções atribuídas a
noção de mulher normal, se baseavam em uma série de estudos de zoologia, que buscava
evidenciar a superioridade e a inferioridade da fêmea em relação ao macho, como por

92
Ibidem.
93
Teoria criada por Cesare Lombroso.
exemplo em espécies de insetos shymenoptera ou pela ordem de artrópodes da classe
Araneae.

Uma série de estatísticas milimetricamente analisadas, Lombroso e Ferrero


defendem a ideia da inferioridade feminina através de estudos dolicocéfalos do crânio
feminino em relação em contrapartida da raça italiana do sexo masculino. Através da
mandíbula feminina, era possível detectar a presença de aspectos encontrados em raças
selvagens e de primatas como orangotango e em chimpanzés 94. A fisionomia feminina,
desde a primeira infância até a extrema velhice, dava sinais de semelhanças ao homem
selvagem, tornando-se viril. Além do escoamento sanguíneo, o desenvolvimento da
mama, dos cabelos, aspectos denominados por Darwin como “caracteres sexuais
secundário”, as mulheres apresentavam anomalias menos frequentes nos órgãos genitais,
em comparação a outras “raças” inferiores como negros e mouros.

Posterior aos estudos do biotipo do criminoso através de características


patológicas de Lombroso, surge no final do século XIX, os estudos sobre a
“matematização” dos corpos femininos de mulheres prostitutas. Entre a face e o ouvido,
Pauline Tarnowsky, criminologia das ciências sociais, desenvolveu a tese Étude
anthropométrique sur les prostituées et les voleuse95s, no qual se propõe a desenvolver
um estudo antropométrico sobre representações de mulheres prostitutas do século XIX.
Sua tese teve como enfoque sintetizar o estreito conhecimento da antropologia criminal,
através da noção de degeneração morfológica e psicofisiológico da mulher criminosa e
prostituta.

Conforme o estudo de Alexandre Parent Du Châtelet 96, médico e higienista


francês, que ao examinar corpos de mulheres prostitutas parisienses no século XIX,
publicou uma tese, fruto de uma longa investigação, publicada em 1836. Em De la
Prostitution dans la ville de Paris, considérée sous le rapport de l’hygiène publique, de
la morale et de l’administration, o autor observa que as partes genitais da mulher
prostituta não apresentavam alterações, em contra partida aos estudos realizados
posteriormente, como de Lombroso e de Tarnowsky, que se baseavam também na figura
da mulher negra. Para ele, as prostitutas não apresentavam características peculiares, ou

94
LOMBROSO; FERRI. 1889. A mulher delinquente. 1889
95
PRECHET; SAIOL; NERY. Antropologia criminal e prostituição: a matematização do corpo segundo
Pauline Tarnowsky. Dossiê Transversos: O Corpo na História e a História do Corpo, Rio de Janeiro, v. 05;
n. 05; Ano 02. dez. 2015.
96
CHÂTELET, Parent du. 1836.
seja, capazes de serem consideradas opostas as “mulheres de caráter imaculado”. Como
metodologia de análise, o autor foi além de medições corporais, incorporando também
em suas analises, documentos policias, bem como entrevistas de campo com as prostitutas
parisienses. O autor observou ainda, em estudo sobre a regulamentação da prostituição
em Paris, que a prática era considerada “necessária” para a sociedade, mas isso não
significava na exposição visto ao público das mulheres prostitutas.

Essa ciência da inferiorizarão em torno do gênero feminino, ocorreu em um


período em que o discurso médico busca construir a diferença sexual na medicina,
pregando um discurso envolto de fantasia fóbica, que proporcionou estudos científicos
entre crime e gênero. Dessa forma, através da neutralidade do discurso científico em se
empenhar ao reforçar o estereótipo de mulher normal e mulher prostituta nata, criou-se
uma construção discursiva em torno da representação social do sexo feminino na
sociedade. No aporte teórico e cientifico do século XIX, ser mulher era acreditar naquilo
que a ciência as negava e as desumaniza, através de estereótipos arcaicos de feminilidade,
ou seja, toda forma de desvios femininos era tratada como doença, enquanto ao homem
era visto como criminoso delinquente, a mulher foi adjetivada por definições de louca,
histéricas e subversivas.

No final do século XIX, o pensador e sociólogo francês Émile Durkheim,


desenvolveu a teoria de que o foco para os estudos sobre os fenômenos sociais, deveriam
acontecer através do entendimento dos mesmos, enquanto fatos sociais. Para o autor, as
regras relativas à observação dos fatos sociais, que acontecem através do comportamento
das sociedades, contribuíram para moldar o indivíduo e diagnosticar os problemas que
deles derivam97. Dessa forma, no âmbito do meio jurídico, Durkheim entende a relação
entre crime, como um possível arcabouço teórico para entender o funcionamento da
sociedade através das violações que o Estado impõe sobre a sociedade a noção de que a
violação dos desvios das regras acabaria gerando contradição na coesão social 98.

Sendo assim, na medida em que comportamentos desviantes vão se alastrando


pelas veias que tecem a sociedade, isso acarreta diretamente na disfunção coercitiva na
forma como os sistemas são predefinidos e estabelecidos em sociedade. Notoriamente,
Durkheim não se debruçou a explicar a condição e representação do feminino na

97
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 17. ed. Tradução de Maria Isaura Pereira de
Queiroz. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2002.
98
sociedade, mas seu pensamento nos encaminha a uma linha de raciocínio, que nos
possibilita entender o desvio social da mulher prostituta, como parte de uma subordinação
da legitimação da representação feminina. Através da resposta que o Estado, por
intermédio da construção de diferentes mecanismos de repressão e de discursos médicos
e higienistas, é que punição surge como resposta aos comportamentos transgressivos que
o próprio sistema impõe.

Para o filosofo francês Michel Foucault 99, a passagem do tempo nos fez
mergulhar em uma sociedade disciplinar, que através de estudos da análise do modelo
panóptico sobre a sociedade, compreendemos como o controle sobre comportamentos
acarretaram na imposição de medidas de vigilância contra os comportamentos tidos
enquanto imorais. De acordo com a teoria do panoptismo, como visto anteriormente,
observar a sociedade de acordo com o modo como diferentes poderes interferem no meio
social da sociedade, possibilitou o desenvolvimento de ferramentas de controle social,
concebendo a noção de uma sociedade vigiada.

Os pensamentos de Foucault ainda contribuem para pensar a noção do que seria


e de como atuaria a estigmatização indivíduo perigoso na sociedade. Através da análise
dos sistemas de controle e repressão na sociedade, o sujeito marginalizado é inserido em
uma densa camada de arbitrariedade à reprodução da anormalidade, da criminalidade e
da ilegalidade. Outrem, fica evidente que o conceito de repressão enquanto incitação ao
discurso, entende-se como parte de um composto mecanismo de controle que age no
interior dos códigos e condutas da sociedade, hipnotizando os sujeitos a se tornarem
meros subordinados, acorrentados por medidas que devem ser compridas através da
ordem. Esses discursos que permeiam os fios que tecem a noção “sociedade vigiada”,
onde o método repressivo é tido como um sistema capaz de conter o desvio da moralidade,
é na fabricação e produção de sujeitos, paradoxalmente dóceis que esses discursos não
sustentados através da prática.

Sendo assim, a sexualidade não existe, segundo o autor, mas se configura


enquanto um dispositivo histórico, cuja invenção é oriunda do social, situada pela
hipótese repressiva e pela scientia sexualis100, onde a noção de sexualidade, sobretudo em
sociedades modernas, não fez parte de um continuo fluxo de repressões, mas sim de um

99
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir.
100
FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Ed.16. Rio de Janeiro: Graal, 2005.
mecanismo capaz de incitar a fala sobre o sexo 101. Não se podia reprimir o que era
proibido, mas sim regular o que era falado, sendo assim, o fascínio e a ambição na
tentativa de vigiar a sexualidade, esteve atrelada a forma como esses mecanismos
identificavam e delimitavam a sexualidade feminina, através da origem patológica da
histeria. A repressão sexual, por seguinte, floresce na sociedade pela via da submissão
dos desejos, pela interdição dos prazeres, caminho natural da criação de ressentimentos e
pela noção de culpa, atendendo a construção social de “corpos subjugados”102.

Segundo a filosofa Simone de Beauvoir, desde os povos primitivos, como na


Antiguidade Clássica, a prostituição era consagrada como hospitaleira cessão de
mulheres, que tinha como objetivo libertar as misteriosas forças da fecundação em
benefício da coletividade da sociedade 103. A autora busca entender a ideologia da
construção do imaginário social da prostituição através da religião em períodos remotos,
até o ponto onde a mesma deixa de se tornar uma prática sagrada, para se tornar uma
prática legal e venal, como forma de controlar a satisfação via necessidades sexuais dos
homens104.

Relegadas pela hipocrisia às margens da sociedade, as prostitutas, segundo


Beauvoir105, estiveram, historicamente, desprovidas de “caráter sublime”, por estarem
sujeitas a banalização da representação social de mulher da vida. As representações sobre
a mulher, se baseavam, sem dúvidas, no gênero, na cor e na classe, o que causava a
invisibilidade das mulheres tanto na história, quanto nas representações para além de
fábulas romanescas, crônicas das instruções femininas praticadas por mulheres que,
mesmo foram de um parâmetro da elite burguesa, estiveram relegadas à um padrão
normatizador de feminino.

Desde a idade média, até os primeiros séculos da era moderna, toda mulher fosse
considerada desvirtuada aos padrões estabelecidos pela sociedade ou pela igreja, era
classificada como perigosas. Desde bruxas, prostitutas, mulheres solteiras, adúlteras,
mulheres consideradas histéricas, órfãs e criminosas, elas foram relegadas e sujeitas à
discursos que pressupõe a inferioridade não apenas sobre o homem, mas sobre elas

101
Ibidem.
102
Ibidem.
103
BEAUVOIR, S. O segundo sexo (volume único). Trad. Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2009.
104
Ibidem.
105
Ibidem.
mesmas. Da macro história, desde as grandes guerras, até importantes rupturas que
marcaram uma época, como a abolição do trabalho escravo, ou o fenômeno da
prostituição clandestina e consigo, o tráfico de mulheres na América, essas mulheres
foram sendo negadas na história.

Portanto, de Marc Bloch, criador da ideia do oficio do historiador, que cabe a


nós, nutrir encenando e investigando o passado, buscando problematizar, mesmo em
escala micro, novas abordagens, como se pretende adiante, que possibilite descrever
possíveis narrativas em torno de práticas femininas, mas não apenas como sujeitos autores
de uma transgressão, mas também como vítimas. Retornando ao autor, o mesmo já
consagrou que o historiador é fruto de seu tempo e, portanto, faz da história um problema
e levanta questionamentos sobre o passado baseado em novas problemáticas que
emergem na sociedade. No entanto, é preciso ter uma compreensão teórico-metodológica
para não cair em achismos, ou melhor dizendo, no anacronismo. Thompson 106, lembra
que o uso da teoria e da metodologia histórica, bem como de conceitos, se usados com
cautela, podem resultar em “antídotos” para desconstruir uma história distorcida sobre o
passado.

2.2 ) Entre gravetos e fagulhas; representações da mulher curitibana

Os discursos de cunho higienista, também circularam na capital curitibana


durante a primeira metade do século XIX, pelas crônicas da imprensa local. Sobre o título
de Gravetos e Fagulhas, louras e morenas, o periódico O Dia, publicou pequenas notas
sobre estudos realizados por criminologistas europeus, chegaram na conclusão de que, a
partir de um mínimo traço fisionômico, seria possível indicar a modalidade sentimental
de uma “criatura”, relevando precisamente, características ocultas do sujeito analisado. O
periódico, no entanto, reconhece o fato de que tais assuntos parece tecer de certa
“incredibilidade”, se questionando sobre estudos criminalísticos estarem buscando se
“divertir”, ou apenas proliferando polemicas com assuntos técnicos e errôneos que
despertavam a curiosidade dos leitores.

Essa notícia se tratava de um estudo publicado pelo criminologista amador


Gilbert A. Foen, em que ele teria “descoberto” que as mulheres louras, de cabelos

106
THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
dourados e olhos claros, como “cristais”, seriam mais terrivelmente perigosas e
sanguinárias do que as morenas de cabelos negros. Todavia, por mais paradoxal que
pareça, Gilbert justificava que na Ciência Penal, as mulheres morenas provinham de um
temperamento mais criminoso do que as outras mulheres. Para reforçar seu ponto de vista,
ele reafirmava o fato de que o desenvolvimento da criminalidade nas grandes cidades,
esteve diretamente ligado ao surgimento do número de “pessoas de cabelos escuros”.
Entretanto, segundo um psicólogo francês do período, apenas foi identificado por Duval,
as morenas, quando eram predispostas a matar, matavam a si mesmas, enquanto as louras
tinham a tendência de praticar o crime de homicídio, o que na prática, lhes tornavam todas
homicidas. A teoria amadora, embora não tivesse sido concluída no período, fazia um
breve diagnostico sobre o estudo técnico do ponto de vista criminal, classificando a
mulher loura como sanguinária pelo fato de terem muito mais sangue no corpo do que as
outras. Enquanto a cor morena apresentava maiores índices de habilidades
temperamentais que culminasse no crime 107.

Foi graças ao feminismo, enquanto um conjunto de movimentos políticos,


sociais, ideológicos e filosóficos de mulheres em diferentes contextos, que a luta por
direitos iguais entre homens e mulheres foi sendo construído a partir do século XX. É
claro que a vivência feminina no espaço urbano por meio do empoderamento feminino se
deu de forma lenta e progressiva, então a libertação de certos padrões patriarcais,
baseados em pressupostos normatizadores do gênero, foram sendo desconstruídos a partir
da conquista da representatividade feminina na sociedade.

Foram longos os percalços para a desconstrução de “mitos” enraizados


culturalmente na sociedade ao longo de décadas, como a noção de prostituição enquanto
um “mal necessário”. Segundo Joana Maria Pedro108, em Curitiba a idealização da mulher
estava presa pelo ideário positivista, no qual a mulher deveria ser instruída para se auto
aperfeiçoar, contribuindo para a educação dos filhos e da harmonia entre as famílias.
Ainda segundo a autora, a educação feminina e a instrução logo nos primeiros anos,
estiveram envoltas da perspectiva de que apenas a educação feminina poderia levar a
mulher ao ideário de mulher devota do lar, e a imprensa era um dos principais
mecanismos que reafirmavam esses discursos de submissão.

107
O DIA. Gravetos e fagulhas, louras e morenas. Curitiba, 29/03/1934.
108
PEDRO, Maria Joana. Mulheres do Sul, In História das mulheres no Brasil. 2004. P. 232
Em Curitiba, no momento imediatamente posterior a proclamação da
República, travou-se uma intensa batalha entre os jornais, no qual os
positivistas, aliados aos maçons, disputam com os católicos conservadores o
predomínio do pensamento na cidade. Cada um deles tinha uma forma
especifica de idealizar as mulheres; no entanto concordavam em que os papeis
definidores da feminilidade eram os de esposa, mãe e dona de casa 109.

Dessa forma, a construção de uma representação feminina foi sendo construída


por discursos de fragilidade, baseados na saúde, na religião, no discurso moral, onde as
mulheres marginalizadas sempre foram destaque à oposição que a redenção da educação
feminina, por meio da instrução moral, poderia prevalecer e valorizar a honra feminina
na sociedade. Segundo Rachel Soihet 110, em nossa cultura, a mulher é valorizada apenas
no período da juventude, período onde a beleza da mulher é natural, desquitada de
“extravagâncias”, enquanto que ao envelhecer, o corpo da mulher constitui uma razão de
forte preocupação subjetiva, de uma ameaça de si diante ao social. Para a autora, ao
analisar processos criminais cariocas entre crimes de gênero, a mesma salienta que em
razão da masculinidade e do ensejo pela virilidade, os homens tendem a se aventurar em
“novas experiencias” na busca pelo desejo do corpo que constitui: uma “nova fonte de
prazer”111.

Quando a mulher passa a se alijar do confinamento restrito da vida privada,


oscilações persistentes aos preceitos e códigos morais de uma sociedade tradicional,
passam a adequar essas novas prerrogativas da mulher no espaço urbano. Para Cynthia
Roncaglio 112, foi durante os anos de 1890 e 1934, que as mulheres curitibanas vivenciam
as transformações causadas por simultâneas temporalidades do mundo ocidental,
percorrendo os caminhos da conquista feminina na esfera pública.

Hanna Arendt, em discussão a respeito do mundo público e privado, argumenta


que o advento da modernidade possibilitou o esvaziamento da esfera pública e o declínio
do homem no mesmo, tendo implicações diretas com a perda de padrões tradicionais de
análise113. Para a autora, o mundo moderno é marcado pela história da dissolução da
noção de espaço público, explicando que ambos os termos se distanciam da Antiguidade

109
Ibidem.
110
SOIHET, Rachel. 1989. P. 203.
111
Ibidem.
112
RONCAGLIO, Cyntia. Pedidos e recusas: mulheres, espaço público e cidadania (Curitiba, 1890-1934).
1994.
113
ARENDT, Hanna A condição humana, 1959.
para o período da Modernidade, onde público e privado passam a ter novos significados
atribuídos a sociedade despolitizada e atomizada. Puxando gancho para a modernidade,
Habermas, argumenta que na sociedade burguesa, a esfera pública serviu para regular a
sociedade civil, momento em que há uma supervalorização da vida privada como espaço
pertinente aos interesses do “coletivo”114.

Essa dicotomia entre público e privado foi fator primordial na influência das
representações entre os papeis masculinos e femininos na sociedade ocidental,
demarcadas por discursos morais e religiosos. No entanto, embora o discurso da mulher
devota à submissão dos flagelos masculinos, dona do lar, tenha sido, de certa forma,
desconstruído, ele nunca deixou de existir. Na sociedade curitibana das primeiras décadas
do século passado, não havia oposição existe os olhares interditos à representação da
mulher na sociedade, sendo a educação feminina o único reduto capaz de especializar e
modelar a feminilidade capaz de atrair outras limitações fora do ambiente privado 115.

Na esfera pública, as mulheres curitibanas também estiveram presente nas ruas e


nas fábricas e empresas de vários ramos. Segundo a historiadora Roseli Boschilia, ao
trabalhar com a atuação de mulheres operárias em Curitiba na segunda metade do século
XX, havia uma significativa variedade de locais como empresas e fábricas onde a
presença feminina, de várias idades e etnias, era demasiadamente significativa. No
entanto, a também historiadora Etelvina Trindade, ressalta que a ocupação das mulheres
curitibanas nas fábricas de massas, fitas, fósforos, cigarros, sabão, dentre outros, era visto
como “último estágio de trabalho honesto”.

Isso porque o baixo nível de especialização e instrução moral feminina, poderia


acarretar diretamente na atuação dessas mulheres na “sociedade dos homens”. Essas
mulheres, pobres, solteiras, viúvas, abandonadas ou largadas, marginalizadas por via da
sociedade, em contraposição as mulheres economicamente privilegiadas, eram
estigmatizadas mediante a sua qualificação moral, o que resultava muitas vezes em
práticas delituosas. Dessa forma, fosse por opressão familiar, da sociedade e do trabalho,
muitas mulheres se redimiam em última instancia, a prática da prostituição, que embora
representasse um “papel civilizador” idealizado culturalmente através da noção de “mal

114
RONCAGLIO, Cinthya. Curitiba, p. 19.
115
TRINDADE, Etelvina. P. 276.
necessário116”, a prostituta figurava o ideário inverso da mulher de família, sendo ela a
personificação da “perturbação da razão117”.

A prostituição, embora não constituísse crime segundo o código penal, era vista
como uma “ameaça” contra a segurança moral e social, que colocava em risco a
honestidade das famílias, segundo Boni118. Na prática, a prostituição esteve nas iras de
“agentes controladores” que buscavam inibir a prostituição e o lenocínio por meio de
discursos religiosos e práticas médicas e policiais. Assim como a mendicância, a
embriaguez e a vadiagem, a prostituição se constituiu em um grave problema social que
colocava em jogo os preceitos e idealizações do ser civilizado em risco 119.

Dessa forma, em meio a dimensão social que o comércio imoral da prostituição


em Curitiba culminou, foi possível identificar os aspectos determinantes que
categorizavam a prostituição, dando jus a uma rede de significados que se caracterizavam
em meio a discursos de marginalidade. Por ser considerada uma ocupação remunerada
ilegítima, segundo Magali Engel120, a prostituição, como a vadiagem, o capoeiro, o
jogador, o estelionatário, o ladrão e o criminoso eram classificados socialmente como
doentes. Assim, a prostituição exercia “ocultamente”, diversas facetas que funcionavam
sobre máscaras, tecendo um arcabouço de paradoxais exemplos dessa singularidade.

2.3 ) Dos crimes contra a honra; impressões e práticas da prostituição de


menores

Em uma sociedade “civilizada”, por toda parte há estabelecimentos destinados


ao internado de crianças e jovens adolescentes que não possuem o aconchego de um lar,
ou ainda, que não conhecem quem a possa dar o sublime nome do pai ou da mãe. Nos
lupanares dos grandes centros urbanos frequentados por quadrilhas internacionais
circunscritas no âmbito do tráfico das escravas brancas, foi usualmente comum a presença
de jovens adolescentes que sem nenhuma experiencia sexual, ou até mesmo social, já que
provinham de regiões empobrecidas de regiões rurais.

116
Ver AGUIAR, Nayara Elisa. 2018.
117
Trindade, Etelvina. P. 228.
118
Ignês, Maria Boni. P. 120.
119
Ignês, Maria Boni. P. 121.
120
ENGEL, Magali. Meretrizes e doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890).
1989.
Na medida em que casos de prostituição de menores marcha passo a passo,
repercutindo nas crônicas policiais, nota-se também uma equivalência de crimes contra a
honra, como defloramento, estupro e sedução de menores a prostituição. Mesmo sem
saber o que é amor, meninas adolescentes praticavam a prostituição nas sombras das
praças e nas vielas escusas onde o policiamento não fiscalizava. É uma prostituição que
não é lhe concedida requintes, mas trocados do pão de cada dia para matar a fome e saciar
a sede de ganância de agentes proxenetas e mulheres caftinas.

