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Amores em Perigo

Lindsay Armstrong

Julia 501

Copyright: Lindsay Armstrong


Título original: Surrender, my heart
Publicado originalmente em 1986 pela
Vlills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: William Mineo Tagata
Copyright para a língua portuguesa: 1989
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3º andar
CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil
Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda
impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
Cultura: um bem universal.

Doação: MARISA NISHIMURA


Digitalização: Palas Atenéia
Revisão: Cris Bailey
Stephen a envolveu num diabólico jogo de sedução

Inimigos declarados, eles acabam cativos de uma grande paixão

O amor por Roderick fez Amanda esquecer tudo: a grande diferença de idade, o
desnível social, o preconceito dos amigos. Corajosa, ela se esforçava para ignorar as
críticas e agressões dos que se empenhavam em arruinar seu casamento.
Seu maior inimigo, sem dúvida, era Stephen Chandler, o jovem e ambicioso sócio do
marido na rede de hotéis. Temendo a ascensão de Amanda na empresa, ele decidiu
usar de todas as armas para destruí-la: do desprezo a um diabólico jogo de sedução!

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CAPÍTULO I

Amanda Ballantyne andava pela rua das Orquídeas, rumo ao


restaurante onde comumente fazia sua refeição matinal.
Depois da chuva que caíra na noite anterior, o frescor da manhã era
agradável e a luz do sol realçava ainda mais o verde das palmeiras. Não
muito distante dali, o Pacífico, com suas águas muito azuis, vinha banhar as
areias brancas da praia, num vaivém constante.
Ela caminhava contemplando o cenário fantástico, quando chegou ao
restaurante que servia os melhores pratos de toda a costa. Assim que entrou,
sentou-se perto da janela e foi recebida com entusiasmo:
— Está muito elegante esta manhã, sra. Ballantyne!
— Obrigada, Aldo.
— Outra reunião de negócios?
— Sim — concordou, com um suspiro.
— É uma pena, num dia tão ensolarado. O que vai ser para o café da
manhã? O de sempre?
— Sim, obrigada. Como está sua mãe?
— Bem melhor. Daqui a alguns dias volta a trabalhar. A propósito, ela
ficou encantada com as flores que mandou.
— Que bom!… — exclamou Amanda, satisfeita. Por ser uma cliente
habitual, conhecia toda a família de Aldo, que, com muito esforço e
determinação, mantinha o pequeno negócio.
Enquanto esperava pelo suco de laranja, ela refletiu no principal
compromisso daquela manhã: uma reunião com a diretoria da empresa da
qual fazia parte. Felizmente, aqueles encontros não eram muito freqüentes.
Do contrário, teria uma crise de nervos.
Sua imagem diante da firma sempre a preocupava. Tinha a impressão
de que não era respeitada pelo resto dos diretores, talvez pelo fato de ser a
única mulher. Antes de vir, ela examinara com cuidado o traje na tonalidade
pastel que vestia, e mais de uma vez ficou em dúvida. Para a reunião do ano
anterior, escolhera um tailleur azul-marinho, apropriado para o inverno
australiano. Agora, porém, estavam na primavera, e por isso havia optado
por aquele conjunto de duas peças: o blazer largo caía-lhe muito bem, assim
como o cinto de couro dava um toque especial à elegância do modelo. Para
destacar mais a aparência, usava uma fina corrente de ouro em volta do

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pescoço e na mão direita um anel de brilhante e esmeralda, além da aliança
de casamento.
— Aqui está o suco de laranja — Aldo bradou, interrompendo-lhe os
pensamentos. — Os ovos com bacon ficam prontos num minuto.
— Obrigada — agradeceu, com um sorriso.
Meia hora depois, ao terminar o desjejum e degustar uma xícara de
café, Amanda se levantou. Andar até o prédio da Ballantyne certamente a
deixaria mais calma. Antes, todavia, abriu a bolsa e apanhou o estojinho de
pó compacto para retocar a maquilagem.
Seu rosto de feições delicadas e pele macia era claro, pois raramente
tomava sol. Os cabelos castanhos, como de costume, estavam repartidos ao
meio e terminavam em ondas suaves nos ombros.
Por fim, Amanda guardou o pó compacto na bolsa e saiu convencida
de que, aos vinte e cinco anos de idade, ainda não tinha aprendido a controlar
sua insegurança.
— Oh, como vai, sra. Ballantyne!? Está muito elegante hoje!
— Obrigada, Flora.
Flora Hardcastle trabalhava na recepção da firma fazia muitos anos, e
havia sido uma das poucas funcionárias que tinham aceito a ascensão de
Amanda de simples datilógrafa a esposa do diretor-presidente. Por isso, ela
dedicava-lhe uma grande afeição e juntas costumavam trocar confidencias.
Naquela manhã, porém, Flora parecia um tanto aflita.
— A reunião teve de ser adiada por meia hora, sra. Ballantyne: o sr.
Kidder telefonou avisando que atrasaria um pouco. Já o sr. Chandler aguarda
a senhora na sala dele.
— Agora? — Amanda perguntou, apreensiva.
— Pediu para avisá-la assim que chegasse — acrescentou Flora, em
voz baixa. — Creio que é acerca de um novo empreendimento nas ilhas
Whitsundays.
Amanda ficou perplexa. Sabia que a empresa possuía colônias de
férias espalhadas por todo o litoral da Austrália, mas não ouvira nada a
respeito da implementação de um projeto tão ambicioso.
— Por que ele quer falar comigo?
— Parece que nem todos os membros da diretoria estão de acordo.
Kidder e Ramsey são contra. O sr. Chandler e Jeff Whitby são a favor. Parece
que a senhora dará o voto de Minerva. Amanda empalideceu. Temia que isso
acontecesse mais cedo ou mais tarde.
— Por que não me disseram nada a respeito?
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— Bem… A decisão foi tomada da noite para o dia… Além do mais, é
melhor não deixar o sr. Chandler esperando. Para variar, ele não está de bom
humor.
— Tudo bem — murmurou Amanda.
Ao avistar a porta da sala onde se lia “Diretor-presidente“, ela fechou
os olhos e deu um longo suspiro, para tomar coragem antes de bater.
— Pode entrar.
— Bom dia, Stephen. Está fazendo uma manhã esplêndida.
O homem por trás da mesa ampla e repleta de papéis encarou-a com
frieza, e respondeu sem se levantar.
— Bom dia, Amanda. É realmente um dia muito bonito. Pena que
tenha de desperdiçá-lo dessa forma… — Havia arrogância na voz doce, e,
antes que ela pudesse dizer algo, Sthepen Chandler continuou. — Sente-se.
Você está elegante como sempre. Quanto custou esse traje modesto que está
usando?
— Não é de sua conta! Ou está querendo comprar um igual para você?
— Bem, desde que o tenha adquirido com o dinheiro da firma,
acredito que me deve explicações. Infelizmente, porém, não posso controlar
suas despesas.
Amanda sentiu-se tentada a apanhar o pesado cinzeiro de pedra na
mesa e atirá-lo. No entanto, tivera aqueles impulsos antes, e sabia que a
violência com Stephen não adiantava; aliás, ele queria justamente provocar
uma reação dessas. Em vez disso, conteve-se e perguntou:
— Por que me chamou aqui?
— Está calma demais hoje, Amanda.
— O que você quer, Stephen? Se deseja meu voto a favor das ilhas
Whitsundays, devia ir direto ao assunto.
— Como soube? — indagou ele, surpreso.
Amanda sentiu um calafrio, e arrependeu-se de ter tocado no assunto.
Sabia que Flora poderia ser punida por ter revelado a informação.
— Eu… eu tenho minhas fontes — gaguejou ela.
— Pelo visto, são mais eficientes do que pensava… Quem foi? Kidder,
por acaso? Só pode ter sido. Ele sempre desejou conquistá-la, não é mesmo? E
para isso não mediria esforços.
Os olhos de Amanda faiscaram de ódio. Contudo, foi incapaz de reagir
aos comentários insidiosos de Stephen, com medo de denunciar Flora.
— Ou foi Ramsey? Ele é tão tolo, que não consegue resistir a seus
encantos.
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Ela permaneceu impassível, o que o fez dar uma risada ainda mais
provocativa.
— Tudo bem, Amanda, não me interessa como soube do novo
empreendimento. Apenas quero lembrá-la de nosso acordo; não podemos
permitir que a reputação da empresa se torne alvo de comentários
maledicentes.
Então Stephen se levantou e deu a volta na mesa, em direção a ela.
Amanda teve vontade de deixar a sala naquele instante, porém estava
paralisada. Aquele homem sempre a deixava atônita, não só porque fazia de
tudo para atormentá-la, mas também pelo fascínio que exercia sobre ela. Com
trinta e três anos de idade, Stephen era alto, esbelto, e seu dinamismo
revelava o executivo bem-sucedido que era.
Amanda lidava com ele com um certo receio. Em várias ocasiões,
Stephen havia se valido de sua personalidade forte e arrogante para humilhá-
la. Sem dúvida, possuía suas razões para odiá-lo, embora não pudesse deixar
de, no fundo, alimentar uma profunda admiração por ele.
Naquele momento, temia que Stephen se aproximasse demais; no
entanto, ele sentou-se, cruzando os braços no canto da mesa, e ficou a
observá-la.
Após um breve silêncio, Amanda tomou coragem para enfrentá-lo. Era
visível a impaciência nas feições rígidas e bem marcadas.
— Não confunda minha vida particular com negócios, Stephen.
— Agora parece um pouco nervosa, Amanda — ele sussurrou, cínico,
deixando-a mais embaraçada. — O que foi?
— Nada. Apenas recuso-me a discutir assuntos que não se refiram a
negócios.
— Muito bem. Aceito.
— Então vamos ao que interessa. Mas, quero preveni-lo: outro insulto,
e eu vou embora.
— Está certo, Amanda — assentiu, intimidado, e a ironia cedeu lugar à
formalidade. — Vou contar por que chamei você até aqui. Na reunião desta
manhã, haverá uma votação sobre um novo projeto e quero que vote a favor.
Lembra-se de nosso trato? Você continua na diretoria, recebendo sua parte
dos lucros e, em troca, me apóia em todas as decisões da companhia. Afinal, a
empresa deve continuar se expandindo, concorda?
— Você acredita mesmo que pode me controlar, não é. Stephen?
— Pense como quiser.
— Eu poderia mover um processo contra você. A lei…
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— Amanda, seja realista. Você sabe muito bem que não teria a mínima
chance.
— Posso arranjar um bom advogado, Stephen.
— Mesmo? Vai precisar de um, se votar contra mim. E daí, qual é a
sua decisão?
— Espere e veja por si mesmo. — Para sua própria surpresa, Amanda
levantou-se sem hesitar e dirigiu-se para a porta. Antes que tivesse tempo de
sair, porém, Flora entrou na sala.
— Desculpem interromper, mas o sr. Kidder acabou de chegar. Todos
os diretores já se encontram na sala de reuniões.
— Obrigada, Flora — agradeceu Amanda, lançando um olhar de
desdém para Stephen Chandler.
A sala de reuniões ocupava o último andar do luxuoso arranha-céu.
Da varanda avistava-se a deslumbrante Costa Dourada, onde as águas
cristalinas do rio Nerang encontravam o oceano.
— Este é o momento ideal para implantarmos novos projetos —
anunciou Jeff Whitby, dando início à reunião. — O que Stephen e eu temos
em mente é um excelente negócio nas ilhas Whitsundays.
Jeff era um profissional competente, ligado ao ramo imobiliário havia
vários anos, tendo conquistado a confiança total de Stephen. Amanda tinha-
lhe uma certa simpatia, por ele tratá-la sempre com respeito e cordialidade.
Contudo, sentia um profundo desprezo por Ramsey e Kidder. Stephen
estivera certo sobre os dois; costumavam mandar flores para o apartamento
dela e convidavam-na constantemente para sair, com a intenção de iniciar um
romance.
Amanda examinou os dois homens, sentados a sua frente. Lance
Kidder, quarenta e dois anos, achava-se o homem mais atraente do mundo.
Ele vivia atrás de outras garotas, apesar de ter uma esposa dedicada e dois
filhos. Quanto a George Ramsey, era viúvo e às vezes revelava-se um homem
impertinente, elogiando e galanteando as mulheres fora de hora.
Perdida em pensamentos, Amanda não percebeu que Jeff havia
parado de falar, e que ela tinha se tornado o centro das atenções.
__ Algum problema? — indagou Stephen.
— Não, eu… eu estava prestando atenção, só isso — respondeu,
culpando a si mesma por estar tão distraída naquele instante. — Prossiga, por
favor, Jeff.
— Gostaria de fazer algumas observações a respeito — Lance Kidder
aparteou. — Segundo meus cálculos, as ilhas Whitsundays correm o risco de
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ficar saturadas. Acredito que a ilha Hamilton tem melhores condições de
receber milhares de turistas, assim que estiver terminada. Podemos
desenvolver colônias de férias em Daydream, Hayman, South Molk,
Lindeman e outras regiões, sem falar nas vantagens da praia Airlie. Já lhe
ocorreu Stephen, que Whitsundays não seja uma boa escolha?
— Pelo contrário, Lance — Stephen contestou, de forma decisiva. —
Nenhum dos lugares que mencionou parece apropriado para o tipo de
empreendimento turístico que pretendo construir. Em termos de luxo,
conforto…
— Pelo menos Hayman pode ser considerado um lugar luxuoso, e
Hamilton continua sendo altamente lucrativo — atalhou Lance.
— Aí está a diferença. O tipo de local que tenho em mente receberia no
máximo cinqüenta pessoas, como se fosse um refúgio tropical; um paraíso
para milionários
— Você quer dizer… algo como a ilha Lizard? — perguntou Amanda,
arrependendo-se logo em seguida. Fora naquela ilha que passara a lua-de-
mel, a vários quilômetros ao norte das Whitsundays.
— Exatamente — Stephen aquiesceu, olhando para ela.
— Existe uma outra vantagem que favorece o projeto — Jeff retomou a
palavra. — Quando o aeroporto de Hamilton entrar em funcionamento, as
ilhas Whitsundays terão um acesso mais fácil. Para chegar até lá, seria preciso
apenas uma curta viagem de helicóptero ou barco. Creio que os aviões de
companhia Ansett vão continuar fazendo vôos de Hamilton a Hayman, para
auxiliar nossos barcos que estão começando a operar de forma mais rápida e
confortável. Passamos a contar, também, com uma área de recepção para
turistas. Assim, as reservas podem ser feitas antes mesmo de se chegar até a
ilha.
— Bom, do jeito que fala, Jeff, tudo isso parece vantajoso — George
Ramsey argumentou, com cuidado. — No entanto, não acham que estão
sendo um tanto precipitados?
— A ilha está em nossas mãos — Stephen replicou. — podemos levar
anos para ter outra oportunidade como esta. E não estamos sendo
precipitados. Fiz estudos minuciosos sobre a rentabilidade do negócio, e
nosso presidente-fundador, o sr. Ballantyne, também. Devo lembrá-los de
que um dos sonhos dele antes de morrer era construir uma colônia de férias
em Whitsundays.
Amanda abaixou a cabeça, percebendo que Stephen estava olhando
diretamente para ela.
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— É verdade — Ramsey reconheceu. — Não temos, porém, recursos
para enfrentar uma eventualidade. É arriscado! Formar um consórcio de
investidores… Quando o sr. Ballantyne estava vivo…
— George, como diretor-presidente da Ballantyne, eu já fiz um mau
negócio?
— Claro que não, mas…
— Tenho tudo sobre controle, George. Você chegaria a esta conclusão,
se tivesse o trabalho de analisar os relatórios. E, mesmo se enfrentarmos
dificuldades financeiras, o que é difícil, o risco vale a pena, pois os lucros
serão enormes.
— Desculpe, Stephen. Estou velho demais para correr riscos
desnecessários.
— Então, eu sugiro colocarmos em votação.
— Não sei se é preciso — Lance Kidder objetou, um tanto aborrecido.
— Jamais tivemos uma divergência de opiniões nesta diretoria… De qualquer
forma, isso tinha de acontecer algum dia, não é mesmo? Amanda, acho que
você tem a palavra final. O que pensa do projeto?
Amanda empalideceu. Tinha consciência da responsabilidade que lhe
fora atribuída, e antes de anunciar sua opinião olhou para cada um dos
presentes.
— Sei muito bem que o último desejo de meu marido era ter uma
colônia de férias em Whitsundays. Se estivesse aqui, neste momento, faria de
tudo para realizar seu velho sonho. Portanto, sou a favor do projeto.
Houve um breve silêncio. Aí Stephen sorriu satisfeito e declarou:
— Obrigado, Amanda. É bom ver que você continua fiel ao velho
Ballantyne.
— Stephen! — Lance protestou. — Não vê que esta questão não pode
ser decidida por uma mulher?
— E sendo assim, você não devia ter permitido que o sr. Ballantyne a
nomeasse para a diretoria, Lance. Contudo, na hora, você concordou com a
decisão. De fato, todos vocês fizeram o mesmo. Fui o único que discordou da
indicação. Todos vocês se deixaram manipular, mesmo sabendo que ele
estava velho. E sabem por quê? Porque sonhavam com o dia em que o sr.
Ballantyne morreria, e desejavam, aqui, uma garota linda e inteligente que
pudessem manejar.
— Basta, Stephen! — George Ramsey exclamou, batendo na mesa.
— Isso não é verdade — bradou Jeff. — Sempre considerei o sr.
Ballantyne um homem lúcido e sensato; mesmo em seus últimos dias de vida.
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Além do mais, a sra. Ballantyne já contribuiu para a empresa com idéias
excelentes. É uma pena que não tenha uma participação mais ativa nas
decisões de nossa companhia, sra. Ballantyne — acrescentou, olhando para
Amanda.
O clima estava insustentável, e ela lutava para manter o controle. De
repente, o eixo da discussão tinha mudado.
— Está certo — Stephen admitiu. — Se pensa dessa forma, Jeff, talvez
eu esteja errado. Ela terá uma chance. Vou passar uma semana em Hamilton,
para inspecionar o segundo pavilhão, que já está terminado, e visitar as ilhas
Whitsundays com um engenheiro e um arquiteto. Você pode vir comigo,
Amanda, e me apresentar algumas de suas idéias fantásticas. O que acha, sra.
Ballantyne?
— Eu não iria a lugar nenhum com você! — exclamou Amanda,
pondo-se de pé, furiosa. — Por que não leva uma daquelas garotas que
aparecem nas colunas sociais a seu lado? Ou melhor, por que não leva todas?
Talvez possam lhe ser mais úteis. — E acrescentou, antes de deixar a sala: —
Bom dia, senhores!
Stephen observou-a atônito, e pôs-se a rir.

CAPÍTULO II

Amanda vestiu a saída-de-banho e sentou-se na cadeira de praia,


observando o pôr-do-sol no horizonte.
Sentindo-se humilhada e furiosa, voltara para casa logo depois da
reunião. Pusera um maiô para mergulhar no mar e assim refrescar o corpo e
relaxar a mente.
Estivera na água por mais de uma hora, atravessando as ondas
maiores, como Roderick Ballantyne, o ex-marido, tinha lhe ensinado, e
deixando-se levar pelas menores. Após descarregar toda a tensão e
nervosismo, deitara-se na beira da praia, completamente relaxada.
Recebendo o calor suave do sol da tarde, Amanda deu um longo
suspiro e começou a refletir. Por que deixara Stephen trata-la daquela forma?
Afinal, Roderick realmente a amara e ela nunca estivera interessada nas ações
da empresa, que acabara recebendo com a morte do marido. Então, porque
ela se sentia tão atingida com os insultos e comentários maldosos de Stephen?

