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cadernos temáticos CRP SP

Práticas em
Psicologia e Educação
Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região - CRP 06

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cadernos temáticos CRP SP

Práticas em
psicologia e educação

CRP 06 · São Paulo · 2019 · 1ª Edição


Caderno Temático n° 37 – Práticas em psicologia e educação

XV Plenário (2016-2019)

Diretoria
Presidenta | Luciana Stoppa dos Santos
Vice-presidenta | Larissa Gomes Ornelas Pedott
Secretária | Suely Castaldi Ortiz da Silva
Tesoureiro | Guilherme Rodrigues Raggi Pereira

Conselheiras/os
Aristeu Bertelli da Silva (Afastado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Beatriz Borges Brambilla
Beatriz Marques de Mattos
Bruna Lavinas Jardim Falleiros (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Clarice Pimentel Paulon (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Ed Otsuka
Edgar Rodrigues
Evelyn Sayeg (Licenciada desde 20/10/2018 - PL 2051ª de 20/10/18)
Ivana do Carmo Souza
Ivani Francisco de Oliveira
Magna Barboza Damasceno
Maria das Graças Mazarin de Araújo
Maria Mercedes Whitaker Kehl Vieira Bicudo Guarnieri
Maria Rozineti Gonçalves
Maurício Marinho Iwai (Licenciado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Mary Ueta
Monalisa Muniz Nascimento
Regiane Aparecida Piva
Reginaldo Branco da Silva
Rodrigo Fernando Presotto
Rodrigo Toledo
Vinicius Cesca de Lima (Licenciado desde 07/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)

Organização do caderno
Lucia Masini, Maria da Penha Tamburu, Alacir Cruces, Lilian Suzuki e Maria Rozineti Gonçalves

Revisão ortográfica
Lucia Masini e Mariana Yumi Ramos da Silva

Projeto gráfico e editoração


Paulo Mota | Relações Externas CRP SP

___________________________________________________________________________
C755p Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Práticas em Psicologia e Educação. Conselho Regional de Psicologia
de São Paulo. - São Paulo: CRP SP, 2019.
40 p.; 21x28cm. (Cadernos Temáticos CRP SP /nº 37)

ISBN: 978-85-60405-64-0

1. Psicologia – Práticas em Psicologia e Educação. 2. VI Encontro de


Psicólogas da Área da Educação. 3. Medicalização da Educação. 4. Patologização
da Educação. 5. Despatologização da Educação. I. Título

CDD 150.7
__________________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Marcos Antonio de Toledo CRB8/8396
Cadernos Temáticos do CRP SP
Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo inclui, entre as
ações permanentes da gestão, a publicação da série Cadernos Temáticos do
CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho em
diversos campos de atuação da Psicologia.

Essa iniciativa atende a vários objetivos. O primeiro deles é concretizar


um dos princípios que orientam as ações do CRP SP, o de produzir referências
para o exercício profissional de psicólogas/os; o segundo é o de identificar
áreas que mereçam atenção prioritária, em função de seu reconhecimento
social ou da necessidade de sua consolidação; o terceiro é o de, efetivamente,
ser um espaço para que a categoria apresente suas posições e questiona-
mentos acerca da atuação profissional, garantindo, assim, a construção co-
letiva de um projeto para a Psicologia que expresse a sua importância como
ciência e como profissão.

Esses três objetivos articulam-se nos Cadernos Temáticos de maneira


a apresentar resultados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP, que
contaram com a experiência de pesquisadoras/es e especialistas da Psicolo-
gia para debater sobre assuntos ou temáticas variados na área. Reafirmamos
o debate permanente como princípio fundamental do processo de democrati-
zação, seja para consolidar diretrizes, seja para delinear ainda mais os cami-
nhos a serem trilhados no enfrentamento dos inúmeros desafios presentes
em nossa realidade, sempre compreendendo a constituição da singularidade
humana como um fenômeno complexo, multideterminado e historicamente
produzido. A publicação dos Cadernos Temáticos é, nesse sentido, um convite
à continuidade dos debates. Sua distribuição é dirigida a psicólogas/os, bem
como aos diretamente envolvidos com cada temática, criando uma oportuni-
dade para a profícua discussão, em diferentes lugares e de diversas maneiras,
sobre a prática profissional da Psicologia.

Este é o 37º Caderno da série. Seu tema é: Práticas em Psicologia e Educação.


Outras temáticas e debates ainda se unirão a este conjunto, trazendo
para o espaço coletivo informações, críticas e proposições sobre temas rele-
vantes para a Psicologia e para a sociedade.

A divulgação deste material nas versões impressa e digital possibilita


ampla discussão, mantendo permanentemente a reflexão sobre o compro-
misso social de nossa profissão, reflexão para a qual convidamos a todas/os.

XV Plenário do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


Os Cadernos já publicados podem ser consultados em www.crpsp.org.br:

1 – Psicologia e preconceito racial


2 – Profissionais frente a situações de tortura
3 – A Psicologia promovendo o ECA
4 – A inserção da Psicologia na saúde suplementar
5 – Cidadania ativa na prática
5 – Ciudadanía activa en la práctica
6 – Psicologia e Educação: contribuições para a atuação profissional
7 – Nasf – Núcleo de Apoio à Saúde da Família
8 – Dislexia: Subsídios para Políticas Públicas
9 – Ensino da Psicologia no Nível Médio: impasses e alternativas
10 – Psicólogo Judiciário nas Questões de Família
11 – Psicologia e Diversidade Sexual
12 – Políticas de Saúde Mental e juventude nas fronteiras psi-jurídicas
13 – Psicologia e o Direito à Memória e à Verdade
14 – Contra o genocídio da população negra: subsídios técnicos e teóricos para Psicologia
15 – Centros de Convivência e Cooperativa
16 – Psicologia e Segurança Pública
17 – Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social
18 – Psicologia do Esporte: contribuições para a atuação profissional
19 – Psicologia e Educação: desafios da inclusão
20 – Psicologia Organizacional e do Trabalho
21 – Psicologia em emergências e desastres
22 – A quem interessa a “Reforma” da Previdência?: articulações entre a psicologia e os direitos das trabalhadoras e trabalhadores
23 – Psicologia e o resgate da memória: diálogos em construção
24 – A potência da psicologia obstétrica na prática interdisciplinar: uma análise crítica da realidade brasileira
25 – Psicologia, laicidade do estado e o enfrentamento à intolerância religiosa
26 – Psicologia, exercício da maternidade e proteção social
27 – Nossa luta cria: enfrentar as desigualdades e defender a democracia é um dever ético para a Psicologia
28 – Psicologia e precarização do trabalho: subjetividade e resistência
29 – Psicologia, direitos humanos e pessoas com deficiência
30 – Álcool e outras drogas: subsídios para sustentação da política antimanicomial e de redução de danos
31 – Psicologia e justiça: interfaces
32 – Conversando sobre as perspectivas da educação inclusiva para pessoas com Transtorno do Espectro Autista
33 – Patologização e medicalização das vidas: reconhecimento e enfrentamento - parte 1
34 – Patologização e medicalização das vidas: reconhecimento e enfrentamento - parte 2
35 – Patologização e medicalização das vidas: reconhecimento e enfrentamento - parte 3
36 – Psicologia, demandas escolares e Intersetorialidade: os caminhos do diagnóstico de crianças e adolescentes
Introdução 5

Núcleo de Educação e Medicalização do CRP SP

e educação
Psicologia em emergências e desastres

Práticas
Psicologia e desastres
em psicologia
em emergências
CRP SPCRP SP
Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
Temáticos
É com muita honra e imenso prazer que apresen- tou excelente retrospecto histórico do lugar ocupa-
tamos esse caderno, fruto de um dia muito espe- do pela Psicologia como cumplice da Educação em

Cadernos
cial, em que tivemos o privilégio de ouvir, debater, práticas que foram pouco a pouco sendo revistas e
compartilhar ideias e afetos numa parceria entre alteradas. Ressaltou a importância de Manoel José

Cadernos
o Núcleo de Educação e Medicalização do CRP SP do Bonfim, médico que abandonou a medicina, se
e o curso de Psicologia da Universidade Presbite- tornou professor catedrático de psicologia e peda-
riana Mackenzie, nesse que foi o VII Encontro de gogia da escola normal do Rio de Janeiro, trazendo
Psicologia e Educação do CRP SP. inovações e questionamentos à área, que origina-
ram a construção de uma nova psicologia.
Ouvimos e agora você poderá ler a fala en-
fática e emocionada do Prof. Marcos Vinicius, co- As falas foram permeadas de questões brilhan-
ordenador do curso de Psicologia, num desabafo, temente respondidas pelos palestrantes e a partici-
lamentando as injustiças dirigidas à memória do pação de estudantes e profissionais de psicologia e
grande educador Paulo Freire e convocando alunos educação que lotaram o auditório num sábado enso-
e profissionais presentes à participação na luta larado, revelaram que os temas e sobretudo as contri-
pela educação de qualidade. buições mútuas entre Psicologia e Educação são de
fundamental importância para a garantia de direitos
Marilene Proença, diretora do IP USP, membro
de todas as crianças e adolescentes brasileiros.
da diretoria da ABRAPEE e militante da Psicologia e
Educação nos apresentou com muita propriedade Os participantes tiveram ainda a oportunida-
elementos fundamentais sobre as Políticas Públicas de de compartilhar experiências nos vários grupos
de Educação, em especial as propostas de Projetos de discussão.
de Lei envolvendo os profissionais da Psicologia.
A conferência final realizada pelo Prof. Guil-
A Medicalização da Educação e seus efeitos lermo Arias Beatón, fechou com chave de ouro
perniciosos foram apontados com clareza, coerên- esse dia, explanando com maestria a respeito das
cia e crítica por Maria Rozineti Gonçalves, conse- contribuições da teoria Histórico-cultural à psico-
lheira do CRP. logia escolar e educacional.

A psicóloga Ione Aparecida Xavier compartilhou Que o rico conteúdo deste caderno continue
conosco as experiências vividas na cidade de Soroca- provocando reflexões aos que lá estiveram e a
ba em relação à inclusão de pessoas com deficiência. tantos quantos tiverem o privilégio de ler.

Mitsuko Aparecida Makino Antunes apresen- Boa leitura!


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VI Encontro de Psicólogas
da Área da Educação

Lilian Suzuki: Bom dia. Para dar início aos traba- cologia realizadas a cada três anos, quando são
lhos do dia, faço menção especial à professora aprovadas teses sobre a estrutura funcional dos
Roseli Fernandes Lins Caldas e destaco a total Conselhos e os princípios que norteiam suas ações
dedicação dela para que esse evento aconteces- quanto aos exercícios, a formação e a ética pro-
se. Professora, meu muito obrigada. Em nome do fissional. Deliberado no nono COREP – “Psicologia
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, no Cotidiano por uma sociedade mais democrática
eu agradeço a Universidade Mackenzie e mar- e igualitária”, que definiu as diretrizes políticas de
co a parceria com o curso de psicologia na figu- âmbito estadual na gestão 2016 a 2019, o obje-
ra do Marcos Vinícius de Araújo, coordenador do tivo estratégico desta ação é a ampliação da in-
curso. Marcos, muito obrigada. Também quero me serção social da psicologia. Na conjuntura atual,
antecipar e agradecer à secretaria e a equipe de com acontecimentos e as tragédias, como esta
eventos sempre minuciosamente preocupados das últimas semanas em Suzano, esta conjuntu-
com o cuidar e o sucesso das nossas ações. Aos ra atual tem revelado a importância de parcerias
intérpretes de libras – língua brasileira de sinais –, na construção de uma educação democrática e de
Renato Rodrigues e Eliana Muniz, muito obrigada qualidade para todas as crianças e jovens brasi-
pelo precioso trabalho de vocês. Para as pessoas leiros, considerando a relevância do diálogo entre
cegas e com baixa visão, nossos trabalhos serão psicologia e educação e o Núcleo de Educação e
aqui nessa mesa, ok? (Falo sem o microfone que Medicalização do Conselho Regional de Psicologia
é para direcionar de onde a gente está falando, de São Paulo, propõe parceria com a Associação
porque como a gente tem vários alto falantes, às Brasileira de Psicologia Escolar (ABRAPEE) e Uni-
vezes, o direcionamento da voz fica difícil). Aos versidade Presbiteriana Mackenzie, num encontro
componentes do NEM (Núcleo de Educação e Me- que possibilite a troca de concepções e práticas
dicalização), o qual, eu estou coordenando neste desses dois relevantes campos para que cada vez
fim de gestão, muitíssimo obrigada por cuidar e por menos a sociedade se veja afetada por proces-
toda a dedicação. Cada um de vocês tem fortes e sos medicalizantes que naturalizam problemas de
potentes marcas aqui nesta gestão e eu entendo ordem social, economia, política e institucional. O
que essas marcas transbordam as subssedes das evento discutirá aspectos históricos e a atuação
quais vocês se originam e as representações que da psicologia educacional e perspectivas futuras
fazem. Dando continuidade, reitero que o objetivo visando construir contribuições para a educação.
deste encontro é contribuir para as políticas pú- Assim, além das conferências haverá um espaço
blicas de forma a eliminar toda e qualquer forma de debates e discussões, mesas, rodas de conver-
de discriminação e preconceito, promovendo a sa, cujo os temas serão: Educação e políticas pú-
diversidade e enfrentando práticas patologizan- blicas, atuação do psicólogo na escola, inclusão na
tes e medicalizantes. Vale lembrar que as metas educação e medicalização, buscando enfrentar os
e formas de trabalhos do Conselho Federal (CFP) desafios contemporâneos. Isso vai acontecer no
e dos Conselhos Regionais (CRPs) são pautadas prédio 45. Todos devem assinar uma lista passan-
pelas deliberações do Congresso Nacional de Psi- do para que vocês possam se inscrever. Eu encerro
a minha fala marcando que este é o sexto encon- Eu preciso dizer para vocês que eu precisava en-
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tro de psicologia na área de educação, na história contrá-los aqui, é muito bom saber que nós te-
do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo mos disposição. A história não é escrita só pelos
sexta região. Bom trabalho a todos. Passo a pala- nossos momentos, ela é um processo, e o tempo
vra ao Prof. Marcos Vinicius, coordenador do curso histórico, eu ouso falar de história ao lado de uma
de Psicologia do Mackenzie. grande historiadora. Às vezes, a gente se angus-

e educação
tia porque a gente usa o nosso tempo cronológi-

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
Marcos Vinicius de Araújo: Bom dia a todos co e fala: “Puxa, mas as coisas não avançam,
e a todas. Em nome da Universidade Presbiteria- muda tão pouco”. Não, a gente tem que olhar na
na Mackenzie, eu saúdo a todos, desejo boas- perspectiva histórica e na perspectiva histórica

em psicologia
em emergências
vindas aqui no 6º Encontro Estadual de Psicolo- nós estamos fazendo muita coisa, vamos conti-
gia e Educação promovido pelo CRP São Paulo. nuar fazendo, vamos continuar lutando, a história
Aproveito para agradecer o convite ao Conselho, é feita de avanços e retrocessos, já, já a gente
na pessoa da Lilian. Conselho que tem sido par- inverte esse jogo, já, já a gente volta a construir

Práticas
ceiro nosso em várias questões, e mais do que uma sociedade mais justa, mais fraterna, de res-

Psicologia
isso, que tem tido um papel importante de nos fa- peito à diversidade, de respeito às diferenças. E
zer refletir sobre a prática profissional. Tenho dito digo isso para saudar um terceiro nome que vem
com muita frequência, foi uma conquista nossa. E sendo achincalhado na sociedade de uma forma
falo isso para contextualizar no momento históri- absolutamente injusta, porque infelizmente ele

CRP SPCRP SP
co em que nós estamos, é preciso sair de um mo- nunca foi devidamente respeitado no nosso sis-
delo punitivo para um modelo educativo. Eu acho tema educacional. Eu estou falando do eterno

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
que o Conselho tem tido um papel importante em mestre Paulo Freire. Conheci Paulo Freire quando
discutir práticas profissionais muito menos preo- eu era menino, tive oportunidade na época em

Temáticos
cupado em punir os seus profissionais e muito que ele foi secretário de educação em São Paulo,
mais preocupado em discutir a relação que a gen- e com ele eu entendi isso, que a gente tem que

Cadernos
te vai estabelecer com a sociedade, na qual esta- olhar na perspectiva histórica. Paulo Freire nos
mos inseridos. Não podemos nunca nos esquecer deixa em 1997 com o mesmo olhar que eu conhe-

Cadernos
que somos psicólogos aqui no Brasil, às vezes, a ci nos anos 80. Quem teve a honra de conhecê-lo,
gente perde essa perspectiva. Então é uma gran- sabe, ele conversava e o olhinho brilhava e ele
de honra estar ao lado de vocês aqui. Aproveito não parava de falar e de discutir suas ideias, por
para saudar a professora Roseli, mais do que uma quê? Porque ele entendeu o papel dele na socie-
das grandes responsáveis aqui pelo evento, é dade e na história. E isso eu faço questão de res-
uma companheira que está na luta aí pela educa- gatar isso, porque algumas pessoas, talvez por
ção há muito tempo, trabalho com ela há 20 anos ignorância, têm afirmado que a culpa dos proble-
e sei da seriedade do que ela faz nesse campo. É mas da educação é por conta de Paulo Freire, in-
uma grande amiga além de tudo. Uma grande felizmente não, eu queria poder criticar o que
honra estar com você aqui, Roseli. E peço licença Paulo Freire fez na educação, mas ele sempre foi
para saudar uma pessoa querida também, que é banido do nosso sistema educacional, ele sempre
a professora Susete, que trabalha conosco aqui. teve entradas marginais, porque a política oficial
Eu tenho um carinho muito grande, porque nós nunca autorizou Paulo Freire a discutir suas ideias
assumimos diversas funções, eu estou coordena- no campo da educação. E no momento em que a
dor no momento, mas a Suzete foi a minha super- educação se encontra (não vou nem entrar na
visora, a gente se encontrou em outros momen- questão das políticas educacionais atuais do
tos e agora nós somos parceiros aqui, colegas de MEC, porque não é o meu papel, eu não vim aqui
trabalho e é uma honra tê-la aqui. Não preparei fazer uma palestra, eu deveria só apenas estar
uma fala, mas eu gostaria de compartilhar algu- fazendo uma abertura), eu também resgato aqui
mas ideias com vocês. É uma alegria muito gran- Darci Ribeiro, para entendermos que a crise na
de reconhecer muitos dos que estão aqui. Muitos educação não é crise, é uma política de Estado.
foram os nossos alunos. Vê-los em evento de Psi- Essa crise não é acidental, essa crise é pensada,
cologia e Educação nos dá muita alegria, muitos ela é trabalhada, ela é construída e nós temos o
são colegas e parceiros na luta por uma educa- papel de combater esse tipo de educação que
ção democrática e de qualidade e encontrá-los vem sendo proposta. Nós temos o dever profis-
nesse momento em que a sociedade regrediu sional de retomar a agenda educacional em detri-
tanto em tão pouco tempo me energiza de novo. mento de uma agenda moral que vem sendo
construída na nossa sociedade. Nós temos o de- delo de política de psicologia escolar e educacio-
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ver de retomar a discussão da diversidade, que nal, que nós acreditamos, um modelo que vai mui-
nunca abandonamos, mas que a sociedade vem to além da nossa profissão. Acredito que
sendo induzida a fazer uma outra discussão, nós Guarulhos tenha sido um dos exemplos que mais
não vamos deixar que esses retrocessos se cris- caminhou para a transdisciplinaridade. Nós ainda
talizem. Eu acho que é nosso dever enquanto estamos no campo de discutir multiprofissionali-
profissionais da psicologia, enquanto educado- dade, lá foi para transprofissionalidade. Eu acho
res, discutir essas questões na sociedade. Se não que isso é importante nós registrarmos. A cidade
refletirmos sobre os processos históricos, eles de São Paulo ainda não tem a figura do psicólogo
tendem a se repetir. Qualquer semelhança com a em seu organograma do serviço público, e Guaru-
década de 1930, quando o nazifascismo se ins- lhos há décadas já pensava e discutia essa ques-
taurou, não é mera coincidência. A história vem se tão. Dito isso eu faço a leitura oficial aqui do seu
repetindo. Hitler também não chegou ao poder currículo. A professora Mitsuko Antunes possui
com um golpe, ele chegou através do voto tam- bacharelado, licenciatura e formação em psicolo-
bém, o golpe vem depois, mas o partido do Hitler gia, mestrado em Filosofia da Educação e douto-
tem quase 40% dos votos naquela eleição. Então rado em Psicologia Social. É professora titular do
não é um projeto de uma pessoa, é um projeto departamento de Fundamentos da Educação da
político de sociedade, no nosso caso, de uma ex- PUC São Paulo, atuando desde 92 no Programa
trema direita. Temos o dever de denunciar e re- de Estudos Pós-Graduados em Educação, Psico-
sistir a tudo isso. Concluo agradecendo a todos, logia da Educação. É professora colaboradora do
desejando um excelente dia de trabalho e peço programa de estudos pós-graduados em psicolo-
licença aos que discordam de mim, mas eu não gia social. Tem experiência na área de educação,
tenho feito nenhuma fala pública sem registrar com ênfase em psicologia da educação, pesqui-
que no dia sete de abril completará um ano da pri- sando e orientando pesquisas em: história da psi-
são política do maior líder que, na minha concep- cologia da educação, história da psicologia da
ção, nós tivemos aqui no Brasil, o Senhor Luiz Iná- educação no Brasil, identidade de educadores e
cio Lula da Silva. Respeito aqueles que não educandos com foco em inclusão educacional es-
concordam comigo, estou fazendo uma defesa colar, vice-líder do GP-CNPQ da PUC São Paulo.
aqui da democracia. Assim como o Temer nunca História da Psicologia. Integra, desde sua instala-
me representou, mas acho que nós temos que re- ção, o Núcleo Interinstitucional de Estudos e Pes-
fletir com carinho o estado judiciário que nós es- quisas em História da Psicologia, pertence ao
tamos implementando na nossa sociedade, me Programa de Estudos Pós-Graduados em Psico-
preocupa, inclusive, a recente prisão dele. Agora logia Social, com participação de integrantes dos
ter o maior líder um ano preso injustamente, na programas de educação, psicologia da educação
minha concepção, é bastante preocupante se e psicologia experimental da PUC São Paulo. Pro-
pensamos em um estado democrático de direito. fessora, a palavra é sua. Obrigado.
Excelente dia de trabalho a todos, sejam sempre
bem-vindos aqui e obrigado pela oportunidade de Mitsuko Antunes: Bom dia a todas e todos.
poder falar para vocês. Em fevereiro de 2020, o Eu sei que do ponto de vista gramatical isso não
nosso curso de Psicologia do Mackenzie comple- seria correto, mas a linguagem é política, então a
ta 30 anos, faremos uma festa comemorativa, es- todas, e todas primeiro e todos depois. Antes de
pero contar com a presença de todos aqui no co- mais nada eu queria agradecer muito esse convite
meço de 2020. Tenho aqui um minicurrículo da por vários motivos. De estar aqui de novo com a
professora Mitsuko Antunes, antes de ler o currí- Roseli, com o pessoal do Mackenzie, alunos que-
culo, eu estava falando aqui em particular que ela ridos. Inclusive, nós temos em nosso programa de
já veio algumas vezes ao Mackenzie conversar pós-graduação, na PUC, muitos alunos que vieram
conosco, e ela não tem a ideia da importância de do Mackenzie e eu queria dizer o seguinte: neste
seus textos têm na formação dos nossos alunos. momento as falas que eu ouvi dos nossos cole-
Muitos que estão aqui foram os nossos alunos, gas são extremamente importantes. O fato de
hoje são colegas de profissão, podem até não as- esse evento ser um evento do Conselho Regional
sociar o nome à pessoa, mas ela é uma das gran- de Psicologia aqui na Universidade Mackenzie e
des profissionais que discute história da psicolo- em uma parceria com a ABRAPEE não me permite
gia, que discute educação, sem falar de toda a entrar especificamente no tema para o qual eu fui
contribuição que ela deu para implementar o mo- convidada, sem dizer uma coisa. A realidade nunca
é um bloco monolítico, a sociedade é dinâmica, ela disso, porque as nossas entidades serão um chão
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tem vida e a realidade é sempre contraditória. Se importante para a resistência, principalmente
há momentos em que um dos elementos da con- quando a gente vê as pessoas falando da escola
tradição avança e fica mais forte, por outro lado sem partido, como se ela fosse alguma coisa posi-
não podemos esquecer que o outro, o par oposto tiva, quer dizer, qualquer pessoa que fale essa pró-
se fortalece neste momento. Este é o movimento pria expressão de uma maneira afirmativa, em pri-

e educação
da sociedade, essa é uma categoria fundamental meiro lugar, não sabe o que é educação, não sabe

