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COPYRIGHT © 2000 by Antonio Edmilson M. Rodrigues e j!


Francisco José Calazans Falcon j

CAPA j
Evelyn Grumacb |
1
PROJETO GR Á FICO j
Evelyn Grumacb e João de Souza Leite
PREPARAÇÃ O DE ORIGINAIS
Leny Cordeiro
EDITORAÇÃO ELETR Ó NICA
Art Line A Maria Célia e
Teresa

CIP- BRASIL, CATALOGA ÇÃ O-NA - FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Rodrigues, Antonio Edmilson M.
Tempos modernos: ensaios de História Cultural / Antonio
R 611t
Edmilson M. Rodrigues, Francisco José Calazans Falcon
Rio de Janeiro: Civiliza çã o Brasileira , 2000 — 1
1. História moderna . 2. Civiliza çã o moderna . 3. Europa
— História
— 1492 — . I. Falcon, Francisco José Calazans,
1933- , II. Título.
00-0142 CDD 909.5
CDU 940 “ 15/... ”

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodu çã o, armazenamento ou í


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Impresso no Brasil
2000
1
A. CONCEITOS E EVENTOS

|O descobrimento do Brasil em 1500 representou um dos momentos


mais decisivos da longa série de viagens e explorações realizadas pelos
portugueses ao longo do século XV, a partir da conquista de Ceuta,
em 1415. Além das navegações empreendidas pelos portugueses, pre¬
cisamos não perder de vista as que foram efetivadas por navegadores
cantá bricos e andaluzes, sob pena de tornarmos inintelig ível toda uma
parte significativa da expansão ibérica, a começar pela descoberta da
AméricaJ
São estas navegações e explorações do mar oceano que consti¬
tuem, em conjunto, os chamados grandes descobrimentos e navega¬
ções dos séculos XV e XVI.
Dada a considerá vel significação histórica dos grandes descobri¬
mentos marítimos realizados pelos povos ibéricos, sua menção se tor¬
nou praticamente obrigatória sempre que se tenta enumerar os princi¬
pais acontecimentos e transformações tidos como marcos decisivos do
início dos tempos modernos.
Houve época em que esse in ício dos tempos modernos estava in¬

— —
fimamente ligado às grandes invenções o papel, a pólvora, a bússo¬
la e a imprensa e era através delas que se iniciava o estudo da Idade
Moderna. Mais recentemente, com o declínio da crença nos fatos his¬
tóricos decisivos, as explicações dos historiadores sobre os fatores de¬
terminantes da inauguraçã o dos tempos modernos tenderam a privi¬
legiar cada vez mais os processos e transformações de natureza con ¬
. —
juntural Durante certo tempo e mesmo ainda hoje, para alguns

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TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS

pri ¬ e XVI, as quais atingiram praticamente todos os níveis da existência


|o processo da expansão marítima, comercial eocolonial passou ao
deslocamento do cha ¬ social dos povos europeus em geral e, em especial, os habitantes das
meiro plano, colocando-se em especial relevo
para as regiões centro-ocidentais da Europa.
mado eixo económico da Europa das regiões do Mediterrâ neo
margens setentrionais do Atlâ ntico, o que acarretou o decl ínio das ci ¬ Atividades económicas, estruturas e relações sociais, formas de
das organiza ção política e respectivas prá ticas, ideologias, manifestações
dades marítimas italianas, entre outras, e a ascensão económica
regiões ibéricas e setentrionais da Europa em contato direto com
rotas comerciais do Atlâ ntico.|
as —
culturais tudo se modificou em maior ou menor grau, segundo rit¬
mos e proporções diferenciadas conforme o n ível considerado. Tal
conjunto se configura como uma época particular, seja qual for sua
f Posteriormente, sob a influência do marxismo, prevaleceram os
denomina ção, e representa, de fato, um período de ruptura com a
fatores estruturais, e o começo da Idade Moderna passou a significar
f^
/
lC a passagem do modo de produção feudal ao capitalista, a partir da época medieval, embora não se possa mais ignorar o grau de continui¬
o feu ¬ dade permanência em relação à Idade Média.
-
crise geral do feudalismo e do início de um período de transiçã
de acordo Por intermédio das diferentes formas de caracterizar a essência
dal capitalista com características e duração diferenciadas
- das transformações dessa época e de determinar-lhe a data ou o even¬
com as diversas formações sociais européias, mas também em funçã
o
transi çã d to crucial, utilizamos, repetidas vezes, a noçã o de moderno, supondo,
da concepção teórica de cada historiador acerca dessa
, é claro , aqueles que preferem as grandes com certeza, que seu significado é mais ou menos evidente. Todavia,
Continuam a existir
datas para fixar os marcos dos diversos per íodos históricos Neste . nada mais problemá tico do que esse sentido que nos é apresentado
como transparente e indiscutível quanto à realidade do objeto que se
caso, há sempre a possibilidade de escolhermos uma dentre as diver
¬

sas datas disponíveis: tomada de Constantinopla pelos turcos (1453


), identifica como seu referente. /VvftjíA/ . * ’

invençã o da imprensa por Gutenberg (1440-50 ) , descobrim ento da £ A noção de moderno está muito longe de constituir um verdadei¬
ro conceito. Praticamente, dado o sentido dessa palavra em seu nível
América por Cristóvão Colombo (1492), as teses de Lutero contra as
indulgê ncias (1517) , o saque de Roma pelas tropas de Carlos V denotativo, cada época tende a assumir-se como moderna em relação
(1527) e outras. à (s ) época (s ) anterior (es). Desse modo, nã o há uma época que possa
Se tivermos preferê ncia pelo movimento geral das id éias, nada ser identificada como moderna por definição, ou seja, que exclua as
mais indicado do que situarmos o início da Idade Moderna na fase
de .
demais do direito à modernidade Por mais que se tenha escrito sobre
o cará ter moderno da Idade Moderna, nã o podemos esquecer que
apogeu humanista e renascentista na Itá lia, na segunda metade do é s ¬

culo XV e as duas ou três primeiras d écadas do século XVI. Enfim, se também os nominalistas medievais propuseram uma via moderna em
oposição à tradicional via antiqua, nem tampouco que os humanistas
nada disso for suficientemente relevante ou decisivo, sempre se pode
¬

se consideravam modernos, tal como, no século XVIII, se sentiam


rá situar o começo da era moderna nos séculos XV e XVI, após a su
¬

peração da chamada crise do final da Idade M édia —séculos XIV e também os modernos em duelo com os antigos ]

XV , quando o movimento econ ómico geral da Europa assinala
uma tendência expansionista que se traduz na alta geral dos preços ao
Até há alguns anos, ainda era possível ter algumas certezas a res¬
peito da modernidade do século XVI.1 Hoje, no entanto, como situar
longo da segunda metade do século XV e durante todo o século XVI. tal modernidade se o conceito foi deslocado historicamente para épo¬
É provável que o essencial seja o reconhecimento da ocorrência de cas bem posteriores ao século XVI, de forma que a modernidade cons¬
importantes transformações nas sociedades européias nos séculos XV titui algo bastante diverso, historicamente, a ponto de, quando muito,

