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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, v. 34, n.

3, 3306 (2012)
www.sbfisica.org.br

Uma introdução à teoria dos táquions


(An introduction to the theory of tachyons)

Ricardo S. Vieira1
Departamento de Fı́sica, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil
Recebido em 24/11/2011; Aceito em 30/4/2012; Publicado em 22/11/2012

A teoria da relatividade, proposta no inı́cio do século XX, aplica-se a partı́culas e referenciais que se movi-
mentam com uma velocidade menor que a da luz. Nesse artigo mostraremos como esta teoria pode ser estendida
a partı́culas e referenciais que se movimentam mais rapidamente que a luz.
Palavras-chave: táquions, superluminal, relatividade, neutrinos, transformações de Lorentz estendidas, funções
hiperbólicas estendidas, paradoxo de Tolman.

The theory of relativity, which was proposed in the beginning of the 20th century, applies to particles and
frames of reference whose velocity is less than the velocity of light. In this paper we shall show how this theory
can be extended to particles and frames of reference which move faster than light.
Keywords: tachyons, superluminal, relativity, neutrinos, extended Lorentz transformations, extended hyper-
bolic functions, Tolman paradox.

1. Sobre a necessidade de se formular Além do mais, somos da opinião de que o estudo teórico
uma teoria dos táquions dos táquions pode fornecer uma melhor compreensão da
própria teoria da relatividade, bem como de alguns te-
mas centrais em mecânica quântica. De fato, táquions
No fim do ano passado, cientistas do Centro Europeu são cogitados em algumas das mais modernas teorias da
de Pesquisas Nucleares (CERN) divulgaram os resul- fı́sica, como por exemplo em teoria de supercordas ou
tados de um experimento [1] no qual neutrinos mais em teoria quântica de campos. Acreditamos assim que
rápidos que a luz tinham sido supostamente detecta- o estudo teórico dos táquions seja amplamente justifi-
dos. Coincidentemente, cerca de uma semana antes da cado, mesmo que os resultados do experimento OPERA
divulgação desse resultado, o autor apresentou na 7a Se- não estejam corretos.
mana da Fı́sica da UFSCar [2] uma palestra justamente
sobre o tema, mais especificamente, sobre como a teo- Tentativas de se estender a teoria da relatividade já
ria da relatividade poderia ser estendida de modo a se foram, é claro, propostas por diversos cientistas, muito
aplicar também a referenciais e partı́culas mais rápidas embora as publicações originais possam não ser de fácil
que a luz.2 Essa palestra gerou naquela ocasião grande acesso.3 Dentre as formulações propostas, destacamos
interesse por parte de professores e alunos, e esse inte- os trabalhos de Recami [5] e colaboradores, cujos resul-
resse foi ainda mais amplificado após a divulgação da tados, embora deduzidos através de uma matemática
notı́cia comentada acima. Desde então, o autor recebeu bem mais avançada que a empregada aqui, coincidem
vários incentivos para que colocasse as ideias lá apre- em sua grande parte com os nossos. A Ref. [5] consiste
sentadas na forma de um artigo, o que por fim resultou em um artigo de revisão sobre o assunto, onde o lei-
no presente texto. tor interessado poderá encontrar uma vasta quantidade
de referências, obter mais detalhes sobre a teoria, bem
Embora estudos mais recentes [3] contestem os re-
como encontrar tópicos que não serão discutidos aqui
sultados do experimento [1], é oportuno mencionar
(e.g., a eletrodinâmica de táquions).
que existem outras evidências experimentais sobre a
existência de fenômenos superluminais na natureza [4]. Por uma teoria da relatividade estendida, nos refe-
1 E-mail: rsvieira@df.ufscar.br.

2 Tais
partı́culas são chamadas em fı́sica teórica táquions. A palavra táquion, por sua vez, deriva do grego τ αχύς, que significa rápido.
3 Com efeito, o autor não teve acesso a essas referências quando estudou o assunto, muito embora as tenha lido antes da redação do
texto. Deste modo, com exeção da seção 9 que foi baseada nas Refs. [5, 18], as deduções que se seguem foram retiradas principalmente
das notas de estudos do autor. Muitos desses resultados, todavia, já foram obtidos anteriormente, como pode ser verificado na Ref. [5].

