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A

LINGUAGEM DOS CÃES: OS SINAIS DE


CALMA

TURID RUGAAS

Traduzido por:
Alexandra Costa de Souza
Este livro é a tradução da obra On Talking Terms With Dogs: Calm Signals Autora Turid Rugaas

Este livro é publicado com a autorização de Turid Rugaas.

© Versão inglesa, Abril de 1997, por Turid Rugaas e Terry Ryan.


© Da edição em língua portuguesa Kns Ediciones S.C., 2011.

Primeira edição: 2011

ISBN: 978-84-937456-8-4

Tradução: Alexandra Costa de Souza

Capa e composição gráfica: Ana Loureiro


Ilustrações cedidas por Turid Rugaas

Autora: Turid Rugaas. Books 109. N-3360 Geithus, Noruega


Para obter este livro ou outros desta editora, contacte:
Kns Ediciones http://www.knsediciones.com
e-mail: portugal@knsediciones.com

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, texto ou ilustrações, e não pode ser transmitida
por meios eletrónicos, nem mecânicos, sem a autorização, por escrito, da autora, à exceção de breves transcrições para
comentar a obra.

A minha eterna gratidão e amor para VESLA, por ter iniciado tudo isto, por ser ela
mesma.
Índice

Apresentação (edição espanhola)

A história de Vesla

Introdução de Terry Ryan

Capítulo I: Os sinais de calma. A apólice de seguro de vida

Capítulo II: Os sinais de calma: Identificá-los e usá-los?

Capítulo III: Histórias

Capítulo IV: O cão stressado

Capítulo V: A escolha é tua

Epílogo

Bibliografia

Agradecimentos
Apresentação
(edição espanhola)

Muito já foi escrito sobre cães, como comunicam, o treino de cães… o que parece incrível é
que ainda possam surgir livros tão interessantes e, de alguma forma, tão originais como este.
A leitura deste livro é interessante e divertida. É como redescobrir, de uma forma intuitiva, o
que sempre soubemos. É surpreendente quando alguém consegue juntar todas as peças e
lhes dá sentido, as estrutura, sistematiza e dá orientações, sintetiza e define um método de
análise para aquilo que observamos. Após a leitura deste livro, tiramos muito mais proveito da
observação e da comunicação com os cães.
Um livro essencial para todos os profissionais do mundo dos cães e para os donos de cães.
Escrito numa linguagem muito direta, simples e sem tecnicismos, para conseguir compreender
o código que rege a comunicação dos e com os cães, ajudar-nos-á a evitar os conflitos e a
aproveitar, com uma maior intensidade, a relação com os nossos cães. Sem dúvida, este livro
mudará a forma como comunicas com o teu animal de companhia.
Foi precisamente o que nos animou e levou a que decidíssemos traduzir e publicar este livro
que esperamos que seja bem acolhido pelos profissionais e nos permita continuar a publicar os
últimos trabalhos no mundo dos cães.
Benigno Paz Ramos
Instrutor de mobilidade com cães-guia.
A história de Vesla
O enorme Pastor de Brie fez um violento ataque a rosnar e a ladrar. Dirigiu-se a toda a
velocidade para a pequena Elkhound, que parou, ficou imóvel e voltou a cabeça para o lado. O
cão parou, perplexo, desconcertado, apenas a poucos passos da Elkhound, como se não
soubesse o que fazer. Então procurou numa direção e noutra uma atividade alternativa,
farejando ligeiramente o chão, distraidamente e, finalmente, voltou ao ponto de partida.
O local onde tudo aconteceu era a minha pista de treino. O Pastor de Brie era um cão com
problemas de relacionamento com os outros cães que um cliente tinha trazido à minha
consulta. A pequena Elkhound era a minha cadela Vesla, com treze anos.
A Vesla sabia sempre o que tinha de fazer e tentava sempre apaziguar os outros cães quando
mostravam agressividade, estavam assustados, stressados ou, simplesmente, a
incomodavam. Durante onze anos, nenhum cão foi capaz de a fazer perder o equilíbrio mental,
de a fazer perder a cabeça. Ela é a verdadeira imagem da sobrevivência, uma cadela capaz
de resolver conflitos, com toda a destreza da comunicação necessária para sobreviver.

A Vesla nem sempre se comportou deste modo. Chegou às minhas mãos como um cão vadio
e tínhamos a intenção de lhe arranjar uma família que a adotasse, pois ela não se adaptava
aos meus cães e tinha um comportamento muito agressivo e violento. Brigava, tinha rixas,
disputas, estava stressada, era impossível e eu não acreditava ter forças para começar a
treiná-la. Mas, ninguém a queria, consequentemente, com um suspiro de resignação,
decidimos ficar com ela e começámos a tentar integrá-la na “matilha” de cães e gente.
Foi um período de testes e de experiências. Estou convencida que era o cão com o pior
comportamento de todos os que já tinha tido em casa. Mas, gradualmente, as coisas
melhoraram. Deixou de pendurar-se nos cortinados. Começou a sair com os outros cães sem
estar sempre a tentar mordê-los e conseguia, de vez em quando, ficar descontraída. De
repente, um dia, para surpresa minha, vi que começava a comunicar com os outros cães. O
trabalho dos outros cães com ela começava a dar frutos! Quando reparei que começava a
recuperar a sua linguagem canina tentei aplicar os meus métodos tradicionais de treino. Assim,
tudo o que fazia nas sucessivas aproximações ao comportamento desejado era premiado:
cada vez que deixava entrever um sinal de calma, era recompensada. Progressivamente a
Vesla melhorou. Reparei, para surpresa minha, que era possível reforçar a sua própria
linguagem com as recompensas e as coisas começaram a acontecer muito rapidamente. Tudo
com a minha ajuda e dos meus dois cães. Em pouco tempo transformou-se no milagre da
linguagem canina. Um ano mais tarde, já tinha desaparecido todo o seu comportamento
agressivo e, desde então até hoje, doze anos depois, nunca mais teve uma altercação com os
outros cães. Pura e simplesmente não conseguem fazê-la perder o controlo.
A história de Vesla permitiu-me compreender que é possível devolver a linguagem perdida aos
cães. Desde então fiz desta lição o meu modo de vida e o meu principal trabalho. Para além
disso, enriqueceu a minha vida, pois agora entendo, compreendo melhor, o que sentem os
cães. Sinto realmente que comunico com eles, o que me dá boas vibrações, quase como o
sonho pueril de conseguir falar com os animais.
Obrigada Vesla por tudo aquilo que me ensinaste. Mudaste a minha vida.
Introdução de Terry Ryan
Aconteceu na VI Conferência Internacional, Os animais e nós, sobre a interação entre
pessoas-animais, em Montreal. Uma das participantes neste seminário, atenta e tranquila, era
Turid Rugaas, que estava sentada numa das filas à minha frente, durante as apresentações
sobre o comportamento canino. Turid nunca poderia ser uma boa jogadora de poker. Apercebi-
me imediatamente que os seus ombros ficavam tensos ou descontraídos dependendo do
orador. O mais engraçado era que a sua linguagem corporal espelhava com precisão a minha
opinião sobre as apresentações dos oradores.
Contactos! As conferências servem precisamente para isso, para fazer contactos! Tinha
vontade de conhecer esta estrangeira cujas opiniões sobre os temas de comportamento
pareciam ser muito semelhantes às minhas opiniões. Ao aperceber-me de que o inglês não era
a sua língua materna, e questionando-me se a entenderia, passei o dia a ganhar coragem para
a interpelar e apresentar-me. Desde este encontro em 1992, já estive com Turid inúmeras
vezes. Convidei-a como oradora para os seminários e apresentações sobre o comportamento
e sessões práticas de treino que organizei nos Estados Unidos, assim como no estrangeiro.
Em todos os lugares onde esteve cativou a atenção do público. Foi muito popular no Japão
com os seus olhos azuis e os seus coletes vermelhos.
A quinta de Turid, Hagan Hundeskole, rodeada por uma densa floresta, está situada no topo de
uma montanha de onde se podem ver os fiordes noruegueses. Vêm pessoas de todos os
cantos do país, com os seus cães, para que ela os treine nas respostas básicas e resolva os
problemas de comportamento. Já lá estive a observá-la durante as suas sessões de trabalho
com os cães e fiquei impressionada. Descobri o seu grande conhecimento sobre o
comportamento canino. A seguinte citação demonstra a essência da teoria dos sinais de calma
de Turid Rugaas.
«Os cães, como animais gregários, possuem uma linguagem para comunicarem entre
si. Em geral, a linguagem canina consiste numa grande variedade de sinais utilizando
o corpo, a zona facial, as orelhas, a cauda, os sons, os movimentos e as expressões.
Esta habilidade inata dos cães, de compreender e fazer estes sinais, desaparece ou
é reforçada através das suas experiências ao longo das suas vidas. Se estudamos os
sinais que os cães fazem entre si e se os aplicarmos a nós próprios, aumentamos a
nossa capacidade de comunicação com os nossos cães. Os sinais caninos mais
notórios são os sinais de calma, que utilizam para manter uma hierarquia social
estável e para resolver os conflitos na matilha. São competências que, quando
aplicadas na nossa interação com os nossos cães, são extremamente benéficas para
a relação. Os cães possuem a capacidade de se acalmarem entre si quando
enfrentam uma situação traumática (uma situação de medo ou stressante) e também
para se acalmarem uns aos outros. Consideremos, por exemplo, a forma como se
apresentam uns aos outros. Os cães que demonstram estar receosos num encontro
“social” podem comunicar diversas sensações como, por exemplo, “sei que aqui tu és
o líder e não vou dar-te problemas.” Para além disso, o líder também pode querer
transmitir-lhe que não tem a intenção de criar problemas. “Não te preocupes, eu sou o
chefe aqui e não tenho a intenção de te fazer mal.” Os cães que não utilizam os sinais
adequados podem ser aqueles que provocam problemas».
Pedi a Turid que o escrevesse, mas como muitos dos entusiastas dos cães, ela estava
demasiado ocupada, dedicando-se ao tema, para escrever sobre o assunto. Os capítulos que
seguidamente apresentamos representam uma tradução direta dos conceitos, em norueguês,
de Turid. Os termos e as expressões foram mantidas, sem tentar alterar a sintaxe para
acomodar as regras gramaticais. Esta é uma decisão intencional da minha parte, com a
aprovação de Turid. Frequentemente, quando tentamos expressarmo-nos numa língua
diferente da nossa, constatamos que não existe uma palavra adequada para a ideia que
desejamos transmitir. Libertemo-nos da linguagem estabelecida e das barreiras impostas pelo
idioma.
Comportamentos de submissão, atividades de movimento, estereótipos, instintos, coloquemos
de lado os nossos rótulos e opiniões e falemos sobre o que observamos e consideramos o que
é a linguagem corporal dos cães por um instante, tal e qual como nos é apresentada por Turid.
Nas minhas deambulações pela Europa, visitei a quinta de Turid, Hagan
Hundeskole, para observar o seu trabalho. Assisti com ela a seminários na
Europa, nos Estados Unidos e no Japão. Tanto nos cursos de treino a norte do
Círculo Polar Árctico como num simpósio nacional de Génova, em todas as
ocasiões fui agradavelmente impressionada pela sua capacidade de transmitir ao
seu público as intenções do cão. Ela é uma das primeiras pessoas na Noruega a
interessar-se pelos «street mixes», designação pela qual são conhecidos no seu
país os cães que não são de raça pura, os mestiços. Na Escandinávia predomina
um movimento que visa a erradicação do método de treino designado como
«frying pan»{1}, recorrendo, uma vez mais, à terminologia utilizada na Noruega,
defendendo o «contact training»{2}.
Terry Ryan
Capítulo I:
Os sinais de calma A apólice de seguro de vida
Nas obras sobre o comportamento dos lobos encontramos a sua linguagem, as suas
expressões corporais definidas como sinais para apaziguar os ânimos («cutoff»{3}), pois os
investigadores constatavam como estes eram utilizados para mitigar ou impedir a agressão
dos outros lobos. Estes sinais foram descritos, em diversas ocasiões, ao longo dos anos e são
bem conhecidos. As mesmas pessoas que observaram e descreveram estes sinais parecem
considerar que os cães são desprovidos desta capacidade de apaziguar a agressão dos seus
pares (Michael Fox: Behaviour of wolves, dogs and related Canis) e estão verdadeiramente
enganados! Os cães possuem as mesmas capacidades e as mesmas regras sociais que os
lobos para evitar conflitos. É possível que seja difícil às pessoas aperceberem-se disto,
porque, nos lobos, o comportamento é muito mais intenso, dadas as características do seu
habitat e as suas condições de vida. Os cães, que são lobos domesticados, são mais subtis e
delicados nas suas expressões e utilizam, por assim dizer, «uma letra mais pequena».
Normalmente, os cães não correm o mesmo perigo que os lobos, por isso não precisam de
falar entre si com letra maiúscula (para engrandecer os seus gestos).
Quando comecei a observar e a utilizar estes sinais, designei-os como sinais de calma{4}.
«Cutoff» Não me parecia ser uma palavra adequada para os definir, pois são sinais que se
utilizam sobretudo como prevenção, mais do que para «cortar» realmente algo. Os sinais são
utilizados numa fase inicial para prevenir que algo aconteça, para evitar ameaças das pessoas
ou de outros cães, reduzir o nervosismo, o medo, o ruído ou os acontecimentos indesejados.
Utilizam os sinais para se acalmarem a eles mesmos quando se sentem stressados ou
inseguros, para transmitir calma e fazer com que os outros cães envolvidos se sintam mais
seguros e percebam os sinais de boas intenções que são dados. São utilizados para fazer
amizade com outros cães e com as pessoas.