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T E M P O S M O D E R N O S: A C U L T U R A H U M A N I S T A
TEMPOS MODERNOS

ou pura e simples da Idade Média . Uma nova época , moderna sim, mas
podermos reconhecer , na modernidade quinhentista , alguns sinais
em comum, em termos . Um novo começo, apesar de tudo, apesar das hipotecas do
prenúncios da modernidade de hoje? Que existe ainda passado. Eis o Renascimento!
e moderno dos
nos dias atuais, entre o moderno dos renascentistas o
, na qual já se
séculos XIX e XX ? Numa época histórica como a nossa
que sen¬
colocou de maneira incisiva a problemá tica do pó$ ~moderno,
tido ainda poderá ter a noção de início dos tempos modernos
referida
B. TRANSIÇÃO E VISÕ ES DE MUNDO
a processos e acontecimentos de tantos séculos antes ?
Não emprestemos, portanto, demasiada importâ ncia a
todas
são muito As transformações características do iní cio dos tempos modernos
essas referências tradicionais aos tempos modernos, pois
da modernid a¬ podem ser objeto de umaf abordagem capaz de englobá-las numa tota
relativasJjNão percamos de vista que nossa visão atual o lidade histórica coerente e significativa? Ou devemos nos conformar,
¬

de se vincula, de fato, à visão de mundo construída pelo Iluminism - de uma vez por todas, diante da impossibilidade de se produzir uma
de que , para os ilumi
do século XVIII. Convém não nos esquecermos interpreta ção que articule e explique os múltiplos aspectos dessas
importan
nistas, as transformações dos séculos XV e XVI, por mais
¬

, í am apenas os primeiros transformações?


tes e significativas que tenham sido constitu
cuja afirma Exemplo de resposta afirmativa à primeira pergunta poderia ser a
clarões, ou sinais precursores, de tendências e mudanç as ¬

análise dessa época no interior da teoria da transição feudal-capitalis


ção ainda demoraria quase dois séculos.Lf \ gW^
^
¬

nós por ta , Exemplo da segunda , por sua vez, seria a análise do período a par
A questão do moderno é especialmente importante para
¬ ¬

nas tir de suas visões de mundo ou mundividências .


que colocaremos em relevo mudanças culturais e ideol ó gicas
quais o Renascimento ocupa uma posição decisiva. Ora h
, á poucos
exemplos históricos de movimentos que tenham enfatizad o tanto o
. Os 1. A transição do feudalismo ao capitalismo
cará ter moderno da sua auto-afirmação quanto o Renascimento
clare
renascentistas foram capazes, como poucos, de proclamar com
¬

prio , ( Esta noção constitui uma tentativa de abranger, por meio de uma
za e vigor a distância quase intransponível entre seu pró
tempo
imediatamente anterior, bárbaro e gótico, única expressão, o conjunto bastante vasto de transformações de toda
nuv/ novo e moderno, e o tempo — —
ordem mais ou menos lentas que teve lugar nas diferentes forma
Tal tipo de autodefinição dos renascentistas foi a origem de
muitas ¬

p es entre o ções sociais européias entre o final da Idade Média e os séculos XVIII
concepções historiográficas posteriores sobre as relaçõ
,
e XIX. Na verdade, o historiador não pode esquecer que essa transi
Renascimento e a Idade Média , fOs discursos que os próprios atores
representações ção , formulada em tal nível de generalidade, representa apenas uma
¬

— -és* sociais produziram sobre o sentido de suas ações, suas


e tomadas de consciência , se incorporaram, como verdades
históricas, aproximação, com frequência muito precária, da realidade histórica
a muitas obras históricas posteriores . Algumas delas, ali
ás, ainda se concretaf Para abordarmos esta última , precisaremos referir todos e
} cada um dos fenômenos e (ou ) processos globais implícitos ou suben
encontram em numerosos manuais e compêndios
¬

Ambiguidade dos conceitos; caráter relativo dos eventos; impor


¬ tendidos na noção de transição às condições e características específi ¬
ém, das continuida cas de cada formação social, sob pena de transformarmos o conceito
tância inegável das mudanças; papel decisivo, por
¬

ência de transição em novo agente histórico, espécie de deus ex machina.


des e permanências. Nem ruptura brusca e total , nem persist

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TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS

processo, a transiçã o do como reconhecimento nosso de que por parte dos estudiosos também
Assim, é preciso lembrar que, enquanto coexistem diferentes maneiras de definir e situar a natureza das mun-
mações estruturais e
feudalismo ao capitalismo incorpora transfor ógicas, isto é, não dividências da é poca renascentista ,
conjunturais, económicas, políticas, sociais e ideol |A primeira afirma ção aponta em direção ao reconhecimento de
somente forças produtivas e relações
de produção mas também lutas J
s e manifestações universos mentais distintos e no entanto estreitamente entrelaçados:
de classes, estruturas políticas e sociais, processo uma visã o de mundo renascentista e humanista, uma visã o de mundo
ideológicas etc. católica, além de uma ainda em construçã o, em conexã o com o pro¬
ções sociais medie
Portanto, a passagem das sociedades ou forma
¬

das relações feudais, para testantismo e, com certeza, outra que se constrói em contato com a
vais, estruturadas em funçã o da dominâ ncia experiência cotidiana das longas viagens mar ítimas e os diversos des¬
s fundamentadas
as formações sociais burguesas, com suas estrutura !
cobrimentos por elas propiciados Ao mesmo tempo, tais visões são,
no caráter dominante das relações capitalistas
, constitui a essência do
e os séculos XVIII e XIX. em geral, as que predominavam entre as elites, pertencendo pois às
período situado entre os séculos XV e XVI classes dominantes e correspondendo, assim, à cultura erudita da
to três inter¬
De acordo com esse entendimento, não têm cabimen .
época Coexistindo nesse mesmo espaço-tempo estão manifestações
ter dessa época de transição:
pretações, muito difundidas, acerca do cará culturais, ou tipos de culturas, predominantemente populares, a indi¬
í3) a interpretação que postula
rupturas radicais entre o começo da
rasa de todas as con¬ car a presença de universos mentais muito diversos dos que caracteri-
Idade Moderna e a época anterior, fazendo tá bula de tal forma zavam as elites, como o demonstraram em seus trabalhos, por exem ¬
tinuidades não menos reai Q) a interpretação que acentuaséculo XVIII
^
a continuidade feudal, prolongando o feudalis
mo at é o plo, Bakhtin e Ginzburg.3
Se passarmos agora à segunda das afirmações acima, nã o menos
ç estrutur ais bá sicas da época de tran-
pelo menos, que ignora mudan as
diferenciadas são as interpretações: a concepção de Dilthey que asso ¬
elementos constituti¬
siçãoyjÚa interpretação que se fixa na génese dos cia indiv íduos e idéias em relaçã o com a busca dos elementos psicoló¬
vos do modo de produçã o capitalista e acaba
por explicar uma é poca
o do que viria a ser. gicos que explicam as relações recíprocas entre indivíduo e mundo; a
não por aquilo que ela de fato era mas em funçã
tilista, não interpretação filosófica de tipo neokantiano exposta por Cassirer; a
A época da transição feudal-capitalista, ou era mercan construção de Foucault, bastante original, fundamentada na descri¬
é redutível nem ao feudalismo, nem ao capitalismo
, tampouco seria
resultante da justapo¬ çã o de uma epistéme pr ó pria ao século XVI; a an á lise de Agnes
válido explicá-la como uma forma de dualismo Heller, marxista lukacsiana , que tenta construir em todos seus aspec¬
siçã o de feudalismo e capitalismo. O que de
fato a define como de
micas ou socioeconô- tos e nuan ças o homem do Renascimento e suas tomadas de consciên ¬
transição é a existência então de formas econó cia e representações do real.4
, mas ainda não
micas, políticas e ideológicas que já não eram feudais 2
ção. As visões de mundo renascentistas, analisadas de uma perspectiva
eram capitalistas, ou seja, eram realmente de transi mais abrangente, se integram aos processos de transformaçã o intelec¬
tual e mental que representam os grandes movimentos mentais da
época de transição. Na concepçã o desenvolvida por Georges Gusdorf,
2. Visões de mundo renascentistas por exemplo, trata-se de um processo amplo e profundo que ele deno ¬
plurais num mina passagem da transcendência à imanência, ou da verticalidade à
Tais visões de mundo devem ser entendidas como
univer ¬ horizontalidade.5 Sua principal consequência veio a ser uma radical
duplo sentido: como afirma ção da existência real de diferentes mudan ça nas formas de conceber as relações homem /mundo,
sos mentais coexistindo no ambiente cultural dos s
éculos XV e XVI;

