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https://doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.1462
Resumo
Neste artigo teórico temos como objetivo o apuramento do caráter paradigmático do con-
ceito freudiano de melancolia em relação ao suicídio. Iniciaremos este trajeto recorrendo
aos primeiros escritos de Freud e procuraremos circunscrever a relevância de uma perda
peculiar na melancolia (1895/1996). Seguiremos pelos trabalhos dedicados à metapsicologia
em que o tema da melancolia (1917[1915]/1996) é articulado ao suicídio por meio da propo-
sição de que o eu apenas se mata desde que identificado ao objeto perdido. A partir deste
respaldo, será possível questionar a passagem ao ato suicida como o extremo da recusa ao
efêmero. Sendo o inconsciente incapaz de executar o ato de se matar, a recusa coloca em
evidência um rechaço do inconsciente. Sustentaremos, a partir do ensino de Lacan (1962-
63/2005) que a passagem ao ato suicida se estrutura como um rechaço que tem no triunfo
do objeto a um momento no qual o sujeito é suprimido e identificado ao que é irredutível
ao significante.
Palavras-chave: Melancolia; Suicídio; Psicanálise; Freud
Abstract
In this theoretical article, we aim to establish the paradigmatic character of the melancho-
lia’s freudian concept in relation to suicide. We shall begin this journey by recourse to
Freud's early writings and attempt to circumscribe the relevance of a peculiar loss in mel-
ancholia (1895/1996). We will proceed through the works dedicated to metapsychology in
which the theme of melancholia (1917[1915]/1996) is articulated to suicide by means of
the proposition that the ego only kills itself since identified to the lost object. From this
support, it will be possible to question the passage to the suicidal act as the extreme of
the refusal to the ephemeral. Since the unconscious is incapable of executing the act of
killing itself, the refusal puts in evidence a rejection of the unconscious. From the Lacan’s
teaching (1962-63/2005), we will argue that the passage to the suicide act structures itself
as a rejection that has in the triumph of the object a T the moment in which the subject is
suppressed and identified with what is irreducible to the signifier.
Keywords: Melancholia; Suicide; Psychoanalysis; Freud
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objeto amado passando assim a exigir a reti- objeto é desde sempre marcado pela perda
rada da libido e um reinvestimento distinto. A quando digno de representação na esfera psí-
reação à perda é o desencadeamento do tra- quica. Todavia, o que temos reafirmado com
balho de luto que pode acontecer de forma esta barreira ao âmbito das palavras, é que o
vagarosa. Isto torna o mundo pobre e vazio de processo melancólico se desencadeia por uma
investimento libidinal, diferentemente da na via distinta: uma vez que não é marcado o li-
melancolia em que é o eu que se torna empo- miar representativo, a perda sequer chega a
brecido. ser representada como tal. Tanto no “Rascu-
nho G” (1895/1996) quanto em “Luto e me-
Freud afirma que a melancolia é similar ao lu-
lancolia” (1917[1915]/1996), indica-se o des-
to, é também uma reação à perda do objeto
membramento doloroso desencadeado pela
amado. À melancolia se acrescenta uma con-
ausência de uma representação que permitis-
dição ausente no luto: “a perda do objeto de
se o acesso ao objeto como perdido. Desde
amor mostra-se como uma ocasião muito ex-
então, impera o vazio de representação que
cepcional para que a ambivalência que havia
recai como uma sombra sobre o eu melancóli-
nas relações amorosas agora se manifeste e
co.
passe a vigorar” (Freud, 1917[1915]/1996, p.