A resolução de conflitos
Os cães que têm a possibilidade de desenvolver competências de comunicação com os outros
cães e que por esta razão não tenham ainda perdido estes sinais, comunicarão entre eles e
nunca terão conflitos ou disputas com outros cães. Os lobos e os cães tentam evitar
confrontos. São animais que resolvem disputas. Somos nós, os humanos, que, normalmente,
criamos os conflitos com os nossos cães.
Assim, deveriam observar os sinais de calma, quais são, como são utilizados e aprender a
entender melhor o vosso cão para que possam ser um melhor líder para ele, e tudo isto vos
ajudará no treino e no adestramento. Aposto que esta nova competência enriquecerá a vossa
vida tal como enriqueceu a minha.

Como é que tudo começou?


Eu conhecia os sinais para apaziguar os ânimos e também tinha observado que os cães se
acalmavam, se tranquilizavam uns aos outros. Não sabia que era possível fazer com que os
cães aprendessem de novo a linguagem perdida ou que era possível utilizar a mesma
linguagem que eles para conseguir que me entendessem melhor.
Quando Vesla, a cadela vadia (tenho de dizer já que o seu nome significa “A Pequenita”) me
ensinou que era possível aprender a linguagem, quis saber se outras pessoas poderiam ajudar
os cães a melhorar a sua linguagem e como é que isto funcionaria.
Com o meu colega, Ståle Ødegaard, comecei um projecto que levou ano e meio a ser
concluído. Durante este período de tempo treinámos cães, observámo-los, tirámos fotografias,
fizemos diapositivos, vídeos e guardámos uma grande quantidade de informação e de
conhecimentos (aprendemos muito). Quando terminou este período sentia-me confiante que
entendia como funcionavam. O que tinha reunido deu-me forças para trabalhar com convicção
e foi então que iniciei o trabalho de reabilitação dos cães.
Dedico, atualmente, grande parte do tempo a ensinar outras pessoas a observar, a entender e
a usar os sinais de calma dos cães. Como é que funciona? Pensa num dia normal com o teu
cão. Levantas-te, de manhã, ainda meio a dormir e dizes ao teu cão que te deixe em paz com
um tom de voz um pouco irritado. O cão vira a cabeça para o lado contrário do sítio onde te
encontras e lambe o nariz, num movimento rápido. Terminas a tua higiene pessoal e acabas de
te vestir e encaminhas-te para a porta. O cão está feliz por ir à rua e está agitado e excitado à
tua volta. Dás-lhe a ordem: Senta. O tom de voz em que lhe dás a ordem faz com que o teu
cão boceje antes de se sentar. Saem para a rua, o cão puxa um pouco a trela e tu dás um
puxão (corrigindo-o), então o cão volta-se e dá-te as costas e põe o nariz no chão. No parque
vais soltá-lo durante uns minutos e olhas para o relógio. Está na hora de irem embora.
Começas a chamá-lo.
Havia algum stress no teu tom de voz? O cão começa a andar devagar e a rodear-te até
chegar onde tu estás. Achas que o está a fazer para te irritar, começas a repreendê-lo, gritas
com ele. Ele fareja o chão e em vez de se aproximar, em linha reta, em direção a ti, começa a
rodear ainda mais, não olha para ti, olha para outro lado. No fim, chega onde tu estás e ralhas
com ele ou pior ainda vais abaná-lo. Ele volta a cabeça e olha para o outro lado, lambendo o
nariz ou bocejando.

Trata-se apenas da descrição do que acontece de manhã. Poderíamos continuar a descrever


o que acontece durante todo o dia e mostrar-te, passo a passo, sempre que o teu cão tenta
acalmar-te com os seus sinais. Os sinais de calma aparecem assim que acontece alguma
coisa.
Os cães utilizam os sinais no momento em que surge uma situação que é preciso apaziguar,
descontrair. Eles, se estão despertos, “falam”. Tal qual como tu e eu. Frequentemente, os
sinais são movimentos tão rápidos que precisamos de prestar muita atenção para os captar.
Com a prática aprendemos a ver estes flashes rápidos. Os outros cães vêem-nos, inclusive os
outros animais, como os gatos. É preciso ser um pouco observador e saber quais são os
sinais que temos de procurar.

Quais são os cães que utilizam estes sinais?


Os lobos usam-nos. Os cães herdaram-nos. Todas as raças de cães existentes no mundo,
independentemente do tamanho, da cor ou da forma, possuem estes sinais e utilizam-nos. É
realmente uma linguagem universal, uma linguagem maravilhosa que pressupõe que podemos
comunicar com todos os cães, independentemente do sítio onde nos encontremos.
Imaginem, apenas por um momento, que podiam viajar pelo mundo fora e onde quer que
fossem podiam falar, comunicar, na vossa própria língua, porque todos os outros a falavam (a
mesma língua universal). Seria extraordinário, maravilhoso. Estive nos EUA, no Japão, em
Inglaterra e noutros países e pude constatá-lo, com os meus próprios olhos. Os cães falam a
mesma linguagem no mundo inteiro.
Algumas raças utilizam mais uns sinais do que outras, devido às características específicas da
sua aparência externa. Os cães de pêlo preto, por exemplo, têm tendência a lamber-se com
maior frequência, utilizando mais esta expressão facial do que outras; muito embora sejam
capazes de compreender os sinais de calma utilizados pelos outros cães, assim como os
outros os irão compreender quando os utilizarem.
Os cães e os lobos têm um instinto muito forte para evitar conflitos, para comunicarem e
cooperarem.
O seu repertório inclui também sinais e expressões de ameaça e quando trabalhamos com
cães temos a possibilidade de decidir como nos comportamos, que técnica ou atitude devemos
utilizar: podemos estar calmos, ser amistosos, tranquilizadores ou podemos ser ameaçadores.
A atitude que escolhermos terá consequências na relação com o cão.
Quando utilizamos ameaças com o nosso cão, intencionalmente ou não, ele tenta tranquilizar-
nos. O cão, no seu instinto de evitar conflitos, tenta mitigar as ameaças. Eu prefiro que
pensemos desta maneira: porque razão é que deveríamos ou teríamos de usar expressões
ameaçadoras com os nossos cães?
De que sinais é que falamos? A que sinais é que nos referimos? Conhecemos 28 ou 29 sinais
de calma. Alguns também são utilizados para comunicar outras coisas, noutras situações.
Alguns são tão subtis que nos é difícil identificá-los. Mas com experiência e horas de
observação conseguirás detetá-los e serás capaz, em qualquer altura, de saber como é que o
teu cão se sente. Serás capaz de o compreender melhor. E não é esse o objetivo? Saber
como se sentem realmente os nossos cães?
«A dinâmica social na matilha, nos lobos, é frequentemente utilizada como modelo
para explicar a interação cão-cão e cão-homem. Vi amantes de cães (e também
alguns entusiastas dos lobos) estarem convencidos da necessidade de manter um
elevado estatuto na hierarquia utilizando recursos agressivos, por acreditarem que
as suas únicas opções residem entre impor o seu domínio através da força ou
submeter-se ao animal. O problema desta abordagem é duplo. Em primeiro lugar, a
agressão facilmente tende a aumentar e, em segundo lugar, tanto para os lobos,
para os cães assim como para os humanos existem outras possibilidades de
escolha diferentes do domínio ou da submissão.
Aquilo que Turid Rugaas designa como sinais de calma, baseando-se nas
expressões dos cães, apresenta aos treinadores e donos de cães outra opção para
melhorar a relação entre os humanos e os seus cães e dos cães com os seus
pares».
Pat Goodmann, Wolf Park
Capítulo II
Os sinais de calma: identificá-los e utilizá-los?
Girar a cabeça
Um sinal de calma pode ser um movimento rápido, por exemplo, girar a cabeça para um lado e
voltar à posição original ou manter a cabeça na lateral durante algum tempo. Pode ser um
movimento ligeiro ou um movimento claro e bem definido de toda a cabeça para um lado.

