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CAPA j
Evelyn Grumacb |
1
PROJETO GR Á FICO j
Evelyn Grumacb e João de Souza Leite
PREPARAÇÃ O DE ORIGINAIS
Leny Cordeiro
EDITORAÇÃO ELETR Ó NICA
Art Line A Maria Célia e
Teresa
— —
fimamente ligado às grandes invenções o papel, a pólvora, a bússo¬
la e a imprensa e era através delas que se iniciava o estudo da Idade
Moderna. Mais recentemente, com o declínio da crença nos fatos his¬
tóricos decisivos, as explicações dos historiadores sobre os fatores de¬
terminantes da inauguraçã o dos tempos modernos tenderam a privi¬
legiar cada vez mais os processos e transformações de natureza con ¬
. —
juntural Durante certo tempo e mesmo ainda hoje, para alguns
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TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS
invençã o da imprensa por Gutenberg (1440-50 ) , descobrim ento da £ A noção de moderno está muito longe de constituir um verdadei¬
ro conceito. Praticamente, dado o sentido dessa palavra em seu nível
América por Cristóvão Colombo (1492), as teses de Lutero contra as
indulgê ncias (1517) , o saque de Roma pelas tropas de Carlos V denotativo, cada época tende a assumir-se como moderna em relação
(1527) e outras. à (s ) época (s ) anterior (es). Desse modo, nã o há uma época que possa
Se tivermos preferê ncia pelo movimento geral das id éias, nada ser identificada como moderna por definição, ou seja, que exclua as
mais indicado do que situarmos o início da Idade Moderna na fase
de .
demais do direito à modernidade Por mais que se tenha escrito sobre
o cará ter moderno da Idade Moderna, nã o podemos esquecer que
apogeu humanista e renascentista na Itá lia, na segunda metade do é s ¬
culo XV e as duas ou três primeiras d écadas do século XVI. Enfim, se também os nominalistas medievais propuseram uma via moderna em
oposição à tradicional via antiqua, nem tampouco que os humanistas
nada disso for suficientemente relevante ou decisivo, sempre se pode
¬
peração da chamada crise do final da Idade M édia —séculos XIV e também os modernos em duelo com os antigos ]
—
XV , quando o movimento econ ómico geral da Europa assinala
uma tendência expansionista que se traduz na alta geral dos preços ao
Até há alguns anos, ainda era possível ter algumas certezas a res¬
peito da modernidade do século XVI.1 Hoje, no entanto, como situar
longo da segunda metade do século XV e durante todo o século XVI. tal modernidade se o conceito foi deslocado historicamente para épo¬
É provável que o essencial seja o reconhecimento da ocorrência de cas bem posteriores ao século XVI, de forma que a modernidade cons¬
importantes transformações nas sociedades européias nos séculos XV titui algo bastante diverso, historicamente, a ponto de, quando muito,
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22
T E M P O S M O D E R N O S: A C U L T U R A H U M A N I S T A
TEMPOS MODERNOS
ou pura e simples da Idade Média . Uma nova época , moderna sim, mas
podermos reconhecer , na modernidade quinhentista , alguns sinais
em comum, em termos . Um novo começo, apesar de tudo, apesar das hipotecas do
prenúncios da modernidade de hoje? Que existe ainda passado. Eis o Renascimento!
e moderno dos
nos dias atuais, entre o moderno dos renascentistas o
, na qual já se
séculos XIX e XX ? Numa época histórica como a nossa
que sen¬
colocou de maneira incisiva a problemá tica do pó$ ~moderno,
tido ainda poderá ter a noção de início dos tempos modernos
referida
B. TRANSIÇÃO E VISÕ ES DE MUNDO
a processos e acontecimentos de tantos séculos antes ?