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rimos a uma teoria que se aplique a partı́culas e refe- geométrica da teoria da relatividade – a chamada teoria
renciais quem se movimentam com velocidades maio- do espaço-tempo –, por sua vez, foi proposta primeira-
res que a da luz, bem como a partı́culas e referenciais mente por Poincaré [6] em 1905 e, depois, de maneira
que se “movimentam” para trás no tempo. Em espe- mais acessı́vel e detalhada por Minkowski [7] em 1909.
cial é necessário estender as transformações de Lorentz Essa descrição geométrica, que contém a própria
para tais referenciais. Embora essa extensão possa ser essência da teoria da relatividade, pode ser fundamen-
deduzida sem maiores problemas em um universo de tada nas seguintes afirmações, ou postulados.4
duas dimensões, (x, t), nos deparamos com dificulda- 1. O universo é um continuum em 4 dimensões – três
des para implementá-la em um universo de quatro di- dessas dimensões estão associadas às dimensões
mensões, (x, y, z, t). As razões pelas quais isso ocorre espaciais usuais X, Y e Z, enquanto que a outra
serão comentadas na seção 10. Por fim, na seção 11 está associada a uma dimensão temporal, T .
mostraremos que em um universo de seis dimensões
(x, y, z, tx , ty , tz ) – três dimensões do tipo espaço, três 2. O espaço-tempo, visto como um todo, é ho-
do tipo tempo – aquelas dificuldades desaparecem e as mogêneo e isotrópico.5
transformações de Lorentz podem então ser estendidas 3. A geometria do universo é hiperbólico-circular.
sem qualquer desacordo com os princı́pios da relativi- Nos planos puramente espaciais, XY , Y Z e ZX
dade usual. a geometria é circular (i.e., euclidiana), enquanto
Convém por fim mencionar que após a consolidação que nos planos que envolvam a dimensão tempo-
da teoria da relatividade (para a qual Einstein, bem ral, T X, T Y e T Z, a geometria é hiperbólica (i.e.,
sabemos, teve um papel fundamental), a hipótese de pseudo-euclidiana).
existência de partı́culas mais rápidas que a luz foi quase
que esquecida. Isso deveu-se principalmente ao fato de Em termos da descrição de Poincaré-Minkowski, qual-
que é impossı́vel, segundo a teoria da relatividade, se quer referencial inercial pode ser representado por um
acelerar uma partı́cula massiva até a velocidade da luz sistema de coordenadas adequado (sistema de coorde-
ou além, já que uma quantidade infinita de energia se- nadas inercial). O movimento de uma partı́cula fica
ria gasta nesse processo. Com isso pode parecer que a representado por uma curva contı́nua – uma reta, caso
teoria da relatividade proı́be a existência dos táquions. a velocidade da partı́cula seja constante –, a que cha-
No entanto, essa conclusão é equivocada porque tais mamos de linha de universo da partı́cula. Em especial,
partı́culas poderiam ter uma velocidade superluminal a velocidade da partı́cula determina-se pela tangente do
desde o momento de sua própria criação. Por exem- ângulo (hiperbólico) que sua linha de universo faz com
plo, táquions poderiam ter sido criados juntamente ao o eixo do tempo do sistema inercial empregado. Ana-
big-bang, ou então serem criados por algum processo logamente, a velocidade relativa entre dois referenciais,
quântico similar ao processo de criação de pares de v, determina-se pela tangente do ângulo (hiperbólico)
partı́culas-antipartı́culas. Em qualquer caso a veloci- entre os eixos de tempo desses sistemas de coordenadas
dade dessas partı́culas seria, em toda a sua existência, e uma mudança de referencial consiste, nessa descrição
sempre maior que a luz – não há nisso qualquer con- geométrica, a uma rotação hiperbólica6 dos eixos coor-
tradição com a teoria da relatividade, ninguém teve de denados.
acelerá-las! Através dos postulados apresentados acima, toda a
Do ponto de vista matemático devemos ressaltar teoria da relatividade pode ser formulada. Em espe-
também que, ao associarmos ao universo uma completa cial, destacamos que a partir desses postulados pode-
isotropia e homogeneidade, nenhuma das direções do mos mostrar o princı́pio de invariância da velocidade
espaço-tempo deve ser privilegiada em relação às ou- da luz (pelo menos em duas dimensões). Com efeito, o
tras. Consequentemente qualquer valor de velocidade fato de o espaço-tempo ter uma geometria hiperbólica
deveria ser possı́vel. Nesse sentido, não seria a possi- implica a existência de uma classe de partı́culas cuja ve-
bilidade de existência dos táquions uma surpresa, pelo locidade é sempre a mesma, independente do referencial
contrário, a sua não existência é que exigiria uma ex- inercial na qual ela é medida. Podemos nos conven-
plicação teórica. cer disso ao notar que em uma geometria hiperbólica
existem certas retas (as assı́ntotas) que não se alteram
quando uma rotação hiperbólica é implementada. Se,
2. Sobre a estrutura do espaço-tempo portanto, a linha de universo de uma partı́cula for para-
lela a uma dessas assı́ntotas, a sua direção será sempre
Como se sabe, a formulação da teoria da relativi- a mesma para qualquer sistema de coordenadas inercial
dade deveu-se ao esforço de vários cientistas (e.g., Lo- e, consequentemente, a partı́cula terá sempre a mesma
rentz, Poincaré, Einstein, Minkowski etc.). A descrição velocidade para esses referenciais. O fato experimental
4Ainfluência da gravidade será explicitamente desprezada nesse texto.
5 Se
o espaço e o tempo forem considerados separadamente, essa expressão deve ser substituı́da por “o espaço é homogêneo e isotrópico
e o tempo é homogêneo”. Expressões semelhantes devem ser interpretadas de forma análoga.
6 No caso em que |v| > c devemos considerar uma rotação hiperbólica estendida, conforme será discutido na seção 4.
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de que da velocidade luz é a mesma em qualquer re- de energia positiva como estados acessı́veis a qualquer
ferencial inercial fornece, assim, um forte argumento a partı́cula livre progressiva, ou, em outras palavras, que
favor do caráter hiperbólico do espaço-tempo. na ausência de forças uma partı́cula progressiva sem-
Para uso futuro, faremos algumas definições e con- pre possui uma energia positiva. Em virtude dessa as-
venções que serão utilizadas durante o texto. Uma sociação devemos, por consistência, interpretar os es-
vez que estamos dispostos a levar em consideração tados de energia negativa como acessı́veis somente a
partı́culas que se “movimentam” em qualquer direção partı́culas retrógradas, ou, em outros termos, que na
do espaço-tempo, convém empregarmos uma métrica ausência de forças, partı́culas retrógradas sempre pos-
que seja sempre real e não-negativa. Optamos, assim, suem uma energia negativa.
por definir a métrica pela expressão, Esses dois conceitos que separadamente não pos-
√ suem sentido fı́sico – a saber, partı́culas que voltam
ds = |c2 dt2 − dx2 − dy 2 − dz 2 |. (1) no tempo e partı́culas (livres) de energia negativa –,
podem ser conciliados através do chamado princı́pio da
A escolha da métrica, é claro, não pode interferir nos
inversão.7 Esse princı́pio baseia-se no fato de que qual-
resultados finais da teoria, uma vez que sempre há certa
quer observador considera o tempo como que fluindo do
liberdade em defini-la.
passado para o futuro e que qualquer medição da ener-
Em termos da métrica (1), vamos classificar os even-
gia de uma partı́cula livre resulta em uma quantidade
tos como do tipo tempo, luz ou espaço conforme a
positiva. Desse modo, o princı́pio da inversão estabe-
quantidade c2 dt2 − dx2 − dy 2 − dz 2 seja positiva, nula
lece que uma partı́cula retrógrada (cuja energia é nega-
ou negativa, respectivamente. Uma classificação seme-
tiva) deve sempre ser fisicamente observada como uma
lhante pode ser atribuı́da a partı́culas e referenciais.
partı́cula progressiva usual (cuja energia é positiva).
Assim, por exemplo, partı́culas mais lentas que a luz
O leitor poderia assim pensar que não há diferenças
(brádions) serão classificadas como partı́culas do tipo
entre partı́culas progressivas e retrógradas, já que apa-
tempo e partı́culas mais rápidas que a luz (táquions)
rentemente as últimas são vistas como as primeiras. No
como partı́culas do tipo espaço. Partı́culas que se mo-
entanto, isso não é verdade, pois ao observarmos uma
vem com a velocidade da luz (luxons) serão classifica-
partı́cula retrógrada como progressiva, algumas de suas
das, é claro, como partı́culas do tipo luz.
propriedades acabam por se inverterem no processo.
Também classificaremos as partı́culas de acordo com
Por exemplo, se a partı́cula retrógrada tem uma carga
a sua “direção de movimento” no tempo. Partı́culas que
elétrica +e, então devido ao princı́pio de conservação de
se movimentam para o futuro serão chamadas de pro-
carga elétrica, devemos observar a “partı́cula invertida”
gressivas e as que se movimentam para o passado, de
como que portando a carga −e. Isso pode ser mais bem
retrógradas. Partı́culas que se movimentam com veloci-
visualizado através da seguinte experiência.
dade infinita só existem no instante presente e por isso
serão chamadas de momentâneas. Uma classificação Considere o fenômeno descrito na Fig. 1, onde uma
idêntica pode ser empregada a referenciais. partı́cula progressiva P , de carga elétrica +e, interage
com um fóton γ e que, em virtude dessa interação,
se torne uma partı́cula retrógrada, Q. Note que a
3. Antipartı́culas e o princı́pio da in- partı́cula Q é, em verdade, a mesma partı́cula P , mas
versão que agora se “movimenta” para trás no tempo. Por-
tanto, a carga elétrica portada pela partı́cula Q é ainda
Na seção anterior introduzimos o conceito de partı́culas igual a +e.
retrógradas como partı́culas que voltam no tempo.
Nessa seção vamos esclarecer como elas podem ser in-
terpretadas do ponto de vista fı́sico. Para que a dis-
cussão se torne mais simples, entretanto, vamos consi-
derar apenas partı́culas do tipo tempo, isto é, partı́culas
com velocidade menor que a da luz.
Deixe-nos começar o nosso estudo analisando qual
deve ser a energia de uma partı́cula retrógrada. Sa-
bemos da teoria da relatividade usual que a ener-
gia de uma partı́cula (do tipo tempo) relaciona-se
com sua massa e seu momentum através da expressão
E 2 = p2 c2 + m2 c4 . Essa expressão quadrática tem Figura 1 - A partı́cula progressiva P interage com o fóton γ e se
transforma na partı́cula retrógrada Q.
duas soluções para a energia: uma raiz positiva e ou-
tra negativa (geometricamente, esta equação descreve, Entretanto, quando esse processo for fisicamente ob-
para m fixo, um hiperboloide de duas faces). Na te- servado, o observador fará uso do princı́pio da inversão
oria relatividade geralmente interpretamos os estados (mesmo que de maneira inconsciente) e o fenômeno
7 Switching principle, em inglês. Às vezes o termo “princı́pio da reinterpretação” é também empregado.
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passa a ser interpretado da seguinte forma: duas Dedução algébrica: desde que, em duas di-
partı́culas de igual massa se aproximam e, em dado mensões, os postulados apresentados na seção anterior
momento, colidem e se aniquilam, dando origem a um são suficientes para mostrar que a luz se propaga com
fóton. Desde que o fóton não tem carga elétrica e sa- mesma velocidade c em qualquer referencial inercial,
bemos que a carga elétrica observada da partı́cula pro- podemos tomar esse resultado como o nosso ponto de
gressiva é +e, decorre que a carga elétrica observada partida.
da partı́cula retrógrada tem de ser −e. A conclusão Considere assim que um determinado evento tenha
que se tira disso é que o sinal da carga elétrica de as coordenadas (ct, x) em relação a um referencial R e
uma partı́cula retrógrada se inverte no processo de ob- que para um outro referencial inercial R′ , que se movi-
servação. menta em relação a R com velocidade v, as coordena-
Assim, uma partı́cula retrógrada de massa m e das desse mesmo evento sejam (ct′ , x′ ). Suponha além
carga e é sempre vista como uma partı́cula progres- disso que os eixos coordenados desses referenciais sejam
siva de mesma massa e carga elétrica oposta. Ora, es- igualmente orientados e que em t′ = t = 0 a origem des-
sas são justamente as propriedades esperadas de uma ses referenciais coincidam.9
antipartı́cula. Portanto o princı́pio da inversão nos per- Nessas condições, se um raio de luz for emitido da
mite concluir que qualquer partı́cula retrógrada é obser- origem do referencial R no instante t = 0, então esse
vada fisicamente como uma antipartı́cula. O conceito raio de luz se propagará, em relação a esse referencial,
de antipartı́culas pode ser visto, assim, como um con- conforme a equação
ceito puramente relativı́stico; não é necessário se falar
de mecânica quântica para se introduzir esse conceito.8 x2 − c2 t2 = 0, (2)
Por fim, deixe-nos comentar que esses argumen- e, para R′ , devido ao princı́pio de invariância da velo-
tos também são válidos no caso de partı́culas do tipo cidade da luz, conforme uma equação análoga
espaço, ou seja, no caso dos táquions. No entanto, ve-
remos na seção 8 que no caso dos táquions a energia x′2 − c2 t′2 = 0. (3)
se relaciona com o momentum e a massa através da
relação E 2 = p2 c2 − m2 c4 , equação esta que descreve As Eqs. (2) e (3) implicam, portanto, que
um hiperboloide de folha única. Assim podemos ve- ( )
x′2 − c2 t′2 = λ(v) x2 − c2 t2 , (4)
rificar que os táquions possuem uma propriedade bem
interessante: eles podem passar de uma partı́cula pro- onde λ(v) não depende das coordenadas e do tempo,
gressiva a uma retrógrada (e vice-versa) através de um mas pode depender de v.
simples movimento contı́nuo. Em outras palavras, ao Por outro lado, desde que a velocidade do referen-
acelerarmos um táquion podemos fazê-lo se transformar cial R quando medida por R′ é claramente −v, segue
em um antitáquion e vice-versa (no momento dessa in- também que
versão, aliás, o táquion tornar-se-ia uma partı́cula mo- ( )
mentânea, ou seja, uma partı́cula de velocidade infi- x2 − c2 t2 = λ(−v) x′2 − c2 t′2 . (5)
nita). Isso, é claro, só é possı́vel para partı́culas do tipo Conclui-se, assim, a partir das Eqs. (4) e (5), que
espaço. λ(v)λ(−v) = 1. Entretanto, a hipótese de que o espaço-
tempo é homogêneo e isotrópico impede que λ (v) possa
4. Dedução das transformações de Lo- depender da direção da velocidade10 e somos levados à
condição
rentz estendidas (em 2 dimensões)
2
λ (v) = 1 ⇒ λ (v) = ±1. (6)
Deixe-nos agora mostrar como as transformações de Lo-
rentz podem ser generalizadas, ou estendidas, a referen- Temos assim dois casos à considerar. Deixe-nos pri-
ciais que se movimentam com uma velocidade maior meiro considerar o caso em que λ (v) = +1. Nesse caso
que a da luz, bem como para referenciais retrógrados. a Eq. (4) se torna
Nessa seção nos limitaremos, contudo, a formular uma
teoria em duas dimensões. Como já foi comentado, em x′2 − c2 t′2 = x2 − c2 t2 , (7)
quatro dimensões nos deparamos com diversas dificul- e, como sabemos, a solução da Eq. (7) nos leva direta-
dades para se fazer essa extensão, as quais serão ex- mente às transformações de Lorentz usuais,
plicadas na seção 10. Apresentaremos a seguir duas
deduções para as Transformações de Lorentz Estendi- ct − xv/c x − vt
ct′ = √ , x′ = √ . (8)
das (TLE), uma dedução algébrica e outra geométrica. 1 − v 2 /c2 1 − v 2 /c2
8 A conexão entre partı́culas que voltam no tempo com antipartı́culas já foi, é claro, proposta por diversos cientistas (e.g., Dirac [8],