É possível que o teu cão gire a cabeça quando outro cão se aproxima dele, utiliza este sinal
para lhe indicar que se acalme. Eventualmente, o outro cão estava a aproximar-se demasiado
depressa ou diretamente, em vez de se aproximar rodeando (fazendo uma ligeira curva). Pode
girar a cabeça se parares e te inclinares sobre ele. Talvez fique de pé imóvel, mas girando a
cabeça, o que indica o seu mal-estar relativamente a essa situação.
Podes utilizar este movimento, girar a tua cabeça, quando um cão evidencia desconforto ou se
mostra assustado quando te aproximas dele. Quando um cão assustado começa a ladrar e a
rosnar para ti, gira a cabeça para olhar para o outro lado.
Por exemplo: quando os cães se encontram, durante um segundo ambos olham para o outro
lado e depois saúdam-se mutuamente, de forma alegre. Ao aproximar-me da minha cadela
Saga, para lhe tirar uma fotografia, como ela fica um pouco assustada com a máquina
fotográfica, ela olha para o outro lado enquanto eu tiro a fotografia, mas volta a olhar para mim
assim que eu afasto a máquina da cara.
Não gires a cabeça, mexe apenas os olhos para um lado, olhando pelo canto do olho, evitando
olhar diretamente, este também é um sinal de calma semelhante ao girar a cabeça. O teu cão
pode usá-la quando se aproxima de outro cão, quando olhas para ele diretamente ou quando
te aproximas do teu cão de frente. Podes utilizar este sinal de calma quando um cão se
aproxima de ti e por alguma razão não é possível girares a cabeça.
Por exemplo: a Ulla está no seu território comigo e um cão vem visitar-nos. É um cão cheio de
auto-confiança, seguro de si mesmo e amistoso, por isso encaminha-se diretamente em
direção à Ulla sem girar a cabeça, sem a rodear ou dar qualquer outro sinal de calma. Ulla
fica ali de pé, quieta e abanando a cauda, porque os olhos do outro cão se movem de um lado
para o outro à medida que se vai aproximando. Ela capta a mensagem: é um cão amistoso,
tranquilo.
Semicerrar os olhos faz-nos olhar para o outro indivíduo com um olhar mais suave, baixando as
pálpebras e sem olhar de forma ameaçadora. São sinais de calma. O teu cão pode usá-los
quando olha para alguém diretamente e não quer ser ameaçador. Tu podes usá-los quando
fazes o exercício de «contacto visual» no treino, estabelecendo, assim, um contacto mais
suave e mais amistoso.
Por exemplo: quando te sentas no chão com os olhos ao mesmo nível que os do teu cão pode
ser ameaçador. Quando perceberes que ele se sente inseguro, põe-te de pé e olha para ele
nessa posição; desta forma os teus olhos são mais «pequenos» e parecer-lhe-ão menos
ameaçadores. Para muitos cães é-lhes difícil olhar para o nosso rosto diretamente ao mesmo
nível.

Girar, voltar as costas


Girar ou voltar as costas a alguém é um sinal de calma muito eficaz (oferecer ou voltar as
costas a alguém). Quando os cães brincam intensamente, com muita energia, há um que
começa a voltar-se para dar as costas ou a parte traseira entre as brincadeiras para reduzir a
intensidade da brincadeira.

O teu cão pode fazer isto quando outro cão lhe rosna ou mostra, de algum modo, um
comportamento ameaçador, como aproximar-se dele correndo muito rapidamente ou quando tu
usas um tom de voz zangado ou te aproximas dele e ele percebe que tu estás zangado.
Quando os cachorros ou os cães jovens incomodam os cães adultos, estes põem-se de
barriga para cima, para tranquilizar, acalmar, os cães mais jovens. Quando dás um puxão na
trela é possível que o teu cão se volte e se separe de ti (voltando-te, desta forma, as costas
ou oferecendo-te a parte traseira), se calhar puxando ainda mais a trela.
Também podes utilizar esta técnica quando um cão demonstra nervosismo ou agressividade.
Se tenta saltar para ti, volta-te de costas e quase sempre conseguirás, deste modo, que pare
com esse comportamento.
Por exemplo, perante uma cadela, Pastor Alemã, muito agressiva, Julias, um Dog do Tibete,
em primeiro lugar girou a cabeça, depois ofereceu-lhe as costas e logo a seguir a parte
traseira. Perante isto, a Pastor Alemã acalmou-se.
Se o teu cão é excessivamente efusivo, quando te saúda, saltando e não te deixa em paz,
volta-te e dá-lhe as costas. Se te aproximas de um cão que não conheces e, de repente, vês
que ele fica nervoso, volta-te e dá-lhe as costas. Em poucos segundos, o cão aproxima-se de
ti (por iniciativa própria).
Por exemplo, Gino, um Doberman Pinscher, mostrava-se inseguro com as crianças, já que, em
variadíssimas ocasiões, o tinham incomodado. O dono pediu aos miúdos que se voltassem e
lhe dessem as costas; o que aconteceu a seguir foi que o cão se aproximou deles e
começaram a brincar todos juntos.

Lamber o focinho
O movimento muito rápido da língua, tão rápido que em determinadas ocasiões é difícil de
perceber, de captar, é também um sinal de calma.

O teu cão pode fazer este sinal quando se aproxima de outro cão, quando te inclinas sobre
ele, quando o seguras pela trela curta ou pela coleira e quando te agachas para o agarrar ou
para ralhar com ele quando estás zangado.
Na realidade, nós não o podemos usar. É um dos sinais de calma que eu acho que é difícil de
usar para acalmar um cão.
Por exemplo: inclino-me sobre Vesla para lhe limpar as orelhas. Ela olha para o outro lado e
lambe-se. O veterinário inclina-se sobre Ulla para a colocar sobre a mesa. Ela lambe-se.
Rocky vê outro cão ao longe aproximando-se na sua direção. Pára, gira a cabeça e lambe-se
várias vezes.

Imobilizar-se
O teu cão imobiliza-se, fica parado, de pé, sentando-se ou deitando-se e permanecendo
quieto, sem mexer um único músculo, quando outro cão, muito maior, se aproxima demasiado
e começa a farejá-lo «de cima-abaixo».
Por exemplo: Lorry, um pequeno Whippet, viu aproximar-se um Pastor Alemão muito grande
que se pôs a farejá-lo por todo o lado para o saudar. O cão pequeno ficou tão imóvel quanto
lhe foi possível, completamente paralisado, congelando, até que o Pastor Alemão se foi
embora à procura de outra presa, outra «vítima». Foi então que o pequeno Lorry se pôde
mexer novamente.
Um homem estava a realizar o treino de obediência do seu cão, um cachorrinho. Zangou-se
quando o cachorro desatou a correr, abandonando a posição de deitado, em que tinha estado
durante muito tempo, para ir saudar um cão, que se aproximava ao longe. O homem ficou
muito zangado e começou a gritar com o cachorro com um tom verdadeiramente agressivo. O
cão parou e permaneceu imóvel. Não se atreveu a mexer-se. O dono correu até ele e deu-lhe
o conhecido corretivo, «por ser tão teimoso».
Um treinador de alta competição adquiriu um novo cachorro para o apresentar em
campeonatos. Como a sua ambição era conseguir que ele fosse campeão desde a mais tenra
idade, começou a treiná-lo utilizando técnicas coercivas (aplicando o castigo, corrigindo-o
fisicamente). Um dia, quando chamou o cão, este ficou parado e sentou-se, recusando mexer-
se.

Andar devagar, fazer movimentos lentos


Os movimentos que se fazem mais lentos, em determinadas ocasiões tão lentos que parece
que nem se mexem, são muito eficazes para acalmar.
O teu cão pode fazê-lo quando avista outro cão. Os movimentos lentos começam assim que
avista o outro cão. Podes observá-los quando chamas o teu cão e o teu tom de voz demonstra
que estás um pouco irritado, zangado ou queres demonstrar que és tu quem manda.
Aparecem quando acontecem muitas coisas à sua volta e o cão tenta apaziguar a situação.
Quando saltas, te mexes e gritas muito para fazer com que o cão corra mais, normalmente o
que consegues é o efeito contrário: os cães trabalham mais devagar para te acalmarem.

Podes usá-lo quando um cão se mostra assustado, tem medo de ti, ou quando queres atraí-lo
ou queres aproximar-te dele para lhe pôr a trela. Quanto mais devagar te mexeres, maiores
possibilidades terás de conseguir que fique quieto.
Por exemplo: Shiba, um Border Collie, que participava em provas de Agility, ficava cada vez
mais lento na pista. O dono corria, saltava para cima e para baixo, movendo os braços e
gritando muito para animar o cão. No fim, Shiba só se mexia na pista, porque estava a tentar
tranquilizar o dono.
O dono de Candy estava a chamá-la para acabar a volta no parque e regressar a casa. Havia
algumas pessoas e outros cães entre a Candy e o dono, por isso a cadela andava devagar
entre as pessoas e os cães para chegar até ao dono.
Dizes Deita com um tom firme, seco: o teu cão deita-se, mas muito lentamente, porque tem de
acalmar o tom zangado que estás a demonstrar.

Posição de brincar
Deitar-se com as patas dianteiras na posição de «reverência» pode ser um convite para
brincar se o cão mexe as patas dianteiras de um lado para o outro de forma brincalhona. Se
permanece quieto, inclinado, é mais provável que se trate de um sinal de calma. O teu cão
pode recorrer a este sinal quando quer mostrar-se amistoso com outro cão que está
desconfiado ou nervoso. Pode usar esta postura quando se encontra com outros animais
(cavalos ou vacas), com os quais não se sente muito seguro.
Podes utilizá-lo esticando os braços, como quando bocejas, mas esticando-os para baixo. Por
exemplo: a Vesla queria fazer com que um São Bernardo se sentisse seguro com ela, por isso,
depois de se aproximar dele lentamente, girando a cabeça de um lado para o outro, parou a
uma determinada distância e pôs-se em posição de brincar. Permaneceu nessa posição
durante uns segundos até que Buster se sentisse mais seguro com ela e fez o mesmo
movimento para responder ao seu sinal.