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
da dialética e o que eu percebo muito claramente o que é humano, porque não existe escola sem
é que talvez nós estivéssemos muito tranquilos partido. Uma escola sem partido é uma escola de
como se estivéssemos em uma democracia. E a partido único, não sem partido. Ou então não pre-

em psicologia
em emergências
realidade nos impõe assim de uma maneira qua- cisam de seres humanos para fazer escola, po-
se que inesperada uma situação em que a gente nham máquinas para fazer, e mesmo as máquinas
vê o quanto a democracia, mesmo a democracia elas serão partidárias. Então eu acho que essa é
burguesa, o quanto ela é frágil. Nós não podemos uma questão, escola sem partido é um tema fun-

Práticas
deixar de ficar alertas. E nesse sentido algumas damental para nós psicólogos escolares trabalhar-

Psicologia
instâncias que para mim são fundamentais que mos. A outra coisa que eu quero dizer é a seguin-
sejam muito reforçadas neste momento. Entre te... Roseli, como eu fico feliz de estar aqui no Sexto
elas, estão as instâncias, as entidades represen- Encontro. A Roseli orientou uma pesquisa de inicia-
tativas da psicologia, mas não só da psicologia, a ção científica aqui no Mackenzie, do Eduardo Pra-

CRP SPCRP SP
gente já tem visto o pessoal da história, da edu- tes, que começa a pesquisa falando dos encontros
cação, a ANPED, mais especificamente, nós somos que ocorreram no começo da década de 1980, pri-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
da psicologia e neste momento nós temos que meiro, segundo e terceiro. Eduardo, colega de vo-
fortalecer a nossa entidade. Eu fico muito con- cês daqui, depois foi fazer o mestrado e ele apro-

Temáticos
tente de ver que nós estamos aqui. Várias pesso- fundou o estudo sobre esses três primeiros
as já devem ter recebido uma mensagem de um encontros pioneiros da psicologia e educação pelo

Cadernos
conjunto, de um coletivo importante da psicologia Conselho Regional de Psicologia. Eu sugiro a vocês
brasileira, assinando um manifesto para que a que leiam a dissertação de mestrado dele, porque

Cadernos
gente se una neste momento, que a gente tenha é muito bonita. Ele foi orientando da professora
uma pauta mínima, mas que a gente garanta que Maria do Carmo Guedes da psicologia social, ele
os nossos Conselhos, Conselho Federal, Conse- fez em psicologia social, e eu participei com a Ro-
lhos Regionais, sindicatos, FENAPS e mesmo as seli da banca dele. E é muito interessante, porque
nossas entidades, como a ABRAPEE, a ABRAPSO, o momento em que o Eduardo estudou esses en-
que elas permaneçam entre aquelas pessoas que contros foi o momento não parecido com o nosso,
lutam, que têm na democracia um valor univer- porque na década de 1980 já havia uma resistên-
sal e que consideram que fazer psicologia não é cia fortalecida e que começava a se tornar hege-
simplesmente fazer uma ciência molecular, pois a mônica entre aquelas pessoas que se comprome-
psicologia é uma ciência social fundamentalmen- tiam com uma realidade diferente, uma sociedade
te e não há nenhuma chance de compreendermos justa e igualitária. No entanto, os três encontros
quaisquer que sejam os fenômenos psicológicos, foram fundamentais para pensar em uma possibi-
senão os consideramos como sendo constituídos lidade diferente de sermos psicólogos escolares.
nas relações que os humanos estabelecem uns Eu vou abordar isso depois, mas aqueles encon-
com os outros. Portanto, o compromisso social é tros foram fantásticos. E eu me sinto assim muito
uma questão fundamental. Aquele manifesto pode feliz de estar neste encontro que é mais daquela
ser assinado por estudantes também? Pode. série pioneira. Gente, leiam o trabalho do Eduardo,
que é muito bonito. Eu insisto com ele, mas ele é
Interlocutor não identificado: Eu acho que sim.
teimoso, gente, acho que a Roseli também sofreu
Mitsuko Antunes: Seria muito legal que o com ele, que ele tinha que escrever um livro sobre
manifesto pudesse ser assinado por estudantes. isso, um pequeno livro. E é um colega de vocês.
Poderia até ter uma lista separada, porque os es- Bom, o tema é muito grande, desafios históricos. A
tudantes não poderão votar, mas eu acho que o gente começa pensando, primeiro, vocês vão ver
apoio dos estudantes vai ser fundamental para a que eu vou passar pela colônia, isso já é um erro.
gente. Assim, eu estou me dedicando não com Estas terras não começam com a chegada dos
tempo, com reuniões, mas em todo lugar que eu portugueses, no entanto, quando nós olhamos
vou e em todas as salas de aula eu tenho falado para essa plateia, nós não vemos aqui aqueles que
viviam nessa terra e não vou falar, donos, porque defensores dos direitos, não só dos nativos, mas
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para eles não existia propriedade privada, a terra também dos afrodescendentes, entre eles, não
não era deles, a terra era o meio de sobrevivência, posso deixar de falar em uma personagem que vo-
era a base material que dava, que se transformava cês devem ter estudado na literatura e nem ter
em cultura. Então, a gente sempre começa falando gostado tanto por causa do português, que foi Pa-
da colônia, no entanto, sempre lembrando que não dro Antônio Vieira. Padre Antônio Vieira, um jesuíta
é com a colônia que esse país começa. Mas o que português, que vai defender os judeus que são ex-
a gente vai encontrar na colônia. Primeiro, nosso terminados, primeiro na Espanha e depois Espa-
Manuel Bonfim. Alguém já ouviu falar de Manoel nha exige que Portugal também faça isso. E, no
José do Bonfim? Sergipano, médico? Quando aban- Brasil, especificamente ele vai fazer uma belíssima
dona a medicina se torna professor, se torna o ca- defesa de que os afrodescendentes são humanos
tedrático de psicologia e pedagogia da escola nor- sim e que um humano não poderia escravizar ou-
mal do Rio de Janeiro. Só que o Manoel Bonfim tros humanos. Padre Vieira, em função da defesa
escreveu obras sobre medicina, botânica, zoologia, de judeus que estavam sendo exterminados em
história, geografia, sociologia, psicologia, pedago- Portugal, cabe apontar que a relação, o extermínio
gia e, inclusive, livros didáticos de língua portugue- dos judeus e a expulsão dos judeus estava ligada
sa em coautoria com Olavo Bilac. Foi Manoel Bon- ao interesse de se apossar dos bens que eles ti-
fim quem defendeu uma aluna da escola normal do nham, entre outras coisas. O Padre Antônio Vieira
Rio de Janeiro, quando ela seria expulsa, porque então vai defender a humanidade dos afrodescen-
pegaram essa aluna com o grupinho de colegas dentes. Então, assim, é alguém que precisamos ler
lendo escondido um livro de poesias, o livro de po- com muito carinho e é interessante que em um dos
esias era do Olavo Bilac. E o Manoel Bonfim, coator textos do Padre Vieira, belíssimos, ele vai dizer o
depois com o Olavo Bilac de livros de língua portu- seguinte: que a confissão não é só um momento
guesa, defende, assim, de forma quase violenta em que as pessoas vão pedir a remissão dos pe-
essa aluna. Esta principal que era acusada, depois cados, mas que a confissão, muitas vezes, pode
se tornou conhecida, Cecília Meireles. Manoel Bon- ser um meio para a cura, agora usando a expres-
fim, para mim, ele é ainda o grande intérprete do são da época, para os males da alma, porque ten-
que foi o processo de colonização no Brasil, base- do alguém que escute os meus problemas, esse
ada na exploração e na espoliação das riquezas, falar e ser escutado por alguém que acolhe o meu
com a produção dos bens que optou pela mão de sofrimento é o remédio para alma. E nesse mo-
obra africana, no tráfico de seres humanos, de mento, ele estava quase que antecipando a defini-
pessoas que não eram consideradas humanas, ção da psicoterapia. Eu falo da colônia, sempre
claro que eles sabiam que eles eram humanos, para lembrar disso, nós não podemos fazer uma
mas isso fazia parte do argumento para poder es- história parcial, vejam, a imparcialidade não é neu-
cravizar essas pessoas. Aliás, eu tenho aprendido tralidade e não é sem partido, a parcialidade é a
com o pessoal do movimento negro, em não falar leitura que me permite perceber as diferentes po-
escravo, porque as pessoas não foram escravas, sições que existem em um dado momento. Então,
elas foram escravizadas. E a educação foi funda- assim, uma preocupação que eu sempre tenho é
mentalmente jesuítica, que era a base que existia de, ao fazer a leitura da história, procurar saber
na metrópole portuguesa, só que os jesuítas vêm quais são as forças que se opõem. E a gente en-
para cá com duas tarefas muito claras e distintas: contra isso na colônia, por isso eu lembro sempre
uma era para educar os filhos dos colonos, mas os do Padre Antônio Vieira, que por causa disso aca-
colonos pertencentes à fidalguia, por quê? Para ba sendo chamado, julgado e condenado pela in-
garantir que eles pudessem ter a formação aqui e quisição. E no fim desse período, a gente entrou no
depois ir para a Universidade de Coimbra. Esse foi século XIX. A Europa, nesse momento, em uma si-
o movimento muito claro. E para os nativos, a cate- tuação complicadíssima com o avanço das forças
quese. E todas as outras crianças fora da escola. napoleônicas e, em 1808, chegou a família real por-
Aliás, nós chegamos no começo do século XX com tuguesa no Brasil, pois Portugal seria invadido, na
cerca de 80% de analfabetos neste país, no entan- verdade, pelas forças napoleônicas, mas na verda-
to, sempre precisamos considerar que esta era a de o que se tem é que a Inglaterra exige que a cor-
função dos jesuítas que ficaram no Brasil até 1749, te portuguesa venha para o Brasil, porque com o
quando eles são expulsos de Portugal com as Re- bloqueio continental de Napoleão era necessário
formas Pombalinas, com o Iluminismo. No entanto, que houvesse portos que pudessem escoar o pro-
muitos desses jesuítas, aqui vivendo, se tornaram duto da Revolução Industrial inglesa. Então, não é
porque Napoleão invadiria Portugal, mas é porque colégio para os filhos da nata, para o topo da clas-
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a Inglaterra precisava dos portos brasileiros. E se dominante do século XIX. É muito recente a en-
quando Dom João Sexto aqui chegou, ele veio pri- trada de meninas, a permissão para a entrada de
meiro à Bahia, já é o fim do ano, e ele criou lá a meninas no Pedro II. Isso o diferenciava do restan-
Cátedra de Cirurgia da Bahia. Chegando ao Rio de te. O aluno, o menino que fazia o Pedro II podia in-
Janeiro, que seria a corte, ele criou a Cátedra de gressar imediatamente na Faculdade de Medicina

e educação
Medicina e Cirurgia, percebe a diferença? Rio de Ja- do Rio de Janeiro, da Bahia, nos cursos de direito

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
neiro seria a corte de medicina e cirurgia, que em que tinham muito mais valor inclusive que os de
1832 se tornou faculdade de medicina. É muito in- medicina, que seriam em Olinda, Recife e São Pau-
teressante, lembro sempre disso, que há um mate- lo. E a grande maioria, na verdade, ia para Coimbra.

em psicologia
em emergências
rial imenso para a gente estudar as relações entre Então, assim, é uma educação elitista, é propedêu-
os saberes psicológicos e a educação nessas te- tica, ela é voltada para o ingresso no ensino supe-
ses de medicina, muitas das quais tiveram como rior, masculina, privada e confessional. Meninas só
título a higiene escolar. E é muito interessante o terão escola, de fato, depois da virada do século.

Práticas
que essas teses dizem, por exemplo, eles estavam Até então, as mulheres estavam alijadas. Aquelas

Psicologia
preocupados com a prevenção, que é toda a base famílias mais arejadas tinham seus preceptores,
de uma medicina higienista que vai dar em um pen- na verdade, tinham as suas... vocês não conhecem
samento para além da medicina, que é o pensa- esse termo, suas amas, que eram governantas ale-
mento higienista brasileiro e que vai se constituir mãs solteiras que ensinavam francês para as me-

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no século XIX, e está absolutamente presente no ninas, mas com uma censura muito grande aos li-
século XXI. Eu vou dar um exemplo de uma ideia vros que elas liam, porque os livros, vocês sabem,

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
higienista do século XXI. Outro dia eu ouvi: “Não dá são muito perigosos, os livros são muito perigosos
mais para ir para o Guarujá. Agora pobre tem carro, mesmo. E esta é uma arma que eu quero ter nas

Temáticos
chega no domingo, desce para o Guarujá. Guarujá duas mãos, queria até ter mais mãos para tê-las. E
é só para quem tem casa em condomínio privado”, a gente vai ver então que para essas aulas avulsas

Cadernos
este é um pensamento tipicamente higienista. são contratados professores, provisionados para
“Gente, as companhias aéreas vão ter que ter clas- dar essas aulas avulsas nas suas próprias casas

Cadernos
se executiva nos voos domésticos, porque não dá ou vão ensinar nas casas das famílias. Mas, gente,
mais para sentar do lado dessa gente, daqui a quem tem acesso a isso? São os filhos homens
pouco eu sento do lado de alguém e vai ter uma das famílias abastadas, mulheres não tinham
galinha no colo”. Então este é o pensamento higie- acesso à educação e as camadas médias e princi-
nista, esse pensamento que de certa forma faz palmente os trabalhadores não tinham acesso à
parte de um conjunto de ideias que formam um educação. E quando se pensava na escola, mesmo
ideário fascista que nos traz à atual situação. En- para esses meninos da elite, voltando à questão
tão o pensamento higienista foi muito desenvolvi- das teses, se pensava em uma escola higiênica, é
do no século XIX no interior da medicina e teve o aquela que tinha que ter uma carteira que tivesse
impacto muito grande sobre o que se chamava na um ângulo de 90 graus para prevenir a escoliose,
época de alienismo, e esse alienismo, que mais tar- muitas de nós estudamos nesses tipos de cartei-
de vai ser chamado de psiquiatria, ele tem um im- ras. Eu sou do tempo do primário, eu fiz o meu pri-
pacto muito grande na visão que se tinha de esco- mário, ginásio, até o colegial, era umas carteiras
la. Só que a gente tem que lembrar o seguinte: que que a gente vê na rua Cardeal Arco Verde, naque-
escola? Quando os jesuítas foram expulsos do las lojas de móveis antigos. Eram carteiras que ti-
Brasil, alguns largaram a Companhia de Jesus e nham uma tampa que se levantava e quando nós
permaneceram aqui como preceptores nas fazen- chegávamos, a gente botava os cadernos ali den-
das das famílias ricas que continuaram dando au- tro, fechávamos a tampa. E era uma carteira que
las para os filhos dos ricos fazendeiros, dos lati- não permitia que a gente cruzasse as pernas, lem-
fundiários. Mas o que a gente vai ter é o fim de um bra disso? As pernas tinham que ficar paralelas. E
programa de ensino. Por mais criticados que pos- não tinha lugar para pôr as mãos, as mãos sempre
sam ser os jesuítas tinham um programa de ensino ficavam sobre a carteira, isso fazia parte da higie-
e nós vamos ter aulas avulsas com exceção do Co- ne escolar, sabe para quê? Para evitar o onanismo,
légio Pedro II. Em segundo lugar, os programas dos que é muito deletério para a saúde física e moral
jesuítas tinham um currículo estabelecido, um sis- das crianças, porque o onanismo pode provocar a
tema de avaliação, mas o Colégio Pedro II era um tísica, várias outras doenças e até a morte. Vocês
colégio especificamente para meninos e era um sabem o que é o onanismo? É a masturbação. En-
tão esse era um tópico do pensamento higiênico industrializado, porque nós erámos até então um
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que nasce no século XIX e vai perpassar o século país eminentemente agrário, a maior parte da po-
XX, hoje não se fala em ter aquelas carteiras para pulação estava no interior e começa um processo
prevenir o onanismo, mas há resistência em falar grande de urbanização, mas a industrialização pre-
de sexualidade, a expressão do afeto tem sido cri- cisa de uma força de trabalho que não se passa
minalizada, como tem sido criminalizada a ação diretamente da força de trabalho na terra para a
pedagógica de um professor. Não pense que uma força de trabalho na fábrica, a fábrica exige algu-
coisa é diferente da outra, elas fazem parte de mas coisas que as pessoas gostam de chamar de
uma mesma e única política que já está arraigada competências e habilidades, eu não faço parte do
neste país, há muito tempo. Por outro lado, nós va- grupo que assume esse tipo de teoria. Mas seriam
mos ter também no século XIX vozes que vão se competências e habilidades, ou seja, ler, escrever e
opor a isso, e é muito interessante que uma das contar, condições necessárias para poder formar a
vozes é o... agora eu esqueci o nome dele, ele é força de trabalho para o processo de industrializa-
muito estudado pela Nádia Rocha, nossa colega ção. Esse é um grupo que o Jorge Nagle vai chamar
de história da psicologia que estuda o século XIX. daqueles que aderem ao entusiasmo pela educa-
Enfim, ele tem uma belíssima obra condenando o ção, para fazer deste país um país moderno será
uso da palmatória e de qualquer forma de punição preciso pessoas que saibam ler, escrever e contar,
nas escolas, dizendo que a aprendizagem não e isso vai estar ligado à ideia de chamar uma peda-
ocorre com a punição. Então, ao longo do tempo se gogia também moderna, que vai ser a pedagogia
nós – temos um pensamento hegemônico, nós te- nova, o escolanovismo. E isso terá muito a ver com
mos também elementos de superação. Mas é a a base que deu a psicologia para nós, hoje, é nesse
partir do fim do século XIX que a gente vai ver um momento que a psicologia, considerada então uma
movimento profundo na relação entre psicologia e psicologia, ciência autônoma, ela entra no Brasil
educação, nesse momento já não se fala em sabe- chamada pelo escolanovismo, porque o escolano-
res psicológicos, mas a psicologia já é no mundo vismo vai dizer: interessa menos o conteúdo e
inteiro reconhecida como uma ciência autônoma, e mais o processo de ensino e aprendizagem, menos
daí estamos falando de história da psicologia mes- a sequência lógica dos conteúdos e mais o estágio
mo. E no Brasil não foi diferente. Nós temos, já nos de desenvolvimento de cada criança, menos a dis-
primeiros anos do século XX, a penetração aqui de ciplina e muito mais a relação professor e aluno.
muitas das ideias e de obras que já estavam sendo Quando nós pegamos tudo isso que a escola nova
produzidas na Europa naquele começo de século e considera como sendo aquilo que se contrapõe à
também nos Estados Unidos logo depois. Por escola tradicional, e mais, a escola nova sequer é
exemplo, já se criava na Suíça o Instituto Jean-Jac- vista como uma pedagogia científica, é necessário
ques Rousseau, que acolheu toda a pesquisa de buscar nas ciências a base para essa pedagogia,
Piaget. Tudo isso para dizer para vocês o seguinte: quando eu falo, ensino, aprendizagem, desenvolvi-
na virada do século, o Brasil almejava ser uma na- mento, respeito à personalidade da criança, rela-
ção moderna, uma nação... usando as expressões ção professor e aluno, qual é a ciência que pode
da época, uma nação à altura do século, e claro dar base para ela? É a psicologia. Esse é o momen-
que aí tinha um grande segmento das camadas to em que a psicologia ela ganha autonomia no
médias se opondo ao poder dos latifundiários do Brasil, é por dentro da educação, e nos anos se-
café, porque era a economia cafeeira que domina- guintes que essa psicologia vai se consolidar. Eu
va o Brasil e os interesses dos cafeicultores subju- gosto de falar de um trecho do Lourenço Filho em
gavam todos os outros interesses aos deles e isso um livro que é pedagógico, Introdução ao Estudo
leva a um movimento de intelectuais. As primeiras da Escola Nova no Brasil, em que, em um determi-
décadas do século XX são interessantíssimas, há nado momento do livro ele diz: “Há uma psicologia
uma profusão de ideias muito grande. E o que a que deve ser do domínio de todos os professores,
gente percebe aí é a defesa de que é preciso ex- mas há elementos desta ciência que deverão ser
pandir a educação, mais precisamente em escolas. específicos de um novo profissional, o psicologis-
E nós vamos ter um grande grupo e um grupo me- ta”. Então, em 1930, ele já anunciava aquilo, e todo
nor. O grande grupo é aquele que vai dizer: “Olha, esse momento de consolidação, que vai chegar em
este país é um país com 80% de analfabetos, nós 1962, não por acaso, o projeto de lei de 1958, que
não podemos, esse país não avançará, não estará não foi aprovado, e depois o de 1962, aprovado, a
à altura do século, não será um país moderno”, cla- lei 419, como é um projeto de lei, foi apresentada
ro que já havia um projeto societário de um Brasil por um deputado. Mas quem escreveu esse proje-
to de lei foi nada mais, nada menos do que o Lou- psicodiagnóstico, baseado em testes para dar o
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renço Filho que, em 1930, falou da existência de um laudo para que essas crianças fossem transferi-
profissional psicologista e que depois vai passar das para as escolas e classes especiais. E a psico-
para psicólogo, psychologist do inglês, e psycholo- logia voltada ao trabalho deveria, inclusive, ser re-
gue do francês. E até por conta da não aprovação, nomeada, porque não era uma psicologia do
em função da pressão dos médicos, algumas pala- trabalho, mas era uma psicologia do capital, nós

e educação
vras, algumas disciplinas do currículo obrigatório fazíamos recrutamento, nós, não porque eu não

