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Controle de fissuração: exemplos

práticos

Introdução
Qual a origem das fissuras em elementos de concreto armado? Como controlar este surgimento? Quais são as
práticas mais recomendadas para tal situação?
Após a etapa de dimensionamento, são necessárias observações de parâmetros que tendem a reduzir estados
limites em relação ao uso da estrutura, principalmente aqueles relacionados à durabilidade das peças.
Neste contexto, é de importante perceber os detalhes que buscam reduzir às fissuras oriundas de esforços
aplicados e, principalmente, de origem térmica e de retração.
Os mecanismos e limites impostos pela NBR 6118/2014 para este controle buscam minimizar a influência das
fissuras no comportamento das peças ao longo de sua vida útil.
Ao final desta aula, você será capaz de:
• Analisar as noções de controle de fissuração de maneira prática.

Origem das fissuras


As fissuras em concreto armado podem ser originadas por diversos efeitos. Para Souza e Ripper (1998) os
principais motivos são:
• deficiência de projeto;
• assentamento do concreto/perda de aderência;
• movimentação de escoramentos e/ou formas;
• retração;
• reações expansivas;
• corrosão das armaduras;
• recalques diferenciais;
• variação de temperatura;
• ações aplicadas.
Além disso, para Carmona Filho e Carmona (2013) existem, ainda, as fissuras provocadas por fenômenos
químicos, originadas por esforços gerados por expansões do concreto endurecido em função da reação com
compostos de hidratação do cimento, por penetração de sulfatos ou pela utilização de agregados reativos com os
álcalis do cimento.
As fissuras podem influenciar diretamente à durabilidade das estruturas de concreto, relacionada, entre outros
parâmetros, à classe de agressividade ambiental e abertura de fissuras presentes.
Assim, buscando o melhor comportamento de uma estrutura de concreto armado, torna-se necessária a
verificação da abertura de fissuras pelos seguintes motivos, listados por Clímaco (2016):
• baixa resistência à tração do concreto (é inevitável a abertura de fissuras);
• o controle destas aberturas busca o melhor desempenho do concreto em relação a proteção das
armaduras.

A tabela a seguir ilustra os limites de abertura de fissuras (W ), apresentado pela NBR 6118/2014 (item 13.4.2):
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A tabela a seguir ilustra os limites de abertura de fissuras (W ), apresentado pela NBR 6118/2014 (item 13.4.2):
k

Figura 1 - Exigências de durabilidade relacionadas à fissuração e à proteção da armadura, em função da classe de


agressividade ambiental, para concreto armado

Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em ABNT, 2014.

Dos limites apresentados na tabela, a norma NBR 6118/2014 aponta que, desde que as fissuras não se
apresentem com valores acima dos indicados, sob a utilização das combinações frequentes, não tem importância
significativa na corrosão das armaduras passivas.

EXEMPLO
Carmona Filho e Carmona (2013) apresentam limites de abertura de fissuras para o Eurocode,
ACI 224 e NBR 6118/2003, conforme mostrado na tabela a seguir.

Tabela 2 – Limites de abertura de fissuras propostos

Fonte: CARMONA FILHO E CARMONA, 2013, p. 12.


Perceba que a NBR 6118/2014 considera limites mais flexíveis para as classes de
agressividade ambiental.

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FIQUE ATENTO
É importante a caracterização da classe de agressividade ambiental, local onde a estrutura será
executada, pois tem efeito direto na consideração da durabilidade, com a determinação do
cobrimento, assim como na verificação do controle de fissuração previsto na NBR 6118/2014.

Em alguns casos, o surgimento de fissuras pode afetar de forma significativa a funcionalidade em relação à
estanqueidade, como nos reservatórios, em que é necessário adotar limites menores para a abertura de fissuras.
Assim, a NBR 6118/2014 caracteriza como estado de aceitabilidade sensorial a situação em que as fissuras são
visíveis e passam a gerar algum tipo de desconforto aos usuários, não implicando necessariamente em riscos
para a segurança da estrutura. Neste caso, cabe uma avaliação mais apurada.