A pequena Pip, uma Chihuahua, assustava-se com os cães grandes. Quando Saga se
aproximou dela, Pip deitou-se no chão, na posição de brincar, para ter a certeza que a Saga
seria educada, delicada e não lhe faria mal. A Saga respondeu aos seus sinais movendo-se
lentamente, rodeando e olhando para o outro lado.
Prince, um Rottweiler, pôs-se em posição de brincar quando se encontrou com uma Golden
Retriever ligeiramente assustada. Permaneceu quieto, no mesmo sítio, durante vários minutos,
imóvel, para fazer com que a cadela se sentisse mais tranquila com a sua presença.

Sentar-se
Voltar as costas enquanto se senta, ou sentar-se quando se aproxima, são sinais de calma.
O teu cão pode utilizá-lo quando se sente inseguro perante a presença de outro cão ou quando
lhe gritas para o chamar.
Podes usá-lo. Senta-te quando o teu cão está stressado e não pode descontrair-se. Pede aos
teus convidados para se sentarem se tens um cão que se mostra inseguro na presença de
estranhos.
Por exemplo: Roscoe, um Pastor Alemão, sentou-se voltando-se de costas para o dono
quando este lhe deu a ordem Vem aqui. A ordem tinha sido dada com um tom de voz muito
forte e isto, evidentemente, fez com que o cão se sentisse incomodado. Pedi ao dono que lhe
falasse num tom normal, o tom de voz habitual, e o cão respondeu à chamada.
No outro dia, a Saga estava comigo na rua quando, de repente, dois cães que não
conhecíamos se aproximaram dela correndo e ladrando ferozmente. Ela domina melhor estas
situações com as expressões faciais, mas estava a anoitecer, por isso tinha de ser mais clara
com os seus sinais. Sentou-se enquanto os outros se aproximavam a correr. Reduziram
imediatamente a velocidade, pararam de ladrar e aproximaram-se dela a farejar o chão. A
Saga nunca tem problemas com os outros cães. Está muito segura de si e sabe como
controlar estas situações.

Deitar-se
Deitar-se de costas, com a barriga para cima, demonstra submissão. Deitar-se com a barriga
no chão é um sinal de calma de grande força que é normalmente utilizado pelos cães que têm
uma posição hierárquica muito elevada como a Ulla, um dos meus cães, que é líder da
matilha.
O teu cão pode fazer este sinal de calma quando é cachorro e quando a brincadeira ficou
excessivamente brusca ou quando é adulto e os outros cachorros parecem ter medo dele.
Também pode mostrá-lo quando se cansa durante a brincadeira e quer que os outros se
acalmem.
Podes usá-lo quando o teu cão está stressado e te está a importunar: deita-te no sofá. Se o
cão tem medo de ti e não quer aproximar-se de ti, deita-te no chão. Na maioria dos casos
aproximar-se-á imediatamente.
Por exemplo: um grupo de cães estava a brincar na minha pista de treino e alguns deles
estavam a ser excessivamente bruscos. Ulla foi até metade da pista, deitou-se e olhou como
se fosse uma esfinge para os outros. Numa questão de minutos, os outros acalmaram-se e
também se deitaram à sua volta.
Um cão um pouco assustado não se atrevia a aproximar-se da Saga, que se deitou quando viu
que o outro tinha medo. Em pouco tempo, o outro cão atreveu-se a aproximar-se. Um cão
adulto estava com cinco cachorros que o acossavam e o incomodavam, pensando certamente
que era um brinquedo e que podiam rodopiar à sua volta. O cão mostrava-se muito paciente
com os cachorros, mas quando começaram verdadeiramente a importuná-lo, o cão deitou-se e
os cachorrinhos deixaram-no tranquilo e foram a correr uns atrás dos outros. Quando se pôs
de pé, os cachorrinhos lançaram-se novamente sobre ele.

O bocejo
O bocejo é, provavelmente, o mais intrigante dos sinais de calma e poderemos ter muitas
vantagens em usá-lo.
O teu cão pode bocejar quando entra na clínica veterinária, quando há lutas ou disputas na
família, quando o puxas com força ou com a trela muito curta, quando uma criança se
aproxima para fazer-lhe festas e em muitas outras situações. Podes utilizá-lo caso se sinta
inseguro, receoso, stressado, preocupado ou quando que-res que se acalme um pouco. Outro
exemplo: a Ulla fica ligeiramente excitada quando alguém está a correr ou a brincar. Quando
brinco com ela a brincadeira pode terminar com a Ulla a morder-me as calças. Quando
começa a ficar excitada, fico parada, bocejo um pouco e ela fica mais calma.
O meu colega Ståle veio a minha casa quando estava a atender um cliente que tinha um cão
com medo. Ståle chamou-me, à porta, apercebeu-se imediatamente da situação, parou e
bocejou várias vezes. O cão olhou para ele com interesse, virou-se logo para mim e eu
também bocejei. O cão, numa questão de minutos, sentia-se bastante mais seguro connosco e
aproximou-se.
Uma noite, a Candy estava inquieta e stressada e o dono sentou-se, bocejando. A Candy
finalmente deixou de estar agitada e ansiosa e deitou-se descontraída aos pés do dono.
A dona adorava a pequena Sheila. Numa determinada ocasião, quando eu estava com elas, a
dona agarrou na cadelita e pô-la ao colo e abraçou-a.
A cadelita sentiu-se incomodada e apertada naquela situação, por isso bocejou e bocejou.

Farejar
O farejar pode ser um movimento rápido para baixo, para o chão, e para cima outra vez, ou
pode ser persistente, mantendo o focinho no chão durante algum tempo até que a situação de
conflito tenha passado. Como também farejam para perceber os odores, devemos analisar a
situação, no conjunto, para a poder interpretar de forma correta.
O teu cão pode usar este sinal de calma quando outro cão se aproxima, quando alguém
caminha na sua direção, em linha reta, ou quando acontece algo repentinamente, por exemplo,
se dois cães, de forma inesperada, estão muito próximos um do outro. Quando andas com o
teu cão por um passeio e alguém se aproxima no sentido contrário, diretamente na vossa
direção, por exemplo, com um chapéu muito aparatoso ou um objeto que chama a atenção, o
teu cão pode começar a farejar.
Quando chamas o teu cão e estás um pouco zangado, evidenciaste o teu domínio através da
voz ou adotas uma atitude frontal em relação ao teu cão, então é muito provável que este
comece a farejar, em diversas ocasiões, enquanto se dirige para ti. Realmente nós não
podemos usar este sinal. Pessoalmente é-me difícil utilizar o farejar. Mas podes fazer algo
semelhante: sentas-te, tocas na relva ou fazes algo parecido.
Tenho muitos e maravilhosos casos de farejar; parece que os cães utilizam este sinal com
muita frequência quando comunicam entre si.
Fui visitada por um cliente com um cão muito agressivo. Não se atrevia a deixá-lo sair do
carro, pois temia que pudesse atacar um dos cães que estava na pista de treino. Levei a Vesla
comigo e deixei-a à solta no sítio onde o carro estava estacionado. Pedi ao meu cliente para
que tirasse a trela ao seu cão e que abrisse a porta do carro, para que deixasse aquele “cão
agressivo” sair do carro. E ali estava «o monstro»: um pequeno cão cruzado, dourado, dentes
arreganhados, espumando da boca e a ladrar ininterruptamente. Realmente tinha a aparência
de uma fera. A Vesla estava ali perto quando o King saltou para fora do carro, como um
foguete, ela, simplesmente, colocou o focinho no chão e manteve-se nessa posição. O King
estava a rosnar e a comportar-se como um selvagem e a Vesla continuava a farejar o chão,
mas, de repente, mudou de ideias e começou a andar na sua direção, focinho com focinho e o
King começou a esvaziar-se como um balão. Dez minutos depois, o cão corria feliz com os
outros sete cães que estavam na pista de treino.
Quando no outro dia saí para passear pela aldeia com a Ulla, um homem, com um cão
pequeno, pela trela, a ladrar, aproximou-se de nós. A Ulla aproximou-se do lancil do passeio,
pôs o focinho no chão e o outro cão continuou o seu caminho, feliz, a correr ao lado do seu
dono.
A Sara, uma Doberman, estava presa a uma árvore enquanto o dono fazia umas compras. Um
homem aproximou-se dela; a cadela voltou-se imediatamente, voltando as costas e começou a
farejar o chão. Ela sentiu-se incomodada com a presença do estranho, que se aproximou dela
naquela situação (estando ela presa) e tentava fazê-lo compreender. O senhor não se
apercebia da situação, não entendia os sinais de calma, então tive de intervir, fi-lo parar e
expliquei-lhe a situação (por ela).
Rodear ou andar como se estivesse a fazer um arco, a determinada distância de outro cão ou
de uma pessoa, é um sinal de calma. Normalmente, os cães não se aproximam uns dos outros
em linha reta. Podem fazê-lo quando previamente tenham feito algum sinal de calma, mas não
é «boa educação» comportarem-se dessa forma, por isso é algo evitado pela maioria dos
cães.
O teu cão pode fazê-lo quando estão a andar pelo passeio e se cruzam com alguém que se
aproxima. Nas ocasiões em que os cães se deparam com alguma coisa no seu caminho e
precisam de passar por ali, recorrem a este sinal. Quando passeias com o teu cão ao teu lado
e alguém se aproxima no sentido oposto do teu lado, então o teu cão pode tentar mudar para
o outro lado (passar da tua esquerda para a tua direita). Se o outro cão se mostra apreensivo,
receoso ou agressivo, o teu cão tentará aproximar-se, rodeando mais afastado, para tentar
acalmá-lo.
Podes aplicá-lo quando te aproximas de um cão que está receoso ou que se mostra agressivo.
Também quando te aproximas de um cão que está a fazer sinais de calma, como, por exemplo
a farejar, lamber-se, a girar a cabeça ou qualquer outro sinal. Em determinadas ocasiões será
necessário fazer uma volta maior, noutras ocasiões será suficiente que mudes ligeiramente de
direção, caminhando na diagonal para parares à altura das costas do cão. Observa o cão com
que te vais encontrar e rodeia tanto quanto seja necessário para fazer com que se sinta
confortável com a tua aproximação.
Por exemplo: a Candy encontrou-se com um Terra Nova que não estava familiarizado com
outros cães e mostrava-se receoso, assustado com a presença da minha cadela. A Candy
pôs-se imediatamente a andar à volta do cachorro fazendo uma grande volta, com o focinho no
chão.
O Max encontrou-se com outro cão durante o seu passeio, caminhou fazendo um arco para
ultrapassar o cão e continuar o seu caminho.
A Connie, uma Pointer German Wirehair, estava com os seus donos, em minha casa, e como
me tinham dito que a cadela tinha medo das pessoas, aproximei-me dela, atravessando a
divisão, observando-a. Quando se lambeu e olhou para o outro lado, voltando a cabeça, eu
mudei de direção e olhei para o outro lado (onde ela não estava) e ultrapassei-a, parei ao lado
das suas costas, apenas a um passo de distância, mas ligeiramente voltada. Ela aproximou-se
diretamente na minha direção e tocou-me.