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
tiveram os seus nomes mudados como um pacto fazia, nós tínhamos o nosso currículo de recruta-
para a profissão ser aprovada. E até então esse mento, seleção e treinamento de pessoal. E foi jus-
momento a psicologia estava muito presente na tamente porque isso aconteceu, quantos colegas

em psicologia
em emergências
orientação educacional. A clínica, no Brasil, ela nossos que se formaram na mesma turma não fi-
nasceu de uma demanda que vem da educação. caram na psicologia, pois o desemprego era altís-
No Rio de Janeiro, nós temos o Arthur Ramos no simo. E o que vai acontecer, isso não se dá sem, de
serviço de orientação infantil, que inaugura a clíni- novo, volto à contradição, à resistência. Isso ao

Práticas
ca no Rio, e que pertencia à diretoria de ensino do longo da Ditadura, no início, a resistência era me-

Psicologia
Rio de Janeiro. Em São Paulo, nós temos na década nor, mas ao longo do tempo essa resistência foi se
de 1940, Durval Marcondes, com o serviço de fortalecendo, e muito interessante porque talvez a
orientação infantil. Ambos, Durval Marcondes e Ar- principal resistência vai se dar de dois setores que
thur Ramos, médicos, mas também na diretoria de não estão separados, que é a educação, os psicó-

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ensino, ou seja, foram demandas da escola que logos escolares e o ensino, os professores de psi-
chamam esse serviço de orientação infantil. E uma cologia, ainda a pesquisa era muito insipiente que,

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outra experiência que também inaugura, e todas por sua vez, nessa ligação, começam a pensar em
elas no mesmo ano, 1946, que foi Madre Cristina, ganhar, eu não vou falar tomar, em ganhar as nos-

Temáticos
que cria a clínica que tem muito a ver com a forma- sas entidades e a primeira vai ser, de todas, a pri-
ção de todos nós, que é caracterizada como uma meira foi o Conselho Regional de Psicologia Sexta

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salinha que tinham algumas cadeiras para atender Região que pegava São Paulo e Mato Grosso, que
as crianças que as escolas mandavam, porque ti- ainda não tinha a divisão Mato Grosso e Mato

Cadernos
nham alguns problemas e elas não aprendiam. En- Grosso do Sul. E isso foi em 1980. Em 1981, nós
tão é um momento muito importante, para mim, é ganhamos o Sindicato de Psicólogos de São Paulo,
uma interpretação que a gente não pode abrir mão e a partir dessas duas entidades outros CRPs e
dela, porque a psicologia, inclusive nos campos depois o Conselho Federal de Psicologia, com a
tradicionais, como a clínica e o trabalho, ela se de- nossa querida e saudosa, grande psicóloga esco-
senvolve a partir da psicologia que nasce na edu- lar, que foi Ivone Cury. Essa foi uma das pioneiras
cação. Regulamentada a profissão em 1962, nós de uma psicologia escolar não clínica na prefeitura
chegamos logo depois, em 1964, primeiro de abril de São Paulo, de uma psicologia escolar compro-
de 1964. E essa psicologia que, em grande parte, metida, horizontalizada, ainda não trans, mas in-
vinha responder às demandas da população e ti- terdisciplinar, nós psicólogos para sermos psicólo-
nha um caráter praticamente público, ela é des- gos escolares, temos que trabalhar com os
montada com as políticas públicas em geral a par- pedagogos, mas quem vai ser psicólogo escolar
tir de 1964, é muito interessante porque o que se tem que conhecer a educação, nós temos que es-
fazia de psicologia neste país estava direta ou in- tudar educação, como os pedagogos estudam a
diretamente ligado a uma demanda pública, o psi- psicologia. E esse foi o trabalho da Ivone, não foi o
cólogo trabalhava para o serviço público. A partir único, mas o trabalho da Ivone Cury, que foi nossa
de 1964, o público simplesmente abre mão, abre presidente do federal. Foram momentos funda-
mão não, elimina tudo isso e os primeiros psicólo- mentais e essas nossas entidades, depois da cria-
gos formados nos anos de 1960 e 1970 vão ter ção da ABRAPSO (Associação Brasileira de Psico-
muitos problemas com o trabalho, por quê? Porque logia Social), mais tarde da ABRAPEE, foram
aqueles que demandavam o nosso trabalho já não importantíssimas, porque elas tinham um vínculo
demandam mais, então nós ficávamos à mercê do muito grande com as universidades, essas entida-
trabalho privado, que era muito restrito. Clínica des tiveram nas suas direções os nossos profes-
para poucos, psicologia escolar nas escolas parti- sores. E isso leva a uma mudança no ensino da
culares, tínhamos 30 psicólogos no DAE (Departa- psicologia, inclusive na defesa de uma psicologia
mento de Assistência ao Escolar) da Secretaria escolar. Mas de uma psicologia escolar que eu
Estadual de Educação, cuja única função era fazer gosto... Eu gosto de defender o seguinte: claro que
eu tenho uma abordagem teórica pela qual eu des, ela tem que entender o humano como um ser
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opto, mas, primeiro, a afirmação de que a psicolo- integral, isso é fundamental. E a arte faz parte da
gia tem efetivamente uma contribuição para a cultura que os humanos construíram ao longo da
educação, porque nós passamos os anos 60, 70, história e ela é o direito de todos. Só para dar um
80 pedindo desculpas por sermos psicólogas. Os exemplo eu falo da arte. Muito obrigada.
pedagogos não queriam a psicologia dentro da es-
Marcos Vinicius de Araújo: Imagina. Obriga-
cola, porque eles não queriam clínico dentro da es-
da, professora. Pessoal, nós temos uma limitação
cola e a crítica deles tem toda razão. Mas nós te-
de horário, mas eu acho que uma explanação des-
mos sim uma contribuição para dar, em primeiro
sa merece pelo menos umas duas ou três ques-
lugar, é assumir a horizontalidade, não a multipro-
tões. Quebrando todos os protocolos, vamos fazer
fissionalidade, mas a inter e a transdisciplinarida-
um bloco de duas ou três questões ou colocações
de. A adoção de teorias críticas. A minha não é a
e aí a professora comenta. Aí fazemos a questões
única que é crítica, eu tenho colegas de outras
e ela faz um fechamento rápido aí para a gente.
abordagens teóricas como, por exemplo, da feno-
menologia, colegas que fazem um trabalho fantás- Participante: Bom dia. Obrigado, professora,
tico. É a união indissolúvel entre teoria e prática pelo conhecimento que você nos cede nessa ma-
nesse trabalho coletivo interdisciplinar horizontal, nhã. Muito importante, eu acho que toda essa ex-
mas eu ainda penso mais, seria um pleonasmo di- planação histórica, a consistência e o vigor que nos
zer teoria crítica, teria que ser teoria forte, teoria traz, que nos nutri com todas essas informações.
forte significa uma teoria que tem explicitadas Eu gostaria de saber como nós conseguimos, além
suas fundamentações epistemológicas e metodo- de tratar isso com os psicólogos e de uma maneira
lógicas, que seja coerente com os procedimentos assim não só situacional com relação às questões
de pesquisa e que sejam críticas, porque a gente trágicas que têm acontecido na educação, mas
tem se deparado inclusive com teorias que estão também a questão da aprendizagem ou da própria
se tornando hegemônicas, por exemplo, hoje no clínica que se funda na educação. Mas como ter o
MEC, tem uma teoria da alfabetização que é base- acesso à comunicação dessa psicologia para a so-
ada em um ecletismo extremamente perigoso, por- ciedade? Não só em uma questão de saúde mental
que cita vários autores por quem temos respeito, frente a questões trágicas, caóticas ou de bullying,
diferentes áreas do conhecimento por quem te- aprendizado emergencial, “Chama o psicólogo”,
mos respeito. No entanto, ao assumir um ecletis- mas como nós podemos também, além de trazer
mo que soma alhos com bugalhos, nós corremos o os psicólogos para esses debates e essas trocas
risco de tomar como fundamento teórico algo que tão relevantes, mas também chegar à sociedade
é raso, superficial e que ao chegar no ser humano com menos psicologuês e com uma consistên-
real e concreto pode ter alguns resultados experi- cia de ter uma grande relevância de algo que nós
mentais, mas essa psicologia não toca naquilo que temos na escuta clínica e fazer com essa nossa
é fundamental e que eu só consigo quando tenho atuação tenha realmente esse reconhecimento no
uma teoria que, de fato, seja muito bem fundamen- sentido de ser conhecida efetivamente? Obrigado.
tada, tenha coerência interna e que a análise entre
Participante: Desculpa, eu estava com ver-
teoria e prática seja uma prática constante. Eu
gonha. Para mim não ficou muito claro interdiscipli-
acredito que nós temos muito, a psicologia tem
naridade e transdisciplinaridade, se puder falar um
muito a dar para a educação e mais, nós não preci-
pouquinho acho que ajuda. Obrigada.
samos buscar muito, muitas experiências exitosas.
Quero só para terminar dizer o seguinte: vocês têm Participante: Professora, bom dia. Eu gosta-
um professor aqui no Mackenzie, queridíssimo, que ria que a senhora explicasse um pouco melhor a
é o Robson, peçam para o Robson contar para vo- relação da psicologia com a escola nova, porque
cês qual era o lugar da arte e educação, especifica- a senhora comentou que a psicologia se fortalece
mente do teatro no projeto político pedagógico da no Brasil a partir da escola nova, mas pelo menos
Secretaria de Educação de Guarulhos entre 2002 e do meu ponto de vista, a escola nova, ao passar
2008, não era só teatro, era um projeto todo amar- do aspecto do conhecimento para o estudante, do
rado, todo articulado, cujo objetivo era: nós temos aspecto lógico para o psicológico, ela tira um pou-
que fazer uma educação humanizadora, igualitária, co da importância do conhecimento e aí enquanto
uma educação justa, e a partir daí o projeto político psicóloga eu acho que esse conhecimento é fun-
pedagógico foi construído. E uma educação huma- damental dentro da escola. Então eu gostaria que
nizadora não pode ser por competência e habilida- a senhora comentasse quando houve e se houve,
de fato, a desvinculação entre a psicologia e a es- humanas para criticar a física, é claro, mas isso não
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cola nova, porque hoje me parece que as perspec- está dentro do meu campo de transdisciplinarida-
tivas mais críticas em psicologia são críticas tam- de. A história está, a sociologia está, a antropolo-
bém às pedagogias escolanovistas. Obrigado. gia está, a política, econômica, é nesse sentido.

Mitsuko Antunes: Começando pela inter e Olha, a minha dissertação de mestrado é

e educação
trans. Claro que não há diferentes definições as uma crítica à escola nova. Eu fui orientanda do De-

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
que eu assumo, a multiprofissionalidade é a exis- merval Saviani no mestrado, então veja você que
tência de vários profissionais para darem conta de eu não faço parte daqueles que defendem esco-
alguma coisa e eu dou sempre o exemplo de uma la nova, mas a escola nova foi uma das principais

em psicologia
em emergências
cirurgia, tem o instrumentador, tem o enfermeiro e condições para que a psicologia então dita cientí-
tem o médico, precisa das várias profissões, mas fica penetrasse no Brasil e ela entrou pela mão dos
um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar, escolanovistas, não sem contradição. O Manoel
isso, na verdade, foi a tônica e em muitos lugares Bonfim vai trazer uma outra psicologia, tanto que

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continua sendo a tônica nos trabalhos na educa- o Manoel Bonfim viveu pouco tempo desse avan-

Psicologia
ção, por exemplo assim, eu sou a diretora, eu sou a ço do escolanovismo, mas ele tem um artigo mui-
coordenadora, você é professor, você é aluno, pai to pequenininho que ele escreveu no jornal que é
não entra aqui dentro. Então a interdisciplinarida- uma crítica à escola nova. Eu fico com o Demerval
de é quando esses diferentes, e daí assim, multi- Saviani e para mim, assim, agora é uma questão

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profissionalidade, que são diferentes profissões, pessoal, como pedagogia, a minha opção é a pe-
e aí inter e transdisciplinaridade, portanto, a gente dagogia histórico-crítica dos conteúdos, a minha

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já está falando não na atuação profissional e na concepção de educação é que a educação é para
delimitação profissional, mas do ponto de vista da todos e sua função é fundamentalmente humani-

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área de conhecimento. E a interdisciplinaridade, zadora, que é a de socialização dos saberes das
que na verdade ela teria, a transdisciplinaridade práticas que foram construídas pela humanidade

Cadernos
seria um contínuo e não algo que se opõe à inter. e que elas sejam acessíveis a todas as pessoas, e
A inter é quando se dá conta de que para poder não é só o conhecimento científico, mas são as ar-

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entender uma determinada delimitação da realida- tes, a filosofia. E, inclusive, não podemos, em uma
de eu não posso me limitar àquela, ou seja, eu não perspectiva transdisciplinar, deixar de reconhecer
posso ser psicólogo sem reconhecer as dimensões também uma das dimensões que fazem parte do
sociais, culturais, históricas, políticas, econômicas, humano, que é da transcendência, a espiritualida-
biológicas para poder entender. E isso é uma inter- de, tanto assim, nenhuma pesquisa minha deixa de
disciplinaridade que eu acho que de certa maneira perguntar sobre religião, eu não quero saber es-
os nossos currículos dão conta disso, apesar de o pecificamente, mas considerar que essa dimensão
aluno reclamar muito no primeiro ano “Mas para faz parte do humano, eu não entendo o outro se
que é que eu tenho que ter filosofia? Para que eu eu não entender isso. Então, do ponto de vista da
tenho que ter sociologia, antropologia?”, porém educação, a pedagogia histórico-crítica dos conte-
daqui a pouco você vai dizer: “Gente como a antro- údos da psicologia, a psicologia histórico-cultural
pologia foi importante para mim”. Agora transdisci- ou sócio histórica e, como fundamento disso, o
plinaridade é quando há um trânsito no interior de materialismo histórico-dialético. Então essa é a
outras disciplinas, como eu vejo isso? Eu estudo perspectiva, uma crítica à escola nova, por outro
história, eu sou psicóloga, mas para dar conta da lado, não podemos deixar de ser dialéticos na crí-
história da psicologia no Brasil eu entro dentro da tica à escola nova sem deixar de reconhecer mui-
história, do ponto de vista profissional eu sou psi- tos avanços que ela nos trouxe, então eu preciso
cóloga, não sou historiadora, mas para dar conta negar a escola nova como uma proposta burguesa
dessa minha psicologia eu vou ter que estudar não de uma burguesia já reacionária, porque as pes-
apenas como uma base, mas eu tenho que estu- soas dizem, a escola nova diz que a pedagogia
dar o que se produz em história do Brasil, então tradicional é medieval, ela não é medieval, ela é
eu transito, eu entro, eu invado a outra área. Então moderna. A pedagogia tradicional foi a pedago-
essa é a questão. E, assim, uma coisa engraçada, gia que foi defendida pela Revolução Francesa e
eu adoro física. Só para dar o exemplo que isso não é quando a burguesia não é a classe dominante,
é transdisciplinaridade. Eu não faço nada em física, mas é a classe que luta conta o bloco hegemôni-
claro que eu trago muitas das discussões da física co anterior. A escola tradicional é uma proposta da
para pensar questões metodológicas das ciências burguesia revolucionária, que ela própria depois
vai fazer a crítica à pedagogia que ela propôs com E daí não tinha ônibus para vir, quando eu cheguei
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a escola nova, mas aí já não é mais a burguesia aqui perdi a consulta e daí o outro médico falou
revolucionária, mas é a burguesia conservadora e que ia ver os meus exames e eu vou ter que fazer
reacionária que quer manter as coisas do jeito que uma cirurgia do coração de novo”, “Calma, o senhor
estavam. Então é isso, e como fundamento ma- já conversou com o médico que tipo de cirurgia vai
terialismo histórico e dialético. Claro que existem ser?”, “Eu já fiz uma cirurgia faz 17 anos”, eu falei
outras perspectivas, tem muitas coisas da escola para ele: “Olha, em 17 anos muita coisa mudou”,
nova que eu adoro. Eu comprei os blocos lógicos e eu conversando com ele, conversando e em
para a minha neta e eu compraria o material dou- nenhum momento eu me lembrei que eu era psi-
rado que foi bolado por Sagan e que foi largamente cóloga. E daí assim a minha mãe apareceu e nós
utilizado pela Montessori. Não nego, não podemos nos despedimos e ele botou a mão assim e falou:
negar isso sob o risco de rompermos com a funda- “Deus lhe pague. Olha, eu estou mais calmo, foi tão
mentação que a gente assume. Mas a escola nova bom conversar com a senhora” ou com você, não
foi uma escola que foi proposta para poucos, não sei, “... Que parecia até que eu estava conversando
foi uma escola igualitária pensando que todos os com as psicólogas daqui do Incor”. Eu fiquei com
humanos são iguais. Agora tem a dele, a sua. Você muita raiva de mim, eu falei: “Eu não sou psicóloga
sabe que teve uma época em que o Conselho fez quando eu estou com a minha mãe no hospital”, eu
uma campanha que era psicologia... a gente tinha não fiz como psicóloga, e aquilo assim no primei-
os adesivos no carro. ro momento, mas daí eu não consegui esquecer,
até a hora que eu tive um insight, eu falei: “Gente,
Não, mas não deu muito certo e eu tenho cá quando eu me formei, o Senhor João achava que
comigo uma questão que se desdobra em duas, a eu era agora médica de cabeça e esse homenzi-
primeira: o reconhecimento do psicólogo, da pro- nho tão parecido com o Senhor João, ele fala que
fissão de psicólogo pela população ele se dá com eu pareço com uma psicóloga daqui do hospital,
a prática do psicólogo. Cada psicólogo em contato este homem tem acesso ao trabalho de um psicó-
com qualquer demanda da população é ele quem logo, de uma psicóloga, mais do que isso, quando
vai fazer da psicologia uma profissão reconheci- ele me agradece e me diz: “Deus lhe pague e você
da e demandada. E eu me lembro quando eu me parece com a psicóloga, é como se eu tivesse con-
formei que o vizinho da minha mãe falou: “E agora, versado com a psicóloga daqui do Incor”, eu falo:
como eu tenho que te chamar?”, eu falei: “Como “Gente, esta psicóloga faz um trabalho que alivia o
assim?”, “Eu tenho que te chamar de doutora?”, eu sofrimento psíquico dele, ela faz um trabalho que
falei: “Que doutora o quê”, “Não, mas é que agora ele reconhece e agradece e diz para ela ‘Deus lhe
você é esse negócio de médica de cabeça”. Eu me pague’ também”.”Foi aí que eu criei aquele sexto
formei em 1978, esta era uma imagem, a psicologia período da psicologia, que não é mais o profissio-
era desconhecida, passam-se os anos e já estou nal, mas é o da ampliação dos campos de atuação
em 2000, para mim é um marco, como exemplo te- do psicólogo e o compromisso social, porque daí
mos a Mostra de Psicologia e Compromisso Social eu comecei a pensar, eu falei: “Gente, espera aí, a
com 10 mil trabalhos. Nesse mesmo ano minha psicologia do Judiciário que começou lá no finalzi-
mãe estava em tratamento, enfim, a gente estava nho da década de 1970, mas hoje é um cargo pú-
no Incor, e o médico levou a minha mãe para fazer blico e concursado. A psicologia comunitária que
não sei o quê, algum procedimento, e eu fico em se expande, por exemplo, para quem está traba-
um daqueles cubículos lá do Incor típicos e nada da lhando nas escolas, nos acampamentos do MST”.
minha mãe voltar. Daí o desespero já... já tinha pas- E daí eu fui me dando conta de uma psicologia do
sado por uma outra situação que ela foi fazer um trabalho que se compromete com o trabalhador,
cateterismo e não voltava, tinha tido uma parada por exemplo, o trabalho da Margarida que eu acho
cardíaca, comecei a entrar em desespero e daí co- que tem muito a ver com a Margarida, isso. E essa
mecei a andar pelos corredores procurando onde mostra, porque foi na mesma época, a mostra de
ela podia estar, e quase esbarro em um senhor psicologia e compromisso social com 10 mil traba-
que também estava com cara de desesperado. Eu lhos inscritos, e daí foi quando eu comecei a ver
gosto de contar essa história porque ela mudou a que nós estávamos já em um outro período da
minha vida, mudou muito da interpretação que eu história da psicologia. E voltando à tua pergunta.
tinha. E daí ele falou: “É, a senhora também está Para mim, o reconhecimento, o conhecimento da
com essa cara”, eu falei: “Mas o que aconteceu?”, profissão de psicólogo se dá, eu preferia que não,
ele: “Teve problema lá, moro...” e era muito longe, “... mas infelizmente eu tenho que dizer, logo quando
acontece o crime ambiental, eu não chamo de tra- e que a expansão delas é extremamente interes-
17
gédia ambiental, o crime ambiental de Brumadinho sante do ponto de vista econômico, até porque
e o assassinato e suicídio na escola de Suzano por elas são privadas, mas funcionam com parcerias
armas e a mídia não se preocupa em falar muito com o Estado, ou seja, é o dinheiro público que fi-
sobre como essas armas chegaram às mãos des- nancia essas clínicas particulares, privadas e que
ses meninos e o quanto eles estão ligados a sites, são altamente lucrativas. Então são coisas que a

e educação
a grupos, inclusive com pedofilia, a crime organi- gente precisa tomar muito cuidado. Não sei se te

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
zado, crime à milícia, quer dizer, o buraco é fundo, respondo. Obrigada pelas perguntas.
mas a gente não é bobinho para não saber o que
Marcos Vinicius de Araújo: Pessoal, agra-
está por trás. Logo no início de Brumadinho, a im-

em psicologia
decendo a professora Mitsuko. A gente não vai

em emergências
prensa diz que psicólogos de Belo Horizonte estão
terminar a discussão, ela vai continuar em outras
indo para Brumadinho para atender essas famílias.
instâncias, o pessoal do Conselho está aí para
A Secretária Estadual de Educação de São Paulo,
orientar. A gente encerra esse momento e parti-
uma das primeiras notícias é: “Já estão sendo en-

Práticas
mos para as demais atividades aqui propostas,
caminhados psicólogos para atender as famílias e
está bom? Obrigado e até mais tarde.