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Amanda lembrou-se da mãe, sempre preocupada com sua
insegurança: “Você precisa ser mais confiante, Amanda! A vida é difícil para
todos, porém é pior ainda para os que se preocupam demais com os
problemas e se deixam influenciar pelos outros”.
Amanda recostou a cabeça, recordando os momentos vividos ao lado
da mãe.
Leila Lawson fora sempre decidida, de personalidade forte, que
conquistara a liberdade por iniciativa própria. A mãe tinha contado que aos
dezesseis anos de idade, após abandonar os estudos, fez uma viagem por
vários países, entrando em contato com outros povos e lugares. Costumava
dizer que a única forma de conhecer as pessoas era convivendo e trabalhando
com elas, participando de seu dia-a-dia.
Anos depois, Leila voltou à cidade natal, Melbourne, e se envolveu
com política partidária. No calor dos debates eleitorais, apaixonou-se por um
homem casado.
Contudo, o fato de ser ele comprometido não os impediu de se
relacionarem, cada vez com maior freqüência, e o fruto daquela união acabou
sendo uma menina bastante parecida com o pai. Leila, cansada de esperar
pelo divórcio do amante, que sempre protelava, foi tomando consciência de
que sua felicidade ao lado daquele homem nunca poderia ser completa, e
resolveu desaparecer da vida dele para sempre.
Algumas semanas depois, ela percebeu que estava grávida; no
entanto, decidiu não revelar o fato ao pai da criança.
Amanda sabia do passado, porque a mãe lhe falara abertamente do
assunto:
— Sei que não fui justa com você, nem com ele… — admitiu, quando
Amanda já possuía idade suficiente para compreender. — Talvez você me
odeie pelo resto da vida, porém acredito que fiz o melhor para nós. Além
disso, seu pai ficaria numa situação difícil, se descobrissem que teve uma
filha com outra mulher.
— E a reação dele, qual seria?
— Não sei…
— Será que me rejeitaria?
— Não, não creio… — Havia dúvida nos olhos da mãe, como se pela
primeira vez em muitos anos ela se questionasse se tinha tomado a atitude
correta.
Contudo, a amizade entre Leila e a filha não se modificou depois da
revelação. Amanda continuou dedicando uma grande afeição à mãe, que
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sempre fora a razão maior de sua vida.
Pelo que podia recordar, tivera uma infância um tanto agitada, já que a
mãe conservara até o fim o espírito de liberdade. Leila Lawson desligara-se
de todas as relações passadas e iniciara carreira como cantora, levando
Amanda a diversas partes da Austrália.
Uma das frases mais comuns da mãe era:
— Aqui estamos nós, querida, sozinhas de novo!
Se Leila tomava suas decisões com firmeza e segurança, o mesmo não
se dava com Amanda. As constantes mudanças de uma cidade para outra, as
estadas em pensões, apartamentos alugados, contribuíram para torná-la uma
pessoa vacilante e dependente. No entanto, ela fazia o possível para esconder
da mãe a insegurança. Só para não deixá-la preocupada.
Então, certo dia aconteceu algo inesperado. Apesar de ter se firmado
como cantora, inclusive com uma boa popularidade, Leila Lawson
abandonou a carreira. Após tentar uma série de empregos em várias cidades,
decidiu passar um fim de semana na praia do Pôr-do-sol, onde um antigo fã a
reconheceu e ofereceu-lhe um contrato de dois anos, para trabalhar numa
imobiliária.
Graças a algumas economias, compraram um apartamento de frente
para o mar, e Amanda parecia mais feliz do que nunca. Terminara o último
ano no colégio, e pela primeira vez estava se acostumando a uma vida mais
estável.
Com o certificado de conclusão do segundo grau e nenhuma
experiência anterior, começou a procurar emprego. Trabalhou durante seis
meses numa pequena companhia, e acabou tendo uma oportunidade como
datilografa na Ballantyne, uma empresa de sólida reputação, com escritórios
em todo o país.
Amanda contava então dezenove anos e, ao completar um mês na
Ballantyne, aconteceu a tragédia: a mãe veio a falecer num acidente de
carro…
A polícia comunicou a notícia quando ela havia saído para almoçar,
cabendo a Roderick Ballantyne, seu patrão, contar-lhe a desgraça.
Ao saber da morte da mãe, Amanda ficou transtornada. Naquele
momento, achou que a vida tinha perdido a razão de ser. Sentindo-se fraca e
abandonada, ela foi para casa.
No mesmo instante, Roderick apanhou o telefone e pediu a Flora que
ficasse à disposição dela.
Foi com a colega de trabalho que Amanda conseguiu desabafar,
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contando-lhe a história de sua vida e os momentos saudosos ao lado da mãe.
— Acho que mamãe estava feliz, finalmente. E com o futuro garantido.
Tinha realizado um grande sonho, adquirindo um apartamento confortável
Flora Hardcastle narrou o que ouviu ao chefe, Roderick Ballantyne,
que demonstrou grande interesse em ajudar Amanda.
Amanda era uma funcionária competente e exemplar: dedicada ao
trabalho, mas quieta e reservada.
Decorridos alguns dias, Roderick estava passando por uma rua,
quando a viu dentro de um restaurante
Ele ficou hesitante entre se devia ou não entrar; àquela altura, já sabia
que seus sentimentos para com aquela moça ultrapassavam a simples
preocupação. Procurava observá-la sempre que podia, de forma discreta, e
aos poucos se percebera apaixonado. Ao mesmo tempo, começou a sentir
uma forte necessidade de protegê-la. Roderick sabia que Amanda havia
passado por dificuldades e enfrentara todos os problemas. Desde a morte de
Leila Lawson, ele pensava numa maneira de ajudá-la, sem ser mal
interpretado.
E naquela manhã ensolarada, enquanto tomava o café da manhã,
Amanda encontrou-o, fazendo com que se sentisse mais jovem e se
esquecesse de que era trinta anos mais velho. Daí ele entrou no restaurante e,
três meses depois, estavam casados.
Amanda demorou algum tempo para perceber as intenções de
Roderick. No início, desconfiou das razões que levavam o diretor-presidente,
a pessoa que construíra a poderosa Ballantyne, a vê-la com tanta freqüência
depois do expediente, sempre inventando uma desculpa. Chegara a ouvir
duas funcionárias falando sobre um suposto envolvimento afetivo entre eles,
desaprovando o fato em função da diferença de idade.
Amanda, na realidade, nem sabia quantos anos ele tinha, e ficara
surpresa ao descobrir que possuía quarenta e nove.
Quanto ao romance, Roderick sempre a convidava para sair e, como
temia ofendê-lo se recusasse o convite, acabava aceitando. Pouco a pouco, foi
descobrindo que gostava de partilhar da companhia dele. Tímida, foi se
deixando conquistar, sem imaginar que a relação de amizade acabaria se
aprofundando.
À medida que os encontros foram se tornando mais freqüentes, ela
descobriu que precisava de Roderick, e não se importou mais com os
mexericos. Ele a tratava como uma mulher adulta, e os momentos que
passavam juntos, na praia ou na casa de campo, pareciam os mais felizes de
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sua vida. Mas foi só depois do primeiro beijo que conseguiu definir os
próprios sentimentos. Encantada com aquela demonstração de paixão,
deixou-se envolver nos braços dele e não recusou quando Roderick a pediu
em casamento.
— Sou bem mais velho do que você, e nossa sociedade é muito
preconceituosa — ele declarara na ocasião, prevenindo-a das dificuldades
que teriam de enfrentar juntos. — Veja, Amanda, quando você tiver trinta
anos, terei sessenta. Eu não me importo, acredito no amor que sinto por você.
Não estou à procura de valores efêmeros, como a beleza física, apesar de
achá-la linda. Amanda… acredito que posso fazê-la feliz, dar-lhe segurança e
amor. Eu a amo, como nunca amei antes… — E falou-lhe sobre o primeiro
casamento, uma união infeliz e cheia de problemas.
“A única coisa acerca da qual Roderick não me preveniu foi para o
sócio. Stephen passou a me odiar desde o momento que me conheceu, na
recepção após o casamento…”, Amanda pensou, voltando à realidade. Podia
se lembrar perfeitamente da festa e de como Stephen a recebera.
A cerimônia fora realizada na suíte de Roderick, seguida de uma
pequena reunião para poucos convidados. Stephen Chandler acabara de
voltar dos Estados Unidos, onde estivera fazendo um curso de especialização
e chegara em tempo de cumprimentar os recém-casados. Jamais se esqueceria
do brilho de ódio nos olhos de Stephen, um ódio para ela inexplicável, até o
momento em que ele lhe dissera, ao encontrá-la:
— Bem, vejo que descobriu alguém para pagar as contas, não é,
querida? A propósito, meus parabéns. Sou Stephen Chandler. Seria o
sucessor de Roderick Ballantyne, se você não tivesse aparecido na vida dele.
Chocada com tamanha hostilidade, Amanda olhou ao redor,
procurando instintivamente pelo socorro do marido, que infelizmente não se
achava por perto no momento.
Desde essa época, iniciara-se um jogo surdo e cruel entre os três.
Roderick conhecia a posição do sócio em relação a sua mulher; todavia,
graças a Amanda, jamais chegou a tomar conhecimento dos insultos que
Stephen dirigia a ela de vez em quando.
Como se não bastasse, estava claro para Amanda que Stephen não era
o único a discordar daquele casamento. Muitos dos convidados presentes na
recepção não o aprovaram, julgando que ela havia se casado por dinheiro.
Apesar de tudo e de todos, Amanda e Roderick passaram quatro anos
juntos. Quatro anos de felicidade, que ninguém conseguira estragar. Com o
passar do tempo, Amanda conseguiu superar a própria insegurança e
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aprender muito com o marido.
Costumavam ler juntos, viajar pelo país, e Roderick incentivou-a a
desenvolver talentos que ela jamais imaginara possuir.
Certa vez, quando Amanda falou ao marido que gostava de pintar,
apesar de não se considerar uma boa pintora, que era fascinada por
arquitetura e decoração de interiores, ele começou a lhe comprar livros sobre
o assunto.
Roderick também transformou um dos quartos da casa num estúdio
de pintura, e ficou surpreso com o alto nível e a beleza das telas de Amanda.
Consciente do talento da esposa, sugeriu que ela trabalhasse como
projetista na Ballantyne.
— Como projetista? — perguntou ela, assustada. — Por quê?
— Não fique tão espantada! Venha para perto de mim e deixe-me
explicar com calma.
Nessa época, Amanda acabara de redecorar a suíte, e o resultado havia
sido tão bom, que ele decidiu aproveitar algumas de suas sugestões nos
escritórios.
— Mas eu não me sinto qualificada para assumir o emprego! —
exclamou Amanda, protestando.
— Veja as coisas dessa maneira: o que eu estou querendo, sei que pode
realizar, não há nada de especial. Estou interessado em suas idéias, seus
pontos de vista, só isso. Afinal, as boas sugestões são tão importantes quanto
o conhecimento técnico.
Todos, menos Stephen, concordaram em que Amanda fosse indicada
para a diretoria da Ballantyne. Quando ela foi eleita, Stephen votou contra,
mas foi voto vencido, pois Roderick controlava a maioria das ações e, em
decorrência, os outros diretores. Na ocasião, o choque entre os dois foi tão
sério, que Stephen chegou a viajar para o exterior.
Roderick falara do sócio a Amanda uma única vez, depois daquele
desentendimento. Havia dito que Stephen era muito competente, e só por
essa razão não desfazia a sociedade.
No entanto, Amanda sabia que, apesar das agora freqüentes
discussões de negócios, Roderick Ballantyne gostava de Stephen Chandler
como de um filho. Por isso, ela fazia de tudo para esconder do marido quanto
Stephen a desprezava.
Em meio àquele período de felicidade e amor, Roderick contraiu uma
grave doença e acabou falecendo. Pela segunda vez, Amanda sentiu-se só no
mundo, completamente desorientada.
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Num momento difícil e doloroso, em que a solidão era grande,
Stephen a convocara para uma reunião, e, num tom frio e áspero, dissera-lhe
que ela não tinha direito sobre os bens que o marido havia lhe deixado.
De acordo com o testamento, Amanda herdaria o apartamento, uma
parte das ações da Ballantyne e receberia uma renda fixa durante um certo
tempo.
Amanda tinha ficado furiosa. As palavras horríveis que Stephen havia
lhe dito quatro anos antes voltaram a memória, e, num acesso de raiva, ela
acabou afirmando que ele era mesquinho, desprovido de sentimentos, e que
ele, sim, só pensava em dinheiro.
Ao perceber que tinha ido longe demais, Amanda empalidecera. O
ódio que dominou Stephen naquele momento impediu-o até de falar durante
alguns instantes
— Fique sabendo, Stephen, que, se se opuser ao testamento, vou entrar
na justiça para garanti-lo — Amanda ainda afirmou, movida pela indignação.
O que aconteceu em seguida só serviu para aumentar o desprezo que
ela sentia por Stephen; até então, nenhum dos insultos chegara a uma
ameaça.
— Você vai acabar sem nada, Amanda. Se entrar na justiça, seu nome
estará em todas as colunas sociais, e o amor que nutria por Roderick se
transformará em motivo de fofocas. O bom nome da empresa será envolvido
num escândalo, mas acho que você não se importa muito, não é? Ou estou
enganado? Pense nisso, querida
— Você… você está sugerindo um acordo? Quer… quer que eu desista
de tudo? Em troca do quê?
— Você desistiria? — Stephen indagou, irônico. Ela não conseguia
responder.
— Não, eu sabia que não. Mas tenho outra coisa em mente. Roderick
não imaginava que, na sua falta, a diretoria ficaria dividida. De um lado, Jeff
Whitby e eu; do outro, Lance Kidder e George Ramsey. Agora que sou o
diretor presidente, sei que Kidder adoraria tomar meu lugar, e também que
Ramsey o apóia. Pensam que sou muito jovem e inexperiente, porem
pretendo permanecer no cargo, custe o que custar. Para isso, preciso de seu
apoio. Quero que vote a meu favor em todas as decisões.
Amanda franziu a testa, confusa.
— Você ainda não percebeu onde estou querendo chegar? —
perguntou ele, impaciente.
— Você não vai se opor ao testamento, se eu..
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— Exatamente. Como Roderick deixou metade das ações para os
funcionários e a outra metade para você, necessito contar com seu voto em
todas as questões da diretoria, para manter minha posição. Está vendo,
Amanda? Não sei se Roderick pretendia deixá-la com essa responsabilidade,
mas agora é você que decide.
Ela fechou os olhos, como se assim fosse mais fácil suportar o choque
daquela novidade.
— Como o destino é irônico! Você, que me agrediu tanto, agora
precisa de meu apoio. É inacreditável
— As coisas mudaram bastante nos últimos quatro anos, Amanda.
— Nisso você esta certo, Stephen. Rod não sabia que a situação
chegaria a esse ponto. Não esperava morrer tão cedo, e de uma coisa eu tenho
certeza… ele gostava de você. Nunca me perdoaria se eu o prejudicasse,
apesar dos desentendimentos que tiveram. Por isso, não se preocupe — ela
concordou. — Eu lhe darei meu voto.
Stephen não pareceu surpreso e murmurou, como se fosse dono da
situação:
— Só mais uma coisa: para preservar a imagem da empresa, vamos
manter a farsa de que você se casou com Roderick porque o amava. Isto é,
não deve se envolver com outro homem por um bom tempo. É para…
— Mas meu casamento não foi uma farsa! — exclamou ela.
— Então prove.

Perdida em pensamentos, Amanda deu um longo suspiro e recolheu a


cadeira de praia. Passara uma boa parte da tarde com lembranças dolorosas,
e agora era bom voltar para casa.
Ao chegar ao apartamento, tirou o maiô e entregou-se a um banho de
espuma. O contato com a água foi reconfortante, e uma hora depois ela
estava se sentindo bem melhor. Pôs um vestido de seda verde-claro, escovou
os cabelos e aplicou uma loção à base de algas marinhas na pele levemente
bronzeada. Daí, colocou um de seus discos favoritos no aparelho de som e foi
ao terraço, para ver o pôr-do-sol. Desde que Roderick morrera, Amanda
conservava o apartamento da mesma forma. Podia sentir a presença do
marido em cada móvel, em cada objeto da sala, como se ele ainda estivesse
por ali.
Quando havia feito a decoração, ela tivera em mente um lugar
aconchegante para duas pessoas, uma vez que raramente recebiam visitas.
Assim, a sala possuía apenas um sofá de veludo azul-marinho e, ao
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lado, uma cadeira antiga em madeira, com o encosto em tecido com estampas
clássicas. Era o lugar predileto de Roderick, ela recordou com saudade.
Entre a cadeira e o sofá, a mesinha com o tampo de cristal sustentava
um abajur e um vaso sempre cheio de rosas vermelhas.
Por que não tinha mudado para outro lugar? Não seria melhor deixar
para trás as lembranças e começar uma vida nova?
Agora que Amanda começava a se firmar como pintora e seus quadros
estavam vendendo bem, poderia levar uma vida estável por um bom tempo,
em qualquer lugar que escolhesse. Não seria melhor do que o sofrimento pelo
qual estava passando? E se abrisse mão do cargo de diretora da empresa?
Seria correr um grande risco. Se ela se afastasse da Ballantyne, a
pessoa que entraria em seu lugar poderia apoiar Kidder e Ramsey. No fundo,
sentia-se culpada por Stephen estar naquela situação.
Amanda deu um suspiro e apreciou os últimos raios de sol no
horizonte.
Ouviu a campainha tocar uma vez, e ignorou-a. Quando tocou pela
segunda vez, enxugou as lágrimas e foi atender à porta.
Era Stephen Chandler.

CAPÍTULO III

Amanda e Stephen permaneceram em silêncio por alguns instantes.


Ele usava o mesmo terno da reunião, e seu rosto mostrava sinais
evidentes de cansaço. Seus olhos escuros estudaram o rosto lacrimoso de
Amanda.
— Amanda…
— Não! — interrompeu ela, tentando fechar a porta. — Este é o único
lugar onde não sou obrigada a ouvi-lo!
— Preciso falar com você…
— Vá embora!
— Não seja tola! — exclamou, com aspereza, conseguindo entrar e
fechar a porta, enquanto a segurava pelo braço.
— Solte-me!
— Vim para desfazer um mal-entendido. Por favor, escute-me!…
— Não acredito em você — replicou ela, libertando-se. — De qualquer
forma, é tarde para isso. E tampouco estou interessada.