110). A ambivalência tem um destino na me- Pela anestesia que torna inacessível a repre-
lancolia que se perfaz pela desfusão que gera sentação e pela fraca aderência ao objeto
o ataque do eu a si próprio. Este mecanismo pode-se compreender que não há elaboração
tão salutar na melancolia é peculiar para os na perda melancólica. É possível também in-
desdobramentos teóricos que Freud dará ao terrogar qual o estatuto disto e se há perda
tema do suicídio. Porém, é preciso ainda ob- de algo que é irrepresentável. A oposição ao
servar alguns detalhes sobre este processo as- luto, processo em que a perda é passível de
severados em 1915. representação, torna evidente que este obje-
to melancólico deve ser resguardado pois o
A fraca aderência à representação do objeto
amor a ele não pode ser pedido. Este amor
que vigora na melancolia é similar ao que se
que retorna ao eu por via identificatória é
apregoava nos primeiros escritos freudianos
narcísico e não é conivente com a efemerida-
como a impossibilidade de atingir o grupo de
de. Sua contrariedade à transitoriedade é o
ideias. Como já indicamos, é isto que subsidia
que suporta a sombra que passa a imperar
o vazamento na esfera psíquica e o que faz
causando efeitos catastróficos sobre o eu.
com que a perda não possa ser representada.
A consideração de que, neste ponto do pro- Munidos deste percurso acerca da conceitua-
cesso melancólico, nada mais há senão a falta ção freudiana de melancolia, assinalamos que
é equivalente ao esvaziamento da esfera psí- uma concepção sobre o suicídio é possível
quica. Frente a esta drenagem representacio- desde a proposta de que o eu pode atacar a si
nal o eu se torna empobrecido e indigno em próprio quando identificado com um outro ob-
um mecanismo que é alimentado pela própria jeto. Esta proposta freudiana de que o eu
destruição. Portanto, é por esta identificação consente com a própria destruição, sob a
que “a sombra do objeto caiu sobre o eu” sombra do objeto, é compatível com o que o
(Freud, 1917[1915]/1996, p. 254) e, dessa autor afirma, em seu “Reflexões para os tem-
forma, o eu pode causar toda a sua própria pos de guerra e morte” (1915/1996), sobre
tortura, como se fosse o objeto digno de ódio. “no inconsciente cada um de nós está con-
vencido de sua própria imortalidade” (p.
É importante salientar que a identificação é
299). Logo, diante da interrogação sobre co-
com a sombra do objeto e não com um traço
mo pode o eu consentir com a própria morte,
ou representação deste. A perda do objeto
como resposta é possível propor que, identifi-
pela impossibilidade de catexização acontece
cado a um objeto, este caminho destrutivo
fora do âmbito das palavras, de acordo com
encontra maior facilidade para se consumar
Freud (1917[1915]/1996, p. 261), sendo bar-
uma vez que a imortalidade do objeto não é
rado o caminho da elaboração representacio-
um preceito.
nal. Como indicamos no tópico anterior, há
um limiar a partir do qual a tensão física, as- A respeito da morte, Freud (1915/1996) asse-
cendendo à esfera psíquica, teria significa- vera que “nosso inconsciente não executa o
ção. Atingido o grupo psíquico, dá-se o pro- ato de matar; ele simplesmente o pensa e o
cesso representativo e a perda do objeto. O deseja” (p. 307). Esta afirmação é cabal para
nossa reflexão acerca do suicídio a partir da elaborável e transitório. Seguiremos com esta
melancolia. A partir dela é possível destacar proposição sabendo que isto que a conceitua-
que a execução do ato de matar não pertence ção freudiana de melancolia viabiliza a res-
ao esteio representacional do inconsciente. peito do suicídio pode ser examinado no ensi-
Isto se aplica ao suicídio que, de acordo com no de Lacan, de 1962-63, a respeito da passa-
o paradigma melancólico, acontece a partir gem ao ato.
da identificação ao objeto. A morte apenas
pode ser desejada e pensada, mas sua execu-
ção em forma de ato é um contraponto ao in- O suicídio e a conceituação lacaniana de
consciente. Dessa maneira, questionamos se o passagem ao ato
paradigma melancólico, segundo o qual o eu Ocupamo-nos do processo melancólico de ma-
se destrói sob a regência de uma sombra, de neira pormenorizada nos tópicos anteriores
um irrepresentável, é congruente ao enten- em razão de que sua conceituação, a partir
dimento de que o ato de se matar é um re- dos primeiros escritos e da metapsicologia
chaço do inconsciente. freudiana, permite compreender que o suicí-
Antes de avançar sobre os desenvolvimentos dio tem a melancolia como paradigma na me-
dessa questão, é preciso atentar a um detalhe dida em que o eu apenas consente com sua
referente à pulsão de morte nas considera- própria destruição quando identificado a um
ções de Freud sobre a melancolia. Será em “O objeto. Este objeto, como procuramos frisar,
ego e o id” (1923/1996) que Freud retomará possui um caráter de não representatividade,
melancolia e suicídio em uma articulação de uma sombra que escapa aos aspectos sim-
que, desta vez, acontece sob o crivo da pul- bólicos e que recai de forma danosa sobre o
são de morte. Esta retomada tem o supereu eu.