Psicologia
o coletivo da escola”, preferia que a gente não pre-
cisasse fazer isso, mas hoje em qualquer situação Roseli Fernandes Lins Caldas: Bom, quero
de tragédia, seja ela qual for, é texto da mídia dizer: começar dizendo da minha alegria deste evento,
“Olha, tem psicólogo lá”, isso me mostra que não de ter todos vocês aqui, desse auditório cheio, de

CRP SPCRP SP
há campo da vida social hoje que a psicologia não verdade, a psicologia e educação, aqueles que me
esteja presente e que ela não tenha algo a dar, e conhecem sabem que é a minha paixão. E sábado

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
isso para mim é muito, eu acho que é isso que mos- de manhã, dia de sol é tão bom ver tanta gente,
tra o trabalho que a gente realiza faz com que a tantos psicólogos, estudantes interessados nesse

Temáticos
população, as pessoas possam conhecer o nosso tema. E a minha alegria é porque eu aqui, de algu-
trabalho. Não é a propaganda, não é... mas é isso, ma forma, represento o Mackenzie e a ABRAPEE

Cadernos
é o contato do psicólogo para vir responder às de- e sou do núcleo de educação e medicalização do
mandas que as pessoas trazem. Nós somos hoje, CRP, então estarmos juntos tem um efeito muito

Cadernos
eu acho que essa posição do compromisso social grande para mim, considerando a relação que eu
é uma posição hegemônica na psicologia, mas não tenho com esses três espaços de discussão. Muito
sejamos ingênuos, não existe bloco monolítico, ao obrigada pela presença de todos. Quero incentivar
mesmo tempo que nós temos essa psicologia so- a todos a voltarem depois do almoço porque nós
cialmente comprometida a gente ainda tem focos vamos ter grupos de debate, espaços onde você
e que estão crescendo, que querem uma psicolo- poderá falar também, expor a sua opinião, dizer da
gia conservadora, antidemocrática e contra qual- sua experiência nesses quatro espaços que nós
quer ideia de justiça social. E esses grupos estão vamos ter. Vocês já se inscreveram, assinaram a
crescendo, se fortalecendo e, inclusive, são grupos lista? Então, incentivo a todos, às 13h30 a gente
que querem chegar ao Conselho Federal de Psico- vai voltar e depois do espaço de debates, uma
logia, aos Conselhos Regionais, às universidades, e palestra de encerramento importantíssima, inter-
são grupos, para mim, muito perigosos, envolvidos nacional com o professor Guilhermo Arias, da Uni-
em uma fachada de religiosidade, mas na verdade versidade de Havana, e vocês vão adorar ouvi-lo,
são grupos econômicos que têm interesses muito então não percam, está bom? Então agora eu vou
bem definidos. Acabar com a deliberação 101 de pedir que todos se acomodem e a gente vai ini-
1999 do Conselho Federal de Psicologia, que impe- ciar. Essa mesa vai contar com três participantes
de o psicólogo de tratar qualquer problema como e a ideia principal foi de que nós levantássemos a
doença, quando não é doença, então assim, isso temática das políticas públicas, que espaços es-
daí não tem nada de cura gay, temos que ler a deli- sas políticas podem afetar, alterar a atuação do
beração, isso está diretamente ligado a interesses psicólogo e nas demandas diferentes. Então, nós
de grupos de clínicas de tratamento que começa teremos três falas nessa direção. Então eu vou
com a questão de drogas, está no alcoolismo, e a começar na ordem que a gente decidiu, Marilene,
chamada cura gay. Eles estão desenvolvendo téc- Ione e Rose. Então eu vou começar, vou apresentar
nicas para pessoas trans e homossexuais e isso antes da fala de cada um. Vou começar apresen-
rende muito dinheiro. Há pessoas ligadas a deter- tando a professora Marilene Proença Rabelo de
minado grupo religioso que comprou uma imensa Souza, por quem eu tenho grande carinho, minha
rede dessas clínicas para dependentes de drogas amiga, foi minha orientadora no doutorado, a quem
eu devo muito, muito, quero te agradecer de verda- Então, nós tivemos um grupo de entidades muito
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de. A professora Marilene é professora, é pesqui- grande que propiciou a realização deste ano te-
sadora do Instituto de Psicologia da Universidade mático da educação e tudo que depois foi desen-
de São Paulo, atua na área de psicologia escolar volvido também nacionalmente sobre o trabalho
e educacional, é presidente anterior da ABRAPEE, do psicólogo, a atuação do psicólogo escolar na
que é a Associação Brasileira de Psicologia Esco- educação e fizemos três mostras de práticas de
lar e Educacional, membro do fórum sobre medi- psicologia em educação também aqui no estado
calização da educação e da sociedade, ocupa a de São Paulo. Então, eu acho que é um momento
cadeira número dois, Loureço Filho, da Academia muito feliz para nós de estar retomando este tra-
Paulista de Psicologia, é a diretora do IP, Instituto balho, de nós estarmos com essa casa cheia de
de Psicologia da USP. E uma honra muito grande jovens, de pessoas que estão interessadas na
ter você aqui com a gente, veio correndo de Bauru área ou que já trabalham na área, profissionais da
hoje cedo e chegou agora há pouquinho aqui para área, outros que estão namorando a área para
nos abrilhantar neste evento. Obrigada, Marilene. pensar uma possível atuação. Então dividir essa
mesa com a Ione, com a Rose, com a Roseli é uma
Marilene Proença: Bom dia a todas e a to- alegria muito grande. Bom, me coube fazer uma
dos aqui presentes. Eu é que agradeço esse con- fala introdutória sobre a questão das políticas
vite tão importante que congrega as entidades públicas e focar um pouco em um projeto de lei
que trabalham nesse campo da psicologia e da que é o projeto de lei que está tramitando nacio-
educação aqui no estado do São Paulo, Conselho nalmente para a atuação do psicólogo no campo
Regional de Psicologia, Associação Brasileira de da educação. Então, eu vou fazer um pouco essa
Psicologia Escolar e Educacional, o Mackenzie, fala e vou pedir para a Roseli, quando faltar uns
como uma instituição formadora que tem se dedi- cinco minutos, me avisar e controlar o tempo. En-
cado, por meio da professora Roseli Caldas, que tão, eu acho que é importante nós começarmos
também é outra incansável batalhadora e traba- pensando nesse conceito, quer dizer, o que são
lhadora da área da psicologia escolar, foi psicólo- políticas públicas? Nós falamos muito hoje sobre
ga escolar nessa instituição e é docente forma- isso, nós atuamos no campo das políticas públi-
dora há muitos anos. E também foi uma honra cas, quando nós vamos ver a atuação do psicólo-
para mim ter a oportunidade de orientar esse seu go, como muito bem disse a Mitsuko na última
trabalho de doutorado, ela sabe muito bem disso. resposta a uma pergunta da plateia, nós amplia-
Então eu acho que o Mackenzie tem sido uma mos muito o nosso trabalho, o nosso lugar, a nos-
instituição importante, parceira da área da psico- sa participação nessas políticas. E é importante
logia escolar. Nós fizemos dois congressos de que a gente sempre retome o conceito dessas
psicologia, nacionais de psicologia escolar aqui, e políticas. Política Pública é um conjunto de ações
um deles com a 37ª Conferência Internacional da coletivas voltadas para a garantia dos direitos
ISPA, que é a nossa entidade internacional da sociais, configurando um compromisso público
área da psicologia escolar, vários encontros da que visa dar conta de determinada demanda em
representação paulista, da ABRAPEE e hoje esta- diversas áreas. A política pública sempre está re-
mos fazendo este encontro de psicólogos e psi- lacionada com a questão da liberdade, da igual-
cólogas que atuam na educação. Eu acho que a dade, com o direito, ao direito à satisfação das
Mitsuko deve ter falado já disso, mas esses en- necessidades básicas como emprego, educação,
contros começaram em 1981, então nós estamos saúde, habitação, acesso à terra, meio ambiente,
aqui, estava conversando com a Rose que, na transporte, etc. Então, quando nós vamos falar
verdade, nós estamos no sétimo encontro, nós já de política pública, nós precisamos diferenciar de
fizemos seis encontros, esse é o nosso sétimo programa de governo, programas de governo não
encontro, depois vai ter mais um pauzinho ali no são as políticas públicas, mas muitas vezes os
nome do encontro, porque nós tivemos essa programas de governo se afastam desses princí-
oportunidade, de 1981 para cá, tivemos um tem- pios das políticas públicas. Então é muito impor-
po sem eventos, de 1984 a 1985 até 2007 e, em tante que a gente sempre recupere esse concei-
2007, nós retomamos com o ano temático da to, como psicólogos, que estamos defendendo os
educação, que foi um movimento muito grande do princípios dos direitos sociais, dos direitos huma-
sistema Conselhos de Psicologia com a ABRA- nos, do compromisso social da psicologia, então
PEE, com outras entidades, a ABEP, a entidade é importante que a gente sempre reitere de que
também de Emergências e Desastres, a AMPEP. política pública nós estamos falando. Nós esta-
mos falando de ações que são coletivas, que são psicologia tem pensado e trabalhado no campo
19
baseadas em direitos sociais, que vão trabalhar dos movimentos sociais e ao trabalhar nesse
com essa temática no campo das nossas ações campo, ela tem repensado as suas finalidades
sociais. As políticas públicas se manifestam por como ciência, como profissão, na direção dessa
meio de diretrizes, essas diretrizes, esses princí- perspectiva emancipatória no campo das políti-
pios norteadores da ação do poder público, re- cas públicas. Eu trouxe um quadro muito rapidi-

e educação
gras, procedimentos que vão direcionar qual é a nho para nós vermos o que é que nós conquista-

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
nossa relação, a relação entre o poder público e a mos nos últimos 30 anos, 40 anos no Brasil,
sociedade. As mediações entre atores da socie- porque nós sempre olhamos muito o que nós não
dade e do Estado, sempre esses dois grandes temos, o que falta, o que nós precisamos avançar,

em psicologia
em emergências
protagonistas estão presentes na política públi- mas é também muito importante nós olharmos o
ca, não é possível fazer a política pública sem a que é que nós conquistamos, o que é que nós
presença do Estado, não é possível o Estado fa- avançamos. Como é que nós chegamos até aqui
zer a política pública sem a presença da socieda- com muitas das questões que nós pudemos es-

Práticas
de, isso é fundamental na definição de política tabelecer no campo das políticas públicas. Então,

Psicologia
pública. São explicitadas, sistematizadas ou for- nós vamos ver que nós temos aí um ponto funda-
muladas de que forma? Em documentos que po- mental que vai se constituir pós Ditadura Civil Mi-
dem ser leis, programas, linhas de financiamento litar no Brasil, que vai terminar no início da década
que orientam ações que normalmente envolvem de 1980, nós vamos ter então um marco funda-

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aplicações de recursos públicos. Essa ideia que mental que foi a nova Constituição que vem no
se tenta vender na sociedade brasileira, latino- bojo da redemocratização do Estado brasileiro.

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Temáticos
americana, de que a política pública será mantida Essa Constituição, a nossa Carta Magna, que é
pelo setor privado é uma balela. A política pública, tida como uma Constituição, tem esse nome de

Temáticos
ela só consegue ser mantida com aplicações de Constituição Cidadã porque ela vai recuperar
recursos públicos, o setor privado pode colaborar todo esse conjunto de direitos sociais que nós

Cadernos
e deve colaborar nas políticas públicas, mas para hoje defendemos nas políticas públicas, a Consti-
nós estruturarmos políticas que, de fato, sejam tuição é que é esse marco fundamental para nós.

Cadernos
amplas, sejam para todos, sejam constitucionais, A luta antimanicomial é um outro marco funda-
nós vamos ter a presença fundamental do finan- mental no campo da psicologia, nós vamos discu-
ciamento público na política pública. Bom, do pon- tir as formas de atendimento e de compreensão
to de vista da política que avanços nós tivemos do sofrimento mental. A saúde mental e o SUS
no âmbito do nosso país em relação às políticas que vão se reformular e se transformar em políti-
públicas? Então, nós vamos ver que o papel dos ca nacional também em 1988. Então, vocês ve-
movimentos sociais no Brasil foi fundamental jam, entre 1987 e 1988, nós tivemos uma verda-
para o avanço dessas políticas, nós tivemos a deira revolução no país no sentido de nós
constituição de políticas em saúde, em educação, caminharmos na direção dos direitos humanos,
em direitos humanos, em direitos da criança e dos direitos sociais e da busca de políticas públi-
dos adolescentes, centradas na participação e na cas que respondam às necessidades da popula-
descentralização para os estados e municípios ção. Na década de 1990 nós começamos então
da realização dessas políticas. E nós tivemos, no com um investimento muito interessante no cam-
âmbito da psicologia, uma organização também po da educação, nós vamos ver criança e adoles-
da psicologia participando de muitos desses mo- cente transformados não mais em menores, ex-
vimentos sociais e trazendo finalidades emanci- pressão que hoje a gente ainda vê, outro dia eu
patórias e articuladas a esses movimentos para abri na página do UOL sobre o caso de Suzano,
o campo da psicologia. Então, quando nós abra- ainda tratam os meninos como menores, quer di-
çamos a resolução 01 de 99, 20 anos já, de 99, e zer a gente volta novamente a essa nomenclatu-
vamos trabalhar com esta resolução que trata da ra que desde 1990 foi abolida de todos os docu-
questão do atendimento das pessoas no nosso mentos públicos brasileiros. Nós aprovamos uma
país, nós estamos referendando um documento lei que se chama Estatuto da Criança e do Ado-
importantíssimo da Organização Mundial de Saú- lescente, essa lei de 1990, de julho de 1990, ela
de que vai trabalhar no campo da sociedade, reti- vai transformar o paradigma, até então existente
rando do conjunto de determinadas “doenças” na sociedade brasileira, sobre como olhar as
que eram fruto do preconceito social de uma cer- crianças mais pobres, as famílias que têm mais
ta época da sociedade. Então nós vemos que a dificuldade de criar seus filhos, a realidade social
dessas famílias e da sociedade brasileira. Nós va- mudar o nosso objeto de estudo, vão fazer uma
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mos ter no campo da educação um avanço impor- leitura crítica da psicologia escolar, vão introduzir
tantíssimo que a Rose vai estar, com certeza, as metodologias antropológicas de pesquisa, a
mencionando, baseado na declaração de Sala- gente não vai só falar da escola, a gente vai para
manca, o Brasil foi signatário da declaração da dentro da escola, a gente vai conhecer a escola, a
educação para todos, e na declaração de Sala- gente vai ouvir esses segmentos da escola, a for-
manca essa questão da inserção das pessoas mação de pesquisadores nos programas de pós-
com deficiência e com necessidades educativas graduação, tudo isso, nos últimos 30 anos, são
especiais na educação, a LDB de 96. Nós vamos fundamentais para a gente pensar em políticas
avançar no sentido de uma nova lei de diretrizes públicas. Nós nos organizamos política e cientifi-
e bases da educação, com todos os problemas, camente no Brasil por meio de muitas ações, en-
com todos os embates, com todas as críticas que tão a Associação Brasileira de Psicologia Escolar,
nós sabemos que existem em todas as legisla- realizou, entre 2008 e 2009, o ano da educação,
ções, mas são avanços importantes que nós te- que foi uma articulação entre todos os Conselhos
mos que considerar. E na década de 2000, tive- do Brasil para produzir uma proposta de atuação
mos uma série, eu só destaquei alguns pontos, o do psicólogo no campo da educação. Todos es-
Estatuto do Idoso, o Sistema Único de Assistên- ses documentos estão online à disposição de vo-
cia Social, o Estatuto da Juventude em 2013, o cês na página dos Conselhos Regionais, do Con-
Plano de Nacional de Educação em 2014, a Decla- selho Federal. Nós conseguimos em 2013 publicar
ração da Pessoa com Deficiência em 2016, vocês as nossas primeiras referências técnicas para
vejam que os avanços continuaram na década de atuação do psicólogo na área da educação, a
2000 em termos da instalação dessas políticas nossa área não tinha referências técnicas para
públicas. E a psicologia como é que ela tem parti- essa atuação. Então nós conseguimos, a partir
cipado dessas lutas sociais? A psicologia tem do ano da educação, construir os parâmetros
participado em várias instâncias, tanto como ci- dessas referências técnicas que foram oficial-
ência e como profissão. Nós temos construído mente lançadas em abril de 2013. Então, a nossa
referenciais críticos no campo da psicologia e no área hoje, como área, qualquer psicólogo que ve-
campo da educação, a psicologia escolar e edu- nha trabalhar em qualquer campo da educação
cacional, produzindo um conjunto enorme de tra- tem nas referências técnicas os seus princípios
balhos que vão repensar a nossa área, que vão ético-políticos para atuar neste campo. Então,
inserir esse psicólogo realmente na problemática acho que isso é muito importante, quais são os
educacional, pensando os contextos sociais, his- nossos princípios ético-políticos no campo da
tóricos, políticos, pedagógicos que estão na es- educação. E aqui eu trouxe um pouco das articu-
trutura e no funcionamento do que se chama de lações que as entidades de psicologia têm feito
fracasso escolar. Nós também nos organizamos hoje no Brasil, o Fórum das Entidades Nacionais
como psicólogos no nosso sistema Conselhos de com a ABEP, o Conselho Federal de Psicologia, os
Psicologia, nós nos organizamos nas nossas as- Conselhos Regionais, a Federação Nacional dos
sociações, ABRAPEE, ABRAPSO, ABEP, somos Psicólogos, a Associação Brasileira de Psicologia
mais de 40 associações de classe no Brasil. E nós Escolar Educacional, a Sociedade Brasileira de
nos organizamos no nosso Sindicato dos Psicólo- Progresso da Ciência, a ISPA – International Scho-
gos, quer dizer, nós temos um sistema de organi- ol Psyhology Association, a Sociedade Interame-
zação que vai se fortalecer também a partir na ricana de Psicologia, essas entidades são entida-
década de 1980 no momento dessa abertura po- des que nós todos, como psicólogos escolares,
lítica e de redemocratização do Estado. Também temos nos articulado nacionalmente e internacio-
nós vamos trabalhar em um sistema de organiza- nalmente, ou seja, nós temos dado uma priorida-
ção das entidades, entre elas, através do Fórum de muito grande ao nosso trabalho aqui no Brasil,
das Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira. mas sempre pensando na América Latina e pen-
E nós vamos nos articular com a América Latina sando nos nossos colegas de outros países que
por meio da ULAPSI, por meio da União Latino- também atuam neste campo. E mais recentemen-
Americana de Psicologia e por meio de trabalhos te nós temos atuado muito fortemente no campo
e de ações com países da língua portuguesa. En- das políticas públicas por meio de fórum, que é o
tão nós vamos ver que os estudos que foram fei- fórum sobre medicalização da educação e da so-
tos no campo da política educacional no Brasil ciedade. Bom, então todo esse universo de dis-
vão trazer elementos fundamentais para nós, vão cussões no campo da política pública tem trazido
uma série de desafios para nós neste campo, en- isso que essa discussão é difícil, é uma discussão
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tão nós temos ainda que trabalhar por muitos as- acalorada, é uma discussão de muitos anos, mas
pectos para que essas políticas, de fato, sejam é uma discussão que nós hoje nos sentimos mui-
efetivadas. Primeira coisa é lugar pela democrati- to mais fortalecidos em fazê-la, porque nós te-
zação do processo de elaboração e de implemen- mos os elementos para argumentar a favor da
tação das políticas, buscar estratégias de ação presença desse psicólogo no campo da educa-

e educação
visando à superação de explicações individuais ção. E nós temos definido basicamente dois gran-

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
para fenômenos educacionais, nós não podemos des eixos em que a psicologia escolar e educacio-
mais atender uma criança individualmente des- nal tem atuado nesse campo dos projetos de lei.
considerando qualquer contexto social que pro- O primeiro eixo é no sentido de projetos que ve-

em psicologia
em emergências
duza essa dificuldade que chega até nós como nham propor a atuação do psicólogo na educa-
psicólogos. Lutar pelo investimento em melhores ção básica dentro desses princípios ético-políti-
condições de estrutura e de trabalho dos educa- cos e projetos de lei que apresentem propostas
dores e dos psicólogos, buscar estratégias de de políticas inclusivas, não medicalizantes e pro-

Práticas
ação visando à superação da visão preconceituo- gressistas no campo da educação. Então, essas

Psicologia
sa que a gente ainda tem em relação às famílias duas frentes têm sido priorizadas por nós dentre
da classe popular, ao pobre e à pobreza. Traba- esse universo de situações que nós temos no
lhar pela continuação dessa articulação da psico- campo social. Eu vou falar só de um projeto de lei,
logia no campo das políticas públicas com outras porque nós temos vários, eu vou passar, esse é

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áreas através dos projetos políticos-pedagógi- um projeto que nós vamos trabalhar aqui no mu-
cos que nós identificamos no campo educacional nicípio de São Paulo, que dispõe sobre o apoio

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e compor com demais profissionais em políticas multidisciplinar às equipes docentes e gestoras
intersetoriais. Essas articulações para implemen- da rede municipal para garantir o direito à apren-

Temáticos
tação dessas políticas devem manter a participa- dizagem dos estudantes e dando outras provi-
ção dos psicólogos nas entidades da psicologia e dências. O projeto de lei 7081. Nós temos traba-

Cadernos
ampliar a articulação das entidades da psicologia lhado contrariamente a esse projeto juntamente
no campo educacional. Esse evento é um exem- com os fóruns de medicalização, despatologiza, o

