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Assim, soberano é aquele que tem a potência do bando e homo sacer é a figura
sobre a qual essa potência é exercida. Homo sacer é uma categoria carregada de
ambiguidade; por um lado é matável, seu assassínio não é punido, por outro, não pode
ser oferecido como sacrifício aos deuses; seria, por decorrência, aquele resquício
abandonado em relação à comunidade, pertencendo à comunidade excluindo-se dela e,
ao mesmo tempo, a Deus não sendo sacrificável. Temos, desse modo, a íntima relação
entre o a soberania e o homo sacer: “Soberania é a esfera na qual se pode matar sem
cometer homicídio e sem celebrar um sacrifício, e sacra, isto é, matável e
insacrificável, é a vida que foi capturada nesta esfera” (AGAMBEN, 2002, p. 85). O
homo sacer seria aquele para quem todos os outros homens são soberanos e no limite
oposto, o soberano é aquele para quem todos os outros homens são homo sacer. Sendo
assim, homo sacer é “a formulação política original da imposição do vínculo soberano”
(AGAMBEN, 2002, p. 86).
O pai morto, o pai de Totem e Tabu, é o que constituirá, por sua vez, um
Discurso que não fosse o semblante – título do Seminário 18 (LACAN, ANO). Neste
seminário Lacan nota que à diferença do mito de Édipo, aquele de Totem e Tabu é
inteiramente inventado por Freud, se o primeiro
Por sua vez, o lado feminino será mais demoradamente examinado no seminário
subsequente, ...ou pior (LACAN, Ano), seu primeiro enunciado é: não existe x que não
esteja submetido à função da castração, x é uma variável qualquer que não existe e, por
isso, não encontra-se apartada de sua parcela que causa o gozo, o mais-de-gozar – a
existência Lacan a definirá por: “existir é depender do Outro” (LACAN, sem 19, p.
103), ou seja, se submeter à totalização. Contudo, desse enunciado não se deriva que x é
plena, teria acesso a um gozo total, mas que ela está submetida a um tipo de castração
própria à falta de totalidade, daí o segundo enunciado: não-todo x encontra-se
submetido à castração; ou, conforme dito por Lacan: “Ela não está contida na função
fálica, mas nem por isso é sua negação” (LACAN, sem 19, p. 117). O que media, então,
a construção masculina com a feminina, isto é, não haver relação sexual, é o Um, no
contexto do Seminário 19, tomado por “nunca ser senão o Um de uma falta, de um
conjunto vazio” (LACAN, sem 19, p. 156). O Um será remetido a duas acepções, o Um
que se repete devido à estrutura do significante – a repetição dentro de um todo
estruturado que, por sua vez, remete ao mais-de-gozar fora da estrutura – e o Um como
produção significante o S1, referente ao discurso do psicanalista, como, conforme
assinala Lacan, mais-de-gozar (p. 159). Chegamos, por essa via, ao sentido do título do
seminário, ...ou pior, é o gozo não estruturado que se impõe por si mesmo não advindo
do Pai ou do todo e acrescenta: “é a isso que deveria conduzir um discurso que não
fosse semblante. Mas é um discurso que acabaria mal. Não seria em absoluto um laço”
(LACAN, sem 19, p. 175).
Nos parece, a partir de um gozo que não cria laço, no seminário seguinte, Lacan
iniciará por definir o gozo como “aquilo que não serve para nada” (LACAN, sem 20, p.
11) e logo em seguida dirá que isso que não serve para nada é ainda submetido a um
imperativo, “o superego é o imperativo do gozo – Goza!” (IDEM). Esse gozo puro ou
não estruturado, dado não haver a estrutura de exceção, paterna, se inscreve no corpo e
tem na mulher seu índice, por não ser toda. A partir dessa perspectiva, Lacan se lança,
neste seminário, a exposições sobre como a ideia de totalidade ou visão de mundo
encontra lastro (por exemplo na filosofia), mas que, não seria esse o caso da psicanálise
nem do atual estado de coisas – como dirá “o mundo está em decomposição, graças a
Deus. O mundo, vemos que ele não mais se aguenta. O mundo, vemos que ele não mais
se aguenta, pois, mesmo no discurso científico, é claro que não há mais o mínimo
mundo” (LACAN, sem 19, p. 51) (na esteira de Freud, ao dizer que a ciência e a
psicanálise não constituem uma Weltanschauung – visão de mundo (FREUD, fut
ilususão)). Por outro lado, o Um aparece aqui relacionado ao Eros freudiano, como a
operação de ligação a fim de exercer o processo de construir uma totalidade – “Esse Há
Um não é simples – é o caso de dizer. Na psicanálise, ou mais exatamente no discurso
de Freud, isto se anuncia pelo Eros que, de grão em grão, é suposto tender a fazer só um
dessa multidão imensa” (LACAN, sem 20, p. 90).
Na época do Freud sofria-se por um Outro consistente, na nossa época, sofre-se por
conta de um Outro inconsistente. O sujeito reflexivo é se apropria de uma lacuna no
Outro, a histérica transforma o desejo insatisfeito em desejo de um desejo insatisfeito, o
obsessivo transforma o desejo profano em obstáculo a esse desejo. O sujeito incômodo
“lamenta a desintegração”.