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Apostila de Etologia 2007 9

Profa Dra Silvia Mitiko Nishida Depto de Fisiologia

Capitulo 3

FISIOLOGIA DO COMPORTAMENTO ANIMAL

Células nervosas e comportamento


No Jardim Botânico, deitado sobre a grama você fecha os olhos e toma ciência de vários sons
dissonantes (vento, farfalhar de folhas, etc.) e, entre eles, o som melodioso de um pintassilgo e se
pergunta:
1. Como o pássaro produz sons? (Que mecanismo o grilo usa para gerar esses sons?)
2. O que o estimula a “cantar” ? (O que deflagra o comportamento de emissão de som?)
3. Será que ele aprendeu a cantar ou já nasceu sabendo? (O comportamento é inato ou aprendido?)

Estas questões são perguntas típicas de quem busca compreender o mecanismo de


organização do comportamento, ou seja, está interessado em identificar os elementos estruturais e
funcionais do mecanismo de produção da vocalização.

Quais são os órgãos do corpo que expressam o comportamento? Quem controla esses órgãos?
Em todos os animais que tem organização metazoária, há um sistema de órgãos somáticos e viscerais
que expressam uma das duas atividades motoras: contração muscular (músculos) e secreção
(glândulas). Esses órgãos por sua vez são controlados pelos sistemas de controle: o nervoso e
endócrino.

A figura abaixo ilustra a participação do sistema músculo-esquelético na elaboração de dois


padrões de comportamentos: o salto da rã e o movimento de elevação do antebraço humano. O salto da
rã envolve principalmente dois tipos de músculos: os músculos flexores que ao se contraírem dobram as
pernas e os músculos extensores que as esticam. Para dar o pulo, primeiro, a rã flete a perna e eleva o
corpo e em seguida, contrai rápida e poderosamente os músculos extensores e aplica força gerada
contra o chão. A conseqüência é o lançamento do corpo para frente. O nosso movimento cotidiano de
elevar e abaixar o antebraço para as mais diferentes tarefas básicas também envolve dois músculos de
ação antagônica: os tríceps que os abaixam (extensão) e os bíceps que elevam (flexão).

Expressões motoras do comportamento de saltar da rã e da elevação do braço no ser humano.

São movimentos simples, mas de grande valor adaptativo: pode ser a diferença entre a vida e a
morte para a rã na tentativa de fugir de um predador. Para que os órgãos efetuadores do corpo possam
realizar movimentos e posturas é necessário a participação do Sistema Nervoso o qual levará em conta
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várias informações sensoriais na elaboração de comandos adequados para sistema músculo-esquelético


executar a ação propriamente dita.
Num nível bem simplificado e generalizado para que o comportamento seja exibido são
necessários:

SIS
SISTEMA NERVOSO

O sistema nervoso é formado por neurônios e gliócitos. Os neurônios são células altamente
especializadas e exercem basicamente três tipos de funções básicas: detecção dos estímulos
ambientais (neurônios sensoriais), processamento das informações (neurônios associativos) e
elaboração de comandos motores (neurônios motores).

Ao provocar um estímulo tátil no sifão de uma aplísia, imediatamente, ela manifestará uma
resposta motora, recolhendo as brânquias. Ao recolher a brânquia, a aplísia estará protegendo um
órgão vital (brânquias) contra potenciais
estímulos lesivos. Na epiderme do sifão
existem estruturas especializadas
denominadas receptores sensoriais que
fazem parte dos neurônios sensoriais e
que detectam os estímulos mecânicos
oriundos do meio ambiente externo.
Quando o estímulo mecânico interage com
os receptores sensoriais convertem-no em
impulsos nervosos que na verdade são
sinais elétricos. Esses sinais elétricos são
conhecidos como potenciais de ação e se
propagam até os gânglios abdominais.
Aqui a informação sensorial pode ser
processada e transferida para os
neurônios motores os quais inervam os
Comportamento de recolhimento das brânquias da aplisia músculos brânquio-motores (órgão
efetuador). Os neurônios motores enviam
impulsos nervosos para as fibras musculares e causam a contração do músculo, ou seja, o recolhimento
das brânquias. O neurônio associativo por sua vez, ao ser influenciado pelo neurônio sensorial que
inerva a cauda poderá influenciar o neurônio motor modulando ou regulando a atividade brânquio-
motora. Ainda que esta resposta defensiva ocorra com certa simplicidade neste molusco, veremos que
esta solução foi conservada ao longo da evolução dos vertebrados.