Cadernos
plo dessa possibilidade de articulação, não é? E Conselho Federal de Psicologia, a Associação
houve anos de discussão e de trabalho conjunto Brasileira de Psicologia Escolar, enfim, as entida-
para que esse evento acontecesse. Então, eu des que têm trabalhado na direção de questionar
acho que essa ampliação é fundamental. Então esse tipo de projeto de lei barrando, trazendo os
quando nós pensamos nas políticas, nós temos, argumentos, trazendo os elementos. Esse proje-
além das políticas nesse amplo senso, nós temos to é de 2010 e continua tramitando. E o projeto
trabalhado também no campo das políticas públi- 3688 de 2000 que dispõe sobre o serviço de psi-
cas na área da educação para pensar a inserção cologia e de assistência social na educação bási-
da psicologia nesse campo a partir desses princí- ca. Esse projeto, em 2006, recebe um substituti-
pios ético-políticos que nós defendemos na área vo, que é um texto novo, ao projeto inicial e é esse
da psicologia escolar educacional. Então, por texto novo que agora está no plenário para vota-
isso, é que nós temos trabalhado sempre com o ção, no plenário da câmara dos deputados em
Conselho Federal de Psicologia, os Conselhos Re- Brasília. Então, ele é um projeto que essas entida-
gionais, a Associação Brasileira de Psicologia Es- des todas têm trabalhado e que tem basicamen-
colar, articulando com a Associação Brasileira de te três eixos: a constituição de uma equipe multi-
Ensino de Psicologia, com o Sindicato dos Psicó- profissional; considerar que o trabalho do
logos, por quê? Porque nós precisamos construir psicólogo deve ser um trabalho de promoção do
formas de inserção na sociedade que respondam desenvolvimento e da aprendizagem; e um tercei-
às demandas sociais dentro desses princípios ro ponto que é a de poder pensar que esse traba-
ético-políticos que as nossas referências técni- lho deve ser feito na articulação com os educado-
cas nos apresentam por meio dessa grande dis- res e com as secretarias de educação,
cussão nacional que nós temos da psicologia es- baseando-se nos projetos político-pedagógicos
colar educacional. Então, uma das frentes que tanto das secretarias quanto das próprias esco-
nós temos trabalhado para efetivar também essa las da sua região. Então, esses três eixos que
política, que é a frente da formalização da exis- compõem esse projeto de lei são, para nós, muito
tência desse trabalho do psicólogo na educação caros, é um texto muito curtinho que diz muita
por meio de determinadas políticas públicas, por coisa do que nós acreditamos que deva ser o tra-
balho do psicólogo no campo da educação. Então, Ione Xavier: Obrigada, Roseli. Bom dia a to-
22
acho que hoje à tarde vocês vão ter oportunidade dos. Quando me pediram para falar do tema, eu fi-
de discutir esses temas e aí, creio, que nos gru- quei pensando um pouco na nossa prática, como
pos também isso é possível de ser detalhado, que disse a Roseli, de que lugar eu falo, eu falo como
projetos são esses e como eles podem funcionar. gestora do Conselho Regional de Psicologia, parti-
E terminaria com uma frase do Paulo Freire que cipando de alguns núcleos do Conselho, partici-
gosto muito, em que ele diz: “Se a educação sozi- pando do núcleo da pessoa com deficiência, o que
nha não transforma a sociedade, sem ela, tam- é inédito nessa gestão, queria deixar isso bem evi-
pouco, a sociedade muda”. Então nós estamos dente na minha fala, porque já venho participando
implicados, compromissados com esse processo de outras gestões, mas a gente precisa enaltecer
de transformação social. Paulo Freire é um dos quando a coisa acontece e o Conselho de Psicolo-
nossos maiores educadores brasileiros, um dos gia tem tido esse olhar e a gente apoia bastante e
maiores filósofos da educação, um dos maiores estamos juntos para que todas essas políticas pú-
pensadores da nossa educação. Quem não leu blicas, como a Marilene colocou, de fato, aconte-
ainda o autor, leia, vá buscar seus livros, quase çam também para a população da pessoa com
sua obra inteira está online, com acesso aberto. deficiência. Eu também falo do lugar de formadora
Então, conheçam como o Paulo Freire pensa e universitária e falo isso porque também na minha
toda a importância da sua obra para nossa área, trajetória formei muitos psicólogos, psicólogas e
que nos inspira, nos inspira nesse compromisso algumas com deficiência, então isso também me
social e principalmente nos inspira na construção deixa muito à vontade para falar sobre o tema
de políticas públicas que venham responder ao hoje. A questão da deficiência é uma questão que
compromisso social da psicologia e a responder a me acompanha há mais de 30 anos fazendo traba-
esse compromisso ético-político da psicologia lhos voluntários. E eu fico feliz de estar aqui falan-
com o campo da educação. Então, é um recado do sobre esse tema hoje. Seria muito bom ter pes-
meio rápido, mas para a gente poder, pelo menos, soas com deficiência na plateia aqui. Quando a
ter alguns elementos também com o que Mitsuko gente fala, pelo menos quando eu falo de inclusão
já nos trouxe e que as colegas também vão trazer hoje em dia, eu gostaria de estar falando para uma
nas suas falas para que vocês possam fazer esse pessoa com deficiência, porque a gente fica muito
debate à tarde e nós fazemos encaminhamentos, solitário do lado de cá falando de uma realidade da
a partir desse evento, para as nossas ações no qual a gente precisa se aproximar, se aproximar de
campo das políticas públicas no estado de São fato. Então, a minha fala vai ser mais provocativa,
Paulo e, quiçá, nacionalmente. Muito obrigada. crítica, somos formados para isso e eu espero po-
der contemplar um pouco a expectativa de vocês,
Roseli Fernandes Lins Caldas: Muito obri- porque eu vou trazer um pouco de um momento
gada, professora Marilene Proença pela sua pa- histórico que eu pincelei e um pouco da prática que
lestra, pela sua palavra. E é pena, a gente tem a gente tem lá em Sorocaba a partir de rodas de
mesmo que dividir o tempo, a gente sempre quer conversa com psicólogos. Eu estou então falando
mais, mas é o que a gente vai conseguindo. E ago- um pouco desses desafios históricos, se a gente
ra nós vamos ter uma discussão sobre a inclusão pensar que há mais de 40 anos a ciência vai preco-
na educação, uma política pública que muito tem nizar fatores biológicos e psicológicos, vão intera-
preocupado e chamado os psicólogos, a educa- gir de modo complexo para produzir o que se me-
ção chama os psicólogos toda hora diante des- dia como QI nos seres humanos e com a
sa questão. E quem vai falar é a psicóloga Ione capacidade de aprender dos animais inferiores,
Aparecida Xavier. Ela é psicoterapeuta familiar, dos ratos, por exemplo. Eu trouxe esse slide para a
membro do núcleo de educação e medicalização gente contextualizar do ponto de vista histórico
do Conselho Regional de Psicologia do Estado de que Thompson e colaboradores, já nos Estados
São Paulo, CRP SP, membro do Conselho Munici- Unidos, vão falar em seus vários estudos que os
pal da Criança e do Adolescente de Sorocaba - ratos criados em ambientes complexos, eles saí-
São Paulo, vindo diretamente de Sorocaba para am-se bem melhor na aprendizagem de labirintos
cá hoje. Membro do Conselho Municipal da Pes- do que os ratos criados em convencionais gaiolas
soa com Deficiência. Ione tem tido uma atuação de laboratório. Naquela época já se sabia que o cé-
muito bonita lá na sua região nessa área, então rebro dos ratos criados em ambientes enriqueci-
é um prazer muito grande, muito obrigada por ter dos diferia dos ratos criados em condições empo-
vindo, Ione. Obrigada. brecidas. Na minha época, quando eu me formei, a
gente manuseava os ratinhos, agora parece que de dessas pessoas. Então, do ponto de vista his-
23
não se faz mais isso, a gente vai evoluindo inclusi- tórico, nós tivemos poucos avanços, se a gente for
ve nessa perspectiva. Mas, enfim, o que eu digo pensar nos países mais desenvolvidos em relação
aqui é que há mais de 40 anos a ciência vai preco- aos diagnósticos, cuidados educacionais e do
nizar como fatores biológicos, psicológicos intera- mundo do trabalho das pessoas com deficiência
giam de modo complexo para produzir QI nos seres em relação às garantias de direito pautadas nas

e educação
humanos e a capacidade de aprender dos animais leis locais. Então, atualmente a gente pode dizer

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
inferiores, no caso os ratos. São os norte-america- que muitos pesquisadores vão se apoiar em uma
nos então que vão se deparar com essa incógnita visão sócio histórica para entender como as pes-
do que eles denominavam aí de superdotados, soas com deficiência vivem, aprendem e avança-

em psicologia
em emergências
crianças que tinham QIs elevados e talentos mate- ram muito em suas pesquisas saindo de uma pers-
máticos incomuns. Isso era um desafio, eles não pectiva biológica para uma perspectiva social
tinham respostas para a época. As crianças, por interacionista, mas muitos casos ainda continuam
exemplo, nos estudos podiam dizer o dia da sema- sem respostas para essas questões mais antigas.

Práticas
na, o dia em que caiu aquele ano e tal, mas não Parece que sair dos laboratórios não foi suficiente,

Psicologia
sabiam somar, eles estavam falando dos superdo- quando a gente saiu dessa questão de manusear
tados nos seus estudos e não tinham explicação os ratos, a mera aproximação das pessoas com
para eles. Então, estudiosos antigos, de 1979, já deficiência também não foi suficiente. E entendo
alertavam naquela época para a necessidade de que a inclusão deva ser um tema constante em

CRP SPCRP SP
programas educacionais nos Estados Unidos vol- nossas leis, nas falas e nas nossas práticas princi-
tados mais para uma situação crítica de desafios, palmente socializadoras. Nós temos, eu acho, uma

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
pois eles contavam com os programas de trabalho, dívida muito grande com as pessoas com deficiên-
com crianças denominadas excepcionais em nível cia, temos que pedir perdão para essa categoria,

Temáticos
de escola de primeiro grau, mas não havia nada no porque nós estamos distantes delas mesmo. No
nível de escola secundária. Então, já questionavam Brasil, infelizmente essas discussões e desafios

Cadernos
que essas habilidades básicas para a criança para a ciência chegam dez anos após as discus-
aprender deveriam ser traduzidas em programas sões nos Estados Unidos, nós estamos muito

Cadernos
de educação vocacional e de carreira para ajudar atrasados. Os direitos das pessoas com deficiên-
indivíduos denominados de excepcionais na épo- cia são assegurados há 30 anos pelo artigo cinco
ca, para atuar no local de trabalho adulto. Então, da nossa Constituição Brasileira, que diz que: “To-
porque é que eu trouxe essa fala, apesar de anti- dos são iguais perante a lei, sem distinção de qual-
ga? Pensar na educação de uma forma ampla, quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
transformadora e humanista, eu acho que é mais estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
que necessário, principalmente nos dias de hoje, do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segu-
se a gente considera as pessoas com deficiência, rança e à propriedade, nos termos seguintes”, ou
as pessoas com deficiência que estão nas suas seja, homens e mulheres são todos iguais em obri-
famílias cujos os pais esperam que evoluam. Vocês gações, em termos da Constituição. Então, nós le-
que estão na universidade preparando-se para se- mos aí no artigo que é dever de todos, do Estado,
rem profissionais, provavelmente seus pais então da família, a questão da proteção da criança, asse-
felizes com vocês, a gente não pode dizer que isso gurando-lhe o seu desenvolvimento completo. En-
aconteça da mesma forma com as famílias que tendo que há uma ausência de política efetiva de
têm pessoas com deficiência, às vezes, o máximo educação, inclusive que priva os demais alunos, fu-
que elas conseguem é ir para a escola, um proces- turos adultos da sociedade de maneira geral de li-
so educacional de forma ampla, como profissio- dar com as diferenças, de viver a solidariedade, ou
nais transformando a sociedade talvez nem ocorra seja, no sentido de ajudar o outro em suas neces-
para essas pessoas. Então o Robs e colaborado- sidades específicas. O ensino inclusivo ajuda a so-
res viam as crianças denominadas, à época, como ciedade, de maneira geral, a mesclar, agregar e en-
excepcionais com pouca capacidade de serem in- tender com o convívio e afeto sobre os problemas
corporadas à sociedade, dadas as deficiências de da pessoa com deficiência. O artigo cinco vai falar
aprendizagem. Eles pautavam que as crianças se- que é dever do Estado a educação, efetivando as
riam beneficiadas se tivessem auxílio especializa- medidas de educação básica e atendimento edu-
do com um bom diagnóstico, isso só seria possível cacional especializado. E há também no inciso sete
se e quando houvesse verbas financeiras e pro- o atendimento ao educando em todas as etapas
gramas de tratamento para diminuir a necessida- de educação por meio de programas suplementa-
res, pensando em escola, transporte, assistência. recursos nessas instituições, que pagam muito
24
Com a pessoa com deficiência acho que falar de pouco. Então, a gente vai se deparando com a pre-
educação é falar nesse aspecto mais amplo, ela cariedade também da nossa categoria para lidar
não pode se educar se não tiver transporte, se não com o tema da inclusão. Uma das discussões que
tiver viabilidade de acessibilidade. Então, a per- a gente teve na roda de conversa é que essa pri-
gunta que eu entendo que a gente precisa fazer é: meira ajuda tinha que ser para os profissionais que
O Estado tem cumprido o seu dever? Em caso po- são diretamente ligados para a pessoa com defici-
sitivo, a escola tem interagido e preparado a pes- ência, para ajudar os pais e a sociedade a verem
soa com deficiência, garantindo-lhe um pleno de- as pessoas com deficiência como pessoas; ajudar
senvolvimento e preparação para um convívio os pais e a sociedade a confiarem no Estado em
social e de trabalho? Em caso negativo, como a fa- relação aos cuidados e a capacidade dos filhos
mília pode exercer esse seu dever com o Estado e com deficiência; ajudar o profissional e professor
em colaboração com a sociedade para garantir a da instituição a traduzir as suas percepções técni-
educação da pessoa com deficiência? Acho que cas e humanas sobre a pessoa com deficiência, e
essas são questões para nossa reflexão. Quando orientar quando apresenta um discurso mais cris-
a gente fala de inclusão, a gente está ainda enga- talizado do não saber em relação a essa pessoa;
tinhando, acho que as leis estão aí, estão aconte- ajudar o terapeuta a sair de sua tendência, a ex-
cendo, mas a gente precisa responder a muitas pectativa em relação à pessoa com deficiência
questões ainda. Como tenho pouco tempo, vou fa- quando percebe que ela não consegue fazer algu-
lar sobre a roda de conversa que tivemos em Soro- ma coisa. Então trabalhar também as expectativas
caba sobre pessoas com deficiência, com nove do psi no seu trabalho, foi uma outra questão im-
psicólogas participando. Então, aqui eu vou dizer portante. Bem, outra questão que gostaria de falar
que as discussões dessas psicólogas, que algu- é sobre as leis que temos em Sorocaba. As leis de
mas faziam parte da APAE de lá, é do desafio que controle social ainda são muito pequenas, muito
a nova gestão enfrenta para desconstruir um mo- poucas nos municípios, a gente tem uma em Soro-
delo assistencialista dessa escola, da APAE, que caba de acessibilidade, a gente ainda conta com a
passou para a sociedade, então uma delas dizia: LBI, mas a LBI é muito pouco conhecida, inclusive
“A APAE não é uma escola, ela é para a garantia de nos municípios. Então, acho que faz parte da nos-
direitos, reabilitar a saúde e educação”, tiveram sa meta de trabalho, de quem lida com a educação
que mudar a sua perspectiva de trabalho para en- conhecer as leis no seu município, inclusive aqui
tender as pessoas com deficiência. E, para elas, a em São Paulo, para que a gente possa mudar um
discussão entre profissionais envolvidos com a pouco essa realidade de exclusão, quando a gente
instituição é fundamental, pois o reflexo assisten- ainda não se depara com a pessoa com deficiência
cialista é muito marcante, o deficiente intelectual em todos os ambientes, podendo ir e vir como a
principalmente é tratado como incapaz ainda hoje. gente imagina que ela deva ir e vir.
Eu vou só falar de alguns aspectos que a gente
Roseli Fernandes Lins Caldas: Obrigada,
discutiu, porque pensando na LBI de 2005 também,
Ione. E agora a gente tem nossa última participan-
uma das discussões foi a de que a pessoa com de-
te dessa mesa que é a Maria Rozinete Gonçalves,
ficiência até essa lei ela não existia, a gente não
que carinhosamente a gente chama de Rozi. Ela é
pode falar que as pessoas existem se não são
vice-presidente do Conselho Regional de Psicolo-
consideradas nos planos de governo, nos progra-
gia do Estado de São Paulo, do CRP SP, psicóloga
mas de governo, com políticas efetivas que garan-
escolar, é docente do ensino superior, é doutoran-
tam a essas pessoas o acesso em todos os espa-
da da UNIFESP, membro do Grupo Interinstitucional
ços. Então muitos ainda com essa sensação de
Queixa Escolar e do fórum sobre medicalização da
que não existiam do ponto de vista da sociedade.
educação. Muito obrigada, Rozi, a palavra é sua.
As instituições ainda fazem algumas questões: o
que fazer com os que estão em idade avançada e Maria Rozineti Gonçalves: Olá, bom dia a
são os mais comprometidos cognitivamente? todas. Eu queria saber assim quantos daqui são
Onde inserir a pessoa com deficiência que não se estudantes, pessoas que estão em formação?
enquadra na LBI? Orientar, a partir da realidade da Por favor, levantem a mão. Bastante gente, que
família, elas tentam encaixar aí as suas horas de bom! Adoramos ver estudantes porque sabemos
trabalho com visitas para essa orientação, mas o quanto precisamos mobilizar de esforços para
tudo é um trabalho que elas fazem por conta pró- trabalhar o campo da educação. E os demais eu
pria. E lidar, inclusive, com a pressão de falta de entendo que são profissionais. É um prazer estar
aqui como representante do Conselho Regional gente está falando de processos de medicaliza-
25
de Psicologia de São Paulo, conselheira da atual ção também. Com relação a questões de parto,
gestão, aliás, desde a gestação passada colabo- sendo o Brasil um país dentre os recordistas em
radora. A Marilene é uma das responsáveis por cesariana o que nos faz deixar de lado a busca
me levar para o Conselho e com isso eu poder por um parto humanizado, um parto naturalizado?
contribuir com o campo da educação. Tenho sem- Vamos encontrando respostas que apontam para

e educação
pre trabalhado e pesquisado a intersecção edu- o fato de ser mais conveniente para o médico,

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
cação e saúde. Inicio minha fala apresentando mais conveniente para o hospital, além do que se
uma série de palavras que estão postas na nossa ganha mais nesses casos, sabemos de tudo isso
vida, termos como: hiperatividade, transtorno, Ri- e fazemos pseudo escolhas. Enfim, estamos fa-

em psicologia
em emergências
votril, diagnóstico, fracasso, queixa, síndrome, de- lando de processos de medicalização. Apresento
pressão, e acho que elas são importantes não só o conceito de medicalização, principalmente aos
porque a gente as vive, mas para que também fa- estudantes, embora a professora Roseli já traba-
çamos o questionamento da pertinência e das lhe com vocês, para que possamos pensar que,

Práticas
“verdades” estabelecidas com as pessoas com quando a gente tem processos que transformam

Psicologia
quem a gente convive, sempre colocando pontos as questões de ordem social, política, econômica
de interrogação. Muitas vezes elas não devem ser - marcadas pela cultura e pelo tempo histórico -
aceitas como verdades, mas a gente deve colocar em distúrbios, em transtornos, atribuindo à pes-
pontos de interrogação. Mas para que Rivotril? soa uma série de dificuldades que a inserem no

CRP SPCRP SP
Mas por que é tido como doença? Por exemplo, a campo das patologias, dos rótulos e da classifica-
dislexia, o TDAH. A gente sempre tem que colocar ção, estamos falando de medicalização da vida.

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
pontos de interrogação para entender por que é Sempre que olhamos por esse viés, de maneira
que a gente está falando de medicalização. Im- simplista, reducionista, linear, em certa medida

Temáticos
portante também pensar que esse processo está estamos culpabilizando o indivíduo e abandonan-
na vida. A Ione acabou de falar aqui das pessoas do premissas que contemplem visão multifaceta-

Cadernos
com deficiência e o que temos produzido a res- da e multideterminada dos fenômenos humanos
peito, eu mesma estou me aprofundando um pou- e sociais. E a culpa, às vezes, é uma culpa que

Cadernos
co no estudo agora no doutorado na questão da também alivia porque carrega direitos, então pre-
medicalização e aspectos da pessoa com a defi- ciso de diagnóstico de dislexia para entrar no AEE
ciência. E quando a gente faz o processo reducio- (atendimento educacional especializado), para a
nista de entender que ela precisa somente de re- professora poder oferecer um atendimento mais
abilitação, que ela precisa de uma escola focado às necessidades daquela criança. Pergun-
especializada, isto é um olhar medicalizante, pois to: mas isso não deveria valer para qualquer
estamos deixando de entender o outro na sua in- criança em processo de escolarização? Ao nos
teireza, facilmente naturalizamos os corpos e embasarmos nessa diretriz, que deturpa a finali-
produzimos discursos na lógica da corponormati- dade da escolarização, estamos falando então de
vidade, normatizar corpos e então vamos conser- processos que são patologizantes e medicalizan-
tar com infinitas sessões de fisioterapia e, enfim, tes, numa lógica centrada no adoecimento do in-
todos os processos desgastantes em busca do divíduo para o direito existir. Quando se fala em
ideal normativo. Não que não seja importante a medicalização é importante saber que a gente
fisioterapia, sim, é muito importante, mas reduzir não está falando de medicação, porque todos
a vida da pessoa ao processo de reabilitação é precisamos, a ciência avançou e tem hoje muitas
altamente restritivo. Destaco outros aspectos, formas de tratamento, de cura através da medi-
como quando encontramos jovens hoje de 16 cação, que são extremamente importantes, isso
anos, já muito focadas na busca de uma estética tem trazido, inclusive, perspectiva de longevidade
que responda a padrões da sociedade e a gente para as pessoas e com maior qualidade, isso é
naturaliza o processo, algo está errado, precisa- importante. A medicalização também se diferen-
mos questionar: o que tem produzido jovens com cia da medicamentalização ou farmacologização,
15 anos/16 anos terem desejos de colocar seios que são processos pautados no excesso de me-
bonitos para responderem a um padrão que é so- dicamento que a gente vê ao nosso redor, muita
cial? Eu nem estou falando em aspectos de saú- automedicação entre a população. Então, ainda
de, estou falando de estética, pura estética, por- que se tenha uma doença, muitas vezes, há o ex-
que tem que responder a um padrão de cesso. Penso ser importante relembrar um pouco
normatividade, de corpo “sarado”, nesse caso, a de Foucault que nos pauta que essa questão da
normalidade é uma condição discursiva, então se bem precocemente, um olhar construído cultural-
26
a gente está falando do lugar da medicalização mente sobre a infância. O diagnóstico transtorno
como algo que tem um discurso que busca a nor- bipolar na infância também está crescendo ab-
malidade, como uma régua, um parâmetro, não surdamente, segundo os padrões pautados na
podemos deixar de considerar que ela é uma con- medicina, assim como o déficit de atenção e hipe-
dição discursiva que está atravessada pelos con- ratividade. No campo da aprendizagem, dislexia,
dicionantes políticos, econômicos e sociais de discalculia, dislalia, disortografia, a gente tem
uma dada época, a nossa época. Depois eu vou todo os “dis”, dizendo que faltam nas crianças es-
aprofundar um pouco sobre os condicionantes sas condições. Ora, a educação e a escola não
que determinam o que é normal e o que é anor- estão para ensiná-las? Não está para ajudar e
mal, e que atuam determinando o que deve ser promover o processo de desenvolvimento huma-
feito com o diferente. Então isso é importante, no? E pensando em atenção, não se nasce com a
porque pensar que a gente põe a régua para en- atenção pronta, pois é uma função psicológica
tender que na métrica cabem alguns e não cabem que deve ser desenvolvida. Na escola em que eu
outros, e os que não cabem, muitas vezes, são os trabalho, preciso constantemente devolver o
tidos como diferentes e diferença entendida questionamento quando me perguntam “Por que
como menos, como desvalia, como falta, em rela- fulano não para quieto?”. Bom, reflito junto com o
ção à deficiência, mas não só. Há também outras professor sobre o que é que se tem feito no pro-
faltas, falta atenção, falta aprender, falta se com- cesso de educação e de escolarização para que a
portar, falta seguir regras e aí a gente vai cons- criança desenvolva essa capacidade? E ela vai
truindo a ideia de que sempre há algo que falta. desenvolver do jeito dela. Então, enfim, cada um
Pensando na questão entre o normal e o patoló- tem o seu jeito de chegar a um determinado lugar
gico, inclusive dessa régua normativa, a gente ou se desenvolver dentro de um processo, não dá
percebe uma significava relação com o campo da para ter aí a régua e medir igualmente a todos,
área médica, especialmente a Associação Ameri- desconsiderando as subjetividades. Nos estudos
cana de Psiquiatria, que vem produzindo o Manual é possível perceber que há uma prevalência nos
de Diagnósticos de Transtornos Mentais. Neste meninos, em situação de pobreza e criados em
parametrizador médico-psiquiátrico constata-se ambiente psicossocial adverso, é com isso a gen-
um exponencial crescimento dos diagnósticos. te então vai chegando - considerando os estudio-
Então se a gente passa de 130 diagnósticos em sos da psicologia escolar e educacional - e deline-
1952, e se chega aos parâmetros em vigor hoje, ando um determinado grupo, que é afetado.
com 446 diagnósticos em 991 páginas, ou seja, Pensando nos atravessamentos que têm o pro-
crescimento de 106 para 446 diagnósticos, nes- cesso, podemos destacar que há interesses eco-
ses anos de existência do manual, para mim é as- nômicos envolvidos, o marketing da doença, o lu-
sustador. Mas aí a gente pode dizer: “Bom, mas a cro da indústria farmacêutica, questões políticas
ciência avança, a gente está fazendo novas des- de controle social, então a quem serve controlar
cobertas”, pode ser uma explicação, mas não é a as formas e as expressões humanas? Também há
que acreditamos; a gente acredita, sim, que se questões ideológicas que estão postas nessa re-
tem caminhado na linha da normatização dos produção de um dado tipo de sujeito, a serviço de
comportamentos e das formas de ser humano, da um cientificismo, de um tecnicismo que também
expressão humana e, portanto, tudo que foge a vai fazer uma captura da forma de sermos hoje.
uma norma rigidamente construída, na maioria Importante falar um pouco sobre o expressivo au-
das vezes, vai ser categorizado como desvanta- mento de vendas de Concerta e Ritalina, dois me-
gem. Exemplo disso é esse transtorno disruptivo dicamentos para TDH à base do metilfenidato e
de desregulação de humor na infância, então se principalmente em crianças muito pequenas, dois
tem aí um transtorno recentemente criado que e três anos iniciando a vida já pela medicalizadas
vai categorizar a famosa birra infantil, determina- e medicadas. Vocês imaginam o que é uma vida
da a quantidade, regularidade, forma que a crian- psíquica que se desenvolve a partir do atravessa-
ça expressa o seu descontentamento, sua frus- mento de um jeito de ser que é o jeito de ser com-
tração. Todos nós estudamos na psicologia como posta pelo remédio, droga, que ele toma? É isso
a criança lida com a frustração, e a expressa de que a gente está fazendo. É preciso considerar
alguma forma. Caso seja considerada alteração nossa grande responsabilidade nessa atuação de
de humor, ela pode receber um diagnóstico, mes- desconstruir ou reforçar essas práticas medicali-
mo que tenha 3 anos de idade. Então isso é visto zantes/psicologizantes, principalmente porque se
recebe também nos nossos consultórios psicoló- questões que atravessam a escola que a psicólo-
27
gicos. Mostro aqui um dado de pesquisa do Servi- ga da educação precisa ajudar a pensar, como a
ço de Psicologia Escolar da USP, no qual aproxi- questão de gênero, a escola sem partido, a qual
madamente 70% dos encaminhamentos de ideologia ela serve? A questão da educação inclu-
crianças de 6 a 14 anos se originam na escola e siva e a questão da segurança nas escolas. A pró-
tem como base as queixas escolares. Então per- pria proposta discutida pela Ione da Política Na-

