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Trabalho apresentado no VIII Congresso Latinoamericano de Sociologia Rural, Porto de
Galinhas, Pernambuco, Brasil, 2010.
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1. MAPEANDO AS TRAJETÓRIAS DOS ATORES
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contatos realizados no período. Agregam-se a este conjunto dos dados,
informações secundárias, oriundas de outros estudos realizados no Mato
Grosso, dados censitários e outros dados coletados também no trabalho de
campo. O conjunto dos atores focado na análise foi tomado observando o
critério da dispersão geográfica na microrregião do Alto Teles Pires, tendo
como ponto central: a cidade de Sorriso MT às margens da BR-163. Nesse
município foram contatadas inicialmente oito famílias de chacareiros
(proprietários rurais do entorno da cidade) e depois, famílias de outros quatro
assentamentos rurais: Santa Rosa II, distrito de Boa Esperança do Norte,
Piratininga, município de Nova Ubiratã, Eldorado I, município de Ipiranga do
Norte e Mercedes, município de Tabaporã.
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Este processo de urbanização ocorreu associado às mudanças no
espaço rural destes municípios. Em Lucas do Rio Verde, o relato de um
assentado expõe o que ocorreu: “O povo foi comprando as terras, o povo foi
indo pra cidade, outros foram indo pra outros lados, vai hoje lá tem soja
plantado e tudo” (Cássio Pascoali, assentado, 19/06/08). Dos 25 casos
entrevistados na pesquisa de campo, nove famílias passaram pelo trabalho
agrícola em Sorriso e Lucas do Rio Verde, tanto como “peões” ou como
agricultores, e hoje estão nos assentamentos situados em municípios “mais a
frente”.
Quem vinha pra Sorriso na época [1997-2000], tudo o que fazia dava.
Se você fizesse pastel e fosse vender na rua e fazia tua vida. Tudo o
que tu começava na época você conseguia. O caldo de cana aqui em
Sorriso é coisa das que mais vendia. (Sueli da Silva, chacareira,
21/05/08).
Este aspecto de “precisão” das chácaras como unidades fornecedoras
de alimentos é evidenciado no caso de fornecimento de hortaliças e legumes
para o meio urbano. A “construção da sociedade” com base numa visão de
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desenvolvimento e de urbanização em sua dimensão coletiva é identificada na
população local, que parece estabelecer em cada fase deste processo um
relativo mapeamento das necessidades da cidade. Este fato produz um
“chamamento” a determinados “tipos” específicos de trabalhadores migrantes.
O caso dos chacareiros que trabalham com hortaliças é um caso onde a
sociedade buscou suprir sua demanda, por isso mesmo viabilizou seu
estabelecimento.
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realocando populações existentes e estabelecendo, nas mesmas áreas, outras.
Esta política de ocupação com base das propriedades familiares parcelares foi
acompanhada por políticas que incentivavam o latifúndio e grandes empresas
agropecuárias, que em grande medida acabaram “absorvendo” estas primeiras,
devido à precariedade de condições vividas pelas famílias na maioria dos
assentamentos rurais.
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ocupações são fatos que demarcam a luta pela terra e desencadeiam ações
nas desapropriações como uma resposta a esta mobilização social.
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Sul, a insuficiência de terras, os problemas relacionados à herança e à
modernização conservadora colocam a migração como estratégia a fim de criar
as condições de reproduzir novas unidades familiares a partir do acesso à terra
(WOORTMANN, 1995). No Brasil este caminho deve ser situado dentro de um
processo histórico, onde esta reprodução sempre esteve associada à migração
para novas fronteiras e processos de expropriação de populações para novas
áreas (MARTINS, 1981). Este fato pode ser identificado nos percursos das
famílias de agricultores que por vezes saem de regiões do Rio Grande do Sul,
perpassando diversas etapas migratórias até chegar ao Mato Grosso. Migrar
representa a possibilidade do acesso à terra e trabalho, a sua disponibilidade
está na fronteira, o Mato Grosso é o lugar de oportunidade.
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No entanto, a reflexão sobre a insuficiência de terra deve estar situada
no espaço social e, ainda, no contexto histórico ao qual se está fazendo
referência. Os assentados relatam a partir de suas trajetórias que “seus pais no
Sul com menos de uma colônia (aproximadamente 25 hectares) criaram um
monte de filhos” e ainda por ocasião do casamento foi possível disponibilizar
algum patrimônio material para “o começar”da nova unidade familiar. De outra
parte, quando o comparativo estabelecido com os agricultores do Sul do Brasil
que possuem esta mesma área de terra atualmente, as respostas apontam
para a insuficiência: “Meu pai na época, com os mesmos 20 hectares de terra,
criou um monte de filhos. Hoje lá com 20 hectares como eu tinha mal e mal dá
pro casal se manter” (Lauro Marchiori, assentado, 03/07/08).
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três anos em cultivo. Neste sentido, o preço da terra nestes assentamentos
pula de 100 reais por hectare para valores entre 3.200 e 3.500 reais por
hectare, no período de nove anos. Destaco que esta expressiva valorização
monetária da terra não é fato somente no assentamento, mas acontece em
todas as áreas de terra desta microrregião neste período.