A organização do Comportamento

Como ocorre a fonação (produção de som)?

A produção de sons é de grande relevância e faz parte de uma das formas de comunicação
animal (Capitulo 4). Vejamos então a diversidade de mecanismos fonadores de algumas espécies.
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A laringe é uma estrutura primariamente associada à proteção dos pulmões contra a entrada de
líquidos e sólidos e, secundariamente, passou a exercer funções de fonação. Quando inalamos o ar
inspirado esse passa pelas cordas vocais (pregas vocais que são estruturas musculares) em posição
aberta, e enchem os pulmões. Durante a expiração, no caminho de volta, o ar passa por elas que estão
fechadas, vibrando-os. Não basta apenas o mecanismo de vibração; é necessário essas sejam
ressonadas, modulando-se o som fundamental produzido na laringe. Vibrando-se a corda do violão sem
a sua caixa a sensação acústica não é a mesma. A caixa dos instrumentos musicais serve justamente
para amplificar o sinal básico.
Uma criança tem uma voz aguda (alta) em relação ao adulto e, o homem emite sons mais graves
do que a mulher. O que faz com que haja tais diferenças? A criança possui pregas vocais menores e por
isso gera sons com freqüência mais alta. Com a chegada da puberdade nos meninos, a testosterona
(hormônio masculino) que tem amplos efeitos somáticos determina o típico acabamento masculino, age
também ao nível das pregas vocais, engrossando-as e fazendo-as vibrar produzindo sons mais graves.

As aves possuem um sistema respiratório mais complexo e


a produção de som ocorre na siringe situada na porção inferior da
traquéia e é formada de um conjunto de cordas cartilaginosas. A
arquitetura e o tamanho variam entre os sexos (dimorfismo sexual)
e a espécie. Nas aves, a própria siringe é uma caixa de som
completa, diferentemente dos demais mamíferos em que a caixa
necessita de estruturas ressonadoras. Outra particularidade notável
é que a ave pode cantar enquanto respira e há espécies que
cantam até 2 minutos contínuos.
Ouça o toutinegra no site http://www.bl.uk/collections/sound-
archive/listentonature/specialinterestlang/langofbirds16.html).

Anatomia da siringe de uma ave

Já os morcegos produzem sons na laringe e depois emitem através do nariz ou abrindo a boca.
Sua laringe possui músculos especialmente adaptados para a produção de ultrassons (sons cuja
freqüência os seres humanos não ouvem). Os morcegos emitem ultrassons e captam os ecos. Assim,
eles podem se orientar eficazmente em total escuridão, inclusive para caçar presas. Esse mecanismo de
orientação é denominado ecolocalização.

Além da laringe ou da siringe, há


outras formas de produção sonora
como a dos grilos. Os machos cantam
para atrair fêmeas para o
acasalamento (função do
comportamento). O mecanismo
fisiológico para produzir o som envolve
os mesmos músculos utilizados para o
vôo. Os sons resultam da contração
rítmica dos músculos que esfregam as
asas uma sobre a outra. A atividade
rítmica por sua vez é devido a
impulsos nervosos rítmicos originados
dos motoneurônios situados nos
Mecanismo de produção de som do grilo
gânglios torácicos.

Órgãos Sensoriais: porta de entrada dos estímulos externos e desencadeadores


do comportamento

Como o som é ouvido?