Como parte da conjuntura presente no modus operandi de grandes quadrilhas


internacionais, destinadas ao fluxo continuo de tráfico de mulheres como foi a Zwi-
Migdal e a Marchereal, os crimes contra a honra, cometidos por malfeitores, senhores e
matronas pomposas, que se alimentavam das bastilhas do vício, se tornaram usualmente
comum. O defloramento, em muitos casos estavam presente antes mesmo do ingresso das
vítimas aos bordeis, como forma iniciação ao resguardo da sexualidade precoce. Os
crimes de ordem sexual contra menores, são os que se tornam mais corriqueiros nas
práticas que incitam o lenocínio, no entanto, debaixo da igualdade jurídica, são os que
menos se tornam passíveis de se penalizar.

Em meio à pacificação aos espíritos das paixões moderadas, a própria sociedade


alimentava um discurso onde a prostituição deveria ser moderada. Em contra partida, é
comum encontrar denúncias de menores que buscavam na prostituição tolerada, o ganha
pão de cada dia. Mas a face de uma outra natureza releva ainda, a violência por via da
exploração que sujeitos, cujas necessidades se baseiam na dominação contemplada
através da virilidade masculina, as fontes relevam um outro grau da existência de crimes
sexuais envolvendo menores exploradas, tendo como consequência, o desvio à
prostituição.

Em Curitiba, as autoridades por diversas vezes, procuraram regular o uso do


espaço público, principalmente em regiões centrais da cidade, onde havia uma
concentração acentuada de populares, que representava o escopo das preocupações da
ordem pública contra a imoralidade em meio a ideia de urbanização. Daí a preocupação
de tornar pública as medidas policiais sobre determinadas práticas, que, além da
prostituição feminina, se obliteraram na esfera da criminalidade na cidade 121. É o que
revela o relatório do Chefe de Polícia de 1926, que reclamava da dificuldade em localizar

121
Relatório do Chefe de Polícia do Estado do Paraná. 1926.
os lugares de meretrício, que se mostrava uma tarefa árdua para a vigilância municipal,
pois a prática esteve encobertada por um leque de outros problemas considerados ilícitos
e secretos, que incitava também o desenvolvimento de crimes de gênero.

Na esfera dos crimes que desintegram a dignidade sexual de menores de idade,


o mesmo pode se desenvolver por meio da violência física, ou pela exploração emocional.
No Código Penal de 1890, o Art. 39 º previa que todo menor que estabelecesse
circunscrição direta ou indiretamente com a libertinagem, e dependesse disso, poderiam
ser apreendidos e encaminhados as autoridades para averiguação dos fatos. Nesse sentido,
entende-se enquanto “vícios da cidade”, um conjunto de práticas e hábitos no âmbito da
ilegalidade como vadios, ébrios, mendigos, ébrios e sujeitos de pouca sanidade mental,
considerado como loucos122. Dessa forma, esses espaços apresentavam involuntariamente
terreno propício para o exercício de atividades que perpassam a noção de comércio
sexual.

No caso de menores em ocupação de prostituição, os envolvidos eram


encaminhados à parentes responsáveis, ou em caso de abandono, as autoridades deveriam
tomar medidas cabíveis, podendo recolher os menores infratores e inseri-los em
instituições educacionais até a maioridade. A prostituição como um tudo, é um mundo
repleto de códigos e segredos, e nela, há caminhos que encenam cenários para a rota do
comércio imoral e exótico, de um comércio desconhecido e muitas vezes, até mesmo
inacessível.

“Mesmo como caixeiras, a presença de mulheres naquele ambiente


apenas atestava, a seus olhos, o grau de degradação e o baixo nível do
local, reforçado pela vil exploração à qual até mesmo crianças estavam
submetidas. Além de registrar uma forma corrente de trabalho sexual
infantil no período, o autor [da reportagem em questão] indicava o tipo
de diversão que entretinha o público masculino de mau gosto e pouco
dinheiro”123.

Nesse sentido, a noção de “comércio imoral”, apresentada aqui, perpassa os


aspectos relacionados aos tópicos frequentes das noites curitibanas, tomando a
prostituição de menores como reagente de uma criminalidade, com o intuito de ampliar o
conhecimento sobre este segmento. A prostituição, bem como os crimes sexuais,
enquanto parte do componente idealizador de um o “comércio carnal”, estiveram em

122
SOUZA, Luís Antônio Francisco de. Entre lei, ordem e a cidade na sociedade republicana. P. 137.
123
SCHETTINI, Cristiana. Empregados do comércio e prostitutas na formação da classe trabalhadora no
Rio de Janeiro republicano, p. 68. 2007.
sincronia com discussões que merecem atenção em relação a sua ênfase e impacto no
cenário estabelecido. As narrativas de fatos críticos, que envolvem crimes sexuais como
defloramento e estupro, além do lenocínio de menores, são esferas que possibilitam
compreender melhor as narrativas sobre crimes que estiveram relegados à prostituição no
imaginário curitibano no limiar do XX.

Dessa forma, a proibição pela ordem do desejo, pelo manuseio das práticas
sexuais de outrem, forçou a existência de uma prostituição clandestina que se configurava
pela via estreita da ação mediadora de um homem ou mulher, através do aliciamento e do
cárcere de jovens em territórios propícios aos vícios que sustentavam atividades
extrajurídicas, como jogos, consumo de drogas, bebidas e crimes sexuais. De antemão, as
diligências policiais relativas ao lenocínio deviam apreender quaisquer indivíduos que
atentasse contra a lei, induzindo mulheres e abusando de suas fraquezas psíquicas e
sociais, como a miséria e o abandono social, aliciando-as por intimidações ou promessas
emocionais. A lei previa que o agravamento da pena poderia acontecer em casos
específicos, como em crime contra de menores de idade, fosse pela orientação dos pais
ou tutores próximos.

Atrelado a isso, os crimes que implicavam defloração e prostituição de menores,


estiveram entre os casos que mais chamavam atenção da imprensa do período no cenário
curitibano. A condição social novamente ditava as inflexões desses crimes, que
marcavam profundamente estigmas indeléveis e danos irreversíveis na vida subjetiva de
crianças e adolescentes. O estupro, de acordo com o Art. n° 267, por sedução, engano ou
fraude, se configurava em todo ato pelo qual o homem abusava com violência de uma
mulher, menor de idade, virgem ou não, empregando violência física, privando a vítima
de se defender, entre pedidos e recusas, a violência carnal. Se a vítima fosse uma mulher
da vida, a punição para os autores era menor do que para outras mulheres de vida honesta,
de uma quatro anos, para seis meses até dois anos para vítimas prostitutas.

Nesse sentido, percorrendo os relatórios de Chefe de Polícia do Paraná, foi


possível fazer um breve mapeamento sinótico dos crimes sexuais, que vieram à tona
através de queixas contra atos de sedução, defloramento, estrupo e pelas violências
cometidas contra sujeitos vulneráveis 124. Embora se trate de inquéritos judiciais de época,
não é possível problematizar, de certa forma, o teor que esses crimes apresentaram, ou se

124
Ver o significado de sujeitos vulneráveis pela constituição de 1890.
estiveram atrelados a possíveis casos de prostituição, lenocínio e prostituição infantil.
Sendo assim, na contenda dos dados apurados, oriundos dos relatórios apresentados
respectivamente nos anos de 1923, 1925, 1926 e 1933, em conjunto com uma série de
denúncias do mesmo período, que ganharam repercussão imediata nas páginas da
imprensa local, tendo como principais acusações, casos de cópulas carnais, foi possível
que determinar a autoria desses inquéritos enquanto crimes sexuais

É importante ressaltar que, por envolver violência e abuso doméstico, muitos


casos se mantiveram ocultos aos escritos policiais, como acontece em outras sociedades,
e em tempos distintos, ainda mais se tratando de um período onde a virilidade, sob via do
patriarcado, tendia a normatizar a cultura do estupro. Analisando os dados pertinentes, foi
possível localizar uma evidente elevação de crimes sexuais apurados pelos três distritos
policiais de Curitiba. Em um caso de crime de estupro, o autor, José Raymundo do
Nascimento, foi preso após ter sido acusado de violentar uma menor de idade, de nome
Rosa Foltrane, de 13 anos, próximo a região do “matadouro”, em 1920. A denúncia veio
à tona após o filho do autor denunciar à Delegacia de Polícia, o ato criminoso cometido
pelo acusado, o que também foi confirmado pela vítima, Rosa, que se dizia meretriz,
alegando ser Raymundo o principal culpado por aliciá-la à prostituição.

A explicação para essa ausência em juízo criminal de possíveis outros casos de


crimes sexuais, pode ser explicada justamente através da própria constituição republicana
vigente no período. Para que fosse aberto um inquérito e apurado as investigações, era
preciso que houvesse a vítima testemunhasse contra o autor, se possível acompanhada de
testemunhas. A lei previa que, em caso de defloramento ou violência sexual, a vítima
deveria ser submetida ao exame de corpo de delito, em casos de denúncias posteriores à
agressão, e em casos de flagrantes, o autor poderia ser imediatamente submetendo ao
cárcere, ficando sob responsabilidade jurídica, para sentenciar o caso. No entanto, neste
caso, o processo não foi levado adiante, já que a vítima não demonstrou interesse em
denunciar o agressor, já que legalmente, os crimes de ação particular dependiam da
manifestação escrita da vítima ou de algum responsável legal, como queixa-crime. Ainda
sobre as acusações contra defloramento, como ilustra Luís Antônio salienta no cenário
paulistano do início do século XX:

“Para evitar as custas judiciais, evidentemente elevados, os queixosos,


principalmente os pais ou responsáveis de menores defloradas, apresentavam
testado de miserabilidade para não terem que arcar com as custas. Grande parte
das queixas restavam inconclusas porque ou as suspeitas eram infundadas ou
queixosos resolviam não dar prosseguimento ao processo, mantendo-o em todo
o caso, como uma espécie de “termo de segurança” preventivo” 125.

Pouco tempo depois, em 1923, numa madrugada de domingo, o velho criminoso,


já conhecido das autoridades policiais, voltou a protagonizar uma série de atentados que
impressionava não só as autoridades, mas a população pelo exame de brutalidade e frieza
ao destilar uma série de comportamentos violentos contra uma família na região de
Curitiba. A “fera humana”, como era descrito pela imprensa, era muito similar as
categorias de criminosos natos descritos pela teoria lombrosiana do século XIX; “era um
homem negro, alto, membrudo, cheio de deformidades e desarmonias craneanas e faciais,
olhos desorbitados, as maças salientes, mandíbulas brutais”. Se tratava de José
Raymundo, o mesmo que anos antes teria deflorado uma menor, que no referido caso,
além de assassinar à tiros um casal que, ainda estuprou da vítima ainda em estado de
agonia.

“O dono da casa, acordando, chamou sua esposa e foram ambos até a porta da
cozinha, onde pressentiram o barulho. Para essa inspeção José armou-se de
uma espingarda e mandou que sua mulher abrisse a porta, recebendo, nessa
ocasião, um tiro em pleno peito. Mortalmente ferido, José disparou a sua arma
para o solo, correu e pulou a janela da frente e foi cair em plena estrada,
agonizante”126.

A partir deste caso, foi possível identificar que José Raymundo já havia sido
condenado em 3 de abril de 1906 por crime de estrupo, e teria sido preso novamente em
1912 pelo mesmo crime, vindo a ser libertado em junho de 1919. E graças a repercussão
do último caso, surgiram outras inúmeras denúncias de estupro contra o delinquente.
Dentre os relatos, surgiram denúncias de adolescentes e mulheres de idade, que relataram
terem sido vítimas do sujeito, forçadas a satisfazer seus instintos brutais. Nomes como
Pascolina de Jesus, Santa Bozzato, que perambulava pela rua vendendo leite e foi
ameaçada com um revólver, Josephina Gebur, Anna Volensky, Martha, Maria Mikua e
Maria Mendia, de 60 anos, espancada e violentada pelo autor demonstravam a gravidade
do indivíduo em exposição à sociedade. Havia ainda uma queixa sobre o acusado ter
desonrado a própria filha, cuja o nome era Rosa da Silva, que fora o sobrenome,
apresentava as mesmas características da vítima de anos atrás, que declarou rumo à
prostituição depois do crime. Encarcerado, o acusado não falava nada a respeito dos

125
ANTÔNIO, Luís, p. 284.
126
O Dia. Obra dantescamente horrível de um monstro. 1923
crimes e das perguntas feitas por autoridades, mas falava sobre sua vida na Bahia e sobre
condenações anteriores.

O número de inquéritos policiais sobre defloramentos e estupros, crime-síntese


para se entender o cometimento de sentenças realizadas no curto período de 4 anos em
Curitiba, embora estejam separados por lacunas, curtos intervalos entre um ano e outro,
foi possível apurar o equivalente à 96 inquéritos polícias à respeito na capital. É de se
levar em consideração também, que a honra e a moral das vítimas, meninas e mulheres,
poderiam ser expostas mediante e questionadas com base em possíveis intervenções da
prática judicial. Sendo assim, esses números se juntam a quase outros 30 casos de
exploração e aliciação de menores, para fins de prostituição em Curitiba, apenas um curto
período de 13 anos. São discussões complexas, densas e de certa forma, delicadas, pois
abrangem um arcabouço de práticas e enigmas difíceis de tolerar socialmente de
criminosos que agem como coiotes, que na maior das dimensões, destilam suas garras
descabidas sobre vítimas inocentes.

Ao analisar, com maior profundidade alguns dilemas sociais, casos que iam além
de crimes sexuais, fez reverberar denúncias de casos envolvendo prostituição de menores,
por parte de entes familiares para fins mercantis. Embora o aspecto da violência sexual
seja determinante em casos de raptos e de lenocínio por parte de outrem, é de se supor
que crimes envolvendo familiares também se tornaram corriqueiros na esfera judicial e
policial do período.

Em outro caso, foi possível acentuar como a criminalidade concedeu lugar


privilegiado para a análise das representações em torno da violação e exploração de
menores na capital. O que parecia ser apenas um caso de furto no interior de uma
propriedade, como de praxe, relevou um esquema que, cujas revelações e declarações
alguns envolvidos, possibilitou a polícia da capital a desvendar um esquema onde
virgindade menor de idade seria submetida à venda por parte de um homem, cuja
identificação não foi possível, já que a polícia teria descoberto o caso antes do flagrante.
Essa denúncia remete a seguinte análise: ao todo, pelo menos três atos criminosos sob
perspectiva criminal, o primeiro por furto, Art. 330, seguindo de defloramento, Art. 270
e de lenocínio, Art. 277, envolvendo uma vítima menor de idade.

Ao alvorecer do dia 21 de abril, na Delegacia de Vigilância e Investigações, foi


registrada uma queixa de roubo realizado por Ulysses Teixeira, que declarou ter sido
abordado, enquanto transitava melancolicamente pela rua Pedro Ivo, quando foi abordado
e aliciado por uma jovem moça muito atraente, que na hora suspeitou ser de “vida
irregular”. Se deixando levar pela sensação ambígua e “afrodisíaca” do momento, o
sujeito alega ter sido convidado para entrar na residência de n º 715, quando, após se
envolver com a moça, foi surpreendido pelo furto de sua carteira, contendo
aproximadamente 800$00 reis.

Diante da queixa, o delegado responsável por gerenciar aquela respectiva


Delegacia, solicitou que fossem ouvidos os depoimentos dos moradores daquela
propriedade, Alcides Lopes dos Santos e sua mulher, Francisca, que se submetia à
prostituição sendo conhecida pelo apelido “Geny”. Não se sabe exatamente o que teria
levado Geny a confessar, posteriormente, algumas revelações obscuras sobre o caráter de
Alcides para a polícia naquele momento. Talvez por exaustão de ter que bancar a família,
sendo coagida a praticar delitos e a se prostituir clandestinamente. Sendo assim, de
suspeita, Geny também se tornou vítima, contou ainda que o marido, há tempos não
trabalhava, e após uma série de dificuldades econômicas, o marido teria planejado
negociar com um indivíduo desconhecido, a honra da filha adolescente, de 15 anos.

Prosseguindo com o depoimento, Geny afirma que Alcides teria começado a


prostituir mãe e filha já há algum tempo, enquanto ao furto da carteira, teria acontecido
no ato de sedução, o que levou a vítima a suspeitar de uma possível armação. A sedução
era uma ferramenta de distração para vários homens que caiam nas falsas lábias do casal,
após adentravam no interior do local. O acusado, natural de Santa Catarina, já provinha
de fichas criminais, e a partir daquele momento, coube a justiça processar a condição do
indivíduo e recatando suas devidas punições aos demais envolvidos. A explicação para a
ausência de outras queixas contra o caso de proxenetismo, pode ser explicado justamente
pelo fato de requerer uma exposição pública de possíveis homens de família, e de certa
forma, tendo reflexos nas consequências morais, causados por problemas delicados, como
meretrício e defloração de vulnerável.

Os abusos sexuais contra mulheres e adolescentes neste contexto, além de


apresentar danos físicos, como também emocionais, acabam acarretando a restituição
psicológica das vítimas, alterando quadros psiquiátricos ao longo do processo de
desenvolvimento, podendo causar transtornos futuros. Acorrentadas pela noção de culpa
e desonra, muitas mulheres e adolescentes, vítimas de defloramento e lenocínio, acabam
repetindo o ato na fase adulta, justamente por estarem sujeitas a uma prisão psicológica,
sem apoio familiar ou do Estado, sendo pressionadas à tendência do sexo compulsório,
como aconteceu no primeiro caso mencionado, já que, segundo Nayara Aguiar:

“a violência sexual masculina contra a prostituta era digna de repressão mais


branda já que aquelas mulheres se submetiam a um estilo de vida que permitia
certa liberdade, considerada anormal, da sexualidade. A questão da honra
também era determinante, a reputação da mulher perante a sociedade após
sofrer um ato de violência sexual era uma questão central na criminalização do
estupro, a tolerância maior 63 com os crimes cometidos contra prostitutas
relacionava-se também ao menor prejuízo que causaria para estas mulheres,
que já eram mal faladas perante a sociedade”127.

Embora seja um assunto de espessura delicada, não há como justificar, para além
do crime de lenocínio, a onipresença de casos que geraram repercussão envolvendo
adolescentes nos “mercados de amores de Curitiba”, sem antes pensar na violação do
estágio final referente ao desenvolvimento psicossexual do sujeito envolvido. Em ensaios
que remetem a questões da sexualidade dentro da perspectiva da psicanalise, Freud128
explica que é possível que o sujeito desenvolva e expresse transtornos relativos à
repercussão da violação do desenvolvimento genital, como em casos de crimes contra a
honra, promovidas ainda durante a fase da puberdade, período onde florescem as zonas
erógenas do corpo humano, trazendo possíveis desequilíbrios à vítima durante a fase
adulta129.

Durante os anos de 1900 e 1938, apenas no noticiário do Diário da Tarde, foi


possível identificar aproximadamente 374 casos envolvendo defloramentos em Curitiba
e nas demais regiões vizinhas, onde a capital ficava sob responsabilidade de averiguar e
apurar os acontecimentos. Esses inquéritos policiais de defloramento, que vieram à tona
graças à imprensa por via da sessão “Factos e Diversos”, nos revelam que, além de dados
estatísticos, a criminalidade, atrelada ao lenocínio e aos crimes sexuais, se tornara o
principal problema social da prostituição clandestina no cenário curitibano no início
daquele século. Em suma, as vítimas de defloramento, testemunhas ou parentes, se

127
AGUIAR, Nayara. Ibidem. P. 62
128
FREUD, S. Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre Sexualidade e outros trabalhos (1901-1905):
Volume VII. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 2006.
129
Ibidem.
tornaram peças cruciais para o desenvolvimento desses inquéritos, porque sem conseguir
provas, a polícia dificilmente conseguiria identificar e localizar a autoria do crime.

Na contenda das fontes numeradas, impressas, catalogação de processos


criminais e relatórios de chefe de polícia, as mulheres vítimas desses crimes, eram
descritas como mulheres adultas e “moçoilas” menores de idade. No segundo caso em
específico, as vítimas pairavam na casa dos 10 até os 18 anos. Inúmeros casos relatam o
aliciamento e sedução das vítimas, fosse por meio de casamento ou promessas de várias
formas, mas como também casos hediondos, como raptos de menores e crianças órfãs,
ameaças com armas brancas, defloramento por parte do pai, e até mesmo a gravidez
precoce oriundo do crime sexual. Analisando a ficha de catalogação de processos judiciais
do mesmo período, é possível identificar ainda que dentre as indexações, as principais
causas de defloramento de menores ocorreram por via de falsas promessas de casamento,
raptos, sedução e ameaças de morte.

Na esfera judicial, os crimes de defloramento e estupro estiveram desarticulados


por via do código penal de 1890. Isso porque o Art. 267 da constituição, previa que o
defloramento de mulher ou de menor de idade, era algo estritamente restrito a condição
feminina da mulher que mantinha seu caráter moral e sem clamor em público, ou seja,
mulher digna, respeitosa e de vocação ao “culto da virgindade”. Já o crime de estupro,
segundo o Art. 269, da constituição, previa a penalidade de toda forma de abuso oriundo
de homens contra mulheres, por meio da violência física ou por envenenamento de
substâncias narcóticas, sendo a vítima virgem ou não. Havia ainda toda uma discussão
em torno da condição de mulher honesta presente na constituição federal, por exemplo,
em casos onde a mulher era honesta, a prisão celular poderia chegar de um a seis anos,
mas se a vítima fosse supostamente mulher pública ou prostituta declarada, a prisão
celular sofria uma significativa queda de seis meses até dois anos de prisão para o autor
do crime.

