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O que é “desvio produtivo do consumidor” e como isso pode afetar a sua empresa?

Reconhecido como um “novo” dano indenizável no ordenamento jurídico, o desvio produtivo se dá pelo
reconhecimento da perda de tempo útil do consumidor.

Nas relações de consumo ocorre com mais frequência a perda do tempo proveniente de um terceiro, em
situações do cotidiano que consomem tempo, como por exemplo: esperar na fila de um banco, aguardar
atendimento em uma loja, ou até mesmo pelo telefone, tentando resolver problemas como cobrança
indevida, o cancelamento de um serviço, etc.

Esse tipo de conduta das empresas ocasiona imensuráveis perda de tempo ao consumidor, o privando de
utilizar seu tempo produtivamente em outras situações.

Atualmente, o tempo pode ser caracterizado como um bem jurídico, tendo em vista ser necessário para ao
bem-estar do ser humano, proporcionando a realização de tarefas que trazem prazer e utilidades pessoais.
A expressão “tempo é dinheiro” emprega com precisão a importância do uso do tempo no dia a dia,
levando em consideração que se trata de um bem irrecuperável.

Como isso pode afetar sua empresa?

Nas relações de consumo, o desvio produtivo é passível de indenização, tendo em vista a responsabilidade
civil ser aplicada de forma objetiva, ou seja, independe de culpa, bastando a coexistência do dano e nexo
causal1.

O legislador ao fixar a responsabilidade objetiva nas relações de consumo, levou em consideração que o
empresário/fornecedor, ao empreender um determinado negócio, assume o risco de reparar os danos
causados ao consumidor em decorrência de sua atividade empresarial.

Doutrinadores e o próprio Judiciário vêm empregando firmes posicionamentos no sentido da existência de


dano moral indenizável quanto à perda de tempo útil do consumidor, entendendo que o tempo representa
a vida em seu decurso natural, bem como, todas as atividades que poderiam ter sido exercidas durante o
período que fora tirado de quem detinha o direito de escolher como usá-lo.

Não se trata de um mero “aborrecimento”, mas sim da perda de um bem de importância imensurável para
todos: o tempo.

O Judiciário encontra amparo para aplicar o dano moral descrito acima na violação da dignidade da
pessoa humana, e no Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos
1
É o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido; examinar o  nexo de causalidade é descobrir quais condutas, positivas
ou negativas, deram causa ao resultado previsto em lei.
6º, IV e VI, e 7º. In verbis:

 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


[...]
       IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou
desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos
e serviços;
[...]
        VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e
difusos;

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções
internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos
expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios
gerais do direito, analogia, costumes e equidade. (g.n.)

Os artigos supramencionados descrevem os direitos básicos, encontrando vedação nas práticas abusivas
submetidas aos produtos e serviços oferecidos ao consumidor.

A indenização que os tribunais aplicam nesses casos, possuem o caráter educativo, com o objetivo de
desestimular os fornecedores a reiterarem essas práticas que prejudicam o consumidor, contribuindo com
a melhoria da prestação de serviços no mercado.

Neste sentido, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região aplicou a teoria do desvio produtivo,
evidenciando a ofensa do consumidor:

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APELAÇÃO CÍVEL. CEF. DESCONTO INDEVIDO DE VALOR DE CONTA CORRENTE.
SAQUE NÃO EFETIVADO POR ERRO OPERACIONAL. ESTORNO. MOROSIDADE.
OBTENÇÃO APENAS MEDIANTE AÇÃO JUDICIAL. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO
CONSUMIDOR. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. HONORÁRIOS. MANUTENÇÃO.
SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.  [...] 
II. Demonstração de que o autor só obteve resposta negativa ao seu requerimento administrativo para
estorno de valores 4 (quatro) meses depois do pedido. Valores que foram estornados mediante
reconhecimento judicial.
III. Aplicação ao caso da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, já que o autor, depois de
contestado o débito, passou período de tempo não razoável para receber resposta negativa da
instituição bancária, precisando socorrer-se do Poder Judiciário para ver sanado equívoco contábil.
Precedente.
IV. Indenização por danos morais que se fixa em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Precedentes. (TRF-1,
AC 0002953-10.2008.4.01.4100, relator: Desembargador Jirair Aram Meguerian. SEXTA TURMA.
Data de publicação: 06/08/2018)

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https://www2.cjf.jus.br/jurisprudencia/trf1/index.xhtml
O Superior Tribunal de Justiça também se manifestou quanto a teoria supramencionada, no julgamento do
Recurso Especial nº 1.634.851/RJ e no AREsp1.260.458/SP, abrindo precedentes, ressaltando:

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À frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, não é razoável que se acrescente o desgaste
para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao
menos, atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo,
intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o
dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo (STJ. Resp. nº 1.634.851/RJ.
Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 12/09/2017).