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No caso da espécie humana, em se tratando de sons da linguagem, os ouvidos captam os sinais


acústicos (sinais mecânicos) e os transformam em impulsos nervosos (transdução sensorial). Em
seguida os neurônios sensoriais enviam os impulsos nervosos até o cérebro onde são percebidos
(compreendidos). Ouvimos não apenas os sons produzidos pelos outros como os nossos próprios o que
nos permite a modulação da altura, intensidade e duração como ilustra o diagrama abaixo.

Comportamento de captura de presa em morcegos e o mecanismo de defesa anti-predatória da


mariposa

O morcego utiliza o som para se orientar. Gânglios nervosos da mariposa

O pequeno morcego marron que é captura suas presas por meio da ecolocalização: enquanto
procura a sua presa ele navega emitindo ultrassons e ouvindo os sons refletidos. Conforme as
freqüências sonoras do eco ele avalia o tamanho dos objetos e de acordo com a duração do retorno, a
distância em que se encontra. À medida que se aproxima do alvo, o morcego vai ajustando a freqüência
e o intervalo entre os pulsos sonoros de modo que vai aumentando a precisão do mapeamento, para
finalmente abatê-la em pleno vôo.
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E a mariposa? Ela teria algum mecanismo de se esquivar do predador? Sim, ela possui
mecanismos de defesa-antipredatória bastante inusitado. As mariposas não se comunicam com
membros da sua espécie por meio de ultrassons, mas, possuem um par de ouvidos cujos tímpanos
ressonam exatamente na faixa de freqüência de emissão de sons do predador possibilitando a detecção
de perigo iminente. Imediatamente a mariposa reage com uma série de manobras aéreas, tentando
frustrar a intenção do predador. As manobras interferem na freqüência de sons que voltam para o
morcego, provocando uma contaminação na informação. Evidentemente, nem um e nem o outro obtêm
sucesso 100% de sucesso e se nada mais interferir, ambas as populações se encontrarão em equilíbrio
dinâmico. Trata-se de uma estreita co-evolução da relação presa-predador onde a compreensão sobre
os mecanismos fisiológicos envolvidos explica como funcionam os mecanismos de captura da presa e
de evasão da presa.
O grilo da espécie Telogryllus oceanicus também foge dos morcegos ao detectar os ultrassons
pelos ouvidos que estão situados nas patas da frente. O grilo apresenta um comportamento “fonotático”
conforme a freqüência do som: se enquanto voa ele ouvir sons em torno de 5Hz voa em sua direção
mas de estiver a 40Khz, muda de direção.

Como o sapo captura a sua presa?