Em uma sociedade, onde os códigos e preceitos morais e religiosos provincianos


das primeiras décadas do século XX, pareciam motivar a perseguição às camadas menos
favorecidas socialmente, na busca pela manutenção da moral e dos bons costumes de uma
elite burguesa e dominante, que se mostrava estável e moderna, através da influência que
o moralismo religioso detinha sobre o imaginário da época. Enquanto ao homem, os
instintos sexuais eram naturalizados em meio a normatizações sociais por meio de
diferentes discursos coercitivos e morais, enquanto que para as mulheres, a violação
manifestada através da violação da carne, poderia representar meio caminho andado em
direção a prostituição livre 130. Essa “desvalorização”, culminada pela noção de culpa e
de perversão do “culto” à virgindade, poderia se transformar num instrumento de
dizimação social, levando essas vítimas de crimes sexuais a se submeterem à prostituição.

Sendo assim, foi possível concluir que o número de inquéritos policiais sobre
defloramentos e estupros, crime-síntese para se entender o cometimento de sentenças
realizadas no período de apenas quatro anos em Curitiba, embora separados, foi o
equivalente a 96 inquéritos policiais. É de se levar em consideração também, que a honra
e a moral das vítimas, meninas e mulheres, estariam sendo expostas mediante ao público,
por meio das crônicas policiais, e questionadas com base em possíveis intervenções da
prática judicial. Sendo assim, esses números se juntam a quase outros 30 casos de
exploração e aliciação de menores, para fins de práticas ilícitas, em Curitiba, apenas um
curto período de 13 anos. São discussões complexas, densas e de certa forma, delicadas,
pois abrangem um arcabouço de práticas e enigmas de criminosos que agem como coites,
que na imensidão dos desfechos, destilam suas garras descabidas sobre vítimas inocentes.

VER AUTORA Q DISCUTE OS PROCESSOS CRIMINAIS DE


DEFLORAMENTO, FAVOTIRADO.

2.4) Dos crimes contra a vida; prostituição por morte voluntária: o assassinato
de si mesmo

Ao abordar questões complexas da subjetividade humana como o suicídio no


campo da sociologia, é preciso retornar aos fatos sociais de Émile Durkheim, um dos
pioneiros a tratar o suicídio como um fato social. Durkheim classifica os fatos sociais
enquanto modos de agir, de se pensar e de sentir, que acabam adquirindo um certo grau
de coerção social por algo imposto socialmente, ou seja, desde que nascemos a sociedade,
por meio de leis, métodos e punições, introduz essas imposições no desenvolvimento

130
A prostituição livre, diferente da prostituição clandestina, não era acompanhada pelo proxenetismo, ou
seja, na prática, estas mulheres exerciam a prática da prostituição involuntariamente, sem necessariamente
ser coagida e obrigada por outrem ao mundo da prostituição. Embora no Brasil, a prostituição nunca tenha
sido de fato regulamentada, desde o começo do século XX, no Rio de Janeiro e em São Paulo, os modelos
de identificação de mulheres meretrizes se baseavam no princípio de vigiar e controlar a prostituição livre,
impedindo o desenvolvimento da prática clandestina, que operava longe dos olhares tênues da polícia e de
autoridades médicas.
social do indivíduo. Após definir os fatos sociais, o autor classificou a questão do suicídio
em três categorias: o egoísta, o indivíduo desintegrado socialmente que já não vê mais
sentido em viver; o altruísta, quando o indivíduo se vê na obrigação de dar a sua vida em
prol de algum objetivo; e o anômico, quando o suicídio acontece devido à falta de
normalidade da sociedade, onde há ausência de regras, gerando o caos.

Enrico Ferri, estudioso que, ao lado de Césare Lombroso, inaugurou as bases da


criminologia positivista, compreendia que o delito é um fenômeno natural e social, que
provem da fonte somatória causada por vários fatores, dentre eles aspectos físicos, sociais,
ambiental e populacional e cabe ao Estado, em função preventiva, instaurar penas como
função preventiva. O autor entendia que os elementos determinantes da prática do crime,
não se baseava apenas em aspectos biológicos, mas também de fatores individuais, como
mencionado antes, e considerava o suicídio, em meio a certo darwinismo jurídico, como
parte de um processo de seleção natural, pois nem sempre a fraqueza e a ausência da vida
social determinam as causas do suicídio. Segundo o autor, há casos em que o atentado
contra a vida perpassava o sentimento de honra e de pundonor, conduzindo o homem de
espírito nobre ao suicídio, ou seja, o indivíduo de abrir mão por uma causa em razão de
sua honra e amor próprio 131.

Dessa forma, Ferri compreende que “o suicídio é uma válvula de escape contra
o homicídio”132, sendo assim, mais do que uma produção de sentidos, tensões e exclusões
sociais, o espaço urbano foi também palco para a crise do empobrecimento e da
marginalização daqueles que não se adequavam a um projeto de estandardização coletiva,
capaz de atender os feitos e desejos de uma elite burguesa e dominante. A transição dos
centros urbanos para um projeto de modernidade tardia, acelerada e sobretudo, capitalista,
trouxe consigo choques físicos e perceptivos na própria experiência de vida cotidiana de
grupos alternativos. Sendo assim, a experiencia da vida cotidiana de mulheres públicas
esteve orbitada por banalidades e paradoxos que não se explicam apenas por questões
legais ou judiciais, ou ainda, através de mecanismos coercitivos, propagadores de
discursos morais e normatizadores.

“Vítima da ganância da sua empreiteira, alvo da brutalidade, da animalidade,


dos escárnios e do desprovido da marmanjada, a prostituta tem por vida uma

131
ALVES, João Luiz. Sobre o suicídio. p. 273.
132
Ibidem.
acerba amalgama de subserviências de desilusões, de desesperos e de
lágrimas”133.

A questão do suicídio, por parte de mulheres prostitutas curitibanas é algo


delicado, pois não há uma vasta documentação no qual nos possibilite debruçar, enquanto
historiador, e compreender a dimensão exata sobre o tema e a sua real complexidade, para
além do impacto que a exclusão e o estigma social desempenharam na vida dessas
mulheres. Seria uma forma de remar contra as correntes e dar fim a essa imensidão de
ideias? A vida intramuros da mulher pública no bordel, sempre esteve marcado por
tragédias, meras bastilhas do vício, de onde germinavam entre conflitos internos e
externos, que muitas vezes acabavam com a presença da polícia. O volume
formidavelmente “monstruoso” de bebidas alcoólicas nesses estabelecimentos, era um
advento que proporcionava brigas e desavenças, já que os efeitos da bebida poderiam
provocar o enfraquecimento da capacidade psíquico e proporcionar reações “mórbidas e
ignóbeis”.

Esses bordeis se camuflavam através de esfoladouros modelos de bares,


restaurantes, lojas e pensões alegres na região de Curitiba. Os homens que frequentavam
esses prostíbulos além de consumirem bebidas por um preço exacerbado, eram coagidos
por meretrizes de gastarem o triplo com banalidades segundo Rago 134. As cafetinas e
cafetões, exerciam a função de senhores absolutos, administravam os negócios em
espaços que, embora fossem de sociabilidade, serviam também de palco para pungentes
dramas íntimos. A “madrinha”, como era conhecida a mulher cafetina, era uma figura
ávida, insaciável e egoísta, era desumana, devorava tudo que as meretrizes conseguissem
adquirir, enquanto as “borboletas” batiam as asas, elas estavam lá, marcando passo a
passo, atentas para impedir das prostitutas se libertarem das tabernas clandestinas. Uma
vez, ao cair nas harpias sem entranhas desses agentes, dificilmente as mulheres
conseguiam se desprender sem uma intervenção direta e violenta por parte do
policiamento urbano.

Por isso ao discutir a intervenção policial nos bordeis e nas ruas, é uma
complexidade que perpassa além do imaginário de um “incomodo moral”, mas também
de necessidade subjetiva de uma proteção involuntária, muitas vezes intervinda por meio
de denúncias e crimes hediondos que colocam o bordel, como cena do crime. Podemos

133
O império da Ganancia. Última Hora. Curitiba.
134
Ibidem. P. 164.
compreender o suicídio, entre as meretrizes, como um mecanismo de defesa utilizado
como forma de auto prevenção característico às questões ligadas à degeneração, mas não
apenas no sentido da hereditariedade, integrada à conceitos de normalidade e desvio que
justificava, conforme Foucault 135, as condutas sociais e morais, mas também emocionais
do indivíduo em situação de suicídio.

Segundo Weinhardt136, ao percorrer pelos caminhos tênues da embriaguez e da


criminalidade em Curitiba, lembra que quase nada se passava despercebido no início do
século passado, e que boa parte desses lugares, considerados enquanto “espaços de
sociabilidade”, eram frequentados por uma “ralé urbana”, habituados com os males que
o jogo, a bebida e a prostituição forneciam para a sociedade. Esses homens pertenciam as
camadas menos favorecidas da sociedade, como indivíduos trabalhadores podres, ébrios
habituais e vadios que se abrigavam em falsos estabelecimentos, camuflados por
dominações genéricas, fornecendo espaço para a criminalidade clandestina.

No cenário carioca, conforme Isabel Vincent 137, em meio a servidão das escravas
brancas, traficadas e exploradas em bordeis próximas a região portuária do Rio de Janeiro,
as meretrizes, brasileiras e estrangeiras, foram submetidas a atender homens das camadas
pobres como marinheiros, ébrios e estrangeiros que traziam consigo, doenças e agressões
físicas que marcavam os rostos das mulheres na medida em que as mesmas demonstravam
formas de resistência138.

Enquanto um espaço onde ocorre o crime e a criminalidade, os bordeis, ou em


outros espaços onde se alimentavam os “vícios da cidade”, os crimes contra a vida como
o homicídio e suicídio, se tornaram cada vez mais frequente nas crônicas policias nas
páginas da imprensa. Em termos legais, a lei não poderia ser aplicada ao sujeito que se
encontra em óbito, nem seria possível identificar se havia alguma forma de punição para
aqueles que tentassem contra a vida, além de tratamento psiquiátrico ou internamento. No
entanto, de acordo com o Art. 299 da Constituição de 1890, o ato de induzir ou aliciar
alguém ao suicídio, fornecendo os meios para a causalidade tendo conhecimento sobre o
agrave, poderia ser detido e condenado de dois até quatro anos de detenção.

135
FOUCAULT, 1999, p. 311
136
WEINHARDT, Otávio. Delitos etílicos: embriaguez, criminalidade e justiça (CURITIBA, 1890-1920).
Dissertação de Mestrado em História, pela Universidade Federal do Paraná. 2019.
137
VINCENT, Isabel. P. 76.
138
Ibidem.
A datar de 1910, os números de inquéritos policiais até 1936, que envolvem
comportamentos de caráter suicida em Curitiba e em regiões próximas, somam o
equivalente a 170 inquéritos policiais, de acordo com os dados oriundos da catalogação
de processos judiciais do Museu da Justiça do Paraná. Dessa porcentagem, por via das
margens, 42 processos teriam sido movidos por conta de possíveis tentativas de suicídio
sem sucesso, enquanto o restante, 124 inquéritos, seriam especificamente sobre suicídios
terminados em óbito. De acordo com a autopsia, que apresentava a causa e o modo da
morte, grande parte dos casos envolviam armas de fogo, afogamento, enforcamento,
como também o consumo de venenos e substâncias de base química, como a soda caustica
e cianeto de potássio.

Das razões subjetivas que estimulavam ou impulsionavam os suicídios


identificados, é possível listar que grande parte envolvia mulheres da esfera doméstica,
questões amorosas, transexualidade, dívidas de negociantes, doenças, doenças venéreas,
doença mental, sob mania de perseguições e alucinações, embriaguez. É possível
identificar ainda que a presença do estrangeiro polonês, italiano e alemão esteve
intrinsicamente presente nesses inquéritos policiais, mas não é possível identificar se
surgem como autores ou testemunhas. A faixa etária das vítimas registradas apresenta
uma variação elevada de sujeitos entre 20 e 50 anos de idade. A questão da insalubridade
e das más condições de trabalho também aparecem como possíveis fatores ligados a
depressão, como aconteceu com o operário Waldecir de Oliveira, de 58 anos, que antes
de se suicidar teria deixado uma carta onde dizia: “trabalha muito, ganha pouco”139.

Não menos importante, mas buscando centralizar a discussão do suicídio


referente as mulheres meretrizes, em meio a esses inquéritos apurados, seis deles chamam
a tenção pelos detalhes relatados na catalogação. A primeira tratava-se de uma menor de
idade, que em posse de arma de fogo em sua casa, teria atirado em si mesma por desgosto
íntimo em 1924; a segunda, meretriz, residia na Rua Cabral, e se envenenou com soda
cáustica em 1925. A terceira, de 21 anos, residia na rua Visconde de Guarapuava, e por
possíveis desilusões com o cabo Antônio Lopes, tentou tirar a própria vida em 1932; a
quarta se suicidou ingerindo soda cáustica após ter sido seduzida e contraído doenças
venéreas em 1934. O quinto suicídio aconteceu em uma casa de meretrício, com arma de
fogo por possível desavença amorosa, tendo como causa o amor não correspondido de

139
Informações referentes ao Processo criminal de 1924, extraído do Museu da Justiça de Curitiba.
um homem casado ainda em 1934; o sexto e último, naquele mesmo ano, aconteceu
novamente em uma casa de meretrício, onde a vítima, de 22 anos, tirou a própria vida
pelas mesmas razões do caso anterior.

Na imprensa que circulava na capital, o suicídio de mulheres meretrizes passou


a ganhar notoriedade a partir dos anos de 1910. Já em 1925, em um bordel localizado na
Rua Visconde do Rio Branco, n. 1465, a polícia teria registrado o suicídio da meretriz
“Rosinha Santine”, brasileira de 18 anos de idade, após ter ingerido formicida, um veneno
que, quando ingerido, poderia causar estrago no estomago, causando uma morte lenta e
dolorida. Segundo o laudo médico apurado pela imprensa, a vítima teria se recolhido em
seus aposentos para consumir a substancia, mas após os primeiros sinais de mal estar,
teria pedido socorro para terceiros alegando forte queimação na região do estomago, mas
seu sofrimento não foi longo, pois logo teria entrado em óbito devido reação quase que
imediata do veneno usado para matar insetos140.

2.5 - Segredos desvelados, crimes passionais

Nos bordeis, bares e pensões alegres da capital, lugares onde o meretrício se


ramificava, não eram apenas as eventuais badernas e desentendimentos romanescos
causados pelo consumo do álcool, que movimentavam as páginas da imprensa e dos
inquéritos policiais nas primeiras décadas do século passado na capital paranaense. Como
mencionado antes, as casas de prostituição se tornaram palcos de dramas pessoais, tendo
como cenário, cenas sanguinolentas, causadas pela violação da própria vida. As tentativas
de suicídio por armas de fogo ou armas brancas141, nos apresenta um panorama da
violência que orbitava nestes espaços de libertinagem, por parte de homens que ocupam
a “clientela” dos prostíbulos, e das mulheres públicas e as relações conflituosas entre elas
e seus “senhores” que administravam os estabelecimentos.

A complexidade do discurso sobre o meretrício enquanto causa de desordem


urbana, de certa forma não se restringia apenas ao espaço urbano, onde famílias, senhoras
e rapazes eram vítimas dos olhares perversos e reluzentes de mulheres da vida. Aqui
novamente o espaço destinado ao meretrício, pode ser compreendido para analisar uma

140
Correio do Paraná. “Suicidio: mais uma vez a formicida entrou em cena”. 03/07/1928.
141
Se refere objetos que possam servir tanto para defesa quanto para atacar, como facas, navalhas, canivetes,
cutelos, dentre outros objetos cortantes.
série de atentados envolvendo homicídios e tentativas de homicídios entre sujeitos que
buscam e oferecem serviços sexuais. De acordo com os dados correspondentes a análise
dos Relatórios de Chefe de Polícia do Paraná, referente aos três distritos da capital, entre
os anos de 1920, 1923, 1924, 1925 e 1933, somaram-se mais de 300 inquéritos policiais
para averiguar apenas homicídios qualificados e aproximadamente 62 inquéritos para
investigar tentativas de homicídio.

A movimentação de processos-crimes de gênero em Curitiba sobre as múltiplas


formas de amores foi variada, e envolvia discussões relegadas ao conventilho, no caso do
meretrício, como restrito ao lar, a violência doméstica, sobre o imaginário social, trazendo
narrativas de crimes e delitos que pairavam de bestialidades até crimes hediondos. Para
Etelvina, o ciúme e a defesa da honra eclodiam sobre a violência masculina contra as
mulheres na capital, em suas mais variadas formas e práticas rudes 142. O homicídio,
enquanto forma de violência direta, e em muitos casos, letal, era vitimado pela noção de
rejeição, era uma demonstração típica da atitude masculina sobre a mulher. Dessa forma,
a autora salienta ainda que o aumento desses crimes se deu pelo desenvolvimento da
sociedade urbana e industrial, que ao mesmo tempo que abria novas possibilidades às
mulheres, oferecia um enfraquecimento dos laços familiares, intensificando os conflitos
entre os sexos.

“Esposas são espancadas por seus maridos, meretrizes agredidas pelos


amantes, homens perseguem suas companheiras armados de pedaços de ferro,
revolveres, facas, cutelos, canivetes e machados143”.

De acordo com Susan Besse, em artigo analisando as campanhas contra o


assassinato de mulheres no Brasil no princípio do século XX, havia uma certa indulgência
sobre crimes envolvendo mulheres em função de uma relativa complacência enraizada na
própria sociedade brasileira144. Sendo assim, entende-se por crimes de gênero, ou “crimes
da paixão” em ditado romanesco, o homicídio originário de conflitos ligados as relações
amorosas ou sexuais, que na prática, se tratava majoritariamente de sujeitos do sexo
masculino, assassinando a vida de mulheres ou seus parceiros, maridos, noivos amantes
ou parentes145. A incidência desses crimes, como analisado, acaba admitindo a figura da

142
TRINDADE, Etelvina. P. 89.
143
Ibidem. P. 227.
144
BESSE, Susan K., "Crimes passionais: a campanha contra os assassinatos de mulheres no Brasil: 1910-
1940", Revista Brasileira de História, Vol. 9, n. 18, São Paulo, ago./set.1989, pp. 181-197.
145
Ibidem.
mulher meretriz e das relações amorosas, como laços que pronunciam deliberadas
estatísticas acerca da criminalidade. Afrânio Peixoto, já comentava que desde o século
XIX, a indulgência social para os crimes de gênero, estava intrinsicamente associado ao
romântico daquele século, em que se criou um imaginário que saudava o amor moderno,
baseado no “autocontrole” do corpo de outrem146.

De todos os 130 processos pesquisados, de 1913 até 1936, os crimes de agressão


e ferimento leves e graves, causados por armas de fogo, comum entre clientes ébrios e
proxenetas agressores, além do uso de armas francas, frequentemente associado as
meretrizes, como a faca e a navalha. Embora nem todos os processos se detiveram a
averiguar crimes específicos em bordeis, características básicas apontam que certos
apontamentos eram usados como esclarecimento de anexos dos relatórios para descrever
as causas dos inquéritos. De certa forma, além do possível mapeamento de uma
“Geografia do Prazer”, na cidade, como configura Rago 147, sobre a dimensão geográfica
que o meretrício ocasiona nos centros urbanos por meio de suas práticas e intervenções
jurídicas. Tal procedimento relevou ainda que esses processos-crimes sugere que muitos
dos crimes contra a vida, envolvendo o homicídio, aconteceram em lugares associados à
prostituição, como bares, bailes, pensões e estabelecimentos comerciais.

A violência cotidiana esteve estampada em todos os lugares, sobre todos os


olhares, desde ao baixo acesso da população carente, em meio aos reagentes capazes de
controlar o uso do espaço público, como ruas e praças, quanto em lugares de carestia. Em
menção pela, havia uma certa aristocracia da prostituição na capital. Em 1934, o Correio
do Paraná questionava, por meio da publicação “Si é pobre, é prostituta, si é rica, é
baronesa”, o uso da lei para aquelas que não possuíam madrinhas, as prostitutas livres,
associadas à pobreza e que confessavam abertamente a sua qualidade de “segregadas da
sociedade”. Enquanto as “marafonas”, de “anéis rebrilhantes e peses custosas”, fazendo
menção as prostitutas clandestinas, que usufruíam dos custos oriundos da exploração,
viviam intimamente protegidas, sem esforços por parte das autoridades policiais 148.
Melhor dizendo, as autoridades policiais não procuraram definir as tensões que surgiam
em meio a criminalidade, o que resultava em conflitos discursivos tais como

146
Ibidem.
147
RAGO, Margareth. P. __
148
CORREIO DO PARANÁ. Se é rica, é baronesa, se é pobre, é prostituta. 23/06/1934.
estigmatização de categorias definidas que propunham classificar as mulheres entre
pobres e favorecidas.

O contrário do discurso, que fortalece visões de mundo através de relatos


impressos, a violência ficou entranhada na realidade social, como apresenta a
documentação do período. Além desse caso, outros 14 inquéritos foram apurados desde
a passagem de um século para outro, envolvendo o crime homicídio ou tentativa de
homicídio, seguido de ferimentos graves ou leves, em espaços destinados ao exercício da
prostituição. As razões subjetivas que impulsionavam os indivíduos a prática do
homicídio, estão desavenças e discussões seguido de ferimentos, embriaguez e ciúmes.
Esses crimes tiveram como ação violenta ou decisiva para determinar a morte de outrem,
por serem, em sua maioria, conflitos seguidos de armas de fogo e a utilização de facas.

Enquanto o cotidiano das famílias curitibanas se ocupava pelas das aterias de um


projeto de cidade moderna e elegante, onde a iluminação pública atravessava becos e
vielas das ruas e bairros próximos a região central, em certos espaços, crimes misteriosos
surgiam em meio a denúncias e batidas policiais. Em uma noite, num baile na propriedade
da meretriz Clara Natal, na rua Candido Lopes, a polícia fez a apreensão de uma navalha,
um canivete e um “box”, armas que possivelmente poderiam ser utilizadas em eventuais
desavenças entre clientes149. Em outro caso, um homem armado, identificado como João
Baptista, residente na rua Ignacio Lustosa, de tentar assassinar com um revólver a
meretriz Maria Rosa. No momento do ato a vítima estava em um bordel situado na rua
Travessa Irany, que que por sinal era uma localização muito conhecida dos folhetins da
imprensa local pelos altos índices de perturbações contra a ordem e a moral por parte das
prostitutas. O caso foi encaminhado para o 1 Distrito, para averiguação dos fatos150.

