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cadernos temáticos CRP SP
Psicologia, laicidade do
Estado e o enfrentamento
à intolerância religiosa
XV Plenário (2016-2019)
Diretoria
Presidenta | Luciana Stoppa dos Santos
Vice-presidenta | Larissa Gomes Ornelas Pedott
Secretária | Suely Castaldi Ortiz da Silva
Tesoureiro | Guilherme Rodrigues Raggi Pereira
Conselheiras/os
Aristeu Bertelli da Silva (Afastado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Beatriz Borges Brambilla
Beatriz Marques de Mattos
Bruna Lavinas Jardim Falleiros (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Clarice Pimentel Paulon (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Ed Otsuka
Edgar Rodrigues
Evelyn Sayeg (Licenciada desde 20/10/2018 - PL 2051ª de 20/10/18)
Ivana do Carmo Souza
Ivani Francisco de Oliveira
Magna Barboza Damasceno
Maria das Graças Mazarin de Araújo
Maria Mercedes Whitaker Kehl Vieira Bicudo Guarnieri
Maria Rozineti Gonçalves
Maurício Marinho Iwai (Licenciado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Mary Ueta
Monalisa Muniz Nascimento
Regiane Aparecida Piva
Reginaldo Branco da Silva
Rodrigo Fernando Presotto
Rodrigo Toledo
Vinicius Cesca de Lima (Licenciado desde 07/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Organização do caderno
Jamille Georges Reis Khouri
Revisão ortográfica
Andrea Vidal
___________________________________________________________________________
C755p Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Psicologia, laicidade do estado e o enfrentamento à intolerância religiosa.
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. - São Paulo: CRP SP, 2019.
28 p.; 21x28cm. (Cadernos Temáticos CRP SP /nº 25 )
ISBN: 978-85-60405-49-7
CDD 150.1954
__________________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Marcos Toledo CRB8/8396
Cadernos Temáticos do CRP SP
Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo inclui, entre as
ações permanentes da gestão, a publicação da série Cadernos Temáticos do
CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho em
diversos campos de atuação da Psicologia.
07 Apresentação
Palestras
em emergências
e o enfrentamento
CRP SPdo estado Psicologia religiosa
e desastres
à intolerância
A história da humanidade é estruturada pela his- pressam formulações culturais advindas de formu-
tória da divisão e hierarquização social, racial e lações religiosas, produzindo diferenciação e hie-
sexual entre os povos, mediados por inúmeros rarquização entre os distintos pensamentos sobre
processos objetivos e subjetivos que sustentam a função social do Estado.
nossa produção humana e cultural, inclusive com
Esse debate sobre a laicidade do Estado
a invenção ou identificação de “terceiros”, do “Ou-
laicidade
Brasileiro faz-se urgente, ao afirmarmos as condi-
tro”, do “Divino”, como quisermos compreender. O
ções de igualdade entre todas e todos no Brasil,
fato é que, nossa história, inclusive de organização
Temáticos
a não indução a convicções religiosas, a negação
da política e da vida comum nas cidades, perpassa
Psicologia,
de todas as formas intolerância religiosa. Por isso,
regimes teocentrados.
o CRP SP afirma e defende um Estado Laico, que
Em nome da centralidade religiosa, vivemos respeita a pluralidade e a cultura do povo brasilei-
Democracia, laicidade e
fundamentalismo religioso
Bruna Suruagy do Amaral Dantas
Professora de Psicologia Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre e
doutora em Psicologia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Pesquisadora dos discursos políticos e ideológicos da bancada evangélica na Câmara Federal
religiosa
relação aos poderes eclesiásticos, público. Excluí-los da cena pública e impedi-los de
e desastres
à neutralidade das instituições agir politicamente seriam procedimentos antide-
políticas, à autonomia dos poderes mocráticos. Qualquer forma de exclusão compro-
à intolerância
políticos e religiosos e à concessão mete a democracia.
em emergências
de tratamento igualitário às Um exemplo foi a notícia divulgada ontem so-
diferentes agremiações religiosas, bre a decisão do Supremo Tribunal Federal de can-
e o enfrentamento
além das liberdades de consciência, celar os títulos eleitorais de 3,4 milhões de brasi-
leiros3. Por questões burocráticas e institucionais,
religião e culto“ alguns brasileiros serão impedidos de participar
laicidade
vre exercício da fé, a defesa da tolerância religiosa,
qualquer tipo de ator político do processo eleitoral
da pluralidade de crenças, cosmologias e cultos.
prejudica a democracia.