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— Mesmo assim você vai me ouvir. Quer queira, quer não.
— Eu o odeio! — Nesse tom ríspido e ameaçador, Amanda mostrou-se
irredutível.
— Não aja como criança, Amanda; vamos nos comportar como
adultos.
— Você… você é insuportável! — desabafou ela, fazendo-o sorrir.
— Por que não me convida para sentar e não me oferece uma bebida?
Tive um dia horrível… E acredito que você também não teve um dia muito
fácil… — bradou ele.
— Tudo bem. — Encarou-o com firmeza. — Uma bebida e você me diz
porque veio até aqui, mas não espere muita coisa de mim.
— Combinado.
— O que quer beber? — Ela dirigiu-se para o bar.
— Uísque com água, por favor.
Stephen ficou no meio da sala, examinando a decoração, enquanto ela
preparava o uísque e um licor para si.
Ao servir a bebida, Amanda sentou-se na cadeira e fitou-o em silencio.
— Você andou fazendo algumas alterações aqui, não, Amanda?
— Sim.
— Esperou Roderick morrer?
— Não. A decoração foi feita há dois anos.
— Não sabia que fazia tanto tempo que não vinha para cá.
— É verdade. Mas vamos direto ao assunto. O que você tem para me
dizer?
— Amanda, quero que vá para a ilha Hamilton comigo.
— Deve estar brincando…
— Espere, deixe-me explicar…
— Não precisa se dar ao trabalho! Como espera que eu vá a qualquer
lugar com você! Seria a última coisa que faria na vida. E por quê? — indagou
ela, irritada. — Por acaso, vai afetar sua posição na diretoria, se eu não for?
— Não tem nada que ver com a diretoria.
— Então, por quê? Não me diga que deseja desfrutar o prazer de
minha companhia...
— Encare o problema dessa maneira: é hora de… tentarmos nos dar
bem e esta seria uma ótima oportunidade. Além disso, creio que Jeff está com
a razão, você tem um certo talento. Basta dar uma olhada neste apartamento,
para se ter certeza. A decoração é perfeita. Estou convencido de que podemos
aproveitar suas idéias no que se refere aos estilos de arquitetura e decoração,
19
e gostaria que conhecesse a ilha, onde pretendemos instalar uma colônia de
férias.
— Stephen, não disponho de conhecimento técnico necessário. O que
está propondo exige muita responsabilidade e domínio do assunto, e tudo o
que eu tenho é… intuição.
— Não estou pedindo que assuma nenhuma responsabilidade. Só
preciso de boas idéias, nada mais. Não lhe parece razoável?
— Sim, mas…
— Você aceitaria se Roderick tivesse feito o convite em meu lugar?
— Talvez… Acredito que sim.
— Então? A Ballantyne era muito importante na vida de Roderick. Se
você aceitasse, Amanda, estaria prestando uma grande ajuda à empresa, além
de uma homenagem póstuma a Roderick.
— E você pensa que eu não sei? — retrucou ela, com a cabeça baixa.
— Você aceita?
— Não.
— Por quê? — Stephen deu um longo suspiro, e mostrou-se
impaciente.
— Pensei que fosse óbvio. Nos últimos quatro anos você me humilhou
diversas vezes, deixou claro o que pensava sobre mim, e tem transformado
minha vida num inferno.
— Não seja tão rigorosa comigo! Nós nos encontramos apenas quatro
vezes nos últimos anos, Amanda.
— Foi o bastante — ela revidou, com frieza. — O que mais me
impressiona é o fato de você pensar que pode controlar a situação sempre.
Você me trata com desprezo durante um bom tempo, e de uma hora para
outra decide passar por cima de tudo, como se nada tivesse acontecido! Se
julga que vou aceitar tudo isso com naturalidade, está enganado! Esta manhã
você insultou a memória de Roderick, ofendendo-me. Só me surpreende que
não tenha contado aos outros o que vem me dizendo, nos últimos anos… —
Amanda foi se exaltando, e, quando terminou de falar, os olhos estavam
rasos de água.
Depois de ouvir as acusações, ele colocou o copo na mesa e tomou-a
pelos braços, forçando-a a se levantar.
— Não! Solte-me…
— Está certa — aquiesceu, puxando-a para o sofá. — Sempre a tratei
de forma horrível. Mas eu tinha meus motivos.
— Quais? Posso sabre?
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— Claro, é para isso que estou aqui.
— Devem ser muitos e fortes, para justificarem seu comportamento.
Afinal, não poupou esforços para demonstrar sua antipatia em relação a mim.
— Tudo o que fiz foi pensando em salvar os interesses da empresa,
Amanda.
— Não seja cínico, Stephen!
— Pode acreditar. É a pura verdade.
— Ora, não me venha com essa! Pelo pouco que conheço de você, já
deu para perceber que é o tipo de pessoa que só se preocupa em proteger os
próprios interesses.
— Se pensa dessa forma a meu respeito, e não me der uma chance de
provar o contrário, jamais vamos nos entender.
— E quem foi que disse que quero me entender com você?
— Pelo menos, pode fazer o favor de me escutar, sem interromper —
Stephen replicou. — Sempre achei que você fosse uma ameaça a minha
posição dentro da empresa e, quando Roderick resolveu colocá-la na diretoria
da Ballantyne, senti-me enormemente prejudicado, pois eu era o braço direito
dele e você não tinha qualificação alguma para assumir um cargo de tamanha
responsabilidade. Quanto a mim, tive de conquistar um lugar na firma com
meu esforço pessoal e minha dedicação. É compreensível que me sentisse
injustiçado e ameaçado.
— Eu não queria entrar para a diretoria! — ela exclamou, nervosa. —
Nunca esperei nada de Roderick, a não ser ficar com ele… No entanto, de
certa forma, os prognósticos que ele fazia em relação a mim eram
diferentes…
— Está tentando dizer que a maneira de Roderick demonstrar seu
amor foi nomeá-la para a diretoria?
— Não sei o que ele tinha na cabeça, quando me nomeou para a
diretoria. O que posso dizer é que nunca deixou de admirar você. Mesmo
depois que se opôs a esta decisão dele. Poderíamos os três, eu, Roderick e
você, ter sido bons amigos. Infelizmente, você preferiu imaginar o pior a meu
respeito…
— Não acredito em boas intenções. Elas não existem no mundo dos
negócios.
— Duvida de mim? Então, por que acha que nunca contei a ele como
me tratava?
— Gostaria de saber, isto é, se é mesmo verdade que não contou.
— Porque Roderick o tinha em alta conta, e eu sabia que tal coisa o
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deixaria aborrecido. Por que acredita que dei a você meu apoio esta manhã?
— Você se refere à reunião da diretoria?
Amanda fechou os olhos e concordou com um gesto de cabeça.
— Bom, na realidade, eu só comecei a ver as coisas com clareza há
pouco tempo. Foi difícil crer que você realmente o amava, e não havia casado
por interesse.
— E o que o fez mudar de idéia?
— Eu… — Stephen hesitou, tentando esboçar um sorriso. — Sei que
posso parecer teimoso e infantil às vezes, mas… há algumas semanas vi um
de seus quadros, por acaso... Fiquei tão impressionado, que resolvi comprá-
lo, sem prestar muita atenção na assinatura. Nessa época, houve um jantar
em minha casa, e um dos convidados disse que também possuía uma tela de
Amanda Lawson.
— Como descobriu que se tratava de um de meus quadros? — ela
contrapôs, desconfiada.
— Não me lembrava de seu nome de solteira, porém tinha certeza de
que não havia muitas Amanda na Costa Dourada. Daí retornei à galeria e,
com um pouco de insistência, eles acabaram admitindo que Amanda Lawson
e Amanda Ballantyne eram a mesma pessoa.
— E o que isso tem que ver com sua visita?
— Muito simples. Eu pensei: se os quadros podiam lhe garantir uma
carreira estável como artista, você não era completamente dependente de
meu sócio; portanto, cheguei à conclusão de que meu comportamento em
relação a você foi equivocado. E aqui estou fazendo uma tentativa de
reconciliação.
— Seu raciocínio não está correto — ela contra-argumentou, com
franqueza. — Comecei a vender minhas telas muito recentemente. Sei que se
Rod me deixou bens no testamento, é porque se preocupava com meu futuro.
Penso que você não tem o direito de contestar o testamento. Por outro lado, a
última coisa que eu gostaria de fazer é entrar com uma ação na justiça contra
você.
Ambos permaneceram calados por algum tempo. Em seguida, Stephen
se levantou e foi até a janela.
— O quadro que comprei é um auto-retrato. Agora eu percebi… —
sussurrou, olhando para a cadeira onde Roderick costumava sentar-se. — Na
pintura, não é possível reconhecer a garota sentada no chão. Mas a expressão
dos olhos… ela está atenta à cadeira vazia, como se sentisse saudade de
alguém… Aquela é a mesma cadeira da pintura…
22
Uma semana depois. Amanda estava ao lado de Stephen, dirigindo-se
para Brisbane num Mercedez cinza-metálico.
Era uma manhã ensolarada de domingo e havia pouco trânsito na
estrada. Enquanto observava a paisagem pelo vidro do carro, Amanda
perguntava a si mesma como se deixara convencer.
Estaria fazendo aquilo por Roderick? Talvez ainda se sentisse culpada
pelo relacionamento difícil entre os sócios, e pela memória de Rod
concordava com a viagem.
Stephen parecia ter sido sincero, e, depois de tantas explicações, como
ela poderia ter recusado?
Ainda na tarde anterior, pensara em ligar para Stephen e inventar uma
desculpa. Diria que, apesar de terem feito as pazes, precisava de tempo para
se acostumar com a idéia. Contudo, o que mais a incomodava era a idéia de
passarem uma semana numa ilha.
Amanda não chegou a telefonar. Tivera a certeza de que, por mais
resistência que oferecesse, acabaria cedendo.
— Alguma coisa errada? — indagou Stephen, interrompendo-lhe os
pensamentos.
— Não, nada — Amanda respondeu, um pouco sem jeito. Era difícil
conviver amigavelmente com o homem que odiara por tanto tempo.
— Parece que vai fazer calor por aqui. Você trouxe roupas leves?
— Sim, trago comigo algumas camisetas e bermudas.
— Vai precisar de alguns trajes mais formais. Há quatro restaurantes
em Hamilton e duas casas noturnas recém-inauguradas. Não pense que
vamos passar a semana inteira trabalhando, sem nenhum descanso. Esta
parece a ocasião ideal para juntarmos o útil ao agradável — Stephen
declarou, sorrindo.
Amanda estivera analisando-o durante parte da viagem, e naquele
momento teve um pressentimento.
Nos encontros anteriores, conhecera o lado frio daquele homem, e
agora estava descobrindo o outro… mais amável. O traje esporte emprestava-
lhe um ar descontraído, menos austero.
Vestia uma bermuda creme, camisa pólo com listras brancas e bege, e
sandálias de couro.
Após observá-lo por algum tempo, ela deu uma olhada na própria
roupa. Decidira-se por um jeans com corte moderno e pela camisa de algodão
amarela, uma de suas cores prediletas para o verão. Estava usando também
23
um par de óculos de sol e, como de hábito, uma corrente de ouro e dois anéis:
na mão direita, a aliança de casamento; na esquerda, um delicado anel de
rubi.
Escolhera um esmalte vermelho-escuro, para combinar com o batom.
Por causa do banho de sol naquele dia, sua pele estava mais bronzeada do
que de costume, e recebera uma camada de loção à base de algas. Os cabelos
sedosos foram lavados pela manhã, e agora brilhavam à luz do sol.
À medida que se aproximavam de Brisbane, Amanda se perguntava
como uma pessoa podia mudar de atitude tão rápido.
A aparência informal de Stephen colaborava para deixá-la mais à
vontade, e, por um momento, Amanda se esqueceu dos desentendimentos
passados, procurando conhecer melhor o homem a seu lado.
O sol do meio-dia estava forte, e ela achou bom estar protegida por
óculos escuros. Temia aborrecer Stephen, deixando-o perceber seu
nervosismo.
Durante o trajeto, a conversa restringiu-se a assuntos banais, como
trânsito, clima etc. E quase não falaram, mergulhados nos próprios
pensamentos.
Ao passarem por Kingsford, porém, Stephen perguntou:
— Você trouxe seu material de pintura?
— Não, apenas um bloco de rascunho e alguns vidros de tinta. Mas
estou levando uma câmara, para tirar fotos da ilha.
— Ótimo! Talvez eu tenha o privilégio de adquirir uma de suas telas
em primeira mão.
— Será difícil… Normalmente, demoro muito para terminar um
quadro.
— Faz tempo que você desenha?
— Há quatro anos. Quando trabalhava como datilografa, na
Ballantyne, fazia alguns esboços nas horas vagas Só depois de meu
casamento é que comecei a pintar com maior regularidade.
— Você desenha muito bem.
— Obrigada.
— Bem, cá estamos! — Stephen parou do carro em frente ao aeroporto
de Eagle Farm. — Você se importa de esperar aqui com a bagagem, enquanto
guardo o carro no estacionamento?
— Não, é claro que não. Sempre fazia isso quando viajava com… —
Amanda parou, mordiscando o lábio “Quando viajava com Rod”, ia dizer. —
Veja, há um carrinho vazio ali! Vou apanhá-lo para pôr a bagagem.
24
Enquanto esperava por Stephen, a ansiedade em relação à viagem
aumentou. Apesar do medo de viajar de avião, gostava do clima dos
aeroportos. Após tantas viagens a várias partes da Austrália, ainda
impressionava-se com o constante movimento de passageiros, o ruído dos
jatos e a sensação mágica de ir a um lugar novo.
Alguns instantes depois, Stephen juntou-se a ela e apanhou o carrinho.
— Que tal tomarmos algo? Está quase na hora do almoço.
— É uma boa idéia — assentiu ela.
— Primeiro, vamos checar as passagens e despachar a bagagem.
O funcionário do aeroporto mostrou-se solícito.
— Sr. e sra. Ballantyne — ele declarou, conferindo as passagens
erroneamente. — Vejo que são um casal de sorte… A ilha Hamilton é o lugar
ideal para um fim de semana. Gostariam de viajar na área para fumantes ou
na para não fumantes?
— Não fumantes — responderam ao mesmo tempo.
— Mas nós não somos casados… — Amanda corrigiu, embaraçada por
ter sido confundida como mulher de Stephen.
“O que o funcionário do aeroporto estaria pensando? Bem, se eles não
eram casados, poderiam passar por… amantes? Por outro lado… o que as
pessoas pensassem realmente importava?” refletiu Amanda.
Depois de embarcar as malas, Stephen aproximou-se:
— Eu expliquei ao funcionário e ele mandou pedir desculpas.
— Não tinha me ocorrido que as pessoas poderiam chegar a essa
conclusão, só por verem um homem e uma mulher juntos. — Amanda sorriu,
sem graça. — Espero que não aconteça de novo.
— Se está tão preocupada com o que as pessoas podem pensar, é
melhor relaxar e ir se acostumando. Basta verem um homem e uma mulher
juntos, e já acham que formam um casal. — Os olhos de Stephen traíam um
certo desgosto, e por um momento Amanda lembrou-se do homem agressivo
e hostil que havia conhecido. — Vamos tomar alguma coisa antes de partir?
— sugeriu ele, desfazendo o clima de tensão.
Mas aquela sensação de constrangimento, que a princípio fora
substituída pela expectativa em relação à viagem, voltara.
O jatinho aterrissou no aeroporto minutos antes do horário previsto.
Amanda sentara-se ao lado da janela, um pouco nervosa. Raras vezes
conseguia ficar calma antes da decolagem, e, de alguma forma, olhar pela
janela o avião se afastar do solo cada vez mais e senti-lo ganhando altura só a
deixavam nervosa. Nesses momentos procurava se distrair, olhando para o
25
banco da frente ou para as mãos trêmulas, até que o aparelho ganhasse
estabilidade.
Em diversas ocasiões Roderick havia rido daquele seu mal-estar, e
sempre procurava confortá-la com um beijo. Amanda recordava-se dessas
coisas, quando Stephen lhe tomou a mão e cobriu-a com a dele. Tentou
distraí-la, falando sobre o funcionário que os tomara por marido e mulher.
— Desculpe pelo que aconteceu no aeroporto… Não tive intenção de
constrangê-la.
— Tudo bem. Às vezes, eu me preocupo demais com o que os outros
pensam.
— Você está aborrecida?
— Não, não é isso… O problema é que sempre fico nervosa antes de
partir…
— Está falando sério?
— Sei que parece bobagem, porem não suporto viagens de avião.
— Entendo. Procure não pensar muito no vôo em si. Não sei se você
sabe, mas o avião é um meio de transporte muito seguro. O índice de
acidentes é baixíssimo, e quando acontecem…
— Eu sei — ela o interrompeu. — Os momentos mais arriscados são a
decolagem e o pouso. E você não tem medo, Stephen?
— Um pouco.
— Quer dizer que também tem medo? — repetiu Amanda, sentindo-se
mais confortada com o fato.
— Infelizmente — ele admitiu, com um sorriso.
— Pensei que eu fosse a única pessoa no mundo que tivesse esse tipo
de problema.
— Não, é claro que não.
— Os outros passageiros parecem tão seguros… Você disfarça bem o
nervosismo.
— Disfarço nada. Você é que não estava olhando para mim. Até pensei
que estivesse brava comigo.
— Não, claro que não — Amanda assegurou, hesitante.
— Não, mesmo?
— Stephen, para mim é difícil aceitar essa sua mudança, você entende?
Tudo aconteceu tão rápido. Preciso de tempo para me acostumar com a nova
situação.
— Claro, claro — aquiesceu ele, baixando os olhos. — Há uma
semana, em meu escritório, estava tão irritada, que quase atirou um cinzeiro
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em minha cabeça. Lembra-se?
— Como assim?
— Bem, você ficou olhando para ele por tanto tempo…
Surpresa e, ao mesmo tempo, embaraçada, Amanda não pôde evitar
um sorriso.
— Não percebi que tinha me exposto tanto…
— Na realidade, creio que você conseguiu se controlar de forma
admirável, mas não vamos relembrar o passado. — E apertou a mão dela, de
um modo que enfatizasse as palavras. — Certo?
Amanda concordou com um gesto de cabeça, sentindo-se mais
aliviada. No entanto, algo em seu íntimo a precavia contra aquele homem.
Contudo, por que, se agora ele se mostrava tão gentil e atencioso?
Distraída com esses pensamentos, não percebeu quando a aeromoça se
aproximou, sugerindo:
— Gostariam de tomar um aperitivo, sr. e sra. Ballantyne?
De mãos dadas, Amanda e Stephen trocaram um olhar cúmplice e
sorriram.
O vôo para a ilha Hamilton levou quase uma hora e meia. Depois do
almoço, Stephen leu as principais notícias do jornal e Amanda instalou-se
confortavelmente na poltrona para apreciar a vista, um pouco sonolenta
depois da taça de vinho. Há tempo não tirava alguns dias para descansar,
longe dos escritórios da empresa, e aquela ilha parecia o lugar ideal.
O avião começou a descer ao sobrevoar o litoral de Mackay e o porto
de Hay Point, para onde eram levados os vagões dos campos de mineração
em Queensland.
Em meio ao oceano, blocos maciços de coral submerso formavam uma
mancha escura e extensa. Amanda ficou encantada ao ver as praias com
vegetação litorânea, baías isoladas, iates como minúsculos pontos brancos no
azul do mar, e as formações rochosas que, à luz do sol, refletiam variadas
cores e imagens.
— Aquela é a ilha Pentecost — Stephen declarou. — O capitão Cook,
como você já deve ter ouvido falar, descobriu a passagem entre estas ilhas há
muito, e deu nomes diferentes a cada uma delas. Devemos estar perto agora.
A voz do comissário de bordo confirmou a informação pelo alto-
falante. Estariam aterrissando na ilha Hamilton em poucos minutos.
Já se podia avistar a pista do aeroporto, e o avião iniciava um pouso
suave.
— Parece que não vai levar muito tempo — ela murmurou,
27
apreensiva.
— Apenas o tempo necessário. — Stephen tentava fazê-la relaxar. —
Essa pista reduz o tempo da viagem. Antes, para chegar até a ilha, os turistas
tinham de pegar um avião para Proserpine e então tomar um barco em Shute
Harbour, ou alugar um helicóptero. Agora o acesso está muito mais fácil —
acrescentou, ouvindo as turbinas sendo desligadas. — Foi uma descida
suave, não?
— Foi. Mas preciso me acostumar às viagens de avião.
— Lembre-se de que não é a única que tem medo de voar.
— Já estou melhor. Quando sinto o avião em contato com a pista, fico
mais calma.
— Ótimo! Bem, seja bem-vinda a Hamilton! Vamos desembarcar?
Do lado de tora do avião, o ar estava quente e úmido. O terminal de
desembarque ainda não tinha sido acabado, e um jovem com megafone dava
as boas-vindas e orientava os passageiros.
— Vamos com os demais turistas, Stephen! Dispense nosso carro.
— Como quiser. Amanda.
O motorista do ônibus turístico era um homem simpatia e jovial. Antes
de dar a partida, informou o itinerário:
— Senhoras e senhores, sejam bem-vindos à ilha Hamilton. Vou levá-
los até o hotel primeiro, onde poderão confirmar suas reservas. Depois, se
quiserem, fico à disposição para apresentar-lhes a ilha — bradou
animadamente, antes de começar a descrever os pontos turísticos que havia
durante o trajeto. — À esquerda, vocês podem ver o porto de Hamilton, e
aquele é o Mariners' Inn, ótimo barzinho para se divertirem e cearem à noite.
Há várias lojas para os hóspedes do condomínio, onde poderão encontrar de
tudo! E agora, vamos passar para outro lado da ilha. À direita, estão os
chalés, bem no alto daquela colina, e estes são os do condomínio. À esquerda,
o Hotel Outrigger. E, finalmente, a recepção — anunciou, atravessando um
pórtico imponente.
— É enorme! — Amanda exclamou, impressionada.
— E ficará maior ainda — afirmou Stephen. — Estamos terminando
uma área de lazer, e há outra construção que nem começamos. Você quer
esperar aqui, enquanto vejo nossas acomodações?
— Não. Gostaria antes de conhecer o prédio por dentro. Parece
incrível!
Amanda estava certa. Enquanto caminhava pelo interior da recepção,
estudava cada detalhe da decoração impecável.
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O teto se elevava, como o topo de uma pirâmide, e era revestido de
madeira. O papel de parede clássico dava um tom discreto e elegante ao
ambiente, juntamente com alguns quadros de pintores famosos. A área
central, situada num nível mais baixo em relação à entrada principal,
chamava a atenção pelo jardim com plantas ornamentais, delimitado por uma
mureta em mármore branco. Por toda parte havia mesinhas com três ou
quatro poltronas. Por uma porta de vidro podia-se chegar a uma enorme
piscina, cuja principal atração era uma ilha artificial com palmeiras. Mais
adiante divisava-se a praia.
— Fantástico!… — Amanda exclamou, entusiasmada.
— Gostou do lugar? — indagou Stephen, aproximando-se dela.
— É bonito. A pessoa responsável pela decoração teve muita
criatividade e bom gosto. Possui uma influência polinésia bem marcante.
Parece ter sido projetado para combinar com as construções locais, as noites
quentes e úmidas, e… — Ela parou, percebendo que Stephen estava
examinando-a. — O que foi?
— Nada. Está absolutamente certa. Você conseguiu fazer uma
descrição perfeita do lugar. Foi por isso que a trouxe para cá, sra. Ballantyne.
— Você pretende copiar a decoração daqui?
— Não, de modo algum. Só quis reafirmar os motivos que me levaram
a trazê-la comigo. Quero dizer que foi por causa de suas idéias sobre estilos e
tendências que a trouxe para cá.
— Ah, bom! — Amanda sussurrou, com um sorriso. — Nesse caso, o
que acha de me oferecer uma xícara de chá? Preciso de uma para aguçar
minha sensibilidade.
— Negócio fechado! Um carro está a nossa espera, para nos levar até a
colônia Outrigger. Podemos tomar uma bebida mais estimulante, em
chegando lá.
O apartamento de Amanda ficava ao lado do de Stephen, numa das
alas mais luxuosas da colônia. Da varanda, ela podia apreciar melhor a
paisagem de beleza indescritível que se abria a seus olhos.
A colônia Outrigger estava situada de frente para o mar, e havia
muitas velas coloridas e alguns iates ancorados nas águas límpidas do oceano
Pacífico. Num extremo da praia via-se uma enorme lagoa cercada por
rochedos, e adiante uma colina íngreme coberta pela vegetação litorânea. O
lugar era conhecido como Passage Peak e a praia chamada de Areia das
Pérolas, devido à grande quantidade de ostras na região.
O recife de corais que partia de Passage Peak contornava toda aquela
29
parte da ilha, terminando no cais. Outro recife dividia a lagoa em duas, e
acabava numa elevação rochosa, logo atrás do Hotel Outrigger.
As acomodações mais aconchegantes da ilha Hamilton eram os chalés,
construídos em estilo colonial, com amplas varandas que davam para um
imenso gramado. Todos eles possuíam as comodidades necessárias para um
fim de semana confortável.
Mas o que mais chamou a atenção de Amanda, enquanto observava a
paisagem, foi o prédio da recepção, com suas altas palmeiras e a enorme
piscina com serviço de bar e sauna.
— Isso é que é luxo! — exclamou, ouvindo passos do lado de fora do
quarto.
Era Stephen, com duas xícaras na mão.
— Você já tomou seu chá?
— Não, ainda não. Nem comecei a desfazer as malas… Estava
apreciando a vista.
— É muito bonita — ele bradou, entrando. — Gostou do quarto?
— Sim, é bastante aconchegante e confortável — afirmou, aceitando a
xícara que ele lhe oferecia.
O apartamento era constituído de uma suíte ampla e espaçosa. Possuía
uma cama de casal coberta com uma colcha de cetim, uma poltrona, duas
cadeiras, uma mesinha e três abajures. Ao lado da janela, havia uma pequena
geladeira com refrigerantes, sucos naturais e uma variedade de bebidas
alcoólicas.
— Gostaria de dar um passeio? — Stephen perguntou, terminado o
chá.
— Sim, mas… o arquiteto e o engenheiro da Ballantyne não estão
esperando por nós?
— Não, eles só chegam daqui a três ou quatro dias. Enquanto isso,
temos tempo suficiente para conhecer os principais pontos turísticos de
Hamilton.
— Você tem alguma sugestão?
— Bem, estava pensando em dar um mergulho. O que acha?
— Ótima idéia! A água deve estar uma delícia!

CAPÍTULO IV

30
No dia seguinte, Amanda acordou bem cedo, disposta a andar pela
ilha. Como a maré estivesse baixa, caminhou horas com água pela cintura, até
chegar aos recifes.
Voltou do passeio por volta do meio-dia, e Stephen já a esperava para
almoçar, no restaurante do hotel
— Como está se sentindo? — ele quis saber, enquanto comiam.
— Ótima!
— Não esta gostando da comida?
— Como não? Dê uma olhada em meu prato! — ela brincou,
apontando para o enorme filé de peixe que estava saboreando e para a
variedade de saladas que ele lhe servira. — A propósito, sinto muito pela
noite passada. Creio que estava realmente cansada.
Após voltarem da praia no dia anterior, Amanda desfizera as malas
antes de se deitar, e tinha caído num sono profundo, vencida pelo cansaço da
longa viagem.
Eles haviam combinado jantar no restaurante Outrigger, mas Stephen
batera à porta do quarto dela diversas vezes, sem que ela despertasse.
— Não sei como consegui dormir tanto! — exclamou, experimentando
um pouco de salada. — Não dormia tão bem desde… bem, faz muito tempo.
— Pensei que tivesse acontecido algo, e quase fui até a portaria para
conseguir uma cópia da chave, porém me lembrei que você parecia cansada.
Assim mesmo, fiquei aliviado quando atendeu ao telefone esta manhã. Mais
um pouco de vinho? — ofereceu, com a garrafa na mão.
— Sim, obrigada. Depois de uma refeição como esta com vinho branco
bem gelado, preciso arrumar alguma coisa para fazer e gastar as calorias.
Stephen admirou o corpo esbelto e levemente bronzeado de Amanda,
que usava apenas uma leve saída-de-banho sobre o maiô. Ela pensou que ele
fosse lhe fazer algum elogio, mas Stephen mudou de assunto, dizendo:
— Que tal uma partida de tênis no final da tarde? Depois, quando a
maré baixar, poderemos dar um mergulho.
— Eu adoraria!
Amanda fechou os olhos e suspirou. Seria possível que tudo aquilo
estivesse realmente acontecendo? Stephen Chandler e Amanda Ballantyne
almoçando juntos, como velhos amigos? Aquele homem a seu lado, de short
e camiseta azul-marinho, seria o mesmo que conhecera cinco anos antes?
— O que foi?
— Nada — ela despistou. — Quero preveni-lo de que não sou uma
boa tenista, e nunca aceito um desafio quando suspeito que meu adversário
31
leva muita vantagem sobre mim.
— Fique sossegada. Eu não jogo muito bem…
— É o que todos dizem. Aí, você entra na quadra e descobre que o
outro jogador é um verdadeiro campeão! Bom, de qualquer forma, um pouco
de exercício fará bem.