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TEMPOS MODERNOS : A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS

ao postular o livre acesso aos textos sagrados, sua livre interpretação


o de possibilidade
homem/natureza. Situa-se nessa mudança a condiçã e, como consequência, a liberdade de consciência de cada crente.
e naturalista.
de construir-se uma ciência racionalista, imanentista Nã o sem muitos choques e conflitos, a afirmação e a defesa da li¬
nos preocupa, o aspecto mais
|Entretanto, para o tema que aqui secularização nos
berdade da consciência religiosa acabaram por assegurar seus direi¬
decisivo foi a afirmação progressiva da tendência à
na esfera subme-
.
tos, conquanto restrita à esfera pessoal ou privada Articularam se aí-
mais diversos setores da vida social, particularmente individualismo e liberdade, a autonomia do ser humano e o reconhe¬
Í> tida, real ou potencialmente
*"
.
, ao poder do Estado secularização da
A cimento de sua liberdade religiosa.fNo entanto, durante o século XVI,
íticas de então
esfera pú blica, expressa nas ideologias e práticas pol
(como se verifica em Maquiavel e Bodin), se fez

precedida, segundo outros de outra tendência não menos

acompanhar ou foi
funda¬
em consequência das implicações de ordem política presentes na pro¬
pagação da reforma protestante, a liberdade de consciência foi fre
qiientemente negada e suprimida em nome dos interesses da razão de
-
ço do individua-
mental e rica em implicações e consequências: o avan |Esta mesma razão, aliás, tornou inevitáveis as chamadas guer¬
E$tadc
ómicas, sociais
lismo|Em estreita relação com as transformações econ ras de religião, que inviabilizaram por toda parte o ideal de tolerâ ncia
e culturais dessa época, o individualismo representou
mento, a afirmação teórica e prática das possibil
, já no Renasci¬
idades praticamente
e e capaz de
— —
implícito no princípio da liberdade privada de consciência. Para
que este princípio pudesse vir a ser uma realidade, ainda haveria um
infinitas do homem como indivíduo dotado de liberdad longo caminho a percorrer.7
não somente conhecer a natureza e o mundo, mas tamb
acordo com seus interesses e ideais e de transformar o pr
ém de agir de
óprio mundo

Os autores da época renascentista a começar com Maquiavel,
e os grandes historiadores, como Burckhardt, no século passado, ou
— o natural e o social.(A valorização do indivíduo
terreno, livre e racional, tendeu a colocar em
como ser humano
relevo o potencial de
Agnes Heller e Kristeller, na atualidade
— confirmam a relevâ ncia de
todos os aspectos acima para uma adequada compreensão da época
criação e expressão deste mesmo indivíduo e estende
u-se em pouco renascentista, variando somente as ênfases que cada um coloca em um
tempo às esferas política e religiosa, abrindo caminh
o para algumas ou outro prato da balança onde se tentam equilibrar: continuida -
do século
das transformações mais essenciais verificadas a partir significação XVlf de/ruptura; cultura de elite/cultura popular; religiosidade/seculariza-
Quanto à secularização, não há dúvida sobre a sua ção; teologia e metaf ísica /filosofia (ciência ) da natureza.
do conheci¬
maior: a emancipação de cada um dos campos ou setores
mento e das práticas sociais da tutela teológica
e metafísica em nome
, s, autónomas
de um novo espírito cientí fico cujas verdades imanente
a racionalis¬ I. A EUROPA DOS SÉCULOS XV E XVI — RENASCIMENTO,
e distintas das verdades reveladas, anunciam o paradigm,6
Galilei DESCOBRIMENTOS E REFORMAS RELIGIOSAS
ta naturalista da ciência que se inicia com Galileu
afirma ¬
Secularização em marcha, individualismo em constante A. TRANSFORMAÇÕ ES ECONÓMICAS, SOCIAIS E POLÍTICAS
mento e também
ção, eis aí duas das principais marcas do Renasci
duas tendências que logo iriam ser reinterpretadas
pela Reforma reli¬
protestantes, con ¬ 1. Mudanças económicas e capitalismo
giosa. Com esta, se a secularização sofre, em países
tratempos por vezes não muito menores que os enfrent
ados em terras
. Em muitos sen¬ Mais ou menos a partir de meados do século XV, evidenciam-se
católicas, o mesmo não ocorre com o individualismo sinais indicadores da progressiva superação da crise dos séculos XIV
renascentista
tidos, a Reforma expressa e aprofunda o individualismo
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TEMPOS MODERNOS; A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS

primeiras manufaturas; aperfeiçoamento dos mecanismos de crédito,


e XV e suas diversas catástrofes. As atividades
económicas recome¬
.jEssa tendência po¬ da estrutura e organização dos negócios, da agilidade nas transações
çam a expandir-se e a populaçã o volta a aumentar internacionais etc. I
de preços e con¬
sitiva do crescimento económico se traduz nas curvas Vistas em conjunto, todas essas transformações adquirem signifi ¬
que iria se pro¬
figura o início de um longo período de prosperidade
ço do século ca ções muito diferentes conforme a perspectiva do historiador .
longar, com pequenas crises intercíclicas, até o come
-se daquilo que os historiadores da economia denomi Encaradas por si mesmas, em sua própria época, elas não constituem
XVII.8 flrata ¬

ral, re¬
nam tendência secular de cará ter estrutural. Em nível conjuntu
um fenômeno majoritá rio e de abrangência universal; sua importâ ncia
reside no papel inovador e dinâmico que representam, ou em seu signi ¬
gistram se oscilações mais ou menos amplas, de car
á ter cí clicoy ex¬
- origens, ficado histórico a médio ou longo prazos. Tais características estã o nas
pressas por intermédio das curvas de preços e salários, cujas
apesar de m ú ltiplas, têm sido tradicionalmente associadas à
s varia ¬ origens de boa parte das polêmicas travadas até agora a respeito do ca ¬
ções dos fluxos dos carregamentos de metais preciosos
da América rá ter capitalista ou nã o da economia européia do século XVI. Com
para a Península Ibérica. efeito, se fizermos um recorte nessas transformações, que se atenha
A expansão económica dos séculos XV e XVI foi um fenômeno apenas aos elementos novos, real ou potencialmente capitalistas, não
produtivos, será dif ícil detectarmos já nos séculos XV e XVI os primeiros passos e
bastante amplo, uma vez que abrangeu os diversos setores
as trocas comerciais, as operações financeiras em geral e
especialmen¬ manifestações de uma sociedade capitalista e burguesa. Maior realce
te os mecanismos ligados ao crédito pú blico e privado
. A alta genera¬ ainda deveremos dar a esses aspectos capitalistas se entendermos que o
lizada dos preços, por ter sido provavelmente o aspecto mais saliente fim da Idade Média também significou a ruína do feudalismo.
de todo esse processo, impressionou sobremaneira os contempor
⬠|Do nosso ponto de vista, no entanto, não se justifica a aceitação
,
neos, em função dos problemas da carestia e suscitou as primeiras das seguintes interpretações: a confusão entre capital comercial e ca¬
análises explicativas do fenômeno, baseadas, em geral, na pitalismo comercial ; a identificação da crise do final da Idade Média
chamada
I
í: teoria quantitativa da moeda. conTFTinaldo feudalismo; o reconhecimento da incipiente importâ n¬
Esse surto económico da Europa do século XVI também tem im
¬ cia da burguesia mercantil equivalendo à liquidação da hegemonia
de
pressionado muito os historiadores e constitui o ponto de partida aristocr ática sobre a sociedade da época; o desenvolvimento de uma
teorias interpretativas baseadas em noções como revolu çã o comerci al e ou vá rias novas visões de mundo como cria ções exclusivamente bur ¬
capitalismo comercial Na opinião de outros, a expansão do s éculo guesas. Nada disso nos parece suficiente para caracterizar a existência
XVI teria sido a origem do mercantilismo, a partir da suposta formula de um verdadeiro capitalismo nessa é poca , f
¬