e educação
gunto: como que a gente tem trabalhado as quei- cional de Educação Especial na Perspectiva da

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
xas escolares? Ou seja, o psicólogo clínico tam- Educação Inclusiva está em revisão, não sei se
bém é um psicólogo que precisa entender do vocês sabem, encerrou essa semana a consulta
campo da educação, senão ele vai fazer um aten- pública. Ela retoma a questão a questão compor-

em psicologia
em emergências
dimento reducionista no seu processo de avalia- tamental, social, comunicacional e de linguagem
ção e tratamento. Também precisamos fazer per- como possível encaminhamento para o AE. E al-
guntas como: a quem interessa que o professor guns de nós estamos meio desesperados com
identifique e faça diagnósticos? Lembram daque- isso, querer voltar, retroceder e dizer que todos

Práticas
le quadro que apresentei? Enfim, a indústria far- são públicos da educação especial. Criança com

Psicologia
macêutica, controle social, a gente tem diversos déficit de atenção é público da educação espe-
fatores envolvidos. E por que é que a escola vem cial? E a gente sabe que isso, sem dúvida, pode
delegando as questões pedagógicas ao saber desencadear um retrocesso, primeiro que tam-
médico? É uma questão que a psicologia escolar bém deixa de atender corretamente ao público

CRP SPCRP SP
precisa ajudar a pensar. Muitas vezes, a forma que é realmente o público da educação especial e,
como a escola cumpre ou deixa de cumprir a sua segundo, porque vamos precisar de mais diag-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
função reverberará em encaminhamentos escola- nóstico para encaixar mais criança nesse público,
res. Destaco aqui a frase: “Essa ideologia privile- porque também tem duplo investimento, vocês

Temáticos
giada de explicação do fracasso escolar pela via sabem que as escolas também recebem duplo in-
da patologização da criança, localizando no indi- vestimento quando tem AEE. Enfim, há diversas

Cadernos
víduo, a dificuldade que lhe é praticamente impos- questões que precisam ser pensadas. E aí, assim,
ta por uma política educacional que insiste em eu faço um convite, quando a gente está no cam-

Cadernos
não vê-lo como cidadão”. É uma frase impactante po da educação, a gente é capaz de pensar de
e eu acho que a gente tem muito a pensar sobre forma sistêmica, nos fatores interdependentes
ela. A educação nem sempre considera o indiví- de um dado fenômeno? Então a psicóloga que
duo um cidadão, porque a educação também não atua neste contexto precisa compreender esses
está posta para promover um processo crítico do determinantes políticos, econômicos e sociais,
desenvolvimento humano, crítico e integral do de- precisa entender os sentidos, os significados, a
senvolvimento humano. E há dados impactantes cultura dos territórios, as representações sociais
sobre a educação, por exemplo, 50% dos alunos sobre o que é ser criança, o que é ser professor e
do ensino fundamental (1º ao 9º ano) não che- educador, o que é ser família, porque a gente sabe
gam ao ensino médio. A questão do analfabetis- as diversas leituras de família que é possível fa-
mo ainda está muito presente em nossa socieda- zer. Analisar e compreender as histórias contadas
de, não sabem ler, escrever com propriedade e e vividas pelas pessoas que compõem o campo
autonomia. Outros dados revelam o baixo desem- da educação, é preciso compreender a rede de
penho em áreas da aprendizagem, como a ques- proteção social da criança, o quanto ela está frá-
tão do domínio da leitura, da escrita e da mate- gil, o quanto ela não está suprida em suas neces-
mática. Esses dados vão sinalizando que há um sidades. É preciso pensar nos equipamentos dis-
tipo de educação, que está servindo a um tipo de poníveis àquela comunidade, pois a fragilidade
sociedade. O Ministério da Educação está conec- disso reverbera na criança e pode reverberar num
tado a diversos institutos, Itaú, a Fundação Ro- falso diagnóstico. Cabe compreender as ques-
berto Marinho, dentre outros. Aí a gente tem a tões vividas pela família, a concepção de criança
base nacional comum curricular que também foi daquela comunidade, ou seja, de que criança, de
construída conectada a muitos institutos, muitos que escola, de qual família estamos falando? Essa
deles de iniciativa privada, isso vai revelando leitura sistêmica se faz importante, para que pos-
como a iniciativa privada pauta a educação. En- samos sair das explicações lineares e simplistas
tão, por mais que a gente diga política pública, a de um processo. Como caminhar para um proces-
gente sabe que no fundo não é bem isso quando so desmedicalizado? Quando se consegue com-
a gente vai escarafunchar. E aí há muitas outras preender a diferença, a situação-problema atra-
vessada por fatores multideterminados, onde o cerçada na justiça social e na dignidade humana,
28
caminho não é um só, é diverso e envolve diversas conforme a Declaração dos Direitos Humanos e
pessoas. É necessário problematizar o sistema conforme o nosso Código de Ética Profissional do
escolar, refletir sobre a massificação dos sujeitos, Psicólogo. E, por fim, combater a padronização de
os processos de exclusão, a formação linear, a condutas, comportamentos, afetos, personalida-
fragmentação dos currículos, as pedagogias ul- des e valorizar as singularidades existências, as
trapassadas, a implantação autoritária de políti- experiências de vida e produções, considerando
cas educacionais, as falhas no funcionamento os marcadores de raça, etnia, pobreza, gênero.
escolar, a gestão centralizada e burocratizada, as Então se tem que pensar de quais crianças esta-
arquiteturas inadequadas e sucateadas, as aulas mos falando a partir desses marcadores. Explici-
inadequadas ao público que deseja atingir, etc. A tar criticamente a lógica da judicialização e do
maioria das professoras que trabalham com edu- dispositivo dos diagnósticos como instrumento
cação infantil tem queixas como: “É muita criança biopolítico de patologização e medicalização da
para a gente dar conta”, esta é uma realidade educação. Isso é um princípio fundamental, senão
cruel. Problematizar as expectativas que a escola a/o psicóloga/o é facilmente engolido pela máqui-
tem quanto à passividade dos adolescentes e na econômica, financeira e ideológica vigente.
das crianças, onde o corpo tem que ficar sentadi- Muito obrigada. Estou à disposição.
nho aí atrás da carteira, da mesa. Problematizar
Simone Simões: O meu nome é Simone Si-
as finalidades do ensino, ou seja, a serviço de
mões, eu sou estudante de psicologia, mas eu
quem e de que está a escola? O desrespeito crô-
venho de outras formações, eu sou fisiotera-
nico e o sucateamento da profissão docente. En-
peuta, formada em pedagogia, psicopedagogia e
tão a gente tem o governo municipal com a ques-
agora estudante de psicologia. E eu gostaria de
tão do SAMPAPREV e toda a manifestação
te perguntar o quanto a própria psicologia mais
ocorrida recentemente, e como que o governo li-
tecnicista, de medições de QI, de testagens, as
dou com isso? Como o prefeito lidou com aquilo?
neuropsicologias, o quanto tudo isso pode pre-
Mandando a polícia lá para silenciar e calar os
judicar a educação em vez de melhorar, ou seja,
professores. Então se pode perceber o lugar que
o quanto ela favorece a medicalização? Esse
os professores, nossos mestres, ocupam na nos-
processo inclusive de afastamento da criança
sa sociedade, de desvalorização, o que conse-
normal, entendeu? Da criança ativa para uma
quentemente reverbera no seu fazer educativo.
criança que é obrigada a entrar em uma norma e
Enfim, questionarmos os desmontes das políticas
ficar presa a uma medicação que vai fazê-la ficar
públicas e o desinvestimento financeiro de longas
sentada em uma cadeira.
décadas. Esse projeto de educação nomeado por
alguns de crise, mas é uma crise intencional, é Davi: Bom dia. Meu nome é Davi, sou psicó-
uma crise que ruma para outro lugar que, muito logo. Uma questão que eu acho relevante e que
provavelmente, é o da privatização do ensino pú- eu vejo sendo, por vezes, abarcada de uma ma-
blico, de retirada de direitos, mexer na educação neira um pouco mais superficial, até não sei se
que ainda é um campo mais protegido na questão por conta das nossas referências, mas até com
da privatização. Finalizando, cabe pensar alguns um olhar, dentro do que está acontecendo, do que
princípios envolvendo o psicólogo escolar educa- já foi feito, mas um olhar futuro, mas deixo e peço
cional, quanto ao seu compromisso ético-político, a gentileza de vocês trazerem informações com
citado por Marilene e Mitsuko. Pensamos que relação às mídias sociais, a questão da internet,
esse profissional deve contribuir para uma educa- o acesso que eles têm e que muitas vezes na
ção transformadora com vistas a uma sociedade sala de aula temos lá um livro amarelado. E como
menos pautada na cultura colonialista, patriarcal, acompanhar, como professores vão acompanhar,
machista, misógina, sexista, homofóbica, corpo- como psicólogos vão acompanhar essa galera aí
normativa e capacitista. O capacitismo, já citado tão cheia de informações, não necessariamente
na questão das habilidades e competências. E conteúdo, mas dessa diminuição até de repertó-
como fica a pessoa com deficiência? Se a gente rios. Então eu gostaria de saber de vocês como
puser essa métrica, eles estarão de fora, com cer- isso também está sendo estudado e visto por
teza. Outro princípio: Enfrentar e combater pre- vocês, um fenômeno tão hoje consistente e cada
conceitos, estigmas, discriminação, opressão, vez maior, a ponto de muitas pessoas não sabe-
violência, negligência, exploração cotidiana, rom- rem escrever, mas saberem abrir o joguinho e ou-
per a segregação na defesa de uma educação ali- tras coisas mais. Obrigado.
Eneida: Bom dia a todas e a todos. Eu sou de qualquer criança dentro ou fora da escola, pro-
29
Eneida, sou aluna de psicologia da UNICSUL e es- cessos educativos são promovidos pelas mídias
tou conhecendo agora muita coisa, mas todas as sociais, mas elas devem ser cuidadas. A gente
vezes que nós falamos de psicologia da educação precisa de um acompanhamento de perto desse
e educação, eu tenho visto o nosso foco sempre processo para que não se caia no uso exagera-
voltado para aprendizagem, para os processos de do, no uso excessivo, que substitua as relações

e educação
aprendizagem do aluno. Eu gostaria de saber o humanas que promovem aprendizagem. Como o

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
que é que tem sido feito, o que tem sido pensado ensino a distância, a gente tem lutado muito pelo
em relação ao professor, que é muito importante não avanço do ensino a distância no campo da
nesse cenário e como que a psicologia cuida de psicologia. É uma luta insana, a gente não sabe

em psicologia
em emergências
quem cuida, cuida de quem ensina, atua nessa por quanto tempo se conseguirá sustentar isso,
área. Está bom? Obrigada. enquanto Conselho Federal e todos os Conselhos
profissionais. Na área da saúde, a gente está con-
Maria Rozinete Gonçalves: Bom, pensar um
seguindo segurar, mas no ensino básico também

Práticas
pouco no que você trouxe. Brilhante sua formação,
houve com a nova regulamentação, que foi apro-
olha por muitos lados. Mas a gente tem sim acho

Psicologia
vada em dezembro, no ensino médio aumentou a
que pensar na história da psicologia, porque ela
questão do uso da tecnologia, no caso, o ensino
nasce com este olhar, a Ione trouxe aqui, a MIt-
a distância. Então eu vou pensando que a gente
suko também, nasce com esse olhar que é o olhar
precisa sempre pensar que assim como na própria
de identificar pontos, funcionamentos no indivíduo

CRP SPCRP SP
questão da doença, as neuroimagens têm avança-
e em uma perspectiva individualizada, uma pers-
do e trazido coisas importantes, no campo das ci-
pectiva naturalizada. E ainda a gente tem, embora

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
ências neurológicas. Também se a gente só usa o
haja muitos avanços, o próprio uso da avaliação
recurso tecnológico por “modismo”, se está caindo
psicológica está mais ampliado, hoje a gente sabe

Temáticos
no reducionismo, tecnicismo e deixando de pensar
que a avaliação psicológica está inclusive nas polí-
coisas importantes que têm que pensar com o que

Cadernos
ticas públicas, que ela não se dá mais só pelo teste
vem, com a tecnologia. A proposta que eu trou-
psicológico, que é apenas um instrumento, um ele-
xe, essa proposta ampliada e a proposta que foi

Cadernos
mento que compõe a avaliação psicológica, mas
trazida aqui de como a psicologia escolar e edu-
se a gente não cuida desse processo, é bem pos-
cacional se situa é o que estamos fazendo junto,
sível retroceder, porque escorregar para o campo
fazendo com, pensando com. Cabe fortalecer as
mais fácil é sempre fácil, escorrer pelo lugar de
respostas coletivas. A história da varinha mágica,
conforto, que às vezes é o apego ao lugar tecnicis-
de ir lá solucionar problemas, a gente não tem e
ta, a gente incorre sim em leituras que podem ser
por isso é necessário ser muito honesto e sincero,
medicalizantes. Então eu dei o exemplo do consul-
levamos a ciência psicológica para pensar sobre
tório, a minha é bastante difícil, quando, como psi-
um fenômeno que está posto e aí o outro pensa
cóloga educacional, convido os profissionais para
a partir de outro referencial, cada um pensa a par-
virem dialogar sobre a criança que estão atenden-
tir do seu referencial para construirmos os cami-
do e muitos deles se recusam, porque receberam
nhos que forem possíveis naquele contexto. Então
a demanda e se restringem ao consultório. Então,
eu diria que, para mim, isso é cuidar do professor
acho que até respondendo à terceira pergunta, a
também, sair da lógica também da Síndrome de
gente não cuida do professor assim, porque ele
Burnout como algo inerente ao professor adoeci-
está lá sozinho também, ele precisa de uma con-
do, porque ele está adoecendo, é fato. Por que ele
versa, de um diálogo ampliado, de uma compreen-
está adoecendo? Há diversos condicionantes do
são ampliada sobre o processo de aprendizagem
próprio exercício da sua profissão que precisam
daquela criança. Só para dizer que vou pensando
ser cuidados, precisam ser discutidos, debatidos
como você, a visão tecnicista ela descuida de mui-
pelo psicólogo, precisam ser visibilizados para a
tas coisas e desse modo, o campo da medicaliza-
sociedade, senão o foco fica no individual, diante
ção pode ser fortalecido, leituras medicalizantes e
dos problemas.
patologizantes das questões das crianças e dos
adolescentes nas escolas, fatalmente. A questão Ione Xavier: Eu fico pensando nas questões
das mídias sociais tem um papel importante, ine- que foram postas e da nossa responsabilidade
gável porque promove a aprendizagem, são instru- como categoria de olhar para essas questões,
mentos que promovem a aprendizagem que deve para o futuro. Eu acho que a questão do uso com-
ser sempre considerada no processo educativo putador, da internet está posta.
As novas gerações desde muito cedo já têm de avaliação, levando em conta exatamente essa
30
muita habilidade com os tablets, as crianças vêm ideia do contexto que produz essa criança que
vindo com um uso de tecnologia que a gente nem não aprende, essa criança que não lê, não escreve.
acompanha, eu digo a gente, da minha época. En- Quer dizer, há necessidade de percebermos que
tão acho que é um desafio para vocês que estão aquela demanda que chega ao psicólogo é uma
se formando pensar como é que vão estudar es- demanda que vai precisar ser entendida, porque
ses comportamentos e as reações desses com- ela traz, por trás dela, um universo de situações
portamentos também na área da educação. Eu que estão sendo vividas no contexto de escolari-
trouxe uma realidade de 40 anos e que já mudou zação dessa criança, então não dá para a gente
e entendo que daqui para frente muita coisa vai pensar a criança em si, mas nós temos que pensar
mudar nos próximos 40 anos, a gente só não pode essa criança no seu processo de escolarização e,
perder essa preocupação que a colega traz, de cui- portanto, envolvendo todas essas dimensões que
dar de quem cuida. Essa é uma prerrogativa da psi- Mitsuko também mencionou na fala dela, a dimen-
cologia, a gente viu essas questões de desastres são pedagógica, a dimensão institucional, das re-
que foram levantadas há pouco, a gente tem que lações que se estabelecem, das políticas educa-
pensar como cuidar dessas pessoas que ajudam cionais vigentes, como a gente produz diferenças
na transformação da sociedade e principalmente nas políticas que são implantadas, os programas
ajudá-las a enfrentar preconceitos. Já foram cita- que são implementados nas escolas. Então, esse
das aqui algumas resoluções sobre questões de é um questionamento muito importante que a psi-
sexualidade, a pessoa com deficiência. Então es- cologia escolar e educacional tem feito, há muita
sas são questões do humano que não mudam, não literatura construída, muita discussão nesse cam-
vão mudar, a minha experiência de 30 anos diz que po. E nós estamos sendo atropelados de uns anos
não vão mudar, daqui a 30, 40 anos, teremos ainda para cá por essa leitura simplificada do processo
pessoas preconceituosas, mas é um desafio para de escolarização que traduz, no comportamento
vocês que estão se formando pensarem em lidar da criança e na alfabetização somente dela, todo
com essas questões tornando as pessoas mais um quadro que é chamado de neurológico, de psi-
humanas possíveis. Acho que é isso. coneurológico. Então nós estamos restringindo
novamente as nossas interpretações no momento
Marilene Proença: Bom, acho que são três em que a psicologia já tinha ampliado toda essa
perguntas muito provocativas. Bom, com relação discussão e essa restrição vem muito forte das
à avaliação psicológica eu vejo que o sistema Con- áreas médicas que, por sinal, desconhecem a es-
selhos de Psicologia com as áreas que têm pen- cola. O médico não tem essa formação para estar
sado avaliação psicológica avançaram muito no na escola, para conhecer professores, conhecer a
sentido de contextualizar o processo de avaliação parte pedagógica, saber como a criança é alfabe-
psicológica e mostrar que a avaliação não é uma tizada, quais são os processos de escolarização
aplicação de uma escala, de um teste, mas é um que essa criança vive, não é a formação desse pro-
processo muito mais amplo e complexo que a psi- fissional, assim como não é a nossa formação dar
cologia tem diversos instrumentos, mas que é fun- remédios, fazer exames, verificar se as pessoas
damental que a gente explicite qual é a finalidade têm problemas no seu corpo, no seu funcionamen-
desse processo, porque é que nós estamos ava- to. Quer dizer, eu acho que está havendo assim um
liando, em que direção, em que sentido, com que atropelamento das áreas, uma inserção de áreas
referencial teórico, onde nós queremos chegar com que não têm conhecimento em outras áreas que
esse processo de avaliação. Toda essa discussão já acumularam conhecimento muito importante.
na área da avaliação psicológica começou no final Então, eu acho que é o momento de a gente dei-
da década de 1990, início de 2000, e nós temos xar mais claro isso nas nossas falas e nas nossas
uma resolução muito importante na psicologia que ações. Com relação à internet, às mídias, eu estive
vai ampliar esse conceito de avaliação psicológica. essa semana em uma banca de doutorado de um
Com isso, houve o ano temático da avaliação psi- colega da Universidade Estadual de Maringá, que
cológica, que vai discutir a questão da avaliação está produzindo uma tese sobre esse tema na ju-
psicológica e os direitos humanos, então amplian- ventude, e aí a gente estava discutindo isso, como
do mais ainda a compreensão desse processo de a gente sabe pouquíssimo ainda sobre esse uni-
avaliação. E no âmbito da nossa área, da psicolo- verso. A nossa psicologia, não sei se o professor
gia escolar e educacional, nós temos propostas Guilhermo vai concordar, mas eu acho que nós va-
interessantíssimas de repensar esse processo mos ter que revisar a nossa psicologia do desen-
volvimento, porque o que as crianças falam, o que temos, sei lá, mais de 500 trabalhos que são volta-
31
as crianças pensam, o que as crianças dizem hoje dos para a formação de professores nessa pers-
com dois, três ou quatro anos não está previsto pectiva. Mas nós realmente precisamos começar
nos nossos livros de psicologia do desenvolvimen- a sistematizar o nosso conhecimento, porque ele
to. Então é uma outra realidade que nós estamos é um conhecimento ainda local, é uma experiência
vendo na nossa sociedade, é um outro processo aqui, é outra ali, que são ótimas, importantes, pre-

e educação
de aprendizagem. Então nós vamos ter que rever cisam existir, mas nós já construímos o que a gen-