Vejamos agora o comportamento de captura de presa do sapo que envolve uma seqüência
mais complexa de padrões motores: o sapo
orienta-se visualmente para o alvo, ejeta a
língua, abocanha a presa e com as patas
dianteiras, empurra a parte da presa que ficou
de fora para dentro da boca. Seja qual for o
objeto, desde que esteja em movimento e
apresente uma determinada dimensão, o
anuro deflagrará esta seqüência de padrões
motores. Em outras palavras, o estímulo
externo que deflagra o comportamento de
Comportamento de captura de presa do sapo.
captura é essencialmente visual e altamente
específico. Assim, se oferecermos uma
minhoca morta ele não irá capturá-la; porém se oferecermos uma tira de papel com a forma de minhoca
e movimentá-la dentro do seu campo visual, ele desencadeará toda a seqüência de como se caçasse
uma presa autêntica. Assim, os estímulos que desencadeiam o comportamento de captura do sapo são
visuais de um padrão básico quanto à forma e movimento do objeto dentro do seu campo visual. Esses
estímulos visuais são os clássicos estímulos-sinais que eliciam os PFA.
Se esta hipótese for a verdadeira, uma lesão na via
visual deve afetar o comportamento. De fato, demonstrou
experimentalmente que ao se lesar a área de projeção
visual dentro do sistema nervoso central (SNC), mais
especificamente no mesencéfalo e no diencéfalo, o
comportamento de captura é impedido. Mas ao se estimular
as células nervosas diretamente no SNC, mesmo na
ausência da presa, o comportamento de captura é
desencadeado (Visite o site “Common Toad (Bufo bufo)
Prey Catching Behavior”).
Tais conhecimentos sobre o mecanismo de
organização do comportamento alimentar proporcionaram
aplicações práticas como as de estimular o comportamento
alimentar das rãs criadas em cativeiro, vibrando as rações
balanceadas, mas artificiais que são peletizadas.
Vamos analisar uma outra situação: um cão jovem-
adulto manifesta-se esperto e responsivo ao seu dono, mas
passa a manifestar o comportamento de andar em círculos para a esquerda e a manter o pavilhão
auricular abaixado do mesmo lado. O médico veterinário o examinou, realizou vários testes e concluiu
que ele está com labirintite devido a uma infecção no ouvido esquerdo. O médico então explica que o
sentido de equilíbrio do lado da infecção está comprometido, enviando mensagens falsas para o SNC
(mais especificamente aos núcleos do tronco encefálico), causando estimulação assimétrica dos
reflexos posturais do animal. Este é apenas um dos exemplos que deixa claro que a disfunção no
sistema nervoso causa desorganização do comportamento.
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Nos casos ilustrados até agora, os comportamentos foram eliciados por estímulos externos, mas
vários outros podem ser desencadeados por estímulos endógenos como fome, sede, hipotermia, etc. O
que chamamos de estímulos endógenos significa mais apropriadamente de motivação. Os
comportamentos motivados geralmente estão associados a funções de sobrevivência (alimentação,
reprodução, defesa anti-predatoria, competição entre rivais, etc.). Quando separamos didaticamente os
estímulos de exógenos e endógenos não quer dizer que esses operam separadamente, ao contrario,
são integrados pelo SNC: assim, um leão pode visualizar uma presa em potencial (estimulo externo) mas
só vai caçá-lo se estiver com fome (estimulo endógeno; motivação).
Todos os animais, com a exceção dos poríferos possuem um sistema nervoso constituído de
células nervosas sensitivas, associativas e motoras e podemos afirmar com segurança que o sistema
nervoso e os órgãos efetuadores somáticos e viscerais são elementos essenciais para que o organismo
estabeleça o seu relacionamento com o seu ambiente externo (obter alimento, reproduzir, procurar
abrigo, etc) e, ao mesmo tempo, garantir a homeostasia do meio interno.

Neurônios, células endócrinas e comportamento

Além do sistema nervoso, o sistema endócrino também exerce influências sobre o


comportamento dos animais. Esse sistema tem como mecanismo a produção de mediadores químicos
chamados hormônios endócrinos que através da corrente sanguínea chegam até determinados
tecidos alvos agem regulando a sua função. Ao contrário da ação dos neurônios sobre os órgãos
efetuadores que são rápidos e localizados, os hormônios endócrinos exercem efeitos lentos, porém mais
sustentados e, igualmente importantes para o funcionamento do organismo como um todo. Na verdade
esses dois sistemas atuam complementarmente e de modo integrado. Essas duas formas de controle
mostram que os sistemas biológicos utilizam não só parâmetros espaciais como também os temporais
para a realização de ajustes funcionais.