Temáticos
Portanto, a participação política das religiões não
Psicologia,
é uma ameaça à democracia, contanto que se ga- É nesse contexto que surge uma grande con-
rantam os princípios da igualdade e da liberdade tradição. Se, por um lado, a exclusão religiosa do
espaço público fragiliza a democracia; por outro, a
2 Realizou o doutorado em Ciência Política na University of Essex .3 A palestrante faz referência às notícias veiculadas no dia
(Inglaterra) e o pós-doutorado na University of Westminster (In- 26 de setembro de 2018 sobre o cancelamento do título de
glaterra). É pesquisador titular, professor e coordenador do Mes- eleitor de 3,4 milhões de brasileiros devido à não realização
trado Profissional de Sociologia em Rede Nacional, na Fundação do cadastramento biométrico, disponível em: <https://oglobo.
Joaquim Nabuco; e professor do Programa de Pós-Graduação globo.com/brasil/stf-mantem-cancelamento-de-34-milhoes-
em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco de-titulos-eleitorais-23104769>. Acesso em: 29 abr. 2019.
culação de propagandas, a apresentação dos can- discriminação estatal em relação às organizações
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didatos, a distribuição de panfletos e a realização mágico-religiosas, não havendo, desse modo, tra-
de comícios nos cultos. Essas práticas configuram tamento igualitário nem garantias constitucionais
crime eleitoral, com penalidades que variam de para algumas agremiações religiosas.
multas à cassação do registro da candidatura ou
O que percebi a partir da tese de doutorado
do diploma em caso de vitória. O TSE tem desen-
que realizei e das pesquisas que venho realizan-
volvido estratégias e tomado medidas para inibir a
do é que a laicidade é tratada, pelos deputados
participação de instituições religiosas no processo
evangélicos progressistas e conservadores, como
eleitoral. Algumas igrejas (neo)pentecostais, como
um valor universal, inegociável. Entretanto, os con-
a Universal do Reino de Deus e a Assembleia de
servadores defendem-na sobretudo quando se
Deus, passaram a adotar um procedimento eleito-
sentem ameaçados pelo poder político da Igreja
ral específico: a definição de candidaturas oficiais
Católica. Nessas circunstâncias em que a disputa
representativas da instituição e a constituição de
religiosa se acirra, a laicidade é reivindicada como
distritos eleitorais. A meu ver, é essa a questão que
um valor inalienável e um princípio fundamental a
se deve considerar na discussão sobre laicidade:
ser garantido pelo Estado.
não se trata do impedimento à participação dos
atores religiosos no processo democrático, mas da Farei menção a um episódio marcante na his-
necessidade de algum tipo de controle institucio- tória da bancada evangélica: o acordo entre o Bra-
nal e de regulação jurídica para coibir os abusos sil e a Santa Sé, aprovado pelo Congresso Nacional
de poder econômico de “monopólios” religiosos, o em 2009 e promulgado pelo então presidente da
que gera um desequilíbrio político e financeiro na República em 2010. Nesse acordo, a Igreja Católica
relação com outras religiões. apresentou prerrogativas que a beneficiavam eco-
nomicamente na relação que pretendia estabele-
Sem qualquer regulação, o Estado termina
cer com o Brasil. Na ocasião, a bancada evangélica
dispensando um tratamento desigual às religiões,
ficou furiosa com a proposta da Igreja Católica,
privilegiando umas em detrimento de outras. No
que a favorecia com privilégios econômicos e, por
Brasil, verifica-se que as regulações institucionais
isso, decidiu produzir um documento similar, intitu-
ainda são frágeis e não conseguem conter a in-
lado “Lei Geral das Religiões, para garantir a equi-
terferência das igrejas evangélicas nas eleições e
dade de direitos entre as religiões. A equidade e
no mandato parlamentar. Observa-se que muitos
a isonomia tornaram-se, portanto, absolutamente
deputados evangélicos representam os interesses
relevantes, quando os protagonistas da bancada
econômicos de suas congregações religiosas, pro-
evangélica se sentiram preteridos pelo governo.