como protagonista que age de maneira cruel Embora Freud não siga adiante com uma teo-
e truculenta sobre o eu. É assim que a divisão rização a respeito do suicídio, seus aponta-
entre amor e ódio que Freud mentos não deixam de ser fundamentais e in-
(1917[1915]/1996) indicou na melancolia tem dispensáveis para uma discussão sobre o te-
agora no supereu um agente que assume o sa- ma. Um exemplo desta relevância está no ca-
dismo que sobrepuja o eu. Perante esse impe- so discutido em “Psicogênese de um caso de
rativo o eu se submete ao castigo e a não ob- homossexualismo numa mulher” (1920/1996)
jeção se respalda na identificação ao objeto, em que o autor faz discussões clínicas de im-
que desde então será recriminado e tortura- portância atual e também nos oferece algu-
do. mas considerações sobre a tentativa de suicí-
Essa instância tirânica que contém o sadismo dio cometida pela Jovem Homossexual. Para
dirigido ao eu é representante da pulsão de os objetivos de nosso trabalho não é necessá-
morte. Por meio de um processo de desfusão rio que nos atenhamos à riqueza com a qual o
pulsional o supereu tem tal função atribuída leitor do caso pode se deparar. Basta nos
que, na melancolia, se evidencia pela cruel- atermos ao que o autor empreende como uma
dade separada do componente erótico. Essa “análise da tentativa de suicídio” (p. 173),
expressão avassaladora do supereu leva Freud tentativa que não deixou de ser percebida
(1923/1996) a retomar a articulação entre como seriamente intencionada e impactante
melancolia e suicídio ao propor que este ex- para os familiares da jovem.
cesso pulsional gera uma “cultura pura do ins- A jovem em questão é levada até Freud pelos
tinto de morte” (p. 66). Assim, a ruína do eu pais que pertencem a uma família de posição
primeiramente identificada como uma hemor- social privilegiada naquela sociedade. A razão
ragia dolorosa por um buraco na esfera psí- da preocupação dos familiares estava na de-
quica, depois como o esvaziamento dos repre- voção da jovem a uma dama da má reputa-
sentantes e, por último, como uma cultura ção. Os galanteios e a servitude da jovem a
pura de pulsão de morte, tem nestes três esta mulher mais velha passaram a ser públi-
enunciados o caráter de sofrimento arrebata- cos e, em certa ocasião, isto que não era es-
dor em que o âmbito representacional se au- condido do pai é a ele mostrado de maneira
senta diante de um excesso silenciador. A espetacular. A tentativa de suicídio decorre
predominância deste vazio sombrio advém em desta situação em que o pai se depara com
oposição ao âmbito do que é representável, ambas juntas na rua e seu olhar não prenun-
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cia boa coisa. Em seguida, ao saber que o pai uma sobra. É identificada a um rebotalho que
havia impedido aqueles encontros, a dama a tentativa de suicídio da jovem se deflagra.
põe termo ao que se estabelecia entre elas
Isto que Freud (1920/1996) indica no deixar-
até aquele momento. O olhar enfurecido do
se cair da paciente será retomado por Lacan
pai e o afastamento exigido pela dama são
em seu ensino de 1962-63. Esta retomada
eventos que antecedem a tentativa de suicí-
empreendida pelo psicanalista francês, neste
dio da jovem que, após a ruptura do relacio-
período especifico, será pontual no que diz
namento, corre e se ativa pelo vão de uma
respeito à conceituação de passagem ao ato.
ponte férrea.
