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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CURSO DE QUÍMICA À DISTÂNCIA


TERMOQUÍMICA E EQUILÍBRIO

Respostas dadas as questões de motivação.

1. Na natureza os gases se comportam como ideais ou reais?

1.1 A história da origem dos gases recontada pela ciência

1.1.1 O primeiro bilhão de anos

Falar do estado gasoso é antes de tudo investigar como um bom


detetive, a origem dos gases que permeiam o meio ambiente
terrestre. Diante desse desafio buscamos os subsídios
necessários à estruturação da nossa resposta na literatura que
trata a respeito do tema. Conta a ciência que há 5 bilhões de
anos, a Terra não existia. Nesse momento, a periferia da nossa
galáxia, a via láctea era apenas uma vasta nuvem de gases e
poeiras, de constituição  molecular, imensa em sua extensão
medida em anos-luz.

1 (um) ano-luz é definido como a distância que a luz percorre no


vácuo em um ano Juliano (365,25 dias). Expresso em unidade do
S i s t e m a i n t e r n a c i o n a l , 1  a n o - l u z  e q u i v a l e a  c e rc a
de 9.454.000.000.000 quilômetros.

⎛ 365 dias ⎞ ⎛ 24h ⎞ ⎛ 60min ⎞ ⎛ 60 s ⎞


t s = 1ano ⋅ ⎜ ⋅ ⋅ ⋅ = 31536000 s
⎝ 1ano ⎟⎠ ⎜⎝ 1dia ⎟⎠ ⎜⎝ 1h ⎟⎠ ⎜⎝ 1min ⎟⎠

−1
1anoluz = c ⋅ t s = 299792,458km ⋅ s ⋅ 31536000 s ≅ 9,454 × 10 km 12

Essa nuvem imensa, de várias centenas de anos-luz, se formou a partir dos restos de estrelas
oriundas do universo primitivo que explodiram após consumirem toda sua energia. Como vemos,
as estrelas ao se extinguirem serviram de fontes primordiais de partículas com destaque especial
para os elementos pesados como: ferro, níquel, alumínio, silício, entre outros, que vaporizados
inundaram a galáxia. Depois  de certo  tempo, sob o efeito da gravidade, essas partículas se
aglomeraram e originaram novas estrelas e planetas. Durante várias dezenas de milhões de anos,
a superfície do planeta Terra sofreu um intenso bombardeio por parte de cometas e asteroides.
Lembramos que a Lua provavelmente se formou durante essa fase de intensa atividade.

Como vemos, a Terra se forma em meio a nebulosa primitiva por aglomeração de matéria
proveniente das estrelas extintas, há  cerca de  4,5 bilhões de anos.  Devido à  alta temperatura
reinante, decorrente da atividade vulcânica, os fluxos de calor provocam movimento de
convecção. Nessa condição, o magma surge, a crosta cede, a lava flui em meio a superfície e a
atmosfera primordial emerge dessa atividade com a seguinte composição:

• gases principais: hidrogênio, nitrogênio, vapor d’água, monóxido de carbono, sulfeto


de hidrogênio;

• gases minoritários: dióxido de carbono, vapor de enxofre;

• traços de gases: metano, dióxido de enxofre, entre outros.

Grande parte dessa atmosfera inicial, derivada da nebulosa solar primitiva, foi dissipada ao fim do
período de condensação do jovem planeta, sob a ação dos ventos solares e das  radiações,
produto da forte atividade do sol, ainda em evolução estelar. Em seguida, a atmosfera primordial
foi substituída por uma atmosfera secundária, finalizada há cerca de 4 bilhões de anos, composta
pelas espécies seguintes:

• gases principais: vapor d’água, nitrogênio, dióxido de carbono e dióxido de enxofre;

• gases minoritários: metano, amônia, monóxido de carbono, vapor de enxofre e


argônio;

• traços de gases: sulfeto de hidrogênio, hidrogênio, entre outros.

Essa atmosfera redutora em sua composição, resultou da forte atividade do vulcanismo havaiano
que deu origem ao conhecido arquipélago e foi local de um importante efeito estufa que
compensou um menor fluxo de energia solar comparado ao atual. O então jovem Sol tinha uma
temperatura 300 K inferior à temperatura atual.