— Viu só? Eu estava certa! — Amanda bradou, exausta, ao sentar-se


num banco do lado da quadra. — Você ganhou todos os sets!
— Mas você jogou muito bem — Stephen elogiou, juntando-se a ela.
— Preciso praticar mais. Quando Rod era vivo, nós sempre… —
parou, arrependida de ter tocado no assunto.
— Amanda, nós não conseguimos esquecer Roderick um só minuto,
não é mesmo?
— Desculpe… Sei que não gosta de me ouvir falando dele. Também
não sei se gosto de conversar com você sobre ele.
Havia uma certa frieza nos olhos de Stephen, e tal fato a deixou
apreensiva. Será que os mal-entendidos não tinham sido esquecidos ainda?
— O que fazer? — Stephen interrogou, afinal. — O fato é que Roderick
foi importante para nós. Se ficarmos embaraçados toda vez que falarmos
dele, será como se houvesse uma barreira entre nós.
— Na realidade, ela sempre existiu.
— Eu sei. No entanto, imaginei que tivéssemos chegado a um acordo,
Amanda!
— Stephen, não posso esquecer tudo, como se nada tivesse acontecido.
— Ela se levantou.
— Nem eu estou lhe pedindo isso — revidou ele, forçando-a a encará-
lo.
— Está, sim. Quer que eu esqueça Rod…
— Não, não é verdade. Quero apenas que não se sinta culpada, toda
vez que se lembrar dele.
— Não é culpa, apenas mágoa por você tentar estragar os momentos
mais felizes de minha vida.
— Amanda, nós já…
— Roderick e eu nos amávamos, e você distorceu nossos sentimentos.
Não conseguia acreditar que era possível um homem de cinqüenta anos e
uma mulher de vinte se apaixonarem. Infelizmente, tudo o que conseguia ver
era os interesses em jogo: o testamento de Roderick, suas ações na bolsa de
valores…
32
— Acredito em você, agora!
— Eu sei, Stephen.
— Então, é você que não confia em mim.
— Eu quero confiar em você. Por Rod…
— E por você mesma?
— Preciso de tempo. Não é tão fácil… — argumentou, encontrando
dificuldade para revelar sentimentos tão íntimos. — Nos últimos dias você
tem sido amável e gentil, e estou confusa…
— Quer voltar para casa?
Amanda ficou indecisa. Estava passando momentos agradáveis ao
lado de Stephen, e a idéia de voltar para a companhia e reencontrar nele o
executivo frio e agressivo a assustava. Além disso, Roderick ficaria feliz em
ver que estavam se dando bem… Após refletir por alguns instantes,
respondeu:
— Eu… desejo ficar aqui com você.
— Mesmo?
— Sim.
— Não quero forçá-la a nada, Amanda.
— Não se preocupe, você não está forçando. Penso que precisamos nos
conhecer melhor.
— Em sendo assim, que tal esquecermos o assunto e tentarmos nos
divertir mais um pouco?
— Não devíamos conhecer a ilha, para iniciarmos o projeto? Você
disse que um arquiteto e um engenheiro estariam vindo para cá.
— Está sugerindo que comecemos a trabalhar? — interrogou ele,
sorrindo.
— Bem, para isso é que viemos, não é?
— Eles só chegarão na quarta-feira. Portanto, temos hoje e amanhã
para relaxar.
— Stephen… eu sinto muito o que aconteceu. O problema é que ainda
tenho saudades de Rod. Não é culpa sua, nem minha. Depois que ele morreu,
tenho estado tão deprimida…
— Você tem amigos?
— Para ser sincera, não. Sempre tive dificuldade em conhecer pessoas
e em travar amizades. Rod era meu único amigo, além de marido. Claro que
há pessoas com quem converso freqüentemente, como a vizinha, a balconista
da livraria… O que foi? — indagou ela, diante da frieza nos olhos dele.
— Nada. Creio que já entendi… Bem, se acha que devemos ficar,
33
vamos dar um mergulho? — convidou Stephen, desfazendo o clima de
tensão.
— Tudo bem — ela concordou, estendendo-lhe a mão.
Algumas horas depois, Amanda contemplava-se no espelho do
banheiro, sentindo-se relaxada.
Para o jantar, escolhera um vestido de seda verde e sandálias de salto
médio. Era um modelo leve, informal, completamente diferente das roupas
sóbrias e clássicas que costumava usar para as reuniões da diretoria, e que
combinava perfeitamente com seu estado de espírito naquela noite.
Ao apanhar a bolsa, ouviu alguém bater à porta e foi atender.
— Já estou pronta! — declarou, sorrindo para Stephen.
— Está linda! — ele exclamou, olhando-a com admiração, antes
mesmo de cumprimentá-la.
— Stephen! Stephen Chandler, é você mesmo?
Stephen e Amanda tinham acabado de chegar ao restaurante
Outrigger, quando uma voz masculina chamou-lhes a atenção.
Stephen virou-se e foi abraçado por um homem alto e forte, com olhos
castanhos e cabelos negros.
— Brad! — declarou ele, com admiração. — O que está fazendo aqui?
— Isso lá é jeito de receber um velho amigo?
Os momentos que se seguiram foram animados. Brad estava
acompanhado por uma garota de rosto delicado e olhos claros, que se
manteve em silêncio. Enquanto Brad e Stephen conversavam, Amanda
descobriu que eles tinham sido colegas de faculdade, e não se viam há muito.
O garçom percebeu que se tratava de uma ocasião especial e sugeriu que
ocupassem uma mesa maior.
— É uma idéia excelente! — acatou Brad, com seu jeito alegre e jovial.
Após uma certa movimentação, todos estavam acomodados numa
mesa para quatro, e Brad apresentou a companheira:
— Esta é Louise. Louise, quero que conheça Stephen Chandler, o
melhor jogador de tênis de toda a faculdade… Louise é minha namorada.
Louise cumprimentou-os com um sorriso.
— Sua vez, Stephen! — Brad brincou, e, antes que Stephen pudesse
dizer alguma coisa, ele virou-se para Amanda e acrescentou: — Você é a
mulher mais bonita que já vi em toda a minha vida. Tenho de admitir que
Stephen sempre teve bom gosto.
Amanda sorriu, embora estivesse um pouco embaraçada. Nesse
momento, Brad reparou na aliança da mão dela.
34
— Ora, vejam só! Quando se casaram? Isso merece uma comemoração!
Garçom!
— Brad, Amanda e eu não somos casados.
— Não? Oh, desculpe-me! Tenho o péssimo defeito de tirar conclusões
apressadas… A propósito, meu nome é Brad Mortimer…
Stephen percebeu que Amanda estava sem jeito, e explicou:
— Amanda Ballantyne era casada com meu sócio. Na realidade, ela é
viúva, e estamos aqui a negócios.
— Eu realmente sinto muito — desculpou-se Brad, ao ouvir a
explicação de Stephen. — Mas vocês precisam reconhecer que me
confundiram direitinho! Minhas desculpas mais sinceras, Amanda.
Para ela era como se todas as más lembranças do passado lhe
voltassem à mente. O que mais a preocupava não era o fato de passar por
mulher de Stephen, e sim o de ter sido casada com um homem mais velho,
que fora sócio dele, o que levava as pessoas a duvidar de seu casamento.
Amanda ficava irritada por ter sido ingênua, a ponto de não esperar
aquele tipo de reação. Durante os anos em que estivera casada com Roderick,
muitas vezes fora confundida como filha dele, e acontecia tão freqüentemente
que ela tinha acabado se acostumando.
No entanto, o amigo de Stephen parecia ser uma pessoa simples, e
Amanda perguntou-se se não teria dado muita importância a uma confusão
corriqueira. Afinal, era um engano perfeitamente compreensível.
— Está tudo bem — garantiu ela. — Mas estou pensando seriamente
em usar um crachá de identificação, o mais detalhado possível.
O comentário bem-humorado serviu para desfazer o clima de
nervosismo. Stephen ficou mais calmo, e todos riram ao mesmo tempo. Brad
e Louise haviam chegado naquele dia, e já começavam a combinar passeios,
satisfeitos com a companhia de Amanda e Stephen.
— Temos de planejar alguns projetos para a ilha — Stephen preveniu-
os.
— Ora, esqueça o trabalho! — Brad objetou. — Há uma discoteca no
Mariners'Inn. Que acham de irmos até lá, depois do jantar?
Stephen olhou para Amanda, esperando por uma resposta.
— Por mim, tudo bem — murmurou ela.
— Perfeito! — aprovou Brad, entusiasmado.
O Mariners', como era conhecido na região, estava repleto quando eles
chegaram. Apesar de estar funcionando há pouco tempo, era o lugar mais
freqüentado pelos hóspedes e funcionários da colônia de férias.
35
Escolheram uma mesa na varanda, de onde podiam ver a pista de
dança e o bar, e respirar o ar fresco da noite.
Brad levantou-se e estendeu a mão para Amanda.
— Vamos dançar! Esta música é uma de minhas favoritas!
Amanda hesitou e olhou para Louise, que a incentivou:
— Vá em frente! Ele é incansável! Se deixarmos, pode ficar dançando a
noite inteira…
Por um momento, Amanda procurou saber por que estava tão
embaraçada. Gostava muito de dançar, mas Roderick sempre detestara o
barulho das discotecas…
Brad Mortimer não lhe deu tempo para pensar. Enlaçou-a pela cintura
e, levantando-a da cadeira, revelou:
— Você tem ritmo, Amanda.
— Não estou muito convicta… — contestou ela, porém acabou
cedendo. De certa forma, era impossível deixar-se ofender por um homem
tão simpático e cativante.
Logo em seguida, estavam na pista. Brad não desistia, e depois de
alguns passos, Amanda conseguiu se soltar, desenvolvendo uma coreografia
própria, que parecia coincidir com a de Brad, de acordo com o ritmo da
música.
Viu Stephen e Louise dançando a alguns metros, e acenou. Stephen
observava-lhe os movimentos.
Ao sentir que suas forças estavam acabando, ela pediu a Brad que a
levasse de volta para a mesa.
— Louise tinha toda razão sobre você. É um ótimo dançarino!
— Obrigado. Que tal mais um número?
— Bom, julgo que não estamos sendo muito gentis em deixá-los
sozinhos, não é?
— É verdade. Mas eu estava certo a seu respeito. Amanda, você tem
ritmo! — Sorriu, levando-a de volta para a mesa, antes de apanhar bebida
para todos.
Stephen e Louise já estavam sentados, e Amanda reparou que ele
ainda a fitava atentamente.
— Vocês estavam ótimos! — elogiou Louise. — Vou ter de treinar
bastante, ou então perderei meu parceiro.
— Não sei o que aconteceu comigo… — Amanda se desculpou. —
Nunca dancei tanto em minha vida!
— Nunca? — Stephen perguntou, surpreso.
36
— Não. É muito estranho…
— Foi por causa de Brad — explicou Louise. — Ele consegue fazer as
pessoas se descontraírem. E, por falar nele, creio que chegou minha vez!
Brad colocou a bebida na mesa e chamou Louise para dançar.
— Deve ser isso. — Amanda procurou convencer-se, um pouco mais
aliviada, enquanto o casal brilhava na pista de dança. — Deve ser por causa
de Brad. O mais engraçado é que nunca tinha percebido que precisava me…
— ela parou, mordiscando os lábios.
— Soltar?
— Sim.
— Pelo que me lembro, Roderick não gostava muito de discotecas.
— Rod as odiava.
— Você não precisava gostar das mesmas coisas que ele, Amanda.
— É, eu acho que não…
— Nesse caso, por que parece se sentir tão constrangida?
— Eu me sinto como… como se o estivesse traindo — confessou,
abaixando a cabeça.
— Tal coisa é ridícula. Quer passar o resto da vida prisioneira de
recordações?
— Não, porém ele não gostaria de me ver dançando com outra pessoa.
Na realidade, Rod nunca falou nada, mas eu podia sentir… — Seus olhos
brilhavam intensamente, diante da constatação tardia.
— Alguns maridos não se importam de ver suas mulheres dançando
com outros homens.
— Você se importaria?
— Bom, prefiro me casar primeiro, antes de dar minha opinião. O mais
importante é que… bem…
— O quê?
— Não sei se devo.
— Por favor, Stephen.
— Eu ia dizer que seu marido não está mais aqui, porém pensei que
você não ia querer ouvir.
— Sim, você estava certo. Fui tola em insistir.
— É o que eu pensava.
— Vamos esquecer. No fundo, tem razão, Stephen. Não posso me
sentir culpada, só porque estou me divertindo. É o que está acontecendo
comigo, não é?
— Você não está fazendo nada de imoral, Amanda. Não precisa se
37
preocupar. Você é jovem, bonita e tem uma vida pela frente. Não há nada de
errado em sair um pouco em companhia de amigos.
— Você sabe como me encorajar! Sei que pareço infantil às vezes…
Minha nossa, acho que já estou um pouco tonta! Deve ser a bebida…
— Você só bebeu meio copo de cuba-libre.
— Nesse caso, deve ser a noite. — Ela voltou-se para observar o porto
e as luzes dos iates refletidas na água, em meio à escuridão. — Bem, não
pretendo passar o resto do fim de semana deprimida! Quer dançar um
pouco?
— Se prometer que não vai se arrepender amanhã de manhã, gostaria
muito de dançar com você.
— Prometo… — condescendeu, estendendo-lhe a mão.
— Seria capaz de dançar a noite inteira! — Louise exclamou, enquanto
deixava o Mariner's. — A propósito, de quem foi a idéia de caminhar um
pouco? Meus pés estão me matando!
— A idéia foi sua! — os três exclamaram, em coro.
— Sei que tinha uma boa razão para a caminhada, mas não consigo me
lembrar. Penso que estou meio tonta…
— Foi exatamente por isso que queria andar um pouco, querida —
Brad esclareceu.
— Não devia ter bebido tanto.
— Quer descansar antes de continuarmos?
— Quero.
Eles pararam para respirar o frescor da noite, e Amanda afirmou,
admirada.
— Vejam que palmeira enorme! É uma das maiores que já vi na ilha.
— Apontou para a árvore situada entre o cais e a praia. Ficava numa
encruzilhada, onde uma das estradas levava até a recepção, e a outra para os
chalés e o aeroporto.
— Está se sentindo bem? — Stephen interrogou tomando-lhe a mão.
— Um pouco cansada, porém estou bem. Tive uma noite fantástica!
— Eu também! — ele afirmou, antes de continuarem a andar.
— Você é um exímio dançarino — Amanda elogiou.
— Ah, mas eu passei anos e anos me aperfeiçoando numa escola de
danças!
— Chegamos, pessoal! — interrompeu Brad. — Louise e eu estamos
no chalé número dez. E vocês?
— Lá em cima, no hotel.
38
— Brad, não consigo dar mais um passo — Louise reclamou. — Você
me deixou exausta!
— Seu problema está resolvido, querida — Brad declarou, pegando-a
no colo.
— Eu amo você, sabia? — sussurrou ela, ao repousar a cabeça em seu
ombro.
Brad lançou um olhar furtivo para Amanda e Stephen, despedindo-se:
— Vejo vocês amanhã de manhã!
Stephen e Amanda dirigiram-se para o hotel, ainda de mãos dadas.
— Eles são muito agradáveis, não acha?
— Bastante… — assentiu Stephen. — Estamos chegando.
Subiram os degraus da portaria do hotel, e mais um lance de escada
até o segundo andar. O silêncio só era rompido pelo toque dos sapatos nos
ladrilhos.
— Está com a chave? — indagou Stephen.
— Sim.
— Antes que eu me esqueça, amanhã vamos de helicóptero até o
recife. — Ela encarou-o, apreensiva. — E, antes que sinta medo, garanto-lhe
que a viagem é perfeitamente segura. E a melhor maneira de visitarmos o
recife e as outras ilhas é de helicóptero. Prometo que não vai se arrepender.
— Mas…
— Não há perigo algum, repito. Além disso, você é uma mulher
corajosa agora, não é?
— Isso não vale — reclamou, um pouco sem jeito. — Por que não me
contou antes?
— Pensei que, quanto menos tempo tivesse para pensar na viagem…
— Bem, eu ainda tenho uma noite inteira — atalhou ela.
— Infelizmente, temos de partir às seis e meia, para aproveitarmos
bem o dia. E desconfio que você vai dormir como uma pedra esta noite.
Quando chegaram ao quarto dela, Stephen abriu a porta e acendeu a
luz.
— Tem razão. É bobagem eu me preocupar demais com a viagem.
Vamos ver o que acontece amanhã — murmurou ela, repousando a mão
sobre a dele. — Obrigada… a noite foi maravilhosa.
Os olhos de Stephen faiscaram, e ele lhe beijou a mão delicadamente.
Amanda teve vontade de prolongar aquele momento, mas, consciente
do perigo a que se expunha, lutou para não demonstrar emoção.
— Boa noite, Stephen — apressou a despedida e, rápido, entrou no
39
quarto.

CAPÍTULO V

Encostada na porta do quarto, Amanda ouviu os passos de Stephen se


afastando. Fechou os olhos, e a angústia foi tomando-a de assalto. Embora já
estivesse convivendo com ele fazia alguns dias e percebesse que a antiga
hostilidade havia sido substituída por uma inesperada admiração, só nesse
momento se conscientizava de seus sentimentos. E estes ultrapassavam o
simples bem-querer… Estava apaixonada!
Foi até a cama e cobriu o rosto com as mãos. Precisava chorar,
desabafar o choque que esta constatação lhe havia provocado. Stephen
Chandler era a última pessoa por quem deveria se apaixonar. Como ele
mesmo havia dito, o passado não poderia ser apagado. E, no passado, haviam
sido inimigos; Stephen a humilhara como se fosse a pior das mulheres…
Difícil esquecer tal coisa, e impossível reprimir a sensação de que,
mesmo que sempre tivessem sido amigos, seria errado envolverem-se
afetivamente. Stephen era mais do que um mero sócio do marido, pois
Roderick considerava-o como um filho. Por isso, Amanda sentia agora uma
culpa imensa. Rod estava morto, porém não conseguia evitar a terrível
sensação de que lhe fazia a pior das traições.
Não foi difícil levantar cedo no dia seguinte. Tensa, Amanda acordou
várias vezes durante a noite e, quando eram cinco e meia, ela resolveu
começar a se preparar para a viagem. Tomou um banho rápido, colocou um
short e uma camiseta e, na sacola, juntou uma toalha, óculos escuros,
bronzeador e a máquina fotográfica.
Às seis e quinze o telefone tocou.
— Amanda? Sou eu, Stephen. São seis e quinze…
— Eu sei. Já estou pronta.
Houve um breve silêncio. Aí, ele declarou:
— Ótimo! Pensei que ainda estivesse dormindo.
— Não; já acordei faz tempo.
— Então, posso apanhá-la daqui a cinco minutos? Dessa vez, fui eu
que me atrasei.
— Tudo bem. — Amanda colocou o telefone no gancho e sentou-se. Se
Stephen soubesse que estava confusa demais, a ponto de ficar nervosa com a

40
viagem de helicóptero…
Após refletir por alguns instantes, decidiu afastar com determinação
qualquer pensamento sobre a noite anterior. Provavelmente, estivera sob o
efeito da bebida e da música, nada mais.
Já no aeroporto, os dois se dirigiram para o escritório da companhia
aérea. Não havia uma única nuvem no céu, e o ar quente da manhã indicava
que o dia seria maravilhoso.
Ela o observava discretamente, procurando esconder a tensão. Stephen
também havia escolhido um traje bem esportivo: calção amarelo e bata
branca. O conjunto simples o deixava terrivelmente bonito, realçando o
bronzeado da pele.
— E daí, Stephen, sua coragem está em alta? — ela perguntou
brincando, para disfarçar o nervosismo.
— Hoje, eu posso até saltar de pára-quedas… Mas… você está bem? —
E olhou-a, preocupado.
— Estou ótima! — ela mentiu. — Por que não haveria de estar?
— Você levantou cedo.
— Foram as gaivotas… Um bando delas! — exclamou, forçando um
sorriso que não o convenceu.
— Sei… Quer dizer que não está nervosa?
— Só um pouco. Li alguma coisa sobre a viagem. Parece que o
helicóptero vai pousar numa barca ao lado do recife, e que vamos conhecer os
bancos de coral numa nave com fundo transparente.
— É uma aventura e tanto!
— Para mim, parece assustadora!
— Você já mergulhou?
— Por incrível que pareça, já. Essa parte da viagem, pelo menos, tenho
certeza de que vou adorar.
— Ótimo! — bradou ele, tomando-lhe a mão. Amanda resolveu agir
com naturalidade e não ofereceu resistência ao contato.
Um guia turístico estava esperando por eles no escritório.
— Chegaram bem na hora! — Ele os recebeu com entusiasmo,
apontando para outros três passageiros. — Vamos apanhar o equipamento de
mergulho, e depois eu os levo até a pista.
O helicóptero era pequeno, e trazia o mapa e o nome da ilha Hamilton
nos lados, em letras bem grandes. Quando chegaram, o piloto parecia
preocupado, mas, assim que o outro funcionário surgiu com o café da manhã,
ele suspirou, aliviado.
41
— Pensei que vocês fossem ficar sem o desjejum esta manhã! —
brincou ele, e começou a explicar como deveriam usar o salva-vidas!
Pouco tempo depois, as portas do helicóptero já estavam fechadas, e o
piloto pediu que todos colocassem os fones de ouvido, por causa da
decolagem barulhenta.
O compartimento de passageiros era pequeno e apertado, apesar de
haver apenas quatro pessoas, com um quinto passageiro ao lado do piloto. E
o furor sibilante da partida, como fora avisado, era insuportável, mesmo com
os fones de ouvido.
Amanda fechou os olhos, arrependendo-se de ter concordado com a
excursão. Sabia que a viagem em si não ia levar muito tempo, mas a
estridência a deixava apavorada…
Stephen segurou-lhe a mão, numa tentativa de lhe transmitir ânimo.
Amanda sorriu, agradecida, e repousou a cabeça no ombro dele.
Em poucos instantes estavam ganhando altura, e o medo de Amanda
foi desaparecendo ante a visão fantástica que se abria ante seus olhos.

— Foi uma viagem maravilhosa! — Amanda exclamou emocionada,


um pouco mais tarde. Eles tinham voltado para Hamilton antes do meio-dia,
e agora almoçavam com Brad e Louise no restaurante do hotel. — Vocês não
imaginam como é incrível ver os corais de cima. Não sei nem por onde
começar… Já calcularam o que é estar a trinta metros da costa, várias ilhas
pequenas bem abaixo, em meio ao azul do oceano? Nessa altura, aparecem
trilhas e mais trilhas de corais em cores diferentes, rosa, vermelho, lilás…
lagoas rasas com água cristalina… Só espero que minhas fotos saiam boas!
— Então, você recomenda a excursão? — Brad perguntou.
— Sem dúvida! E viajar de helicóptero é a melhor maneira, tenho
certeza. E não zombe de mim, Stephen Chandler!
— Nem sonharia em zombar de você… — assegurou ele, tentando
conter o riso. — Só acho estranho alguém mudar de idéia tão rápido…
— E o que vocês fizeram quando chegaram lá? — Louise mostrou-se
interessada.
— Nós descemos numa plataforma flutuante e apanhamos um barco
com o fundo de vidro, o que nos proporcionou uma visão fantástica do banco
de corais. Aí, tomamos o café da manhã…
— Café da manhã? Num barco com fundo de vidro? — Brad parecia
incrédulo. — De que tamanho?
— Não era muito grande.
42
— E o que comeram no café da manhã?
— Sanduíches e frutas. Estava delicioso!
— Tal é o que eu chamo de um verdadeiro desjejum! — Brad
exclamou, irônico.
— Nem todos têm um apetite tão grande quanto o seu, Brad — Louise
zombou. — Continue, Amanda.
Amanda tomou um pouco de suco de laranja, antes de prosseguir:
— Nós saímos do barco e começamos a andar em cima dos corais. Foi
incrível! Aquela parede maciça emergindo das profundezas, e tantas
variedades e cores! Podia-se andar sobre metros e metros de corais,
deparando com as cores mais diversas, desde o rosa-choque até o laranja. E
os mariscos! Vocês já viram um marisco vivo, com aquela concha curvada e
serras?
— Não são perigosos?
— Só se você colocar o dedo ou o pé neles — Stephen brincou,
provocando risos. —Eles fecham como uma ostra!
— E a textura dos corais é tão variada!... — Amanda retomou a
palavra. — Uma parte é macia e escorregadia, outra é dura como uma rocha.
Depois disso tudo, fomos mergulhar. — Ela parou e deu um longo suspiro. —
Vou deixar Stephen contar-lhes como foi o mergulho. Mas os peixes... tantas
espécies, que é difícil lembrar todas! Eu poderia voltar para lá agora mesmo.
Stephen começou a rir.
— O que foi?
— Nada… — respondeu ele. — É que nunca a vi tão animada e cheia
de vida.
Amanda ficou pensativa por um instante e finalmente admitiu:
— É, a excursão foi realmente fantástica… Na volta, sobrevoamos
outras ilhas menores e observamos de perto o vôo das gaivotas. Sem falar na
ilha Hamilton vista de cima! Aposto que podíamos ter pousado em Passage
Peak, porém é uma pena que o piloto não tenha arriscado… Penso que esse
passeio aguçou meu espírito de aventura…
— Podemos tentar o desafio amanhã de manhã — Brad sugeriu.
— Fala sério? — Louise mostrou-se surpresa.
— É claro que sim! O que acha, querida? — Brad dirigiu-se à
companheira.
— Aceito o desafio! — respondeu Louise. Terminaram de almoçar, e
Amanda bebeu o resto do vinho branco, recostando-se na cadeira.
— Que acham de conhecer o outro lado da ilha agora? — indagou
43
Brad. — Uma caminhada nos fará bem.
— Sinto muito, Brad — Amanda desculpou-se, um pouco sonolenta.
— Vou descansar…
Enquanto os dois caminhavam até o quarto dela, Amanda confessou:
— Estou realmente cansada, Stephen!
— É que levantou muito cedo.
— Tem razão, mas foi um dia e tanto! O que vai fazer agora, Stephen?
— Vou descansar um pouco, também — ele respondeu, tomando-lhe a
chave da mão, para abrir a porta. — Não dormi muito bem a noite passada.
Amanda fez um gesto para reaver a chave, porém mudou de idéia
ante o ar de reprovação de Stephen.
Ao tentar adivinhar o que estava por trás daquela atitude, ela
estremeceu. No entanto, a imaginação a havia levado longe demais, constatou
um tanto desapontada.
— Amanda? — Stephen interrompeu-lhe os pensamentos, num tom
suave e brando.
— Eu… eu o vejo mais tarde — ela se despediu, apanhando a chave do
quarto.
— Está certo.
Ao ver-se sozinha, Amanda trancou a porta e se atirou na cama,
desesperada. O que Stephen estaria pensando a seu respeito naquele
momento? A atração que sentia por ele seria tão forte, a ponto de ela não
conseguir esconder seus sentimentos?
Eram três horas da tarde quando Amanda acordou. Ainda estava com
o maiô por baixo da camiseta, e sentiu uma ligeira indisposição.
Assim, continuou deitada por algum tempo, olhando para o teto.
Procurava reunir forças para se levantar e para decidir que atitude tomar dali
para a frente. Deveria voltar para casa? Fingir que nada acontecera entre ela e
Stephen?
“Talvez eu tenha imaginado coisas…”, pensou consigo, tentando
convencer-se de que não vira desejo nos olhos de Stephen aquela tarde.
Tentou lembrar-se dos olhares maliciosos que Lance Kidder
costumava lançar-lhe na Ballantyne, e que a deixavam irritada. Os olhos de
Stephen, contudo, transmitiam algo mais profundo. Ou era apenas impressão
sua?
“E por que não Stephen?”, perguntou-se, brincando com o anel de
casamento no dedo. “Aconteceu, e não tive culpa!”
Mas era-lhe impossível evitar o remorso. Ela concordara em vir para
44
Hamilton, para que se tornassem amigos, não amantes. Não podia existir um
romance entre os dois, por causa de Roderick, pela situação deles na empresa.
A idéia de se ligar ao sócio do marido era inadmissível! Nesse caso, deveria
deixar a ilha o quanto antes. Como fazer isso, porém, sem que ele soubesse? E
como explicar o motivo de uma partida tão repentina? Não podia contar que
se sentia fortemente atraída por ele…
Cansada e confusa, decidiu afastar esses pensamentos. Por ora, era
melhor não tomar nenhuma decisão precipitada, e proceder como se nada de
extraordinário tivesse acontecido.
— Preciso é de um bom mergulho — resolveu, apanhando a bolsa e
deixando o quarto.
Louise juntou-se a Amanda à beira da piscina.
— Isto é o que chamo de uma boa vida! — exclamou, animada,
estirando-se na espreguiçadeira. — Já entrou na piscina?
— Sim, a água está ótima!
— Tenho de admitir que não sou uma boa nadadora. Gosto de entrar
na água só para me refrescar um pouco, mas Brad nunca entendeu isso!
— Onde está ele?
— Jogando tênis com Stephen.
— Ainda bem que Stephen arrumou um adversário melhor do que eu!
— Olhe, Amanda, estou feliz por termos encontrado vocês aqui. Os
dois podem fazer o que bem entenderem juntos, e nos deixar em paz por
algum tempo! A propósito, eles avisaram que após o jogo nos levariam para
um banho de mar.
Mais tarde, enquanto Amanda se preparava para o jantar, os
acontecimentos do dia voltaram-lhe à mente. Stephen continuava tratando-a
com a mesma gentileza, e ela também procurou agir com naturalidade.
Brad e Louise tiveram um pequeno desentendimento na praia: Louise
não queria entrar na água e Brad insistia com ela para que entrasse. No final,
a discussão entre os dois chegou a ser cômica.
Emburrado, Brad entrou na água e nadou até uma pequena ilha. Ao
voltar, não dirigiu a palavra a Louise.
Amanda e Stephen, ao invés, se entendiam perfeitamente,
aproveitando ao máximo o passeio à praia.
Agora, enquanto ajeitava o vestido vermelho diante do espelho,
Amanda voltou a pensar em Stephen. Haviam passado o dia juntos, dentro
de poucos instantes iriam jantar… Não seria mais sensato acabar com essa
convivência?
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Ao ouvi-lo bater à porta, procurou ficar calma e parecer natural.
Por um momento permaneceram em silêncio, avaliando-se
mutuamente. Faziam um belo par, ela com o elegante vestido vermelho, ele
de calça de linho bege de pregas e uma fina camisa branca.
— Você já está pronta?
— Sim… estou — respondeu, quase inventando uma desculpa para
não sair do quarto. — Vou apanhar a bolsa…
Conservaram-se calados durante todo o percurso até o restaurante
Dolphin, assim chamado por causa dos golfinhos que se encontravam numa
enorme piscina, ao lado da construção elegante.
Após a refeição deliciosa, que incluíra uma enorme variedade de
frutos do mar, começaram a trocar opiniões sobre a ilha, enquanto tomavam
café.
Amanda conversou bastante, esforçando-se por se mostrar animada.
No entanto, as preocupações não a abandonavam, e já começava a sentir uma
leve dor de cabeça. Ficou aliviada quando Brad e Louise disseram que
pretendiam dormir cedo.
— Depois de uma noite agitada e três sets de tênis com meu parceiro
Stephen, não vejo a hora de ir para a cama!
— Não acredito, Brad! — Louise brincou, fazendo uma cara de
espanto.
— Bom, não disse que eu ia dormir… — o marido a preveniu,
piscando, malicioso.
— Ei, os cavalheiros devem esperar até serem convidados!
— Posso fazê-la se arrepender do que disse. Eu sei exatamente como…
— Brad! — Louise enrubesceu, dando um sorriso afetuoso.
Amanda se encantava com o casal. Eram sempre espontâneos e
pareciam se dar muito bem, apesar das pequenas rusgas.
— Também vai dormir, Amanda? — Stephen indagou, com certa
ansiedade.
— Não, eu… eu creio que não. Vou andar um pouco pela praia. Boa
noite para todos! — Ela se despediu e levantou.
A praia estava deserta e as águas refletiam o luar de uma noite
estrelada. Amanda tirou as sandálias e dirigiu-se para a beira do mar,
molhando os pés e tentando deixar de lado todas as preocupações.
Começou a caminhar em direção aos rochedos, recebendo na face a
brisa leve e refrescante.
Os edifícios daquela parte da praia ainda não tinham sido terminados,
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e apenas o marulho das ondas quebrava o silêncio. Num certo momento, ao
chegar perto de umas árvores, ela resolveu sentar. Encostada num tronco,
pôs-se a observar as estrelas. Sentia-se triste, solitária, com uma imensa
vontade de chorar.
Estava tão absorvida em seus pensamentos, que não percebeu a
aproximação de Stephen. Quando o viu, não era mais possível esconder as
lágrimas.
— Eu estava… — começou a falar, enxugando o rosto com as mãos.
— Amanda…. Por que está fugindo de mim?
Ele se aproximou, fazendo com que ela recuasse um pouco.
— Por que você me seguiu até aqui?
— Não mude de assunto. Responda a minha pergunta.
— Eu não sei do que está falando…
— Estou falando disso… — Enterrou os dedos nos cabelos castanhos e
puxou-lhe a cabeça gentilmente, até que seus rostos ficassem muito próximos.
Amanda deixou cair os sapatos que trazia nas mãos, hipnotizada pelo
olhar intenso de Stephen.
— Também estou falando disso… — E ele continuou a acariciá-la,
enlaçando-a pela cintura.
— Pare! — ela reagiu, porém Stephen não lhe deu ouvidos; curvou-se
para beijar-lhe a face. — Eu não posso, Stephen!
— Dê-me um bom motivo.
— Não está certo!
— Por quê? Nada pode nos impedir de continuarmos.
— Não podemos…
— Se nós dois sentimos o mesmo um pelo outro, não há por que se
sentir culpada.
— Eu…
— Não fale…
Amanda deu um longo suspiro, num dilema entre o desejo e a culpa.
— Beije-me, Amanda!
— Não posso beijar você…
— Pode, sim.
— Stephen!
Apesar dos protestos, os lábios de Stephen cobriram os seus num beijo
longo, que aos poucos foi lhe minando as defesas, abrindo brechas para a
paixão.
A razão dizia-lhe para resistir e afastá-lo, mas a emoção a traía,
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levando-a a corresponder àquele contato ardente.
— Venha… — ele a encorajou, os lábios roçando provocantemente as
faces coradas.
Amanda continuava de olhos fechados, sem conseguir resolver seu
dilema íntimo.
— Amanda! Não podemos permanecer aqui a noite toda — brincou
Stephen, ao perceber que ela estava atordoada. — Seus sapatos… —
sussurrou e abaixou-se para apanhá-los.
— Minha bolsa…
— Deixe que eu levo. Vamos… — Ajudou-a a levantar-se e, abraçados,
seguiram calados até o hotel.
Ao chegarem em frente do quarto dela, Stephen novamente pegou a
chave para lhe abrir a porta.
— Você sempre faz isso… — Amanda sorriu, um pouco confusa. —
Stephen…
Ele encarou-a por um momento, e daí abriu a porta.
— Boa noite, Amanda.
— Não… Entre…
— Se eu entrar, você sabe o que vai acontecer…
— Sei — ela afirmou, embora estivesse completamente insegura.
Stephen acendeu a luz, porém não tomou nenhuma iniciativa de se
aproximar dela. Tímida, sem saber como agir, ela ofereceu:
— Você… você quer beber alguma coisa?
— Só se me acompanhar.
— Não…
— Então, que tal começarmos de onde havíamos parado? — ele
sugeriu, tomando-a nos braços com delicadeza. — Ou, quem sabe, podemos
começar tudo de novo… — acrescentou, beijando-lhe o rosto e afagando-lhe
o cabelo.
— Stephen, beije-me.
Em vez de atender ao pedido, ele continuou a observá-la.
Pouco depois, disse:
— Vou embora.
— Não… — ela pediu, acariciando-lhe o peito por baixo da camisa. —
Eu já estou bem; acredito que estava sendo tola.
— Você precisa pensar bem, Amanda, para não se arrepender depois.
— Stephen, se você for embora agora, eu vou me sentir muito mal.
Não sei o que está acontecendo comigo, mas quero ficar com você.
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— Oh, Amanda!… — ele murmurou, apertando-a nos braços. Daí,
levou-a para a cama e beijou-a com volúpia, sentindo a doçura dos lábios, o
calor da língua que procurava pela sua com a mesma avidez.
Apenas a luz do abajur permaneceu acesa, enquanto eles se desfaziam
das roupas e voltavam para os braços um do outro, entregando-se ao jogo da
paixão. Derrubadas as barreiras que ela havia erigido para negar-se aquele
prazer, Amanda o beijava e acariciava, gemia e murmurava palavras doces,
sem censurar seus sentimentos.
— Você é linda, sabia? — ele disse, ofegante, beijando-lhe o pescoço e
fazendo-a deitar sobre si.
— E você não fez a barba hoje… — ela brincou, a pele áspera roçando
a sua e provocando-lhe arrepios de prazer.
Ante o comentário, Stephen passou a provocá-la, fazendo-a rir,
excitando-a mais e mais.
A noite avançava… Num ritmo alucinante, eles mergulharam no mar
de desejos e prazeres. Quando atingiram a satisfação plena, continuaram nos
braços um do outro, os corpos relaxados, a mente tranqüila, até
adormecerem.