Entendemos que esta conceituação autentica
A tentativa de suicídio da Jovem Homossexual o que temos assinalado a respeito da melan-
não é diretamente atribuída por Freud aos colia como paradigmática para o suicídio na
eventos antecessores, sua análise remete ao medida em que a passagem ao ato tem em
inconsciente. Freud retira a causalidade da seu cerne a presença fulgurante do objeto a.
tentativa de suicídio dos eventos antecessores Este objeto peculiar no ensino de Lacan é o
e aponta o inconsciente como continente dos que resta da divisão do sujeito do campo do
operadores do ato. Seu exame do caso é for- Outro e é sublinhado como aquilo que é irre-
temente edípico e tem uma centralidade na dutível ao significante e também como o que
figura paterna. Assim, sobre o desencadea- escapa aos parâmetros do imaginário. Este
mento do ato suicida o autor afirma: objeto é alinhado por Lacan àquilo que não
A tentativa de suicídio, como se podia esperar,
engana, ao que não é da ordem do significan-
foi determinada por dois outros motivos, além do te e da cena constituída pelo Outro. O objeto
que ela forneceu: a realização de uma punição a é real e tem, nos anos de 1962-63, uma
(autopunição) e a realização de um desejo. Esse abordagem clínica orientada sob o crivo do
último significava a consecução do próprio desejo
que, quando frustrado, a impelira ao homosse-
afeto da angústia.
xualismo: o desejo de ter um filho do pai, pois
O objeto a ganha corpo através da angústia na
agora ela ‘caíra’ por culpa do pai (Freud,
1920/1996, p. 173). proporção em que esta emerge a partir do
ceifar do significante. A angústia substanciali-
Freud reúne dois fatores que convergem no za esse objeto que remete à dimensão do real
ato suicida: a realização de uma autopunição e que tem sua constituição distinta daquilo
que pode ser alinhada ao que propomos como que é da ordem da especularização e do signi-
um paradigma melancólico; e um segundo fa- ficante. A angústia é assim um afeto que não
tor que indica o ato como engrenagem para a engana por diferenciar-se do significante de-
uma realização de desejo que, nos termos rivado da divisão do sujeito no campo do Ou-
freudianos, permite articular o suicídio com a tro. Este objeto que mantém com a angústia
pulsão de morte. Assim, em seu cair a Jovem uma relação de funcionalidade tem uma loca-
Homossexual realiza um desejo na medida em lização distinta da objetividade e é central na
que se identifica com algo que não tem con- conceituação de passagem ao ato. Sobre esta
tornos simbólicos. centralidade, é importante destacar que La-
O cair da jovem é nomeado por Freud can (1962-63/2005) propõe, ao retomar o ca-
(1920/1996) como niederkommen1 que, em so da Jovem Homossexual, como condições
alemão, designa tanto deixar-se cair quanto essenciais para a passagem ao ato o seguinte:
parir, dar à luz. Este termo é fundamental pa- A primeira [condição] é a identificação absoluta
ra o que se segue em nosso percurso pois é no do sujeito com o a ao qual ele se reduz. É justa-
deixar-se cair da paciente de Freud que con- mente o que sucede com a moça no momento do
encontro. A segunda é o confronto do desejo com
vergem os dois fatores inconscientes envolvi- a lei. Aqui, trata-se do confronto do desejo do
dos no desencadeamento do ato. Assim, a pai, sobre o qual se constrói toda a conduta dela,
proibição estabelecida pelo pai é sancionada com a lei que se faz presente no olhar do pai. É
pela dama quando rompe o relacionamento através disso que ela se sente definitivamente
identificada com o a e, ao mesmo tempo, rejei-
entre ambas e este cruzamento é o que ante- tada, afastada, fora da cena. E isso, somente, o
cede o movimento em que a jovem cai como abandonar-se, o deixar-se cair, pode realizar (La-
can, 1962-63, p. 125)
ção apresentada aos olhos do pai. O desfecho timento no grupo psíquico acarretada pela
que se firma no olhar do pai tem na recusa da anestesia promulga um vazamento doloroso
dama um fator desencadeador para a identifi- das representações pertencentes à esfera psí-
cação com esse resto. É como um resto que a quica. O reconhecimento de uma anestesia
jovem se identifica de forma absoluta no como base do processo melancólico remete a
momento da passagem ao ato. Portanto, nes- um limiar a partir do qual se estabelece a en-