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conseguiu acumular patrimônio para reproduzir a geração dos filhos em novas
unidades domésticas, o trabalho de peão aparece como meio para esta
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A atividade de catação de raízes consiste no trabalho realizado após a derrubada da
vegetação natural do Cerrado. Os primeiros revolvimentos do solo com grade aradora expõem
na superfície da área as raízes da vegetação que existia ali. Nesta situação são contratados
trabalhadores para fazer a catação manual destas raízes na área, que são amontoadas e
geralmente queimadas na sequência do trabalho.
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4) Uma quarta forma de trabalho que também compõe a designação de peão,
mas por vezes também designação “de empregado”, são as atividades ligadas
à formação das cidades e vilas. Os trabalhos de pedreiro (construção civil), em
cooperativas de prestação de serviços e ainda de motorista são exemplos
desta forma que possui remuneração por empreita ou pagamento diário. As
duas especificações dos itens três e quatro são denominadas como “serviço”.
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investimentos iniciais de aluguel ou mesmo a construção de algum tipo de
residência para morar; os salários mensais garantem a manutenção da família.
Desta forma, o valor de bonificação, neste caso medido em sacas de soja,
recebido no final do ano ou do ciclo agrícola podia ser acumulado. Buscar o
trabalho de peão na sua forma de emprego permanente se configura oportuno,
pois garante uma segurança em relação à renda mensal e à moradia. Mesmo
assim, este trabalho de peão é encarado como uma fase, isto traduzido
também na relação que se faz entre o trabalho de peão como “coisa pra gente
solteira ou casal novo que ainda não tem filho.” Neste sentido, os valores
acumulados permitiram essas famílias adquirir a área de terra.
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administrador da própria fazenda, ou de setores produtivos específicos dentro
dela. Estes trabalhadores “começaram como peão” na catação de raízes e
depois passarão para outras funções na fazenda, como operadores de
máquinas, e mais tarde chegaram ao cargo de administradores.
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contratações de trabalhadores já para a próxima safra, assim as pessoas se
articulam para buscar o espaço de trabalho nas fazendas.
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4. O OLHAR VOLTADO PARA “FRENTE” - UMA NOVA CHANCE?
Naquela época que vim era bom aqui, ainda está, mas começa a ficar
mais difícil [referente a 1998]. O certo era ir mais pra frente ali pro
lado do Pará onde tem bastante trabalho e terra e dá pra crescer
mais fácil, mas aqui a gente vai levando, vamos ver (Nelson Mariak,
chacareiro, 08/05/08).
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A avaliação do chacareiro sobre o momento está baseada nas
possibilidades de terra e trabalho. Este momento bom e oportuno “de crescer”
que ele aponta está situado na década de 90, situação que já descrevemos nas
seções anteriores. Mesmo que Nelson Mariak considere que em sua trajetória,
desde a saída do Paraná, conseguiu acumular algum patrimônio, cuja maior
expressão é a pequena chácara de três hectares, ele identifica que há limites
na possibilidade de alcançar a mobilidade social.
Bom que nem agora que fui pra lá falando com os meus cunhados
eles lá [Estado de Santa Catarina]. Mas só na situação que eles estão
hoje lá, pra vender lá não vende fácil. E com o dinheiro que faz lá na
venda, aqui não tem mais lugar pra eles. Valorizou demais, mais que
lá. Então não é o momento de vir pra cá (Camilo Bortolli, assentado,
19/06/08).
No que tange ao acesso à terra e à busca por emprego agrícola o
momento, segundo estes relatos, passou. Paralelamente é citado o momento
oportuno para investimentos nas pequenas cidades e vilas, ou nos municípios
pólo, como Sorriso, por empregos “de pessoal de mais estudo”, mesmo que
estes estejam associados a atividades agropecuárias. Neste caso, apresentam-
se várias demandas no setor de serviços, o que é visto com bons olhos,
especialmente pelos jovens e mulheres das famílias. A região vive hoje, outra
fase do desenvolvimento, bem diferente de 1996 quando a família migrou.
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Na medida em que estes atores sociais identificam limitação no espaço
para crescer, o olhar não se volta para um possível retorno, mas sim, “para
frente”. Mas onde exatamente? Vejamos agora alguns relatos que vão apontar
esta direção: “O ruim é saber exatamente se esta é a hora certa e tal. Agora,
por exemplo, o lugar é Itanhangá.” (Lauro Marchiori, assentado, 03/07/08).
5. CONSIDERAÇOES FINAIS
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estruturados socialmente, refletem os inúmeros obstáculos impostos à
mobilidade social ascendente pela dinâmica econômica e social no Brasil”
(BRITO, 2000 p. 19). Não alcançada a mobilidade social desejada, isto tende a
culminar por parte dos “pequenos” em uma avaliação permanente entre migrar
ou permanecer, confirmando a condição de provisoriedade como sinônimo de
condição dos migrantes (SAYAD, 1998).
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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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