Não emprestemos, portanto, demasiada importâ ncia a
todas
são muito As transformações características do iní cio dos tempos modernos
essas referências tradicionais aos tempos modernos, pois
da modernid a¬ podem ser objeto de umaf abordagem capaz de englobá-las numa tota
relativasJjNão percamos de vista que nossa visão atual o lidade histórica coerente e significativa? Ou devemos nos conformar,
¬
de se vincula, de fato, à visão de mundo construída pelo Iluminism - de uma vez por todas, diante da impossibilidade de se produzir uma
de que , para os ilumi
do século XVIII. Convém não nos esquecermos interpreta ção que articule e explique os múltiplos aspectos dessas
importan
nistas, as transformações dos séculos XV e XVI, por mais
¬
nós por ta , Exemplo da segunda , por sua vez, seria a análise do período a par
A questão do moderno é especialmente importante para
¬ ¬
prio , ( Esta noção constitui uma tentativa de abranger, por meio de uma
za e vigor a distância quase intransponível entre seu pró
tempo
imediatamente anterior, bárbaro e gótico, única expressão, o conjunto bastante vasto de transformações de toda
nuv/ novo e moderno, e o tempo — —
ordem mais ou menos lentas que teve lugar nas diferentes forma
Tal tipo de autodefinição dos renascentistas foi a origem de
muitas ¬
p es entre o ções sociais européias entre o final da Idade Média e os séculos XVIII
concepções historiográficas posteriores sobre as relaçõ
,
e XIX. Na verdade, o historiador não pode esquecer que essa transi
Renascimento e a Idade Média , fOs discursos que os próprios atores
representações ção , formulada em tal nível de generalidade, representa apenas uma
¬
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TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS
processo, a transiçã o do como reconhecimento nosso de que por parte dos estudiosos também
Assim, é preciso lembrar que, enquanto coexistem diferentes maneiras de definir e situar a natureza das mun-
mações estruturais e
feudalismo ao capitalismo incorpora transfor ógicas, isto é, não dividências da é poca renascentista ,
conjunturais, económicas, políticas, sociais e ideol |A primeira afirma ção aponta em direção ao reconhecimento de
somente forças produtivas e relações
de produção mas também lutas J
s e manifestações universos mentais distintos e no entanto estreitamente entrelaçados:
de classes, estruturas políticas e sociais, processo uma visã o de mundo renascentista e humanista, uma visã o de mundo
ideológicas etc. católica, além de uma ainda em construçã o, em conexã o com o pro¬
ções sociais medie
Portanto, a passagem das sociedades ou forma
¬
das relações feudais, para testantismo e, com certeza, outra que se constrói em contato com a
vais, estruturadas em funçã o da dominâ ncia experiência cotidiana das longas viagens mar ítimas e os diversos des¬
s fundamentadas
as formações sociais burguesas, com suas estrutura !
cobrimentos por elas propiciados Ao mesmo tempo, tais visões são,
no caráter dominante das relações capitalistas
, constitui a essência do
e os séculos XVIII e XIX. em geral, as que predominavam entre as elites, pertencendo pois às
período situado entre os séculos XV e XVI classes dominantes e correspondendo, assim, à cultura erudita da
to três inter¬
De acordo com esse entendimento, não têm cabimen .
época Coexistindo nesse mesmo espaço-tempo estão manifestações
ter dessa época de transição:
pretações, muito difundidas, acerca do cará culturais, ou tipos de culturas, predominantemente populares, a indi¬
í3) a interpretação que postula
rupturas radicais entre o começo da
rasa de todas as con¬ car a presença de universos mentais muito diversos dos que caracteri-
Idade Moderna e a época anterior, fazendo tá bula de tal forma zavam as elites, como o demonstraram em seus trabalhos, por exem ¬
tinuidades não menos reai Q) a interpretação que acentuaséculo XVIII
^
a continuidade feudal, prolongando o feudalis
mo at é o plo, Bakhtin e Ginzburg.3
Se passarmos agora à segunda das afirmações acima, nã o menos
ç estrutur ais bá sicas da época de tran-
pelo menos, que ignora mudan as
diferenciadas são as interpretações: a concepção de Dilthey que asso ¬
elementos constituti¬
siçãoyjÚa interpretação que se fixa na génese dos cia indiv íduos e idéias em relaçã o com a busca dos elementos psicoló¬
vos do modo de produçã o capitalista e acaba
por explicar uma é poca
o do que viria a ser. gicos que explicam as relações recíprocas entre indivíduo e mundo; a