CAPÍTULO VI

Ao ouvir alguém pronunciando-lhe o nome, Amanda despertou de


um sono profundo.
— Sim, Rod… — murmurou, abrindo os olhos e reconhecendo a
fisionomia de Stephen.
Olharam-se em silêncio, constrangidos.
— Sinto muito… — ela se desculpou.
— Esqueça. Você está bem?
— Sim. Que horas são? — indagou, olhando ao redor. — Você já está
vestido.
— São quinze para as nove, e a única razão pela qual já me arrumei é
porque o arquiteto e o engenheiro chegarão daqui a meia hora. Aluguei um
barco para inspecionarmos a ilha.
— Nossa, eu tinha esquecido! Vou me aprontar.
— Não precisa vir comigo. — Ele acalmou-a, segurando-lhe a mão. —
Ainda temos três dias para estudarmos o lugar. Hoje pode ficar aqui e

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descansar.
— Você não se importa?
— Claro que não. Só quero que descanse.
— Estou bem… Só um pouco cansada… — Sorriu, embaraçada.
— Não pense que me agrada ter de partir. Na realidade, gostaria de
ficar aqui e passar o dia inteiro com você… — Stephen inclinou-se para tocar-
lhe o bico dos seios com os lábios, provocando-lhe um arrepio. — Não sei por
que se preocupa tanto com eles… São tão bonitos.
— As mulheres, às vezes, têm preocupações estranhas — Amanda
brincou, afagando-lhe o cabelo.
— Bem, eu preciso ir agora. — Ele se levantou, despedindo-se com um
beijo. — Não posso deixar os rapazes esperando, certo? Não sei a que horas
volto, mas você não vai embora, vai?
— É claro que não. Por que pergunta?
Stephen ficou sério, como se um pensamento sombrio o preocupasse.
Então, deu de ombros e falou:
— Por nada… A propósito, eles servem o café da manhã até as dez.
Vejo você mais tarde.
Amanda ouviu a porta fechar suavemente e continuou na cama,
observando os raios de sol iluminando o quarto. Espreguiçando-se, levantou-
se depois de uns quinze minutos. Uma ducha quente acabou de vez com a
sonolência, e, disposta, ela desceu e dirigiu-se ao salão. Procurou por Brad e
Louise, lembrando-se em seguida de que tinham planejado visitar os recifes.
Então, pediu suco de laranja, chá e torradas, e acomodou-se numa mesa
pequena.
Àquela hora da manhã, a maré ainda estava alta, e a maioria dos
hóspedes se encontrava na piscina. Por isso, ela foi até a praia e instalou-se
confortavelmente debaixo do guarda-sol, juntamente com o material de
pintura.
O céu estava claro e a luz do sol faiscava nas águas límpidas do
oceano. Ao longe, as pequenas ilhas se destacavam como diminutos pontos
escuros num manto azul.
Amanda apanhou o lápis e fez os primeiros traços. Em pouco tempo,
podia-se distinguir no cavalete de pintura a praia das Pérolas com suas
palmeiras imponentes.
Quando ela consultou o relógio, já era quase meio-dia. Não reparara
como o tempo tinha passado depressa. Olhou para a tela e continuou
desenhando. Logo a silhueta de um homem surgiu na paisagem: Stephen.
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Amanda só parou de desenhar quando o esboço estava pronto.
Satisfeita, ela apreciou o resultado do trabalho, e então guardou o material
para dar um mergulho.
Revigorada, foi até o bar da praia para comer um sanduíche e tomar
um suco de abacaxi. Ali, à sombra, saboreou seu lanche e divertiu-se
conversando com vários turistas que lotavam o lugar.
Ao vê-la fascinada a observar uma asa delta descrevendo um vôo
sobre o oceano, Marilyn, uma jovem veterinária que estava na ilha em lua-de-
mel, indagou:
— Você sabe voar?
— Eu?! — Amanda riu. — tenho medo até de viajar de avião. Ah, bem
que gostaria!
— Se esse esporte a empolga tanto, creio que deveria tentar. Nunca
vou me esquecer do curso de anatomia, na faculdade, quando o professor, na
primeira aula de dissecação de cadáveres, falou: “Tudo é uma questão de
hábito, meninada”. Ele era terrível. Morreu de rir quando alguns de meus
colegas tiveram de ir correndo para o banheiro. O danado, porém, tinha
razão. No final, essas aulas acabaram virando rotina.
Era uma conversa despretensiosa, mas Amanda se pôs a refletir sobre
as mudanças em sua vida. Sentia-se muito feliz… e também assustada. Não
havia planejado envolver-se com ninguém, depois da morte de Roderick. Não
que pretendesse levar uma vida solitária, porém, pensava em dar-se um
tempo maior para se recompor do choque da separação inesperada. Ainda se
julgava imatura para um novo relacionamento, ainda mais quando se
apaixonava por Stephen Chandler, o homem que havia poucas semanas era
seu grande inimigo.
— O que houve? — Marilyn perguntou, vendo-a pensativa, o olhar
distante.
— Desculpe-me. É que lembrei que preciso voltar ao hotel —
justificou-se, aproveitando o momento para juntar suas coisas.
Estava ansiosa com a demora de Stephen, e por isso nem parou para
conversar com Brad e Louise, que, à beira da piscina, dialogavam com um
grupo de amigos.
Chegou ao corredor tão distraída, que não percebeu que Stephen
vinha a seu encontro.
— Vai a algum lugar? — ele perguntou, pondo-se à frente de Amanda,
num movimento rápido.
— Stephen! Você me assustou!
51
— Eu só quis brincar, você parecia tão preocupada… — declarou ele,
abraçando-a.
— Aí, como o susto não me matou do coração, você notou que estava
enganado, certo? — ela falou, sorrindo, para disfarçar a forte emoção que a
tomava de assalto. Amanda gostaria de beijá-lo, de dizer-lhe que havia
sentido saudade, porém só conseguiu perguntar: — Como foi seu dia?
— Ótimo! Mas, antes de lhe contar tudo, que tal me oferecer uma
cerveja? Estou morrendo de sede…
— É claro.
Já em seu quarto, ela serviu-lhe uma lata de cerveja e abriu uma
garrafa de água mineral.
— Quer um copo?
— Não. A cerveja está deliciosa. E você, como passou o dia?
— Muito bem… Não fiz outra coisa o dia inteiro senão nadar. Aliás,
vou tirar o maiô e pôr algo mais confortável.
Amanda entrou no banheiro e encostou a porta. Mal acabara de tirar a
camiseta, viu Stephen entrar.
— Por que se esconder de mim, querida? — ele perguntou,
examinando-a de alto a baixo.
— Bem, eu… eu não estava tentando me esconder… — ela desviou o
olhar, embaraçada.
— Ainda bem. Posso ajudá-la?
Imediatamente após a pergunta, Stephen começou a tirar-lhe o maiô
devagar, fitando-se com intensidade. Quando a peça de roupa foi ao chão, ele
deixou as mãos deslizarem de forma suave pelo corpo de Amanda, que não
esperou mais para beijá-lo.
— Venha… — ele murmurou pouco depois, guiando-a até a cama.
E logo entregavam-se à paixão, conscientes apenas das deliciosas
reações de seus corpos, das carícias ardentes que os conduziram ao êxtase.
O sol desapareceu no horizonte e a noite caiu mansamente sobre a
ilha. Amanda e Stephen ficaram um longo tempo nos braços um do outro,
desfrutando a quietude e a paz que os invadiu depois que saciaram o desejo.
— Estive pensando em nós dois o dia inteiro — Stephen declarou,
afagando-lhe os cabelos.
— Eu também…
— O que quer fazer hoje à noite?
— Nada… Bem, quero dizer…
— Eu entendi. Prefere um programa bem calmo, apenas para nós dois.
52
— Sim.
— Então, tenho uma sugestão. Há um clube noturno em Hamilton,
que está chamando a atenção da maioria dos turistas. Assim, o Mariners' é
uma boa opção para um jantar tranqüilo à luz de velas. O que acha?
— Perfeito… e quanto ao arquiteto e ao engenheiro?
— Eles já se foram. Agora estamos sozinhos, para fazer o que
desejarmos. — Stephen beijou-a antes de se levantar para apanhar outra
cerveja. — Você quer mais alguma coisa?
— Não, obrigada.
Depois de enrolar uma toalha na cintura, Stephen foi até a varanda.
Quando voltou para junto de Amanda, entregou-lhe o roupão que estava ao
pé da cama.
— Venha dar uma olhada nisso.
Chegando à porta envidraçada, Stephen apontou para uma extensa
mancha escura no céu. Amanda observou aquela paisagem estranha,
intrigada.
— O que é aquilo?
— Um bando de cacatuas, milhares delas… Nunca vi tantas assim
reunidas.
Acompanharam os grandes papagaios que cruzavam o céu,
lentamente. Aí, a noite se tornou mais escura e foi impossível continuar a
observá-los.
— É lindo… — afirmou ela, admirada.
— Mesmo que estivessem voando longe, dava para notar que eram
enormes, não? Vamos voltar para a cama?
— Vamos.
— Sobre o que estávamos falando, Amanda? — indagou, recostando-
se no travesseiro. Ela ainda vestia o roupão e sentara-se a seu lado.
— Sobre a ilha… o arquiteto e o engenheiro…
— Ah, sim! Bem, o arquiteto voltou a Brisbane para desenhar alguns
esboços, e o engenheiro está organizando uma excursão técnica que vai durar
alguns meses. Até eles voltarem para cá, não podemos começar a trabalhar
em Whitsundays.
— Você já teve alguma idéia? — Amanda quis saber.
— Ainda não. — Ele permaneceu em silêncio, pensativo, e então fitou-
a com um sorriso nos lábios. — Para falar a verdade, passei o dia todo
distraído… — confessou, fazendo-a enrubescer. — Por que você ficou
vermelha?
53
— Não sei.
— Lógico que sabe. Por que vive reprimindo suas emoções?
— Acredito que por costume. Além disso, tenho medo de me expor
demais…
— Mesmo comigo? Acho perfeitamente natural pensarmos um no
outro o dia inteiro.
Claro, não havia nada de errado nisso, porém ela sempre tivera
dificuldade em falar de si mesma, em mostrar suas emoções. Vendo-lhe o
constrangimento, Stephen tratou de mudar de assunto.
— Está tudo bem — procurou acalmá-la, afagando-lhe o cabelo. —
Deixe-me falar sobre Whitsundays… É um pouco menor do que
imaginávamos, mas não tão pequena quanto Daydream…
Amanda ouvia atentamente a descrição da ilha, tentando visualizar as
praias isoladas e baías, as florestas e colinas íngremes, de onde se podia ter
um panorama da beleza e do encantamento de Whitsundays.
— Deve ser incrível! — Amanda exclamou, encantada com o relato de
Stephen. — Parece um lugar especial demais para ser partilhado com outras
pessoas. Seria ótimo se…
— Se pudéssemos ficar lá só nós dois? Sabe que pensei exatamente a
mesma coisa?
— Seria muito egoísmo de nossa parte, não? — ela replicou, sorrindo.
— Não seria justo privar os outros desse paraíso, é evidente, porém
vontade não falta.
— Estava pensando naquele passeio de helicóptero… O que faz de
Whitsundays um lugar especial é ainda existirem algumas ilhas virgens ou
desabitadas. Seria uma pena se todas as ilhas fossem ocupadas.
— Você parece ter as mesmas preocupações que tive um dia, Amanda.
— O que quer dizer com isso, Stephen?
— Quando estava na faculdade, eu era um ecologista.
— Você? Não acredito!
— O que há de estranho em alguém ser ecologista? — ele perguntou,
intrigado.
— Nada. Contudo, quando esse alguém é você…
— Não acredita em mim?
— Bem, para ser sincera, jamais o imaginei preocupado com a
preservação da natureza. Penso que só conheci o homem de negócios que há
em você… — Ela fez uma pausa ante a expressão maliciosa no rosto moreno.
— Quero dizer que… bem, ainda falta muito para nos conhecermos melhor.
54
— Por acaso julga que fomos precipitados?
— Não sei… De qualquer forma, não é possível voltar atrás.
Ele a olhou preocupado.
— Você fala como se tivesse cometido um erro. Seria bom que
conversássemos a respeito, não?
— Por favor, Stephen… não agora.
Ele mergulhou os dedos no cabelo de Amanda e observou-a
detidamente. Se forçasse uma situação, acabaria estragando o clima de
entendimento. Por essa razão, sugeriu:
— Que tal nos vestirmos para passar a noite no Mariners'? Vamos
jantar, dançar, e se quiser conversar para que nos conheçamos melhor, ótimo!
A sensibilidade de Stephen a tocou. Só o fato de ele não a pressionar já
lhe transmitia mais segurança.
Amanda levantou-se e foi tomar uma ducha fria para se refrescar.
Depois de passar uma suave loção após o banho, escolheu um conjunto de
saia-calça e miniblusa, uma roupa bem esportiva e adequada ao ambiente
descontraído do Mariners'.
Quando ela e Stephen chegaram ao restaurante, não havia muita
gente, e puderam escolher uma mesa afastada da pista de dança. Mas, ao
terminarem de comer, não resistiram à vontade de se juntarem aos muitos
casais que, àquela hora, já lotavam o salão e se deliciavam, movendo-se
lentamente ao ritmo suave de músicas românticas.
Amanda enlaçou Stephen e deixou-se conduzir para o meio do salão.
Surpreendeu-se com a própria desenvoltura, acompanhando com facilidade
os passos precisos de Stephen, que se revelava um hábil e estimulante
parceiro.
— Com você, acho que poderia dançar a noite inteira — ela elogiou,
fitando-o nos olhos.
— Não olhe para mim desse jeito, mocinha, a não ser que queira ser
beijada em público — Stephen brincou, atraindo-a para mais perto de si.
— Então eu vou olhar para o loiro charmoso, que está dançando com
aquela moça de vermelho — ela o provocou, e a reação de Stephen foi
imediata.
— Isso vai ensiná-la a comportar-se…
Ele se inclinou e não lhe deu chance de escapar de um beijo. O prazer
da carícia superou qualquer vestígio de pudor, fazendo-a corresponder ao
toque suave.
— Quer tomar alguma coisa? Um drinque? — Stephen ofereceu, ao
55
final da última música.
— Vou querer uma xícara de café. Você me dá licença por um
instante?
— Esteja à vontade. Há uma máquina de café expresso logo ali.
Enquanto esperava pelo café no saguão do Mariners', Amanda foi
abordada por uma senhora simpática, que a cumprimentou:
— Sra. Ballantyne! Enfim encontrei-a. Pensei que já tivesse ido embora.
Creio que não se recorda de mim, mas eu a conheci há alguns anos. Meu
marido, Bill, trabalhava com seu marido.
Amanda olhou-a com atenção, forçando a memória. Pouco a pouco o
rosto foi se tornando familiar.
— É claro, sra…
— Bingle. Bill e Dolly Bingle. Eu a reconheci logo que cheguei, e disse
a Bill: “Veja, lá está a sra. Ballantyne!”
Amanda tentou esboçar um sorriso.
— Desculpe, porém não os vi entrando…
— Você estava dançando, querida — Doll Bingle afirmou. —
Acabamos de chegar à ilha e estamos numa das mesas afastadas.
— Ah, então ainda não tiveram tempo de conhecer este paraíso! —
Amanda exclamou, gentilmente.
— De fato… É que o vôo de Brisbane para cá atrasou. Por isso, ainda
não tivemos ocasião de andar por aí. Como já estava escuro, resolvemos vir
jantar.
— Tenho certeza de que vão gostar daqui. Eu, pelo menos, estou
adorando.
— Que bom! Sabe, querida, fiquei muito chocada quando soube da
morte de Rod. Vocês dois eram tão felizes! Mas acho que você tem todo o
direito de começar uma vida nova. Afinal, ninguém vive eternamente de
recordações, não é? E, se alguém lhe disser o contrário, não dê muita
importância. Sei que você e Rod se amavam muito, e por isso falei a Bill
que…
Dolly parou de falar e mordeu o lábio, percebendo que fora indiscreta.
Tentou remediar a situação, abraçando-a carinhosamente e recomendando:
— Bem, não deixe seu companheiro esperando por mais tempo. Vou
tomar um pouco de ar fresco. Vejo-a na praia amanhã. Até logo!
Amanda deixou o saguão, atordoada. O encontro com aquela mulher,
que mal conhecera, tivera o poder de trazer o passado de volta à sua mente,
com toda intensidade. Roderick… como pudera esquecer-se dele?
56
Tomada por um forte sentimento de culpa, Amanda olhou a sua volta,
procurando por Stephen. A primeira pessoa que viu foi Bill Bingle, que a
observava com curiosidade.
Lembrou-se da primeira vez que vira esse homem magro, baixo e,
segundo Roderick, bastante orgulhoso.
Amanda sorriu e acenou em sua direção, e, pelo modo que Bill
retribuiu o cumprimento, descobriu o que Dolly não tivera coragem de dizer.
Bill Bingle apenas lançou-lhe um sorriso discreto e virou-se.
Provavelmente, falariam sobre ela. Viram-na dançando com Stephen, e
naquele momento Bill estaria cochichando para a mulher: Eu não lhe disse?
Ela se casou com Roderick Ballantyne só por dinheiro. Afinal, não faz um ano
que ele morreu, e olhe para ela!
— Amanda! — Era Stephen, que viera a seu encontro. — Aconteceu
alguma coisa?
— Não… — ela mentiu, fazendo o possível para parecer natural e
sorrir. — Esperava pelo café…
Por um momento, Stephen fitou-a em silêncio, enquanto tomava a
bebida. Depois, segurando-a pela mão, conduziu-a de volta à mesa.
Um pouco de orgulho ou auto-estima ajudou Amanda a manter-se
calma. Podia estar imaginando coisas, tentou convencer-se. Talvez Bill Bingle
não suspeitasse de seu romance com Stephen.
— Vamos embora? — ele sugeriu.
— Vamos.
— Quer tomar um táxi?
— Não, prefiro caminhar um pouco. O ar puro me fará bem.
Se Amanda soubesse o que estaria esperando por eles do lado de fora
do Mariners', teria preferido pegar um táxi.
Assim que atravessaram a rua, uma figura alta e familiar destacou-se
das sombras. Era Lance Kidder.
— Já tinha perdido a esperança de encontrá-los hoje à noite… Stephen,
Amanda, como vão?
— O que está fazendo aqui, Lance? — Stephen indagou, visivelmente
surpreso, e Amanda percebeu o quanto a presença de Lance o irritava. Ela
mesma estava apreensiva. Lance Kidder sorriu, irônico.
— O que há de estranho em minha presença aqui? — perguntou com
um certo ar de triunfo, como se os tivesse surpreendido numa falta.
— Nada. Só perguntei o que o trouxe a Hamilton, sem ao menos
avisar? — Stephen revidou, impaciente.
57
— Nada de muito importante… Apenas resolvi examinar a ilha com
meus próprios olhos, já que este é um empreendimento de vulto para a
Ballantyne. Tenho certeza de que é uma ótima forma de unir o útil ao
agradável… — Sem esconder a malícia, estudava cada gesto de Amanda,
provocando-lhe um forte constrangimento.
Antes que Stephen pudesse retomar a palavra, ele continuou:
— Tenho más notícias para você, meu caro Stephen!
— O que foi? — Stephen franziu a testa.
— É sobre Whitsundays. Parece que tinha razão para ficar
preocupado. Houve algumas alterações significativas no mercado nos
últimos dias, e achei que gostaria de saber. Planejei vir mais cedo, porém o
vôo sofreu um pequeno atraso, e quando cheguei ao hotel não consegui
encontrá-los. Mas estava certo de que eu os localizaria esta noite.
“Por quê?”, Amanda perguntava s si mesma, perturbada. Lance queria
apanhá-los de surpresa, numa situação comprometedora. Pelo tom irônico da
voz, parecia estar certo de que conseguira. Por quê? Era difícil entender o que
se passava. Para a diretoria estava claro que ela e Stephen se odiavam, e
Lance não poderia imaginar que as coisas haviam mudado tão depressa, por
mais esperto que fosse.
A voz seca e áspera de Stephen soou, interrompendo-lhe os
pensamentos.
— Onde está hospedado, Lance?
— No mesmo prédio em que você e Amanda estão.
— Se não se importa, gostaria de continuar a discussão a respeito dos
negócios lá.
Caminharam em silêncio até o hotel. O único que parecia à vontade
era Kidder. Ele assumia uma posição de poder, enquanto Stephen se
mostrava muito preocupado. Amanda, por sua vez, estava completamente
confusa.
Ao chegarem à porta do quarto dela, Stephen declarou:
— Você faz parte da diretoria, Amanda. Gostaria de participar da
reunião?
— Eu… eu preciso descansar um pouco, Stephen. Além do mais, não
entendo muito de negócios. Prefiro que me coloque a par da situação
amanhã.
— Está bem — concordou ele, inclinando-se para beijá-la no rosto. —
Durma em paz.
Amanda deu um longo suspiro ao captar o olhar triunfante de Lance
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Kidder, antes de se juntar novamente a Stephen.
Após trancar a porta do quarto, ela se atirou na cama e mergulhou em
reflexões; o encontro inesperado com Lance, o mal-entendido com Bill e Dolly
Bingle… Não, não conseguiria mais suportar os olhares de desconfiança, o
sentimento de culpa e a lembrança de Roderick ao mesmo tempo… Cada
momento ao lado de Stephen parecia aumentar-lhe o sofrimento, e não existia
outra saída…
Escondeu o rosto nas mãos e, ao levantar, os olhos estavam marejados
de lágrimas. Após um instante de hesitação, apanhou o telefone e ligou para
a recepção. Recebendo resposta afirmativa do funcionário, apanhou uma
folha de papel e deixou um recado para Stephen. Aí, começou a fazer as
malas.