te momento é que impera esse objeto des- trada na esfera psíquica. Assim, na melanco-
provido de significantes e de aparato imaginá- lia se firma uma ausência de significação co-
rio. Isto equivale ao que apontávamos a res- mo marca irreparável que caracteriza a perda
peito da melancolia como paradigma, do es- melancólica de forma específica: como im-
vaziamento representacional e da sombra que possível de elaboração. A partir de “Luto e
eclipsa o eu em um processo de destruição. melancolia” (1917[1915]/1996) são delineadas
Itens estes que podem ser reunidos na susten- peças-chave na conceituação de melancolia
tação de uma “teoria freudiana do suicídio” como, por exemplo, a proposta de uma dispo-
(Brunhari, 2015). sição patológica diferenciadora do luto, a in-
dicação de uma perda mais ideal e o abando-
A identificação absoluta ao objeto a como
no da representação pela fraca aderência ao
condição essencial para a passagem ao ato
objeto. Tomar o “Rascunho G” (1895/1996) e
sintetiza o que buscamos descrever anterior-
“Luto e melancolia” (1917[1915]/1996) como
mente como uma chave que a melancolia ofe-
eixos para a discussão sobre a melancolia
recia a Freud a respeito do suicídio. Sobre o
permite indicar a existência de um ponto em
império dessa sombra vazia de representação
que se evidencia o vazio representacional que
no instante da identificação ao objeto a, Pa-
se dispõe sobre o eu ocasionando efeitos ca-
blo Muñoz (2009) afirma que “a passagem ao
tastróficos.
ato suicida realiza o rechaço do sujeito igno-
rando-se da cena. O sujeito cai reduzido ao Buscamos sublinhar que a conceituação de
que é mais fundamentalmente como objeto, o melancolia oferece a Freud um respaldo para
real do objeto se encarna” (p. 141). O mo- que algumas asserções sobre o suicídio sejam
mento da passagem ao ato edifica um triunfo traçadas. Não reduzindo a problemática do
do objeto e coincide com a supressão do su- suicídio a um determinado quadro da nosogra-
jeito para fora da cena constituída pelo Ou- fia, apenas assinalamos que a melancolia evi-
tro. dência uma escassez simbólica que pode ar-
rastar o eu à autodestruição. Sobre esta es-
A respeito da melancolia como exponencial
cassez, partimos de sua contrariedade ao que
para a passagem ao ato suicida, Lacan (1962-
é do âmbito da transitoriedade, ou seja, a re-
63/2005) indica, em referência ao triunfo do
cusa ao que possui duração determinada é o
objeto a no momento da passagem ao ato,
que sustenta, na metapsicologia freudiana, a
que “não é à toa que o sujeito melancólico
identificação ao objeto que causará a derro-
tem tamanha propensão, e sempre realizada
cada melancólica.
com rapidez fulgurante, desconcertante, a se
atirar pela janela” (p. 124). A defenestração A partir do paradigma melancólico propõe-se
marca a limitação desde onde se precipita o que, sob o império da sombra do objeto, o eu
rebotalho em uma relação de rechaço com o pode consentir com a própria destruição. Esta
significante. Isto que na obra de Freud pode compreensão de que um irrepresentável ope-
ser delineado a partir da melancolia e da ra como protagonista no momento do ato sui-
sombra de um objeto perdido de maneira es- cida é coerente com a impossibilidade desta-
pecífica tem como passível de articulação, no cada por Freud (1915/1996) de que o incons-
ensino de Lacan, o instante da passagem ao ciente possa executar um ato de morte. Pro-
ato. Este momento em que triunfa o real po- pusemos, então, que uma compreensão sobre
de ser alinhado a uma posição de rechaço do o suicídio é viável a partir de uma congruên-
inconsciente. cia entre o rechaço do inconsciente e a som-
bra irrepresentável que engendra efeitos
avassaladores sobre o eu. Sobre esta con-
Considerações finais gruência, foi a partir do caso da Jovem Ho-
De acordo com os primeiros escritos freudia- mossexual que se destacou que a queda acon-
nos sobre a melancolia, a ausência de inves- tece no momento em que há redução a um
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Melancolia e (im)permanência: fundamentos para uma teoria freudiana do suicídio 253
rebotalho. Desde o ensino de Lacan (1962- das obras psicológicas completas de Sigmund
63/2005) buscamos circunscrever este mo- Freud, Vol. 1). Rio de Janeiro: Imago.