não por aquilo que ela de fato era mas em funçã
tilista, não interpretação filosófica de tipo neokantiano exposta por Cassirer; a
A época da transição feudal-capitalista, ou era mercan construção de Foucault, bastante original, fundamentada na descri¬
é redutível nem ao feudalismo, nem ao capitalismo
, tampouco seria
resultante da justapo¬ çã o de uma epistéme pr ó pria ao século XVI; a an á lise de Agnes
válido explicá-la como uma forma de dualismo Heller, marxista lukacsiana , que tenta construir em todos seus aspec¬
siçã o de feudalismo e capitalismo. O que de
fato a define como de
micas ou socioeconô- tos e nuan ças o homem do Renascimento e suas tomadas de consciên ¬
transição é a existência então de formas econó cia e representações do real.4
, mas ainda não
micas, políticas e ideológicas que já não eram feudais 2
ção. As visões de mundo renascentistas, analisadas de uma perspectiva
eram capitalistas, ou seja, eram realmente de transi mais abrangente, se integram aos processos de transformaçã o intelec¬
tual e mental que representam os grandes movimentos mentais da
época de transição. Na concepçã o desenvolvida por Georges Gusdorf,
2. Visões de mundo renascentistas por exemplo, trata-se de um processo amplo e profundo que ele deno ¬
plurais num mina passagem da transcendência à imanência, ou da verticalidade à
Tais visões de mundo devem ser entendidas como
univer ¬ horizontalidade.5 Sua principal consequência veio a ser uma radical
duplo sentido: como afirma ção da existência real de diferentes mudan ça nas formas de conceber as relações homem /mundo,
sos mentais coexistindo no ambiente cultural dos s
éculos XV e XVI;
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TEMPOS MODERNOS : A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS
ral, re¬
nam tendência secular de cará ter estrutural. Em nível conjuntu
um fenômeno majoritá rio e de abrangência universal; sua importâ ncia
reside no papel inovador e dinâmico que representam, ou em seu signi ¬
gistram se oscilações mais ou menos amplas, de car
á ter cí clicoy ex¬
- origens, ficado histórico a médio ou longo prazos. Tais características estã o nas
pressas por intermédio das curvas de preços e salários, cujas
apesar de m ú ltiplas, têm sido tradicionalmente associadas à
s varia ¬ origens de boa parte das polêmicas travadas até agora a respeito do ca ¬
ções dos fluxos dos carregamentos de metais preciosos
da América rá ter capitalista ou nã o da economia européia do século XVI. Com
para a Península Ibérica. efeito, se fizermos um recorte nessas transformações, que se atenha
A expansão económica dos séculos XV e XVI foi um fenômeno apenas aos elementos novos, real ou potencialmente capitalistas, não
produtivos, será dif ícil detectarmos já nos séculos XV e XVI os primeiros passos e
bastante amplo, uma vez que abrangeu os diversos setores
as trocas comerciais, as operações financeiras em geral e
especialmen¬ manifestações de uma sociedade capitalista e burguesa. Maior realce
te os mecanismos ligados ao crédito pú blico e privado
. A alta genera¬ ainda deveremos dar a esses aspectos capitalistas se entendermos que o
lizada dos preços, por ter sido provavelmente o aspecto mais saliente fim da Idade Média também significou a ruína do feudalismo.
de todo esse processo, impressionou sobremaneira os contempor
⬠|Do nosso ponto de vista, no entanto, não se justifica a aceitação
,
neos, em função dos problemas da carestia e suscitou as primeiras das seguintes interpretações: a confusão entre capital comercial e ca¬
análises explicativas do fenômeno, baseadas, em geral, na pitalismo comercial ; a identificação da crise do final da Idade Média
chamada
I
í: teoria quantitativa da moeda. conTFTinaldo feudalismo; o reconhecimento da incipiente importâ n¬
Esse surto económico da Europa do século XVI também tem im
¬ cia da burguesia mercantil equivalendo à liquidação da hegemonia
de
pressionado muito os historiadores e constitui o ponto de partida aristocr ática sobre a sociedade da época; o desenvolvimento de uma
teorias interpretativas baseadas em noções como revolu çã o comerci al e ou vá rias novas visões de mundo como cria ções exclusivamente bur ¬
capitalismo comercial Na opinião de outros, a expansão do s éculo guesas. Nada disso nos parece suficiente para caracterizar a existência
XVI teria sido a origem do mercantilismo, a partir da suposta formula de um verdadeiro capitalismo nessa é poca , f
¬
- .