duzindo um desvio no sistema de representação
Demonstraram indignação e exigiram o mesmo
política e contribuindo para intensificar a crise de
tratamento especial concedido à Igreja Católica,
credibilidade da democracia.
utilizando como justificativa o princípio da laicida-
de; contudo, não requerendo do Estado igualdade
de condições para todas as religiões.
“ ‘Laicidade à brasileira’ em
Apesar da defesa contumaz da laicidade e
razão de suas especificidades:
da consequente pluralidade, nas duas últimas le-
o fim da religião oficial e, em gislaturas, a bancada evangélica tem assumido um
contrapartida, a manutenção discurso mais conservador, beligerante, exaltado
e alarmista, que reivindica o retorno às tradições,
de privilégios concedidos às
o resgate dos valores morais e a restauração da
religiões hegemônicas” família heteronormativa e monogâmica. Trata-se,
portanto, de uma reação às políticas públicas que
foram implementadas em favor da diversidade mo-
Ricardo Mariano denomina a nossa laicidade ral, cultural, sexual e de gênero. Conclui-se, pois, que
de “laicidade à brasileira” em razão de suas espe- a bancada evangélica, quando se sente despresti-
cificidades: o fim da religião oficial e, em contra- giada, reivindica a laicidade para obter os mesmos
partida, a manutenção de privilégios concedidos privilégios da Igreja Católica; porém, quando na es-
às religiões hegemônicas. A separação entre o fera pública atua com protagonismo no exercício
Estado e a Igreja no Brasil não eliminou os privi- do poder, age para combater políticas destinadas a
légios católicos – e agora os evangélicos –, nem a efetivar direitos dos grupos minoritários.
No cotidiano da atividade parlamentar, os Nacional de Justiça que obriga os cartórios a regis-
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deputados evangélicos têm empreendido verda- trar união civil entre pessoas do mesmo sexo; 4) o
deiras cruzadas contra inimigos específicos, inci- Projeto de lei 6.449/2016 torna obrigatório às ope-
tando pânicos morais, fomentando o ódio, justifi- radoras bloquear o acesso a conteúdo sexual gra-
cando a violência e legitimando a guerra política e tuito, para proibir a pornografia e a masturbação;
espiritual do bem contra o mal. A título de ilustra- 5) o PL 8099/2014, cujo autor é o deputado pastor
religiosa
ção, destaco o episódio dos materiais didáticos de Marco Feliciano, visa a obrigatoriedade do ensino
e desastres
combate à homofobia, idealizados pelo Ministério do criacionismo em escolas públicas e privadas;
da Educação e intitulados pejorativamente de “kit 6) o Projeto de lei 6314/2005 prevê a proibição da
à intolerância
gay” pela bancada evangélica. O então deputado abertura de processos por crimes de injúria e difa-
em emergências
federal Jair Bolsonaro protagonizou as críticas mação contra líderes religiosos; 7) a aprovação do
contra as cartilhas do MEC, alegando que “o kit es- Estatuto da Família, que define a entidade familiar
timula o homossexualismo e abre uma porta para como uma configuração social e afetiva resultan-
e o enfrentamento
a pedofilia”. Um discurso catastrófico, desprovido te da união conjugal e estável entre um homem
de coerência lógica, cujo propósito é produzir pâ- e uma mulher, podendo ser ainda constituída por
laicidade
por ações de inconstitucionalidade e constitucio-
ras, a bancada tem resistido à garantia dos direi-
nalidade junto à Suprema Corte.