- .
ção inicial deste último em termos de bullionismo ou criso
| Não podemos ignorar, ou muito menos negar, a ocorrência de
hedonism o
|\ O VA-
' *

mudanças variadas e significativas em diversos setores das atividades


económicas durante os séculos XV e XVI: transformações das
rela¬ B. AS ESTRUTURAS SOCIAIS E SUA DIN ÂMICA:
j es eu-
ções de propriedade e de exploração fundiária em algumas regiõ A SOCIEDADE DO ANTIGO REGIME
ropéias; mudanças organizacionais e em alguns casos tamb é m de
! ordem técnica na produção artesanal, que resultaram no surgimento As estruturas das sociedades européias durante os séculos XV e XVI
das manufaturas, aperfeiçoamento dos mecanismos, surgimento das correspondem àquilo que se convencionou chamar de sociedade do

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30
TEMPOS MODERNOS TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA

aristocráticas,
Antigo Regime. Trata-se de sociedades essencialmente za, a burguesia imprime um crescente dinamismo à sociedade e inten ¬

isto é, caracterizadas pela dominação exercida pela


aristocracia cons¬ sifica a mobilidade dos indivíduos em seu interior.
.
tituída de nobres e eclesiásticos Essa sociedade
repousa em pressu ¬ JrTodavia, esse fenômeno de ascensão burguesa precisa ser relativi-
postos ideológicos e (ou ) mentais cuja noção básica
é a de estado, da zado pelo menos em dois sentidos: primeiro, porque a importâ ncia
privilégios,
qual derivam outras noções, também fundamentais, como dessa burguesia não modifica, até o século XVIII, o caráter aristocrá ¬
liberdades, imunidades, corpos. Juridicamente, os estados ou
esta¬ tico da sociedadef segundo, porque nã o se pode generalizar para todas
.
mentos constituem as ordens Em seu sentido mais profundo
, porém, as formações sociais essa presença burguesal No caso que mais de
a noção de estado cria uma separação crucial ao dividir
mente todo o corpo social entre nobres e plebeus e ao
horizontal¬
conceber a so¬
perto nos interessa agora — —
o das sociedades ibéricas , o processo
de crescimento e afirmação das suas burguesias mercantis, evidente
margem
ciedade, no seu todo, como constituída de corpos sociais à até meados do século XVI, foi severamente cortado e bloqueado, a
dos quais se situam os indivíduos propriamente ditos . partir da segunda metade desse século, por uma verdadeira reação
Não se trata, aqui, de enveredarmos pela discussão, longa e
com¬ feudal, como veremos adiante, f
plicada, sobre os historiadores que interpretam essa sociedade em
ter¬
do con¬
mos de estamentos ou ordens e aqueles que o fazem a partir
.
ceito de classe social Se estes últimos afirmam que a aná
lise a partir
das noções contemporâ neas de estamentos, ou estados , e ordens esca¬ .
C ESTADO MODERNO E ABSOLUTISMO
nos
moteia a realidade das classes em funçã o da ideologia presente
discursos dessa sociedade sobre si mesma os, primeiros , contr á rios ao |Entre as mudanças de natureza política associadas à época renascen¬
e,
anacronismo inerente a uma análise baseada em conceito inexistent ¬ tista costuma-se mencionar o surgimento ou a constituição dos mo¬
na sociedade do Antigo Regime, sublinham a necessidade de
utilizar dernos Estados europeus como das mais importantes. Na esteira desse
mos somente as palavras e (ou ) conceitos contempor â neos . processo de formação do chamado Estado moderno, encontrar-se-
ência, iam também os progressos do absolutismo. Pelo menos em princípio
A sociedade do Antigo Regime, além de aristocrá tica na ess
ípio, ten¬ verdadeiras, para os séculos XV e XVI, tais concepções não podem,
era também fortemente hierarquizada e, ao menos em princ
.
dente ao imobilismo das situações sociais Como já foi visto a
, partir no entanto, perder de vista tanto a complexidade quanto a lentidãct
dos séculos XV e XVI, em consequência das transformações
, os bur¬ dos processos históricos que pretendem abranger. I
— — — —
gueses como indivíduos e as burguesias constituídas
pos urbanos
em cor ¬
tendem a crescer em n ú mero, riqueza e importância
A formação dos Estados modernos, por exemplo, foi um proces¬
so bem anterior ao século XVI e que se estendeu muito além dele: do
geral,
social e política. Como burguesia mercantil e financeira, em período de constituiçã o e afirmaçã o das monarquias feudais até a
mas, por vezes também como burguesia capitalista , empenha da em época de centralização política e administrativa e concentração de ter¬
empresas manufatureiras e agr ícolas, a burguesia imprime importan
¬
ritórios e da autoridade, isto é, aproximadamente dos séculos XI-XIII
tes modificações no seio da sociedade do Antigo Regime .Quer atra¬ até os séculos XIV-XV. Na prá tica, nem a centralização nem a con ¬
vés das suas relações com o Estado absolutista, por intermédio
da po¬ centração estavam concluídas no século XVI. Aliás, numa visão mais
lítica económica mercantilista deste último, quer peia disputa de car realista, poder-se-ia também afirmar que todo esse processo jamais se
¬

gos na burocracia estatal, ou pela compra de terras e títulos de nobre- concluiria, pelo menos no âmbito do Ancien Régime .
32 33
TEMPOS MODERNOS : A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS

, fortalecer o . Mesmo nos países católicos, antes e após o in ício da Reforma, os


de|
Centralizar a administração, incorporar territórios
^
poder monárquico, tudo isto era inseparável da afirma
vino dos príncipes, da legitimação hereditá ria
ção do direito di¬
do seu poder, enfim, da
teoria e prática.9 Neste
respectivos monarcas obtiveram significativos ganhos de autoridade e
prest ígio a expensas do papado, em troca de sua fidelidade à defesa da
ortodoxia católica contra as ameaças e os ataques da heresia, como
construção do absolutismo moná rquico em sua foram os casos da Espanha, Portugal e da França, além de muitos dos
fase a meio
particular, o século XVI ressalta uma espécie de estágio ou príncipes alemães, j
da Idade
caminho entre as características do poder moná rquico no final século As lutas civis e as guerras, real ou supostamente travadas em
Média e as que irão identificá-lo a partir do século
XVII . No
realidade s prá ticas do abso¬ nome dos antagonismos religiosos, foram outro fator importante na
XVI, apesar de podermos constatar muitas
diversas for¬ história dos Estados moná rquicos da Europa durante o século XVI. Se
lutismo em várias monarquias européias, ainda persistem em certos casos, ou em determinados períodos, tais conflitos detive
mas de assembléias de estados, gerais ou provinciais
, que constituem ¬

pelos segmentos so¬ ram ou enfraqueceram o poder mon á rquico centralizado e de tendên¬
instâ ncias representativas das resistências opostas cias absolutistas, parece nã o haver muitas d úvidas quanto a seus re
do poder reaU ¬

ciais privilegiados ao avanço das pretensões absolutistas sultados mais gerais e duradouros: o fortalecimento do poder real em
.
Segundo W Naef , o Estado do século XVI constitui a
primeira
face de seus inimigos internos ou externos, aqui inclu ído o papado.
etapa moderna da concentração do poder estatal
.
— é
mental 10 Sua principal característica é a divisã o do poder
o Estado esta-
entre o