ção inicial deste último em termos de bullionismo ou criso
| Não podemos ignorar, ou muito menos negar, a ocorrência de
hedonism o
|\ O VA-
' *
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30
TEMPOS MODERNOS TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
aristocráticas,
Antigo Regime. Trata-se de sociedades essencialmente za, a burguesia imprime um crescente dinamismo à sociedade e inten ¬
gos na burocracia estatal, ou pela compra de terras e títulos de nobre- concluiria, pelo menos no âmbito do Ancien Régime .
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TEMPOS MODERNOS : A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS
pelos segmentos so¬ ram ou enfraqueceram o poder mon á rquico centralizado e de tendên¬
instâ ncias representativas das resistências opostas cias absolutistas, parece nã o haver muitas d úvidas quanto a seus re
do poder reaU ¬
ciais privilegiados ao avanço das pretensões absolutistas sultados mais gerais e duradouros: o fortalecimento do poder real em
.
Segundo W Naef , o Estado do século XVI constitui a
primeira
face de seus inimigos internos ou externos, aqui inclu ído o papado.
etapa moderna da concentração do poder estatal
.
— é
mental 10 Sua principal característica é a divisã o do poder
o Estado esta-
entre o
——
príncipe e as assembléias estamentais nobreza, clero e cidades.
|Tratar-se-ia de um Estado dualista o príncipe e oe ambos país coexistem
com di¬ D. TRANSFORMAÇÕ ES CULTURAIS E MANIFESTAÇÕES IDEOLÓGICAS
um ao lado do outro, ambos com a mesma posição .
dupla fonte
reitos pr ó prios, e o poder do Estado provém de uma O humanismo e o Renascimento deram forma e conteú do ao
Dualistas seriam também as prá ticas administrativas
, legislativas e fi¬
impossível se n ão .
clima intelectual e mental do século XV e início do século XVI É pra -
nanceiras, de modo que a atividade estatal se torna ticamente impossível analisar-se as transformações culturais e as ma ¬
houver uma ação conjunta do príncipe e dos estamentos
.|
Embora possa haver certos exageros nessa concepçã o talvez
, ex¬ -
nifestações ideológicas desse período sem relacioná las de um modo
no entanto igno- ou de outro a esses fenômenos culturais. Até mesmo no caso da
cessivamente carregada nas suas cores, não podemos Reforma religiosa, que constitu í uma inflexã o radical no curso dos
rá-la quanto ao essencial: o cará ter ainda incompleto
, in fieri, do ab ¬
processos culturais quinhentistas, sua compreensão se revela imposs í¬
solutismo moná rquico à época do Renascimento. Mesmo
constituin¬
a essa regra, vel sem que analisemos suas relações contraditórias, em alguns casos
do um caso à parte, os países ibéricos não fugiam muito ambíguas, com as formas de pensamento renascentistas.
como logo veremos . ingredientes |Nã o é uma tarefa simples caracterizar o humanismo e o
A eclosão da Reforma protestante adicionou novos Renascimento e definir-lhes as m ú tuas relações. São in ú meras e muito
!
políticos e sociais a essa problemá tica política. Ao encaminhar
a solu ¬
e eclesiástico, os diferentes entre si as concepções existentes sobre as naturezas do hu ¬
çã o do multissecular conflito entre os poderes civil manismo e do Renascimento; e, dependendo da concepçã o que se
ismo, o
reformadores optaram, em geral, pela fórmula do cesaropap
adote, as relações entre os dois fenômenos assumirão características j'
ómico dos
que contribuiu para fortalecer o poderio político e econ bem distintas, j j
príncipes, além, é claro, dos fundamentos religiosos de sua
autorida -
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TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS
o de mundo re realidades da vida cotidiana e portanto, capaz de ter uma relativa vida
fica do Renascimento, o lugar por excelência da visã
¬ }
nascentista, como se pode ler, por exemplo, em Cassirer . pr ópria e de se desenvolver em países onde o Renascimento, enquanto
.*
fenômeno social total, nunca existiu 1 ] Nessa afirmação, é necessário
sublinhar o conceito subjacente de Renascimento como processo social
,
total, ao qual retornaremos e a visão de humanismo comcTsimpies re¬
.