CAPÍTULO VII

Na tarde do dia seguinte, Amanda abria a porta de sua suíte, na praia


do Pôr-do-sol. Estava um pouco cansada, embora se sentisse aliviada por ter
fugido dos problemas.
Voltou para o interior do quarto e olhou em redor. Apesar dos
problemas, estar em casa cercada de objetos familiares lhe transmitia
segurança.
Deixou a mala no hall e atravessou a sala, sentando-se na cadeira
preferida de Roderick. Encostou a cabeça no espaldar e, de olhos fechados,
começou a relembrar os últimos acontecimentos.
A ilha Hamilton nunca estivera tão bonita como naquela manhã,
quando partira. Ao ligar para a recepção na noite anterior, a funcionária fora
bastante prestativa e gentil.
Amanda explicara-lhe que, por motivos pessoais, teria de voltar a
Brisbane o mais rápido possível. Não havia um vôo direto para Brisbane no
dia seguinte, porém um barco a levaria até Proserpine, de onde poderia
tomar o avião.
Acordara às cinco e meia da manhã, e já estava pronta, quando um
carro veio apanhá-la. Antes de partir, pediu ao motorista que entregasse um
bilhete para Stephen Chandler.
Viu a ilha se afastando com um aperto no coração. Deixava um lugar

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paradisíaco e, de maneira covarde, nem sequer comunicara a decisão a
Stephen pessoalmente.
O resto do percurso fora completado de ônibus, avião e táxi. Pelo
menos, tivera tempo suficiente para refletir sobre o que acontecera. E agora
tinha de se preparar para um confronto com Stephen.
E, três dias depois, ele apareceu.
Durante esse pouco tempo, Amanda havia se convencido de que
Stephen não viria a seu encontro, pois nunca lhe perdoaria a partida daquela
forma intempestiva. Na certa, também ficara furioso com seu bilhete, que
começava com as seguintes palavras: “Perdoe-me, mas creio que nunca vou
conseguir esquecer Roderick”.
Embora estivesse certa de ter tomado a melhor decisão, ficou nervosa
ao ouvir a campainha tocar naquela tarde ensolarada. Como recebia poucas
visitas, concluiu que só poderia ser Stephen, e a idéia de enfrentá-lo a
assustava.
— Olá, Stephen! — cumprimentou-o, procurando parecer o mais
natural possível.
Ele a mediu da cabeça aos pés, e deteve-se no rosto como se quisesse
adivinhar-lhe os sentimentos. Os dele eram evidentes: mágoa, raiva,
desapontamento…
Ela abaixou a cabeça, envergonhada. Sentia-se culpada por rejeitá-lo,
culpada por desejá-lo… Naquele estado de espírito, como conseguiria
explicar a ele os motivos de sua atitude?
— Entre! Quer beber alguma coisa?
Ele a seguiu pelo hall e quebrou o silêncio com frieza:
— Sim, obrigado.
Amanda preparou um uísque com gelo para ambos. Após um
momento de hesitação, entregou-lhe a bebida. Ele, porém, não fez nenhum
movimento para apanhá-la, apenas ficou observando-a com as mãos nos
bolsos e um sorriso enigmático.
Amanda fez um gesto para colocar o copo na mesinha; contudo, ao
inclinar-se, ele a segurou pelo pulso.
— Querida Amanda, existem certas coisas irreversíveis. Você pode
fugir, inventar desculpas, mas há algo que não pode negar. Isto…
Stephen puxou-a para si e beijou-a longa e apaixonadamente.
Amanda usou de todas as forças para resistir, porém em vão. Ele
dominou-a com facilidade, enquanto lágrimas lhe escorriam pelo rosto. No
fundo, ela sabia que não estava lutando contra Stephen, e sim contra si
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mesma.
Stephen interrompeu o beijo para lhe acariciar as faces e enxugar as
lágrimas. Voltou a beijá-la, e dessa vez ela correspondeu à intensidade.
— Viu o que quero dizer? — indagou Stephen, apertando-a nos
braços.
Ela o encarou, a emoção impedindo-a de falar.
— Amanda?
— Isso não muda nada entre nós, Stephen — ela conseguiu dizer.
— Como não? — o brilho dos olhos dele era tão intenso quanto a força
daquelas palavras. — Nós nos tornamos amantes porque desejávamos, por
que nos amamos. Não é verdade, Amanda?
— Sim, mas…
— Você, tanto quanto eu, queria que nossa relação chegasse ao ponto
em que chegou, não queria?
— Tudo bem! — Ela conseguiu se libertar e virou de costas. — Sim,
queria. No entanto, tal não significa que eu entenda o que esteja acontecendo.
Sinto que as pessoas censuram meu comportamento, como se estivesse
agindo de forma leviana. Talvez eles esteja certos… Lance Kidder, os
Bingle…
— Quem são os Bingle?
— Não importa agora.
— Importa, sim. Conte-me.
Ela narrou seu encontro com os Bingle naquela noite no Mariner's, as
palavras de Dolly e os olhares insinuantes de Bill.
— Eu sabia que havia acontecido algo — afirmou ele, franzindo a
testa. — Por que não me contou?
— Por quê? Não sei. Talvez não fosse tão importante.
— Bem, se não foi importante, o que a deixou abalada?
— Não foi o que Bill e Dolly Bingle falaram, porém a presença deles,
naquele momento, me perturbou. Eles me fizeram parar e pensar…
— Parece que todo mundo consegue fazê-la pensar, Amanda, menos
eu.
— Stephen, olhe, deixe-me terminar o que estava dizendo.
— Sobre o que as pessoas pensam de você?
Apesar de Stephen se mostrar cada vez mais tenso, ela prosseguiu:
— Sim. Às vezes me pergunto se tudo não passa de uma vingança de
sua parte.
— Em conclusão, é isso que a está preocupando?
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— Não é só isso. Este não foi o único pensamento desagradável com
que fui obrigada a conviver… Na realidade, em minha vida já passei por
momentos piores.
— O que mais a incomoda, então?
Ela deu um longo suspiro, antes de continuar:
— O modo por que Lance Kidder olha para mim, e ele não é o único.
Durante todos esses anos, tantos comentários maliciosos e olhares
insinuantes… Cheguei até a pôr em questão meu casamento, o que é ridículo,
pois eu amava Rod… Daria tudo para tê-lo de volta, aqui… — confessou,
cobrindo o rosto com as mãos.
— Venha… — Stephen segurou-a pela mão e levou-a até o sofá. —
Sente-se aqui e beba isso. — Observou-a tomar o uísque, e, só quando ela
depôs o copo vazio na mesinha, tentou retomar a conversa: — Vamos falar do
nosso relacionamento sexual.
— Como assim? — Amanda indagou, assustada.
— Suas dúvidas começam a se tornar mais intensas quando pensa em
sexo, não é verdade?
— Como… como sabe? — Amanda abaixou a cabeça, encabulada. —
Não quero falar sobre isso. Menos ainda acerca de minha vida com Rod.
— Por quê Amanda?
— Eu estaria traindo a memória de Rod…
— Querida… se acha que estou interessado na vida íntima de vocês,
está enganada. Só quero saber quanto isso influencia nosso relacionamento.
Penso que é uma das razões de sua confusão e de seu conflito entre viver
solitária e voltar a amar de novo.
— Esqueça, Stephen. Não se trata disso.
— Não queira se enganar, Amanda. O romance que iniciamos há
alguns dias não tem nada que ver com seu casamento. Estamos apaixonados
um pelo outro. Se não acredita em mim, tente encontrar outro homem, e veja
se é a mesma coisa.
— O que está dizendo é horrível, Stephen.
— Horrível por quê?
— É um absurdo!
— Não está convencida ainda? — retrucou, com frieza. Ela
empalideceu, os olhos brilhando de ódio.
— Não!
— Nesse caso, vamos conversar. Aqui, não. Vou levá-la para jantar.
— Não estou com fome.
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— Já que não está com fome, vamos dar uma volta.
— Eu…
— Não precisa trocar de roupa. Você está linda, como sempre…
Amanda estava indecisa. Por um momento, perguntou-se se não
deveria pensar um pouco mais em Stephen. Até agora havia pensado apenas
nos próprios problemas, na culpa que a atormentava. Mas havia se envolvido
com Stephen por vontade própria, e talvez não fosse a única a sofrer com
aquele relacionamento.
— Está bem… — concordou, afinal.
Stephen dirigia calado e apreensivo. Passaram por Brisbane e pela
praia dos Pescadores, contornando a baía de Runaway rumo à ilha das
Gaivotas. Quando chegaram à praia do Paraíso, Stephen deu a volta e parou
o carro no estacionamento de um camping. Dali podia-se ver a praia do Pôr-
do-sol, os edifícios como minúsculos pontos luminosos, àquela hora
cintilando sob a luz do crepúsculo.
O lugar tranqüilo e quase deserto ajudou Amanda a relaxar. Stephen
apoiou os braços no volante e ficou por alguns instantes contemplando a
paisagem. Aí, voltou-se para ela e tocou-lhe de leve o cabelo.
— Mocinha, o que a aflige tanto? Não acha que está dramatizando
demais nosso relacionamento?
Ela hesitou um pouco antes de responder. Contudo, não era justo
continuar guardando os problemas só para si, quando estavam afetando os
dois.
— Para mim foi uma experiência nova — confessou, visivelmente
tensa. — No entanto, é muito difícil explicar sem… sem…
— Sem colocar em jogo seus sentimentos por Roderick? — completou
ele.
— Isso mesmo!
— Não estou pedindo que o esqueça, Amanda!
Ela olhou pela janela e abriu o vidro do carro, para deixar entrar a
brisa fresca.
— Talvez lhe deva contar tudo desde o início, Stephen. Quando
conheci Rod, era muito tímida e quase não me relacionava com estranhos.
Minha mãe vivia conversando comigo, dando-me conselhos, porém não era
uma questão fácil de vencer. — Seus olhares se encontraram, e Amanda
sentiu que Stephen conseguia compreendê-la.
— Continue — incentivou-a.
— Então, eu fui conhecendo Roderick e a cada dia gostando mais dele.
63
Ele me dava segurança e felicidade. E, pela primeira vez na vida, consegui
vencer a timidez, embora ainda levasse anos para superar o problema.
— Você se sentia inibida, ao se relacionar sexualmente com ele?
— Sim — Amanda admitiu, enxugando uma lágrima. — Mas, na
realidade, não havia motivos para me sentir assim. Ele sempre foi amável e
gentil e… bem, pouco a pouco comecei a apreciar cada momento nosso, até
conseguir retribuir e me entregar sem reservas. Nosso casamento tornou-se
muito especial. No entanto, durou tão pouco…
— Você ainda sente falta dele?
— Sinto falta, porém o que estou tentando lhe dizer é que ainda não
me refiz da situação toda. Sempre fui feliz ao lado de Rod. Costumávamos
fazer tudo juntos. Só que ninguém pode viver livre de intrigas em meio a
mexericos constantes. Sempre tinha alguém disposto a envenenar nossas
vidas. Nos olhares, nos comentários, era constante uma certa crítica ou
censura, quer por causa da diferença de idade, quer em razão do desnível
social. Alguns homens, como Lance Kidder, por exemplo, me tratavam como
uma mulher vulgar, que eles tinham o direito de abordar sem o menor
respeito. Não que Lance tenha feito tal coisa abertamente.
— Sinto muito… — Stephen desculpou-se, abaixando a cabeça. —
Eu…
— Com você era diferente… — ela atalhou. — Permanentemente
deixou claro sua hostilidade, e nunca demonstrou interesse algum por mim.
— Embora ele fizesse menção de interromper, Amanda prosseguiu: — Se
você quer saber, sempre o respeitei por isso. Acho que é mais fácil respeitar
um… um inimigo franco e declarado do que um amigo falso.
— E daí? Qual é o problema que a levou a se afastar de mim?
— Como disse, você era um inimigo, Stephen. Alguém que não
acreditava que eu era uma esposa feliz e satisfeita.
— Amanda, quero saber por que fugiu de mim em Hamilton.
Ela baixou os olhos e suspirou. Era tão difícil expor sentimentos, que
nem ela mesma conseguia entender direito.
— Se eu disser que o prazer que senti ao fazer sexo com você me
deixou com remorsos, seria capaz de entender? Não sei explicar, Stephen,
porém sinto que estou sendo infiel com Rod.
— Mas Roderick está morto, Amanda! — ele tentou chamá-la à razão.
Ela, contudo, estava fora de si.
— E se ele estivesse vivo? — replicou, chorando. — Se descobrisse que
existia outro homem que poderia me proporcionar mais prazer,
64
especialmente um amigo dele? Oh, Deus! Stephen, gostaria que nada tivesse
acontecido entre nós. Roderick e eu éramos muito felizes…
— Isso lá é verdade — Stephen concordou, quase rude. — E não pense
que ele não tenha feito de tudo para preservar seu amor.
— O que quer dizer?
— Não me admira que saiba tão pouco sobre seu casamento. Durante
o tempo em que estiveram casados, ele a afastou de tudo e de todos.
— Tal fato é mentira.
— Não, não é.
— Rod jamais me forçou a nada — ela defendeu-se e mordiscou o
lábio, nervosa.
— Estou tentando lhe explicar que… ele a privou de muitas coisas, e
por motivos pessoais.
— Certamente, porque sabia que pessoas cínicas podiam me
machucar.
— Não só por essa razão, acredite. Agora há pouco, você deu a
entender que era muito passiva no relacionamento, porém ele desejava que
fosse assim, e no fundo, você sabia disso o tempo todo.
— Não sei onde está querendo chegar…
— O que meu sócio mais gostava em você, Amanda, era a inocência, a
devoção cega a todas as vontades dele. Este seu jeito peculiar o encantava e…
permitia que ele a manipulasse. Mas eu não o culpo, não creio que tivesse
consciência da questão. Por um lado ele queira seu bem, e, por outro, impedia
que você crescesse. — Ao dizer aquelas palavras, calou-se, emocionado.
A análise de Stephen fazia sentido, e desconcertou-a. Ela nunca havia
notado o menor defeito no marido, e agora aquelas verdades a chocavam.
Depois de um longo silêncio, Amanda perguntou, com a voz
embargada:
— O que vamos fazer, Stephen?
— Primeiro, diga-me se concorda com meu ponto de vista — ele quis
saber, e ao mesmo tempo forçando-a a encará-lo.
— Está tentando dizer que meu amor por Roderick era muito mais um
amor paternal?
— De certo modo, sim. Contudo, não há nada de criminoso nisso,
Amanda. Acontece freqüentemente entre casais. Ele não era seu pai, mas
representava a segurança e a experiência que você vinha procurando há
tempo. Várias mulheres se casam por esse motivo e são felizes, até
descobrirem o verdadeiro amor de suas vidas.
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— Eu teria sido feliz para sempre. E Roderick também.
— Não importa agora. É bobagem afligir-se pelo resto da vida com
uma mera hipótese. Acho que ele até tentou ajudá-la a amadurecer e a deixá-
la um pouco mais livre. Quando a colocou na diretoria da empresa, por
exemplo. Não há dúvida de que a amava muito, a ponto de lhe abrir
caminhos, quando no fundo desejava mantê-la afastada do mundo.
— Como pode ter tanta certeza?
— Um pouco por intuição e o resto pelo fato de conhecê-lo muito bem.
Ele era um homem desiludido e sem perspectivas. Afinal, havia passado por
um casamento infeliz, que acabou se transformando num pesadelo. Nos anos
seguintes, teve outras amantes e experiências, que não ajudaram muito. No
entanto, nunca amou nenhuma delas. Aí você apareceu, e era diferente de
todas as mulheres que Roderick havia conhecido. Infelizmente, ele levou
algum tempo para entender por que tinha se apaixonado por você, e o que
sentia de fato. Cheguei à conclusão de que tentava recuperar a juventude, e
você era a pessoa certa para ajudá-lo a resgatar o tempo perdido.
Amanda notou que estava chovendo. A tempestade que se formou
assim que chegaram da praia os apanhou de surpresa, e o céu escureceu
repentinamente.
— Obrigada, Stephen!
— Obrigada por quê?
— Por me ajudar…
— Não sei se conseguiu entender tudo… — Ela encarou-o, com um ar
de dúvida. — — Ainda não falamos sobre nós, Amanda. Nosso
relacionamento está claro para você?
— Não totalmente.
— Era o que eu temia — confessou, pesaroso.
— Stephen…
— Não — ele atalhou, trazendo-a para mais perto de si. — Antes que
diga qualquer coisa, responda: quer se casar comigo, Amanda?
— Oh, Stephen! Não sei, estou confusa. Não esperava esse pedido
agora.
— Isso mostra quão pouco você me conhece. O que imagina que eu
tinha planejado para nós? Pensou que procurava uma amante ou alguém
para passar algumas noites? — Notava-se um tom de desafio em sua voz. —
Desculpe, creio que me precipitei, não foi mesmo?
— Não, você não foi precipitado, Stephen, mas…
— Mas o quê? Vai me falar outra vez dessa velha história de nós não
66
nos conhecermos bem? Não é mais uma boa desculpa, Amanda. Afinal, já
conquistamos muita intimidade e aprendemos bastante sobre nós mesmos.
— Por favor, pare!
— Eu ia apenas dizer que está sempre linda, que me fascina. Que a vi
comparecer às reuniões da diretoria de cabeça erguida, mesmo sabendo que
faria tudo para humilhá-la… Podia ter cortado o último laço entre mim e meu
sócio, a qualquer momento, porém não o fez. É verdade que eu e você nos
afastamos cada vez mais, mas a culpa não foi sua.
— Stephen, de você só quero saber uma coisa.
— Eu já lhe falei muito a meu respeito. O que mais quer saber?
— Se me ama realmente.
— Ainda não acredita no que tem acontecido entre nós, não é? Por
alguma razão que desconheço, está decidida a não permitir que nosso amor
floresça. Por que não admitir que está lutando contra si mesma? Olhe, vou lhe
provar…
— Stephen, não… preciso pensar.
— Não, não precisa… Esta é a resposta, não percebe? — Começou a
beijar-lhe o rosto, o cabelo e a boca, deixando-a sem forças para reagir.
— Você quer vir para casa comigo?
Ela acenou afirmativamente com a cabeça, e procurou abrigo nos
braços dele.
A casa de Stephen, para surpresa de Amanda, era uma mansão
localizada na baía de Runaway.
O portão da garagem abriu-se silenciosamente, logo que Stephen
acionou o controle remoto no carro. Na garagem havia uma porta, que dava
para o interior da casa. Amanda hesitou antes de entrar.
— Não sabia que você morava tão bem… Pensei que residisse na praia
do Pôr-do-sol.
— Eu possuía um apartamento lá, mas, depois que comprei um iate e
um jato particular, achei melhor mudar-me para cá. — Acompanhou-a pelo
hall, acionando os interruptores das lâmpadas, e levou-a até as janelas amplas
para abrir as cortinas.
Quando acendeu as luzes da parte externa da casa, podia-se ver um
imenso gramado com piscina.
— Você está com fome? — perguntou ele, abrindo as janelas para
deixar entrar o ar fresco da noite.
— Um pouco… — Amanda sorriu, embaraçada. — Posso ajudá-lo?
— Não, estou acostumado a cozinhar.
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— Deve estar brincando!
— Posso garantir que preparo um dos melhores lanches de toda a
região! — assegurou ele, com um sorriso. — Dê uma olhada na casa, se
quiser.
A sala de estar era confortável, mobiliada com um jogo de sofá de
veludo marrom e um magnífico tapete persa, as paredes sendo forradas com
um papel creme. A mesinha-de-centro redonda trazia um vaso de cristal, e as
luminárias de acabamento dourado proporcionavam ao ambiente uma
iluminação agradável.
Amanda atravessou o corredor acarpetado, examinando
detalhadamente cada um dos três dormitórios e o escritório com uma
escrivaninha repleta de papéis, uma televisão e uma confortável poltrona de
couro. Encontrou um lavabo luxuoso revestido com azulejos, e aproveitou
para lavar as mãos e mirar-se no espelho.
Apresentava olheiras profundas, resultado de várias noites sem
dormir.
O outro cômodo do corredor parecia uma sala de jantar. Amanda
hesitou por um segundo, receosa de estar invadindo a privacidade de
Stephen, mas, movida pela curiosidade, acendeu a luz. No mesmo instante,
sentiu um arrepio correr-lhe o corpo, pois o primeiro objeto que viu foi um de
seus quadros na parede, justamente o que retratava a cadeira de Rod.
Ficou a fitá-lo por algum tempo, arrependendo-se de tê-lo posto à
venda.
Estava tão distraída, que não ouviu Stephen se aproximar por trás;
apenas sentiu os braços dele enlaçando-a pela cintura. Recostou-se no corpo
forte e começou a relaxar. Como podia se entregar tão facilmente a ele, ainda
era um mistério…
— Amanda. — Stephen a fez virar-se para encará-lo. — Está tudo
acabado agora, não está? Você não precisa mais se sentir sozinha.
— Não.
— Quer se casar comigo?
— Sim…
— Quando?
— Quando você quiser.
— Pode ser mais cedo do que imagina… — Ele sorriu, estreitando
mais o abraço. — Assim que fizermos os preparativos?
— Está bem — aquiesceu ela, e aceitou o beijo que selou aquela
promessa.
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Mais tarde, no quarto, Stephen lembrou:
— A estas horas meus sanduíches devem ter queimado.
— Você tem alguns ovos na geladeira?
— Tenho. Por quê?
— Ainda podemos salvar o recheio de frango e fazer uma omelete…
— Posso tentar, mas fique sabendo que omelete não é minha
especialidade.
Ela riu, espreguiçando-se na cama.
— Pensei que já estivesse acostumado a cozinhar…
— Ah, claro! Faço uns sanduíches ótimos… — brincou, acariciando-lhe
o cabelo. Em seguida, perguntou. — Foi bom para você?
— Eu… — Amanda hesitou. Seria aquela sensação horrível o
pressentimento de que algo estava errado? Não, depois de terem resolvido os
problemas, tudo estava bem. — Eu o quero muito, Stephen, eu o amo! —
murmurou, beijando-lhe o peito nu.
— Amanda! Você tem certeza?
— Como se eu ainda pudesse ter dúvida… Estou completamente a sua
mercê, morrendo de fome e esperando por um sanduíche de frango e
tomate…
— Reservei também uma garrafa de champanhe…
Ela riu e mudou subitamente de assunto.
— Stephen, por que decidiu morar nesta casa, sozinho?
— Por que pergunta?
— Você deve sentir solidão, às vezes.
— Bem, para ser franco, foi para satisfazer um sonho antigo.
— Como assim?
— Jamais morei numa casa de verdade, pelo menos não que me
lembre. Só em apartamentos e hotéis. Ei, o que foi? — ele indagou, ao
perceber que o sorriso no rosto dela se dissipara.
— Nada… É que também nunca morei numa casa que fosse só minha,
num verdadeiro lar. Um lugar sossegado onde pudesse ter meu próprio
jardim e cultivar minhas plantas.
— Agora você pode fazer tudo isso aqui, a meu lado.