——
príncipe e as assembléias estamentais nobreza, clero e cidades.
|Tratar-se-ia de um Estado dualista o príncipe e oe ambos país coexistem
com di¬ D. TRANSFORMAÇÕ ES CULTURAIS E MANIFESTAÇÕES IDEOLÓGICAS
um ao lado do outro, ambos com a mesma posição .
dupla fonte
reitos pr ó prios, e o poder do Estado provém de uma O humanismo e o Renascimento deram forma e conteú do ao
Dualistas seriam também as prá ticas administrativas
, legislativas e fi¬
impossível se n ão .
clima intelectual e mental do século XV e início do século XVI É pra -
nanceiras, de modo que a atividade estatal se torna ticamente impossível analisar-se as transformações culturais e as ma ¬
houver uma ação conjunta do príncipe e dos estamentos
.|
Embora possa haver certos exageros nessa concepçã o talvez
, ex¬ -
nifestações ideológicas desse período sem relacioná las de um modo
no entanto igno- ou de outro a esses fenômenos culturais. Até mesmo no caso da
cessivamente carregada nas suas cores, não podemos Reforma religiosa, que constitu í uma inflexã o radical no curso dos
rá-la quanto ao essencial: o cará ter ainda incompleto
, in fieri, do ab ¬
processos culturais quinhentistas, sua compreensão se revela imposs í¬
solutismo moná rquico à época do Renascimento. Mesmo
constituin¬
a essa regra, vel sem que analisemos suas relações contraditórias, em alguns casos
do um caso à parte, os países ibéricos não fugiam muito ambíguas, com as formas de pensamento renascentistas.
como logo veremos . ingredientes |Nã o é uma tarefa simples caracterizar o humanismo e o
A eclosão da Reforma protestante adicionou novos Renascimento e definir-lhes as m ú tuas relações. São in ú meras e muito
!
políticos e sociais a essa problemá tica política. Ao encaminhar
a solu ¬
e eclesiástico, os diferentes entre si as concepções existentes sobre as naturezas do hu ¬
çã o do multissecular conflito entre os poderes civil manismo e do Renascimento; e, dependendo da concepçã o que se
ismo, o
reformadores optaram, em geral, pela fórmula do cesaropap
adote, as relações entre os dois fenômenos assumirão características j'
ómico dos
que contribuiu para fortalecer o poderio político e econ bem distintas, j j
príncipes, além, é claro, dos fundamentos religiosos de sua
autorida -

35
34
TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS

|DC uma perspectiva diversa, Agnes Heller afirma que a corrente de


Segundo certos historiadores, o movimento essencial e
abrangen ¬

pensamento renascentista que habitualmente é designada por humanis¬


te foi o do Renascimento; o humanismo
teria sido apenas um movi ¬

mo ê apenas um (ou vários) dos reflexos ideológicos do Renascimento,


mento ou uma tendência menor no bojo do
movimento renascentista.
a vertente filosó sob uma forma ética e acadêmica, separável da estrutura social e das
Por vezes, no entanto, o humanismo é descrito como
¬

o de mundo re realidades da vida cotidiana e portanto, capaz de ter uma relativa vida
fica do Renascimento, o lugar por excelência da visã
¬ }

nascentista, como se pode ler, por exemplo, em Cassirer . pr ópria e de se desenvolver em países onde o Renascimento, enquanto
.*
fenômeno social total, nunca existiu 1 ] Nessa afirmação, é necessário
sublinhar o conceito subjacente de Renascimento como processo social
,
total, ao qual retornaremos e a visão de humanismo comcTsimpies re¬
.
1 O humanismo renascentista ,
flexo ao mesmo tempo restrito e autónomo .
tista é interpreta Em síntese, o humanismo comporta hoje duas ou três definições
I Em seu sentido restrito, o humanismo renascen
¬

poder íamos mais ou menos distintasj Em sentido restrito, ele seria um programa
do por Kristeller como uma fase caracter ística do que
l Era essencia l es de estudos clássicos, cujo forte era a retórica, retomando uma espécie
chamar de a tradição retó rica da cultura ocidenta
¬

principal dos pro de linhagem que remonta aos sofistas; trata-se do humanismo como
crever e falar bem e ensinar a fazer isto era a tarefa
¬

fissionais humanistas, professores de gram á tica e retórica 4 Como ideal essencialmente de expressão } Já no interior de outra vertente ex¬
da estudos clássicos, a ,
plicativa o humanismo seria inseparável da produção filosófica re¬
pressuposto, estava a importância dispensa aos
visão da Antiguidade clássica como norma e modelo
comum para — ,
nascentista dividida entre as várias tradições mas com um mínimo
guiar todas as atividades culturais. Embora a palavra
humanismo
, eram os

de elementos comuns que constituiria a autêntica visão de mundo
date apenas de 1808, humanistas, à época do Renascimenton .
renascentista Por último (caso de Agnes Heller), decompõe-se o hu¬
mestres e estudantes de humanidades ou studia
humanita tis, equiva ¬
manismo em dois: um humanismo de tipo acadêmico erudito, talvez ,
lendo a palavras como jurista, canonista, utilizadas nos meios univer ¬
não muito diverso da definição de Kristeller;e um humanismo que re¬
sitários para designar certos tipos de intelectuais especial
izados . presenta a essência da visão de mundo do Renascimento ou seja um , ,
No entanto, se Kristeller rejeita a concep ção do humanis mo re ¬

,
conceito dinâmico do homem individual e social, que aponta na dire¬
áter
nascentista como tendência ou sistema filosó fico enfatiza
e o car
— ,
ção do conceito de humanidade eterna genérica e homogénea; um
de programa cultural e educativo no qual era dada primazia
a um
.
conceito ontológico, portanto Criador do mundo, o homem é sempre
campo de estudos cujo centro de interesse era literá
só lida
rio, ele mesmo re
, mas dominante
¬

,
o mesmo e a sua história é cíclica ou quase (Maquiavel) 14 .
conhece que existe outra interpretação menos
.
entre os historiadores da filosofia Segunda esta
, o humanismo teria
sido a nova filosofia do Renascimento, surgida em oposiçã
o à escolás ¬

2. Renascimento
tica lOra, segundo Kristeller, os humanistas italianos n foram
nem
. ão
.
bons nem maus como fil ósofos; simplesmente nã o eram fil sofos Daí
ó
.
A discussão deste tema parece ser interminável Limites cronoló¬
tentativas
serem completamente destituídas de sentido as constantes gicos, relações com o período medieval, originalidade, abrangência,
de identificar o humanismo renascentista com a filosofia, a ci
ência e o
pode .
tudo foi ou é objeto de controvérsias Aliás, não poucas vezes foi co¬
saber desse períodof Um bom exemplo desta última tendência .
¬

.
12 locada sob suspeição a própria existência de tal Renascimento
mos ler no conhecido trabalho de Eugene Garin