1 O humanismo renascentista ,
flexo ao mesmo tempo restrito e autónomo .
tista é interpreta Em síntese, o humanismo comporta hoje duas ou três definições
I Em seu sentido restrito, o humanismo renascen
¬
poder íamos mais ou menos distintasj Em sentido restrito, ele seria um programa
do por Kristeller como uma fase caracter ística do que
l Era essencia l es de estudos clássicos, cujo forte era a retórica, retomando uma espécie
chamar de a tradição retó rica da cultura ocidenta
¬
principal dos pro de linhagem que remonta aos sofistas; trata-se do humanismo como
crever e falar bem e ensinar a fazer isto era a tarefa
¬
fissionais humanistas, professores de gram á tica e retórica 4 Como ideal essencialmente de expressão } Já no interior de outra vertente ex¬
da estudos clássicos, a ,
plicativa o humanismo seria inseparável da produção filosófica re¬
pressuposto, estava a importância dispensa aos
visão da Antiguidade clássica como norma e modelo
comum para — ,
nascentista dividida entre as várias tradições mas com um mínimo
guiar todas as atividades culturais. Embora a palavra
humanismo
, eram os
—
de elementos comuns que constituiria a autêntica visão de mundo
date apenas de 1808, humanistas, à época do Renascimenton .
renascentista Por último (caso de Agnes Heller), decompõe-se o hu¬
mestres e estudantes de humanidades ou studia
humanita tis, equiva ¬
manismo em dois: um humanismo de tipo acadêmico erudito, talvez ,
lendo a palavras como jurista, canonista, utilizadas nos meios univer ¬
não muito diverso da definição de Kristeller;e um humanismo que re¬
sitários para designar certos tipos de intelectuais especial
izados . presenta a essência da visão de mundo do Renascimento ou seja um , ,
No entanto, se Kristeller rejeita a concep ção do humanis mo re ¬
,
conceito dinâmico do homem individual e social, que aponta na dire¬
áter
nascentista como tendência ou sistema filosó fico enfatiza
e o car
— ,
ção do conceito de humanidade eterna genérica e homogénea; um
de programa cultural e educativo no qual era dada primazia
a um
.
conceito ontológico, portanto Criador do mundo, o homem é sempre
campo de estudos cujo centro de interesse era literá
só lida
rio, ele mesmo re
, mas dominante
¬
,
o mesmo e a sua história é cíclica ou quase (Maquiavel) 14 .
conhece que existe outra interpretação menos
.
entre os historiadores da filosofia Segunda esta
, o humanismo teria
sido a nova filosofia do Renascimento, surgida em oposiçã
o à escolás ¬
2. Renascimento
tica lOra, segundo Kristeller, os humanistas italianos n foram
nem
. ão
.
bons nem maus como fil ósofos; simplesmente nã o eram fil sofos Daí
ó
.
A discussão deste tema parece ser interminável Limites cronoló¬
tentativas
serem completamente destituídas de sentido as constantes gicos, relações com o período medieval, originalidade, abrangência,
de identificar o humanismo renascentista com a filosofia, a ci
ência e o
pode .
tudo foi ou é objeto de controvérsias Aliás, não poucas vezes foi co¬
saber desse períodof Um bom exemplo desta última tendência .
¬
.
12 locada sob suspeição a própria existência de tal Renascimento
mos ler no conhecido trabalho de Eugene Garin
17
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TEMPOS MODERNOS
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T E M P O S M O D E R N O S: A C U L T U R A H U M A N I S T A
TEMPOS MODERNOS
sua pr ó pria marca . de foi apenas o estopim que desencadeou uma explosã o havia muito
cetado, sequioso de imprimir ao mundo preparada, a qual por isso mesmo viria mais cedo ou mais tarde.
vez mais se individua¬
Pensando-se como ser universal, o homem cada Outros, como Lucien Febvre, sem ignorar ou minimizar os fatores so¬
se somam as plurali¬
liza e ao conceito unitá rio e dinâmico de homem ciais presentes, sobretudo na Alemanha , buscaram també m com ¬
dades dos valores e ideais,22 preender o indivíduo Lutero. 3 Qual a origem, a natureza, o sentido
^
do protesto individual de Lutero contra a venda das indulgências ?