CAPÍTULO VIII

69
Amanda cantarolava uma velha canção, enquanto arrumava o
armário. Dois dias antes aceitara o pedido de casamento de Stephen
Chandler, e na véspera ele viajara para Sydney a negócios, onde ficaria
durante alguns dias.
Diante das novas perspectivas, ela voltara para seu apartamento, para
arrumar as coisas e mudar-se dentro de uma semana.
Após esvaziar a última prateleira do armário, sentou-se para
descansar. O que levar e o que deixar para trás? Talvez fosse melhor levar
apenas roupas e objetos pessoais, embora cada mínima peça de decoração
representasse uma parte de sua vida.
Stephen pedira-lhe que o acompanhasse naquela viagem. Talvez
devesse ter aceito, para livrar-se daquele problema.
Antes de ele partir, Amanda havia lhe perguntado se a viagem se
relacionava com o projeto da Ballantyne, que Lance Kidder mencionara. A
resposta foi afirmativa, mas Stephen a beijou e pediu que não se preocupasse.
— A situação está sob controle — dissera então.
Na ocasião, ela estava feliz com o rumo dos acontecimentos, porém,
quando ele sugeriu que o acompanhasse a Sydney, imaginou a estada em
hotéis, os momentos de longa espera. Por isso, preferia ficar. Stephen não
gostou da decisão, mas acatou-a.
No entanto, quando o levou até o aeroporto, ele a manteve em seus
braços e, antes de partir, repetiu o que já dissera uma outra vez:
— Você não vai fugir de mim, vai?
— Como se eu pudesse…
A campainha tocou, interrompendo os pensamentos de Amanda. Com
o coração batendo mais forte, ela imaginou se seria Stephen. Correu até a
porta e, a decepção foi grande demais. Era Lance Kidder.
— Olá, Amanda! Posso entrar?
Ela encarou-o por algum tempo, hesitante.
— É uma visita de negócios — Lance assegurou-lhe.
— Bom, eu… tudo bem…
Lance acompanhou-a pelo hall, examinando a decoração da sala de
estar.
— Perfeito… é de muito bom gosto, sem dúvida. Rod era um homem
de sorte. Tinha em você uma mulher admirável.
Amanda fez o possível para manter a calma. Em vez de tratá-lo com
aspereza, resolveu agir com naturalidade.
— Quer beber alguma coisa?
70
— Não, obrigado — agradeceu, lançando-lhe um olhar insinuante. —
Preciso lhe dar os parabéns…
— Posso saber por quê?
— Ora, em breve você e Stephen vão se casar.
Amanda ficou paralisada.
— Como sabe?
— Tenho minhas fontes.
— Quais? — Parecia inútil tentar esconder a verdade.
— Bem, já vou lhe dizer. — Lance Kidder estava sério, e qualquer
ponta de ironia em sua voz tinha desaparecido. — Posso me sentar? —
perguntou, e acomodou-se no sofá sem esperar resposta. — Você vai adorar
descobrir o que Stephen tinha em mente, ao levá-la para a ilha Hamilton.
— Não sei onde você quer chegar?
— Calma, que logo entenderá!
— Seja breve, pois não tenho muito tempo.
— Há de concordar comigo em que ele passou a tratá-la de forma
bem… diferente, não foi?
— Lance…
Ele fez um gesto para aparteá-la, e retomou a palavra:
— Por favor, deixe-me terminar de falar! Para mim, a mudança de
comportamento foi tão grande, que comecei a pensar. Desde que você deixou
a ilha, tirei minhas próprias conclusões, e, ao substituir Stephen enquanto
estavam viajando, tomei conhecimento de uma informação muito
alarmante… sobre o novo empreendimento.
— Não estou entendendo…
— É, eu calculei que não fosse compreender. Stephen lhe contou
alguma coisa?
— Não, mas…
— A propósito, ele ficou bastante irritado por você ter deixado a ilha
Hamilton daquela forma.
— Foi um mal-entendido.
— Sei… suponho que já tenha sido resolvido…
— Lance, deixe de rodeios e vá direto ao assunto.
— Está bem. Antes de partir para Hamilton, Stephen era o único que
sabia da real importância do empreendimento. Contudo, desempenhei minha
função da melhor maneira possível, acompanhei a transferência dos bens e,
acredite, Amanda, não devo nada a Stephen Chandler. Se eu estiver certo,
você ainda tem o voto decisivo.
71
Amanda ficou sem entender nada.
— Você compreende o que quero dizer? Sua cota-parte nas ações da
Ballantyne ainda influi na divisão do poder. Se a vendesse, a Ballantyne se
transformaria numa organização muito maior, o que Stephen odiaria, sem
dúvida, apesar de ser um bom negócio.
As mãos de Amanda começaram a tremer.
— Eu…
Lance Kidder esperou e, percebendo que ela não conseguia concatenar
as idéias, continuou:
— Com chantagem ou coisa parecida, Stephen manipulou-a por um
bom tempo. Mas não poderia continuar assim a vida inteira, não é? Quando
você esquecesse Rod, seria muito provável que encontrasse outro homem e se
apaixonasse novamente. E, mesmo que não acontecesse, o controle que ele
exercia sobre você teria de acabar um dia, não é verdade? — Lance fitou-a,
desafiando-a a negar os fatos.
— O que está dizendo, Lance?
— Acredito que sabe muito bem o que estou dizendo, porém vou
simplificar as coisas. Stephen percebeu que estava sem saída, e que você tinha
o futuro da Ballantyne nas mãos. E decidiu garantir os rumos da firma, do
mesmo modo que nos acusou de… colocar nossos interesses em primeiro
plano, na última reunião. Só que ele foi mais adiante: pretende se casar com
você, para ter o controle absoluto da empresa.
— É sua palavra contra a dele, Lance. A palavra de um homem
ambicioso que sempre odiou Stephen, e que daria tudo para conseguir a
presidência da Ballantyne.
Lance encolheu os ombros e contra-argumentou:
— Não vou perder meu tempo negando o fato — comunicou, com um
brilho de ódio nos olhos. — Contudo, se você não acredita em mim, por que
não pergunta a Jeff Whitby? Você confia nele, não confia? Se tiver dúvida,
Amanda, pense. Não é estranho que Stephen tenha mudado de
comportamento, em tão pouco tempo? Nos últimos anos ele humilhou-a
diversas vezes. Deixou bem claro a todos o que sentia por você. E agora, um
pedido de casamento…
— Saia já daqui, Lance! Se soubesse quanto eu o desprezo!
— Reflita bastante, Amanda. E, enquanto isso, por que não se junta a
nós? É a única forma de se livrar, de uma vez por todas, dessa… confusão.

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CAPÍTULO IX
Amanda mergulhou numa depressão profunda. O nome de Stephen
veio-lhe à mente várias vezes, enquanto enxugavam o suor da testa com um
pano.
— Quanto tempo ainda? — ela perguntou com a voz rouca, segurando
a mão da enfermeira.
— Se seguir as instruções da médica, querida, tudo estará acabado em
poucos minutos. Esteve ótima. Continue respirando e fazendo força.
“Meu Deus, ajude-me!…”, Amanda suplicava em silêncio. De
repente…
— Está nascendo. É um… menino! — A médica parecia satisfeita e
aliviada com o andamento do parto. — Tem cabelo castanho e é lindo! Veja!
— exclamou, enquanto Amanda chorava de felicidade.
Amanda observava o crepúsculo pela janela do quarto. Era uma tarde
de outono, e seu filho dormia num berço ao lado da cama. A enfermeira
dissera-lhe que era o bebê mais bonito de todo o andar.
— Você vai ser alto, meu bem — declarou a enfermeira, que viera
ajudar Amanda a dar banho na criança. — Um homem bonito e charmoso,
como seu… — Ela mordiscou o lábio e calou-se, embaraçada.
“Como seu pai…”, Amanda completou em pensamento o que a
enfermeira não tivera coragem de dizer. Desde que chegara à maternidade,
havia muitos comentários sobre ela e o bebê. Por acaso, ouvira uma das
médicas dizendo a alguém:
— Não é justo ninguém vir para visitá-los! Gostaria de falar umas boas
ao pai dessa criança…
“Não podiam culpá-lo”, Amanda pensou. “Ele nem mesmo sabia que
tinha um filho.”
Aquela, sem dúvida, era outra razão pela qual o bebê despertava tanto
interesse: por não receber visita de nenhum parente próximo, especialmente a
do pai.
Amanda sentia-se grata às enfermeiras que se desdobravam em
atenções, cuidando em que não ficasse sozinha por muito tempo. Do lado de
fora do hospital, a vida agitada da cidade de Sydney prosseguia. Em breve
teria de abandonar a paz e o conforto da maternidade, para voltar para casa.
— Como está se sentindo? — a médica perguntou, entrando no quarto.
— Estou bem…

73
A dra. Thompson sentou-se na cama. Era uma mulher serena e calma,
de não mais de trinta anos.
— Amanda… nós duas já nos conhecemos há alguns meses, não é?
— Sim… — Amanda concordou, cautelosa.
— Durante todo esse tempo, nunca lhe perguntei nada sobre sua vida
pessoal, porque você queria que fosse assim, certo?
— Correto.
— Querida… Não quero me intrometer em sua vida, mas gostaria de
ter certeza de que sabe o que está fazendo. Nessa altura, você precisa pensar
na criança. Ela merece ter um pai. Ele é um homem casado?
— Não… — Amanda baixou a cabeça. — Na realidade, ele queria se
casar comigo, porém não por amor. Apenas por interesse. Infelizmente,
quando descobri tudo e o abandonei, não sabia que estava grávida.
— Esses… interesses, quais eram?
Amanda recostou-se no travesseiro, visivelmente nervosa.
— É como um conto de fadas… Nunca poderia imaginar que
aconteceria comigo.
— Olhe, você é minha última paciente hoje. Se quiser desabafar, temos
bastante tempo. Estou disposta a ajudá-la, se quiser…
— Bem, eu… — Amanda hesitou por alguns instantes, e então seu
relato começou a fluir, espontâneo: o desabafo que há muito vinha
reprimindo.
— Está convencida de que ele queria se casar com você só para
controlar a empresa?
— Quando descobri o que estava acontecendo, percebi que havia algo
errado. No fundo, sabia disso o tempo todo, mas nunca tive coragem de
enfrentar os fatos. É difícil explicar… — admitiu ela, enxugando as lágrimas.
— Aí você decidiu partir?
— Mais ou menos… Não queria acreditar que Stephen fosse capaz de
proceder de forma mesquinha. Na época, estava apaixonada… Contudo, a
versão de Lance Kidder explicava tantos fatos nebulosos, que eu não
conseguia entender… A mudança de atitude, o pedido de casamento, as
últimas palavras que ele me disse, como se estivesse com medo de que eu
descobrisse o que se passava… Stephen nunca me contou que o projeto era
tão importante assim para ele.
— O que você fez?
— Havia um dos diretores em quem confiava e pedi-lhe que
verificasse a situação. Falei-lhe a respeito de Lance e que eu queria sair da
74
diretoria. E mais: que devia ter tomado a decisão há muito e que desejava
transferir minhas ações para Stephen, porém seria impossível tratar do
assunto diretamente com ele. Com alguma dificuldade, consegui convencê-lo,
e encontramos uma solução. Esse diretor era totalmente leal a Stephen, e
então vendi-lhe minhas ações, na condição de que as repassasse a Stephen. E
me afastei da diretoria. Parecia a única maneira de… fugir.
— E você não chegou a conversar com Stephen?
— Não consegui. Ele estava viajando e se atrasou dois dias.
— Soube o que aconteceu depois de partir?
— Não. Preferi me afastar.
— Entendo… Parece-me que você cometeu um erro. Disse que o
amava, e não lhe deu uma chance de se defender.
— Havia um bom motivo… Quando estava ao lado dele, era incapaz
de dizer tudo o que devia. Concluí que era o momento de dar uma chance a
mim mesma, acreditar em minha intuição. Você entende, não posso culpá-lo
por nada.
— Mas você não estava a par da situação?
— Assim mesmo, sabia que não suportaria ouvir a verdade de
Stephen…
— Tudo bem. Há, porém, outro lado importante agora: o filho dele.
Acha que está sendo justa com ambos?
Amanda deu um longo suspiro, fechando os olhos.
— Se soubesse como é difícil… Foi exatamente nessa situação que
nasci, e só agora que aconteceu o mesmo comigo é que entendi a posição de
minha mãe.
— Ela não contou a seu pai?
— Não. Ele nunca soube de minha existência. Logo depois que ela
morreu, comecei a pôr em ordem seus papéis e descobri que ele tinha falecido
alguns anos antes. Mamãe havia lhe escrito uma carta e recebeu um
telegrama da mulher dele, dando a notícia. Sempre quis saber se, após todos
aqueles anos, mamãe tinha lhe falado sobre mim…
— Posso lhe dar um conselho, Amanda? Não deixe que aconteça o
mesmo com você e a criança. Pelo menos, conte ao pai dele. Pode ser que não
resolva nada e até lhe cause algum sofrimento, mas creio que o pai tem
direito de saber, e o filho também. Como você se sentia em relação a seu pai?
Amanda refletiu por um bom tempo, antes de responder.
— Agora, creio que daria tudo para tê-lo conhecido… É uma parte de
minha história que continua um mistério. Quando criança, tinha medo de
75
pensar demais nele, porque mamãe me dizia que tal coisa podia lhe
complicar a vida. Eu tinha a impressão de que papai me odiaria.
— E, sendo assim, não acha que tem a obrigação de deixar seu filho e o
pai dele fazerem seus próprios julgamentos?
Em Brisbane, o inverno era mais rigoroso do que em outras partes do
litoral australiano. E o tempo nublado e cinzento combinava perfeitamente
com o estado de espírito de Amanda.
Tomara um avião em Sydney, e agora estava instalada num quarto de
hotel. Richard, o bebê, tinha três meses de idade e dormira o tempo todo de
vôo, adaptando-se ao novo ambiente com facilidade.
Eles tinham chegado a Brisbane no dia anterior, e Amanda decidira
esperar para ver como o pequeno reagiria ao clima, antes de tomar alguma
decisão. Desejava acompanhar os primeiros meses de vida do bebê livre de
qualquer trauma, e também porque precisava reunir coragem para rever
Stephen e lhe falar sobre seu filho.
Agora, porém, não havia mais motivo para adiamentos. Richard
estava forte e saudável, e Stephen tinha todo o direito de conhecer a verdade.
Quanto mais adiasse esse momento, pior para todos.
Além do mais, Stephen era um homem sensível. Certamente
entenderia a opção dela pela separação, e poderiam chegar a um acordo, de
modo que Richard pudesse conviver com o pai e a mãe…
Amanda se sentou na cama do hotel e, após refletir acerca do assunto,
decidiu telefonar para Stephen.
— Sua ligação está completada — avisou a telefonista.
— Empresas Paradise. Em que posso ajudá-la? — atendeu a secretária
de Stephen, do outro lado da linha.
— Eu… eu não entendi…
— Empresas Paradise, antiga Ballantyne — a garota repetiu,
impaciente. — Em que posso ajudá-la?
— Poderia falar com o sr. Chandler?
Houve um breve silêncio. Aí a secretária de Stephen explicou:
— Sinto informá-la de que o sr. Chandler não trabalha mais nesta
organização. Se deseja falar de negócios, posso colocá-la em contato com
Lance Kidder, nosso atual diretor-presidente,
— Sim, eu… espere! Poderia falar com a sra. Flora Hardcastle?
Desculpe o incômodo, mas… eu trabalhava na Ballantyne.
— A sra. Hardcastle já se aposentou. Creio porém, que tenho o
endereço, dela. A senhora tem lápis e papel?
76
Amanda apanhou a bolsa e, após agradecer à garota, colocou o
telefone no gancho e perguntou a si mesma, chocada:
— Minha nossa! O que aconteceu?

— O que houve, Flora?


— Oh, sra. Ballantyne!… — lamentou Flora, com um suspiro. — Eu
sinto tanto…
— Por favor, chame-me de Amanda. Era assim que nos tratávamos,
quando trabalhávamos juntas.
— Sente-se, querida — Flora lhe ofereceu uma cadeira.
— Você parece assustada. Teve sorte de me encontrar em casa. Desde
que me aposentei, transformei-me numa ótima jogadora de boliche. Quer
uma xícara de chá? Acredito que vai lhe fazer bem.
— Sim, obrigada… E desculpe ter vindo sem avisar. Estou num hotel
não muito longe daqui. Mas não quero atrasá-la para o jogo….
— Se acha que vou deixá-la sozinha, está completamente enganada —
Flora replicou, com um sorriso amável. — Eu me preocupei com você, como
se fosse minha própria filha.
— Sinto muito… — murmurou Amanda, sem conseguir conter a
emoção.
Meia hora depois estavam sentadas na cozinha, e Amanda, um pouco
mais calma, bebia uma xícara de chá.
— O que aconteceu? — Flora raciocinou por alguns instantes. —
Sinceramente, não sei. Se alguém me dissesse que Stephen Chandler venderia
a companhia para os inimigos, eu não teria acreditado! Contudo, foi
exatamente o que ele fez.
— E por quê? Ele foi obrigado? Quero dizer, perdeu o interesse pela
empresa? Não me diga que Jeff me traiu.
— Não, ele não a traiu. Eu estava fazendo anotação de reunião da
diretoria, quando tudo aconteceu. O sr. Whitby entregou a carta de demissão,
deixando claro que as ações estavam em seu poder e que poderia vendê-las
apenas ao sr. Chandler. Em caso contrário, as ações continuariam em seu
nome e seriam usadas para bloquear qualquer novo empreendimento. Foi
uma reunião bastante difícil, Amanda, como nunca havia visto antes.
Flora sorveu um pouco de chá e retomou a palavra:
— O sr. Chandler tinha acabado de chegar de Sydney naquela manhã,
e parecia furioso. Sem falar na reação do sr. Kidder, quando Jeff Whitby
terminou de falar. Estava uma fera. Disse coisas desagradáveis a Stephen e
77
fez comentários terríveis a seu respeito. Foi nessa altura que comecei a
entender o que havia acontecido, Amanda. Nunca gostei de Lance Kidder.
Para mim, foi fácil perceber que ele era o culpado de tudo.
— Continue…
— Bem, aí o sr. Chandler virou-se para Lance, e por um momento
pensei que fosse matá-lo! Ele disse: “Você disse a ela que eu desejava me
casar para ter o controle da empresa?” E Lance respondeu: “Ora, vamos lá,
Stephen! Não era exatamente o que você pretendia fazer? Vamos encarar os
fatos. O que não entendo é porque você não fez tal coisa há muito mais
tempo… Afinal, ela é uma mulher encantadora. Só você não sabia disso, não
é, Stephen? Você fazia questão de parecer superior e não desejá-la… Mas o
mais engraçado foi quando você a levou para a ilha Hamilton… Foi uma
ironia do destino, não?”
Flora fez uma pausa e suspirou, antes de prosseguir:
— Eu me lembro de cada palavra, como se tivesse acontecido ontem.
E, quando Kidder disse aquilo, tive certeza de que o sr. Chandler iria matá-lo.
O sr. Whitby também. Pela primeira vez na vida, porém, George Ramsey fez
algo de útil: reclamou de dores no peito, trazendo o sr. Chandler de volta a si.
Ele simplesmente se levantou e saiu.
— O que aconteceu em seguida? — Amanda indagou, apreensiva.
— Dois dias depois, Stephen convocou nova reunião, mas dessa vez
ele deu a notícia do dia. E levou apenas cinco minutos. Anunciou que tinha
comprado as ações do sr. Whitby e vendido para a companhia Paradise,
juntamente com as dele próprio. Disse que fora convidado a trabalhar na
diretoria de uma nova empresa, e que todos os funcionários da Ballantyne
que estivessem interessados poderiam acompanhá-lo. Agradeceu a mim e ao
sr. Whitby o apoio. — Os olhos de Flora estavam cheios de lágrimas. — E foi
só. Eu o vi mais tarde, no mesmo dia. Ele me chamou ao escritório e me falou
sobre a nova companhia, perguntando a mim se gostaria de trabalhar com
ele. Disse que não, que estava pensando em me aposentar. Então, indagou se
eu fazia alguma idéia de onde você estava… Pensei em todas as
possibilidades, porém não consegui lhe dar nenhuma informação precisa.
— Flora, Flora… creio que cometi um engano, mas fiz apenas o que
achei que devia fazer.
— Bem, de qualquer forma, se tivesse me contado, eu não teria sido
capaz de guardar segredo… No entanto, sei que Stephen fez de tudo para
tentar encontrá-la. Naquele dia, ouvi-o conversando com Jeff Whitby. Ele
soube que você tinha colocado o apartamento à venda, dando plenos poderes
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à imobiliária. Stephen e Jeff procuraram seu advogado, que teimou em não
revelar-lhe o paradeiro.
— O que Jeff disse?
— Ele… parecia se sentir um pouco culpado e declarou que não
possuía dados concretos ou informações precisas, porém que fazia questão de
respeitar sua vontade. Na realidade, nós dois fomos os únicos a deixar a
empresa, mas ainda continuei na Ballantyne por alguns meses,
acompanhando o processo de transferência de bens.
— E por que Stephen fez isso? — Amanda perguntou, confusa.
— Eu não sei… — Flora examinou o rosto preocupado da amiga. —
Há algo errado com você… O que foi?
Amanda desviou o olhar.
— Conte-me, querida. Você confia em mim, não é?
— Eu… eu tive um bebê.
— Você quer dizer…?
— Sim. É o filho de Stephen.
— E ele não sabe?
— Não. Não sabia que estava grávida quando parti. Aí, eu…
— Você está tendo dificuldades financeiras para sustentar a criança?
— Não, não é o caso.
— Então, você voltou para contar a Stephen?
Amanda pôs-se de pé.
— Sim, mas agora… Tudo mudou.
Flora refletiu por uns instantes e replicou:
— Onde está seu filho?
— Eu o deixei no hotel com a babá. Preciso voltar…
A mulher examinou-a mais um pouquinho e levantou-se decidida,
afirmando:
— Vamos buscá-lo. E não diga uma palavra! Vocês vão ficar
hospedados aqui em casa. Muitos quartos aqui estão desocupados, tenho um
lindo jardim e, além disso, desde que Tom morreu, sinto-me muito sozinha.
Você parece um pouco fraca e pálida, Amanda. Se está amamentando o bebê,
é necessário se manter saudável.
Naquela noite, Amanda foi dormir com a sensação reconfortante de ter
encontrado uma amiga. Sentia-se grata a Flora, e a afeição por ela aumentou.
Flora se apaixonou por Richard de imediato. Pela primeira vez, havia alguém
diferente da mãe para brincar com ele, conversar, mimar…
— O fato de morarmos em local elevado ajuda — Flora explicou,
79
enquanto Amanda apreciava o jardim na manhã seguinte. — Mas, sem esses
bambus que Tom plantou para diminuir a força do vento, seria terrível —
acrescentou, apontando para a espessa barreira de folhagens e bambus.
Amanda contemplou a paisagem, reflexo do cuidado e do empenho
daquele casal, com um aperto no coração. Teria agido mal em renunciar a
uma vida em comum com Stephen?
Flora afagou a cabeça de Richard, que dormia no carrinho.
— O que pretende fazer agora, Amanda?
— Eu não sei… estou completamente desnorteada. Se ao menos
soubesse por que Stephen tomou aquela decisão…
— Para ser franca, não sei se faz tanta diferença. Em que mudaria a
situação?
— Não sei, mas estou com medo do que possa acontecer. Stephen é tão
imprevisível… Você não faz idéia de como ele me tratava antes…
— Posso imaginar… Depois que o sócio morreu, ele fez questão de
mostrar a todos que a detestava. Sempre me perguntei se… Bem, eu
realmente não sei! Contudo, não pode se esquecer de que Richard é filho dele,
Amanda.
— O que devo fazer, Flora?
— Bem… — A outra hesitou e pareceu mudar de idéia. — Talvez deva
dar a ele a chance de se explicar, antes de lhe falar sobre o filho.
— O que Stephen estará fazendo agora?
— Não faço a menor idéia… O sr. Chandler foi muito bom comigo,
Amanda. Fez-me prometer que, se algum dia precisasse de alguma coisa, não
hesitaria em procurá-lo. Ele sabia que Tom tinha morrido e que não tínhamos
filhos, e disse-me que, se eu adoecesse ou me sentisse só, gostaria de me
ajudar.
— Acredito que preciso de alguns dias para colocar as idéias em
ordem — Amanda declarou, recostando-se na cadeira.
A princípio, Flora não pareceu convencida de que essa era a melhor
decisão, mas acabou concordando.
— É, creio que não vai lhe fazer nenhum mal. E, enquanto isso, vou
tomar conta de você e do pequeno Richard. Sabe, ontem ele sorriu para mim!
— Tenho certeza que sim.
Os dias passaram rapidamente. Fazia uma semana que Amanda
estava hospedada na casa de Flora, sentindo-se mais relaxada com a atenção e
o carinho da amiga.
No entanto, ainda tinha um problema a resolver, e a insegurança não a
80
abandonava. Torturava-se imaginando o desprezo de Stephen, quando lhe
falasse sobre Richard…
Talvez ele reagisse de outra forma. Se ao menos soubesse o que o
levara a abandonar a empresa!… Por outro lado, não poderia morar com
Flora para sempre, e a cada dia as dúvidas iam aumentando.
Richard acordou às duas horas da tarde, com fome. Amanda trocou-
lhe a fralda e levou-o até o jardim, sentando-se numa cadeira de vime à
sombra de uma árvore. Flora estava na cozinha, preparando um lanche.
— Já vai, já vai… — Amanda sussurrou para o filho, enquanto
desabotoava a blusa. — Agora vá com calma, senão terá problemas com
soluços — e sorriu, beijando a testa do filho.
Ela se instalou confortavelmente na cadeira, acariciando as primeiras
mechas de cabelo do bebê, que se pôs a mamar com voracidade.
De repente, um ruído chamou-lhe a atenção e, surpresa, ela notou a
presença de um homem a poucos metros dali. Instintivamente fechou a blusa,
provocando um protesto do Filho.
— Meu Deus, Amanda!…. — Stephen Chandler aproximou-se, pálido.
— Não acha que já é hora de conversarmos?
— Eu… eu não o vi chegar… A luz do sol me ofuscou a vista…
— Parece que sua visão sempre esteve ofuscada — ele aparteou, com
amargura. — Mas não consigo acreditar que você tenha feito o que fez, para
você mesma, para mim e para a criança. Suponho que este seja meu filho…
Não precisa responder… — Stephen olhou para o bebê nos braços de
Amanda, e depois fitou-a em silêncio.
— Bem, eu…
— Se espera que me retire enquanto você o amamenta, receio que vá
ficar desapontada.
Amanda hesitou, desviando os olhos. Richard não parava de soluçar, o
rosto vermelho e quente, os braços agitados. Ela examinou-o em silêncio e
apertou-o levemente contra o corpo.
— Não chore… — murmurou, e voltou a amamentá-lo.
— Que nome deu a ele? — Stephen perguntou, emocionado.
— Richard.
— Quanto tempo de vida tem? Três meses?
— Quase quatro. Flora contou-lhe?
— Sim. Apenas lamento que ela não tenha me falado sobre Richard.
— Ela não lhe falou do bebê?
— Não, só perguntou se podia vir para cá. Parecia tão preocupada,
81
que vim imediatamente. Quando cheguei, há pouco, ela me adiantou alguma
coisa. Disse que havia uma pessoa no jardim que eu deveria ver, e que me
chamou aqui porque estava com medo de que tal pessoa fosse embora
novamente. Só poderia ser você… Mas eu nunca esperava encontrar meu
filho.
— Acabou sendo inevitável…
— Claro, Amanda. Não sei o que nosso relacionamento significou para
você, porém jamais pensei que fosse capaz de me esconder… Como pensou
que reagiria, se me contasse que estava grávida? Imaginou que eu poderia
encarar a situação como um novo empreendimento comercial?
— Na realidade, eu não sabia o que pensar — Amanda desabafou. —
Posso ter agido como uma tola, porém na época tudo me levou a crer que
estava apenas interessado nos bens da empresa.
A tensão dos derradeiros meses, somada ao choque do reencontro
inesperado com Stephen, roubou-lhe as últimas forças. Ela parou de falar,
dominada por uma súbita tontura, e então desmaiou.
Quando voltou a si, Amanda estava deitada na cama. Sua mente,
porém, continuava confusa, e ela mal notou que um médico veio examiná-la e
a fez ingerir uns comprimidos que a acalmaram e a levaram a cair num sono
profundo.
Na manhã seguinte, ela acordou com uma leve sensação de torpor,
lembrando-se de coisas que dissera, mas que não faziam sentido. Apesar de
ter dormido bastante, ainda se sentia cansada. Lembrou-se de Richard e
encontrou-o no berço.
— Ele dormiu bem? — perguntou a Flora, que acenou a cabeça
afirmativamente. — Então, foi a primeira vez que dormiu a noite toda…
— Que sorte!
— Sinto muito… não sei o que aconteceu comigo ontem.
— Eu sei — Flora respondeu com um bocejo.
— Uma depressão pós-parto?
— Com algumas complicações. Quer uma xícara de chá?
— Sim, porém pode deixar que eu mesma apanho. Já estou bem…
— Fique exatamente onde está! — ordenou Flora, com decisão.
Quando a amiga retornou, Amanda fez um movimento para apanhar
a xícara e percebeu que os seios estavam túrgidos.
— Espero que Richard não demore para acordar…
— Não se preocupe. Além de ser um bebê forte e saudável, reparei que
é bastante pontual nas refeições. Olhe! O que foi que eu disse? Ele está
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acordando.
Amanda inclinou-se para pegar o filho.
— Ele é tão parecido com Stephen, não acha?
— Sim… Amanda… temos de conversar sobre isso.
— Eu sei.
— Devo lhe pedir desculpas pelo que houve ontem… Pensei que
estivesse fazendo o melhor para você, e espero que me perdoe…
— Oh, Flora, você não deve me pedir desculpas! No fundo, eu me
sinto um pouco culpada por não ter procurado Stephen antes. Mas você viu
como… como é difícil?
Flora deu um longo suspiro, e revelou:
— Espero que não seja tão difícil… Ontem Stephen deixou bem claro
que pretende assumir a total responsabilidade sobre você e a criança, quer
você queira, quer não.