17
36
TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS

ente situa- De nosso ponto de vista, porém, o Renascimento é um dos ele¬


|os limites cronológicos do Renascimento estãoosgeralm
uma cronologia mentos mais importantes do quadro cultural dos séculos XV e XVI,
dos entre o século XIV e o século XVI, se adotarm mas nã o é o ú nico. Nesse mesmo sentido, como conceito de cultura,
e às primeiras décadas do
longa> podendo ser limitados ao século XV
século XVI, no caso de uma cronologia
.
curta A questã o da maior ou encontramos o Renascimento em Huizinga, que nele sublinha a ambi¬
e Idade Média ou, guidade intrínseca,17 a continuidade dentro da descontinuidade, onde
menor relaçã o de continuidade entre Renascimento se destaca a herança medieval a respeito de muitos problemas, a co¬
real e decisiva entre os
em termos inversos, o problema da ruptura
pontos controversos dessa meçar pela persistência da importâ ncia do elemento religioso sobre a
dois per íodos, representa o primeiro dos |
condição humana. Para Lucien Febvre, o Renascimento constitui um
o ponto: o cará ter espe¬
história. Logo a seguir entra em cena o segund
cífico ou não —ou exclusivo, como querem alguns — do Renasci ¬
ou renascimentos? Bem, a res¬
fenômeno ao mesmo tempo geral e ocidentaf responsável pela afir¬
mação do século XVI como o primeiro polo do espírito moderno Em .
mento italiano, ou seja: Renascimento
em funçã o de uma longa tra ¬ suma, uma revolução total, embora circunscrita ao território socio¬
posta tende a ser singular, especialmente
gênio, mas não existe unani ¬ cultural,18 ou, como escreve Barreto, um estilo civilizacional por meio
dição que teve em Burckhardt seu maior
italiano exclui Países
midade, não só porque um renascimento apenas o, mas também pelo do qual se exprime a porta da modernidade .
Baixos, França, Inglaterra, Espanha, por
exempl Na perspectiva que adotamos, talvez excessivamente culturalista
renasci mentos detectados na época para alguns, não se ignora a existência de transformações decisivas
fato de deixar de lado os v á rios
medieval pelos especialistas.15! nossa atenção nos
nos demais níveis da realidade social, tanto assim que começamos por
A par de tais querelas, conviria que fixássemos .
indicá-las Mas não acreditamos em uma vinculação do tipo circuito
seguintes pontos: mais do que uma época
, o Renascimento deve ser fechado entre tais mudanças e o Renascimento, ou que a cultura dos
que se expressou por
concebido como um grande movimento cultura,l literá ria, filosófica e séculos XV e XVI se limitaria a este movimento. Muito haveria ainda
meio de uma considerá vel produçã o art
ística a analisar se seguíssemos, por exemploj Foucault com sua concepção
.
cientifica Não esqueçamos , no entanto , o conceito social total, como de uma epistême do século XVI,20 caracterizada por similitudes e as¬
é proposto, por exemplo, por Agnes Heller
: sinaturas, ou se nos detivéssemos no verdadeiro â mago da mentalida ¬
de renascentista, com as variadas e reveladoras articulações que nela
o social total, esten ¬
O conceito de Renascimento significa um process detectamos entre a religião, a filosofia (ciência ) natural e a magia e o
.
dendo-se da esfera social e económica ( .. ) at
é ao domínio da cultu ¬
ocultismo, tal como nos revelam os trabalhos de Keith Thomas,
s de pensar, as
ra, envolvendo a vida de todos os dias e as maneira de consciência Francis A. Yates, Carlo Ginzburg, entre muitos outros.21!
prá ticas morais e os ideais éticos cotidianos
, as formas
|Concluindo, o Renascimento significou novas formas de ser e de
religiosa, a arte e a ciência.16 pensar a partir de um conceito dinâ mico de homem, em que todas as
transformação nã o concepções das relações humanas se tornaram dinâ micas, a começar
No entender desta mesma autora, onde essa pela rela ção entre o homem e a sociedade, agora uma questão indivi-
como forma social¬
foi total, o que existiu foi apenas o humanismo dual por excelência.J
iam às camadas sociais su ¬
mente desenraizada cujos aderentes pertenc
periores —a aristocracia política e intelectual
mento propriamente dito constitui a primeir

, pois o Renasci ¬
a onda do adiado proces¬
A imanência e a secularização representaram, então, um papel de
cisivo, mas nã o é verdade que fossem sinónimos de irreligiosidade.
¬

so de transiçã o do feudalismo para o capital


ismo . Em relação à natureza , o homem agora pode conquistá-la e criar uma

39
38
T E M P O S M O D E R N O S: A C U L T U R A H U M A N I S T A
TEMPOS MODERNOS

segunda natureza. Mudam por completo as concep


ções de valor, de I O ponto de partida de quase todas essas histórias tem sido
passa a ser produto de es¬ Lutero, o monge agostiniano que ousou dar à leitura de seus fiéis, em
infinito, de perfeição, e o destino individual
ilidades. Impõe-se o 1517, as suas 95 teses contra as indulgências, na catedral de
colhas em função de todo um leque de possib Wittenberg, Para muitos, como pessoa, Lutero é irrelevante; sua atitu ¬
versá til e multifa
culto do homem pelo próprio homem, um homem
»

sua pr ó pria marca . de foi apenas o estopim que desencadeou uma explosã o havia muito
cetado, sequioso de imprimir ao mundo preparada, a qual por isso mesmo viria mais cedo ou mais tarde.
vez mais se individua¬
Pensando-se como ser universal, o homem cada Outros, como Lucien Febvre, sem ignorar ou minimizar os fatores so¬
se somam as plurali¬
liza e ao conceito unitá rio e dinâmico de homem ciais presentes, sobretudo na Alemanha , buscaram també m com ¬
dades dos valores e ideais,22 preender o indivíduo Lutero. 3 Qual a origem, a natureza, o sentido
^
do protesto individual de Lutero contra a venda das indulgências ?
Como deveremos compreender o duplo movimento que então se ini¬
E. REFORMAS RELIGIOSAS —
cia o de Lutero e o de diversos segmentos sociais germâ nicos ?
[ Para Lutero, criticar as práticas simoníacas de determinados seto¬
ógicas dos séculos res da Igreja Católica era uma necessidade interior, fruto da convicção
Um quadro das manifestações culturais e ideol
dele omitíssemos o mo¬ a que chegara a respeito da inutilidade das obras e da exclusividade da
XV e XVI ficaria absurdamente incompleto se fé para a obtenção da graça divina, ú nica possibilidade real de salva ¬
vimento da Reforma. Claro está que não
podemos retomar as infindá ¬
ento reformador ou aos ção eterna. Denunciar, expor o erro daqueles que infundiam uma con ¬
veis discussões referentes às origens do movim
a. Tampouco teria senti¬ vicção diferente, fazendo crer na eficácia das obras para a salvaçã o,
mú ltiplos aspectos contidos na própria Reform
e protestantes a respei¬ era sobretudo um problema de sua consciê ncia cristal
do a polêmica não menos antiga entre católicos
to da natureza da chamada Contra-
Reforma ou da propriedade históri¬ jTodavia, para aqueles que o leram e depois o ouviram, suas críti¬
ços desenvolvidos pela cas apenas confirmavam algo mais ou menos evidente para muitos: os
ca ou semântica de assim denominarmos os esfor
, no sentido de enfrentar abusos de toda ordem e a exploração então abertamente praticados
Igreja Católica, a partir do Concílio de Trento
ou Contra- Reforma, pelos agentes e enviados do papa, preocupados com suas próprias
os desafios do protestantismo. Reforma Católica .
como sinónimas perspectivas de salvação no contexto de uma religião cujas práticas a
para nossos atuais objetivos, devem ser entendidas
idade de refor¬ muitos pareciam contr á rias a seus princípios. Mas também existiam
Bem sabemos que a idéia ou o sentimento da necess
Igreja Católica Romana indivíduos e grupos interessados em suas próprias práticas económi¬
mar/corrigir os abusos então existentes na
rias oportunidades, algu cas e nas possibilidades de aquisição de bens e poder./
não eram novidades no século XVI. Em vá
¬

havia sido discutido, es ¬


Advertido, ameaçado, perseguido, Lutero se viu compelido a am ¬
mas muito tempo antes, o mesmo problema
pecialmente durante o chamado movimento concil
iar ( século XV ). pliar rapidamente a natureza e o teor de sua contestação e de suas crí¬
bem antes de Lutero. No ticas; inicialmente porque, no seu entendimento, o dogma e a liturgia,
Tentativas individuais também ocorreram
entanto, por que foi justamente com este ú
ltimo que a Reforma verda ¬
a hierarquia romana e a corte de Roma formavam um todo que se
do há séculos dar fazia necessá rio demolir; depois porque suas palavras provocavam
deiramente teve início? Os historiadores vêm tentan
trocas de invectivas e reações em cadeia: quando radicalizavam suas palavras, radicaliza ¬

respostas a esta pergunta, motivo de inú meras


. vam também as posições de Lutero. Daí alguns afirmarem que o re-
alegações inver ídicas entre católicos e protestantes

41
40
TEMPOS MODERNOS TEMPOS MODERNOS : A CULTURA HUMANISTA

relações entre a Reforma e o Renascimento.\Tanto a estética quanto a


formador foi sendo, cada vez mais, um homem conduzido pelos acon í
¬

tecimentos e, cada vez menos, seu condutor.