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
as nossas teorias, as nossas explicações, a nos- te chama de uma massa crítica, quer dizer, a gen-
sa maneira de interpretar esse desenvolvimento te já tem um conjunto de trabalhos hoje no Brasil
infantil que, hoje, ao verificar as diversidades que que merece esse lugar de reflexão para que esse

em psicologia
em emergências
nós vemos, muitas vezes, em vez de nós enten- conhecimento realmente possa ser sistematizado
dermos essa diversidade, nós transformamos em e se torne cada vez mais um instrumento para o
patologia “Ele não está na idade de fazer isso ain- nosso trabalho no campo da educação.
da, então já está ali no quadro do espectro autista,

Práticas
Roseli Fernandes Lins Caldas: Bem, mui-
no quadro de desenvolvimento de transtorno de
to obrigada a todos vocês por terem nos feito

Psicologia
déficit de atenção”. Por quê? Porque nós temos
pensar, não é assim? Levantando questões, re-
hoje crianças que nós não entendemos mais como
flexões, coisas que a gente sai daqui intrigado,
elas são e nós acabamos, por não entender como
que eu acho que é isso que é preciso para co-
elas são, por tentar classificá-las nas caixinhas
meçar a pensar ações, pensar soluções e resolu-

CRP SPCRP SP
que nós temos, a gavetinha do transtorno tal, do
ção para todas essas problemáticas levantadas
transtorno tal e do transtorno tal, quer dizer, isso é
por vocês pelas perguntas e aqui pelos nossos

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
muito simplicista. Nós precisamos ouvir a criança,
palestrantes. Bem, agora nós vamos para o in-
ver, observar, conversar, saber os interesses dela,
tervalo do almoço, mas antes eu queria dar só

Temáticos
o jovem é a mesma coisa, quando a gente vê esses
uma orientação. Nas salas 401, 402, 403 e 404,
atos de violência sendo produzidos na sociedade,

Cadernos
que vão funcionar aqueles quatro temas que nós
como nós vimos nessa semana passada em Suza-
temos, políticas públicas e educação, atuação do
no, a gente precisa entender esses segmentos que

Cadernos
psicólogo, inclusão na educação e medicalização.
nós não estamos entendendo. Então é um desafio
É importante lembrar que quando a gente faz
enorme para a psicologia, enorme, eu não tenho
uma roda de debate não haverá uma aula, será
resposta para sua pergunta, como alguém desta
um tempo de conversa, de discussão, de troca
área. E, por último, formação de professores. A psi-
de experiências, considerando que alguém vai
cologia escolar educacional no momento em que
fazer um relato disso, uma síntese, que isso nos
ela muda esse objeto de estudo, sai dessa visão
é encaminhado para levarmos daqui propostas,
individualizada da compreensão do problema de
questões que podem ser levantadas por cada um
escolarização para entender como se dá a produ-
de nós e levando alternativas de soluções para
ção desta criança que não aprende, que não está
tantas questões que nós temos levantado.
se beneficiando da escola, nós estamos necessa-
riamente inserindo os professores nesse proces- Maria Rozinete Gonçalves: Eu queria só
so, porque quem faz esse trabalho é o professor, aproveitar a oportunidade para dizer um pouqui-
não somos nós, não somos nós que vamos as- nho, talvez até a partir do que foi falado sobre o
sumir esse lugar, que vamos dizer: “Professor, faz fazer do psicólogo escolar e educacional, como ele
isso que é melhor, faz aquilo que é melhor”. Não, faz, trabalha, e dizer um pouco do Conselho Regio-
nós temos que pensar com ele que escola é essa nal de Psicologia, que a gente está bem próximo, os
que está sendo oferecida, quais são as dificulda- nossos pontos de atuação são com a sociedade.
des que estão sendo vividas nesse processo de Então no geral como a gente conta para a socieda-
escolarização, para que se busque superar essas de sobre o papel do psicólogo escolar educacional,
dificuldades. Então, no momento em que a psicolo- temos feito isso, diversos posts, diversas formas
gia escolar educacional muda o seu foco, ela con- de comunicação. A gente também tem feito par-
sidera o professor sobre outras bases e vai propor ticipações ou intervenções no campo legislativos,
uma série de trabalhos, de propostas muito inte- então esses projetos de leis que a Marilene falou,
ressantes. Fica aqui o desafio, quem sabe alguém o Conselho sempre está junto, o assunto direta-
queira fazer uma iniciação, uma especialização mente é educação, mas às vezes não, às vezes é
procurando levantar todos os textos que nós te- dos professores, fomos em audiência pública que
mos voltados para a formação de professores, nós era defesa dos professores. Então aí é cuidar do
professor um pouco no que você falou também. E ter um contato anterior com esse assunto e se
32
outros espaços propositivos de legislatura, espa- envolver nessa discussão desde os primeiros anos
ços de controle social, Fórum Municipal de Educa- de formação foi considerado pelo grupo um papel
ção, Fórum Estadual de Educação, lá a gente está importante da psicologia nas políticas públicas.
entendendo quais as demandas da educação.
Então, eu acho que é um pouco na linha do que a Rosangela Villar: Boa tarde. O meu grupo era
Marilene falou, o psiquiatra está entendendo tanto o que fazia a discussão sobre a questão da medi-
assim da escola? Ele pode dizer: “Bom, mas eu não calização. Bom, em função do tema, foi feita uma
preciso, eu tenho outra ciência”. Não há nenhum discussão bastante ampla e a gente teve muita di-
problema disso, desde que haja um trabalho inte- ficuldade em tirar propostas, porque eram muitas,
grado entre as diversas ciências, o que possibilita aí a gente conseguiu apontar quatro como sendo
ampliação na compreensão dos fenômenos. Nos necessárias. Trabalhar o olhar humano de uma for-
fóruns estaduais de educação, fórum municipais ma integral, intersetorial, sistêmica e desrotulan-
de educação, que são os órgãos de controle social, te, despatologizante, desmedicalizante, seria uma
Conselhos municipais de educação, estaduais, o coisa que a gente precisaria estar fazendo. E aí,
Conselho está junto. Sempre que fazemos even- ligado a isso, a importância da formação não só do
tos para a educação, a gente chama os educado- psicólogo, mas das diferentes profissões, porque
res para compor, para trazer a sua perspectiva de se a gente pensa que está trabalhando em um co-
trabalho e de presença ali. Fizemos também rodas letivo das linhas de cuidado, então a gente precisa
de conversas entre saúde, educação e assistência pensar na formação de todos os profissionais para
para cuidar da queixa escolar, indo nos CAPS, nos esse olhar dessa forma que foi abordada aqui. Au-
equipamentos dos CRAS, chamando os atores que mentar a criticidade da sociedade aos reais inte-
compõem para pensar a queixa escolar, como ela resses que estão por trás das políticas públicas,
circula, como ela é encaminhada e como ela pode que a gente colocou tudo, quer a gente goste delas
ser pensada a partir da ciência da psicologia. E, ou não, todas elas são da instituição. Então, assim,
enfim, fizemos também rodas com os próprios es- o que é que está por trás disso? Que a gente tenha
tudantes, principalmente na época das ocupações mais criticidade. E uma maior publicização, saben-
estudantis lá dentro dos Conselhos, os trouxemos do também que é difícil porque a mídia vende o que
para entendermos o que eles estavam falando, ela quer vender, o que interessa para ela, mas uma
para amparar melhor nas nossas ações, mas tam- maior divulgação desse olhar despatologizante e
bém para que eles pudessem compreender como desmedicalizante, porque ainda muita gente não
a psicologia está junto e não está cada um nos sabe o que é isso e por isso se deixa ser cuidada
seus espaços pensando de forma segmentada e de uma forma bem pouco singular.
fragmentada, a gente está junto. Só queria com-
João: Nosso grupo foi sobre a inclusão na
plementar isso. Obrigada.
educação. E a gente decidiu que os pais, com o
Lilian Suzuki: Muito obrigada a todos vocês. corpo docente, devem usar mais métodos prá-
Nós vamos ouvir então, as propostas que saíram ticos, inclusão de pessoas com deficiências na
dos grupos de discussão. “sociedade escolar”, optar por profissionais da
psicologia para a compreensão das pessoas da-
Participante: Boa tarde. O meu grupo temá-
quela instituição e respeitar o tempo das pessoas
tico era o de políticas públicas e psicologia. Depois
com deficiência, pois todos nós temos tempos di-
da discussão, o grupo sugeriu duas propostas
ferentes um do outro. E que toda a sociedade es-
para que nós encaminhemos a conversa sobre po-
colar deve se adaptar aos alunos que necessitam
líticas públicas na psicologia. A primeira proposta é
de atendimento especial para que eles possam
inclusão dos educadores nos nossos encontros e
entrar nesse meio social e devem trabalhar com
nas nossas conversas, assim como a inclusão dos
métodos diferentes que interagem com seus alu-
psicólogos nos encontros de educação por parte
nos para que todos possam se ajudar. Além disso,
da pedagogia, enfim, para que sejam estreitados
o Estado deve oferecer maior flexibilidade para
esses laços e que seja ampliado o diálogo entre
que a escola lide com a pessoa com deficiência e
ambas as partes. E a segunda proposta é a cons-
suas especificidades.
cientização e a mobilização dos estudantes de
psicologia sobre a questão das políticas públicas Participante: Boa tarde. O nosso grupo foi a
e a importância do papel e da participação do psi- atuação do psicólogo na escola. Foi muito boa a
cólogo na formação das políticas públicas. Então discussão, foi muito rica e a nossa proposta aqui
bate com o que a colega trouxe também sobre po- Guillermo de la Paz Arias Beatón: Bom, o
33
líticas públicas, que seria o estreitamento de rela- problema é que eu não falo bem português e não
ções e conhecimento, que haja maior interlocução tenho coragem de falá-lo, mas eu vou fazer uma
entre as áreas da psicologia e educação. Criação leitura devagarzinho.
de novos espaços e de mais espaços para que se
possa compartilhar as práticas que vêm sendo re- Vou tentar, se vocês me permitem, falar um

e educação
alizadas dentro das escolas. E uma ressalva, muito portunhol. Vou cometer muitos erros, mas acre-

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
bem lembrada pela professora Roseli, que é a va- dito que o que trarei contribuirá para uma me-
lorização do NAAPA, que a gente discutiu bastante lhor compreensão. E eu estou aqui durante todo
dentro do nosso grupo e o quanto esse projeto é o dia, não gosto, não gosto de fazer nenhuma

em psicologia
em emergências
importante, principalmente, para nós da cidade de palestra se não conheço o que se está falando
São Paulo. O NAAPA tem sido um dos poucos pro- e os problemas que acontecem. Há mais proble-
jetos que tem feito alguma coisa de fato relevante mas também em Cuba. Esse é o problema, que
dentro da escola. Então foram essas as propostas. não há solução à venda em nenhum shopping,

Práticas
em nenhuma loja que venda soluções para os
Lilian Suzuki: Muito obrigada. Acho que nós

Psicologia
problemas, essa é a dificuldade. Então, como os
tivemos uma boa experiência e temos tido boas
organizadores me pediram para falar a partir do
experiências nos grupos de discussão, nas rodas
enfoque histórico-cultural, eu vou falar de como
de discussão, nas rodas de conversa. E um pedi-
nós utilizamos o enfoque histórico-cultural para
do que vem acontecendo é que vocês, cada vez

CRP SPCRP SP
melhorar, não aperfeiçoar completamente, se-
mais, enquanto ouvintes, enquanto participantes
não melhorar a educação cubana, porque a edu-
tenham voz. E aí a gente tem pensado nesse for-

Cadernos Temáticos CRP SP

Temáticos
cação cubana é boa, é uma referência mundial,
mato e o primeiro convite que a gente tem para
mas ainda não é tão boa como poderia ser. Por
vocês é que nós teremos o XIV Congresso Nacio-

Temáticos
quê? Porque há problemas, há problemas econô-
nal de Psicologia Escolar – CONPE, vai acontecer
micos, há problemas de bloqueio, há problemas

Cadernos
em Campo Grande – Mato Grosso, de 28 a 31 de
de crises que produzem esses bloqueios que o
agosto de 2019. Então, é um convite para vocês
Brasil não conhece, não conhece esse bloqueio,

Cadernos
participarem enviando trabalhos, painéis, pois este
muitos poucos países no mundo conhecem isso.
também é um lugar de voz. No dia 11 de maio ha-
Eu tenho 71 anos e comecei a viver em bloqueio
verá uma amostra de práticas da psicologia, que
quando tinha 12 anos. Há mais de 50 anos que
é um espaço destinado a compartilharmos nossas
eu vivo em bloqueio, não sabem o que eu vivi
práticas em todos os campos, pensando em crian-
em um país bloqueado economicamente, isso dá
ça, adolescente, justiça, mas também e, principal-
muitos problemas, mas nós logramos, nós con-
mente, da educação, nós estaremos lá para falar
seguimos na década de 1970 e de 1980 aperfei-
desse campo da educação. Acho que as inscrições
çoar, melhorar a educação cubana. É sobre isso
abrem a partir do dia 30, inscrições de trabalho a
que vou falar e de algumas coisas a mais que
partir do dia 30, está bom? A gente vai agora então
estão relacionadas com o que falou aqui Mar-
para um outro momento, finalizando o nosso en-
cos, Mimi, Marilene, Roseli, Rozi e todos que me
contro de hoje quero agradecer desde já, Guilher-
antecederam. Eu acredito que tenha sido um
mo, muito obrigado pela sua presença, está bom?
evento muito bom. Eu conheço os problemas do
Estou entregando você para a Rô.
Brasil, hoje eu vi uma integração de problemas
Rosangela Villar: Para encerrarmos o nosso que me fez pensar em coisas que podemos qui-
dia que foi tão gostoso, com tantas coisas para çá fazer. Antes de falar, quero agradecer a pro-
a gente conversar, pensar e depois levar para a fessora Roseli, a Lilian, a Rozi e a todos quantos
casa para poder mastigar, digerir e pensar em têm contribuído convidando minha pessoa para
possibilidades de produzir mudanças, teremos estar aqui com vocês e compartilhar algumas
uma conferência da psicologia histórico-cultural de nossas ideias. Como colega estrangeiro não
e para isso eu vou apresentar o Guilhermo de La me compete fazer um discurso sobre os proble-
Paz Harias Beaton, psicólogo, doutor em peda- mas internos e atuais que acontecem no Bra-
gogia, master em psicodrama e processos gru- sil. E acredito que o povo brasileiro tem força
pais, professor titular e presidente de cátedra de suficiente para lutar e contribuir para resolver
Vygotski, da Faculdade de Psicologia da Universi- esses problemas. O mais que eu posso falar é
dade de Havana, professor colaborador do SEDEP que vocês podem contar comigo sempre para
Brasil. Vamos ouvi-lo. ajudá-los nessa honrosa missão, ou seja, bus-
car alternativas para resolver os problemas da um enfoque histórico-cultural. Também posso
34
educação que há no Brasil. Estimados colegas assinalar que a partir desses estudos e análises
e amigos, é um enorme prazer e uma honra para realizados, que os resultados obtidos demons-
mim ter essa oportunidade, primeiro porque me tram que não existe no mundo uma educação
permite ter uma troca de ideias e sonhos com de mais qualidade para todos, não é devido às
vocês e, segundo, porque posso falar da teoria, ideias e às aplicações pedagógicas e psicoló-
do enfoque histórico-cultural que se constituiu, gicas que não se permite organizar vários sis-
para mim, em um referente e excepcional em temas educacionais que eliminem ao máximo
minha formação como psicólogo na década de possível o fracasso escolar e a reprodução de
1960 e mais tarde no ano 1991 nas fontes teóri- analfabetismo. Vocês compreendem essa ideia?
cas e metodológicas das propostas que realizei Ou seja, a pedagogia e a psicologia estão dota-
desde a psicologia para contribuir para melhorar das, apesar dos erros e da insuficiência de co-
a educação cubana, que com o tempo se consti- nhecimento necessário para ser sistemas edu-
tuiu em uma referência mundial. cacionais muito mais eficientes do que existem
no mundo. Estou convencido de que essa falta
Este trabalho gigantesco realizado por
de qualidade na educação é um produto de pro-
centros de pedagogos, psicólogos, especia-
blemas políticos e ideológicos e uma das razões
listas de disciplinas, maestros e professores,
de estarmos vivendo tantos desassossegos.
não diretores de orquestras, maestros de aula,
médicos, linguistas, funcionários e políticos, se Desassossegos e infortúnios nas socieda-
constitui em um dos exemplos de quanto se des modernas, ou seja, o problema é um proble-
pode fazer no mundo para organizar a educa- ma político, não é, para mim, um problema cientí-
ção que o ser humano necessita e merece. Ela fico e nem profissional. Em nosso caso, se pode
demonstrou, com o tempo, que se pode eliminar afirmar que a teoria do enfoque histórico-cultu-
o fracasso escolar. O fracasso escolar de Cuba ral pode ser uma coincidência de critérios e pon-
é de 2%, 3% das crianças que ingressam no pri- tos de vista em diferentes aspectos do trabalho
meiro grau, e essa porcentagem não é de pes- educativo, pedagógico e psicológico com o pen-
soas analfabetas. As pessoas têm entre a séti- samento pedagógico e educativo cubano do sé-
ma e oitava série de escolaridade. Não se pode culo XIX. Ou seja, não são aplicados pensamen-
afirmar, não obstante as conquistas alcançadas, tos de ciclo de ensino. O enfoque
que o processo tenha sido perfeito, muitos in- histórico-cultural nos permitiu fazer o melhor, só
convenientes e problemas que são produzidos isso. Há outras hipóteses que estou confirman-
por 50 anos, não obstante, onde se mantêm as do em estudos atuais, com o pensamento edu-
condições essenciais que permitem que sigam cacional pedagógico e psicológico mais avança-
cumprindo de forma satisfatória e com qualida- do, que se produz na América Latina e no Caribe
de o trabalho educacional. A teoria histórico-cul- e que deveria ser projeto de estudo da psicolo-
tural se introduz mais plena e integralmente na gia em todo o nosso continente. A professora
educação inicial e pré-escolar, ou seja, na edu- Mitsuko falou sobre isso também e ela concorda
cação infantil, na educação especial e, em parte, com essa ideia que eu estou propondo. Por que
na educação primária ou fundamental. Ou seja, insisto nisso? Porque creio que tenhamos que
nós incluímos a teoria histórico-cultural em todo reconstruir a nossa história, um povo, um conti-
o sistema educacional. Alguns pressupostos fo- nente sem história tem dificuldade para encon-
ram também introduzidos na educação superior, trar soluções. As soluções se conseguem olhan-
ou seja, nas universidades. Essa teoria e enfo- do para o passado com os olhos do presente ou
que têm, no nosso caso, uma especificidade e com as dificuldades do presente, e baseados no
me refiro a algo que, desde o fim da década de passado encontramos muitas soluções. Ade-
1990, não deixo de apontar em meus escritos e mais, temos que demonstrar que não somos ór-
conferências, me refiro ao desenvolvimento das fãos, que nós hoje somos um produto de nossos
ideias pedagógicas em Cuba, desde o fim do sé- pais do passado, que temos pais e história. Se
culo XVIII e parte do século XIX. Muitas de suas não a estudamos, se não a conhecemos, não va-
consecuções e projeções se constituem em um mos encontrar soluções. Hoje, a professora Mit-
referencial teórico e prático análogo, muito pa- suko perguntou quem conhecia aqui na plateia o
recido ao que encontramos um ciclo depois de Manuel Bonfim, ninguém, não vi nenhuma mão
uma maneira mais elaborada cientificamente em levantar. Bom, nesse sentido eu posso utilizar bi-
bliografia necessária para fazer o estudo, por em que a função dos demais, os outros, é contri-
35
exemplo, já conto com grande parte da obra de buir por meio de um trabalho educativo que bus-
Manoel Bonfim, prestigioso psicólogo e educa- que transformar aquele bebê em um pleno hu-
dor brasileiro que parece coincidir com muitas mano e integrar o ser social humano,
das ideias dos pensadores cubanos do século independente, autônomo, coletivista, criador e
XIX, ele é mais novo, mas as ideias de Bonfim produtor capaz de produzir critérios acerca do

e educação
são similares, análogas às ideias dos pensado- contexto em que vive, se forma e se desenvolve.