CAPÍTULO X

Stephen e Amanda estavam no jardim, sob o sol da tarde, tentando


acertar os ponteiros.
— Stephen, você não pode dirigir minha vida!
Ele desviou o olhar para o oceano e suspirou fundo. Amanda pensou
que suas palavras fossem desencadear um acesso de raiva, porém, no rosto
moreno transparecia apenas determinação.
— Por que está me olhando desse jeito, Amanda?
— Nada, eu…
— Se não queria discutir sua vida, por que voltou?
— Stephen… Poderia me dizer uma coisa?
— Sim. O quê?
— Por que vendeu a Ballantyne?
— Porque não queria que imaginassem que pretendia me casar apenas
para tomar posse de algumas ações.
— Mas você empenhou toda a sua vida na Ballantyne!
— De qualquer forma, acho que minha atitude não a fez mudar de
idéia, Amanda.
— Eu não sabia que você tomaria uma medida radical.
— Saiu na primeira página de todos os jornais daqui. Onde você

83
estava?
— Bem, não li os jornais.
— Se tivesse entrado em contato com seu advogado, ele teria lhe
contado.
Ela não via como se defender.
— O que a deixa mais aborrecida? Ter eu vendido a Ballantyne para
lhe provar alguma coisa, ou ter recusado suas ações?
Pela primeira vez, Amanda considerou a hipótese de haver tomado a
atitude errada. De qualquer forma, não fazia muita diferença. Ele não iria
perdoar-lhe…
— Responda a minha pergunta, Amanda. Aliás, tenho outra indagação
a ser feita… Por que voltou? O que a fez mudar de idéia?
Ela tomou fôlego e, reunindo coragem, explicou:
— Voltei, Stephen, porque sabia que estava sendo injusta ao separar
você de Richard. Eu estaria cometendo o mesmo erro de minha mãe. Sempre
lamentei muito não ter conhecido meu pai… é uma sensação que não consigo
descrever… Pensei que poderíamos entrar num acordo.
— Você quer dizer… ficarmos juntos?
— Não.
— Entendo… Está disposta a me conceder o direito de visitar meu
filho e, quem sabe, até a dar a oportunidade de passarmos as férias juntos,
quando ele for mais velho.
— Bem… pode funcionar.
Stephen sorriu, amargo.
— Você está falando com um homem que passou uma infância assim,
Amanda. É a última coisa que eu desejaria a qualquer um de meus filhos.
Não, concordo com você, temos de agir como adultos e encontrar uma
solução melhor… E nós somos… suficientemente adultos e estamos aptos
para assumir a responsabilidade de criar nosso filho. Depois de tudo o que
passei, creio que não estou lhe pedindo muito. Pense em Richard…
— Não vai dar certo. — Os olhos dela estavam cheios de lágrimas. —
Como poderia dar, se você passou a me odiar e eu não?
— Quem disse que a odeio, Amanda? — atalhou Stephen. — Já faz
tempo que meus sentimentos por você mudaram. Na realidade, ainda me
sinto apaixonado, por mais estranho que pareça. Afinal, vendi a Ballantyne
para lhe provar isso.
— Como eu pensava… Você não precisava ter ido tão longe…
— E que mais podia eu ter feito? Você acreditaria em mim, se eu lhe
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contasse minha versão dos fatos?
Ela cobriu o rosto com as mãos, soluçando. Stephen deixou-a chorar
por algum tempo, mas, quando ela ameaçou sair dali, ele a deteve.
— Ouça, Amanda. Vou levar você e Richard para minha casa. Se
quiser, Flora virá conosco e ficará em Runaway Bay. Ela mesma sugeriu nos
acompanhar, porque o médico que a atendeu ontem falou que você precisava
descansar. E mais. Disse que estava tão fraca e debilitada, que poderia ter
uma recaída. Não precisa se preocupar comigo, pois não vou perturbá-la
enquanto estiver sob meu teto.
— Mas…
— Amanda… Vim para cá com a intenção de não aborrecê-la, e até
agora não abri o jogo, dizendo o que tinha em mente. Apesar de todos os
problemas de nosso relacionamento, não acha que temos a obrigação de dar
uma chance ao garoto? Não é por isso que voltou?
— Não é bem assim…
— Provavelmente, não. No entanto, você não quer que Richard passe
pelas mesmas dificuldades que passamos, quer?
— É claro que não!
— Em sendo assim, por que não damos uma oportunidade a nós
mesmos… e a nosso filho?

A vela no bolo de aniversário iluminava o interior da sala de jantar da


casa de Stephen. Os olhos de Richard, que eram um pouco mais claros do que
os da mãe, estavam fixos na luz da chama. Com apenas um ano de idade, ele
já começava a pronunciar as primeiras palavras, e, após contemplar o brilho
da chama em silêncio, exclamou:
— Quente!
— Sim, querido — Amanda aprovou. — Não toque na vela.
— O que você tem que fazer é soprar — Flora observou, e passou a
fazer caretas para soprar a vela, ao mesmo tempo que Richard se divertia e
ficava soprando.
— Vejo que Richard aprendeu um novo truque… — Stephen revelou à
noite, depois de dar um beijo de boa-noite no filho. Não pudera estar em casa
à tarde, porém Amanda lhe narrou todos os detalhes da festa de aniversário.
— Quem lhe ensinou a soprar?
Amanda preparou-lhe uma bebida e riu, enquanto apanhava a gravata
e o paletó que ele deixara no sofá.
— Flora, é evidente…
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Stephen instalou-se confortavelmente na poltrona e bebeu o uísque.
— Ela tem sido fantástica.
— Sim. Eu lhe pedi para ficar e jantar conosco, mas Flora já tinha outro
compromisso. — Amanda virou-se e caminhou em direção ao quarto.
— Não vá, Amanda.
— Eu só ia guardar o paletó…
— E desaparecer na cozinha, não é? Sente-se, vou preparar uma
bebida para você.
Amanda hesitou por um instante, e em seguida sentou-se no sofá.
Depois de nove meses de vida em comum, ainda não se sentia totalmente à
vontade ao lado de Stephen. Era como se o relacionamento entre eles não a
satisfizesse por completo.
— Obrigada — agradeceu, apanhando o copo que ele lhe oferecia.
Stephen ficou de pé a seu lado, olhando-a fixamente.
— Estava pensando em jantar fora esta noite, para comemorarmos.
— O quê?
— O primeiro aniversário de Richard e o sucesso da nova firma.
— É lógico, eu tinha me esquecido… Fato curioso é que você e Jeff
tenham fundado a empresa no mesmo dia em que Richard nasceu…
Com a habilidade de Stephen e a dedicação de Jeff, a nova companhia
tinha agora uma série de filiais por toda Queensland. Mesmo estando há
pouco tempo no mercado, os fins de semana por eles oferecidos ficaram
famosos, por serem organizados, bem planejados e, acima de tudo, por
propiciarem um leque de opções de lazer. Por outro lado, a Paradise
atravessava maus momentos, como já previra Stephen. Apesar de ser uma
grande organização, estava sob o controle de pessoas incapacitadas.
— Está bem — Amanda aquiesceu, levantando-se. — Aonde gostaria
de ir?
— Você é uma mulher bastante submissa, Amanda. Poderia ter dito
não — Stephen bradou, com frieza.
— Bom, eu… acho que prefiro sair um pouco, para variar.
— Então, por que não vai trocar de roupa, enquanto chamo a babá?
Amanda examinou-se no espelho do quarto. Escolhera um vestido cor-
de-rosa de linho, um tanto solto para disfarçar a magreza.
Apesar de todos os esforços para engordar, não conseguira recuperar o
peso anterior ao nascimento de Richard. Flora dissera-lhe que, quando
parasse de amamentar o bebê, retornaria ao normal aos poucos. Contudo,
parará de amamentar Richard fazia já três meses, e não conseguia voltar à
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antiga forma. Por sorte, Amanda arranjara uma babá para ajudá-la; uma
garota de dezoito anos que morava perto, na mesma rua.
Belinda tomava conta de Richard quase todas as tardes, quando
Amanda ia fazer compras, ou nas raras ocasiões em que ela e Stephen saíam à
noite.
Enquanto retocava a maquilagem para aquela noite, recordações dos
nove meses anteriores vinham-lhe à mente.
Desde que se mudara para lá, seu relacionamento com Stephen se
limitava à cordialidade formal. Ele nunca havia tentado uma aproximação
física, e ela imaginava que Stephen nunca fosse perdoar-lhe a abdicação de
sua privilegiada posição na Ballantyne, para em vão lhe provar seu amor.
Amanda, por sua vez, sentia-se deprimida. Por mais que tivesse
tentado sufocar os sentimentos, continuava apaixonada por Stephen, e a
possibilidade de ele não mais a amar fazia com que ela se sentisse ferida.
Quando o via desmanchando-se em carinhos com o filho, imaginava
como seria se eles formassem uma verdadeira família, e sonhava com o dia
em que tal se tornasse realidade. No entanto, o distanciamento do marido
fazia-a crer que esse dia nunca iria chegar.
Stephen levou-a até o restaurante Eliza, bem no coração da praia do
Pôr-do-sol. Antes de sair de casa, reservara uma mesa e, assim que chegaram,
o garçom encaminhou-os para a varanda.
Tinham acabado de se sentar, quando uma voz familiar os chamou.
Era Brad Mortimer.
— Não é estranho que nos encontremos sempre em restaurantes? —
cumprimentou-os com entusiasmo, enquanto o garçom providenciava uma
mesa para quatro. — Deixe-me apresentar minha nova namorada… esta é
Sylvia… e esses são Stephen e Amanda Ballantyne. E antes que tire
conclusões precipitadas, Sylvia, eles são apenas bons amigos. O que foi? Eu
disse alguma coisa errada? — perguntou, assim que Amanda se levantou.
— Não, eu… acredito que não estou me sentindo muito bem. Com
licença… — Amanda se desculpou, afastando-se.
Stephen alcançou-se do outro lado da rua. Agarrou-lhe o braço e
perguntou, áspero:
— Aonde pensa que vai?
— Não sei, a qualquer lugar. Eu não me importo!
— Pare com isso, Amanda!
— Se quiser voltar para casa, posso tomar um táxi.
— Pensa que vou deixá-la ir embora sozinha?
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De mãos dadas, caminharam até a rua das Orquídeas e entraram num
restaurante menor e mais modesto.
Após pedir um brandy para Amanda e um uísque para si, Stephen
afirmou, fazendo uma análise:
— Creio que seu comportamento esta noite seja um sinal de
insatisfação com nosso casamento. Se voltássemos para casa e fôssemos para
a cama juntos, mudaria alguma coisa para você?
— Se resolveria alguma coisa para mim? Você fala como se achasse
que tudo está bem… Sinto muito por ter agido daquela forma, porém não
queria ser obrigada a explicar a Brad que somos marido e mulher agora.
— Responda a minha pergunta, Amanda!
— O mais engraçado é que eu não posso… Não sei se mudaria, ou se
iria piorar a situação. Como posso saber? Está me perguntando isso com a
intenção de me dar outro filho? Claro, não seria uma má idéia… Certamente,
seria ótimo para Richard e consolidaria nossa relação. Se é que podemos
chamar nosso relacionamento de casamento…
— Amanda, nós fizemos um acordo…
— Desculpe… não estou sendo razoável, estou?
Belinda ficou surpresa ao vê-los em casa tão cedo.
— Já? Pensei que fossem chegar mais tarde.
— Amanda não estava se sentindo muito bem — Stephen explicou. —
Vou acompanhá-la até sua casa.
— Não precisa se incomodar, pois são apenas alguns metros, e ainda é
cedo.
— Assim mesmo, gostaria de acompanhá-la, Belinda. Vamos, deixe-
me ajudá-la com os livros! Nossa, qualquer um que a visse agora pensaria
que está estudando medicina e engenharia ao mesmo tempo!
— É mais ou menos assim que me sinto… — Belinda assentiu,
despedindo-se de Amanda com um beijo.
Amanda entrou no quarto de Richard silenciosamente, e viu que o
filho dormia. Puxou o lençol para cobri-lo, resistindo ao desejo de tirá-lo do
berço e abraçá-lo.
Com certa relutância, apagou a luz do abajur e foi até a suíte, para
trocar de roupa. Pôs um robe de veludo azul sobre a camisola de seda branca,
e então foi até a sala de estar.
Stephen estava parado perto da janela, e virou-se quando a viu chegar.
— Eu… eu não sabia que você estava aqui — ela murmurou, nervosa.
— Como Belinda disse, não é tão longe daqui. — Houve um momento
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de silêncio, e aí começaram a falar ao mesmo tempo:
— Stephen…
— Amanda…
— Continue — ele a incentivou.
— Eu não posso… — Amanda falou baixinho, tentando esconder as
lágrimas.
— Se… se é tão difícil para você...
— Você não entende… pensei que nunca fosse me fazer aquela
pergunta, e mesmo agora continuo achando que você não se importa…
Stephen venceu a distância que os separava, e ficou frente a ela.
— Amanda… se você se sentia assim o tempo todo, por que não me
disse antes?
— Não podia… pensei que estivesse me castigando por não ter
confiado em você. O pior de tudo é que, se havia uma pessoa que devia
acreditar em paixões repentinas, da noite para o dia, essa pessoa seria eu
mesma, porque aconteceu comigo. O problema é que… fui tola demais para
perceber.
Por um momento, Amanda pensou que Stephen fosse abraçá-la, e que
todos os problemas estivessem resolvidos. Mas era como se ele lutasse contra
si mesmo.
— Amanda… de certa forma, eu menti para você, quando disse que
tinha me apaixonado da noite para o dia. A verdade é que… desde que a vi
na recepção de seu casamento com Roderick, eu… eu a desejei como nunca,
como nenhuma mulher em minha vida.
— Você… o quê?
— Sim… devo confessar que para mim foi difícil aceitar o fato. Afinal,
eu mal a conhecia. — Amanda ouvia, incapaz de dizer qualquer coisa. —
Daquele momento em diante, fiz de tudo para tentar esquecê-la. Quis me
convencer de que havia se casado com Roderick por dinheiro; no entanto,
com o passar do tempo… vocês pareciam realmente muito felizes, e resolvi
me afastar para não lhe atrapalhar a vida… Logo após, ele morreu.
— Stephen… não diga mais nada.
— Preciso terminar… Decidi, depois, que já era tempo de contornar a
situação. Parecia impossível que alguma coisa acontecesse entre nós, e o
único modo de esquecê-la era continuar tratando-a como sempre, ou seja,
desprezando-a e escondendo meus sentimentos. Foi então que comprei o
quadro… Oh, Amanda! Você pôs tanto amor nesse trabalho! Fiquei furioso,
percebi que ainda amava Roderick, mesmo depois da morte dele. E extravasei
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essa ira na última reunião de diretoria da qual você participou. Como não
tinha conseguido esquecê-la, levei meu ódio até as últimas conseqüências.
— Meu Deus!… — ela exclamou, ameaçando se levantar do sofá.
— Amanda. — Stephen sentou-se a seu lado e tomou-a nos braços. —
Por favor, ouça-me.
— Eu não quero… não posso suportar.
— Você não sabe o que tenho para dizer.
— Vai me dizer que conseguiu o que queria, e apareceu um novo
empreendimento.
— Não. Porque desde o momento em que você entrou em meu
escritório, percebi que nenhuma das armas que tinha usado funcionaria, que
não podia continuar atacando-a com palavras, pois no fundo eu desejava
fazer exatamente o contrário. Amava-a há muito, e nada que fizesse poderia
mudar a realidade. Então, cheguei à conclusão de que tinha de tentar fazer
você se apaixonar por mim.
Amanda ergueu a cabeça, o rosto banhado de lágrimas e um brilho de
esperança nos olhos.
— Aquele novo projeto foi apenas uma coincidência irônica, que me
deu a chance de provar a você que a amava.
— Se tivesse me dito tudo isso antes…
— Você teria entendido? Ou teria me comparado a Lance Kidder?
— Não sei, Stephen, mas… eu mudei bastante desde aquela noite em
que conversamos sobre nosso relacionamento em seu carro. O que você
acabou de me dizer faz sentido para mim, e é o que importa agora. A única
coisa que não gostaria de ouvir é que você não me ama. Seria um golpe
terrível…
— Amanda…
— Espere… preciso explicar algumas coisas. Agora compreendo a
diferença entre meus sentimentos por Roderick e… meu amor por você. Era
inexperiente e insegura quando me casei com Rod, porém com você sinto-me
uma mulher adulta.
Amanda fez uma pausa para enxugar as lágrimas, e prosseguiu:
— Eu me sentia dividida entre dois homens, e, o que é pior, desleal ao
amor que Rod me devotava. Agora, vejo que as pessoas podem amar de
maneiras diferentes.
— Você sabe o que está dizendo?
— Sei — afirmou Amanda com uma convicção fora do comum. — E,
quanto a você vendeu a Ballantyne, fiquei aborrecida não por Rod, e sim por
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sua causa. Sei que a empresa significava muito para você. Pensei até em fugir
novamente; quando percebi que tinha sido tão tola, covarde… —
interrompeu-se, a emoção impedindo-a de continuar.
— Não fique assim, meu amor… — ele sussurrou com ternura,
acariciando-lhe o cabelo. — Importa é que estamos juntos agora.

Dois dias depois, após cancelar uma viagem para Queensland,


Stephen comentou com Amanda:
— Você percebeu que nós ainda não tivemos uma lua-de-mel?
— E faz pouco tempo que estamos casados de verdade…
Stephen espreguiçou-se a seu lado e tomou-a nos braços, dizendo:
— E o que acha da sugestão?
— Parece tentadora.
— Eu tive uma idéia… Lembra-se daquela ilha que você não chegou a
conhecer? Pois consegui a posse de Whitsundays, como parte do acordo com
a Paradise, e acabei construindo uma casa.
— Uma casa?
— Para nós dois.
— Para nós três — ela corrigiu, abraçando-o feliz. Não faltava mais
nada para que a alegria fosse completa.



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Um inesquecível de amor!

Edição 502

DOCE MISTÉRIO
Leigh Michaels

A mulher que Max tinha nos braços naquele momento não parecia a Verônica que
havia conhecido. Ardente, ela se entregava quase com desespero ao ato do amor, como
se estivesse lhe dizendo adeus… Ele a apertou nos braços, emocionada Juntos tinham
conseguido superar uma barreira que ela julgara intransponível. Pena que precisasse
viajar na manhã seguinte e deixá-la por alguns dias. “Voltarei para você”, Max
reafirmou, ao ver a dúvida estampada nos olhos azuis; uma angústia que o fez
duvidar das próprias palavras…

Um romance que você não pode perder!

Edição 503

O BEIJO DO ADEUS
Penny Jordan

Gilda aproximou-se da cama, tirou o robe e, antes que perdesse a coragem, deitou-se
ao lado de Luke. “Gilda, o que…” Ela o calou com um beijo. Sua ousadia era um
pedido de desculpas, o mais sincero voto de amor. Abraçaram-se e se tocaram até
saciar o desejo irrefreável que os alucinava.
Mas a esperança de que as mágoas estivessem dissolvidas se esvaíram logo ao
amanhecer. Gilda não esperava acordar com uma proposta de amor eterno, porém não
contava ser expulsa dali com frieza, com tão absurda grosseria!

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