Como objeto de diferentes leituras, os textos luteranos produzi
¬
ética renascentistas, com sua concepção dinâ mica do homem indi¬

vidualista, expressiva, quase sempre otimista em relação à capacidade
ram outras tantas significações: um novo ideal ético-religioso
guns, uma clara indicação, para outros, dos caminhos que mais con
para al ¬

¬

criadora deste , colidirão frontalmente com a maior parte das pro¬
postas reformadoras, salvo quanto ao valor do homem como indiví¬
duo pensante, autónomo, capaz de ler e interpretar a palavra divina e
vinham, por exemplo, às burguesias urbanas ou, em outra ordem de
idéias, 30S senhores e pr íncipes alemães. A dialética do reformador e .
assim conhecer-lhe a verdade Salvo essa ênfase na consciência indivi¬
seus seguidores, sempre com consequências imprevistas, atingiu seu dual, a confiança na possibilidade de cada cristão, como indivíduo,
ponto crucial por ocasião da revolta camponesa, em 15241 Com efei
¬ ser livre para compreender, aceitar e praticar os ensinamentos bíbli ¬
cos, a Reforma vai estar em campo oposto ao Renascimento
to, liderados por Thomas Munzer e outros profetas celestiais, os cam
^
¬

poneses se levantaram contra a exploração feudal proclamando prin


¬ Em Lutero a visão que anseia pela purificação religiosa da fé e das
cípios e fins extra ídos, segundo eles, das propostas luteranas. Lutero
, prá ticas estava voltada para o passado, para a concepção idealizada de ,
apanhado entre a perseguição que lhe era movida pelos católicos fiéis uma Igreja primitiva, ainda não contaminada pelo medievo e total¬
mente alheia à luxú ria, ao paganismo, à ostentação e às depravações
ao papa e a crescente desconfiança dos príncipes pela sua pregação su ~
postamente revolucioná ria, optou pela condenação mais veemente da
revolta. A partir desse momento, o luteranismo obtém a proteção e o
— — .
de uma Igreja - a católica mundana Roma era então, para Lutero,
o símbolo maior dessa devassid ão de um papado totalmente surdo às
apoio de que necessitava para institucionalizar-se. Começa então a vozes dos concílios e mergulhado até o pescoço na corrupção dos cos-
j
histó ria da religião luterana e, segundo Lucien Febvre, principia o fim tumes e nas ambições seculares ligadas ao dinheiro e ao poder secular. I
do luterismoJ l Em reformadores como Zwinglio e mesmo Melanchthon, a ques- j
tão dos valores humanistas se mostrou mais matizada, visando a pre-
Contemporâ neos de Lutero, diversos líderes sacramentários apare¬
servar não apenas o valor da pessoa humana como também as buma-
cem na Suíça e no Reno. Tem início o debate quase interminá vel sobre j
a presença real de Cristo no sacramento da eucaristia. Lutero intervém .
nidadeSy como valores formativos do ser humano Com Calvino e sua
j
ê nfase na fundação de uma nova Igreja, verdadeiramente reformada,
no debate e opta por uma solução conciliadora, que denominou con- j
o protestantismo ganha em força expansiva na medida em que radica-
substanciaçãOy graças à qual preserva o dogma da presença real mas ao j
mesmo tempo elimina seu aspecto substancialista milagroso. liza suas críticas ao catolicismo romano e às tibiezas dos demais refor- I
Desde o começo da Reforma luterana, ou mesmo antes em certo madores. Calvino não se limitou a negar a importâ ncia das obras, já |
sentido, estava em debate a questão das relações entre as novas pers- que para ele a fé também não era um caminho seguro para a obtenção j
pectivas intelectuais e artísticas do movimento renascentista e as in ¬
da graça divina. Para o calvinismo, tanto as boas obras praticadas
quietações religiosas dos espíritos católicos ainda francamente majo
¬ pelo cristão quanto sua fé em Deus n ão podem ser mais do que teste¬
ritá rios em um século profundamente religioso. Nesse contexto, o diá munhos ou sinais da presença da graça divina JA insignificâ ncia do ser
¬
I
logo entre Erasmo e Lutero assume ares de exemplaridade em termos humano em relação a Deus não permite ao primeiro senão esperar e
de duas visões de mundo opostas entre si mas igualmente cristãs. confiar, aceitando sempre os supremos desígnios divinos, pois, na ver
24 ¬

Será essa contradiçã o entre o espírito humanista renascentista e a dade, só quem salva é Deus e isto Ele fez desde o começo dos tempos,
!
visã o do homem típica dos reformadores que irá perpassar todas as
para toda a eternidade, escolhendo os eleitos, destinados à salvação |

42 43
TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS

eterna, condenando os pecadores, fadados à eterna


.
danação Assim, Na Itá lia, o movimento contrário aos hereges se desencadeou já na dé¬
cada de 1530, sobretudo em Roma. Logo entraria em ação
transitando às vezes entre a predestinação pura e simples e as formas Companhia de Jesus. Finalmente, com o Concílio de Trento, defini¬
a
atenuadas da presciência ou da onisciência divinas, o calvinismo esti¬
¬
; ram-se as armas, os inimigos, os objetivos e os métodos para alcançá
mula uma ética cristã identificada com as práticas sociais mais ajusta
. tica de los. Mobilizou-se a Igreja de Roma e, com ela, os príncipes que ha ¬ -
das aos interesses da sociedade e aos respectivos valores Uma é
trabalho, frugalidade, recato, proscrição de todos os vícios e perene .
viam permanecido fiéis ao catolicismo romano Reativou -se
Inquisição, acrescida das inquisições anteriormente estabelecidas
a
testemunho de obediência aos ditames da providência. Um dever para
consigo mesmo tal como para com os demais; uma sociabilidade
não admite o ócio, a preguiça, e para a qual o não trabalhar j
que
á cons-

Espanha e em Portugal. Criou-se o índex lista dos livros cuja leitu¬
ra era proibida aos católicos, mas que, na prá tica, deveriam ser des¬
na

I
| titui condenação e miséria, um testemunho inequ ívoco de dana ção . truídos ou ter a sua publicação impedida. O estreitamento das rela¬
ções entre ê Igreja e os monarcas absolutistas dos países católicos sig¬
-
A Reforma calvinista revelou se intolerante diante da possibilida
¬

nificou tempos difíceis para as novas idéias.


de presente no humanismo renascentista de reconhecer como huma
¬

, as id é | É importante ainda assinalar que a Contra-Reforma não se limi¬


nas a dúvida, as diferenças de comportamentos e atitudes
ias
pe¬ tou a denunciar e condenar as heresias reformistas em seus variados
dissonantes. Católicos romanos e livre-pensadores são igualmente conteúdos, mas dirigiu a hostilidade de suas críticas também aos cau ¬
rigosos e devem ser punidos, assim como os dissidentes radicais
, tal
sadores do cisma: os efeitos maléficos das idéias e prá ticas humanistas
, como os anabatistas.
A Reforma trouxe novamente à tona da discussão teológica uma
antiga questão: a tensão entre a determinação e o livre-arbítrio
. Cada

e renascentistas a visão essencialmente pagã do homem e do
mundo, o orgulho, o culto do corpo humano, os excessos individua¬
listas, o amoralismo, a irretí giosidade e o ateísmo,!
a
uma das seitas protestantes se viu obrigada a retomar por sua conta O século XVI, cujo começo marcou o apogeu do Renascimento,
velha discussão. Assim também no caso da Contra-Reforma ou refor - foi aos poucos invadido pela intolerâ ncia da Contra Reforma, em trá¬
! : ma católica, sobretudo entre os jesuítas e seus eternos adversá rios
, os -
gico contraponto à intolerância não muito diferente ou menos inten¬
simples a concilia çã o
dominicanos. Afinal, não parecia ser muito sa dos reformadores. Nos dois casos, os príncipes procuraram fazer
entre a onipotência divina e o conceito renascentista, individualista
,