Houve ainda, casos em que o findar de duas pessoas entrelaçou suicídio e


homicídio em um só acontecimento. A história do misterioso e trágico fim, gira em torno
de Ricardo Bonkelt, homem solteiro, de 26 anos e Rosa Masurana, casada, mas separada
do marido de 23 anos, se entregou aos vícios da prostituição, residindo em um prostibulo
localizado na rua Cândido Lopes. Os antecedentes de Rosa afirmam que a mesma não era
feliz em seu casamento, não se adaptando aos moldes que a sua ocupação de esposa lhe

149
O Estado do Paraná. 14/11/1925.
150
O Dia, 08/02/1929.
empunha, decidiu abandonar o lar e se atirar na prostituição, até que conheceu Ricardo,
jovem moço de uma “mutua simpatia”, no qual rapidamente se apaixonou.

Ricardo era natural de Antonina, e subia a serra com frequência para visitar
assiduamente a pretendida no bordel onde ela residia. As viagens do sujeito ocorreram
por dois anos, até que em uma tarde de domingo, Ricardo teria convidado Rosa para um
passeio de bond até o parque do Juvevê, aparentemente sem demonstrar nenhuma
atividade suspeita. Em uma região afastada do parque, transeuntes relatam terem ouvido
dois disparos de arma de fogo. No local, a polícia ouviu Rosa, ainda em estado grave,
onde relatou que Ricardo, após tentar matá-la, se suicidou com um na face direita,
enquanto a motivação do crime pouco se sabe, pois, a vítima, Rosa, acabou falecendo
horas depois no Hospital. Para a polícia, depois de verificar o óbito do autor do crime,
afirmou que a motivação para o crime de homicídio, seguido de suicídio, teria sido
motivado em razão do “excesso de ciúmes” 151.

Os aumentos relativos de crimes de transgressões, mostra uma outra face oculta


que operava na sociedade Curitibana num determinado momento, no qual o inquérito
policial releva ainda, delitos típicos do comportamento de meretrizes, proxenetas e por
parte clientela. Com todas as formas de violência, o discurso social se constrói, e nela, o
sujeito marginal está inserido, no mesmo discurso. Se por um lado os dados mapeiam a
violência feminina, ao mesmo tempo ela reporta o contexto social no qual essas mulheres
estiveram inseridas. Nessa conjuntura jurídica, onde há leis, regras e normas, a violência
cometida de ou por meretrizes, tudo parece previsível, se encaixando em um único
discurso dizimador, a portadoras de uma ameaça social. Além disso, por se tratar de
crimes em bares e bordeis, Chalhoub152 lembra que o júri, quando reconhecia, em certos
casos, o estado de embriaguez do autor do homicídio à tentativa sofria uma
desqualificação referente a condenação, tendo uma queda relativamente significativa de
apenas seis meses.

Hatschbach explica que a documentação referente aos crimes de homicídio em


Curitiba, perpassava além do ambiente comercial, das relações de trabalho. Segundo o
autor, em leitura sobre os processos criminais de condutas criminosas no cenário
curitibano da primeira república, salienta que foi possível identificar conflitos que tinham

151
O Dia, misterioso findar de duas vidas.
152
CHALHOUB, Sidney, Trabalho, lar e botequim. O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da
Belle Époque, São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 248.
como cenário do crime, casas de prostituição, territórios onde a violência masculina
destilava uma série de atentados a vida dessas mulheres por questões de ciúme 153.

Com base na frase: “a violência leva a violência, e o crime conduz o próprio


crime”, essas palavras refletem sobre uma série de casos que aconteceram ao longo da
década de 1930 na capital. Em especial, 6 casos tiveram que tiveram repercussão pela
imprensa Curitiba ao apurar crimes de conotação passional envolvendo mulheres
meretrizes, o abandono, adultério e o ciúmes. O indivíduo quando não consegue domar
suas presas, se auto corrompe se deixando levar pelo sentimento de repulsa e rejeição, por
isso partem, em última instancia, para crimes contra a vida. Entre agressões, tentativas e
assassinatos, dois em específicos chamam a atenção pela brutalidade. O primeiro trata de
um duplo homicídio, cometido com punhaladas de golpes de cabo de machado, tendo
como vítimas, um casal de amantes que viviam um romance às escuras. As fotografias
dos cadáveres já no necrotério impressionam pelo estado das vítimas devido a brutalidade
e frieza do autor154. No segundo caso, em uma fazenda, esposa e amante foram alvos de
golpes de facão após o marido desconfiar e flagrar a esposa em ato de adultério, acusando-
a de ser mulher da vida na cidade enquanto o autor se ocupava cuidando da fazenda da
família 155.

Naquele mesmo ano, sobre outro crime de uma meretriz confinada em um espaço
de conflito desde 1914, ano em que teria chegado em Curitiba por vias desconhecidas
após um período em curso na grande São Paulo, a meretriz de nacionalidade italiana, que
pouco se sabia sobre seu paradeiro até a cidade, foi identificada pela Delegacia de
Costumes de Curitiba em 1930. Sete anos depois, aos 37 anos, a mesma administrava
uma pensão alegre na rua Westphalen, onde em companhia de outras mulheres da vida,
exercia a prostituição. Antonieta e Pedro Freitas eram velhos conhecidos, há oito anos
mantinham um relacionamento às escuras, Pedro, de temperamento forte, se embriagava
e destilava ataques de ciúmes contra Antonieta. Segundo investigação apurado pelo
Diário da Tarde156, Pedro teria avistado sua pretendente, e após ser rejeitado, deu um
ponto final na história que parecia ser de amor. Tratava-se de rejeição, Antonieta já não
demonstrava mais afeto pelo sujeito, e insatisfeito, Pedro alvejou três tiros pelas costas

153
HATSCHBACH, Matheus Machado. NECROLÓGIOS DA SOCIEDADE: CRIMINALIDADE
CURITIBANA NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1894-1908). 2017. P. 62.
154
Diário da tarde. 3/08/1934.
155
Diário da tarde. 14/04/1937.
156
Diário da Tarde. 27/08/1937.
da vítima, que caiu ao chão, emergindo uma possa de sangue sobre o assoalho. A história
de amor, se tornou um pesadelo.

A cena do crime estava armada, o bordel, local onde havia um salão de bebidas
e danças, que minutos antes do crime, encontrava-se na companhia de dois homens
portugueses, acompanhados das meretrizes Tereza Muller e Margarida Rocha, sobre uma
mesa, trocando conversas e drinks. Em um outro cômodo do bordel, Antonieta, enquanto
discutia com Pedro, foi chamada pelos clientes do local, no qual se dirigiu até o salão para
receber o produto da venda. Nesse meio termo, Pedro teria seguido Antonieta, sem que
ninguém percebesse, e com extrema frieza, tirou a vida de sua amante sem que a mesma
ao menos pudesse vê-lo. O autor do crime se apresentou formalmente até a Delegacia de
Vigilância e Investigações, dando suas declarações sobre o caso, alegando não se lembrar
exatamente do ato, pois estava em estado de embriaguez, alegando que não tinha a
intenção de matá-la. O dr. Lucio Correia requereu a prisão preventiva do indiciado, na
medida em que as justificativas se estendiam pela gravidade do delito 157.

A vítima, Antonieta Dina, era mulher analfabeta, sem familiares no país e teve
seu triste fim contado através de narrativas trágicas da imprensa. Assim como muitas
outras mulheres que foram traficadas no período por exploradores e traficantes de
escravas brancas, o paradeiro enigmático dessas meretrizes que de um dia para o outro,
surgem em meio as manifestações e queixas de autoridades e moradores do período.
Assim como Antonieta, outros casos que valem a pena ressaltar, ilustram o triste fim de
inúmeras mulheres prostitutas, que além de marginalizadas, eram perseguidas,
violentadas e exploradas para desejos de outrem.

Talvez o caso mais conhecido, pelo menos no que se refere a historiografia do


tráfico das escravas brancas, é o caso de Raquel Liberman, mulher explorada que se viu
obrigada as e tornar prostituta em Buenos Aires, após ter sido traficada. Sua trajetória foi
muito parecida com a de Antonieta; ao chegar em um país desconhecido, sem conhecer a
língua, os costumes e hábitos de determinada sociedade, serviu à prostituição até
conseguir se desprender de proxenetas e traficantes. Aos poucos, conseguiu levantar
posse de um comércio particular, que no caso de Antonieta, seria o bordel de onde a
mesma gerenciava possivelmente outras mulheres. De um lado, as perseguições tiraram
a vida de Raquel, deixando dois filhos menores de idade sobre um destino incerto, de

157
Diário da Tarde. 28/08/1937.
outro, Antonieta, vítima de perseguições amorosas, perdeu a vida por “excesso de amor”,
como mencionavam juristas do período, podendo compreender que uma vez vítimas da
prostituição, estas mulheres sempre estão relegadas ao seu passado e marcadas por
profundos estigmas que tendem a menospreza-las e sujeita-las, como toda mulher, aos
desejos dos instintos selvagens de homens insensatos.

São nessas crônicas jornalísticas que buscam relatar o cotidiano das práticas
polícias, que as narrativas vão sendo impostas através do debate do corpo e da família,
onde a prostituição ocupa um espaço destinado a perseguição e transgressão. Assim como
nas resenhas forenses, documentos judiciais onde são apresentados com maior rigidez as
fronteiras entre o permitido e o interdito, os casos de crimes sexuais são ainda mais
abrangentes, adentrando na esfera da vida privada dominada pela exploração familiar,
como também se ocupando ao estrito arcabouço dominado pela esfera da antinatural
dominação do homem, gozando das prerrogativas de um tribunal onde a justiça vulga as
confutas, efetuando a divisão entre a razão e transgressão.

Essas fontes criminais não apresentam relativamente a real dimensão dos


acontecimentos no município de Curitiba, mas auxiliam ao historiador, a problematizar
novos manifestos em torno de narrativas de sujeitos que estiveram as margens da
categoria de marginalizados. Na difícil tarefa que é travar os arquivos judicial, Susan 158
lembra que sem dúvidas há inúmeros processos que foram perdidos, mal localizados ou
desconhecidos em meio há milhares de catalogações. Ao analisar processos criminais de
casos de homicídio em São Paulo, Boris Fausto fornece uma análise mais qualitativa do
que quantitativa dos crimes, pois muitos deles envolvem as mais diversas
contextualizações, como crimes envolvendo familiares, amantes, defloramentos dentre
outros. Em geral, esses dados fornecem uma possível demonstração do alarde que os
crimes de gênero começam a florescer no cenário curitibano no limiar do século XX.

CAPÍTULO 3- Evocando Sherlock Holmes: apontamentos em torno da


“policiologia”

3.1 – Estudos de polícia no Brasil nas décadas iniciais do século XX

158
BESSE, Susan. Ibidem.
No século XX, a literatura policial não dava contas dos muitos cultores dignos
desse nome, fosse no exterior quanto no Brasil, onde havia apenas um boletim policial
mantido pelo Gabinete de Identificação e Estatísticas Policial do Distrito Federal, além
da recente Revista de Polícia, inaugurada na década de 1910 e das narrativas policiais de
fait divers na imprensa. Mas, para se entender o que se denominava literatura policial,
rotulada de “sherlokismos”, desde as proezas de Faffies, e outras frioleiras a Conan
Doyle, médico britânico que escrevia as histórias de Sherlock Holmes, alimentando,
através de seus contos, os espíritos devoradores de leitores interessados em romances de
balaio. Com a publicação do livro La police – Ce qu’elle est, ce qu’elle devrait être -, de
Edmond Locard, diretor de um dos mais renomados laboratórios de Polícia Cientifica de
Lyon, onde pregou o vocabulário “Policiologia”. Esse termo constituía um neologismo
introduzido por Fernando Ortiz, professor da Universidade de Havana, em sua tese La
identificación dactiloscópica, publicada em Madrid em 1913, em Cuba.

“Adoto o neologismo Policiologia para designar a nova disciplina de estudos


que se chama atualmente, na generalidade, com expressão evidentemente
impropria, policia cientifica e que tanto auge está adquirindo em todos os
países cultos.”159

A tentativa de insuflar nesses contos literários, como no caso de Bulldog,


paradigmas onde se apresentavam vilões e conspirações, como partes da virtude humana
de determinado contexto, apresentam características associadas aos matizes de sujeitos
estrangeiros, como os povos germânicos ou judeus ou “dagos160”, considerados “inimigos
naturais da Inglaterra”. Todos esses “heróis” são apresentados com características típicos
de sujeitos britânicos, bons desportistas de boa qualidade, ao ponto de designar uma
universalidade técnica em relação a criminalidade. Boa parte dos escritos ingleses, de
novelas e narrativas ficcional, partem de uma noção de “Imperialismo Ficcional”, onde
em meio aos mistérios e aventuras internacionais de seus antagonistas, tendiam a
menosprezar o estrangeiro, emprestando-lhe sempre qualidades malsãs para pôr em
relevo, as virtudes do sujeito outrem, do estrangeiro. W. Somerset Maugham, por sua vez,
discutia em meio a suas narrativas, uma visão distinta que perpetuava esse certo
“Imperialismo”, já que em muitos dos seus contos literários, acabava atribuindo
qualidades indecentes a indivíduos de outras raças, que não a sua. O problema dessas
escritas, se dava na forma como os leitores de outras nacionalidades encarariam essas

159
VIDA POLICIAL. 26/09/26.
160
Refere-se a um insulto destinado a pessoas “sujas”, vindas de outras nações.
narrativas sobre seus conterrâneos, repletas de possíveis facetas e definições
estigmatizadas e preconceituosas, vindo a incomodar o público estrangeiro161.

Estudando as proezas de Sherlock Holmes, Rafael Fernandez Ruenos,


demonstrou que as narrativas acerca das histórias que ilustravam o conto, não se
baseavam em mera ficção literária. Ele discute que Conan Doyle, ao dar vida a esse
personagem, apresentava a convicção de que a investigação policial, como a polícia
cientifica, poderia chegar a operar verdadeiramente na prática, como forma de solucionar
crimes de caráter hediondo. Não bastava que os interessados se armem de tenacidade e
confiança nos seus sistemas de trabalho e de pesquisa. Na vida real, foram possíveis de
encontrar sujeitos semelhantes a Sherlock Holmes, a exemplo de J.F Wood, de Chicago,
e Tyrell, de Milwauke, dois investigadores notáveis que ganharam popularidade após
descobrirem os responsáveis por terríveis assassinatos e jovens milionários Leopold e
Loeb162, ganhando notoriedade pela brutalidade no terreno da criminalidade 163.

Elysio de Carvalho, em 1925, por meio de uma crônica à revista Vida Policial,
mencionava que, depois das aventuras de “Les Blancs et les Bleus”, de A. Dumas muito
lido e procurado na França, no começo do século XIX, outros personagens celebres de
romances policiais como os de Maurice Leblanc, Murice Level e Conan Doyle, Gaboriau,
Catherine, Green, Arsung dentre outros, passaram a ganhar destaque. Segundo Elysio,
esses autores contribuíam engendrando no gênero literário, os efeitos e recursos de uma
certa “real fantasia” de arquitetar um conjunto de práticas e organizações que incidiam na
vida cotidiana, por meio da criminalidade, polarizando essas aventuras através edições
populares. As narrativas literárias, seguiam uma certa tendencia em imitar os personagens
que os escritores criavam da cabeça aos pés, reconstituindo circunstancias reais e
imaginando cenas forçadas, advindas pelo talento dos autores164.

Sendo assim, através do gênero literário, a observação das crônicas fatos


investigativos, de acordo com R. A. Reiss, professor da Universidade de Lausanne,
poderia refletir sobre as difíceis funções da investigação criminal, no âmbito da polícia
cientifica. Ou seja, esses escritores atribuíam as transformações nos costumes dos
malfeitores, acompanhando o forjamento de novos instrumentos de criminalidade, como

161
VIDA POLICIAL. 15/04/1926.
162
DIÁRIO DA NOITE. 17/04/1934.
163
Ibidem.
164
VIDA POLICIAL. Os crimes que achoaram. 21/03/1925.
armas de fogo, que na própria ciência, foram sendo encontrados recursos capazes de
compreender os efeitos que persuadiam na sociedade contemporânea daquele período. De
fato, além dos meios de comunicação e de transportes, a sociedade Europeia possuía um
conjunto de invenções representadas pela fotografia, pela microfotografia, pelos raios X,
pelos reativos químicos, além da antropometria e da datiloscopia. Todos esses métodos
se tornaram corrente nos laboratórios de polícia que foram auxiliando na descoberta dos
crimes e na identificação dos criminosos. Esses recursos e processos policiais, em países
onde havia uma certa organização, os instrumentos à disposição do crime, foram,
majoritariamente, um conjunto de “jogos florais e inteligentíssimos”, capazes de despistar
as “grandezas” da investigação policial. As formas como se descobriam os crimes, como
mostrava na criação popular de Sherlock Holmes, era uma das figuras mais “autenticas”
daquele período, para se pensar, ainda que previamente, o acompanhamento e o
amadurecimento da polícia cientificam, segundo Elysio 165.

Embora pareça errôneo pensar o Direito Comparado, que surge no final do


século XIX, com o gênero literário, que como lembrava Elysio, parecia seguir uma
tendencia de um certo “progresso” das ciências policiais. No Brasil, essa abertura
intelectual ficou conhecida com o termo “policiologia”, que foi ganhando destaque na
medida em que foram sendo instaurados cursos e Congressos internacionais, em especial
nos países da América Latina, em torno desse novo regime, o de polícia cientifica. Ela
seria ainda, um conjunto de saberes científicos, que permitiam o emprego de uma técnica
policial, tendo como análise, conhecidos em cada caso isolado, para que fosse aplicado
na prática de forma convenientemente, em diálogo com as demais ciências. Na filosofia,
nas relações causa e efeito, de origem e fim, na Psicologia e na Psicanálise, na auscultação
das almas humanas, a lógica dos métodos indutivos e dedutivos que na síntese,
prosperaram em torno da observação e introduzir de hipóteses de experimentação contra
a marginalidade. Na Medicina e na Medicina Legal, com base nos estudos dos fenômenos
biológicos, no reconhecimento dos valores anatômicos, e nos fenômenos
psicofisiológicos, no exame das reações mentais e emotivas, perturbações notórias e
sensações de desvio e mais ainda, no Direito Positivo, ou seja, o Direito visto sobre
perspectiva sociológica e individual.

165
BOLHETIM POLICIAL. 09/06/1914
A policiologia, apresentava indícios e estudos no âmbito do crime e da
criminalidade, dos criminosos e das formas penais de punições contra sujeitos
contraventores, dialogando ainda, com outras disciplinas, como a Física, Química, e a
mecânica, para melhor desempenhar a técnica policial, ou seja, para melhor combater a
criminalidade na sociedade. Nesse sentido, policiologia não seria uma Polícia Técnica,
nem uma Polícia Cientifica, ela buscava formar o profissional técnico para atuar no
campo de ação, tratando de investigações e teve participação nos estudos sobre locais de
crime, algo discutido em todas as esferas policiais, fosse no âmbito regional, entre as
polícias de respectivos Estados, como internacionais, como discutido anteriormente, a
partir da universalidade de métodos e técnicas capazes de identificar e conter a circulação
de criminosos viajantes. Uma das formas de análise sobre os locais do crime, era
justamente os lugares de fronteira, capazes de projetar um aglomerado de diferentes
culturais que coabitavam o Brasil, para fins de práticas criminosas.

A policiologia é uma ciência eminentemente prática, ou seja, é conhecimento


que se adquire para operar na ordem concreta. Mas é também uma ciência
especulativa, porque procura conhecer o poder de polícia e as instituições
policiais em abstrato para embasamento propedêutico para a pesquisa.
É uma ciência autônoma. Embora tenha sido trata pelo Direito Administrativo,
achamos que o poder de policial, pela sua extensão, finalidade e importância
deve ser o objeto de corpo doutrinário independente
É uma ciência, porque seu objeto não é um ente ideal, como a da matemática
ou da lógica, mas um processo, um mecanismo definido, que pode ser
observado e do qual se pode ter experiencia: o poder de polícia e a policial.
É uma ciência social ou humana. Enquanto as ciências naturais tem por objeto
a natureza, a Policiologia tem por objetivo a faculdade e a atividade humana
de limitar direitos, proteger, socorrer e reconduzir a sociedade.
Embora tenha habitado o seio do Direito Administrativo, sua amplitude requer
um tratamento especializado. O seu objeto é muito amplo e não cabe nos
limites específicos nem se enquadrada no campo daquela ciência.
Evidentemente, o relacionamento com esse ramo da Ciência do Direito, será o
mais estreito possível, de vez que, com espécie particular de atividade estatal
e faculdade de poder público, a polícia e o poder policial se submente os
princípios gerais do Direito Administrativo.
Convém observar que estamos apenas esboçando os grandes temas das
ciências de que nos preocupamos. O problema da situação da Policiologia no
campo do conhecimento está aqui apenas delineado166.

Mas para identificar os locais de crimes e as impressões dos malfeitores, seria


preciso reunir para discutir os problemas referentes a criminalidade. E a partir do início
do século XX, que a policiologia surge como uma espécie de curso preparatório para

166
MEIRELES, Amauri. Teoria introdutória à policiologia. 1989, p. 24.
aqueles que pretendessem entrar no universo da Polícia Civil. Através de conferências
nacionais e internacionais, se discutiam os estudos policiais como via a ciência, pelos
seus expoentes nacionais e estrangeiros, explicando o crime à luz das doutrinas
consagradas sobre o assunto. Na ciência criminalista moderna, uma série de teorias foram
sendo apresentadas no sentido de explicar a gênese dos atos e comportamentos delituosos
em sociedade. Entre elas, convém salientar, por exemplo, as que se agrupam no quadro
da criminologia, como a antropologia criminal, a endocrinologia e a psicanálise.