Como deveremos compreender o duplo movimento que então se ini¬
E. REFORMAS RELIGIOSAS —
cia o de Lutero e o de diversos segmentos sociais germâ nicos ?
[ Para Lutero, criticar as práticas simoníacas de determinados seto¬
ógicas dos séculos res da Igreja Católica era uma necessidade interior, fruto da convicção
Um quadro das manifestações culturais e ideol
dele omitíssemos o mo¬ a que chegara a respeito da inutilidade das obras e da exclusividade da
XV e XVI ficaria absurdamente incompleto se fé para a obtenção da graça divina, ú nica possibilidade real de salva ¬
vimento da Reforma. Claro está que não
podemos retomar as infindá ¬
ento reformador ou aos ção eterna. Denunciar, expor o erro daqueles que infundiam uma con ¬
veis discussões referentes às origens do movim
a. Tampouco teria senti¬ vicção diferente, fazendo crer na eficácia das obras para a salvaçã o,
mú ltiplos aspectos contidos na própria Reform
e protestantes a respei¬ era sobretudo um problema de sua consciê ncia cristal
do a polêmica não menos antiga entre católicos
to da natureza da chamada Contra-
Reforma ou da propriedade históri¬ jTodavia, para aqueles que o leram e depois o ouviram, suas críti¬
ços desenvolvidos pela cas apenas confirmavam algo mais ou menos evidente para muitos: os
ca ou semântica de assim denominarmos os esfor
, no sentido de enfrentar abusos de toda ordem e a exploração então abertamente praticados
Igreja Católica, a partir do Concílio de Trento
ou Contra- Reforma, pelos agentes e enviados do papa, preocupados com suas próprias
os desafios do protestantismo. Reforma Católica .
como sinónimas perspectivas de salvação no contexto de uma religião cujas práticas a
para nossos atuais objetivos, devem ser entendidas
idade de refor¬ muitos pareciam contr á rias a seus princípios. Mas também existiam
Bem sabemos que a idéia ou o sentimento da necess
Igreja Católica Romana indivíduos e grupos interessados em suas próprias práticas económi¬
mar/corrigir os abusos então existentes na
rias oportunidades, algu cas e nas possibilidades de aquisição de bens e poder./
não eram novidades no século XVI. Em vá
¬
41
40
TEMPOS MODERNOS TEMPOS MODERNOS : A CULTURA HUMANISTA
¬
—
criadora deste , colidirão frontalmente com a maior parte das pro¬
postas reformadoras, salvo quanto ao valor do homem como indiví¬
duo pensante, autónomo, capaz de ler e interpretar a palavra divina e
vinham, por exemplo, às burguesias urbanas ou, em outra ordem de
idéias, 30S senhores e pr íncipes alemães. A dialética do reformador e .
assim conhecer-lhe a verdade Salvo essa ênfase na consciência indivi¬
seus seguidores, sempre com consequências imprevistas, atingiu seu dual, a confiança na possibilidade de cada cristão, como indivíduo,
ponto crucial por ocasião da revolta camponesa, em 15241 Com efei
¬ ser livre para compreender, aceitar e praticar os ensinamentos bíbli ¬
cos, a Reforma vai estar em campo oposto ao Renascimento
to, liderados por Thomas Munzer e outros profetas celestiais, os cam
^
¬
Será essa contradiçã o entre o espírito humanista renascentista e a dade, só quem salva é Deus e isto Ele fez desde o começo dos tempos,
!
visã o do homem típica dos reformadores que irá perpassar todas as
para toda a eternidade, escolhendo os eleitos, destinados à salvação |
42 43
TEMPOS MODERNOS: A CULTURA HUMANISTA
TEMPOS MODERNOS
I
| titui condenação e miséria, um testemunho inequ ívoco de dana ção . truídos ou ter a sua publicação impedida. O estreitamento das rela¬
ções entre ê Igreja e os monarcas absolutistas dos países católicos sig¬
-
A Reforma calvinista revelou se intolerante diante da possibilida
¬
I
1
de homem.