Stückelberg [9, 10], Feynman [11, 12], Sudarshan [13], Recami [5] etc.).
9 Daqui em diante, sempre que falarmos nos referenciais R e R′ assumiremos implicitamente que a velocidade relativa entre eles é v

e que as condições estabelecidas acima são sempre satisfeitas.


10 De fato, é apenas nesse caso que as transformações procuradas formam um grupo, conferir a Ref. [6].
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Note que essas transformações contêm a identidade


(para v = 0) e são descontı́nuas apenas em v = ±c.
Consequentemente, essas transformações devem se apli-
car a todo o intervalo −c < v < c, e somente a esse
intervalo.
Esperamos assim que no outro caso, isto é, quando
λ (v) = −1, as transformações encontradas estejam re-
lacionadas à velocidades maiores que a da luz. Mostra-
remos agora que de fato é isso o que ocorre.
Para λ (v) = −1, a Eq. (4) se torna
( )
x′2 − c2 t′2 = − x2 − c2 t2 . (9)
Através das substituições formais x → ±iξ e ct → ±icτ ,
podemos reescrever a Eq. (9) como
x′2 − c2 t′2 = ξ 2 − c2 τ 2 . (10)
A Eq. (10) tem a mesma forma que a Eq. (7) e,
portanto, admite mesma solução
cτ − ξv/c ξ − vτ
ct′ = √ , x′ = √ . (11)
1 − v 2 /c2 1 − v 2 /c2
Figura 2 - Gráfico da curva c2 t2 − x2 = ρ2 , as regiões descone-
Expressando novamente essas equações em termos de x xas do espaço-tempo e os sinais que devem ser empregados nas
transformações de Lorentz extendidas.
e t, obtemos
ct − xv/c x − vt Para expressar tal rotação, convém introduzir
ct′ = ± √ , x′ = ± √ , (12)
v 2 /c2 − 1 v 2 /c2 − 1 as funções hiperbólicas estendidas, coshe θ e sinhe θ,
definindo-as através das relações
e agora só nos resta remover a ambiguidade dos sinais
presente nessas transformações. O sinal correto, con-
tudo, depende das “direções de movimento” dos refe- ct = ρ coshe θ, x = ρ sinhe θ, (14)
renciais R e R′ no espaço-tempo, conforme pode ser
visualizado na Fig. 2. No caso de uma transformação
progressiva do tipo espaço, facilmente se pode mostrar
onde θ (0 ≤ θ < 2π) é o parâmetro circular usual e
que o sinal correto é o negativo.
ρ é dado pela Eq. (13). Note que nessa descrição
Note que essas equações, assim como no caso ante-
geométrica a velocidade passa a ser dada pela expressão
rior, são descontı́nuas apenas em v = ±c, mas agora
elas são reais somente quando |v| > c. Essas equações
representam, por conseguinte, as transformações de Lo-
v/c = tanhe θ. (15)
rentz entre dois referenciais cuja velocidade relativa é
maior que a da luz, onde o sinal correto depende se o
referencial R′ é progressivo ou retrógrado em relação à As expressões de coshe θ e sinhe θ, por sua vez, po-
R e pode ser visualizado na Fig. 2. dem ser determinadas através das funções hiperbólicas
Dedução geométrica: do ponto de vista usuais, cosh φ e sinh φ, onde φ é o parâmetro hi-
geométrico, as TLE correspondem a uma rotação (hi- perbólico usual, −∞ < φ < ∞. De fato, se intro-
perbólica) definida sobre a curva11 duzirmos em cada região do plano um parâmetro hi-
2 2
c t − x2 = ρ2 . (13) perbólico φ correspondente, o qual deve ser medido,
por conveniência, como mostrado na Fig. 2, então as
Podemos chamar tal transformação de rotação hi- funções cosh φ e sinh φ nos permitem parametrizar cada
perbólica estendida. Note que a Eq. (13) representa um dos ramos da curva (13). Assim, uma vez especifi-
um par de hipérboles equiláteras e ortogonais. As cada a região na qual θ pertence, ρ e φ determinam de
duas assı́ntotas dessa curva dividem o plano em qua- forma única qualquer ponto da curva (13) e, portanto,
tro regiões desconexas, a que chamaremos de regiões I, determinam também as funções hiperbólicas estendi-
II, III e IV, respectivamente (ver Fig. 2). das. Com essas convenções, encontramos que
11 Tal rotação pode ser mais elegantemente descrita através do conceito de números hiperbólicos [14]. Um número hiperbólico é um

número da forma z = a+hb, com {a, b} ∈ R e h : {h2 = +1, h ∈ / R}. Definindo-se o conjugado z̄ = a−hb, segue que |zz|
¯ = |a2 −b2 | = ρ2 ,
uma equação da mesma forma que a Eq. (13). Obtém-se assim uma completa analogia com os números complexos, mas com a diferença
de que agora esses números descrevem uma geometria hiperbólica. Destacamos também que o mesmo pode ser feito através da chamada
álgebra geométrica do espaço-tempo [15], com a vantagem de que esse formalismo talvez permita uma generalização à dimensões maiores.
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+ cosh φ, θ ∈I

− sinh φ, θ ∈ II
coshe θ ≡ ,
− cosh φ,
 θ ∈ III


+ sinh φ, θ ∈ IV
(16)