Todas essas ciências se encontravam na teoria, trilhando para a mesma luz no


fim do túnel, entretendo, entre elas, havia um certo domínio acerca da ciência praticada
por Freud e suas contribuições, o que não significa exatamente que as demais doutrinas
não tenham sido fundamentais para se pensar os estudos da criminologia. Mas a
psicanalise era compreendida a forma mais coesa para explicar as razões pelo qual leva o
homem a cometer certos crimes, tornando-se por fim, um “irresponsável” socialmente,
na maioria das vezes, pelos seus atos.

Para ampliar o quadro dessas teorias cientificas, pode-se pensar também outras
doutrinas não menos aceitáveis, desde que harmonizassem os fundamentos da ciência,
como é o caso da sociologia criminal, que empresta os defeitos de organização das
sociedades, como responsável pelo imenso coeficiente aumento da criminalidade. Na
prática, a despeito de todas essas teorias e definições eruditas, os criminosos continuam
circulando, e não havia repressão capaz de conseguir modificar os sentimentos da
subjetividade do homem. Nas páginas da imprensa, era raro o dia em que as manchetes
não estampassem berrantes histórias de noivados e namoros que se desfizeram em meio
a uma poça de sangue, ou um lar das meretrizes, onde aconteciam crimes com tiros,
facadas ou meia dúzia de navalhadas deformantes. Havia criminosos que a ciência
chamava de loucos, havia também, hábitos adquiridos progressivamente, como os
tarados, que apresentam características de perversidade, classificados como “insanos”, e
havia também, os mais numerosos, os criminosos passionais.

No interior da sociedade, em seus labores, os estudiosos, homens de gabinetes,


estudioso, psiquiatras e criminologistas, desempenhavam o oficio consumindo papeis e
tinta para construir e teorias que na prática, acabava não contribuindo para resolver, de
forma prática, a delinquência, agravando ainda mais o problema. A medida em que os
governantes estaduais começavam a adotar a policiologia, para designo do bem estar
coletivo, foram sendo empregadas técnicas em diferentes departamentos e aprimorando
os métodos já existentes para contornar e prevenir os crimes, assumindo uma função mais
“educativa” do que repressiva.

A inauguração de Institutos de Identificação e Estatísticas, no crepúsculo do


século XIX, teve importante influência nos assuntos mencionados pela Policiologia no
Brasil. Uma das modalidades incorporadas por esses gabinetes de Identificação, seria a
identificação de estrangeiros “alienígenas”, de todas as procedências, que
desembarcavam no país sem dar explicações sobre seus passos. Dessa forma, foi preciso
instaurar um método capaz de aplicar um exame rápido, superficial, ainda que
incompleto, como a verificação dos passaportes de sujeitos que sumiam em meio ao
“fervet opus” das cidades, se confundindo em meio as camadas populares, no interior da
sociedade “honesta”. Com o método de identificação, passou a ser possível barrar
estrangeiros, extraindo deles, informações a respeito da viagem, dos objetivos em
território nacional e para os locais onde pretendiam transitar 167. O criminoso poderia
ainda, se ocultar, caso não fosse identificado, trocando de identificação, desde nome,
filiação e até mesmo a nacionalidade, o que no cotidiano foi um método usualmente
praticado por agentes proxenetas da Zwi-Migdal durante os anos de 1910 e 1930.

Esse método fazia alusão aos indivíduos “indesejáveis” que se serviam em meio
as insuficiências do policiamento, transplantando para o Brasil, não apenas criminosos e
delinquentes, mas também comportamentos e termos genericamente conhecidos no
exterior para se referir aos sujeitos alternativos, como veremos no tópico adiante. Essa
preocupação se estendia do sudeste ao sul, ao mencionar o fato de que as fronteiras do
sul, eram territórios onde se ingressavam esses criminosos internacionais de “aspectos
alarmantes”. No início do século XX, inúmeros países, em defesa de suas instituições,
levantavam bandeiras no combate aos sujeitos indesejáveis. Na França, por exemplo, o
governo solicitou ao professor Locard, que sugerisse medidas necessárias para impedir o
ingresso de elementos “deletérios”. Daí, surgiu a iniciativa de identificar todos os
estrangeiros, buscando torná-los inconfundíveis sob os olhares das autoridades públicas,
facilitando ainda, recorrer ao histórico de vida disciplinar desses indivíduos 168.

167
GALEANO, Diego. P. 39.
168
DIÁRIO CARIOCA. 25/04/1935.
Historicamente, no Brasil, desde o regime monárquico, leis, decretos, avisos e
circulares assinalavam as mais reiteradas tentativas ainda durante o regime monárquico,
clamando insistentemente pela criação de bases fundamentais aos estudos crime e do
criminoso, através de números estatísticos. Por exemplo, seguindo uma tendencia
cronológica, no século XIX, precisamente, exibiam-se em relatórios, cifras arroladas dos
crimes praticados no Rio de Janeiro, e que provavelmente eram frutos colhidos pelo
Ministério da Justiça daquela época, com o dr. Carneiro Leão, em 1833. Na corte,
sucederam recomendações a respeito da polícia, a respeito do enriquecimento de dados
estatístico mensal onde eram apresentados mapas dos delitos ocorridos naquela
jurisdição, observando as causas físicas ou morais que estivessem atrelados as práticas e
os meios úteis para extinguir esses fenômenos169. Desde 1837, com Aguilar Pantoja, até
1882, com o Ministro do Império, Pedro Leão Vellozo, numeras “lacunas” foram sendo
discutidas e apresentadas sobre as estatísticas policial, judiciária e penitenciaria. Mas, foi
a partir do regime republicano, em 1907, que começaram a ser implantado o Gabinete de
Identificação e Estatística, com atribuição de elaborar sistematicamente a estatística
policial, abrangendo desde acidentes e fatos notáveis, aos crimes e as contravenções, o
movimento das estradas e saída das prisões, e a mais objetiva manifestação no sentindo
de tornar a estática uma realização útil e prática 170.

Segundo Luís Antônio 171, o processo de reformulação das instituições policiais


brasileiras, nos primórdios da República, possibilitou a criação de instituições visando a
melhoria e aperfeiçoamento da polícia, e ao mesmo, implementando um sistema de
vigilância e punição, que na prática, era nitidamente voltado para as camadas mais pobres,
que se misturavam em meio ao coletivo que concebia os marginalizados. O modelo
jurídico baseado no princípio nulla poena sine lege172, previa que na prática, não havia
punição sem que houvesse lei, sendo preciso uma base legal criada para proteger a
sociedade e para fazer o exercício da lei na prática, é preciso o exercício policial.
Especialistas do período encontravam na teoria, a motivação do poder da polícia por meio
da força para garantir a legalidade extrínseca de suas ações no cotidiano urbano e por isso
ela era reorganizada em diferentes situações, como a polícia de carreira, responsável por
questões administrativas e jurídicas, e a polícia civil, instituição que administrava a ordem

169
NAVARRO, Joacir.
170
O Dia. Dados policiais. Curitiba, 09/01/1938.
171
Ibidem. P. 324.
172
É um princípio jurídico que se refere ao ato de não punir algo que não é prescrito por lei, adotado em
Estados democráticos modernos.
social hierarquizada. Segundo Theodomiro Dias Neto, durante a primeira República, a
Polícia Civil desempenhou um importante papel no desenvolvimento de sua organização
interna para melhorar o preparo de seus agentes na prática com base em ações
cientificamente orientadas para combater a criminalidade urbana 173.

Embora antes da instauração desse Gabinete, já houvesse estatísticas sobre essas


questões em pauta, mas, elas não apresentavam uma expressão numérica verdadeira,
tampouco possuíam um caráter rigorosamente científico, como praticava a policiologia.
A partir de então, entra em campo, a estatística policial, produzindo arquivos para a
divulgação dos resultados obtidos por meio de métodos e práticas policiais como boletins
de estatística policial-criminal. Aos poucos foram sendo seções como Identificação Civil,
Fotografia Civil, Arquivos Datiloscópicos, dentre outros, produzindo fichas referentes ao
recebimento e verificação de crimes e comportamentos desviantes, como no caso do
Registro de meretrizes que eram encaminhadas pela Delegacia de Polícia.

Nos países vizinhos, os Gabinetes de Identificação e Antropometria foram sendo


inaugurados de forma gradual, primeiro em Buenos Aires, em 1891, seguido do Uruguai
em 1895, dentre outros países como latino-americanos como México, Equador, Peru e
Chile, segundo (GALEANO, FERRARI, 2016, p. 173). Em Curitiba, o Gabinete
Antropométrico passou a funcionar em 1905, sendo renomeado posteriormente em 1907,
como Gabinete de Identificação e Estatística, segundo (GRUNER, 2016, p. 152). A partir
desse ano, os boletins policiais passaram a apresentar quadros demonstrativos de presos
identificados em pequenos intervalos de tempo, quase sempre mensalmente, como no Rio
de Janeiro, criado em virtude da disposição da lei da última reforma n. 6440, de 30 de
março de 1907.

Essa noção de “indesejáveis”, foi relativamente ambígua, tanto na esfera judicial


quanto no discurso que a própria imprensa fazia questão de reafirmar. O Boletim
Policial174, do Rio de Janeiro, argumentava que o país precisava povoar o seu vasto
território nacional, multiplicando, decuplicar o número de habitantes, mas sempre
marchando lentamente rumo ao progresso e a civilização. Mas na prática, o território
nacional representava uma imensa porta pela qual passavam todos os “maus elementos
estrangeiros”, que se instalavam entre a sociedade civilizada, sem adquirirem atividade

173
Segurança urbana; o modelo da nova prevenção. São Paulo. 1984.
174
Boletim policial. Rio de Janeiro. 1917.
profícua e inteligente. Embora esses sujeitos pudessem entrar e sair do território nacional,
quando e como lhe convém, era o homem produtivo, “cidadão de bem” que colhia as
maleficências que a presença desses indesejáveis causava. O conceito de “indesejáveis”,
se estendia sobre os anarquistas violentos, sobre os caftens internacionais que
alimentavam o fenômeno do tráfico de mulheres, e de todos os indivíduos sem profissão
licita. Embora a polícia marítima tenha sido responsável por impedir o desembarque
desses sujeitos, a discussão em torno da presença desses estrangeiros foi se expandindo a
medida em que novas discordâncias foram sendo providenciadas 175.

Nesse sentido, a polícia, fosse marítima ou civil, deveria exercer duas funções
distintas, uma de prevenção e outra de repressão. Não se trata apenas de uma discussão
teórica, mas de uma distinção pratica e legal. De acordo com o art. 2 do decreto n. 6.440
de 30 de março de 1907, divide a polícia do Distrito Federal em administrativa e
judiciária, estabelecendo o Art. 3 que incumbia a vigilância em proteger a sociedade,
manter a ordem e tranquilidade públicas, assegurar os direitos individuais e auxiliar na
execução de atos e decisões da municipalidade 176. Segundo (MENEZES, 1996, p. 45) no
discurso cientifico do período, argumentos ideológicos foram sendo apresentados para
justificar a expulsão desses indesejáveis sob formas administrativas, ou seja, toda forma
de ameaça, considerado nocivo e pernicioso a sociedade, deveria ser eliminado do corpo
social.

Partindo desse pressuposto, em meio aos estudos da policiologia, foram-se


criando noções com base em questionamentos relativos ao desenvolvimento da própria
sociedade, bem como a emergência de indivíduos estrangeiros, considerados
“indesejáveis”, bem como estudos acerca da identificação dos corpos, mas também dos
locais de crimes, muito debatido nas conferencias que se sucederam pela década de 1930,
em diferentes Estados do país. Assim como na literatura ficcional de grandes autores e
protagonistas “heroicizados”, as diligências se debruçavam sempre nas margens opostas,
a do estrangeiro considerado como uma ameaça, não só a instabilidade social, mas, como
visto anteriormente, como uma ameaça degenerativa também, podendo causar danos ao
desenvolvimento da “raça” sã e civilizada. A respeito do gênero policial, o romance não
pertencia apenas a literatura, pois também representava elementos marginais, era como
uma fotografia das grandes cidades em determinado contexto histórico, desde burgueses

175
MENEZES, Lena Medeiros. Ibidem, p. 45.
176
Boletim Policial. Rio de Janeiro. 1918.
e criminosos, artistas e proletários, prostitutas e comerciantes, o trânsito nas ruas, o
barulho mortífero no matadouro, os gritos do comício, os bairros elegantes e a multidão
nos metros e bondinhos, se tornando bastidores para o envolvimento de crimes
tenebrosos. Pode-se dizer, que a literatura, quanto nos boletins policiais, constituía um
certo “naturalismo infernal”, a partir da parábola do oficio do policial do experimento
literário177.

3.2 - Apontamentos em torno de uma topografia dos “bas-fonds” curitibanos

Nas sombras de si mesmo, o cotidiano noturno da capital curitibana apresentava


aspectos sobre um panorama criado através da sua própria superfície, como a luz do luar,
ao refletir sobre água do oceano negro, projetando sobre a superfície liquida, um reflexo
sobre a sua própria superfície, como um espelho d'água, neste caso, refletindo a própria
cidade. Em meio a esse espectro das variações das mais diversas causalidades da
marginalidade e da transgressão, onde as crônicas policiais da cidade debatem sobre as
zonas onde se concentravam os bas-fonds, espaços onde criminosos e delinquentes, de
toda modalidade e comércio, desempenhavam suas falcatruas, alimentando o vício, a
exploração do lenocínio, que se camuflavam sobre os estabelecimentos comerciais, como
acontecia com as garçonnieres, ou popularmente conhecidas como nos espetáculos onde
se apresentavam “dançarinas de can-can”.

“A cocaína dos bas-fond, o champagne dos salões, o vinho das confeitarias, o


jogo do bicho é o verdadeiro vício moderno, beijo das garconierres, a
delicadeza das francesas...178”

Esses espaços, até certo ponto, de uma certa sociabilidade delimitada, se


confundiam em meio as casas de tolerância, prostíbulos, e lupanares, dentre outras
definições, que se tornaram camufláveis em seu artificio, para facilitar o ludibrio da
juventude curitibana. Ali, se reuniam proxenetas, sujeitos ébrios, fugitivos da polícia,
comerciantes da cocaína, que viviam em razão do torpe comércio imoral dos
frequentadores assíduos das noites curitibanas. Outro tanto, foi possível identificar em
meio as manifestações periódicas do período, se trata do núcleo que o comércio
clandestino de tóxicos, muitas vezes comercializados pelos próprios caftens, que se

177
GAZETA DE NOTÍCIAS. 25/07/1936.
178
O Dia. O jogo dos bichos e o sentimentalismo. 22/01/1932.
dedicavam a contrabandear drogas como a mofina e a cocaína. Nesse sentido, embora
Curitiba apresentado meios capazes de farejar esses espaços.

Como quase tudo que era importado da Europa, no que se refere as práticas
policiais, estudos, métodos e instituições, a imprensa nacional parece ter incorporado, em
meio ao vasto vocabulário que delineava as práticas criminosas nas mais vastas cidades
do país, o termo bas-fonds. Como uma fina flor, os rastros desse imaginário “bas-fonds”
foram sendo utilizados pela imprensa paranaense para designar os “locais de crime”,
como já mencionado antes nos estudos em torno da policiologia. Na imprensa local, o
termo fazia referência as produções fílmicas dos anos 20 e 30, em que as narrativas se
passavam entre a “plebe”, como La Gigolette, de Za-la-Mort179 ou Enquanto a cidade
dorme, filme policial que chegou a estrear em Curitiba, no teatro Avenida, em 1930, em
que a história se desenvolve em meio aos aspectos de luta entre policiais e vagabundos
criminosos confinados nos bas-fonds nova yorkinos, que dava a impressão de uma
"completa realidade". Nas cenas desse filme, em toda sua sucessão, cenas e sequencias
descreviam os mais perfeitos equilíbrios do drama e policiamento, caminhando
paralelamente a uma sincronização e adaptação daquilo que era praticado no mundo
real180.

Nas artes, o “pintor das prostitutas”, como era conhecido Toulouse-Lautrec,


ficou à margem da arte como um narrador dos prazeres vulgares, convertendo em sua
obra um monte de anedotas pitorescas da farra boemia e dos bas-fonds nos antros,
“desprezado pela gente de bom tom”, encontrando um solo fértil na realidade do
submundo parisiense, durante a “Belle Époque181” do século XIX. O espólio de sua obra
transpõe sobre o cotidiano aviltado e torpe dos bares, teatros, Moulin-Rouge182, ruas e
bairros onde os enclausurados espaços bas-fonds se infiltravam em meio aos prostíbulos
parisienses, demonstrando uma espécie de cândida dignidade onde se manifesta a ternura
recalcada do pintor. Diferente de outros pintores do mesmo período, como Edgar Degas,
que costumava dar pitadas de horror à paisagem como motivo pictural, modelos cujo
analises são repletos de misoginia e crueldade.

179
Personagem fictício criado na Italia, no começo do século XX.
180
A República. Enquanto a cidade dorme. 17/01/1930.
181
FREY, Julia. Toulouse-Lautrec; uma vida. 1997, p. 14.
182
O DIA. 02/09/1933.
O imaginário social construído sobre a mitologia da criminalidade e da vida
boemia, como arquétipos estabelecidos e associados aos avessos de uma sociedade
progressista, representava um certo tipo de direcionamento para as práticas delitivas,
como o alcoolismo, meretrício, desordem urbana, dentre outros, muitas vezes associados
à lugares e espaços insalubres, de pouca vigilância ou importância policial. Na
hierarquização e demarcação dos espaços públicos em tempos onde cotidiano era
restritamente delimitado a presença de um coletivo comum, havia toda uma mitologia
criada sobre os espaços destinados a marginalidade que costumava ganhar vida
tradicionalmente durante as noites das cidades. Para o historiador francês Dominique
Kalifa, a construção em torno da noção de bas-fonds, não apresenta uma definição exata
do que se ela parece designar, pois se trata de lugares e espaços que vão se tornando
ameaçados na medida em que os corpos vão se direcionando, na medida em que o crime
vai se desenvolvendo. Os bas-fonds acabou se tornando, nesse sentido, uma representação
do imaginário social de uma determinada época e sociedade, sobre uma realidade
demarcada pelos problemas referentes a imoralidade183. Em seu sentido social, o termo
refere-se à distribuição sazonal do aspecto inscreve temporalmente no âmbito da
marginalidade e do crime. Nesses espaços, como foi possível identificar em Curitiba, são
espaços que proporcionaram registros diários da intervenção policial e das crônicas
jornalísticas, o que nos possibilita a utilizá-las para estabelecer e verificar uma certa
comparação com base em uma série de dados e registros dos problemas que atingiam o
seio da sociedade.

Os bas-fonds corresponde sempre a lugares, são espeluncas pátios dos


milagres, albergues noturnos, penitenciarias, todos marcados por uma
propensão natural a se afundar em um movimento sempre descendente.
“Subsolos, “avessos”, “bairros baixos” que mergulham nas profundas daquilo
que Balzac chamava de “caverna social”. Mas, conforme as concepções
ambientalistas que dominam há muito tempo o pensamento médico, os lugares
se articulam sempre com o caráter, as topografas sã sempre, também,
“morais”.184

Por vias do destino, analisar os bas-fonds da capital curitibana, é trazer para o


campo da escrita histórica, narrativas à sombra das ruas que compunham esse universo
“alternativo” da cidade, disputado por criminosos e policiais. Em reportagem do
periódico O Dia sobre a descoberta de uma quadrilha de “punguistas185” que estariam
atuando na cidade, o discurso recai sobre os valores de uma Curitiba como cidade

183
KALIFA. 2017, p. 12.
184
Ibidem.
185
Ver GALEANO, OLIVEIRA, Escritos Policiais.
“tranquila e moralizada”, que, em decorrência do fervor dos grandes centros urbanos,
velhas metrópoles onde a imoralidade já não era tão facilmente “freada”, trazendo
possíveis fragmentos dessa marginalidade de outras cidades, para Curitiba. Como
pedaços de uma matilha humana que desapareciam em meio as intervenções policiais, e
por convicção, se instalavam sobre as luzes dos espaços familiarizados aos bas-fonds.

Em todas as grandes capitais do mundo, havia os bas-fonds, que era considerada


uma expressão elegante para classificar um coletivo de sujeitos que compõe a “ralé” dos
centros urbanos. Assim como em quase tudo, os costumes e hábitos franceses foram sendo
enraizados na culta latina, por diversos aspectos, desde os projetos arquitetônicos que
deram origem as reformas urbanas do século XIX, aos estudos e práticas da polícia
francesa que influenciaram não só a regulamentação da prostituição em Buenos Aires,
como também no modelo a ser seguido pelos outros centros urbanos para a identificação
de meretrizes com base em dados antropométricos. Nesse sentido, o modelo adotado pelas
autoridades portenha, era baseado nas fichas instauradas para identificar o meretrício
parisiense, se expandindo no início do XX para o Rio de Janeiro, e posteriormente a outros
Estados, até chegar em Curitiba no final dos anos de 1920.

No Rio de Janeiro, os bas-fonds refletia sobre as favelas da cidade, onde as


camadas privilegiadas costumavam olhar de cima, para a “ralé” que ficava em segundo
plano186. A alma que compunha a história criada de uma filosofia amarga das cidades,
revelavam os efeitos das grandes cidades, no cenário curitibano, e em meio a aglomeração
nas festas populares, bailes públicos e zonas dos bas-bonds, a polícia civil esteve sempre
atenta contra as práticas que evocavam a desordem e violência. O “cosmopolitanismo 187”
da população, criava na capital os mais diversos aspectos do temperamento humano, dos
usos, costumes, características de cada “raça”.