Interpor-se
Interpor-se fisicamente entre os cães ou entre as pessoas é um sinal de calma. Quando os
cães ou as pessoas, ou um cão e uma pessoa, estão demasiado próximos e a situação se
transforma numa situação de tensão, outros cães interpõem-se, para separá-los e evitar
qualquer tipo de conflito.
O teu cão pode comportar-se deste modo quando pegas numa criança ao colo e lhe fazes
caretas e brincas ou se começas a dançar com alguém, por exemplo uma valsa ou quando te
sentas com o teu companheiro no sofá para se abraçarem. Quando os cães começam a
sentir-se tensos por estarem muito próximos, podem utilizar este sinal de calma. Também
podes utilizá-lo quando os cães estão tensos, demonstram insegurança ou estão assustados
perante uma determinada situação ou se as crianças os estão a incomodar até ao ponto de os
fazer sentir verdadeiramente incomodados.
Um exemplo: durante umas aulas para cachorros, um dos cachorros maior começou a brincar
de forma excessiva, de forma brusca, com um dos cachorros mais pequenos. Mesmo antes de
eu poder intervir, a Saga interpôs-se entre eles para cuidar do mais pequeno, não permitindo
que os outros cachorros se aproximassem.
Dois cães adultos estavam a brincar de forma brusca, como selvagens, e um cachorro que se
encontrava na mesma divisão da casa estava nervoso, inseguro, com todo aquele reboliço e
foi esconder-se debaixo da cadeira do dono. Cada vez que os cães adultos se aproximavam
dele, o cachorro gania. Dennis, um Springer Spaniel adulto, entrou na divisão e foi logo intervir
e proteger o cachorrinho. Ficou ali ao seu lado, interpondo-se com o corpo, não permitindo a
aproximação dos outros.
Estava a passear com a Saga quando nos encontrámos com um Caniche Enano.
Repentinamente, um Samoiedo aproximou-se a rosnar e a ladrar, para atacar o Caniche. A
Saga foi logo pôr-se entre eles e impedir, deste modo, o ataque.

Abanar a cauda
O abanar a cauda nem sempre é uma demonstração de alegria e de felicidade. Temos de
observar o cão no seu conjunto. Se o cão se aproxima arrastando-se, submisso, queixoso e a
urinar-se, o movimento da cauda é como uma “bandeira branca” (de rendição), a tentar
conseguir que te acalmes. O teu cão poderá fazer este movimento quando perdes a paciência.
Tentará acalmar-te e tranquilizar-te.
Eventualmente, não serás capaz de utilizá-lo. Devo dizer que eu nunca consegui aplicá-lo de
forma eficaz.
Por exemplo: o dono do Lobo veio a minha casa com um ar preocupado. O Lobo tinha roído
qualquer coisa no dia anterior e ele temia que ele voltasse a fazer o mesmo. A cara
carrancuda do dono fazia com que o Lobo se arrastasse, gatinhando e a abanar a cauda
rapidamente, com a esperança que o dono se acalmasse e ficasse menos zangado.
A minha filha gritava com as minhas netas gémeas. Quando chegou ao jardim onde estava a
Saga, a cadela aproximou-se delas abanando violentamente a cauda e «sorrindo», com um
sorriso tão largo quanto lhe era possível, para tentar tranquilizar a minha filha.
Cora, uma Pastor Alemã, saudava sempre o seu dono arrastando-se, urinando e abanando a
cauda. O dono, em variadíssimas ocasiões, tinha utilizado como saudação agarrá-la pelo
pescoço, gritando-lhe e puxando-lhe as orelhas. A Cora estava assustada, receosa, tinha muito
medo do dono, por isso cada vez que o via saudava-o mostrando o seu medo e tentando
desesperadamente acalmá-lo.

Mas há mais
Os sinais de calma, que foram anteriormente enumerados, são os mais utilizados pelos cães.
Mas, para além destes, os cães tranquilizam os outros: brincam como cachorros
(cachorreando), «fazendo-se mais pequenos», lambendo a boca do outro, fechando os olhos,
pestanejando, estalando os beiços ou levantando as patas.

Por exemplo: tinha à minha frente um Rottweiler muito agressivo que, pelo som profundo do
seu rosnar, parecia estar zangado e não desejava que o incomodassem nem que interferissem
com a sua privacidade. O rosnar era mais profundo se eu tentava mexer a cabeça ou alguma
extremidade, pelo que permaneci imóvel. É claro que eu não tinha a intenção de retroceder e,
nessa situação, o que me ocorreu que podia fazer era pestanejar. Após alguns minutos a
pestanejar, ele parou de rosnar e, repentinamente, a cauda começou a mover-se ligeiramente.
Por isso, demorou muito tempo até que eu ficasse sua amiga.
Um pequeno Basenji assustado estava a rosnar para um Pastor Alemão que se mantinha de
pé imóvel movendo apenas uma das suas patas para a frente, para cima e para baixo,
lambendo o nariz e pestanejando. E assim, deste modo, conseguiu tranquilizar o Basenji.
Estes são os sinais de calma. Os cães têm, para além disso, outros; alguns são
ameaçadores, como olhar fixamente, manter-se erguido, rosnar, ladrar, atacar e arreganhar os
dentes. Outros só demonstram a excitação do cão, como o pêlo eriçado e a cauda levantada.
Estes sinais são frequentemente mal interpretados, por serem fáceis de observar e serem os
primeiros que identificamos. Mostram-nos a excitabilidade do cão numa situação concreta,
pontual, mas não devemos prestar-lhes demasiada atenção, mas procurar outros sinais, quer
sejam de ameaça ou de calma (tranquilizadores) que nos darão mais informação.

Capacidade de observar
É importante ser capaz de detetar estes sinais de calma nos cães, para que sejas capaz de
ajudar o teu cão, usando-os e identificando-os no momento em que os utilizas.

Se, anteriormente, não te tinhas apercebido da sua existência, podes desenvolver as


capacidades necessárias para os detetares, praticando, «aprendendo por ti próprio», como
indicamos a seguir.

Em casa
Simplesmente senta-te e dedica algum tempo a observar o teu cão. Num ambiente tranquilo
não terás demasiados sinais de calma, mas, de qualquer modo, é uma boa maneira de
começar. Alguém a movimentar-se no exterior da casa, a chegada de visitas, de certeza que
acontecerá alguma coisa nessas alturas, então poderás observar como é que o teu cão reage.

Com outros cães


Aproveita todas as situações em que o teu cão se encontra com outros cães. Por exemplo, no
parque, nalgum lugar em que se encontrem soltos, sem trela, então poderás concentrar-te no
que ele faz. Sempre que o teu cão se encontra com outro observa-o desde o preciso instante
em que o avista à distância e tenta identificar os sinais de calma que ele utiliza.

Um a um
Uma terceira possibilidade para observá-lo é concentrar-se num sinal em concreto, um que
queiras aprender a identificar. Talvez já tenhas observado alguns sinais que o teu cão utiliza.
Talvez te lembres de já o ter visto a lamber-se ou a bocejar em diferentes situações. Então
define alguns objetivos para as semanas seguintes: «Sempre que vir um cão vou tentar prestar
atenção para ver quando é que se lambe». Segue-o com os olhos, para observar se se lambe
em alguma ocasião. Ao princípio tens de te concentrar, mas com o passar do tempo será
quase automático.
Quando te sentires seguro e considerares que és capaz de detetar sempre que o cão se
lambe e que és capaz de interpretar porque razão utiliza este sinal, então acrescenta um ou
dois sinais novos para observares. Capta o voltar da cabeça, pois é um dos sinais que utilizam
com maior frequência e talvez o dar a volta ou o farejar.
Em breve já entenderás, lerás, todos os cães que encontres. Passará a ser um interessante
passatempo que te seduzirá cada vez mais quanto mais o praticares. Bem-vindo ao mundo da
linguagem dos cães.
Capítulo III
Histórias
Primeira história. Pippi
Pippi era uma Braco Alemã de pêlo curto com cinco anos. A dona deteve-se a meio da
estrada de acesso sem atrever-se a aproximar-se. Vinha ver-me porque a sua cadela era
agressiva e «muito perigosa» com os outros cães. A Pippi aparentava estar tranquila, calma e
parecia ser mansa; saudou-me de forma amistosa e parecia ser daquele tipo de cão com
quem poderias viver sem problemas. A dona estava pálida e stressada e dizia que tinha medo,
tendo em conta o que pensávamos fazer.

Expliquei-lhe, brevemente, o que queríamos fazer e ela ficou ainda mais lívida, parecia que ia
ficar maldisposta. Pedi-lhe que ficasse ali à espera, sem dizer, nem fazer nada, e sugeri-lhe
que, se quisesse, me desse a trela. Não, ela queria segurar a trela da Pippi. Então chamei a
Vesla, que tinha estado à espera, à esquina da casa, e a Vesla aproximou-se. Assim que a
Pippi se apercebeu da presença de Vesla preparou-se para iniciar o ataque e começar a
ladrar, mas a Vesla apercebeu-se da situação, parou e permaneceu imóvel, por um segundo,
farejando o chão, o que fez com que a Pippi ficasse quieta em vez de dar saltos. A Vesla
começou logo a mover-se lentamente em círculos, dando uma volta, farejando o chão,
oferecendo-lhe sempre o dorso e dirigiu-se para a Pippi. Os sinais de calma de Vesla eram
tão claros que a Pippi estava fascinada a olhar para ela, em vez de atacar. Ao aproximar-se, a
Vesla abrandava ainda mais os seus movimentos e demorou vários minutos a percorrer o
último metro. Então, a Pippi também baixou o focinho para farejar o chão e assim
permaneceram as duas, farejando a mesma área sem se olharem.
A dona regressou uns meses mais tarde. Chegou quando eu estava a dar uma aula, por isso
tinha um grupo de cachorros à minha volta. Deixou a Pippi sair do carro, que foi em direção a
um dos cachorros para o lamber, demonstrando assim como tinha mudado inteiramente a sua
atitude em relação aos outros cães.
Esta é uma história típica de Vesla. Durante doze anos ajudou a mudar a vida de outros cães
que se tinham esquecido de como comunicar com os seus pares.