I
1
de homem.
f Em seu conjunto, a Reforma religiosa foi um impacto tremendo
desastroso para o Renascimento. Ao favorecer certas tomadas
de
e —
funcionar em benefício de sua própria autoridade a repressão aos dis¬
sidentes negar a religião oficial da Coroa era crime de lesa majes
tade e pecado mortal . -
fO esplendor renascentista e o ideal humanista cederam lugar às
-
consciência que estimularam a consolidação de mentalidades indife- batalhas doutrinárias, repletas de erudição histórica e facilitadas pela
rentes, quando não hostis, aos valores e ideais éticos e estéticos
renas¬
;
pela cul- rápida difusão da imprensa. Os estudos filológicos e linguísticos, inau¬
centistas, a Reforma propiciou a desconfiança e o desprezo gurados pelos sá bios humanistas, se converteram nas grandes armas
tura do Renascimento em geral. Daí uma reorientaçã o praticamente
I

total dos rumos culturais europeus quinhentistas sob a influência da


dessas batalhas cujo campo de combate eram as Sagradas Escrituras f .
Ao lado dessas batalhas oratórias e textuais, as batalhas sangrentas, os
Reforma.2| S
choques do medo e da intolerância:Jguerras civis, guerras entre Estados
Para nossa temática atual, nada mais importante, porém, do que
a reação católica diante da Reforma protestante: a Contra-
Reforma. — as chamadas guerras de religião dos séculos XVI e XVII4

45
44
TEMPOS MODERNOS

e ex¬ Notas
, alé m das guerras de religião mais ou menos ostensivas
Mas
ou realmente armadas, travou
-se a
,

plícitas, fossem apenas verbais defensores da verdadeira fé contra


, dos
guerra surda, quase silenciosa rios reais ou imaginários; guerra feita
á
a ação insidiosa dos seus advers erra simbo¬
den ú ncias e suspeitas , de muitos receios e silêncios; gú apenas.
de inquisitoríais, mas não
lizada pelos integrantes dos tribunais se perceber a mudança do clima men
¬

Diante de tudo isso, como n ã o


ças, é
europeu na segunda metade do século XVI? Houve diferen (J)F. J . C. Falcon. A é poca pombalina. São Paulo: Ática , 1982, ppa. 3-5 .
tal
nos Estados italianos e principalmente nos (Qidem . Mercantilismo e transição . São Paulo: Brasiliense, 1980, 10 ed . , pp.19-22.
certo, de um pa ís a outro ; pesada. 3 . Mikhail Bakhtin. VOeuvre de François Rabelais et la culture populaire au
ib ricos a atmosfera repressiva foi excepcionalmente moyen age et sous la renaissance . Paris: Gallimard, 1970; Ginzburg, Carlo .
pa íses é , nas relações entre uma
— —
o pensarmos ent ã o, imediatamente Mitos , emblemas e sinais . S ão Paulo: Companhia das Letras, 1989,
Como n ã
e esse novo clima? Como n
ão levar¬
barroca 4. W. Dilthey. Hombre y mundo en los siglos XVI y XVII . México: FCE, 1947;
nova sensibilidade que teve todo esse novo ambiente¬ Ernst Cassirer. Individuo y cosmos en la filosofia del Renacimiento . Buenos
em conta o peso significativo
mos secularização e o avanço do individua Aires: Emecé, 1951; Agnes Heller, O homem do Renascimento . Lisboa: Pre¬
ideológico sobre a marcha da e retardá-los| ? Por último, como não sença, 1982; Michel Foucault, Les Mots et les choses . Paris: Gallimard, 1966 ,
lismo, no sentido de cerceá-
los í ncipes de la pens é e au sié cle des lumiè res . Paris:
da Reforma como da Contra-
Reforma 5 . Georges Gusdorf . Les Pr
a repercuss ã o tanto Payot, 1971, p. 316 .
considerar /modificando muitos as
¬

sobre as mentalidades coletivas , reprimindo 6 . F . J. C. Falcon . Iluminismo . Sã o Paulo: Ática, 1986, pp. 32- 35 .
popular? 7. Reinhart Koselleck . Cr í tica illuminista e crisi della società borghese . Bolonha:
pectos culturais de cará ter II Mulino, 1972.
8 . Rugiero Romano e Alberto Tenenti. Los fundamentos del mundo moderno .
Madri: Siglo XXI, 1972; Ph. Wolff . Outono da Idade M é dia ou primavera dos
novos tempos? Lisboa: Edições 70, 1988.
9. José Antonio Maravall . Estado moderno y mentalidad social . Siglos XV a
XVII . Madri: Revista de Occidente, 1972, 2 vols .
10. W. Naef . La idea del estado en la Edad Moderna . Madri: Aguilar, 1973, p. 15;
Antonio Manuel Hespanha ( org. ) . Poder e instituições na Europa do Antigo
Regime . Lisboa: Fundaçã o Calouste Gulbenkian, 1984.
11 . Paul Oskar Kristeller. El pensamiento renacentista y sus fuentes . México:
FCE, 1982, p. 41.
12. Eugenio Garin , Moyen Age et Renaissance . Paris: Gallimard , 1969; J .
:![ ; Delumeau. La Civilization de la Renaissance . Paris: Arthaud, 1984.
n Agnes Heller. Op. cit, , p. 10.
)
Cf . também: Gilmore, Le Monde de Vhumanisme. Paris: Payot, 1955; R .
Hooukaas. Os descobrimentos e o humanismo . Lisboa: Gradiva, 1983.
15. Jacob Burckhardt, La cultura del Renacimiento en Italia . Barcelona: Salvat,
1951; Erwin Panofsky . Renascimento e renascimentos na arte ocidental .
Lisboa: Presenç a, 1981.

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TEMPOS MODERNOS

. . . . .
16 Agnes Heller Op cit , pp 9-10 .
. . .
17 J. Huizinga Le Déclin du moyen âge Paris: Payot, 1948 .
. .
18 Lucien Febvre. “ Le Probléme de l’incroyance au XVIe siècle” La Religion de
Rabelais Paris: Albin Michel, 1947, p ll
. . .
. .
(T /Luis Filipe Barreto Descobrimentos e renascimento Formas de ser e pensar
^. .
nos séculos XV e XVI Lisboa: Imprensa Nacional, 1983,V. ed , pp 42- 43
. . . . .
20 Michel Foucault Op cit , p 45
. . .
. . .
21 Keith Thomas Religion and the Decline of Magic Londres: Penguin, 1988; O
.
homem e o mundo natural São Paulo: Companhia das Letras, 1988; Francis
.
Yates Giordano Bruno and the Hermetic Tradition, Londres: Routledge,
. .
1964; Carlo Ginzburg Os andarilhos do bem São Paulo: Companhia das
Letras, 1988 .
tzd . . . . .
Agnes Heller Op cit , pp 9-27
Qf. . .
Lucien Febvre Un destin Martin Luther Paris: PUF, 1945 .
. .
24. Idem Erasmo, La contrarreforma y el espíritu moderno Barcelona: Martinez
. . Roca, 1959 .
.
( 25 JKarl Holl The Cultural Significance of the Reformation Nova York: .
^3 Meridian, 1959.

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