Nesses lugares “pouco moralizados”, os populares podiam identificar com


facilidade que em todo canto da cidade, até mesmo na Estação de Ferro, que ao invés de
representar a porta de boas-vindas para muitos visitantes e estrangeiros vindos de outros
países e Estados, acabava deixando a impressão de “porta dos fundos”, uma saída mais
ou menos detestável de uma cidade, capital do Estado, infestada por uma “ralé”
indesejável188. Geralmente, assim como em outras cidades, era nas mediações desses

186
Diário da Tarde. 07/02/1935.
187
Princípio de que tudo era característico dos grandes centros urbanos do período.
188
O DIA. 01/09/1939.
lugares onde se reunia a “escória “de uma população marginalizada. Em Curitiba não foi
diferente, em frente a principal Estação da cidade, nos horários onde os trens costumavam
chegar ou sair, era possível perceber a aglomeração de grupos de vadios, de indivíduos
de “más cataduras”, desde o simples e maltrapilho malandro, até o “cavalheiro da
indústria”, como era denominado os gatunos “gentleman”. Eles se reuniam dando forma
a uma certa aglomeração de arruaças e brutais brincadeiras que terminavam com a
presença de autoridades públicas. A observação do constante movimento do bas-fond na
estação da cidade, só veio a público depois do próprio repórter ter vivenciado, durante
uma hora, a desordem enquanto aguardava a chegada de um trem e continuava dizendo
que ao som dos trens, os sujeitos, muitas vezes sujos, de roupas decompostas e moleques
atrapalhavam o vai e vem dos transeuntes. Em meio ao coro de assobios estridentes, cenas
detestáveis tomavam as noites daquele lugar, onde homens brutamontes espancavam
meninos de 10 anos com violência após furtarem frutas e verduras nas proximidades,
desparecendo em meio as ruas da praça Eufrásio Correia. Aquele local, como lembra a
imprensa, era “dominado pela vadiagem” e demarcava um território despoliciado,
habitado por indivíduos de diversas “formas e raças” 189.

Em outro momento, seguido da reportagem do Diário da Tarde, o periódico


argumenta que em razão da concentração de colônias “austrogerminaca” em Curitiba,
surgiram numerosos bares “bem e mal frequentados”, casas diferentes das do mesmo
ramo, por haver um pouco mais de liberdade, um pouco mais de “alegria e animação”
eminentes do temperamento daqueles sujeitos. Com a instalação de bares alemães, como
se tornaram conhecidos pela polícia da capital, foram introduzidos nestes espaços, o
habito de aventurar mulheres aos serviços da clientela, eram conhecidas pela profissão de
“garçonetes”, e que isso teria chamado a atenção, já que recentemente as autoridades
haviam descoberto um escandaloso caso em meio ao puritanismo de um povo estrangeiro
na pacata cidade de Curitiba. O número de “garçonetes” teria multiplicado rapidamente,
uma vez reconhecido pelos proprietários dos bares, a atração que essas mulheres exerciam
sobre a clientela; “Rostinhos risonhos e as formas graciosas das pequenas “pivettes” que
a mais das vezes trocava “dois dedos” de prosa até as tantas da madrugada” 190.

Fazendo menção à outra forma de vocabulário, o periódico retomava o


discurso, em tom irônico, dizendo esse era o reflexo da cidade, e que as “garçonetes”, em

189
O Dia. Um lugar pouco moralizado. 08/1928.
190
Diário da Tarde. “Foi o amor uma chama sangrenta ...”. Curitiba, 18/11/1931.
tom irônico, eram a nova forma “inovadora” de introduzir nos bares das cidades, mulheres
para atividades incertas, tomando densa atmosfera que esvoaçava sobre as noites dos
salões barulhentos dos bebedouros da cidade, em meio aos bas-fods da cidade. Esses bares
da vida mundana, refletia sobre a inferioridade em relação a outros estabelecimentos de
“categoria superior”, ou seja, espaços destinados à sociabilidade masculina, mas que
respeitassem certa “civilidade”, como exigido em outras partes do mundo.

A reportagem fazia menção às ruas e bairros famosos do continente europeu,


como a “Ackerstraße”, uma famosa rua de Berlim, e ao “Montmartre”, bairro boêmio da
capital francesa, para demonstrar que, embora esmaecidos, em Curitiba dos anos de 1930,
já apresentava contornos dos bas-fonds composto por grupos das mais diversas raças. Em
toda região central da cidade, era possível localizar os “bar-saloon”, lugares que ao som
de pianos desengonçados, ao cântico de macetas musicais vienenses, pianistas vestindo
camisetas e fumando charutos guiavam os cantos “berreiros e infernais” daqueles que
transitavam próximos. No interior desses estabelecimentos, enquanto as teclas do piano
se abaixavam, se movimentavam as torneiras dos “chopps” de um lado para o outro,
“inundando o corpo e a alma dos habitantes191”.

Essa pequena crônica descrevia uma em meio as várias noites comuns da vida
noturna da capital nos bas-fonds, que traziam consequências à desordem, através da
ausência de outros “prazeres”, a sedução do álcool assestada em dezenas de bares,
progrediam rumo a uma certa “ceifação” social, “deturpando os costumes, aniquilando
caracteres, provocando tragédias”. Essa narrativa fazia menção a um crime ocorrido na
noite anterior, no bar “Werner”, localizado na rua Barão do Rio Branco, de propriedade
de Werner Evermann, que envolvia a presença das “garnonettes” que trabalhavam a
serviço do bar. A meretriz Eudocia de Oliveira de 32 anos, já era frequentadora assídua
dos numerosos bares da cidade, de pouca moral, segundo a crônica, esteve sempre
procurando, com perspicácia e habilidade de “borboleta”, tirava o proveito de suas falsas
amizades, criando em torno de si, um grupo de admiradores que se levavam pelos
carinhos destilados pela mulher. Sem que pudesse prever uma certa consequência,
Eudocia, vulgarmente apelidada por “Dacia”, agia aplicando o seu sistema de engodo
para realização de seus próprios interesses.

191
O DIA. 23/04/1935.
Há aproximadamente oito meses antes, Dacia teria conhecido um sargento cuja
identificação era Cieiro Augusto de Araújo Silva, que após se conhecerem, mantiveram
uma amizade ambígua. Após a desarmonia entre o namoro de ambos, Dacia desejava que
o sargento respeitasse sua “liberdade”, voltando a trabalhar como garçonete no bar de
Werner Evermann. Aos poucos, Cieiro passou a demonstrar comportamentos violentos,
acusando a amante por diversas vezes, tudo impulsionado, segundo ele, pela “explosão
causada pelos ciúmes”. Com o “espirito perturbador”, após constantes denúncias que a
mesma teria feito após uma série de ameaças, certo dia, ao sair do posto de onde
trabalhava, se dirigiu ao bar onde sua amante trabalhava e encontrou Dacia em atividades
comprometedoras com frequente do bar. A partir de então, o sargento rapidamente
chamou a vítima para um “box reserved”, para conversar com a amante, mas ao notar
certo esnobismo e rejeição, sacou uma arma alvejando três tiros contra Dacia. O crime
teria acontecido no dia 17 de novembro de 1931, sendo publicado pela imprensa local
apenas no dia seguinte. Até a publicação do jornal, a vítima se encontrava em estado
grave, já que um dos disparos teria perfurado a garganta, na região da laringe e outra na
coxa da perna192.

Desde bares, bailes públicos e prostíbulos, esses lugares onde se concentravam


dezenas de moças e rapazes, até mesmo homens e senhoras, que se entregavam a
embriagues de entorpecentes, peregrinando para outros vícios como a prostituição, como
lembrava O dia, fazendo menção à gíria parisiense dos bas-fonds, lugares onde eram
realizados sucessivos acontecimentos de mulheres que se exibiam em maillots para
encenar espetáculos de sedução 193. O jornal fazia ainda, analogia com a exibição em
público dessas mulheres, sobre trajes ultrajantes, aos leilões de mulheres escravistas do
século XVIII, onde mulheres eram exibidas em praça pública para serem vendidas como
escravas por fazendeiros e comerciantes. Já na segunda metade do século XIX, a noção
de “leiloar” mulheres, exibindo-as nuas, passou a ser relativamente usado entre os
traficantes de escravas brancas, que planejavam leilões aos fundos de estabelecimentos
comerciais, onde só poderiam frequentar, aqueles que atentassem contra certos “códigos”
da imoralidade, uma forma de linguagem coorporativa praticada entre quadrilhas e
caftens especializados na exploração sexual.

192
Diário da Tarde. Foi amor, uma chama sangrenta. Curitiba, 18/11/1931.
193
O Dia. Entre gravetos e fagulhas. Curitiba, 16/05/1929.
Dessa forma, o que nos interessa é esse aspecto fictício de uma certa sociedade
parisiense, e a forma como essa noção de bas-fonds foi sendo introduzida como
“máscaras” que resguardavam uma vida alternativa de Curitiba, acompanhada sempre de
uma escala moralista. Isso acabou se refletindo na própria juventude da cidade, que
estendiam até altas horas da madrugada, frequentando bares e bordeis, enveredando,
inconscientemente, um caminho pelo crime e pela perdição. Os lugares que ambientavam
os bas-fonds da cidade, eram excitados pelo antecipado despertar de um sensualismo
maquiavélico e no desequilíbrio social causado pela criminalidade. O problema em si,
não era apenas os lugares, mas sim as consequências que apresentavam à sociedade,
levando crianças a se tornarem pedintes de cigarros, bebidas e outras mercadorias que
eram manejadas por sujeitos que praticavam a delinquência como os jogos de azar.

Sendo assim, é quase indiscutível que nestes espaços era possível compreender
uma geografia, tanto do prazer, como lembra (RAGO, 1989), ao se referir aos lugares
onde era possível identificar a prostituição feminina em São Paulo por meio de
intervenções policiais, quanto as práticas marginalizadas que foram sendo registradas
pelas diversas formas de manifestação contra esses sujeitos, desde periódicos, processos
criminais e outros documentos. Com essa possível localização, pode-se ter um panorama
da projeção das diversas provocações e manifestações imorais, que foram sendo
projetadas em meio ao cotidiano urbano. Desde cafés concertos, onde apaches se reuniam
para dialogar sobre suas facetas, dos criminosos que confirmavam seus planos de assalto,
a cidade foi sendo consagrada como uma grande interpretação das “fidalgas da plebe”.

Fazendo menção à descoberta de uma perigosa organização criminosa no Rio


de Janeiro, destinada ao tráfico de escravas brancas, o Correio do Paraná 194, na medida
em que o escândalo da Zwi-Migdal se alastrava Brasil a fora, teria descoberto que na
capital paranaense, um funcionário da prefeitura de Curitiba, conhecido como Cícero
Marques Porto, velho frequentador dos “dancings” curitibanos, era apenas mais um, entre
vários entusiastas que estariam familiarizados com essa nova “forma de comércio”, as
escravas brancas. O jornal relatou ainda, que o sujeito era muito conhecido nos lugares
onde frequentava, como casas de divertimento, tendo acesso livre inclusive para consumir
as mercadorias e se alegrar em meio as danças que movimentavam os salões. Não se sabe
ao certo se Cícero seria ou não um membro oficial da Zwi Migdal, as investigações

194
Correio do Paraná. Exploravam escravas brancas.
apuraram que o sujeito teria tentado instaurar um novo sistema entre os bas-fonds da
capital, chamado “Ala da Lenha”, que pretendia casar dançarinas com rapazes do mesmo
“naipe”, como se fossem meras mercadorias. Assim como acontecia com a organização
internacional, recém descoberta, Cícero tentava casar os envolvidos através de falsos
documentos, colocando ainda a condição das mulheres esposas, como obrigadas a
sustentar o marido, como se estivessem trabalhando a favor de seus proxenetas.

Arminda Novaes era dançarina do Eldorado, e se casou com Antônio Amaral


com uma “certidão” que foi emitida com um visto do presidente da “Ala da Lenha”,
Cícero Marques Porto. A partir de então, Antônio, que também era dançarino, passou a
exigir enormes quantias a sua “esposa”, alegando que isso seria obrigatoriedade da
mulher, por conta dos laços matrimoniais. Insatisfeita, Arminda procurou Frota Aguiar,
delegado auxiliar da capital, apresentando uma denúncia contra os dois envolvidos no
caso. No mesmo dia, as autoridades se mobilizaram para deter os sujeitos e encontraram
uma vasta papelada, dentre elas, o “diploma” de casamento, onde apresentava indícios de
cafetinagem. Ouvido na delegacia, Cícero Marques Porto, teria afirmado que tudo não
teria passado de uma “brincadeira”, enquanto Antônio, por sua vez, disse que a
“brincadeira’ teria custado muito dinheiro, e que seria reembolsado através da exploração
da esposa.

Seguindo a tendência de definir com melhor precisão os lugares que compunham


os bas-fonds em Curitiba, entre os anos de 1920 e 1930, foi possível identificar ainda as
práticas de sujeitos que atuavam com uma certa “liberdade” nos bairros e ruas da cidade,
em detrimento de um aparato policial desproporcional, se comparado com o aumento da
criminalidade no período195. Não se trata de apresentar um estudo empírico de todos os
cantos da cidade, onde a “ralé” costumava transitar, mas sim analisar a partir das crônicas
policiais de crimes atrelados ao alcoolismo, a prostituição e a criminalidade. É
indiscutível também, que o álcool, encontrasse uma certa influência perniciosa em todas
as diligencias que marcam ocasiões em razão das manifestações que a multidão
provocava. As estatísticas neste ponto, decorre energicamente pelos registros policiais,
periódicos que faz com que compreendêssemos a uma breve introdução em meio a esse
oceano de “bas-fonds”.

195
DIÁRIO DA TARDE. 18/11/1931.
Como forma de coibir a prostituição clandestina, que nas ruas centrais dava a
sociedade o espetáculo de uma cidade sem polícia, os métodos de identificação se tornam
instrumentos de importante análise para processar casas de tolerância, rendez-vous e
praças onde eram praticados o trottor. Segundo (AGUIAR, 2016, p. 44), a maioria das
reclamações por parte de periódicos da cidade, provinham de queixas registradas pelas
ruas Saldanha Marinho, a Racticliff e a Visconde de Guarapuava. Analisando
aproximadamente 100 prontuários de identificação das meretrizes, dentre os anos de 1929
e 1931, foi possível identificar um número significativo de mulheres meretrizes que
residiam em certas ruas da cidade. A antiga rua Racticliff, atual Rua Desembargador
Westphalen, apresentava um total de 13 mulheres identificadas, e sabe-se que, dentre uma
delas, uma além de meretriz, era também cafetina. Através de uma inspeção de tavolagem
da polícia da capital, chefiada por João M. de Siqueira, a disposição da Delegacia de
Polícia de Segurança Pública da capital, o mesmo emitiu um comunicado sobre Maria
Mesquita, proprietária do referido bordel, teria negado permissão de policiais noturnos
para entrar no interior do estabelecimento. Tendo em vista que a casa albergava diversos
indivíduos, dois guardas ficaram responsáveis por intimidar a referida para se apresentar
a Repartição, para dar explicações sobre o seu “modo de proceder” mediante a presença
de autoridades policiais.

Outras ruas durante o mesmo período apresentavam números significativos de


mulheres meretrizes identificadas, como as ruas Visconde de Guarapuava, Visconde de
Nácar, Avenida Vicente Machado, Rua D. Muricy, Praça Tiradentes, Praça Senador
Correia e rua 7 de Setembro, além de outras ruas mais afastadas da região central, como
as ruas Misericórdia e Avenida Anita Garibaldi. Enquanto que os bordéis da cidade
surgem nas páginas da imprensa em meio a uma série de crônicas policias, como o tiroteio
que teria ocorrido na Praça Senador Correia, no dia 12 de janeiro 196, ou nos bordeis
localizado na rua Cabral e 7 de Setembro, em meio a denúncias de furtos197, como também
em um famoso bordel da cidade chamado “Negra Brasilia”, localizado no bairro Batel,
próximo inclusive, da Delegacia de Polícia do Batel, palco de diversas apreensões
motivadas por desavenças amorosas entre amantes 198.

196
O DIA. Dava tiros para o chão. 14/01/1930.
197
O DIA. Furtos. 16/01/1931.
198
O dia. Sururu em casa de Negra Brasília. 04/02/1930
Menores continuavam a “desaparecer” misteriosamente e eram descobertas em
bordeis da cidade, como na rua Saldanha Marinho, onde Manoel Augusto Rosa, teria
denunciado que duas menores de 5 e 8 vivam acompanhadas de outras 5 mulheres
meretrizes199. Outras ruas e bairros vão compondo toda uma “geografia do prazer”, em
meio a uma série de crimes e comportamentos desviantes, fosse nas rua XV de Novembro,
Desembargador Westphalen, centro da cidade, ou no Portão, esses espaços de conflitos,
emergiam e ganhavam destaques em meio a imensidão das noites curitibanas, colocando
em discussão uma questão que afetava a eficiência das forças policiais no Estado, em
meio aos tantos de denúncias e reinvindicações por parte da imprensa, que de certa forma,
atendiam as “suplicias” da sociedade curitibana, por meio de jornalistas sensacionalistas,
que codificavam e registravam as proporções que a desordem estaria tomando em meio
ao centro urbano da cidade.

Na mesma rua, a Desembargador Westphalen, um mistério profundo envolvia


um trágico acontecimento na madrugada, em pleno coração da cidade. As autoridades
policiais, a priori, não sabiam afirmar se o caso se tratava de um crime ou de um suicídio,
já que a vítima Regnier Negreiros, moço de boa aparência, bem trajado, segundo a
reportagem, estava em um bas-fond entre as ruas Desembargador Westphalen, Pedro Ivo
e André de Barros, estendido na calçada, morto, em frente a um bordel. No local do crime
havia um revólver, e estava a uma distância significativa para os policiais desconfiarem
de um possível assassinato. Regnier teria sido um soldado constitucionalista que
participou do movimento de 1932, fazendo parte do batalhão 14 de julho. Embora a vítima
fosse casado e tivesse uma esposa em São Paulo e dois filhos, testemunhas me afirmaram
o sujeito gostava de passar horas frequentando o bas-fond, talvez por romantismo com
alguma amante. A hipótese de suicídio não foi descartada, já que, como visto
anteriormente, nesses espaços de transgressão, não era rara as vezes em que suicídios e
assassinatos abalavam os bordéis da cidade com cenas sanguinolentas 200.

199
O dia. Menores Desamparados. 14/02/1930.
200
Diário da Tarde. Regnier Negreiros foi encontrado morto na rua desembargador Westfalen. 07/05/1934.
Figura 3 - Ilustração que remete os bas-fonds em Curitiba, ilustrando uma cena do cotidiano da cidade
em meio a miséria, pobreza e marginalidade. DIÁRIO DA TARDE, 27/04/1935. Autor desconhecido.

Havia um problema grave entre os bas-fonds e os poderes públicos da cidade


sobre o abandono daqueles que “vegetam do lodo”. Um dos aspectos que representava os
bas-fonds curitibanos, longe de parecer uma flor como as orquídeas, eram as centenas
“criaturas” que abandonadas pelos poderes públicos num oceano de miséria, e como a a
flor-de-lótus, florescia em meio ao lodo. Nesses espaços havia frio, miséria, fome, além
da marginalidade, não havia assistência religiosa nem moral, nem física, nem social,
ninguém conseguia conter o monstruoso cenário nos quatro cantos de Curitiba sem se
comover coma infelicidade de inúmeras vítimas da transformação social. A insalubridade
se manifestava nos cortiços onde a gripe ceifava vítimas e a polícia não monitorava, da
insurgência de jovens moças à prostituição, das crianças pobres que se transformavam
em delinquentes e dos perigosos que se albergavam por falta de alternativa. 201

201
Diário da Tarde. Abandono lamentável dos que vegetam no lodo. 23/05/1935.
Figura 4 - Ilustração que abrange aspectos da criminalidade, violência e meretrício nas ruas da capital
curitibana, em meio aos territórios denominados por “bas-fonds”. Diário da Tarde. 13/06/1935.Autor
desconhecido.

3.3 - Curitiba, uma cidade “despoliciada”

Os problemas colocados pela transformação teórica no campo da análise histórica,


pertencem a arqueologia e podem ser definidos através da utilização do documento.
Segundo Foucault, o documento não é mais essa matéria inerte que a história tomava para
reconstruir o passado, os acontecimentos deixados pelo homem, mas sim definir o tecido
documental segundo suas unidades, desde seus conjuntos, suas séries e relações. Da
arqueologia, o documento não é visto como meros discursos, mas sim como um signo de
outra coisa, como um monumento. Ou seja, Foucault ensino-nos que no arquivo estão
contidas todas as verdades da história, e sem dúvida, cabe relacioná-las entre si de modos
diferentes e legítimos. Sendo assim, o discurso da imprensa como método de análise, tal
como ocorre em diversos arquivos nos diferentes espaços de memória, como arquivos de
governo, de polícia, arquivos judiciais ou médicos, que compõe uma memória sobre
determinado período, é onde se deposita a história, e a partir da análise, possibilita o
historiador a produzir narrativas sobre essa constante crônica do dia-a-dia que são as
fontes históricas. É preciso, ainda segundo Foucault, efetuar a crítica do documento,
sabendo elaborá-lo e trabalhá-lo para estabelecer as séries, delimitando-o e
problematizando a sua transformação em monumento, pois a materialidade das práticas
discursivas, estão articuladas as práticas institucionais, aos lugares instituições, no qual
provem de posições e discursos sobre os sujeitos como forma de descrever e circunscrever
os sujeitos sobre práticas heterogêneas, como é o caso do uso da análise periódica e de
crônicas policias por meio da documentação judicial.

Dessa maneira, o principal órgão responsável pela vigília noturna na capital


curitibana era a “Prefeitura de Polícia”, em cuja direção abrigava sub-brigadeiros, oficiais
de paz, guardas e inspetores, atuando com grande margem de liberdade em detrimento da
investigação e contenção da criminalidade e desordem comum em meio a intensidade da
vida urbana. No que diz respeito a guarda noturna, criada em 1916 202, as autoridades
buscavam conter os excessos de costumes que provocavam a desordem publica nas ruas
e praças da cidade, onde além do comércio, se localizavam bares, rendez-vous e
lupanares, que na escuridão, em meio a energia elétrica, movimentavam as crônicas
policiais. Para o policiamento, a cidade devia ser dividida em distritos, para facilitar as
rondas pela geografia que compunha a cidade e acompanhar as atualizações oriundas de
transformações que ocorreram na passagem de um século para o outro, na medida em que
as mulheres passaram a reivindicar cada vez mais o seu lugar no espaço público, abrindo
caminhos para novas formas de expressar sua subjetividade, criando, é claro, uma
dicotomias alimentada pela imprensa e pela esfera jurídica, entre as mulheres da vida
pública, e as mulheres de vida índole.