SAIBA MAIS
Para um estudo mais detalhado sobre as fissuras em concreto armado decorrente das
diferentes origens e seu tratamento, consulte o capítulo 1 da obra “Patologia, Recuperação e
Reforço de Estruturas de Concreto”, de Vicente Custódio Moreira de Souza e Thomaz Ripper.

O quadro a seguir apresenta o resumo dos principais mecanismos de fissuração, de acordo com Carmona Filho e
Carmona (2013).

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Figura 2 - Principais mecanismos de fissuração do concreto

Fonte: CARMONA FILHO E CARMONA, 2013, p. 8.

No quadro, pode-se observar que as fissuras podem ser originadas em diversos estágios do uso do concreto,
destacando-se com isso não só as etapas relativas ao projeto, mas, sobretudo, em relação à execução.

Controle de fissuração
A abertura de fissuras é determinada pelo menor dos valores dados na equação a seguir, segundo o item
17.3.3.2, da NBR 6118/2014:

Em que:
= diâmetro da barra;
= coeficiente de aderência;
= resistência a tração média do concreto;
= tensão na barra em exame.
A tensão na barra da peça com armadura simples no estádio II, caso mais geral, é dada pela equação:

Em que:

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com .

A taxa de armadura relativa à área crítica, , é dada pela equação


apresentada ilustrativamente na figura a seguir.

Figura 3 - Concreto de envolvimento da armadura

Fonte: ABNT, 2014, p. 128.

Na figura, podemos observar que todas as barras, assim como a sua distribuição, contribuem com a
determinação da área crítica para o controle de fissuração.

FIQUE ATENTO
Para a aplicação das equações de controle de fissuração é necessário o dimensionamento das
armaduras e a distribuição destas na seção transversal, observando os critérios de
espaçamento horizontal e vertical previstos pela NBR 6118/2014.

Uma observação importante quanto às fissuras é que o menor diâmetro das barras provoca maior número de
fissuras, mas de menor abertura. Além disso, outro ponto relevante é relativo ao concreto e a sua moldagem,
devendo o concreto ser o mais impermeável possível e possuir adequada resistência à compressão, de forma a
evitar a condensação das armaduras.
Segundo a NBR 6118/2014, para que se possa dispensar a avaliação da grandeza da abertura de fissuras,
atendendo ao respectivo estado limite (considerando a abertura de 0,3 mm em concreto armado e 0,2 mm em
concreto protendido), deve se obter um dimensionamento que atenda as condições da tabela a seguir, quanto ao
diâmetro máximo e ao espaçamento máximo das armaduras passivas. Ademais, devem ser

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respeitadas as exigências de cobrimento e de armadura mínima. A tensão deve ser determinada no estádio
II.

Figura 4 - Valores máximos do diâmetro e espaçamento para dispensa de verificação de abertura de fissuras

Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em ABNT, 2014.

Note que o atendimento das condições apresentadas na tabela, com base nos dados do dimensionamento, pode
dispensar a verificação do controle de fissuração. O não atendimento leva diretamente à aplicação das condições
normativas.

Exemplo 1: verificação do controle de fissuração


para viga
Para exemplificar a verificação da abertura de fissuras em vigas, considere os dados a seguir (CLÍMACO, 2014):
• classe de agressividade ambiental II;
• momento fletor característico de 300 kN.m;
• seção transversal retangular de 25 cm x 80 cm, com d = 75 cm;
• armadura de flexão de 5 20 mm;
• armadura transversal (estribo) de 5,0 mm;
• aço CA-50 e concreto C30.
Dos parâmetros apresentados, podem ser determinados:
• resistência do concreto à tração média: ;
• área crítica: ;
• taxa de armadura: ;
• módulo de elasticidade secante: ;
• módulo de elasticidade do aço: Es = 210000 MPa;
• relação entre módulo de elasticidade do aço e do concreto secante :

Para o coeficiente de aderência relativo ao aço CA-50, tem-se = 2,25.