Segunda história. Buster


Buster, um São Bernardo enorme, tinha medo dos outros cães. Sempre que via um cão,
escondia-se atrás do dono com uma expressão de preocupação espelhada na cara. Buster e o
dono ficaram à espera, sem se mexerem, na estrada de acesso à minha quinta. Deixei solta a
pequena Vesla, a minha Elkhound. A Vesla avistou o outro cão no caminho e desatou a correr
ao seu encontro, dado que gostava muito de saudar todos os cães com que se encontrava.
Então apercebeu-se da expressão no rosto ou na atitude do outro cão, o que a fez alterar o
seu descontraído e alegre plano de aproximação. Parou de correr em linha reta, alegremente
e abanando a cauda, e começou a mover-se devagar, ao mesmo tempo girava a cabeça
lentamente de um lado para o outro enquanto caminhava, evitando o contacto visual,
caminhando muito devagar. O enorme São Bernardo permanecia ali quieto. Tornava-se
evidente que estava a captar a mensagem que ela lhe transmitia. A uns seis metros de
distância a cadela parou e deitou-se, adotando a posição de convite para brincar, só que nesta
ocasião não era para isso. A cadela permaneceu assim até que viu algo no olhar do outro cão
que a convidou a aproximar-se mais. O São Bernardo não fez nenhuma tentativa para se
retirar e ficou ali a olhar para ela. De repente, Buster também se deitou, adotando a posição
de incitação à brincadeira e os dois, em poucos segundos, estavam em contacto.
A Vesla tinha-se apercebido da situação, da preocupação do outro cão, e soube o que tinha de
fazer, conseguindo que Buster estivesse menos receoso, menos assustado. Comunicaram
entre si, compreenderam a mensagem que enviavam ao outro e, portanto, puderam resolver a
situação.
Os cães são peritos nesta matéria. Esta capacidade de resolução dos conflitos faz parte do
que herdaram dos seus antepassados, os lobos, e lêem os sinais de calma que os outros
pares emitem, tal como nós lemos livros. Faz parte dos seus instintos de sobrevivência e
comportamento no seio da matilha. Nós nunca seremos tão bons como eles na sua utilização,
mas entenderemos melhor o que nos comunicam. Podemos observar, entender e fazer-lhes
saber que entendemos a sua linguagem. Temos a possibilidade de fazer sinais de calma para
lhes responder, fazê-los ver que compreendemos. Melhoraremos, desta forma, a comunicação
durante o treino e nas situações quotidianas. Podemos aprender a sua linguagem para
comunicarmos melhor e aperfeiçoar a qualidade do trabalho com os nossos cães. Evitaremos
conflitos e também reduziremos o risco de ter cães receosos, inseguros, agressivos e
stressados. Também reduziremos o risco de nos colocarmos em situações perigosas,
lastimarmo-nos ou que um cão nos morda numa reação de autodefesa.

Terceira história. A cadela de caça


A magra cadela de caça permaneceu imóvel, a tremer, no meio da casa, ofegante, com um
olhar de desespero. Estava tão magra que se lhe viam as costelas. Dava dó olhar para ela.
Uns segundos mais tarde, passou um comboio na proximidade da casa. A cadela começou
logo a comportar-se de um modo mais normal, aproximando-se para me saudar, mostrando-se
amistosa, como é habitual neste tipo de cães.
A casa ficava próxima de uma via-férrea e a cadela tinha pavor do barulho do comboio quando
estava em casa. Tinha ficado hiperativa, em pouco tempo tinha perdido sete quilos e tinha um
ritmo cardíaco anormal.
Eu não estava muito segura do que podia aconselhar. Mudarem de casa? Recorrer a
fármacos? Decidi tentar outra coisa quando passasse o próximo comboio.
Expliquei aos donos o que tinha pensado fazer e quando o barulho do comboio ainda mal se
ouvia, sentei-me a bocejar e estiquei os braços («as patas dianteiras»), evitando o contacto
visual com a cadela, mas a olhar de lado para ver a sua reação. Os donos estavam a falar
tranquilamente, olhando para outro lado, a tomar um café. A cadela tremia ofegante, mas
olhava para mim enquanto eu bocejava. Olhava para os donos e outra vez para mim. Já não
ofegava tão intensamente nesta altura como fazia ao princípio. Era possível que estivesse a
dar resultado?
Mais tarde, quando se estava a aproximar outro comboio, sentamo-nos todos no chão a
bocejar, sem olhar para ela. A cadela reagiu de forma positiva.
Já tinham «trabalhos de casa». Regressei um mês mais tarde. Durante todo este tempo não
me telefonaram, pelo que acreditava que as coisas não tinham piorado. Ao entrar em casa, a
cadela veio saudar-me como se eu fosse uma velha amiga desde há muito. Sentei-me, e a
cadela subiu para o sofá ao meu lado (e era permitido!) e enroscou-se ali confortavelmente,
disposta a dormir. Era evidente que tinha engordado e já não se lhe viam as costelas. Estava a
aproximar-se um comboio, a cadela abriu um olho para olhar para mim, viu que eu bocejava
(como se estive a dizer: «isso era o que eu pensava») e voltou a dormir novamente.
Eu fiquei sem palavras e feliz. Era possível transmitir a mensagem a um cão receoso,
utilizando a sua própria linguagem, aliviando o seu medo. Quando começou a mostrar-se mais
descontraída com o ruído do comboio, os seus donos realizaram outras atividades e
brincadeiras e isto, é claro, também ajudou a resolver o problema.
Este foi um dos primeiros cães com que utilizei os sinais de calma, por isso nunca me
esquecerei desta cadela. Anos mais tarde reencontrei-a e ela ainda me reconhecia. Viveu
durante muitos anos, cheia de vitalidade, a caçar coelhos no monte. Agora, acredito que, se na
outra vida também há montes, continuará feliz a caçar coelhos.

Quarta história. Saga


A Saga estava a ajudar-me a retirar a neve da estrada de acesso à quinta, quando, de
repente, apareceram umas pessoas com cães soltos. Avistaram a Saga e a rosnar e a ladrar
lançaram-se na sua direção, pareciam realmente ferozes, selvagens. Eu estava prestes a
interpor-me entre eles e a Saga, mas decidi esperar e ver o que acontecia sem a minha
intervenção. A Saga já tinha feito a sua parte. Quando os outros cães se lançaram em direção
a ela, ela voltou-se, para lhes dar as costas, e sentou-se. Isto fez com que os outros cães
abrandassem o entusiasmo do ataque. Reduziram a velocidade de aproximação, pararam de
ladrar e de rosnar e começaram a farejar o chão. No fim, não se chegaram a aproximar da
minha cadela. Pararam a uma determinada distância e continuaram a farejar o chão em
silêncio. A Saga nem se deu ao trabalho de olhar para eles. Como se tinham portado tão mal
com ela, perdeu todo o interesse em conhecê-los. Os outros cães deram meia volta e foram
para ao pé dos seus donos.

Quinta história
Um cliente chegou à minha quinta com o seu Dog do Tibete, recém adquirido. Inclinando-se
sobre o cão e com um tom normal, deu-lhe a ordem para se sentar. O Dog afastou-se e reagiu
imediatamente de forma descontrolada, como um psicótico, se me for permitida a expressão,
e completamente desligado deste mundo, absolutamente alheio às correções do dono e à dor
(a dor não o alcançava).
Estes mastins, gigantes generosos com o seu vozeirão, são mal interpretados, e alguém tinha
conseguido que este cão se sentisse receoso de estar vivo.

O cão sentou-se, totalmente perdido, com o dono a tentar fazer com que voltasse a si; eu
pedi-lhe que o deixasse estar. Aproximei-me e sentei-me ao lado do mastim, olhando para o
mesmo lado que ele, acariciando-lhe
o pescoço com suavidade e com movimentos muito lentos, ao mesmo tempo bocejava e
respirava profundamente.
Permaneci ali sentada com ele uns quinze ou vinte minutos; então, o cão começou a dar sinais
de estar a voltar a si, de regressar a este mundo; pa-recia desconcertado, confuso, olhava
para mim, bocejava e permanecia ali, sentado, imóvel, sem nada que pudesse atemorizá-lo.
Precisou de algum tempo para estar consciente da situação, então lambeu-me, olhou para
mim, parecia sentir-se seguro.
Depois do que aconteceu, o cão adorava-me. Acredito que poderia ter feito qualquer coisa
com ele. Tinha plena confiança em mim e não se afastava de mim quando me vinham ver.
É preciso tão pouco para ser amistoso com um cão e os resultados podem ser tão
extraordinariamente gratificantes. Tens sempre a hipótese de escolha: podes comportar-te de
forma ameaçadora ou calma. Para mim, a escolha é muito simples.
Um comportamento de mudança é fazer algo mais. O teu cão é «teimoso», «distraído», ou
simplesmente caminha afastando-se de ti, farejando, porque tu o controlas de forma
inadequada?
«Se falas com os animais,
eles falarão contigo,
e conhecer-se-ão uns aos outros.
Se não lhes falas,
não os conhecerás,
E aquilo que não conheces,
temes.
Aquilo que temes,
acabas por destruir».
Chefe índio Dan George
Capítulo IV
O cão stressado
As hormonas relacionadas provocadas pelo stress são-nos necessárias. Precisamos de uma
determinada quantidade destas hormonas para podermos trabalhar, para termos energia
suficiente e assim fazermos as coisas que temos ou queremos fazer. Em determinadas
ocasiões deparamo-nos com situações em que sentimos medo, que nos atemorizam, que nos
alteram, que nos excitam ou nos fazem ficar zangados. Nestas circunstâncias aumenta a
concentração de hormonas a circular no nosso organismo. É então que começa a ser
bombeada a adrenalina.