O serviço de segurança, era destinado a caça de malfeitores e a execução de


mandados. O guarda da paz era o policial uniformizado, ficava à paisana, na caça aos
malfeitores, principalmente à noite. Esse guarda, sem ser propriamente um soldado,
esteve sujeito à disciplina do corpo, no que era rigorosamente indispensável para
estabelecer a ordem. A polícia da cidade embora reduzida, não era uma das piores, pois
em meio as dificuldades de toda ordem, com profissionais sem remuneração suficiente,
falta de preparo técnico de seus agentes, com a carência de condução livre em transportes
e vias de comunicação, para esses mantenedores da lei, a influência política interferia
prejudicando a organização e disciplina dos policiais 203.

202
GRUNER, Clóvis. 2016, p. 196.
203
DIÁRIO DO PARANÁ. 02/07/1932.
No final do século XIX, vimos o papel importante da imprensa na constituição
da nação enquanto simulacro, da construção de uma fragilidade feminina, por meio do
discurso que colocava, através de seu posicionamento, instituições ou ideologias acima
de todos os sujeitos que não constituíssem uma hegemonia coletiva. Segundo Marocco, a
imprensa periódica desempenhou um papel importante por sua articulação com uma rede
de discursos sociais, que no seu interior, produzia um conjunto de enunciados que
organizavam as camadas mais podres da mesma forma como eram encarados os
problemas sociais como a delinquência204. Dessa forma, através de manifestações
populares, de uma elite insatisfeita com a presença cada vez mais onipresente de sujeitos
pobres e marginalizados, criou-se uma produção do espaço criminalizado, em meio ao
próprio coração dos grandes e pequenos centros urbanos. Através da noção de uma
“geografia das existências205”, a imprensa que atuava por meio de metanarrativas,
produziu cada vez mais, discursos hegemônicos para definir e enquadrar sujeitos sociais
através do imaginário da violência que a própria mídia do período produzia.

Em Curitiba, diante o silêncio do céu noturno, os transeuntes ouviam-se as


músicas que alegravam os bailes e festas da cidade, acompanhado das risadas eufóricas
que se chocavam como pedras do atalho, que delineavam as calçadas, com o sossego das
famílias moradoras de regiões centrais da cidade. Não havia noite sem crime, quando a
cidade adormecia, ela era frequentada por sujeitos malfeitores audaciosos, que agiam sem
qualquer impunidade. Entre os aspectos que agitavam as ruas, os guardas civis eram vistos
pela imprensa, como meros “espectadores indecisos, retardatários e desatentos”, pois para
eles, não tinha surpresa no que se refere a vigilância da cidade, os problemas eram os
mesmos, os locais quase sempre, eram populares pelas farras até altas horas da noite, era
uma verdadeira “selva” onde os criminosos e delinquentes se escondiam e se alforjavam
no interior da cidade206. Em regime, o guarda-noturno, ou guarda civil, tinha consciência
dos seus objetivos e práticas, velar pela ordem na sombra e no ermo das ruas enquanto a
cidade “dormia”, por isso deveriam estar sempre munidos de um revólver, conforme
previa o Art.3 do regulamento tratado, e lanternas surdas, além da corneta, é claro, para
em casos de alarde. Deveriam ainda, inspecionar metodicamente e minunciosamente, as

204
MAROCCO, Beatriz. P. 13.
205
CAMPOS, Adrelino. Por uma geografia das existências, 2014.
206
DIÁRIO DA TARDE. 03/01/1934.
casas, de porta em porta, em diversas regiões vizinhas ao centro buscando “apaziguar” as
penumbras que perturbavam a ordem em todos os cantos207.

Os guardas-noturnos, exerciam uma importante atividade na vigilância da


cidade, pois eles eram os primeiros agentes a chegar no local de um determinado crime,
atendendo aos gritos de socorro dos populares, já que ficavam incumbidos de rondar
patrulhando a cidade durante a noite, seguido do policiamento. Na maioria das
circunstâncias, devido aos frequentes casos de natureza delituosa, os criminosos e
“vadios” impressionavam à medida em que se abriam as “veredas” do crime, e
insatisfeitos com o “trabalho” noturno, passaram a operar com maior frequência á luz do
dia também. Os enganosos atrativos modernos, insinuava a trila malsinada aos
criminosos, arrastando consigo, menores aos “pântanos dos vícios”, a lama do crime”, e
nesse sentido os adolescentes eram como “espíritos” ainda em formação, de caráter
incolor, mentes que facilmente se impressionavam em meio a influência do cinema do
período, como argumenta o periódico Vida Policial208, do Rio de Janeiro. Os bas-fond,
representados em salas de cinema do período, refletiam no campo luminoso da lei, já que
a criminalidade nos filmes, era resultado do predomínio da marginalidade presente em
grandes centros urbanos, desencadeando uma série de “conjuntos maléficos”, que
acabava impressionando o ânimo das crianças, insinuando-lhes ao “espirito da
imitação”209.

Apesar disso, nas denúncias de crimes e desordem noticiados pela imprensa


local, que ecoavam dolorosamente no seio da população curitibana, as publicações
repercutiam não apenas entre os populares, mas também entre a própria organização
jurídica e administrativa do Estado. Crescia, à medida em que os crimes contra
comerciantes e a desordem pública, os “gritos de socorro”, que constam nas reportagens
que a imprensa local fazia questão de acolher, como forma de cobrar na prática, medidas
eficazes contra a criminalidade e a vadiagem na cidade. A ação preventiva, se manifestava
direta ou indiretamente, de modo singular, pela vigilância de sujeitos ou classes, como as
camadas empobrecidas, dos quais se pudesse esperar atitudes “donosos”. A atuação
“protetora e vigilante” dos guardas municipais, na teoria, era refletia ostensivamente
através do serviço de policiamento, cargo, em regra, de policiais fardados aos quais

207
Ibidem.
208
Vida Policial. Rio de Janeiro, 1926.
209
VIDA POLICIAL. 13/03/1926.
competiam os deveres em rondar as ruas da cidade, dentre outros, levando pelos bons
costumes, pela moral, bem como também instaurar a execução e obediência das leis e dos
regulamentos em vigor, protegendo e defendendo senhoras, idosos, crianças e
trabalhadores, buscando garantir ainda, a liberdade individual e coletiva, amparada por
lei210.

Essa vigilância atuava de forma dissimulava, por seus agentes secretos de


segurança, ou por atos administrativos, na perspectiva de evitar abusos e inconveniências,
que poderiam dar origem a possíveis crimes na cidade. Para isso, era preciso cumprir a
lei em determinados efeitos ou regulamentos já existentes, como era o caso da inspeção
de prostíbulos e o controle de meretrizes na capital 211. Dessa forma, a guarda civil, como
descreve a revista policial Vida Policial, compreendia a vigilância noturna das cidades,
realizando no raio de ação, tudo que estivesse vinculado aos serviços de utilidade pública,
como iluminação, limpeza, higiene, saúde, monitoramento de praças e jardins, socorros
públicos, dando inclusive assistência médica contra incêndios. O regulamento previa
ainda, que cabia a guarda civil municipal, fiscalizar determinados ramos do comercio,
como de veículos, trânsito em geral, sobretudo em regiões escolares, como também
intervir nas construções e reconstruções de prédios, tendo m vista conhecer a planta de
cada edifício, combates da rua212.

Nesse contexto, era preciso uma Delegacia moderada e justa, capaz de fornecer
uma enérgica vigilância sem ser a violência na cidade, cercando os auxiliares de todo o
prestigio, exercendo uma função altamente moralizadora, e finalmente, dar combate aos
vícios e maus costumes que afrontavam a sociedade, escarneciam as leis e perturbavam a
ordem descumprindo o caráter “civilizatório”. A partir da criação da Delegacia de
Costumes em Curitiba, em 1928, criada pela lei. 2531, de março de 1928, e o seu
surgimento teve impactos diretos no cotidiano de centenas de mulheres e homens na
capital paranaense, atuando na vigilância geral e captura, tratando de furtos e roubos,
além de mediar a relação da prostituição no espaço urbano. Essa instituição passou a ficar
á cargo dos problemas de caráter moral e social, como a prostituição, vadiagem,
vagabundagem, jogos, defloramento, estupros dentre outras processos referentes aos
desvios da conduta humana 213. No que tange as mulheres de vida pública, em relatório

210
VIDA POLICIAL. 18/4/1925.
211
AGUIAR, Nayara. Ibidem. P 128.
212
VIDA POLICIAL. Idem.
213
GRUNER, Clóvis. Ibidem. P. 287.
apresentado pelo Chefe de Polícia de 1928, a prostituição era o vício que permeava a ralé
feminina que não familiarizava com tamanha imoralidade, mesmo com enérgicas e
“fatais” medidas buscando desaparecer esse “repugnante vício” que perseguia a juventude
curitibana214.

A formação de um bom mantenedor da ordem dependia mais de sua apurada


instrução moral, do que mesmo de uma desenvoltura física ou método repressivo deferido
na prática. Nas escolas onde os soldados recebiam aprendizagem prática, afins de adquirir
instrução moral e cívica, e ao mesmo tempo, compenetrasse de sus múltiplos e afanosos
deveres perante o público, a família e a sociedade. O programa de ensino deveria envolver
tudo que o policial precisasse saber para agir na cidade, cogitando a missão policial em
diversas modalidades, além da polícia de costumes, atuar o patrulhamento de ruas, teatros,
jardins e estabelecimentos públicos e particulares. O modo de exercer a ação preventiva
e repressiva, as prisões em flagrantes e suas características, mandados judiciais,
classificação dos crimes e contravenções, legitima defesa, inviolabilidade do lar,
imunidade diplomática e parlamentar, gírias de delinquentes, bem como atuar em casos
de incêndios, desabamentos e inundações 215. A instrução policial que completa a
formação do soldado de polícia, deveria ser ministrada com toda a regularidade nas
escolas, e nesse caso, o cuidado com os loucos, ébrios e mulheres meretrizes também
estariam sob responsabilidade da formação do indivíduo policial.

Citando Michel Foucault, o filósofo assegura que “as sociedades moderadas” se


caracterizam pelo controle dos invidiou, um controle permanente, exaustivo, onipresente,
capaz de tornar tudo visível. São milhares de olhares espalhados por toda a parte e
concentrando naquilo que temos de mais íntimo. Na era da repressão policial, pelo menos
no que diz respeito a Foucault, os micropoderes não se aplicam no Estado, ou se aplicam
de forma diferente do se costumava afirmar. No que se refere a repressão policial entre
as mulheres meretrizes, é preciso analisar no bojo de uma cruzada, o controle da
sexualidade cujo “eixo” articulador ter-se ido rompido coma revolução sexual. Sobre o
surgimento e desenvolvimento da polícia, atrelada as formas de governo de saber que
constituem a sociedade. Foucault lembra ainda, que a partir do século XVII, a polícia
passa a atuar na racionalização das práticas de governo, ligadas as noções de controle e

214
Relatório do Chefe de Polícia de 1928, p. 64.
215
Vida Policial. Como se prepara um policial. Rio de Janeiro, 14/03/1925.
regulamentação da sociedade por meio das forças do Estado, tomando espaço para algo
de caráter mais repressivo, um sentido negativo das formas de controle das sociedades 216.

Então, como parte de um conjunto referente a polícia administrativa, no que se


refere a Guarda Municipal, não bastava apenas realizar a teoria, era preciso garantir e
proteger a cidade que em meio a permanência insolúvel dos problemas de mendicância,
vadiagem, dos menores sem teto, dos trabalhadores, meretrício ambulante e do lenocínio,
dentre outras nascentes, onde as fontes dos males sociais se propagavam. Na capital
paranaense, na medida em que se buscava uma certa “civilização”, dia a ida foram se
aprimorando, tanto pela iniciativa particular, como é o caso da imprensa, quanto dos
poderes públicos, contra esses problemas que tem sido frequentemente examinado,
requerendo ainda, nas demais repartições, federais ou municipais. Já a polícia judiciária,
atuava desenvolvendo atividades com base na investigação de crime se descoberta de seus
autores, ela parte de uma ação repressiva, pois está emanada aos julgamentos de juízes e
tribunais que submetem os delinquentes após a fase investigativa, no qual são ouvidos e
recolhidos apontamentos e testemunhos, a fins de estudar e proceder os exames judiciais,
estudos de locais de crime, sobre determinado caso, para instaurar preliminarmente os
inquéritos policiais217. Daí sua denominação de judiciária, e não menos importante, de
investigação, que em suma, fazem parte de um mesmo departamento auxiliar da justiça
como preparador inicial da ação penal.

Não menos importante, a polícia técnica, é uma forma de especialização da


aplicação dos conhecimentos científicos por meio da policiologia, aos serviços de defesa
social, estudando o mundo delinquente e determinando, nos crimes concretos, a
identificado e responsabilidade dos seus autores. Como em tais processos científicos, a
polícia técnica empregava em suas observações e investigações, estudos incorporados em
Escolas Profissionais, onde habilitavam processos que facilitariam o retrato falado dos
criminosos, como a datiloscopia, ou ainda, papiloscópica, a fotografia, notadamente a
fotografia métrica, e antropométrica, sempre servindo a polícia técnica para realização
dos seus fins 218.

No exame da prática, o desenvolvimento da criminalidade em Curitiba, como


nas grandes capitais do Brasil, apresentava requintes de proporções “alarmantes”, que a

216
AMARAL; PILAU. 2017, p. 2581.
217
ANTÔNIO, Luís. Ibidem. P. 77.
218
GALEANO, Diego. Ibidem. P. 129.
própria imprensa local passou a questionar veementemente, a capacidade reguladora das
autoridades policiais em fiscalizar e deliberar a lei em diversos cantos da cidade. Não se
trata especificamente de acusar o Estado ou o Município, de não haver um policiamento
contingente no espaço urbano, mas sim, problematizar até certo ponto, uma insuficiência
no número de agentes civis em meio aos obstáculos da delinquência na cidade. Como
lembra o historiador Gruner219, havia uma baixa remuneração no que se refere a
profissionalização da Guarda Civil, o que fazia com que a ocupação fosse encarada como
algo temporário, sem muitas perspectivas de carreira, o que de antemão pode ser
explicado para sinalizar as constantes manifestações da imprensa local contra as
autoridades públicas;

"O engajamento, além de não representar mudança alguma de status, social ou


econômico, obrigava muitos soldados a experimentarem uma incômoda
ambigüidade: vindos eles próprios das camadas mais baixas da sociedade, a
elas voltavam para testemunharem, na condição de agentes à serviço do
Estado, e muitas vezes como único e incômodo resquício da presença estatal
nestas comunidades, suas mazelas e misérias. A situação era ainda mais
complicada quando a intervenção tinha um caráter mais repressivo, o que não
era incomum220.

No relatório do Chefe de Polícia de 1928, foi possível identificar através do


exercício financeiro, o quanto ganhava os Guardas Cívicos em Curitiba, em relação as
outras autoridades que faziam parte da mesma administração. Os guardas de primeira
classe, recebiam o equivalente a 300$000, já os de “segunda” classe, recebiam pouco
menos, 240$000 mensais. Já inspectores e médicos, ganhavam mensalmente 700$000,
enquanto fiscais e militares recebiam um déficit de 500$000221.

Sobre o dilema; “dorme, que a polícia cuida...”, o Correio do Paraná, no início da


década de 1930, afirmava que em Curitiba, já há muito tempo, a cidade passou a ser
diariamente palco para sucessivos roubos, casos de desordem e de crimes de caráter
hediondo. As colunas policiais dos jornais narravam em toda as edições, as aventuras dos
larápios que se desfragmentavam em meio aos barulhos sonoros da cidade. Através da
descoberta de uma quadrilha chamada “Capa Sinistra”, a imprensa notifica que foram
presos diversos indivíduos e que após esse acontecimento, os roubos teriam sido
apaziguados na capital, durante um curto período. Passado algum tempo, em meio a
calmaria que parecia pairar sobre a cidade, em forma de crônica, o jornal lembrava que:

219
GRUNER, Clóvis. 2016, p. 135.
220
Ibidem.
221
Relatório do Chefe de Polícia, 1928.
“a população já dormia tranquila e descuidada, embora sabendo que a cidade não era
policiada222”. Como em todo centro urbano em movimento, não tardo para que os roubos,
assaltos noturnos voltassem a agitar os anais de polícia e a sobressaltar os olhares da
população. O dr. José Merhy, delegado de Vigilância e Investigações, decidiu colocar em
sociedade, alguns dos gatunos que haviam sido presos após consecutivas apreensões. Ao
delegado ou delegados, não competia o exercício de patrulhar a cidade inteira, devido a
suas proporções geográficas, o que muitos faziam, era descobrir e prender elementos
nocivos por um determinado período. Mas, essas medidas não foram o suficiente para
uma cidade como Curitiba, que se estendia a dez ou doze guardas civis e 8 investigadores,
além de conter com um policiamento “sem eficiência alguma” 223.

No centro da cidade, qualquer cidadão poderia ser assaltado em plena luz do dia,
que não encontraria auxilio policial, restando como consolo, a tarefa de se queixar ao
delegado do distrito que, segundo o Correio do Paraná, “sempre promete providencias,
mas raramente consegue apanhar o culpado, por mais boa vontade que tenha e atividade
que desenvolva”224. O argumento que o periódico se debruçava a reafirmar, se dava sobre
a forma como as autoridades policiais se mobilizavam para efetuar a vigilância na cidade,
apresentando métodos “deficientíssimos”, mesmo que o governo, no seu dever, devesse
garantir ao povo garantias em prol da harmonia social. Lembra ainda que:

Uma capital como Curityba não pode ficar despoliciada, mercê dos amigos do
alheio e dos arruaceiros. Somos um povo civilizado, que tem justiça codificada
e garantias estaduais em lei. É preciso que o governo dê ao povo estas garantias
e faça respeitar o texto da lei, custe o que custar. Não podemos, como qualquer
cow-bow do farwest americano, andar de garrucha á cinta225.

Tal discussão, aponta para o fato de que o policiamento da capital não atendia as
ocorrências, seja nos trabalhos normais de vigilância noturna, ou nas investigações
preventivas, normalmente desempenhadas pelos mantenedores da lei. No tempo da
República Velha, segundo o Correio do Paraná, não havia um policiamento urbano que
surgisse efeito nas cidades, e parecia não haver, porque os guardas cívicos eram
escavinados para vingar as casas de figurões da polícia, sendo mais fácil encontrar um
guarda fazendo vigília em um quintal particular, do que na rua da cidade onde o povo
pagava pelas “desgraças” dos delinquentes. Nesse período, a Guarda Civil teria sido

222
O DIA. 27/05/1937.
223
IGNÊS, Maria. Ibidem. P 65.
224
Correio do Paraná. Curitiba, uma cidade despoliciada. 06/01/1934.
225
Correio do Paraná. Curitiba, uma cidade despoliciada. 06/01/1934.
reduzida em seu efetivo, como parte de uma medida “econômica”, ocasionando uma
cidade como Curitiba, despoliciada e as margens das “tentações” vindas de fora. Os
roubos em casas particulares, os vandalismos nas ruas e em propriedades mais afastadas
do centro, continuavam a todo vapor, e isso afetava até mesmo a iluminação pública da
cidade, já que eram surrupiadas as iluminarias públicas que iluminavam a cidade em meio
a escuridão. Segundo o periódico, os dados policiais não apresentavam estatísticas
coerentes com a realidade vivida na prática, já que muitos comerciantes ou sujeitos
comuns não prestavam declarações a polícia, pois além de ser um “incomodo”, a queixa
não trataria de reaver o produto do roubo226.

Segundo Maria Ignês, desde 1912 o problema em relação ao número de guardas


noturnos e as reclamações apontando o policiamento deficiente da capital, refletia até
mesmo nos Relatórios de Chefe de Polícia 227. Naquele mesmo período, segundo o Chefe
de Polícia Manoel B. V. Cavalcanti, a cidade de Curitiba apresentava uma guarda
composta por 92 homens, mas que nem todos cumpriam, na prática, o patrulhamento e
vigilância da cidade, ou seja, havia um guarda civil para cada 2083 mil habitantes, um
número muito abaixo de grandes capitais como Nova York, Londres, Paris. Esse número
era reflexo de medidas de caráter reformatório na organização do aparelho policial na
cidade, mas mesmo com sucessivas tentativas de uma “modernização”, as queixas contra
roubos e furtos e problemas já conhecidos, como o número reduzido de guardas,
sobretudo em zonas mais afastadas, continuam os mesmos 228.

Esse número reduzido de guardas municipais em campo, fazia parte da


“deficiência do serviço policial”, que justificava a imprensa do período. Enquanto a
cidade se expandia, dia adia, os guardas cívicos repousavam em números reduzidos, era
uma verdadeira “abnegação” das autoridades policiais, segundo o período. Antigamente,
a cidade, aparentemente, Curitiba não teria sido povoada, nem tão pouco procurada por
“amigos do alheio”, ou por sujeitos “indesejáveis”, como mencionado antes. Talvez o
fato de a repercussão em torno do aparelho policial curitibano ser “dura de doer”, pelos
outros colegas, e nesse sentido, se refere aos periódicos e de outros Estados, contendo
informações a respeito da capital curitibana “despoliciada”, despertando a atenção dos
meliantes que chegavam na cidade agindo com tamanha “facilidade”. No entanto, não se

226
CORREIO DO PARANÁ. 30/01/1931.
227
IGNÊS, Maria. Ibidem. P. 34.
228
O DIA. 29/03/1937.
trata apenas de insinuar a falta de competência das autoridades policiais, mas também
reconhecer a falha desse fenômeno, que pode ser explicado através da deficiência de
auxiliares e de outros elementos indispensáveis que não deveriam ser recorridas por
medidas de “economia”, desculpa usada pelo município para justificar o número de
efetivos em atividade. Não se trata, novamente, de uma cidade sem polícia, mas de uma
certa limitação por parte administração de vigilância pública, que não estaria habilitada o
suficiente com o desenvolvimento da marginalidade nas ruas mais afastadas, onde “não
existiam guardas cívicos nem para fazer remédio” 229.