tos humanos e à formulação de políticas públicas
Temáticos
Psicologia,
de proteção da diferença. Os deputados mais con- Observa-se, pois, uma articulação de forças
servadores erguem-se como soldados em comba- evangélicas para expandir seu poder político, al-
te e enfrentam os adversários – no caso, as mu- cançando, assim, as esferas da Justiça, especial-
religiosa
ocupado cargos políticos relevantes”. Como se lei da mordaça pela bancada, que o retratou como
e desastres
pode constatar, nesse caso, o argumento da mino- uma medida tirânica e ditatorial, em benefício dos
ria religiosa perseguida politicamente favorece a privilégios de determinado grupo, que pretende
à intolerância
articulação das diferentes denominações, inclusive instalar “a ditadura gay” no país. Observa-se, pois,
em emergências
aquelas cujos sistemas teológicos e doutrinários uma espécie de inversão conceitual ou malabaris-
são divergentes. De acordo com essa perspectiva, mo cognitivo, que transforma os homossexuais,
todas as congregações evangélicas são discrimi- vítimas diárias de violência, em indivíduos tirânicos
e o enfrentamento
nadas, marginalizadas e perseguidas; constrói-se, e privilegiados. Os evangélicos, por sua vez, são
assim, um inimigo político, que pode ser encarnado considerados perseguidos políticos, cuja liberdade
laicidade
enfrentamento em nome de combater e derrotar o
momentos que reivindicam um tipo de liberdade, a
inimigo. Recorre-se, portanto, ao discurso da per-
liberdade de consciência, de culto e de religião dos
Temáticos
seguição política, da discriminação religiosa e da
Psicologia,
cristãos; porém, impõem aos demais cidadãos a
restrição da liberdade de culto.
restrição da liberdade ética em nome da preserva-
ção de um sistema normativo particular. É esse o
Começo por uma concepção mais filosófica, distin- tematização e organização da espiritualidade. A
guindo espiritualidade de religião a partir de uma religião pressupõe cultos, liturgias, cerimônias, uma
abordagem do Frei Betto para, então, destrinchar determinada narrativa de mundo, uma teodiceia,
o fundamentalismo religioso, a relação que ele tem uma doutrina, um código comportamental. Gosto
com o neoliberalismo e o risco que ele oferece de de pensar essa distinção entre espiritualidade e
fato para a democracia, o Estado laico e os direitos religião para chegar ao seguinte ponto, com o Frei
humanos. A espiritualidade, desse ponto de vista, Betto: existem experiências religiosas que sufocam
é algo tão antigo quanto a humanidade. a espiritualidade; trata-se, portanto, do fundamen-
talismo religioso. O fundamentalismo religioso con-
segue a proeza, aparentemente contraditória, de
“Destrinchar o fundamentalismo sufocar a espiritualidade. Enquanto a espiritualida-
de é abertura, o fundamentalismo é fechamento;
religioso, a relação que ele tem
enquanto a espiritualidade é pergunta, o funda-
com o neoliberalismo e o risco mentalismo é resposta; enquanto a espiritualidade
que ele oferece de fato para a é experiência, o fundamentalismo é doutrina. Enfim,
o fundamentalismo religioso seria uma maneira de
democracia, o Estado laico e os
experimentar a religião de forma a sufocar a potên-
direitos humanos” cia criativa, lúdica e aberta da espiritualidade.
religiosa
não estamos falando apenas de razão, não esta- “ ‘O que mobiliza mais você, o
e desastres
mos falando apenas de discurso. Estamos falando
que escandaliza mais você, o
da formação profunda da subjetividade humana. O
à intolerância
fundamentalismo forja forma, cria, induz, conduz, que te provoca mais choque? Um
beijo entre dois homens ou um
em emergências
formata emoções, sensações, perspectivas.
homossexual sendo assassinado
e o enfrentamento
“O fundamentalismo forja por ser homossexual?’ ”
forma, cria, induz, conduz,
laicidade
te ela tem um caráter péssimo, entendem? É uma
tro anos na minha cidade de origem, Niterói. Fize-
subjetividade que foi forjada e formada. Acho que
mos um debate lá sobre a inclusão da educação
Temáticos
o pior caminho para resolver isso é dizer: “Ah, você
Psicologia,
de gênero e da diversidade nas escolas. Eu votei
é mau-caráter”. Eu acho que está em outro regis-
favoravelmente, entendendo que a escola tem um
tro, está em outro lugar. Se a gente não entender
papel a cumprir na afirmação da democracia e do
isso, vai ficar batendo a cabeça na parede.