 + sinh φ, θ ∈ I

+ cosh φ, θ ∈ II
sinhe θ ≡ ,

 − sinh φ, θ ∈ III


− cosh φ, θ ∈ IV
Figura 3 - Gráfico da função hiperbólica estendida, coshe θ. O
onde os parâmetros θ e φ relacionam-se através da gráfico da função sinhe θ é semelhante a este, mas com uma de-
fórmula fasagem de π/2 rad.
{ Substituindo as expressões de coshe (θ1 − θ12 ) e
+ tanh φ, θ ∈ (I, III) sinhe (θ1 − θ12 ) por qualquer uma das expressões acima
tanhe θ = tan θ = . (17)
− coth φ, θ ∈ (II, IV) e simplificando as expressões resultantes, levando-se
ainda em conta a Eq. (17), pode-se verificar que (ct′ , x′ )
As expressões das funções hiperbólicas estendidas relaciona-se com (ct, x) através das equações
também podem ser encontradas sem se fazer uso das ct′ = δ (θ12 ) (ct coshe θ12 − x sinhe θ12 ) ,
funções hiperbólicas usuais. Para isso parametrizamos (22)
a Eq. (13) através das funções circulares,
√ colocando x′ = δ (θ12 ) (x coshe θ12 − ct sinhe θ12 ) ,
ct = r cos θ e x = r sin θ, onde r = c2 t2 + x2 . Isso
nos permite escrever diretamente,
onde {
+1, tan2 θ < 1
δ (θ) = . (23)
cos θ sin θ −1, tan2 θ > 1
coshe θ = √ , sinhe θ = √ . (18)
|cos 2θ| |cos 2θ| Por fim, utilizando a Eq. (19) e colocando tanhe θ12 =
tan θ12 = v/c, obtemos diretamente as transformações
ou, em termos da tangente, procuradas, que são idênticas às obtidas algebricamente
ct − xv/c x − vt
σ(θ) σ(θ) tan θ ct′ = ε (θ12 ) √ , x′ = ε (θ12 ) √ ,
coshe θ = √ , sinhe θ = √ , |1 − v 2 /c2 | |1 − v 2 /c2 |
1 − tan2 θ 1 − tan2 θ (24)
(19) onde ε (θ12 ) = σ (θ12 ) δ (θ12 ) determina o sinal correto
com que deve figurar na frente dessas transformações, con-
{ forme está indicado na Fig. 2.
+1, −π/2 < θ < π/2 Para encerrar esta seção convém mencionar que as
σ(θ) = . (20)
−1, π/2 < θ < 3π/2 transformações de Lorentz estendidas, em conjunto com
o princı́pio da inversão, explicam de forma simples a
A equivalência entre as Eqs. (16) e (18) ou (19) é validade universal do teorema CPT, no qual as leis da
encontrada quando se leva em conta a Eq. (17). fı́sica devem ser invariantes por transformações na qual
Uma vez definidas as funções hiperbólicas es- a carga, a paridade e o sentido do tempo são inverti-
tendidas é fácil obter as expressões que descrevem dos. Efetivamente, a inversão temporal corresponde a
uma rotação hiperbólica estendida. Sejam (ct, x) = uma simples rotação hiperbólica estendida de π radia-
(ρ coshe θ1 , ρ sinhe θ1 ), as coordenadas de um ponto do nos e, pelo princı́pio da inversão, qualquer partı́cula que
plano para um sistema de coordenadas R, o qual su- seja observada por esse referencial girado deve ter a sua
pomos pertencer ao setor I do espaço-tempo. Se efetu- carga elétrica e paridade invertidas. Desta forma pode-
armos uma rotação hiperbólica passiva (i.e., dos eixos mos ver que qualquer violação do teorema CPT impli-
coordenados), digamos por um ângulo θ12 , vamos obter caria na violação direta das Transformações de Lorentz
um novo sistema de coordenadas R′ e as coordenadas estendidas.
daquele mesmo ponto passarão a ser dadas agora por
(ct′ , x′ ) = (ρ coshe θ2 , ρ sinhe θ2 ). Como θ12 = θ1 − θ2 , 5. A lei de composição de velocidades e
segue que as transformações inversas
ct′ = ρ coshe (θ1 − θ12 ) , x′ = ρ sinhe (θ1 − θ12 ) . As transformações deduzidas na seção anterior formam
(21) um grupo, no qual as transformações de Lorentz or-
Uma introdução à teoria dos táquions 3306-7

dinárias constituem apenas um subgrupo. Deixe-nos e


demonstrar essa estrutura.
Em primeiro lugar, notemos que a identidade é ob- tanhe θ12 + tanhe θ23
tanhe (θ13 ) = = tanhe (θ12 + θ23 ) .
tida quando se faz v = 0. Mostraremos agora que a 1 + tanhe θ12 tanhe θ23
composição de duas TLE resulta ainda em outra TLE. (30)
Para isso introduzimos um terceiro referencial inercial Através da Eq. (17) podemos verificar que a Eq. (30)
R′′ , que se movimenta em relação a R′ com velocidade consiste em uma generalização da fórmula de adição
u = c tanhe θ23 . Por outro lado, supomos que o referen- das tangentes hiperbólicas, o que revela o seu signifi-
cial R′ movimenta-se com a velocidade v = c tanhe θ12 cado geométrico. Em termos das velocidades, a Eq. (30)
em relação a R. A lei de transformação entre R e R′ já pode ser reescrita como
conhecemos, ela pode ser escrita como u+v
w= . (31)
ct − x tanhe θ12 1 + uv/c2
ct′ = ε (θ12 ) √ ,
1 − tanh2e θ12 A Eq. (31) expressa à lei de composição de ve-
(25) locidades em nossa teoria. Ela é exatamente igual à
x − ct tanhe θ12 expressão obtida na teoria da relatividade usual, mas
x′ = ε (θ12 ) √ . agora aplica-se a quaisquer valores de velocidade.
1 − tanh2e θ12
Podemos igualmente mostrar que existe a trans-
formação inversa. Para isso podemos colocar na
Por sua vez, a lei de transformação de R′ para R′′ pode Eq. (27) as condições ct′′ = ct e x′′ = x, e requerer
ser escrita por uma expressão análoga que a transformação resultante seja a identidade. As-
sim verificamos que é necessário se ter θ23 = −θ12 e
ct′ − x′ tanhe θ23
ct′′ = ε′ (θ23 ) √ ε′′ (θ13 ) = 1. Com essas condições torna-se possı́vel cal-
,
1 − tanh2e θ23 cular ε′ (θ23 ) através da expressão resultante de ε′′ (θ13 ).
(26) De fato, encontramos que
x′ − ct′ tanhe θ23 /
x′′ = ε′ (θ23 ) √ . ε′ (θ23 ) = δ (θ12 ) ε (θ12 ) = σ (θ12 ) , (32)
1 − tanh2e θ23
já que δ (θ12 , −θ12 ) = δ (θ12 ), com δ (θ12 ) definido pela
Nessas equações, ε′ (θ23 ) determina os sinais correspon- Eq. (23).
dentes às transformações de R′ para R′′ , os quais não Substituindo esse resultado na Eq. (26) obtemos
precisam necessariamente ser iguais aos sinais presen- então, em termos das velocidades, as expressões procu-
tes nas transformações de R para R′ . De fato, enquanto radas das transformações inversas,
na definição de ε (θ12 ) o referencial de partida, R, era
suposto pertencer à região I do espaço-tempo, o refe- ct′ + x′ v/c
rencial R′ pode pertencer a qualquer região. Assim, ct = ε−1 (θ12 ) √ ,
|1 − v 2 /c2 |
ε′ (θ23 ) é uma função ainda a se determinar. (33)
A substituição da Eq. (25) na Eq. (26) nos fornece x′ + vt′
a lei de transformação entre R e R′′ . Após algumas sim- x = ε−1 (θ12 ) √ ,
plificações, pode-se verificar que as expressões obtidas |1 − v 2 /c2 |
possuem a mesma forma de uma TLE, a saber,
onde colocamos ε−1 (θ12 ) = σ (θ12 ). Note que os sinais
ct − x tanhe θ13 das transformações inversas diferem dos que aparecem
ct′′ = ε′′ (θ13 ) √ , nas transformações diretas. Essa diferença deve-se ao
1 − tanh2e θ13 fato já comentado de que na transformação R → R′ ,
(27) assumimos que o referencial de partida pertencia sem-
x − ct tanhe θ13 pre à região I do espaço-tempo, enquanto que na trans-
x′′ = ε′′ (θ13 ) √ , formação inversa, R′ → R, é o referencial de chegada
1 − tanh2e θ13
que fixamos à região I. Quando |v| < c essa assimetria
não interfere em nada, já que nesse caso os sinais são
onde, sempre iguais nas duas definições, contudo, no caso em
ε (θ12 ) ε′ (θ23 ) que |v| > c, decorre que as transformações inversas não
ε′′ (θ13 ) = , (28)
δ (θ12 , θ23 ) podem ser obtidas simplesmente pela substituição de v
com por −v, ainda é necessário multiplicá-las por −1.
{ Por fim, mencionamos que a associatividade das
+1, − tan θ12 tan θ23 < 1 TLE pode ser igualmente demonstrada, o que completa
δ (θ12 , θ23 ) = , (29)
−1, − tan θ12 tan θ23 > 1 a sua estrutura de grupo.
3306-8 Vieira