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Para o coeficiente de aderência relativo ao aço CA-50, tem-se = 2,25.
Determinando-se a profundidade da linha neutra no estádio II e a correspondente tensão na armadura, segundo
Clímaco (2015), podem ser aplicadas as equações:

Aplicando os valores anteriormente determinados nas equações, tem-se e


Para o valor da tensão na barra de aço, verifica-se a dispensa da abertura de fissuras para barras com 16 mm de
diâmetro e espaçamento máximo de 15 cm. Desta condição, é necessário fazer a verificação pelo controle de
fissuração recomendado pela NBR 6118/2014.
Logo, tem-se as condições:

Verifica-se, então, que a abertura máxima encontrada pelo controle proposto pela norma atende ao valor limite
imposto para a CAA II, indicando uma condição satisfatória.

Exemplo 2: verificação do controle de fissuração


para laje
Considere uma laje maciça com as seguintes especificações:
• classe de agressividade ambiental II;
• momento fletor característico de 16,5 kN.m;
• espessura da laje de 12 cm, com d = 9 cm;
• armadura de flexão de 10 mm a cada 9 cm;
• aço CA-50 e concreto C30.
Para as lajes, a largura é assumida com valor de 1 m, representando uma seção retangular e altura
equivalente a sua espessura.
Dos parâmetros apresentados, podem ser determinados:
• resistência do concreto à tração média: ;
• área crítica: ;
• taxa de armadura: ;
• módulo de elasticidade secante:
• módulo de elasticidade do aço: Es = 210000 MPa;
• relação entre módulo de elasticidade do aço e do concreto secante :

.
Para o coeficiente de aderência relativo ao aço CA-50, tem-se = 2,25.
Determinando-se a profundidade da linha neutra no estádio II e a correspondente tensão na armadura, segundo
Clímaco (2015), podem ser aplicadas as equações:

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Aplicando os valores anteriormente determinados nas equações, tem-se

.
Para o valor da tensão na barra de aço, verifica-se a dispensa da abertura de fissuras para barras com diâmetro
máximo de 20 mm e espaçamento máximo de 20 cm, condição que estaria satisfeita com as situações adotadas,
não sendo necessária a verificação do controle de fissuração recomendado pela NBR 6118/2014.
Logo, tem-se:

Verifica-se que a abertura máxima encontrada pelo controle proposto pela norma atende ao valor limite imposto
para a CAA II, indicando uma condição satisfatória. Lembrando que para este caso a verificação estaria
dispensada.
Conforme recomenda a NB-1 (IBRACON, 2007), algumas medidas protetoras podem ser adotadas, como:
• proteção de superfícies de concreto armado aparente com hidrofugantes (base silicone), com vernizes
base acrílico puro, entre outros, com periodicidade de manutenção a cada 3 a 5 anos;
• proteção das superfícies de concreto não aparente com camadas de revestimento e pintura ou
revestimento cerâmico, renovados periodicamente.
Cabem, adicionalmente, outras soluções, como o revestimento à base de epóxi.

Fechamento
Nesta aula, você teve a oportunidade de:
• identificar as fissuras que podem se apresentar em elementos de concreto armado;
• aplicar, sob a hipótese de fissuras por carregamento, o controle de fissuração previsto pela NBR 6118
/2014.

Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - ABNT. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto armado
– procedimento, Rio de Janeiro, 2014.
CARMONA FILHO, A.; CARMONA, T. G. Boletim técnico – Fissuração nas estruturas de concreto. Asociación
Latinoamericana de Control de Calidad, Patología y Recuperación de la Construcción - Alconpat International,
México, 2013. Disponível em: <http://alconpat.org.br/wp-content/uploads/2012/09/BT-03-Fissura%C3%A7%
C3%A3o-nas-Estruturas-de-Concreto.pdf>. Acesso em: 28/02/18.
CLÍMACO, J. C. T. S. Estruturas de concreto armado: fundamentos de projeto, dimensionamento e
verificação. 3. ed. Editora UnB: Brasília, 2016.

INSTITUTO BRASILEIRO DO CONCRETO – IBRACON. Comentários técnicos a NB-1. IBRACON, São Paulo, 2007.

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INSTITUTO BRASILEIRO DO CONCRETO – IBRACON. Comentários técnicos a NB-1. IBRACON, São Paulo, 2007.
SOUZA, V. C. M.; RIPPER, T. Patologia, recuperação e reforço de estruturas de concreto. São Paulo: PINI,
1998.

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