Como funciona
Estás a conduzir e, de repente, estás quase a bater noutro carro, a ter um acidente.
Consegues evitá-lo, mas, uns minutos mais tarde, o teu ritmo cardíaco fica acelerado e as
palmas das mãos começam a suar. Ficas alterado ou zangado, tremes ou sentes sede ou
ficas com vontade de ir à casa de banho. Todo este tipo de reações indica que o teu nível de
adrenalina está alto.
Na Noruega, o professor Holger Ursin investigou o stress (Holder Ursin: Stress) e os seus
estudos são de grande valor quando os aplicamos aos cães. No seu livro poderás estudar e
aprender os mecanismos do stress.
As pessoas ficam stressadas por causa de acidentes, zangas, violência, com coisas ou com
situações que nos excitam; mas, sobretudo, ficamos stressados em situações que não
controlamos ou sentimos que não podemos controlar. Algo nos atemoriza e não nos sentimos
seguros da nossa capacidade para resolver a situação.
Os cães ficam stressados pelas mesmas razões. Ficam stressados em situações de medo, de
dor ou de mal-estar. Ficam stressados quando nos zangamos ou quando os corrigimos. Ficam
stressados quando se excitam, por exemplo, quando os machos cheiram uma fêmea no cio.
Também podem ficar stressados devido aos acontecimentos que acontecem a uma grande
velocidade. Mas, principalmente e sobretudo, os cães ficam stressados pelas mesmas razões
que os humanos: quando se sentem incapazes para resolver uma situação.
Quando os cães começam a ficar stressados podem manifestá-lo de diversas formas. Quando
estão stressados devido ao meio ambiente, normalmente podes observar que começam a
fazer sinais de calma para tentar reduzir o stress. Por isso, conhecer e identificar os sinais de
calma também nos ajudará a saber quando é que o nosso cão se sente stressado.
Os estudos científicos proporcionaram-nos mais informação sobre o stress. Na Escandinávia
foram realizadas medições em pára-quedistas, pilotos, mergulhadores e noutros profissionais
que estão em situações de risco.
As medições demonstram que: (1) ocorre uma situação; (2) entre cinco a quinze minutos
depois, a produção de adrenalina está nos níveis mais elevados (quando começamos a sentir
o nosso coração a bater); (3) em simultâneo com a produção de adrenalina, no nosso
organismo acontecem outras duas coisas: os níveis de acidez no estômago aumentam e
também acontece o mesmo com os níveis de algumas hormonas sexuais, o que pressupõe um
mecanismo de defesa; (4) entre cinco a quinze minutos depois, a situação desencadeada pela
subida de adrenalina, dos ácidos gástricos e dos mecanismos de defesa, atinge o pico, o
culminar; e (5) as hormonas e ácidos começam a baixar até serem recuperados os níveis
normais. A recuperação, o regresso aos níveis normais de stress, de ácidos gástricos e dos
mecanismos de defesa pode demorar vários dias em função do meio ambiente que nos rodeia,
dos níveis normais e de outras circunstâncias. Esta é uma descrição pormenorizada do que
acontece.
Em situações perigosas, os pilotos que apresentavam elevados níveis de stress
demonstravam os mecanismos de defesa adequados e sobreviviam ao perigo. Os que
morriam em acidentes de aviação apresentavam baixos níveis de stress e mecanismos de
defesa deficientes. Os que tinham os níveis de stress elevados e bons mecanismos de defesa
para os suportarem eram confrontados com outro problema: com o passar do tempo tinham
úlceras ou outros problemas gástricos.
Por outras palavras, os níveis de stress e os mecanismos de defesa são necessários e
estarão presentes para que o cão possa sobreviver. Existem para nos fazer reagir com a
rapidez suficiente e sermos fortes o suficiente para superar o perigo.
Mas há mais. Um cão com elevados níveis de stress, de forma continuada, terá problemas
gástricos, cardíacos e alergias. Os seus mecanismos de defesa serão mais rápidos e
violentos quando enfrentar situações de stress. Provavelmente, o seu mecanismo de defesa
ativar-se-á antes do mecanismo de defesa nos outros indivíduos.
Em diversas ocasiões trabalhei com cães que atacavam as pessoas ou outros cães e, em
determinadas situações, comportavam-se de forma agressiva. Provavelmente, os seus
mecanismos de defesa ativavam-se muito antes, reagiam mais rapidamente e com maior
intensidade perante diferentes situações. Tudo se encaixa.

Primeiro exemplo
Um cão apresenta sintomas de um elevado nível de stress perante o tom severo das ordens,
devido à elevada exigência de treino desde a mais tenra idade e devido à agressividade e
irritação do seu dono. O cão está stressado devido a esta situação, que se repete
diariamente, porque nunca tem a oportunidade de se descontrair.
Este cão também desenvolveu um elevado nível de auto-defesa. Comporta-se de um modo
agressivo com os outros machos ou com as pessoas.
O comportamento agressivo deste cão pode ter sido aprendido. Pode ser, em parte, herdado.
As possibilidades desta simples reação se manifestar durante toda a sua vida e de o fazer
estar stressado é muito elevada. A irritação e as exigências do seu dono fazem com que lhe
seja impossível suportar a situação diária. Fica stressado e com o stress também se
manifesta uma reação de defesa mais intensa, que foi a razão pela qual o seu dono me veio
visitar.

Segundo exemplo
Os cães aprendem por associações. Quando damos um puxão na trela para fazer com que o
cão se mantenha na posição ou para que pare de ladrar sempre que vê outro cão, o nosso
cão associa o outro cão com o puxão da trela e com a dor que isso provoca. Ficará cada vez
mais stressado quando vê outros cães e ativará cada vez com maior rapidez os seus
mecanismos de defesa devido ao aumento do stress. Este cão também se comportará de
modo agressivo com outros cães, tanto com machos como com fêmeas.
O que me leva a pensar que não existe razão alguma ou desculpa alguma para castigar,
corrigir, ser violento, ameaçar, forçar ou exigir demasiado a um cão. Se faço com que os meus
cães fiquem stressados, o stress fará com que fiquem doentes. Ficarão agressivos com os
outros cães ou com as pessoas com uma maior facilidade, porque as suas defesas aumentam.
Pode até acontecer, numa situação destas, que possam morder em alguém.
Nós temos sempre a possibilidade de escolher como nos comportamos e como guiamos o
cão. Podemos entender os sinais de calma que o nosso cão faz e fazê-lo saber. Ou podemos
ignorá-los e piorar a situação de stress em que o cão se encontra até fazê-lo sentir que não
pode suportá-la e, desta forma, fazê-lo aumentar o seu stress.
Podemos comportar-nos e guiá-lo de forma ameaçadora, de modo a fazermos o cão sentir-se
inseguro, receoso e na defensiva. Algumas destas reações de defesa serão interpretadas
como medo. Alguns cães começam a correr, a fugir para tentar escapar; parecem ter medo e
estão ou aparentam estar nervosos. A fuga como defesa pode parecer uma agressão.
Quando revejo o extenso arquivo que possuo sobre casos de cães receosos e agressivos, vejo
claramente como tudo o resto se encaixa. Devemos tentar resolver as causas que
desencadeiam este comportamento, não basta curar os sintomas, pois assim não chegaremos
muito longe.
Observa os níveis de stress que o teu cão demonstra. Procura as razões pelas quais está
stressado. Uma análise autocrítica frequente do teu comportamento e do ambiente permitir-te-
á descobrir muitas coisas por ti próprio. Em determinadas ocasiões poderá ser útil e
interessante pedir ajuda a outras pessoas para que te dêem outro ponto de vista, a sua
opinião pessoal. Frequentemente ficamos cegos com o que fazemos, não somos capazes de
avaliar objetivamente o nosso trabalho.

O que é que faz com que um cão fique stressado?


• As ameaças diretas (as nossas ou as de outros cães).
• A violência, irritação ou a agressão à sua volta.
• As correções com a trela, empurrá-lo para que se deite, arrastá-lo.
• Demasiadas exigências quotidianas ou do treino.
• Demasiado exercício nos animais ainda jovens.
• Pouca atividade, pouco exercício.
• Fome, sede.
• Não ter acesso à zona onde brinca quando o deseja fazer ou quando precisa.
• Frio ou calor excessivos.
• Dor e doença.
• Demasiado barulho.
• A solidão.
• O aparecimento repentino de situações ameaçadoras.
• Brincadeiras que aumentem a sua excitabilidade, com bolas ou com outros cães.
• Impossibilidade de se descontrair, estar sempre a ser incomodado.
• Mudanças repentinas.

Como é que podemos identificar o stress?