1.1.2 O segundo bilhão de anos

Nesse período, a Terra se resfria progressivamente fato que contribui para a formação de uma
nova crosta. Por sua vez, as correntes de convecção estruturam a partir do núcleo da Terra,
composto em parte pelos metais ferro e níquel, um dínamo que gera a corrente elétrica e origina
o campo magnético da Terra que protege a vida e a atmosfera das radiações fortemente
energéticas que emergem da forte atividade estelar, com destaque para o sol. Na superfície do
planeta, em decorrência da forte atividade reinante, gases escapam dos vulcões e se acumulam
espacialmente  devido à  ação exercida pelo campo terrestre, originando a atmosfera atual
constituída pelas espécies:

• gases principais: nitrogênio e oxigênio;

• gases minoritários: dióxido de carbono, vapor d’água e argônio;

• traços de gases: ozônio, óxido nitroso e amônia, entre outros.

A atividade vulcânica também rejeita grande quantidade de vapor d’água que associada a queda
de cometas provocam chuvas torrenciais que duram dezenas de milhares de anos, o que faz da
Terra uma planeta quase que totalmente encoberto por água. O gás carbônico presente na
atmosfera terrestre começa a ser absorvido pelos oceanos originando as rochas calcarias cujo
principal constituinte é o carbonato de cálcio. A ciência propõe que a deriva dos continentes se
deu nesse momento, enquanto que a vida apareceu aproximadamente no intervalo de 3,8 a 3,5
bilhões de anos, após a ocorrência de rearranjos moleculares responsáveis pela produção de:
hidrocarbonetos, moléculas complexas, aminoácidos, proteínas, ácidos nucleícos e primeiros
seres vivos. A vida assim originada, durante 500 milhões de anos se estruturou de forma simples
(unicelular) e em ambiente aquático. Ela evolui lentamente movida pela fotossíntese, também
responsável pela produção de hidrogênio a partir da água e do carbono a partir do dióxido de
carbono. As primeira espécies vivas rejeitam o gás oxigênio que com o passar do tempo
enriquece progressivamente a atmosfera até alcançar o nível de concentração adequada à vida
aeróbica.

Somente há 2,5 bilhões de anos, a molécula do gás oxigênio foi fragmentada em átomos de
oxigênio. Com a quebra da sua dupla ligação característica baixo a ação da radiação ultra-
violeta, surgiram os átomos livres de oxigênio que reagiram com o oxigênio molecular
atmosférico para formar a molécula do gás ozônio e originar a ozonosfera. Dessa forma, o meio
ambiente terrestre adquiriu as condições necessárias para ocorrência de migração da vida, já
efervescente nos oceanos, para a superfície do planeta. Agora passamos a compreender melhor
a importância do estudo dos gases. Fato que se deve ao papel existencial desempenhado pela
atmosfera terrestre que é a de ser a grande responsável pela transição da vida do ambiente
aquático para o ambiente terrestre, além possibilitar a sua manutenção, já que a camada de
ozônio a protege da ação destrutiva dos raios ultravioletas.

1.2 Etimologia da palavra gás

No início do século XVII, o químico de origem flamenga, Jean-Baptiste Van Helmont, utiliza pela
primeira vez a palavra gás. Aparentemente, se trata de uma transcrição fonética da palavra grega
χαους (chaos em holandês, idioma  no qual ch e g são pronunciados da mesma maneira) que
significa o espaço imenso e tenebroso que existia antes da origem das coisas (mitologia grega).
Na realidade, Van Helmont desejava introduzir a noção de vácuo. Logo após, os franceses
substituíram o s final da palavra pelo z, redigindo-a como gaz. Somente no final do século XVIII
foi que o vocábulo assumiu o seu sentido moderno.

1.3 Gás Ideal

O mundo real com o qual interagimos é impossível de ser reproduzido na sua integridade.
Portanto, ao tentarmos descrever a natureza, sempre somos obrigados a compor uma
representação mais simples da realidade, um modelo. Essa limitação é o preço ser pago, sempre
que tentamos buscar compreender os fenômenos naturais. Assim, o modelo construído é um tipo
de caricatura que capta a essência do fenômeno observado e deixa de lado os detalhes mais
específicos. O modelo descreve bem a realidade, mas é valido apenas dentro de certos limites.
Nesse contexto, quando da aproximação dos limites, o modelo tende a perder a sua validade.
Portanto, vale a pena enfatizar que um modelo não é a realidade, mas apenas uma representação
dela. Mencionamos como exemplo, o gás ideal, visto que na prática ele é definido com um
modelo físico de fluido cujas premissas iniciais, com base em práticas experimentais, foram
lançadas por Robert Boyle (1662) e Edme Mariotte (1676), Jacques Charles (1787), Louis Joseph
Gay-Lussac (1802). Sua concepção final é atribuída ao advogado e físico italiano Amedeo
Avogadro em (1811).