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
res cubanos do século XIX. Porém, ainda mais, Essa é a razão do enfoque histórico-cultural,
algumas são muito parecidas com as concep- esse é o princípio fundamental do enfoque histó-
ções científicas da teoria histórico-cultural. Bon- rico-cultural, que facilmente se transmite para

em psicologia
em emergências
fim é uma referência brasileira para encontrar qualquer professor. O que o professor tem que
soluções aos problemas da América Latina. Só fazer? A mãe e o pai na família, o que têm que
espero ter o tempo necessário e a vida necessá- fazer é isso, não só cuidar do filho. Consequente-
ria para fazer esse importante projeto que refor- mente, os objetivos das aplicações científicas da

Práticas
çará as bases da educação, da pedagogia e da teoria acerca da gênese de desenvolvimento se

Psicologia
psicologia latino-americana de avançar, inclusive concretizam por meio da educação que recebe o
com os trabalhos de Simon Rodriguez. Sabem recém-nascido na família e, em seguida, nos cen-
quem é Simon Rodriguez? Foi professor de Si- tros educacionais ou nas escolas. A família nun-
mon Bolívar, na Venezuela. Tinha também um ca pode se separar desse processo educativo,

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pensamento pedagógico muito avançado. E vá- dado que ela é a célula viva e fundamental da
rios educadores e pensadores mexicanos tam- sociedade, através da qual a criança se apropria

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bém têm grandes contribuições. A teoria do en- dos conteúdos essenciais da cultura como ser
foque histórico-cultural é uma teoria que humano. Para o enfoque histórico-cultural, isso é

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trabalha e produz uma explicação científica da essencial. A escola não é a única instituição da
natureza social, cultural e histórica, esse é o seu sociedade que educa, a família é a primeira insti-

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grande valor. Traz explicações das suas gênesis, tuição social que contribui para o desenvolvi-
ou seja, de como evoluem e se constituem desde mento da criança. O que se sucede é que a so-

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as etapas iniciais desse desenvolvimento até os ciedade tem que prepará-la também, a sociedade
conteúdos mais complexos, tais como as fun- tem que garantir que a família tenha as condi-
ções dos processos mentais superiores que ções materiais e espirituais necessárias para
compreendem o processo afetivo e cognitivo e a que possa fazer essa função e, muitas vezes,
formação da consciência, autoconsciência e o isso não ocorre. A sociedade é o conjunto e ou-
conceito do mundo, o domínio da própria condu- tro contexto que, de forma integral, indireta ou
ta e a personalidade que lhe integra. Nós, cuba- direta, influi constantemente na formação e de-
nos, gostamos também de dizer que é um enfo- senvolvimento desse ser humano por meio da
que, não só uma teoria, explicarei melhor isso televisão, rádio, cinema, os centros culturais
hoje. É um enfoque porque parte de uma concep- desportivos de recreação, as atividades sociais
ção ontológica e epistemológica completamente em geral e a dinâmica da comunidade em que
diferente do resto das psicologias e pedagogias vive o sujeito. Tem que perguntar se a sociedade
tradicionais, apartando-se definitivamente da brasileira está organizada para isso. Diria sem
ideia de que o ser humano seja, em sua essência, medo de equivocar-me que por essas caracterís-
um ser eminentemente biológico que se desen- ticas gerais do enfoque histórico-cultural, esta é
volve como o resto dos seres vivos anteriores a a melhor psicologia que existe até hoje e que
ele. Eu acredito que grande parte dos problemas pode servir de base ao trabalho educativo que
que temos falado hoje, por exemplo, a medicali- as novas gerações necessitam. Não descarto a
zação, a falta de cumprimento com a inclusão e o importância de assumir alguns dos aportes de
trabalho com a criança com problemas de déficit outra teoria pedagógica e psicológica que, me-
biológico e todo isso que discutimos hoje se diante estudos críticos e de sistematização, se
deve ao fato de que nós ainda não temos aban- pode incluir, desde que reforcem os fundamen-
donado a explicação biologicista do desenvolvi- tos e princípios da teoria e o enfoque histórico-
mento do ser humano. Se insiste e destaco nes- cultural. A escolanovista poderia reforçar então,
se enfoque que, desde o nascimento, o bebê é por exemplo, que o sujeito que aprende, como
um ser humano de natureza social, porque nasce diz o enfoque histórico-cultural, tem que ter um
em um contexto social e cultural que é histórico, papel ativo no processo de aprendizagem, mas
não conseguiu da maneira em que a escolano- pre se acredita nisso explícita ou implicitamente
36
vista projetou a aprendizagem para a elite e não por parte dos pensadores progressistas do sé-
para crianças com necessidades sociais. Essa é culo XIX ou de Bonfim na década de 1920. Para a
a crítica que digo que tenho que fazer, a crítica psicologia e a pedagogia de todos os tempos
dialética como dizia hoje a professora Mitsuko essa aplicação é uma das mais importantes e
(Mimi). Não obstante essa peculiaridade geral, é que compreende toda a concepção antológica,
muito importante falar sobre algumas das carac- humanista e otimista que se há para proteger
terísticas específicas desse enfoque que creio pessoas, grupos e gerações na história de injus-
que atendem de modo excepcional a uma rela- tiça social da sociedade humana. Corresponden-
ção psicologia e educação como a que sonha- do à teoria e ao enfoque mencionado, a educa-
mos, para que possamos trabalhar mais cons- ção só é válida, quando promove novos e
cientemente e decididamente na aplicação das melhores desenvolvimentos psíquicos e huma-
gênesis de desenvolvimento psíquico humano e nos. Essa aplicação, como já dizemos, é que esse
o papel da educação. Dessa maneira, a primeira desenvolvimento não é uma segregação dos ór-
característica que desejo assinalar é que o enfo- gãos e mecanismos biológicos, como errônea
que histórico-cultural e o método que lhe serve reducionista e ideologicamente fundamentam
de base, o materialismo dialético e histórico, é as epistemológicas positivistas e pragmáticas,
uma síntese crítica do melhor da cultura humana legitimando e dando lugar às psicologias tradi-
no campo da educação, a pedagogia e a psicolo- cionais que existem até hoje. É por isso que um
gia encarnam dessa maneira o melhor do pensa- pedagogo e filósofo italiano disse da teoria his-
mento da ideia grega. A ideia grega, não sei se tórico-cultural o seguinte: a humanização da pe-
vocês conhecem, foi o primeiro sistema educa- dagogia, sua liberação do cativeiro biológico
cional da história que falou da formação integral para converter-se em humana e histórica. Como
do sujeito e vinculou conhecimento, esporte, cul- consequências dessas características mencio-
tura, arte e trabalho. Mas qual é o seu grande nadas, essa teoria se opõe à fragmentação, ao
defeito? Seu grande defeito é que só o concedeu reducionismo e à simplificação mecânica do fun-
para a elite. O povo grego e os escravos não ti- cionamento psíquico humano. Parte da comple-
nham direito a essa educação. Mas aí está o xidade e da dialética de um processo dinâmico e
conteúdo essencial que retoma o enfoque histó- integral da função no sistema psicológico inter-
rico-cultural, ou seja, que a educação do sujeito no que se vai formando e desenvolvendo no cur-
tem que ser integral. Também é coerente com o so da vida real do sujeito, em que o biológico se
pensamento de Montessori e Piaget, entre mui- constitui em uma das suas determinantes, po-
tos outros. De uma maneira não declarada, não rém não é o único nem o mais importante, devido
assumida e não explícita também para as anti- às questões sociais e aos conteúdos e meios
gas civilizações, a educação, quando é integral culturais que são históricos e que afetam os
para todos, produz desenvolvimento e uma for- conteúdos da educação que, definitivamente,
mação muito melhor, o que se explica porque se em uma unidade funcional indivisível com o bio-
estabelece desde então uma educação diferen- lógico e o psicológico se vai constituindo e se
te para as pessoas que ostentam o poder hege- produzindo esse desenvolvimento e formação.
mônico e outra para os grupos subordinados e Isso que estou dizendo é de uma maneira muito
que servem de mão de obra e força de trabalho sintética, o que todos os educadores têm que
para manter os grupos privilegiados. Esse esta- conhecer, conhecer em detalhes, profundamen-
do de diferenças, desigualdades se repete na te, porque o professor é o educador que tem que
sociedade feudal e também hoje em dia de ma- conseguir isso com o estudante. Se o professor
neira muito mais velada e oculta, não obstante não domina isso, vai ser muito difícil resolver o
as letras e as discussões dos documentos legais problema do fracasso escolar, resolver o proble-
e jurídicos que dizem o contrário, porque as ma de que todas as crianças aprendam, e resol-
constituições dizem que todos temos direito à ver o problema da medicalização. Posso parecer
educação, porém, cabe perguntar, direito à qual cruel dizendo isso. A medicalização é um oportu-
educação? A diferente. Sem dúvida, por trás des- nismo do mercado, é uma crueldade do mercado
se fato histórico há uma grande verdade, clara e porque sabem que as escolas não podem fazer
definitiva de que a educação verdadeira há de isso que estou falando. Isso é cruel, isso para
produzir desenvolvimento com os novos conteú- mim é um crime contra a humanidade. É impor-
dos e aprendizagens a novas formações. Sem- tante a presente análise, dadas as diferenças
que o materialismo dialético e histórico assinala Essa experiência eu estou vivendo hoje, eu a vi-
37
que existem entre as interações, entre os seres vencio, de uma maneira ou de outra, ruim ou pro-
vivos anteriores ao ser humano, incluindo os dutivamente, se essa experiência se relaciona
mais desenvolvidos e o das relações sociais, es- com as minhas experiências anteriores, eu dou
pecíficas dos seres humanos. Isso que vou falar um sentido a essa experiência. E na medida em
é algo extremamente importante. Aqui no Brasil que eu dou um sentido produtivo a essa experi-

e educação
se disse que Vigotski é interacionista como o ência, eu me aproprio dos conteúdos dessa ex-

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
são Piaget ou Wallon. Isso é um erro, pois se diz periência. Se essa experiência é ruim, como su-
que o ser humano interage, o ser humano não in- cede com as crianças que não aprendem, a
terage, o ser humano se inter-relaciona, há uma criança atribui um sentido à escola, ao ensino e

em psicologia
em emergências
inter-relação com os outros. Os seres anteriores ao conhecimento, ruim. Porém, Flávia Asbah, em
ao ser humano são os que interagem, por quê? sua tese sobre a formação de sentido na crian-
Porque os seres vivos sempre interagem da ça, encontrou que a criança no Brasil fala que as
mesma maneira, não há nenhuma abelha que escolas são cadeias, o que é ruim, porque eles

Práticas
produz mel diferente da outra abelha, apesar de não se sentem queridos nelas. O que estão ex-

Psicologia
que as abelhas trabalham, segundo se dizem, em pressando? Suas vivências. Como são essas vi-
coletividade. Há milhões de anos que as abelhas vências? Ruins, desastrosas. Por quê? Porque as
produzem mel da mesma maneira, isso se deve experiências que vivem não contribuem para que
porque as abelhas interagem, não se inter-rela- aquelas crianças aprendam bem e se não apren-

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cionam socialmente. Somente a inter-relação dem bem não se desenvolvem bem. Esse proces-
social é que produz mudanças nas pessoas que so explica a teoria histórico-cultural, mas os in-

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interagem, que produzem transformações nas térpretes estadunidenses e brasileiros
pessoas que estabelecem essas relações. Po- carecerem dessa análise e dessa interpretação,

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rém, nós temos os produtos da cultura, porque porque a intepretação dos norte-americanos
ao longo dos ciclos, de milênios, as relações so- que só ficaram na lei da gênese fundamental, ou

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ciais têm convertido um sujeito em outra coisa, seja, que a linguagem tem um papel essencial
pois há produção cultural. As abelhas interagem para o enfoque histórico-cultural, o que é verda-

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de uma maneira instintiva, biológica, só, e os se- de. Outro ponto é sobre a lei de mediação, que
res humanos, nós, nos inter-relacionamos de tudo está mediado, mas o que está no fundo da
uma maneira social e cultural, trocamos produ- lei da mediação, do papel da linguagem e da gê-
tos. Aqui eu estou fazendo trocas com você, e nese fundamental do desenvolvimento, é a lei da
todos os dias trocamos uns com os outros e pro- situação social de desenvolvimento, cuja base
duzimos transformações uns nos outros. Hoje, central disso é a vivência e a atribuição de senti-
agora, eu sou um indivíduo diferente de como eu do. Por quê? Porque a lei da situação social de
entrei essa manhã cedo aqui, eu tenho já outros desenvolvimento é, para o enfoque histórico-
produtos, outras ideias, outros processos, fruto cultural, a maneira em que o sujeito se apropria
do que ouvi e pensei aqui. Este é um aspecto es- da experiência social e dos conteúdos culturais.
sencial do enfoque histórico-cultural, por isso o Se eu não crio um meio social agradável, emocio-
enfoque histórico-cultural fala da lei da gênese nalmente positivo para o sujeito, eu não estou
fundamental de desenvolvimento, toda função contribuindo para que aquele sujeito aprenda
psíquica superior, todo o desenvolvimento psí- bem. E esse é o problema, ao meu ver, essencial,
quico se desenvolve em mim na medida em que da qualidade da educação em uma escola, em
eu, desde cedo, me inter-relaciono com os ou- uma família ou em qualquer lugar, e por isso es-
tros, os outros me transmitem os conteúdos da tou insistindo nessa aplicação. Me pediram para
cultura e eu me aproprio deles. Essa é a lei fun- explicar o que é o enfoque histórico-cultural e
damental de desenvolvimento do enfoque histó- isso para mim é o enfoque histórico-cultural em
rico-cultural. Essa lei ou esse conteúdo está toda a sua expressão. Se os professores, se os
atravessado pelas características espirituais, educadores tiverem a clareza sobre isto, será
subjetivas, emocionais que nós temos e, portan- possível mudar a educação, mudar o trabalho da
to, todo o processo de relações interpessoais, escola e a criança vai poder aprender melhor. E
toda atividade e toda comunicação, como essa então vai seguir existindo a necessidade de fa-
que estamos fazendo, produzem em nós vivên- zer um trabalho psicológico individualizado, por-
cias, que são produzidas por nossos estados que sempre falta isso, sempre é a criança que vai
emocionais e nossos conhecimentos anteriores. estar mais lerda que outra, se pode se ler assim,
lenta, lentificadas, isso já tem sido dito por Vi- cérebro humano e não desenvolveu a postura
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gotski: “Todas as crianças podem aprender, to- ereta, não podia caminhar em dois pés, não fala-
das”. Mesmo os atrasados mentais podem va. E depois, em cinco anos, conseguiu, por quê?
aprender a ler e a escrever. Os surdos e cegos Porque aos 17 anos, uma comunidade o adotou e
chegam às universidades, demonstrados isso lhe ensinou. Então se o cérebro é que produz lin-
também, os autistas podem ser bibliotecários de guagem, porque não falou? Se é o cérebro que
nível superior. E só temos demonstrado isso apli- produz o movimento humano, porque não cami-
cando o enfoque histórico-cultural, porque a nhou? Porque falou o essencial, faltou o humano,
criança com déficit biológico também pode con- faltaram as relações sociais, faltou o outro para
seguir desenvolvimento e essa seria a melhor ajudar a caminhar, faltou o outro que lhe colocas-
inclusão. Há que ensinar as pessoas com déficit se o modelo da linguagem. Então, o biológico fun-
para obter a real inclusão escolar e social, senão ciona assim, não sei se consegui em uma síntese
não tem jeito. Para aquela que aprende com mais muito grande explicar esse complexo problema.
lentidão é o professor que tem que dar melhores Nesse momento, a professora Marta e eu esta-
condições e mais ajuda para solucionar o proble- mos dando pela primeira vez no Brasil e possivel-
ma. Eu não falo o mesmo que disse Piaget, por mente na América Latina essa explicação a partir
isso eu o contesto, as crianças não aprendem de dois teóricos essenciais do ciclo passado, que
sozinhas, mas as ajudas do educador têm que lamentavelmente, a neurociência de hoje tem ca-
garantir, segundo Vigotski, que a criança chegue lado e guardado muito fortemente no armário.
à solução dos problemas. O educador sempre Está guardado, esquecido, enfiado no armário e
está aguardando e ajudando quando é preciso, nós não conhecemos, porém Marta e eu estamos
mas um ensino baseado só na demonstração dedicados agora a ver como publicarmos em es-
amarra a criança e evita que a criança aprenda panhol algumas dessas ideias, para quê? Para
de maneira ativa, porque os autores do enfoque que os professores tenham essa ferramenta, te-
histórico-cultural, a criança para aprender tem nham esse instrumento e possam fazer um tra-
que fazer, tem que trabalhar, porque se não tra- balho educativo de maior qualidade. Bom, esse é
balha, não faz, se a criança não faz, se a criança o enfoque histórico-cultural. Desejo que seja
autonomamente não chega a ter a independên- uma base orientadora para que vocês possam
cia para encontrar a solução de um problema, ela continuar estudando esse complexo e difícil pro-
não desenvolve todo o seu potencial. Essa é uma blema, tema ou teoria, mas não é impossível de
síntese do meu pensamento. Poderei disponibili- conhecer e, sobretudo, de aplicar, por isso que na
zar o texto completo para a leitura de todos vo- década de 1970, quando eu apenas tinha 25
cês. Para mim, essa é a leitura integral do enfo- anos, e conhecia muito pouco da teoria histórico-
que histórico-cultural, me falta tempo para cultural, me esforcei por conhecê-la para poder
explicar melhor os problemas biológicos, como o contribuir para a educação cubana como é hoje,
biológico também é de natureza cultural, porque uma referência mundial pela qualidade que tem.
o biológico se vai desenvolvendo também na Eu estimulo vocês a trabalharem nesse sentido,
medida em que o sujeito vai aprendendo e vai se porque honestamente eu não posso dizer que
desenvolvendo psiquicamente. A explicação haja outra forma de poder encontrar soluções
para o ser humano é que a neurofisiologia fun- para os difíceis, complexos e graves problemas
ciona porque no ser humano existe a disposição que tem a educação do mundo. Muito obrigado e
de fazer, e é o que o sujeito faz, o que a neurofi- espero não haver decepcionado.
siologia do cérebro elabora, lê e contribui então
a formar as conexões temporais das células e Rosangela Villar: Eu agradeço o Guilhermo,
todas as transformações que se produzem em porque não era eu quem ia coordenar, está aqui
nível das células nervosas, pois as células nervo- com você nesta mesa, mas para mim foi um pre-
sas não podem produzir o psíquico se não chega sente. Eu venho estudando Vigotski há muito tem-
a elas o conteúdo da cultura, o conteúdo do en- po, mas você aclarou uma série de coisas que es-
sino. Recomendo assistirem a O Enigma de Kas- tavam mal compreendidas para mim, você me deu
par Hauser. E depois me digam se é que o cére- material para estudar. Quero ler esse texto para
bro produz a linguagem, se é que o cérebro que poder trabalhar. Então, agradeço e sinto ter que te
produz o andar de pé. Kaspar Hauser é um enig- interromper, porque sei que você teria muita coi-
ma de um menino que, com 17 anos, em momen- sa para dar. Gente, a gente tem alguns minutinhos
to nenhum teve contato com a cultura e com o para três perguntas.
Participante: Professor, quando os auto- pobreza a biologicismo, ou seja, a déficit biológi-
39
res russos pensaram e propuseram a psicologia co. É muito difícil poder dizer, porque os psicólo-
histórico-cultural, a intenção não era que a psi- gos no Brasil têm dificuldade de se apropriar do
cologia histórico-cultural fosse mais uma psi- enfoque histórico-cultural. Talvez porque a peda-
cologia, mas sim que ela fosse uma psicologia gogia, o pedagogo é que sofre mais o problema,
geral, por isso que eles chamavam de psicologia os professores sofrem mais o problema, queren-

e educação
concreta, psicologia do homem concreto. Eu não do ou não, sempre estão buscando alguma solu-

Psicologia em emergências e desastres

e desastres
sei como é o estudo da psicologia histórico-cul- ção para realizar o melhor trabalho com a criança.
tural nos outros países, mas aqui no Brasil ela foi E então se encontra até onde podem com o en-
mais apropriada pelos educadores do que pelos foque histórico-cultural uma resposta a seu pro-

em psicologia
em emergências
psicólogos, então a gente tem uma quantidade blema, mas não é fácil. Por quê? Porque o enfoque
muito maior de professores e de educadores es- histórico-cultural não está acabado, lamentavel-
tudando e pesquisando a teoria histórico-cultu- mente não está acabado. Vigotski morreu cedo,
ral, porque eles apresentam até uma certa resis- e, infelizmente, não pode revisar seu trabalho,

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tência em falar psicologia histórico-cultural, eles não pode publicar seus trabalhos mais importan-

Psicologia
chamam de teoria. E eu tenho duas perguntas, tes, ficaram em um quarto frio na sua biblioteca,
a primeira é: Por que é que o senhor acha que bloqueado pelo stalinismo, e logo seus colabora-
no Brasil a psicologia histórico-cultural foi mais dores distribuíram o conteúdo da teoria histórico-
apropriada pela educação do que pela própria cultural e se puseram cada um deles a trabalhar e

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psicologia? E a segunda pergunta: Quais desa- depois não o integraram de novo. Fragmentaram
fios a psicologia histórico-cultural enfrentou e a obra e uma psicologia geral não se pode fazer

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ainda enfrenta para se consolidar como uma psi- fragmentando o conhecimento, a psicologia tem
cologia concreta? Por que ela ainda não é, mes- que fazer integrando, não é verdade? Integran-

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mo tendo se passado quase um século, a gente do o conhecimento, por isso não se tornou uma
avançou muito, mas não no sentido de uma psi- psicologia geral. Mas há alguma coisa a mais so-

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cologia geral. É isso, obrigado. bre isso, os estadunidenses, ingleses, franceses,
dinamarqueses, finlandeses que pretenderam

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Guillermo de la Paz Arias Beatón: Você fez
divulgar o enfoque histórico-cultural, passaram
duas perguntas que precisam de um curso. Você
a pragmatizá-lo, fragmentá-lo ainda mais. Então
tem estudado o enfoque histórico-cultural? Gos-
é uma teoria que está em decomposição, porém
ta dele? Meu abraço para você. Sem dúvida que
nós, cubanos, insistimos na sistematização, de
suas perguntas estão no centro do problema que
novo, de todo o material produzido no enfoque
hoje vive o enfoque histórico-cultural. Eu não sei
histórico-cultural. Se queremos algum dia resolver
por que no Brasil isso ocorre, não creio que seja a
isso que você está dizendo há que sistematizar
explicação, mas é a minha opinião. Em primeiro lu-
tudo o que está feito e fazer algo como eu tenho
gar, creio que o problema do Brasil com o enfoque
tentado fazer hoje, uma síntese com a essência
histórico-cultural e dos psicólogos no Brasil com
do enfoque histórico-cultural. Qual é a essência?
o enfoque histórico-cultural é que no Brasil estão
A síntese está no desenvolvimento das funções
muito arraigadas as psicologias tradicionais. No
psíquicas superiores, em como a funções psíqui-
Brasil há um pensamento muito positivista, muito
cas naturais se transformam em funções psíqui-
positivista e o biologicismo, por isso eu comecei
cas superiores através das inter-relações inter-
falando do biologicismo. Compreender o psiquis-
pessoais e da medicação de signos.
mo como um produto biológico, isso é o que se re-
pete nas psicologias tradicionais. Então, no Brasil, Roseli Fernandes Lins Caldas: Bom, infeliz-
não pode haver uma intencionalidade para apro- mente, precisamos encerrar a conferência. Obriga-
priar-se de uma teoria psicológica que o primeiro da. Eu quero agradecer muito ao Guilhermo, que-
que faz é negar o biologicismo. Me entende? Ou ro agradecer ao CRP, o apoio grande que a gente
seja, são duas epistemologias completamente teve do pessoal de eventos, agradecer a cada um
diferentes, são duas formas de pensar completa- de vocês que ficaram, que ouviram, que se apro-
mente diferentes. No Brasil, a pobreza se identifi- priaram, certamente a gente sai com ganho, não
ca com o biologicismo, os pobres têm os mesmos é verdade? Agradecimento à profa. Susete que
problemas que têm os que têm defeito biológico, me ajudou na organização. Fico muito feliz que a
imagine isso. A pobreza não é um problema bioló- educação tenha esse espaço aqui no Mackenzie.
gico, é um problema social, e no Brasil se atribui a Muito, muito obrigada a todos vocês.
Realização:

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