Suponha que você está tranqüilamente no campo, fazendo um intervalo para um lanche depois
de uma manhã inteira de “trampo”. Aliás, você já vinha até sentindo contrações estomacais de fome e só
de pensar nos itens que você preparou para comer, a boca ficava “cheia de água”, isto é, começava a
salivar. Se pudéssemos acompanhar como estariam outros parâmetros biológicos do seu corpo
veríamos que os níveis de glicose no sangue estão reduzidos e que só de ver ou cheirar a comida, todo
o canal alimentar se prepara para receber e processar o alimento: aumento da salivação, motilidade e da
secreção de glândulas intestinais, assim como reorientação de aporte sanguíneo para o intestino.
Nessas condições, o sistema nervoso autônomo parassimpático encontra-se em plena atividade.
Entretanto, subitamente você escuta um touro urrando e, ao visualizá-lo, percebe que há algo
errado. O seu cérebro reconhece rapidamente os sinais de ameaça iminente: o animal está com postura
ameaçadora, orientado em sua direção e batendo ritmicamente uma das patas dianteiras no chão. Então
a sua reação que era de tranqüilidade, repouso se pronto para restaurar a energia e os nutrientes,
mudam totalmente. Invade-lhe uma sensação de medo e ansiedade, o coração dispara, aumenta a
pressão sanguínea, a freqüência de respiração e sente o sangue fugir da face, as mãos ficam “geladas”
e começa a suar e ao mesmo tempo, o aporte de sangue toma outra direção indo para os músculos
esqueléticos. Tudo isso acontece quase instantaneamente, graças ao recrutamento de células nervosas
apropriadas que agiram sobre órgãos efetuadores apropriados. Nessa situação de alarme e de urgência
o sistema nervoso simpático assume o comando dos órgãos viscerais e prepara o organismo para
uma tomada de decisão. Agora que o organismo já está preparado automaticamente
(inconscientemente), você decide (conscientemente) fugir como um louco ao invés de enfrentar o touro!!
Independente da decisão tomada haveria um grande exercício físico envolvido.

A mesma sensação de medo e ansiedade também aciona do sistema endócrino. Nesse caso,
neurônios especializados (do hipotálamo) produzem mediadores químicos (o hormônio liberadorador da
corticosterona, CRH) que agem sobre as glândulas endócrinas situadas na hipófise. O CRH chega na
hipófise através de uma circulação sanguínea especializada (sistema porta-hipofisário). Desse modo, o
sistema nervoso tem como influenciar o sistema endócrino: ao invés do mediador químico se comportar
como um neurotransmissor, comporta-se como um hormônio endócrino agindo diretamente sobre células
endócrinas. O CRH age sobre uma da várias células endócrinas que ficam na hipófise, ou seja, nas que
produzem o hormônio corticoadenotrófico (ACTH). O ACTH é liberado pela hipófise diretamente na
corrente sanguínea, mas só na glândula supra-renal há receptores para o ACTH e só ai exercerá a sua
ação, estimulando a produção de outros hormônios, entre eles o cortisol. O cortisol também é liberado
para a corrente sanguínea e age de modo mais amplo, em vários órgãos estimulando a taxa metabólica
no sentido de mobilizar energia das fontes de reserva, aumentando o metabolismo celular, por exemplo,
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a liberação de glicose (açúcar) no sangue, já que o cérebro e o coração não podem ficar sem, assim
como os músculos.
Esse exemplo de reação do organismo a diferentes tipos de motivações (fome x medo) resulta
no recrutamento de órgãos efetuadores apropriados e combina ações de curtíssimo prazo (controlados
pelo SNA) e médio prazo (controlados pelo sistema endócrino). Evidentemente, esses dois sistemas
atuam de modo integrado como veremos.

Integração Neuro-Endócrina

Até certo ponto os dois sistemas podem atuar independentemente um do outro. Nos vertebrados
a interface entre os dois sistemas é o hipotálamo, uma estrutura neuroanatômica situada na base do
cérebro. Vejamos outro exemplo de integração entre os dois sistemas só que atuando a longo prazo.
Nos mamíferos o fato de um embrião ser geneticamente XX ou XY não é suficiente para garantir
que ele se comporte genuinamente de modo feminino ou masculino, respectivamente. Essas definições
vão sendo confirmadas ao longo do desenvolvimento e ambos, os sistemas nervoso e endócrino
precisam amadurecer sincronizada e coordenadamente para orquestrar o processo de crescimento e de
maturação sexual. Se o embrião for XY, ocorrerá uma produção temporária de testosterona (hormônio
masculino) pelo testículo embrionário. O hormônio agirá no hipotálamo sinalizando-lhe que quando
chegar a puberdade o modo dele funcionar seja produzindo sinais neurais tônicos para a hipófise o qual
regulará a gametogênese e a produção de testosterona gonadal. Se o embrião for XX, o ovário feminino
produzirá estrógeno (hormônio feminino) e o hipotálamo embrionário receberá outras instruções: na
puberdade, os sinais neurais do hipotálamo sobre a hipófise serão de modo cíclico. É por isso que o
ciclo menstrual da mulher é cíclico.
Na puberdade, em ambos os sexos, os respectivos hormônios gonadais completarão a
diferenciação dos respectivos layout masculinos e femininos (características sexuais secundárias)
agindo sobre vários tecidos do corpo, produzindo o dimorfismo típico que não são essenciais para a
reprodução mas pesam bastante na hora de escolher os parceiros sexuais. É desse modo que a
diferenciação sexual masculina programada geneticamente e favorecida pelas circunstancias ambientais
seguirá o curso natural.