O modelo analítico de gás ideal é representado pela equação:

p ⋅ V = n ⋅R ⋅ T

Três básicas idéias dão suporte ao modelo: a primeira associa-se a geometria da molécula, a
segunda a interação entre as moléculas e a terceira ao estado de equilíbrio.

1.3.1 A geometria molecular

As moléculas de um gás ideal apresentam dimensões negligenciáveis. Elas são pontuais. O que
significa afirmar que a distância média que separa duas moléculas é muito grande, hipótese que
faz um gás real se comportar como um gás ideal, quando em meio diluído. A concentração de
um gás serve como parâmetro de identidade do espaço ocupado por suas moléculas. Portanto,
em meio concentrado, grosso modo podemos afirmar que a distância que separa suas moléculas
é relativamente pequena, as colisões são frequentes e o gás exibe comportamento real. A medida
que o meio torna-se diluído a distância entre as moléculas aumenta e o gás assume o
comportamento ideal. No caso de um gás ideal monoatômico (GIM), a molécula se assimila a
uma esfera rígida de diâmetro desprezível, fato que associa sua estrutura geométrica a de um
ponto, daí a denominação pontual. Nessa condição, o volume ocupado pela molécula é
desprezível frente ao volume ocupado pela massa gasosa. Para um gás ideal diatômico (GID) e
mais amplamente poliatômico (GIP), não obstante a complexidade da estrutura interna das
moléculas, ainda assim, desde que o diâmetro molecular seja desprezível frente a distância que
média que separa duas moléculas, o comportamento exercido pelo gás ainda pode ser
assimilado ao de um gás ideal.

1.3.2 As interações molécula-molécula do gás e molécula-paredes do recipiente que as


contem

As interações entre as moléculas ocorrem esporadicamente a pequena distância, o meio é


diluído. Também, as moléculas colidem frequentemente com as paredes do recipiente que as
contem, fato que dá origem a pressão exercida pelo gás. Nesse caso, para dar maior
consistência ao modelo, admite-se que as colisões são elásticas, fato que permite concluir que:
após a colisão, a molécula terá a mesma energia cinética que antes da colisão. Daí, podermos
concluir que a colisão não altera o módulo da velocidade da molécula, mas apenas a sua direção
(Fig. 1).

Fig. 1 Colisão Elástica (click na figura)

Essa última hipótese de modo algum limita a generalidade do modelo, visto que o
comportamento estatístico de um sistema que resulta de um grande número de colisões entre
moléculas independe da natureza precisa da colisão.

1.3.3 Do caos molecular ao equilíbrio

O estado de equilíbrio é um caso especial de estado permanente. Quando um sistema


termodinâmico atingi o equilíbrio as suas coordenadas independem do tempo, bem como:

1.3.1 Não existem fluxos de massa no interior do sistema nem fluxo de massa através das
suas fronteiras.

1.3.2 Não existem fluxos de energia no interior do sistema nem fluxo de energia através das
suas fronteiras.

Como vemos, o estado de equilíbrio é algo muito peculiar e característico aos sistemas
termodinâmicos. Quando de sua ocorrência, as coordenadas do sistema (p, V e T) podem variar
de ponto para ponto. No entanto, não existem movimentos macroscópicos de transferência de
massa, nem de energia térmica, elétrica, ou magnética, entre outras. Porém, os movimentos
microscópicos moleculares podem ocorrer. Quando o sistema está em equilíbrio, na ausência de
campos de forças (gravitacional, eletromagnético) externos, a temperatura é constante sobre
toda região onde possa haver transferência de calor; a pressão também é constante em cada
região onde possa haver transferência de massa ou transmissão de deformação de caráter
mecânico. Portanto, falar simplesmente de equilíbrio ou equilíbrio termodinâmico é propor
simultaneamente a ocorrência dos equilíbrios mecânico (pressão), térmico (temperatura) e
químico (concentração). A ocorrência simultânea de pelo menos dois desses equilíbrios permite
afirmar que o sistema sob observação alcançou o equilíbrio, também conhecido como o
equilíbrio termodinâmico.

Ao alcançar o estado de equilíbrio, as variáveis físicas que caracterizam o sistema, pressão e


temperatura tornam-se constantes ao curso do tempo, as componentes dos vetores posição e
dos vetores quantidades de movimento das moléculas, segundo as direções ortogonais
(perpendiculares entre si) do espaço (x, y, z), se distribuem aleatoriamente, o que caracteriza o
caos molecular (máxima entropia) no equilíbrio. A trajetória de uma molécula traduz uma rota
aleatória como demonstra a dinâmica molecular exibida pela fig. 2.