6. Referenciais conjugados referencial. Se, do contrário, tivermos v > c , então o


referencial R′ observará uma antipartı́cula sempre que
Introduziremos agora um importante conceito que só u < c2 /v.
pode ser contemplado em uma teoria estendida da re- Desde que a velocidade relativa do referencial R′ em
latividade: o conceito de referenciais conjugados. A relação a R é −v, decorre também que uma partı́cula
definição é a seguinte: dois referenciais são ditos con- de velocidade u′ = −c2 /v terá velocidade infinita em
jugados se a velocidade relativa entre eles for infinita. R. Assim, no caso em que se tem |v| < c, o referen-
Assim por exemplo, o referencial conjugado à R′ (que, cial R verá uma antipartı́cula se u′ < −c2 /v, e no caso
lembremos, se movimenta com velocidade v em relação em que |v| > c, ele só observará uma antipartı́cula se
a R) consiste em um referencial R∗ cuja velocidade é, u′ > −c2 /v. Essas relações, é claro, podem ser mais
em relação a R, igual a w = c2 /v. De fato, obtemos da facilmente encontradas pela análise da Eq. (30) ou da
Eq. (31) ( ) Eq. (31).
u+v c2
lim = . (34)
u→∞ 1 + uv/c2 v
7. Réguas e relógios
É interessante notar que a velocidade w = c2 /v
é idêntica à velocidade de propagação das ondas Considere dois relógios idênticos, mas com um deles fixo
quânticas de De Broglie. Grosso modo, isso permiti- no referencial R, enquanto que o outro é fixo no referen-
ria interpretar as ondas de De Broglie como o resultado cial R′ . Desejamos comparar o ritmo de funcionamento
de uma espécie de campo que, para o referencial próprio desses relógios, quando medido por um desses referen-
da partı́cula quântica, se propaga com uma velocidade ciais. Por exemplo, suponha que desejamos comparar
infinita. o ritmo do relógio fixo em R′ com o relógio fixo em
No que diz respeito à teoria dos táquions, a R, quando ambos os relógios são medidos por R. Para
importância do conceito de referenciais conjugados isso, considere que o relógio de R′ leve o tempo τ ′ para
provém do fato de que uma transformação do tipo dar uma oscilação completa, quando o tempo é medido
espaço entre dois referenciais, digamos, entre R e R′ , por esse mesmo referencial. O tempo T correspondente
pode ser obtida por uma transformação de Lorentz a oscilação desse relógio para o referencial R pode ser
usual entre os referenciais R e R∗ , bastando para isso encontrado através das transformações inversas (33), se
fazer as substituições v
c2 /v, ct∗
x e x∗
ct. De lembrarmos que ∆x′ = 0, já que o relógio analisado está
fato, desde que w = c2 /v é menor que c para v > c, fixo em R′ . Obtemos assim que
segue que a transformação de R para R∗ é dada por τ′
T = ε−1 (θ) √ . (36)
∗ ct − xw/c ∗ x − wt |1 − v 2 /c2 |
ct = √ , x =√ , (35)
1 − w2 /c2 1 − w2 /c2 Podemos então verificar que um relógio progressivo
(em relação a R) em movimento trabalha em um ritmo
e podemos verificar que essas expressões se reduzem às
mais lento que um relógio em repouso quando a sua
transformações corretas entre R e R′ ao efetuarmos as
velocidade for menor que a da luz (como, aliás, é bem
substituições indicadas acima.
sabido). Mas para um relógio mais rápido que a luz, o
Do ponto de vista geométrico a passagem de um re-
seu ritmo√ de funcionamento continua a ser menor √ para
ferencial para o seu conjugado consiste em uma reflexão
|v/c| < 2 e passa a ser maior quando√ |v/c| > 2. É in-
dos seus eixos coordenados em relação às assı́ntotas da
teressante notar que para |v/c| = 2 ambos os relógios
curva (13), já que tal reflexão tem justamente o efeito
voltam a funcionar no mesmo ritmo. Além disso, no
de trocar ct por x e vice-versa (e, consequentemente, o
caso de um relógio retrógrado, o relógio em movimento
de substituir v por c2 /v). Vemos assim que uma trans-
marcará o tempo de trás para frente, o que expressa o
formação de Lorentz estendida pode ser reduzida a uma
simples fato de que relógios retrógrados devem marcar
transformação de Lorentz usual através de apropriadas
o tempo no sentido do futuro para o passado.
reflexões em torno das assı́ntotas (para o caso das trans-
Deixe-nos agora verificar como o relógio fixo em R se
formações do tipo espaço) e em torno da origem (para
comporta em relação ao relógio de R′ , quando os tem-
uma transformação retrógrada do tipo tempo). Isso nos
pos são medidos por esse último referencial. Nesse caso
fornece uma nova maneira de se deduzir as TLE.
devemos utilizar as transformações diretas e obtemos
Note, além disso, que se uma partı́cula tiver velo-
cidade u = c2 /v em relação ao referencial R, então τ
T ′ = ε (θ) √ , (37)
ela terá uma velocidade infinita para o referencial R′ , |1 − v 2 /c2 |
ou seja, ela será uma partı́cula momentânea para esse
referencial. Assim, podemos verificar que se a veloci- onde τ é o tempo gasto pelo relógio fixo em R (i.e., que
dade da partı́cula for u > c2 /v e, além disso, tivermos se move com velocidade −v para R′ ) para dar uma os-
v < c, então essa partı́cula se tornará retrógrada para cilação completa, sendo que esse tempo é medido por R.
R′ , e será observada como uma antipartı́cula por esse Agora, o sinal que aparece na Eq. (37) é determinado
Uma introdução à teoria dos táquions 3306-9

conforme a Fig. (2) e a análise se torna pouco mais 8. Dinâmica


ou menos complicada. É claro que não há problemas
quando |v| < c, passemos então a analisar o caso em Nesta seção pretendemos responder a algumas questões
que |v| > c. Suponha primeiro que o referencial R′ seja referentes à dinâmica dos táquions. Expressões para a
progressivo em relação a R. Nesse caso encontramos energia e o momentum de uma partı́cula mais rápida
que ε (θ) = −1 e o relógio que para R′ se movimenta que a luz serão deduzidas e mostraremos como tais
com velocidade −v trabalha no sentido contrário ao do partı́culas se comportam quando na presença de um
relógio fixo em R′ . Isso significa que o relógio de R é campo de forças.
retrógrado em relação à R′ . Que isso é verdade pode Como ponto de partida assumiremos que o princı́pio
ser verificado através do que foi comentado na seção da ação estacionária aplica-se também à partı́culas mais
anterior, onde se deve notar que u = 0 e |v| > c (e que, rápidas que a luz. Isso, é claro, segue diretamente
por conseguinte, u < c2 /v). da hipótese de que o espaço-tempo é isotrópico e ho-
No entanto, essa é uma situação interessante por- mogêneo, uma vez que sabemos que esse princı́pio é
que acabamos de ver que para o referencial R, o relógio válido para partı́culas mais lentas que a luz.
em movimento funciona no mesmo sentido que o seu Como se sabe, o princı́pio da ação estacionária
relógio, em repouso. Assim, enquanto um dos referen- afirma que existe uma quantidade S, chamada ação,
ciais insiste que os relógios funcionam ao contrário, o que assume um valor extremo (máximo ou mı́nimo)
outro discorda, afirmando que ambos os relógios tra- para qualquer movimento possı́vel de um sistema
balham no mesmo sentido! No caso em que o referen- mecânico (no nosso caso, uma partı́cula). Por ou-
cial R′ é retrógrado em relação a R a assimetria ainda tro lado, na ausência de forças o movimento de uma
persiste, mas agora é o referencial R que verá ambos partı́cula corresponde a uma geodésica do espaço-
os relógios funcionarem no sentido contrário, enquanto tempo, curva esta que se reduz a uma reta quando
que para R′ os relógios funcionarão no mesmo sentido. desprezamos a gravitação. Isso significa que no caso
Essa assimetria, é claro, tem origem na própria assime- de uma partı́cula livre a diferencial da ação dS deve
tria entre as transformações diretas e inversas. ser proporcional ao elemento de linha ds da partı́cula e
Considere agora duas réguas idênticas, uma colo- podemos escrever
cada no referencial R e outra no referencial R′ . Dese- √
jamos comparar o comprimento dessas réguas, quando dS = αds, ds = |c2 dt2 − dx2 − dy 2 − dz 2 |. (40)
analisadas por um desses referenciais. Se l0′ é o com-
primento da régua fixa em R′ quando medida por esse Temos de enfatizar, entretanto, que a constante de pro-
referencial, então o seu comprimento L, como medido porcionalidade α pode assumir valores diferentes em
por R, é obtido ao se determinar onde se encontram os regiões diferentes do espaço-tempo, uma vez que es-
estremos da régua em movimento em um dado instante sas regiões são completamente desconexas. Portanto, é
t. Fazendo uso das transformações diretas, encontra- conveniente considerar cada caso separadamente.
mos que No caso de uma partı́cula progressiva do tipo tempo,

L = ε (θ) · l0′ |1 − v 2 /c2 |. (38) a Eq. (40) assume a forma,

Para |v| < c reencontramos à contração de Lorentz, dS = L (u) dt, L (u) = αc 1 − u2 /c2 , (41)
mas para |v| > c obtemos que a régua em movimento √
será menor que a régua em repouso quando |v/c| < √2 e onde introduzimos a função de Lagrange, L (u), para
voltará a ter o mesmo√ comprimento quando |v/c| = 2. expressar a ação em termos da velocidade da partı́cula.
Por fim, para |v/c| > 2 teremos uma “dilatação de Lo- Como se sabe, as expressões para a energia e mo-
rentz”. Além disso, considerando que o referencial R′ é mentum são obtidas pelas fórmulas
progressivo em relação a R, decorre que para R a régua
em movimento estará orientada contrariamente a sua ∂L (u) ∂L (u)
régua, em repouso. p (u) = , E (u) = u · − L (u) . (42)
∂u ∂u
Se, por outro lado, as medições são feitas por R′ ,
então encontramos que Aplicando-se a Eq. (42) na Eq. (41) obtemos, assim,