mento peculiar à identificação absoluta do su- Freud, Sigmund (1895/1996). Rascunho G. Melan-
jeito ao objeto a. Esta identificação com o ir- colia. (Edição Standard Brasileira das obras psi-
redutível ao significante é condição essencial cológicas completas de Sigmund Freud, Vol. 1).
na passagem ao ato e indica que, no instante Rio de Janeiro: Imago.
da passagem ao ato suicida, o objeto a triun- Freud, Sigmund (1915/1996). Reflexões para os
fa. Desse modo, com base no contraponto ao tempos de guerra e morte. (Edição Standard Bra-
que se apregoa em torno da noção freudiana sileira das obras psicológicas completas de Sig-
de transitoriedade em que a perda não desva- mund Freud, Vol. 14). Rio de Janeiro: Imago.
loriza o objeto é que se torna possível alinhar
Freud, Sigmund (1916[1915]/1996). Sobre a transi-
o paradigma melancólico, o império da som- toriedade. (Edição Standard Brasileira das obras
bra e a recusa à efemeridade como este ins- psicológicas completas de Sigmund Freud, Vol.
tante de supremacia do objeto a crucial na 14). Rio de Janeiro: Imago.
passagem ao ato.
Freud, Sigmund (1917[1915]/1996). Luto e melan-
colia. (Edição Standard Brasileira das obras psi-
Referências cológicas completas de Sigmund Freud, Vol. 14).
Rio de Janeiro: Imago.
Brunhari, Marcos Vinicius (2015). O ato suicida e
sua falha. Tese de doutorado, Universidade de Freud, Sigmund (1920/1996). A psicogênese de um
São Paulo, São Paulo. caso de homossexualismo numa mulher. (Edição
Standard Brasileira das obras psicológicas com-
Freud, Sigmund (1892-93/1996). Um caso de cura pletas de Sigmund Freud, Vol. 18). Rio de Janei-
pelo hipnotismo. (Edição Standard Brasileira das ro: Imago.
obras psicológicas completas de Sigmund Freud,
Vol. 1). Rio de Janeiro: Imago. Freud, Sigmund (1923/1996). O Ego e o Id. (Edição
Standard Brasileira das obras psicológicas com-
Freud, Sigmund (1893/1996). Rascunho B. A etiolo- pletas de Sigmund Freud, Vol. 19). Rio de Janei-
gia das neuroses. (Edição Standard Brasileira das ro: Imago.
obras psicológicas completas de Sigmund Freud,
Vol. 1). Rio de Janeiro: Imago. Lacan, Jacques (1962-63/2005). Seminário, livro
10 – a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Freud, Sigmund (1893-1895/1996). A psicoterapia
da histeria. (Edição Standard Brasileira das obras Muñoz, Pablo D. (2009). La invención lacaniana del
psicológicas completas de Sigmund Freud, Vol. pasaje al acto: de la psiquiatría al psicoanálisis.
2). Rio de Janeiro: Imago. Buenos Aires: Manantial.
Freud, Sigmund (1894/1996). Rascunho E. Como se Tochtrop, Leonardo (1968). Dicionário Alemão –
origina a angústia. (Edição Standard Brasileira Português. 5ª. Edição. Porto Alegre: Editora Glo-
bo.
DIRECCIÓN DE CONTACTO
mvbrunhari@gmail.com
FORMATO DE CITACIÓN
Brunhari, Marcos Vinicius (2018).Melancolia e (im)permanência: fundamentos para uma teoria freudia-
na do suicídio. Quaderns de Psicologia, 20(3), 245-254.
http://dx.doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.1462
HISTORIA EDITORIAL
Recibido: 11/06/2018
1ª Revisión: 27/07/2018
Aceptado: 31/07/2018
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