Em 1929, o periódico policial carioca Vida Policial, ilustrava uma crônica


policial sobre menção à um caso de vicio e loucura ocasionado pelo “pó fatal”. O caso se
referia ao sumiço de um estrangeiro alemão em Curitiba, após o mesmo ter ingerido o
“pó maldito”, tendo desaparecido após efeitos alucinógenos, e que estaria, possivelmente,
traficando drogas na capital. Guilherme Ksinkik teria se apresentado formalmente como
médico, ao chegar na capital, mas em seu passaporte as a profissão mencionada era de
mecânico. Mas com as investigações sem sucesso do policiamento da cidade, foi preciso
que o “chauffeur”, Celso Balsotti, regressasse à cidade para descobrir o paradeiro da uma
mala deixada no carro da vítima, próximo ao parque Barigui, foi possível detectar 4 vidros
de cocaína e 2 caixas de ampolas de morfina, o que fez crer que se tratava de um
toxicômano, e que o ato tenha sido praticado pela origem no seu adiantamento de estado
de depressão nervosa.

O termo “amigos do alheio”, como mencionado em diversas partes, em


ocorrências polícias nas colunas de jornais, fazia menção aos criminosos vindos de fora
do Estado, sendo eles nacionais ou estrangeiros. Essa discussão fazia ligação com uma
série de novos assaltos e roubos de audaciosos criminosos que teriam albergado na pacata
e sobretudo, “despoliciada” cidade curitibana. A primeira delas, registrada pelo Correio
do Paraná, teria acontecido na rua Lamenha Lins, onde gatunos aproveitando da falta de
um policiamento eficaz, visitavam inúmeros quintais e jardins de residências particulares
para usurpar itens valiosos. Seguindo o curso dos acontecimentos, em outra zona mais
afastada da cidade, novamente os “amigos do alheio” penetraram na madrugada do dia
26/05/1938, em um “bungalow”, localizado no Batel, onde residia o médico dr. Bruno
Castilho, que inclusive, era médico do hospital Oswaldo Cruz. Esses gatunos agiam sobre

229
Correio do Paraná. Serviço de Policiamento. 02/08/1933.
muita calma e sem deixar grandes vestígios de suas atividades, tudo que encontraram,
desde roupas, joias e objetos de valor, eles surrupiavam. Já na delegacia Espacial de
Vigilância e Investigações da cidade, as autoridades prometeram as mais “satisfatórias
diligencias” no sentido de deitar mão nos autores da roubalheira 230.

As críticas recaiam também sobre as formas de prostituição na capital durante a


década de 1930. A medida em que o “trottoir” começava a ser praticado com maior
visibilidade pelas ruas da cidade, a Delegacia de Costumes, em 1929, logo providenciou
a identificação das “mariposas” do amor, que sobrevoavam as ruas da capital em busca
de clientes, sempre orientadas pelas suas “madrinhas” ou proxenetas. Como em grandes
centros urbanos, a juventude curitibana, ao adquirir a maturidade, acabavam penetrando
sobre o comércio que se estendia quando o sol começava a se esconder, onde nas noites,
os setores de entorpecentes relevavam o comércio e tráfico da cocaína e da maconha 231.

Em hotéis suspeitos, funcionavam casas de tolerância dia e noite, como o Hotel


Morumbi, na travessa Tobias de Macedo, o Hotel Cruzeiro, onde abrigava uma quadrilha
e tantos outros. Era justamente a partir dessas áreas de trottoir, que deveriam se
intensificar a vigilância noturna na capital, cujo ambiente desenvolviam fatos diários da
crônica policial, ou até certo ponto, parte delas. A partir do noticiário, a imprensa exigia
que esse e outros problemas relativos à vigilância da cidade, fossem tratados pelas
autoridades públicas232. Na zona “despoliciada”, as meretrizes aproveitavam as
circunstâncias e se mostravam aos olhares ingênuos de crianças, moças e transeuntes, em
trajes menores, “sem respeito as famílias”. Nos bordeis da cidade, quase toda noite era
possível as autoridades registrarem conflitos nos quais o palavreado obsceno e de baixo
calão desempenhava papel saliente na refutação dos costumes. A partir de série de queixas
apresentadas ao Dr. Chefe de Polícia, algumas medidas foram tomadas, como o
fechamento do bordel “Barranco” e do “Franco esquerdo”, localizado na rua Marechal
Floriano, além de outros bordeis existentes na Avenida Candido de Abreu 233.

De antemão, enquanto a cidade progredia e civilizava-se, é a frase que se tem


escrito em várias crônicas jornalísticas do período, tudo que se chocava com esse
pensamento apresentava requintes de boas e sérias discussões que necessitavam,

230
Correio do Paraná. Limpeza em rega. 27/05/1938.
231
O DIA. 27/05/1938.
232
CORREIO DO PARANÁ. 01/09/1936.
233
Correio do Paraná. Uma zona que está pedindo vistas da polícia. 06/02/1927
primordialmente, da presença das autoridades públicas. Roncaglio, analisando as
mulheres curitibanas no espaço público e a formação histórica de uma cidadania feminina,
comenta que até o final do século XIX, Curitiba havia adquirido feições que aos poucos
foram dando espaço e lugar á paisagens de uma cidade moderna, deixando no passado, a
aparência provinciana que se arrastada durante décadas. Em meio as polacas, italianas e
alemãs, as ruas eram movimentadas por vendedoras ambulantes que se encontravam com
mulheres citadinas, elegantemente vestidas, trocando olhares, e em certa medida,
evitando certos desvios234.

Uma cidade que já possuía arranha-céus, asfaltos, casas “chics’ onde a


aristocracia paranaense se reunia algumas horas durante o dia e outras durante
a noite, as gentis patrícias timbram em bem, vestindo-se de trajes modernos,
elegantes figurinos, tudo confinada em nossa querida terra, denota
progresso235.

A partir da tônica desses discursos até aqui analisados, podemos identificar alguns
possíveis rastros, ou passos largos que a Migdal teria executado no cenário curitibano em
meio a essa diversidade de causalidades que registravam o cotidiano subversivo da
capital, dos anos de 1920 ao decorrer da década de 1930. O Correio do Paraná, sob título
“Haverá polícia no Paraná”, publicou uma série de comentários, a propósito de uma
notícia, em forma de denúncia publicada pelo Gazeta do Povo, sobre a criminalidade na
capital. Tratava-se da descoberta de uma sociedade secreta denominada “Isca” com o fim
de “defender” a sociedade curitibana, evitando escândalos nos lares. O processo de
“defesa” e de “não escandalizar” foi baseado no princípio hahnemanniano do “similia
similibus curantur”, ou seja, lançar-se a lança a “Isca” na divulgação das infelicidades
conjugais por meio de jornais de circulação gratuita. A notícia parecia fantasiosa, se não
a divulgasse um jornal da capital paranaense que da sua informação um tom jocoso, ao
invés de profligar a infâmia planejada e que pelo nome de “organização” indica o fim
oculto que tem a empresa, verdadeira novidade no gênero mais perigoso das chantagens.
A capital do paraná estava se transferindo, ainda que gradativamente, em um paraíso
desses “corvos da honra alheia” que preparavam tamanha ameaça contra a população,
nem muito menos, será tão despoliciada a ponto dos seus habitantes terem os lares sujeitos
a avidez dessa mão negra, “sui-generis”236.

234
RONCAGLIO. 1996, p. 69.
235
Ibidem.
236
Correio do Paraná. A mão negra em Curityba?
No final de 1928, O Dia publicava a notícia de em Genebra, através de assembleia
da Liga das Nações, foi apresentado um relatório sobre o Tráfico de Escravas Brancas ao
Lord Cushendum, representante da Grã Bretanha na assembleia, trazendo e defendendo
que os demais membros da Comissão se manifestassem em apoio a repressão ao tráfico
de mulheres, que alimentava um comércio imoral e imortal em diversas nações. Na
Inglaterra havia sido instaurada uma polícia feminina, exclusivamente para obter
melhores resultados no combate ao tráfico de mulheres brancas e proteger a moral de
jovens inexperientes que eram facilmente enganadas. O sr. Cushendun fez questão de
lembrar o fato de ter sido um dos primeiros, na Inglaterra, a propor emprego de mulheres
na organização de uma polícia especial de repressão ao lenocínio, salientando que a
experiencia tem demonstrando o concurso valioso que as mulheres podiam prestar sobre
tais serviços.237

Figura 5 - Em comemoração ao aniversário da República Nova, a ilustração fez uma sátira com o
embelezamento da figura feminina, alegando que, as moças "atraentes", deviam tomar cuidados para
não facilitarem o perigo da "Migdal" na capital. O DIA. 16/09/1931. Autor desconhecido.

237
O Dia. Trafico de Escravas Brancas: uma policia feminina de repressão ao lenocinio. Curitiba,
05/09/1928.
Dentro da agitação da vida moderna, como veremos no capítulo a seguir, o
tráfico de mulheres também desempenhou, ainda que de forma minuciosas, mas não
menos importante por isso, medidas policias para tentar conter uma possível exploração
do lenocínio e da “carne branca” na capital. Nesse mundo, tão vasto e ignorado, que se
ergue no bas-fond da cidade, viviam, além de outros elementos considerados perigosos
como comunistas, traficantes de drogas e de bebidas, criminosos, outros sujeitos que
estiveram à mercê dos círculos mundanos que fazia contraposição a aparente aristocracia
social que parecia dominar as atenções e olhares do policiamento, ignorando o fato de
existir, em meio a lama das sarjetas, mulheres vítimas do tráfico e da exploração, crianças
que nasciam diretamente das lamas, as sombras de vida luxuosa. Se antigamente
exploravam as “escravas pretas”, em tempos “modernos”, a tendência era explorar as
“escravas brancas”, e os avisos chegavam por via da imprensa local com cartazes onde
continham avisos as moças da juventude curitibana, para não se deitarem contra as
falcatruas e seduções de homens criminosos, exploradores de mulheres.

Percorrendo os bas-fonds de Curitiba, foi possível coligir e examinar, sob alguns


ângulos, as ações da polícia curitibana, sempre acompanhadas pormenorizadamente em
seu seguimento, pelo discurso da imprensa periódica, na tentativa de extrair desses
elementos “perigosos” e dos espaços de crime, uma nova objetivação, uma alteração no
permanente padrão social que era frequentemente demarcados entre a ordem e a
desordem. Para explicar a deficiência do policiamento e do aumento do meretrício na
capital, recorremos a tarefa que constitui na análise do exame parcial que abrange as
narrativas jornalísticas. Ao lado dessa finalidade, também está sem dúvida presente a
busca do estabelecimento de um campo de poder que resume a existência de um corpo
policial através de narrativas da imprensa, capaz de generalizar todo um imaginário social
dessas concepções analisadas enquanto “cidade despoliciada”, em que os bas-fonds
surgem no calar da noite, dando origem a documentos que nos possibilitam o cuidado e
persistência em produzir narrativas no sentido de levar à frente a tarefa de desvendar
pequenos fragmentos da constituição social e policial que se configurou em meio a
documentação investigada.
CAPÍTULO 4

No quarto e último capítulo, pretende-se analisar as investigações policiais em


torno de denúncias e flagrantes de proxenetas na capital curitibana, acusados de estarem
fomentando o comércio das “escravas brancas”, como nas grandes cidades, operando nas
margens da legalidade, através de bares e hotéis licenciados pela prefeitura do período.
Dentre os objetivos centrais deste capítulo, primeiramente, serão trabalhados a forma
como o discurso periódico influenciava e repercutia sobre o imaginário social da época,
bem como as narrativas de discursos sobre o monitoramento das autoridades públicas
para agregar essa nova forma de “comércio imoral”, que vinha sendo, já na década de
1920, repercutida, ainda que lentamente, nas páginas da imprensa curitibana. Em um
segundo momento, serão trabalhados os casos de flagrantes de sujeitos proxenetas presos
e descobertos em Curitiba, e suas ligações com o tráfico de mulheres, seguido de uma
discussão da repercussão que estes casos tiveram não apenas na capital, mas em outras
regiões do Paraná, que eram vistos como “abatedouros”, assim como fora as vilas
empobrecidas do leste europeu, onde jovens judias eram aliciadas e enviadas para a
cidade grande, onde seriam distribuídas para outros centros urbanos. Seguido, será
tomado como analise, a circulação de meretrizes estrangeiras na capital, com base na
documentação referente aos Prontuários de meretrizes de 1929 e 1931, que incluem
documentos de caráter, até mesmo transnacional, entre diferentes cidades como Buenos
Aires, Rio de Janeiro, São Paulo, dentre outras, sobre as passagens dessas mulheres e o
possível envolvimento delas com o tráfico. Em especial, será analisado em último caso,
um processo criminal datado de 1939, referente a uma dupla de mulheres, vindas de São
Paulo, presas acusadas de estarem aliciando jovens do interior do Paraná, para a capital,
sendo, possivelmente, redistribuídas para outras cidades que, ao longo da década de 1930,
foram constituindo novos “eixos”, ou seja, novas rotas, cidades, onde o Zwi-Migdal
estaria tentando se instalar, após a sua descoberta em 1930. Neste último capítulo, serão
trabalhadas obras que repercutem a prostituição no Paraná, além dos prontuários de
meretrizes do Gabinete de Identificação e Estatística do Paraná, bem como a analise de
outras fontes periódicas sobre prostituição e criminalidade curitibana.
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A NOITE: 23/06/1932; 07/06/1932; 24/02/1932.


A REPÚBLICA: 17/01/1930.
CORREIO DO PARANÁ: 23/06/1934; 03/07/1928; 23/09/1932; 06/02/1927;
01/09/1936; 06/01/1934; 02/08/1933; 27/05/1938.
DIÁRIO DA TARDE: 23/04/1930; 03/08/1930; 03/08/1934; 14/04/1937; 28/08/1937;
07/02/1935; 18/11/1931; 07/05/1934; 23/05/1935; 03/01/1934.

DIÁRIO DO PARANÁ: 02/07/1932; 14/11/1925.


DIÁRIO DA NOITE: 18/05/1930; 17/04/1934.
DIÁRIO CARIOCA: 25/04/1935.

O DIA: 16/05/1929; 08/1928; 09/12/1927; 20/09/1925; 03/05/1923; 08/02/1929;


02/09/1933; 09/01/1938; 23/08/1939; 01/09/1939; 22/01/1932; 14/01/1930; 16/01/1931;
04/02/1930; 27/05/1938; 29/03/1937; 05/09/1928.

GAZETA DE NOTÍCIAS: 25/07/1936.


O ESTADO DO PARANÁ: 14/11/1925

ÚLTIMAS INFORMAÇÕES: 04/08/1930


VIDA POLICIAL: 21/03/1925; 20/12/1926; 03/08/1926; 13/03/1926.; 18/4/1925;
14/03/1925; 15/04/1926; 26/09/1926; 21/03/1925.

BOLHETIM POLICIAL: 09/06/1914; 23/02/1917; 13/09/1918.


Relatório do Chefe de Polícia do Estado do Paraná. 1926.
Relatório do Chefe de Polícia de 1927.

GLOSSÁRIO
Alcouces: O mesmo que bordeis, lupanares, lugares que concentram a prática da
prostituição.
Anômico: Falta de organização, desordem, que foge das “regras”, provocando uma perda
de identidade.
Araneae: O mesmo do reino das aranhas de classe Arachnida.
Bar-saloon: Bares que concentravam concertos de músicas, onde muitas vezes o
meretrício se tornava uma forma de “espetáculo”.
Box reserved: Espécie de cabine reservada para encontros e relações intimas.
Bungalow; Espécie de casa ou sobrado cercado por árvores, flores e plantas, associado
também a casas típicas de colônias estrangeiras.
Boulevards; Termo que desgina um tipo de via urbana, com ruas e pistas largas em dois
sentidos.
Chauffeur: Refere-se ao ofício de Guarda Municipal.
Criminoso escruchulante: Menção ao criminoso popularmente conhecido por pequenos
furtos e roubos, muito comum entre garotos adolescentes, que, na teoria, não
apresentavam ameaças graves a sociedade.
Dancings: Bailes e festas presentes em bares, bordeis e prostíbulos, onde homens e
mulheres se juntavam para dançar.
Dançarinas de can-can: Dança típica da França, popularmente praticado em salões e
bordeis.
Escamoteamento; O mesmo que encobrir, esconder.
Fervet opus: Relacionado a atividade profissional de alguma prática.
Franchucas: Menção as meretrizes de origem francesa.
Garçonnieres: Mulheres francesas que trabalhavam como garçonetes em bares, salões,
bordeis e restaurantes.
Gales de nuit: Espécie de doença viral, como a Sarna.
Gentleman: Refere-se a homens, “cavaleiros”, de bom porte.
Lenocínio; Crime de depender de outrem para fins econômicos através do aliciamento e
exploração da prostituição.
Maillots; Espécie de maiô, utilizado pelas mulheres.
Métier; Ocupação especifica sobre alguma área do trabalho, o mesmo que escritório,
oficina.
Panóptico; Termo utilizado por Michel Foucault, em Vigiar e Punir, que define a noção
de sociedade disciplinada.
Proxeneta; Sujeito que vive e depende do meretrício de mulheres exploradas.
Polacas; Mulheres de origem europeia, oriundas de países pobres. Embora o termo se
referia a Polonia, na prática, o termo “polaca” era usualmente associado as meretrizes
estrangeiras pobres, diferente das francesas, sinônimo de luxo e riqueza.
Rendez-vous; lugares, ruas e praças onde as mulheres meretrizes costumam circular na
ocupação de meretriz.
Similia similibus curantur; Lema dos homeopatas que expressa que teoria de que curar
sintomas no indivíduo doente ela deve causar sintomas semelhantes no indivíduo sadio.
Shymenoptera: É um dos grupos de espécie de abelhas.
Trottoir: Pratica de circular entre as ruas e praças das cidades, em busca de clientela.
Zwi-Migdal; Organização criminosa que surge no começo do século XX, destinada ao
tráfico de mulheres europeias para as Américas.
Certificamos   que   o   trabalho   intitulado:  ZWI­MIGDAL:   PROSTITUIÇÃO   E
TRÁFICO DE ESCRAVAS BRANCAS PELA IMPRENSA CARIOCA (1920­
1930),  foi  apresentado   no  Simpósio  Temático  Gênero  e  Violência,  no  evento  III
Colóquio   de   Gênero   e   Pesquisa   Histórica,   realizado   no   período   de   1   a   3   de
setembro   de   2020,   com   carga   horária   total   de   16h,   na   Universidade   Estadual   do
Centro­Oeste, UNICENTRO. 

Autor: WELLINGTON DO ROSÁRIO DE OLIVEIRA, CPF 10442005962
Coautor(es): 

Número: 86951

Irati, 15 de setembro de 2020

Professor(a) Nadia Maria Guariza, Professora Lucélia de Souza,
Coordenador(a) do Projeto Pró­Reitora de Extensão e Cultura

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PROGRAMAÇÃO

01/9 19:30 as 22:30 Conferência com a socióloga Dra. Wânia Pasinato ­ “Violência de gênero e

pandemia”

02/09   Apresentação dos trabalhos nos Simpósios Temáticos 

03/09 19:30 as 22:30 Conferência com a historiadora Dra. Joana Maria Pedro ­ “Mulheres nos

espaços do setor público”

As atividades foram realizadas pela plataforma Google Meet­YouTube
Certificamos que WELLINGTON DO ROSÁRIO DE OLIVEIRA (CPF nº 104.420.059-62) apresentou, na
modalidade apresentação oral, o trabalho intitulado "Do social ao imoral: a trajetória de Gabrielle Brune-Sieler narradas
pelas páginas da imprensa (1924-1937), no Simpósio Temático: Mulheres, impressos e imprensas: dimensões e
espaços sociais para além da maternagem - séculos XIX e XX", na Ação de Extensão I SEMANA INTERNACIONAL
DE HISTÓRIA E IX SEMANA DE CIÊNCIAS HUMANAS: CONTEMPORANEIDADES, RESISTÊNCIAS E
DISCURSOS (UFMS/CPCX), realizada pelo/a Câmpus de Coxim da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul, no período de 14/09/2020 a 18/09/2020.

Silvana Aparecida da Silva Zanchett Eliene Dias de Oliveira


Coordenadora da Ação Diretora - Câmpus de Coxim

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Emitido em: 09/11/2020 09:57:43

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Certificamos que WELLINGTON DO ROSÁRIO DE OLIVEIRA (CPF nº 104.420.059-62) apresentou, na
modalidade apresentação oral, o trabalho intitulado "Em prol do saneamento social: identificação e circulação de
meretrizes estrangeiras em Curitiba (1928-1932), no Simpósio Temático: A História vista pelo cotidiano: lugar de
vivências e resistências", na Ação de Extensão I SEMANA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA E IX SEMANA DE
CIÊNCIAS HUMANAS: CONTEMPORANEIDADES, RESISTÊNCIAS E DISCURSOS (UFMS/CPCX), realizada pelo/a
Câmpus de Coxim da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no período de 14/09/2020 a 18/09/2020.

Silvana Aparecida da Silva Zanchett Eliene Dias de Oliveira


Coordenadora da Ação Diretora - Câmpus de Coxim

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Emitido em: 03/12/2020 09:13:52

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Certificamos que WELLINGTON DO ROSÁRIO DE OLIVEIRA (CPF nº 104.420.059-62) apresentou, na
modalidade apresentação oral, o trabalho intitulado "La mala vida: das ciências médicas à regulamentação da
prostituição livre em Buenos Aires (1860-1875), no Simpósio Temático: História e cidade: olhares sobre a cultura
urbana", na Ação de Extensão I SEMANA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA E IX SEMANA DE CIÊNCIAS
HUMANAS: CONTEMPORANEIDADES, RESISTÊNCIAS E DISCURSOS (UFMS/CPCX), realizada pelo/a Câmpus de
Coxim da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no período de 14/09/2020 a 18/09/2020.

Silvana Aparecida da Silva Zanchett Eliene Dias de Oliveira


Coordenadora da Ação Diretora - Câmpus de Coxim

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Emitido em: 03/12/2020 09:11:20

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