L′ = ε−1 (θ) · l0 |1 − v 2 /c2 |, (39) p (u) = − √
αu/c
, E (u) = − √
αc
. (43)
1 − u2 /c2 1 − u2 /c2
e agora para R′ a régua em movimento (que tem velo-
cidade −v) apontará para o mesmo sentido que a sua Para determinar α podemos usar o fato de que essas ex-
régua em repouso. Encontramos assim as mesmas assi- pressões devem, para baixas velocidades, se reduzir às
metrias comentadas mais acima. expressões obtidas pela mecânica de Newton. Assim,
Esses resultados podem, é claro, ser obtidos – e mais por exemplo, se expandirmos a expressão para o mo-
bem compreendidos – através dos diagramas de Min- mentum em uma série de potências de u/c e retermos
kowski. apenas o primeiro termo, encontramos que p ≈ −αu/c,
3306-10 Vieira

ao passo que a mecânica de Newton nos fornece p = mu. métrica também no espaço da energia e dos momenta.
Vemos desta forma que α = −mc e, portanto, obtemos Fazendo uma analogia com a Eq. (1), podemos definir
essa métrica dinâmica como
mu mc2
p (u) = √ , E (u) = √ , (44) √
1 − u2 /c2 1 − u2 /c2 c2 dm = dE 2 − c2 dp2x − c2 dp2y − c2 dp2z . (48)
que são justamente as expressões conhecidas da relati-
vidade usual. Assim, segue que a massa, a energia e o momentum
Já no caso de uma partı́cula progressiva do tipo de uma partı́cula √ devem estar relacionados sempre pela
espaço (i.e., no caso de um táquion progressivo), a fórmula mc2 = |E 2 − c2 p2 |. Se colocarmos, nessa
função de Lagrange assume a forma última equação, E = 0, obtemos que p = mc = α (onde
√ assumimos p é positivo para u positivo). Concluı́mos
L (u) = αc u2 /c2 − 1, (45) deste modo que o momentum e a energia de um táquion
são dadas pelas as expressões (note que essas quantida-
e obtemos, por meio da Eq. (42), as seguintes ex-
des, inclusive a massa m, são sempre quantidades reais)
pressões para o momentum e energia dessa partı́cula,
αu/c αc mu mc2
p (u) = √ , E (u) = √ . (46) p (u) = √ , E (u) = √ . (49)
u2 /c2 − 1 u2 /c2 − 1 u /c2 − 1
2 u2 /c2 − 1

A constante α, entretanto, não pode mais ser calculada Esse resultado pode também ser obtido através do em-
através da comparação dessas expressões com as que prego dos referenciais conjugados, introduzidos na seção
são obtidas pela mecânica de Newton, já que a velo- 6. Suponha que uma partı́cula tenha velocidade u > c
cidade da partı́cula é nesse caso sempre maior que a para um referencial R. Então para o referencial con-
da luz. Mas podemos, em contrapartida, calcular o li- jugado R∗ ela terá energia E ∗ = cp e momentum
mite dessas expressões para quando u → ∞, e assim p∗ = E/c, enquanto que a sua velocidade passa a ser
procedendo encontramos que w = c2 /u, que é menor que c. Mas as expressões para
lim p (u) = α, lim E (u) = 0, (47) o momentum e energia de um brádion (i.e., de uma
u→∞ u→∞ partı́cula do tipo tempo) são dadas pela Eq. (42), e
de onde se pode ver que α consiste no momentum de obtemos, por conseguinte,
uma partı́cula momentânea, ou seja, de velocidade in-
mw mc2
finita. p∗ = √ , E∗ = √ . (50)
1 − w2 /c2 1 − w2 /c2

Podemos então verificar que as substituições de E ∗ , p∗


e w nas fórmulas acima resultam exatamente na ex-
pressão (49).
No caso de partı́culas retrógradas, a função de La-
grange troca de sinal, já que dt é negativo e L = dS/dt.
Por conseguinte, partı́culas retrógradas devem ter ener-
gia negativa, um resultado que já havı́amos indicado na
seção 3.
Por fim, deixe-nos mostrar como uma partı́cula do
tipo espaço deve se comportar quando submetida a um
campo de forças. A força que atua na partı́cula conti-
nua, é claro, sendo dada pela lei de Newton, ṗ = F , mas
agora p é dado pela Eq. (49). Calculando a derivada,
obtemos
ma
F =− 3/2
, (51)
(u /c − 1)
2 2

onde a = du/dt denota a aceleração da partı́cula. Note


que a força é dirigida no sentido oposto à aceleração.
Consequentemente duas partı́culas do tipo espaço que
Figura 4 - Gráficos para o momentum e energia de uma partı́cula dinamicamente se atraem (se repelem) devem se afastar
progressiva com velocidade 0 ≤ u < ∞. (se aproximar) uma da outra. Os conceitos de atração-
Desde que a massa de uma partı́cula deve ser um aproximação e de repulsão-afastamento, portanto, não
invariante universal, segue que podemos definir uma são mais equivalentes quando lidamos com táquions.
Uma introdução à teoria dos táquions 3306-11

9. Causalidade e o paradoxo de Tolman

Outro argumento geralmente empregado para se mos-


trar que partı́culas mais rápidas que a luz não podem
existir é que a sua existência implicaria uma violação
do princı́pio de causalidade. Com efeito, suponha que
um táquion seja emitido por um corpo A no instante tA
e que ele seja absorvido por outro corpo B no instante
tB , onde tB > tA . Como esses dois eventos (emissão
de um táquion por A e sua absorção por B) estão se-
parados por uma distância do tipo espaço, sabemos da
teoria da relatividade que é possı́vel encontrar um outro Figura 5 - Experimento imaginado por Tolman. A primeira figura
descreve a situação aparentemente paradoxal do experimento. A
referencial, com velocidade menor que a da luz, onde a
segunda, o que de fato ocorre quando as mensagens são enviadas
ordem cronológica desses eventos se inverte. Assim, se e recebidas intrinsecamente.
assumirmos que o evento em A é a causa do evento B,
chegaremos então à conclusão de que, para esse referen- Como exemplo de um paradoxo que envolve o con-
cial em movimento, o efeito precede a sua causa. ceito de causalidade, deixe-nos analisar o interessante
Portanto, se admitirmos que os conceitos de causa paradoxo proposto e discutido por Tolman [16] em 1917,
e efeito são absolutos, e que a causa sempre precede embora ele já tivesse sido apontado dez anos antes por
o seu efeito, efetivamente seremos levados à conclusão Einstein [17]. A argumentação que apresentaremos a
de que partı́culas mais rápidas que a luz não podem seguir basea-se nas Refs. [5, 18] e maiores detalhes po-
existir. No entanto, não há nada do ponto de vista ma- dem ser conferidos também nas Refs. [5, 18–20].
temático que dê suporte a essa hipótese. Pelo contrário, O paradoxo consiste em mostrar que se existissem
se admitirmos uma completa isotropia e homogeneidade partı́culas mais rápidas que a luz, então seria possı́vel
do espaço-tempo, então não temos outra escolha senão enviar informações para o passado. Para mostrar isso,
considerar os conceitos de causa e efeito como que re- considere que os referenciais R e R′ (com R′ movendo-se
lativos. com uma velocidade v < c em relação a R) sejam equi-
Já vimos, é claro, outras quantidades que eram pados com certos aparelhos telefônicos especiais, cuja
consideradas absolutas na teoria da relatividade usual comunicação é feita através da transmissão de táquions.
e tiveram de ser vistas agora como relativas. Um Imagine, assim, que um observador em R envie (evento
exemplo é o conceito de emissão e absorção. Uma A) uma mensagem, digamos na forma de uma pergunta,
vez que pelo princı́pio da inversão não observamos para R′ e que, após o seu recebimento (evento B), um
partı́culas retrógradas mas sim antipartı́culas progres- observador em R′ mande de volta para R a sua res-
sivas, os processos de emissão (absorção) de partı́culas posta, que é então recebida por R (evento C). Acontece
retrógradas devem sempre ser observadas como uma ab- que, como pode ser visto na Fig. 5a, o observador em
sorção (emissão) de antipartı́culas. Podemos, é claro, R′ poderia em tese calibrar o seu aparelho de modo que
descobrir se uma partı́cula foi de fato emitida (absor- a mensagem enviada por ele chegue em R antes que esse
vida) se analisarmos o processo no referencial onde a observador tenha enviado a sua pergunta. Assim, uma
fonte (emissor) está em repouso – nesse caso falaremos vez que R obtém a resposta antes mesmo de fazer a
de uma emissão (absorção) intrı́nseca ou própria. pergunta, R poderia deixar de fazê-la, no caso em que
O caráter relativo da causalidade, todavia, não leva não poderia haver qualquer resposta por parte de R′ , o
a nenhuma contradição à teoria. Na natureza, um que constitui uma situação paradoxal.
fenômeno nunca descreve um evento isolado, mas sim A falha nessa argumentação reside no uso si-
uma sucessão contı́nua de eventos, a que podemos cha- multâneo de ambos os referenciais na descrição do
mar de processo fı́sico. Geometricamente um processo fenômeno, principalmente quando os termos “emissão”
descreve uma curva contı́nua no espaço-tempo e por- e “absorção” são empregados. De fato, mostraremos
tanto tem um caráter absoluto: a ordem temporal com agora que se o referencial R′ receber intrinsecamente
que os eventos ocorrem podem diferir de referencial a pergunta enviada por R, e também enviar intrinse-
para referencial, mas a curva em si, correspondente ao camente a sua resposta, então o referencial R sempre
fenômeno em questão, é a mesma para qualquer um receberá a resposta de R′ depois de ter enviado a sua
deles. Isso, por exemplo, é suficiente para mostrar que pergunta.
não podemos voltar no tempo e matar o nosso avô. De Para isso, suponha que a pergunta de R seja envi-
fato, o simples fato de existirmos significa que existe ada com uma velocidade u1 e que a resposta volte com
uma curva no espaço tempo conectando o nosso avô a uma velocidade u2 , com ambas as velocidades maiores
nós e, por essa curva ter caráter absoluto, ela não pode que a da luz e medidas sempre por R. Então note que
ser (estar) desconectada por (para) qualquer observa- para a resposta de R′ chegar antes da pergunta de R,
dor, mesmo que este voltasse no tempo. é necessário que se tenha |u1 | > |u2 |, porque para R
3306-12 Vieira