f Em seu conjunto, a Reforma religiosa foi um impacto tremendo
desastroso para o Renascimento. Ao favorecer certas tomadas
de
e —
funcionar em benefício de sua própria autoridade a repressão aos dis¬
sidentes negar a religião oficial da Coroa era crime de lesa majes
tade e pecado mortal . -
fO esplendor renascentista e o ideal humanista cederam lugar às
-
consciência que estimularam a consolidação de mentalidades indife- batalhas doutrinárias, repletas de erudição histórica e facilitadas pela
rentes, quando não hostis, aos valores e ideais éticos e estéticos
renas¬
;
pela cul- rápida difusão da imprensa. Os estudos filológicos e linguísticos, inau¬
centistas, a Reforma propiciou a desconfiança e o desprezo gurados pelos sá bios humanistas, se converteram nas grandes armas
tura do Renascimento em geral. Daí uma reorientaçã o praticamente
I
45
44
TEMPOS MODERNOS
e ex¬ Notas
, alé m das guerras de religião mais ou menos ostensivas
Mas
ou realmente armadas, travou
-se a
,
sobre as mentalidades coletivas , reprimindo 6 . F . J. C. Falcon . Iluminismo . Sã o Paulo: Ática, 1986, pp. 32- 35 .
popular? 7. Reinhart Koselleck . Cr í tica illuminista e crisi della società borghese . Bolonha:
pectos culturais de cará ter II Mulino, 1972.
8 . Rugiero Romano e Alberto Tenenti. Los fundamentos del mundo moderno .
Madri: Siglo XXI, 1972; Ph. Wolff . Outono da Idade M é dia ou primavera dos
novos tempos? Lisboa: Edições 70, 1988.
9. José Antonio Maravall . Estado moderno y mentalidad social . Siglos XV a
XVII . Madri: Revista de Occidente, 1972, 2 vols .
10. W. Naef . La idea del estado en la Edad Moderna . Madri: Aguilar, 1973, p. 15;
Antonio Manuel Hespanha ( org. ) . Poder e instituições na Europa do Antigo
Regime . Lisboa: Fundaçã o Calouste Gulbenkian, 1984.
11 . Paul Oskar Kristeller. El pensamiento renacentista y sus fuentes . México:
FCE, 1982, p. 41.
12. Eugenio Garin , Moyen Age et Renaissance . Paris: Gallimard , 1969; J .
:![ ; Delumeau. La Civilization de la Renaissance . Paris: Arthaud, 1984.
n Agnes Heller. Op. cit, , p. 10.
)
Cf . também: Gilmore, Le Monde de Vhumanisme. Paris: Payot, 1955; R .
Hooukaas. Os descobrimentos e o humanismo . Lisboa: Gradiva, 1983.
15. Jacob Burckhardt, La cultura del Renacimiento en Italia . Barcelona: Salvat,
1951; Erwin Panofsky . Renascimento e renascimentos na arte ocidental .
Lisboa: Presenç a, 1981.
47
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TEMPOS MODERNOS
. . . . .
16 Agnes Heller Op cit , pp 9-10 .
. . .
17 J. Huizinga Le Déclin du moyen âge Paris: Payot, 1948 .
. .
18 Lucien Febvre. “ Le Probléme de l’incroyance au XVIe siècle” La Religion de
Rabelais Paris: Albin Michel, 1947, p ll
. . .
. .
(T /Luis Filipe Barreto Descobrimentos e renascimento Formas de ser e pensar
^. .
nos séculos XV e XVI Lisboa: Imprensa Nacional, 1983,V. ed , pp 42- 43
. . . . .
20 Michel Foucault Op cit , p 45
. . .
. . .
21 Keith Thomas Religion and the Decline of Magic Londres: Penguin, 1988; O
.
homem e o mundo natural São Paulo: Companhia das Letras, 1988; Francis
.
Yates Giordano Bruno and the Hermetic Tradition, Londres: Routledge,
. .
1964; Carlo Ginzburg Os andarilhos do bem São Paulo: Companhia das
Letras, 1988 .
tzd . . . . .
Agnes Heller Op cit , pp 9-27
Qf. . .
Lucien Febvre Un destin Martin Luther Paris: PUF, 1945 .
. .
24. Idem Erasmo, La contrarreforma y el espíritu moderno Barcelona: Martinez
. . Roca, 1959 .
.
( 25 JKarl Holl The Cultural Significance of the Reformation Nova York: .
^3 Meridian, 1959.
lit
48