Não precisa explicar muito. Estamos em um O outro incomoda por ser quem é. A pura exis-
ambiente que formula e trabalha em cima disso, é tência já gera um conflito, é lida como um ataque.
algo muito profundo. Não está só aqui no meu dis- Não precisa nem do conflito real, do convívio geran-
curso. O fundamentalismo forja e forma emoções. do alguma diferença. Algumas diferenças, só pelo
Então, fiz outra pergunta a ela: “O que mobiliza fato de existirem, já geram um incômodo profun-
mais você, o que escandaliza mais você, o que te do, porque é uma visão que tenta englobar todas
provoca mais choque? Um beijo entre dois homens as relações da sociedade, família, escola, Estado,
ou um homossexual sendo assassinado por ser empresa, dimensão pública da vida, tudo totaliza-
homossexual?”. Ela olhou para mim com certo es- do por essa perspectiva. Então, a insuportabilidade
panto, percebi que a pergunta gerou um incômodo. das diferenças e a intolerância são sintomas.
No Brasil colonizado, o modelo econômico
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“O fundamentalismo seria hegemônico foi o plantation, caracterizado pelo
latifúndio monocultor exportador que se utilizava
essa concepção que de trabalho escravo. Um genocídio histórico data-
influencia comportamentos do de séculos sobre um povo virou característica
cotidianamente; já o extremismo de um modelo econômico dentro do Brasil colônia.
Isso é grave, é perverso, é letal. Portanto, não é à
seria a materialização dessa toa, não é coincidência, não é por acaso que as
concepção em ações diretas de religiões de matriz africana são historicamente e
violência, se traduzindo também atualmente as mais perseguidas.
religiosa
do mundo. Ou seja, cria-se um vazio crítico perfeito
Existe um segmento que tem
e desastres
para que uma narrativa fundamentalista dê chão
para a crise humana civilizatória do capitalismo poder econômico, midiático,
à intolerância
neoliberal contemporâneo. O fundamentalismo
televisivo, político e institucional”
em emergências
cresce na areia movediça dessa diluição de senti-
do, uma vida cada vez mais tensa e paranoica.
e o enfrentamento
Eu me lembro de uma ocasião, quando ain- Concluo dizendo o seguinte: concordo com a
da eu era parlamentar, em que o medo e o pânico professora Bruna, e apenas acentuo algo que ela
moral ativaram muita coisa. Me lembro de alguns também já colocou aqui muito bem, que o campo
laicidade
estranho está passando pela rua, nem precisamos autoritário, é antidemocrático, é machista, misógi-
ir sair na varanda das nossas casas, porque isso no, é LGBTfóbico, racista. Cresce, interfere, influen-
Temáticos
Psicologia,
seria um certo risco; basta ir até a janela e apitar. cia o fascismo brasileiro na versão religiosa. Dito
Quando você ouve um apito, o outro apita tam- isso com toda a seriedade, contundência e aperto
bém, todo mundo começa a apitar e o elemento no coração, cabe dizer e enfatizar: não podemos
religiosa
e desastres
Veridiana Machado
à intolerância
Psicóloga. Mestra em Psicologia na Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP). Especialista
em Psicoterapia Junguiana pelo Instituto Junguiano da Bahia (IJBA). Coordenadora da
em emergências
Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) de Relações Raciais
e Subjetividades – ANPSINEP. Pesquisadora do Laboratório de Etnopsicologia – FFCLRP/
USP. Dedica-se aos estudos sobre Psicologia e Cultura; Etnopsicologia; Psicologia e
e o enfrentamento
Religiosidade afrobrasileira; Relações Étnico-Raciais; Comunidades e Povos Tradicionais.