o evento C é anterior a A e ambos chegam em B no tro dimensões não podemos nem mesmo afirmar que a
mesmo instante. No entanto, para que o referencial R′ luz se propaga em superfı́cies esféricas e com velocidade
receba intrinsecamente a pergunta de R é necessário c em qualquer referencial inercial.
que se tenha |u1 | < c2 /v, já que do contrário, con- Para mostrar mais claramente a origem dessa difi-
forme vimos na seção 6, essa mensagem seria retrógrada culdade, deixe-nos considerar por exemplo uma fonte
para R′ e o observador em R′ veria simplesmente a de luz fixa na origem do referencial R e supor que
emissão de uma mensagem por meio da transmissão de em relação a esse referencial a luz se propague em su-
antitáquions, conforme prediz o princı́pio da inversão. perfı́cies esféricas e com velocidade c. Em quatro di-
Da mesma forma, para que R′ emita intrinsecamente a mensões as assı́ntotas do espaço-tempo são substituı́das
sua resposta, devemos ter |u2 | > c2 /v, já que a resposta por um cone – o cone de luz. O lugar geométrico (no
é enviada na direção negativa do eixo X de R. Assim, espaço-tempo) de um raio de luz que é emitido por uma
mostramos que |u2 | > |u1 |, uma contradição. fonte fixa em R é justamente esse cone de luz.
Portanto, se o referencial R′ de fato recebe a per- A teoria da relatividade usual mostra também que
gunta de R e de fato emite a sua resposta, então o para qualquer outro referencial inercial do tipo tempo,
processo será descrito, em verdade, pela Fig. 5b e não a propagação dessa luz é ainda representada por esse
pela Fig. 5a. Nesse caso, a resposta sempre chegará mesmo cone de luz. Mas como a luz deve se comportar
depois da pergunta. para um referencial R′ do tipo espaço? Nesse caso, o
É claro que a Fig. 5a também representa um pro- eixo do tempo desse referencial estará sempre na região
cesso fı́sico válido, mas não se refere efetivamente à si- externa ao cone de luz de R, de modo que não é evi-
tuação descrita no paradoxo de Tolman. Além disso, dente que a luz emitida pela fonte fixa em R deva se
nesse caso cada referencial terá a sua própria visão do propagar em superfı́cies esféricas de velocidade c para
que ocorre. Por exemplo, para o referencial R a Fig. 5 R′ . Além disso, podemos nos perguntar o que acontece
a corresponde ao caso onde, primeiramente, há o envio quando uma fonte fixa em R′ emite luz. Será que para
da mensagem C (por meio de antitáquions) e, logo de- R′ essa luz se propagará em superfı́cies esféricas de ve-
pois, o envio da mensagem A (por meio de táquions), locidade c? E para o referencial R, onde a fonte tem
por fim, ambas as mensagens chegam juntas em B. Já velocidade v > c, o que ocorre?
para R′ tudo se passa como se ele enviasse a mensa- Como se pode ver, há várias questões que não
gem C para R por meio de antitáquions e, ao mesmo podem ser respondidas de imediato, sem se ter in-
tempo, enviasse a mensagem A por meio de táquions, formações adicionais. De fato, o comportamento da
então após algum tempo ele veria que o observador em luz depende de suas propriedades intrı́nsecas, as quais
R recebe a mensagem C e depois a mensagem A. Note são determinadas por uma teoria eletromagnética que
que a ordem cronológica dos eventos depende do refe- a priori desconhecemos. Deixe-nos analisar um pouco
rencial considerado, mas o processo em si (que interliga mais essas possibilidades.
os eventos A, B e C) é único. Podemos supor, por exemplo, que a fonte de luz fixa
em R′ (que vamos supor ter velocidade maior que a da
10. Dificuldades para se formular a te- luz) também emita ondas esféricas e com velocidade c
oria dos táquions em 4 dimensões para esse mesmo referencial. Então agora deve existir
um outro cone de luz, correspondente à esse referencial
Na seção 4 conseguimos com êxito mostrar que em duas do tipo espaço e que deve contornar o eixo do tempo
dimensões as transformações de Lorentz podem ser es- de R′ . Uma vez que o eixo do tempo de R sempre es-
tendidas, de modo a relacionar qualquer par possı́vel tará fora desse novo cone de luz, segue que para R a
e imaginável de referenciais inerciais (com exceção da- luz emitida pela fonte em movimento não se propagará
queles que se movimentam com a velocidade da luz, é em superfı́cies esféricas de velocidade c, mas antes terá
claro). Quando, porém, tentamos fazer o mesmo em a forma de um hiperboloide de dupla face. Nesse caso
quatro dimensões, nos deparamos com sérias dificulda- a velocidade dos raios luminosos dependeria, por con-
des, as quais serão brevemente discutidas aqui. seguinte, da sua direção de propagação e o espaço não
Deixe-nos lembrar o leitor que ao estender as trans- poderia mais ser considerado isotrópico.
formações de Lorentz em duas dimensões, fizemos o uso Se, do contrário, considerarmos que a luz emitida
de um importante princı́pio: aquele que afirma que a ve- pela fonte em R′ se propaga em superfı́cies esféricas com
locidade da luz é a mesma em qualquer referencial iner- respeito ao referencial R, ou seja, que no universo existe
cial. Vimos, aliás, que em duas dimensões esse princı́pio apenas um cone de luz, e que o lugar geométrico dessa
pode ser deduzido a partir dos postulados apresentados luz sempre pertence a esse cone, não importando qual
na seção 2, de modo que ele pode ser visto como um seja a velocidade da fonte que a emitiu, então podemos
teorema da própria teoria da relatividade. Quando, to- verificar que embora a luz se propague em superfı́cies
davia, passamos para um universo de 4 dimensões, não esféricas de velocidade c para R, o mesmo não ocorre
é mais possı́vel mostrar a validade geral desse teorema para R′ , o qual deve observar a luz se propagando em
da mesma forma que fizemos lá, de modo que em qua- hiperboloides de dupla face.
Uma introdução à teoria dos táquions 3306-13

Para que a luz se propague em superfı́cies esféricas 11. Uma possı́vel teoria em 6 dimensões
de velocidade c em ambos os referenciais é necessário
que as coordenadas transversais, y ′ e z ′ , do referen- Podemos nos perguntar por que encontramos dificulda-
cial R′ sejam imaginárias (assumindo que y e z são des em estender as transformações de Lorentz em um
reais). Pois somente desse modo se pode mapear um universo de quatro dimensões, se em duas dimensões
cone de luz do “tipo tempo” em um cone de luz do essa extensão é quase que direta. Após um pouco de
“tipo espaço”. Com efeito, isso pode ser demonstrado reflexão, podemos encontrar a resposta. O motivo pelo
ao se deduzir as TLE em 4 dimensões, assumindo desde o qual isso ocorre reside no fato de que em quatro di-
o inı́cio a validade do princı́pio de invariância da veloci- mensões temos um número diferente de dimensões do
dade da luz para qualquer referencial inercial. De fato, tipo espaço e do tipo tempo. Desde que a experiência
teremos nesse caso, nos mostra que o universo tem três dimensões espa-
( ) ciais (pelo menos), segue que devemos considerar um
x′2 +y ′2 +z ′2 −c2 t′2 = λ (v) x2 + y 2 + z 2 − c2 t2 , (52) universo de (no mı́nimo) seis dimensões – três do tipo
tempo, três do tipo espaço.12
no lugar da Eq. (4). Como se sabe, a solução dessa
equação para λ (v) = +1 consiste nas transformações
de Lorentz usuais, enquanto que, para λ (v) = −1 ob-
temos
ct − xv/c x − vt
ct′ = ± √ , x′ = ± √ ,
v 2 /c2 − 1 v 2 /c2 − 1 (53)
y ′ = ±iy, z ′ = ±iz,