• Mostra hiperatividade (é incapaz de estar sossegado).
• Reage de forma excessiva aos acontecimentos e às situações (ao som da campainha, um
cão a aproximar-se).
• Utiliza sinais de calma.
• Coça-se.
• Morde-se a ele próprio (auto mutilação).
• Tem um comportamento destrutivo: rói os móveis, os sapatos ou outros objetos.
• Ladra, uiva, gane.
• Tem diarreia.
• Mau cheiro corporal e mau hálito.
• Musculatura tensa, «ataques» de caspa repentinos, por exemplo.
• Sacode-se.
• Mudança da cor dos olhos.
• Lambe-se.
• Tenta morder a própria cauda.
• Pele com uma aparência dura, estriada, gretada.
• Aparente falta de saúde.
• Respiração entrecortada, agitação.
• Perda de concentração: só é capaz de ficar concentrado durante curtos períodos de
tempo.
• Treme.
• Perda de apetite.
• Faz as suas necessidades com uma maior frequência do que o habitual.
• Tem alergias (muitas das alergias são um resultado do stress, ao coçar-se).
• Demonstra uma fixação por determinados objetos: luzes, moscas, os ruídos, estalidos, da
lenha a arder.
• Aparência nervosa.
• Comporta-se de forma agressiva.
• Realiza atividades de movimento quando lhe é dada uma ordem para fazer alguma coisa.
O que é que podemos fazer para aliviar o stress nos nossos cães?
Não tenho a intenção de discutir tudo o que podemos fazer para aliviar o stress nos nossos
cães, um tema que é, em si mesmo, suficiente para outro livro. Apresento aqui algumas ideias:
• Mudar o ambiente e as rotinas.
• Deixar de aplicar métodos duros, violência ou técnicas dolorosas no treino e na
orientação; não há desculpas para continuar a aplicá-los se a reação do cão, perante as
técnicas de controlo, prova a sua ineficácia.
• Aprender a identificar e a usar os sinais de calma.
• Evitar expor o cão a uma situação extrema de fome, sede, calor, frio ou impedi-lo de fazer
as suas necessidades com a frequência que precise.
• Encontrar o nível adequado de exercício e de atividade para o cão; um nível excessivo ou
muito escasso pode ser prejudicial.
• Permitir-lhe-emos fazer parte da matilha, ou seja, deixá-lo estar connosco ou com alguém
da família e, gradualmente, ensiná-lo a aceitar ficar sozinho.
• Praticar a proximidade, o contacto, as massagens, o estar junto sem utilizar a força, estar
juntos no chão, em contacto, é relaxante, alivia o stress nos cachorros (também poderá
ser útil para o nosso cão).
O medo pode fazer com que o cão fique ainda mais stressado. O stress ativa os mecanismos
de defesa, o que faz com que o cão tenha mais medo. Por onde é que devemos começar a
quebrar este círculo vicioso?
«Em diversas ocasiões os cães ficam histéricos quando comunico com eles
utilizando a sua própria linguagem. É como se alguém tivesse passado uma longa
temporada perdido na selva e quando já está quase desesperado, ouve outra
pessoa que fala a mesma língua que a sua. Talvez seja esta a razão pela qual os
cães que reabilitei se lembram de mim muitos anos após o nosso encontro».
Capítulo V
A escolha é tua
Para os leitores deste livro
A leitura sobre estes temas, só por si, é excelente, mas, o mais importante, o que realmente
me deixaria muito feliz, é que fosses para a rua e começasses a observar. As pessoas que
assistiram a um dos meus cursos, digam-me, contem-me as vossas experiências, se
compreendeis os vossos cães agora e se o que aprenderam vos é útil, de que forma é que vos
ajudou com os vossos cães. Se acreditam que vos ajudou a melhorar a vossa relação com os
vossos cães e também se é interessante e maravilhoso observar o que fazem os cães para
resolver problemas.
Espero que comeces a observar e a entender melhor o teu cão, a sentir-te mais próximo, com
uma relação melhor, mais perfeita.
Até agora, a maior parte da comunicação realizava-se apenas numa direção: nós exigíamos
coisas aos nossos cães e eles respondiam. Isto não é suficiente para as pessoas que
realmente querem conhecer, que querem sentir-se realmente unidos com os seus cães e
serem capazes de os entender. Compreender a sua linguagem, provavelmente, não é
suficiente, mas é um grande passo na direção adequada.
Sempre que estejas com o teu cão ou que te encontres com outro cão tens a possibilidade de
escolher: podes mostrar-te ameaçador ou descontraído. Não existe desculpa alguma para
ameaçar um cão. Isso faria com que o cão assumisse uma atitude defensiva, receosa, sem te
entender, e, inclusive, no fim, possa chegar a fazer-te mal ou fazer mal a outros, porque os
seus mecanismos de defesa estão ativados.
Os cães são sobreviventes. Defendem-se quando sofrem ameaças. Alguns desatam a correr
ou tentam fugir. Outros ficam desconcertados. De qualquer modo, os laços de união com os
humanos são deteriorados.
Ao mostrares ao teu cão a tua atitude amistosa podes transformar-te imediatamente no seu
amigo ou, pelo menos, em alguém com quem pode sentir-se bem. Deixar as ameaças e
começar a utilizar os sinais de calma pode mudar a relação com o teu cão.
Para além disso, os cães são peritos na resolução de conflitos e tentam sempre resolvê-los
quando estes surgem. O facto de estarmos sempre a iniciar conflitos é realmente preocupante
para os nossos cães e fá-los ver o quanto somos frágeis.
Tens sempre a possibilidade de escolher. Depende de ti o tipo de relação que desejas
estabelecer com o teu cão. Pode aprender a temer-te e passar toda a sua vida atemorizado e
a sentir-se mal ou podes fazê-lo sentir-se melhor, que confie em ti e não tenha nada a temer;
neste caso, o cão, muito provavelmente, nunca terá necessidade de mostrar-se numa posição
defensiva e, deste modo, é menos provável que chegue a morder alguém.

Aspectos práticos durante o treino


Quando estás a treinar o teu cão para que ele se deite ou sente, não te inclines sobre ele. O
melhor é que te posiciones ao seu lado, de joelhos ou mantendo-te erguido, sobretudo se o teu
cão não gosta de fazer o exercício. Se te inclinas sobre ele movimentar-se-á mais devagar ou
oferecerá resistência.

Quando estiveres a praticar a chamada não te inclines sobre o cão quando ele se aproxima.
Se o fizeres é provável que não se aproxime até onde estás ou que passe por ti a correr ou
olhando para o outro lado. Obterás melhores resultados se te mantiveres erguido, melhor
ainda se te colocares de lado (não de frente). Assim aumentará a probabilidade do cão
responder à tua chamada.
Quando quiseres que caminhe ao teu lado não utilizes uma trela muito curta ou tensa, pois
assim irás provocar-lhe dor, irás magoar-lhe o pescoço e a única coisa que conseguirás será
que tente afastar-se, farejar o chão ou fazer outra atividade. É preferível que o mantenhas
pela trela, sem estar esticada, comeces a andar e que mudes com regularidade o sentido da
marcha, dando uma palmada na coxa para chamar a sua atenção e virando para a direita. Se
não houver tensão na coleira e caso não se sinta arrastado, seguir-te-á. Deverás premiá-lo se
te acompanha quando voltas para a direita dando uma palmadinha na coxa. É tudo o que o cão
precisa e é muito mais agradável do que acabar com o pescoço retorcido e dolorido. Não
tenhas o cão preso por uma trela curta e tensa. Pode ser que aprenda a aceitá-lo, mas tem de
ser conseguido de uma forma gradual.
Conselhos:
• Não te inclines sobre o cão quando te agachas. É melhor dobrar os joelhos.
• Para lhe ensinar o exercício a caminhar junto a ti, volta-te afastando-te do cão (faz as voltas
para a direita se o teu cão está à tua esquerda e vice-versa).
• Quando te aproximas de um cão começa por tocá-lo de frente, no pescoço, por exemplo.
• Não o agarres, limitando os seus movimentos.
• Nunca tentes acariciar um cão que não conheces bem.
Todos os exercícios de treino podem ser realizados de formas muito distintas, mas alguns são
menos ameaçadores do que outros. Um cão nunca se deve sentir ameaçado quando faz algo
para ti. Não te esqueças: és sempre tu quem tem a opção de escolha!
Desejo que aproveitem, que se divirtam e desfrutem dos momentos maravilhosos explorando a
linguagem dos cães, que sejam capazes de vos surpreender com a capacidade que têm para
resolver conflitos, ajudandose uns aos outros a comportarem-se. Os cães são um milagre da
comunicação e da cooperação. Nós temos muitíssimo para aprender com eles. A minha vida
mudou totalmente desde o dia em que descobri como é que os cães comunicavam e ainda
mudou mais no dia em que me apercebi da forma como podia utilizar a linguagem dos cães e
fazer com que me entendessem.
Bem-vindo ao mundo dos cães e ao território da linguagem canina! Gostaria muito que também
fosses capaz de usufruir das maravilhosas experiências que eu tive. Os teus cães merecem-
no!
Epílogo
Quando tinha apenas cinco anos de idade desejava ardentemente, quando crescesse, «fazer
algo pelos cães».
Não sabia o que podia fazer. À medida que os anos foram passando, aquele desejo foi ficando
cada vez mais forte e comecei a trabalhar naquilo que é hoje uma florescente e próspera
escola de treino, na minha propriedade, que satisfez os meus desejos.
Acredito que alcancei os meus objetivos, inclusive que fui até mais longe. Espero ter ajudado
os cães da minha «vizinhança» (já trabalhei em diferentes partes do planeta). Já treinei cerca
de mil cães por ano, ajudando a melhorar a qualidade de vida de muitos deles. Obtive,
inclusive, um importante prémio, em dinheiro, pelo meu trabalho com os cães (devo ser a única
treinadora de cães que conseguiu algo deste tipo).
Também sei que os mais ardentes desejos nunca podem ser alcançados. Haverá sempre cães
que precisam de ajuda, é uma história interminável. Mas, agora sei para onde se dirige o meu
caminho e estou mais atarefada com o caminho em si do que com o que aparecerá na próxima
curva.
Sinto que sou uma pessoa privilegiada por fazer o que sempre desejei fazer. Quero continuar a
fazê-lo até ao fim dos meus dias, utilizando todas as minhas capacidades, a minha energia e
os meus conhecimentos para ajudar tantos cães como me seja possível. Fazendo algo pelos
cães, porque eles fizeram muitíssimo por mim.
Bibliografia
Crisler, Lois. Artic Wild. New York: Harper and Brothers, 1957.
Fox, Michael. Behaviour of Wolves, Dogs and Related Canids. Florida: Krieger, 1987.
Fox, Michael. The soul of the Wolf. Florida: Krieger, 1987.
Hallgren, Anders. Lexikon i hundsprak. Koping, Sweden: Jycke-Tryck AB 1989.
Klinghammer, Erich. Applied Ethology: Some basic principles of ethnology and psychology.
Indiana: North American Wildlife Foundation, 1982.
Lorenz, Konrad. Man Meets Dog. London:Methuen, 1954.
Lorenz, Konrad. On aggression. New York: Harcourt, Brace and World, 1966.
Mech, L. David. The Wolf: The Ecology and Behaviour of Endangered Species. Minnesota:
University of Minnesota Press, 1981.
Ursin, Holger. Stress. Oslo, Norway: Tanum-Norli, 1992.
Agradecimentos
(edição espanhola)

À Mensi e à Sabela, por todo o constante apoio e colaboração.


À Turid por todo o seu trabalho e por autorizar a presente edição.
A todos os amigos que me animaram a levar por diante este lindíssimo projecto. Obrigado.
Outras obras publicadas

• Antes de ter o seu cachorro (Ian Dunbar).


Kns ediciones é uma editora especializada no treino de cães e no mundo canino em geral. As
nossas publicações podem ser encomendadas, por telefone/ fax (0034 981 519 281) ou
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«Frying pan» (frigideira): no original, para fazer referência à utilização do castigo e da força utilizados nalgumas técnicas
{1}

de treino tradicionais.
{2}
«Contact training»: o treino realizado recorrendo ao reforço positivo, ao treino positivo.
{3}
«Cutoff»: sinais para cortar, apaziguar os ânimos (N. do T.).
{4}
«Calming signals» (no original): sinais, expressões de calma. O termo “sinais de apaziguamento” é utilizado por outros
autores para se referirem a estas expressões dos canídeos.

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