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AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE
DÉBITO, CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E CONSIGNAÇÃO EM
PAGAMENTO. 1. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA N. 7 DO STJ. 2. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. MESMO ÓBICE
SUMULAR. 3. AGRAVO CONHECIDO PARA NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL.
[...]      
Com efeito, tem-se como absolutamente injustificável a conduta da instituição financeira em insistir
na cobrança de encargos fundamentadamente impugnados pela consumidora, notório, portanto, o
dano moral por ela suportado, cuja demonstração evidencia-se pelo fato de ter sido submetida, por
longo período [por mais de três anos, desde o início da cobrança e até a prolação da sentença], a
verdadeiro calvário para obter o estorno alvitrado, cumprindo prestigiar no caso a teoria do Desvio
Produtivo do Consumidor, por meio da qual sustenta Marcos Dessaune que todo tempo desperdiçado
pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano
indenizável, ao perfilhar o entendimento de que a "missão subjacente dos fornecedores é - ou deveria
ser - dar ao consumidor, por intermédio de produtos e serviços de qualidade, condições para que ele
possa empregar seu tempo e suas competências nas atividades de sua preferência. Especialmente no
Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao
cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e
serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei. Para evitar
maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar
as suas custosas competências - de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer - para
tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar. Tais
situações corriqueiras, curiosamente, ainda não haviam merecido a devida atenção do Direito
brasileiro. Trata-se de fatos nocivos que não se enquadram nos conceitos tradicionais de 'dano
material', de 'perda de uma chance' e de 'dano moral' indenizáveis. Tampouco podem eles (os fatos
nocivos) ser juridicamente banalizados como 'meros dissabores ou percalços' na vida do consumidor,
como vêm entendendo muitos juristas e tribunais. (STJ – AREsp nº 1.260.458 – SP 2018. Relator:
Ministro Marco Aurélio Bellizze. Data de publicação: 25/04/2018).

Resta consignar que o desvio produtivo do consumidor pode ocasionar danos irreparáveis também aos
fornecedores, tendo em vista que, além de ocasionar reparações onerosas, denigrem a imagem da

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https://scon.stj.jus.br/SCON/decisoes/doc.jsp
4
https://scon.stj.jus.br/SCON/decisoes/doc.jsp
empresa, a rotulando de má prestadora de serviço/atendimento, influenciando os consumidores a
buscarem outro fornecedor respeitado no mercado.

Qual a forma de prevenção?

As empresas devem tomar atitudes concretas para evitar a ocorrência de danos ao consumidor, presando
por uma conduta compatível com a lealdade e confiança que a relação impõe.

Seguem algumas dicas de como prevenir a perda de tempo dos clientes/consumidores:

1 – Treinamento de equipe
O investimento no treinamento de sua equipe é primordial ao bom atendimento do consumidor. Os
colaboradores precisam atender os clientes de uma forma empática, entender seus problemas e procurar
solucioná-los da forma mais rápida e com qualidade, agindo sempre de modo solícito e gentil.
Faça do atendimento o diferencial de sua empresa!

2- Contatos imediatos
Acompanhe a reclamação dos clientes através de canais de SAC, e-mail, site e redes sociais, fornecendo
soluções rápidas, evitando desperdiçar o tempo do consumidor com a demora do atendimento.

3 – Capacidade de entrega do produto (clareza na informação)


O estabelecimento deve ser capaz de entregar o produto ou o serviço exatamente da forma como foi
divulgada, evitando assim reclamações e cancelamentos pelo consumidor.

4 – Trabalhe a imagem da empresa


É importante realizar divulgações e pesquisas de satisfação sobre o atendimento e prestação de serviços
da empresa, visando aprimorar a cada dia esse departamento.

5 – Investir na tecnologia em prol da empresa


Use a tecnologia em favor da agilidade do atendimento, investindo em softwares e programas que torne o
atendimento ao consumidor mais célere, como por exemplo o redirecionamento telefônico ao setor que o
cliente visa atendimento, realizar atendimentos pelo WhatsApp e etc.

Conclusão
Com a modernidade, o judiciário vem se adequando as necessidades da sociedade, aplicando novos
entendimentos sobre danos morais indenizáveis, devendo as empresas se adaptarem e investirem cada vez
mais no bem-estar do consumidor, elevando sua marca e evitando prejuízos da natureza tratada acima.

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