e as coordenadas transversais y ′ e z ′ tornam-se ima-


ginárias. Essa possibilidade foi considerada, por exem-
plo, na Ref. [21], contudo, a introdução de coordenadas
imaginárias não parece ser provida de qualquer sentido
fı́sico aceitável. Figura 6 - lustração de um universo em 6 dimensões – “universos
Se, por fim, negarmos a validade do princı́pio de in- ortogonais”.
variância da velocidade da luz, obtemos então as trans- Mas o que devemos entender por um universo com
formações três dimensões de tempo? A interpretação que pro-
pomos aqui é a seguinte: embora o universo tenha três
ct − xv/c x − vt dimensões do tipo tempo, o tempo fı́sico, isto é, o tempo
ct′ = ± √ , x′ = ± √ ,
v 2 /c2 − 1 v 2 /c2 − 1 (54) que de fato é medido por um observador, é sempre uni-
dimensional. Efetivamente, esse tempo fı́sico deve cor-
y ′ = ±y, z ′ = ±z, responder ao tempo próprio desse observador, ou seja,
deve ser determinado pelo comprimento de sua linha de
em que todas as coordenadas são reais. O problema é universo.
que agora estamos nos casos discutidos anteriormente, Dessa forma, consideramos também que as outras
onde o espaço não pode mais ser considerado isotrópico. duas dimensões do tipo tempo, as que são ortogonais
Note que em cada uma das possibilidades discuti- à linha de universo do observador, são sempre ina-
das acima, as componentes transversais das grandezas cessı́veis a esse observador. Assim, muito embora o
fı́sicas se tornarão diferentes. Assim, por exemplo, a universo seja considerado hexadimensional pela teoria,
formulação da eletrodinâmica dos táquions assumirá o universo fı́sico é sempre quadridimensional. De certa
formas diferentes em cada uma dessas formulações. So- forma, esse universo a seis dimensões pode ser interpre-
mente a experiencia pode, contudo, decidir qual delas tado como que composto por dois universos tridimen-
está correta, (isto é, assumindo que alguma delas es- sionais ortogonais, conforme está pictoricamente ilus-
teja). trado na Fig. 6.
Em resumo, os argumentos apresentados acima nos Com essas interpretações, podemos definir a métrica
mostram que não é possı́vel estender as transformações do universo em seis dimensões pela expressão
de Lorentz de modo a satisfazer todos os postulados √
apresentados na seção 2. Veremos na seção seguinte ds = c2 dt2x + c2 dt2y + c2 dt2z − dx2 − dy 2 − dz 2 ,
que, se não exigirmos a validade do postulado 1, isto é, (55)
que o universo tenha quatro dimensões, então torna-se e a métrica fı́sica por
possı́vel construir uma teoria dos táquions que satisfaça √
os outros postulados. dσ = |c2 dt2 − dx2 − dy 2 − dz 2 |. (56)
12 A concepção de um universo em seis dimensões também já foi proposta antes, conferir a Ref. [5].
3306-14 Vieira

onde supomos que t ≡ tx seja o tempo fı́sico medido Além disso, é interessante notar que se uma fonte
pelo observador correspondente (por uma escolha con- de luz for fixada ao referencial R′ , então o referencial
veniente do sistema de coordenadas sempre podemos, é R verá essa luz se propagando em superfı́cies esféricas
claro, escolher tx como paralelo à linha de universo do com velocidade c, conforme mostramos, mas desde que
observador). a fonte tem nesse caso uma velocidade maior que c,
Deixe-nos então mostrar agora como se pode ob- teremos efetivamente a formação de um cone de Mach,
ter as TLE que estejam de acordo com os postulados pois a fonte estará sempre à frente das ondas que emite.
apresentados na seção 2. Para isso, considere um de- Pode-se mostrar então que a superposição das ondas
terminado evento de coordenadas (ctx , cty , ctz , x, y, z) emitidas por essa fonte superluminal formam duas fren-
em relação a um referencial R, mas que apenas as tes de onda com o formato de hiperboloides. A veloci-
coordenadas (ct, x, y, z) sejam acessı́veis a esse refe- dade de grupo dessas ondas depende da direção, sendo
(rencial. Analogamente, ) para o referencial R′ deixe sempre maior que c (exceto na direção X, cuja velo-
ct′x , ct′y , ct′z , x′ , y ′ , z ′ serem as coordenadas daquele cidade é c), isso, no entanto, deve-se puramente a um
mesmo evento, onde agora somente as coordenadas fenômeno de interferência e não a uma anisotropia do
(ct′ , x′ , y ′ , z ′ ) são acessı́veis a R′ . espaço, diferentemente do que ocorria nos casos discuti-
Considere primeiro o caso em que v < c. Nesse dos na seção anterior. Ondas desse tipo são comumente
caso é evidente que as dimensões acessı́veis de R e R′ chamadas de “ondas X” e efetivamente são soluções
devem ser iguais, já que para v = 0 devemos obter a superluminais das equações de Maxwell [22, 23] – es-
identidade. Assim, obtemos diretamente que as trans- sas ondas, inclusive, já foram observadas e até mesmo
formações procuradas consistem nas transformações de produzidas em laboratório [4, 22–24], o que constitui
Lorentz usuais, acrescidas das relações uma importante verificação experimental da existência
de fenômenos superluminais na natureza.
ct′y = cty , ct′z = ctz , y ′ = y, z ′ = z. (57)

Considere agora o caso de mais interesse em que Agradecimentos


v > c. Aqui, pelo contrário, deve haver uma inversão
nas dimensões acessı́veis de R quando observadas por O autor agradece ao Prof. Dr. A. Lima-Santos pela lei-
R′ . De fato, podemos dizer que os referenciais R e tura do manuscrito e sugestões, e também à Fundação
R′ estão, agora, em “universos ortogonais” diferentes. de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FA-
Assim, as coordenadas cty e ctz devem passar a ser PESP) pelo suporte financeiro.
acessı́veis para R′ , enquanto que as coordenadas y e z
devem se tornar inacessı́veis. Note ainda que para a luz
Referências
se propagar em superfı́cies esféricas de velocidade c em
ambos os referenciais é necessário apenas que se tenha [1] T. Adam et al. (The OPERA Collaboration), ar-
dσ = dσ ′ = 0. Contudo, podemos considerar a hipótese Xiv:1109.4897v1 [hep-ex] (2011).
mais forte de que sempre se tenha ds′ = ds = 0 para
[2] R.S. Vieira, Para Além da Velocidade da Luz – Uma
um raio de luz. Nesse caso facilmente se verifica que Breve Introdução à Teoria dos Tachyons, Palestra apre-
condição anterior é satisfeita através das relações sentada na 7a Semana da Fı́sica da Universidade Fede-
ral de São Carlos, São Carlos (2011).
ct′y = ±y, ct′z = ±z, y ′ = ±cty , z ′ = ±ctz , (58)
[3] M. Antonnelo et al. (The ICARUS Collaboration), ar-
as quais se somam as expressões Xiv:1203.3433v3 [hep-ex], (2012).

ctx − xv/c x − vtx [4] E. Recami, Found. Phys. 31, 1119 (2001).
ct′x = ± √ , x′ = ± √ , (59) [5] E. Recami, Riv. Nuovo Cim. 9, 1 (1986).
v 2 /c2 − 1 v 2 /c2 − 1
[6] H. Poincaré, Circ. Mat. Palermo 21, 129 (1906).
já deduzidas na seção 4, para constituir as TLE em seis
[7] H. Minkowski, Phys. Z. 10, 104 (1909).
dimensões. Note que agora todas as coordenadas são
reais. [8] P.A.M. Dirac, Proc. R. Soc. London, A 126, 360
Deixe-nos por fim interpretar os resultados obtidos. (1930).
Em primeiro lugar é fácil verificar que em ambos os refe- [9] E.C.G. Stückelberg, Helv. Phys. Acta 14, 588 (1941).
renciais a luz se propagará com velocidade c. Isso pode [10] E.C.G. Stückelberg, Helv. Phys. Acta 15, 23 (1942).
ser feito através da substituição direta das Eqs. (58) e
(59) na Eq. (56). Além disso, notemos que nessa for- [11] R.P. Feynman, Phys. Rev. 76, 769 (1949).
mulação, a forma como os táquions são observados no [12] R.P. Feynman, in The 1986 Dirac Memorial Lectures
referencial R pode ser completamente diferente de sua by R.P. Feynman and S. Weinberg (Cambridge Uni-
forma para o referencial R′ , uma vez que para o re- versity Press, Cambridge, 1987).
ferencial R as coordenadas transversais são dadas por [13] O.M.P. Bilaniuk, V.K. Deshpande and E.C.G. Su-
y = ±ct′y e z = ±ct′z , as quais não são acessı́veis a R′ . darshan, Am. Journ. Phys. 30, 718 (1962).
Uma introdução à teoria dos táquions 3306-15

[14] F. Catoni, D. Boccaletti, R. Cannata, V. Catoni and P. [20] E. Recami, Found. Phys. 17, 239 (1987).
Zampetti, Geometry of Minkowski Space-Time (Sprin-
[21] R.L. Dawe and K.C. Hines, Aust. J. Phys. 45, 591
ger Briefs in Physics, Heidelberg, Dordrecht, London
(1992).
and New York, 2011).
[15] J. Vaz Jr., Revista Brasielira de Ensino de Fı́sica 22, 5 [22] E.C. de Oliveira and W.A. Rodrigues Jr., Tend. Mat.
(2000). Apl. Comput. 3, 165 (2002).
[16] R.C. Tolman, The Theory of Relativity of Motion (Uni- [23] E. Recami and M.Z. Rached, Advances in Imaging &
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