Fig.2 Trajetória molecular (click na figura)

1.4 Gás real

O adjetivo real encontra sua origem no latim, mais precisamente, no termo rex, traduzido como
rei. O gás é conhecido como fluido de baixa densidade. Trata-se de uma característica de
agregação exibida por alguns materiais que se expandem indefinidamente, visto que não
possuem formas próprias ou volumes. Nessa condição, os gases preenchem o volume do
recipiente que o contem. Torna-se importante observar que é possível distinguir um gás ideal de
um gás real, com base nos princípios que regem sua pressão, volume e temperatura. O gás ideal
faz parte do grupo de gás teórico, proposto pelos físicos, devido a ser constituído por partículas
específicas, pontuais, que se movem aleatoriamente e não interagem entre si. O gás real, por
outro lado, é um gás que tem um comportamento termodinâmico característico e não obedece à
equação de estado dos gases ideais. Qualquer gás é considerado real se restrito em ambiente
sob condições de alta pressão e baixa temperatura. Sob condições normais de pressão e
temperatura, os gases reais tendem a se comportar qualitativamente da mesma maneira que os
gases ideais. Portanto, gases como hidrogênio, oxigênio ou monóxido de carbono de natureza
real podem ser tratados como ideais desde que restritos a ambiente onde reine uma baixa
pressão e elevada temperatura. Também, mencionamos a influência das forças de Van der Waals,
de origem atrativa e repulsiva que imperam no meio molecular, ausentes nos gases ideais, porém,
presentes em meio as moléculas dos gases reais. Tais forças levam o nome do cientista
holandês, Johannes van der Waals, Prêmio Nobel de Física de 1910 e serviram como referencial
para o desenvolvimento da sua tese de doutorado, cujo objeto era compor um modelo físico com
vistas a explicar o  comportamento dos gases reais. Como resultado, além de explicar como
interagem as moléculas de um gás real, ele propôs a equação que leva o seu nome e que se
deriva da equação de estado dos gases ideais.

n ⋅R ⋅ T n2 ⋅ a
p= −

( V − n ⋅ b) V2

Assim, para medir o comportamento de um gás imerso em ambiente no qual as condições


diferem daquelas observadas para o gás como ideal é necessário aplicar a equação de van der
Waals, que rege o comportamento dos gases reais. A aplicação dessa equação ressalta algumas
das características inerentes ao comportamento real, em meio as quais destacamos:

1. Em uma dada temperatura fixa, o volume acuradamente (exato e preciso) medido de um


gás real, V, é diferente do volume previsto pela equação do gás ideal, Vid.

2. As moléculas de um gás real estão sujeitas as forças de atração e repulsão.

3. A molécula, quando apolar, se desvia da idealidade a medida que a sua massa molar
aumenta.

4. O desvio da idealidade é maior para as substâncias que apresentam interações


intermoleculares fortes, como as moléculas polares.

5. o comportamento de um gás real assemelha-se ao de um gás ideal em espécies


monoatômicas com baixa reatividade.

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Referências

1. Vídeo: L'Histoire Et Les Secrets De La Naissance De La Terre. Endereço: https://www.youtube.com/watch?v=U2n7Ef6-


bXA&t=327s

2. Vídeo: Les origines de la Terre. Endereço: https://www.youtube.com/watch?v=jERauQtt2Mw

3. François Ramade. Dictionnaire encyclopédique des sciences de la nature et de la biodiversité. Dunod. Paris, 2008.

4. François Ramade. Éléments d’écologie - Écologie appliquée. 7 Ed. Dunod. Paris, 2012

5. Pierre Papon. A matéria em todos os seus estados. Ciência e Técnica. Lisboa, 2001.

6. Isaac Asimov. L’Univers de la science. InterEditions. Paris, 1986.

7. Isaac Asimov. Asimov explica. 2 Ed. Francisco Alves. Rio de Janeiro, 1982.

8. Vladimir N. Kompanichenko. Thermodynamic inversion: origin of living systems. Springer. Switerzeland, 2017.

9. Alex Kleidon. Thermodynamic Foundations of the earth system. Cambridge University Press. United Kingdom, 2016.

10. R. L. Madan. Physical Chemistry. McGraw Hill. New Delhi. 2015.

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