laicidade
pensando nas características dessa modernidade, é o diferente: diferente de quem
na nossa ciência pautada nessa verdade, centrali-
não era europeu, de quem não era
Temáticos
zada na objetividade e na razão, e nesse cientifi-
Psicologia,
cismo que promoveu na modernidade a destruição branco naquele momento”
do outro, a inviabilização do outro, sendo que esse
religiosa
permite que a gente reflita”
e desastres
rias, e isso fez com que o pentecostalismo tam-
bém construísse essa força para disputar tais
à intolerância
A partir disso é que eu vou pensar, assim privilégios. É nessa disputa, de certo modo, que
como a professora Bruna já falou, sobre a “lai- culmina o que se configura hoje como um poder
em emergências
cidade brasileira”. De fato, existe uma especifi- político-partidário, esse fundamentalismo religio-
cidade nessa laicidade. Aqui no Brasil, não con- so que a gente está discutindo aqui. Então, hoje
e o enfrentamento
seguiram, desde a República, privatizar a religião; nós temos essa representação política formada
muito pelo contrário, a religião católica manteve por fundamentalistas, que, no que tange a psico-
seus privilégios e os mantém até hoje. Os maio- logia, se utiliza de princípios bíblicos e não preza
laicidade
exercício ilegal da medicina. Alguns autores afir-
mam que não havia nenhuma pretensão de que
Temáticos
“É nessa disputa, de certo modo,
Psicologia,
o espiritismo se configurasse como religião, mas,
diante da pressão de outrora, ele precisou fazer que culmina o que se configura
isso para se defender. Os próprios protestan-
hoje como um poder político-
em emergências
e o enfrentamento
CRP SPdo estado Psicologia religiosa
e desastres
à intolerância
Acho que, para ficar mais representativo e plural, religiões neopentecostais – inclusive, as nossas
nós precisávamos ter a presença de uma trans estão lá, como a Igreja Universal Mundial do Rei-
ou um trans – aí nossa mesa estaria completa. no de Deus, e também estão fazendo algo muito
Até porque, como estamos falando sobre laici- parecido com o que fazem aqui no Brasil.
dade e religiosidade, essa é uma das populações
laicidade
Na história do Brasil, durante o período da
que mais sofrem e são expulsas dos espaços sa-
colonização, buscou-se restringir a liberdade re-
grados: a população LGBT como um todo. A po-
Temáticos
ligiosa, professando a religião cristã como única
pulação de travestis, de mulheres e homens tran-
Psicologia,
e dizimando as outras religiões. Algo que eu per-
sexuais é a mais excluída na comunidade LGBT.
cebi em Angola, e que é muito legal destacar, é
Outra questão importante para a gente pensar
que as línguas nacionais perduraram, então exis-
religiosa
às pessoas que nos procuram haja respeito a do surgimento dessa onda reacionária como uma
e desastres
sua crença ou a sua não crença, que a gente não tendência de segmentos que estão se sentindo
pode impor nossos valores, nossas crenças. Eu, ameaçados.
à intolerância
enquanto espírita, mais ainda, porque as pesso-
em emergências
as acreditam que seus problemas são de vidas
passadas; nunca o sujeito tem culpa, é sempre de “Nosso país é religiosamente
algo anterior àquela existência. Tudo isso infere
diverso, com tendência a
e o enfrentamento
na nossa atuação profissional.
mobilidade entre as religiões“
Cada um tem o Silas Malafaia que merece,
laicidade
nero, que é algo que ele não domina, e agora, religiosa não vai lá e mata, mas empodera outras
mais recentemente, teve uma fala associando a pessoas para fazer, seus discursos empoderam
Temáticos
Psicologia,
bissexualidade ao heavy metal. Ele faz um terror essas pessoas. E é pensando na história da Mãe
e confunde, porque tem milhares de seguidores. Gilda – já contada pela Veridiana –, que foi perse-
É isso: quando uma liderança religiosa se posi- guida até chegar a óbito, que a gente pensa na di-