Padrões de Comportamentos Cíclicos


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Se prestarmos bastante atenção verificaremos que várias atividades viscerais e somátcas


apresentam padrões cíclicos. Por exemplo, as fêmeas do grilo Teleogrillus ficam escondidas em tocas ou
sob folhas durante o dia. Enquanto isso os machos cantam para atraí-las durante a noite. O que faz com
que o centro de produção de canto dos machos fique inibido durante o dia e outros comportamentos se
expressem? É possível, num ciclo de 24 horas, haver um esquema temporal que regula as atividades
neurais? Os cientistas trabalham com duas hipóteses:
1) independentemente das mudanças do meio, há um relógio biológico endógeno
2) o sistema nervoso possui mecanismo sincronizado às oscilações temporais cíclicas do meio
ambiente (fotoperíodo, temperatura, etc.)

Loher observou que a expressão do canto dos machos de grilos apresentam ritmicidade
endógena mas que está sincronizada com o fotoperíodo. Em outras palavras, se forem submetidos à luz
continua por 24h dias consecutivos (regime de livre curso), os machos manterão um ritmo inabalável de
24 horas porém temporalmente defasados. Ao serem submetidos diariamente a um novo ritmo de 12
horas de luz e 12 horas de escuro, cantam somente no inicio da noite (com uma antecipação de 2
horas), indo até antes da luz se acender novamente (2 horas antes). Em outras palavras, o grilo possui
um relógio biológico endógeno sincronizado a marcadores temporais externos (fotoperiodo) que
também apresentam ritmos circadianos (ciclo de rotação terrestre). De fato, praticamente todos os seres
vivos possuem atividade circadiana. Se as vias visuais periféricas forem experimentalmente lesionadas,
o grilo cantará como se estivesse em regime de livre curso. Por outro lado, se o lobo óptico for destruído,
o grilo passará a cantar ao acaso ao longo do dia. Tudo indica que nos insetos o lobo óptico é essencial
na organização dos padrões rítmicos de atividades.
Nos vertebrados, o relógio biológico localiza-se no núcleo supraquiasmático (SCN) situado no
hipotálamo o qual também recebe entradas sensoriais originadas da retina. Fazendo uma analogia com
o lobo óptico do grilo, o que aconteceria se o SCN de um rato fosse lesionado? Experimentos
mostraram que não só os padrões de atividades comportamentais (locomoção, alimentação, ciclo sono-
vigilia) mas a secreção de hormônios endócrinos também ficava aliterada.
Estudos recentes mostraram que a expressão do gene per (que codifica a proteína PER) ocorre
com periodicidade de 24h alternada com o gene tau que expressa a enzima que degrada a PER. As
moscas de fruta com alteração na sua ritmicidade circadiana apresentam mutação do gene per.
Podemos concluir que a expressão genética e circadiana de 24horas do gene per deve estar relacionado
com a geração endógena de ritmos biológicos (base biológica do relógio biológico dos animais).
Por outro lado, os ratos pelados (mole naked rat) não apresentam qualquer padrão de
ritmicidade circadiana. Esses animais são cegos e viverem o tempo todo dentro de escavações
subterrâneas.
Finalmente, é bom lembrar que além da periodicidade de 24 horas, há padrões rítmicos de maior
duração como os ciclos estacionais que se repetem anualmente.

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