Você está na página 1de 20

2 PRODUÇÃO FOCALIZADA

O capítulo 2 pretende apresentar os principais conceitos associados à focalização dos


sistemas produtivos em unidades de negócios. Inicialmente questionam-se as formas
convencionais de organização da produção, apresentando suas desvantagens perante à
produção focalizada. Uma estrutura organizacional focalizada é então proposta. Como forma
de desenvolver a apresentação do tema, divide-se o processo de focalização em três tópicos
interrelacionados: a focalização nos processos de fabricação repetitiva em lotes e a
configuração das células de fabricação, a focalização nos processos de montagem, e a
focalização na armazenagem e movimentação de materiais.

2.1 INTRODUÇÃO

Projetar e produzir bens não tem se mostrado uma tarefa muito difícil para as empresas. A
dificuldade está em projetar e produzir bens de forma organizada e eficiente, atendendo as
necessidades dos clientes. Veja-se o exemplo da indústria automobilística. Até a década de 80, para
se obter um carro de aceitação popular a baixo custo, como o famoso Fusca, as empresas
projetavam seus produtos e processos, e administravam suas fábricas, de maneira a obter uma
produção em grande escala desses bens. A ênfase era na redução dos custos fixos pelo aumento
cada vez maior dos lotes produtivos. Por outro lado, se o objetivo estratégico da empresa era atingir
um mercado automobilístico mais sofisticado para carros de luxo, procurava-se projetar e instalar
fábricas quase artezanais onde, com mão-de-obra super qualificada e inspeção 100%, buscava-se
produtos de qualidade em pequena escala.

Essas duas alternativas são pontos extremos para uma gama de soluções de projeto e
fabricação de automóveis. Tanto a busca pela redução dos custos fixos aumentando a capacidade
instalada, como a ênfase na qualidade pela produção artezanal, são soluções que se mostraram
ineficientes frente a concorrência globalizada desse final de século. Capitaneadas pela Toyota
Motors, as montadoras de automóveis reprojetaram suas fábricas, reduzindo a complexidade dos
processos e dando ênfase a prevenção da qualidade, de forma a redirecionar seu foco para o
atendimento simultâneo dos critérios competitivos atuais (qualidade, custo, flexibilidade e
desempenho de entrega) conforme proposto pela filosofia JIT/TQC.

Nos processos de produção em massa, como o das montadoras de automóveis, talvez essa
questão de perda de foco não fique bem clara, porém quando se desce um nível nessa cadeia
produtiva, olhando para os fornecedores de autopeças, com processos intermitentes em lotes, a
situação encontrada no final dos anos 80 era caótica. Fábricas de grande porte, centralizadas em
determinada região, buscavam atender a todos os seus clientes simultaneamente, produzindo de
forma antecipada as potenciais necessidades desses clientes. A medida em que novos clientes iam
aparecendo, procurava-se adicionar ao sistema atual mais capacidade produtiva para atendê-los.
Dessa forma, os administradores pensavam estar reduzindo seus custos fixos com o crescimento das
fábricas, porém na realidade, problemas de várias ordens afloravam agindo no sentido contrário,
como por exemplo:

 excessivos níveis hierárquicos, com baixo entrosamento e motivação entre as equipes de


trabalho, aumentando os custos de supervisão;

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 22

 dificuldades em exercer o planejamento e controle do processo produtivo, mesmo


empregando softwares complexos, aumentando os estoques e projetando operações
múltiplas em paralelo como forma de proteger o sistema;
 gerenciamento a distância com base em relatórios periódicos, aumentando a burocracia e
dificultando a identificação e correção rápida dos problemas;
 busca pelo incremento da produtividade individual dos funcionários retirando-lhes
funções de apoio a produção (manutenção, inspeção da qualidade, movimentação etc.),
delegadas à especialistas melhor remunerados e em pequeno número.

Em resumo, o crescimento desorganizado das empresas levou-as a perder o foco de seus


negócios. A proposta de hierarquizar o planejamento estratégico em estratégia corporativa e
estratégia competitiva, conforme apresentado no capítulo inicial, não fica claro em sistemas de
produção muito complexos. A estratégia corporativa que deveria estar definindo as áreas de
negócios nas quais a empresa pretende participar, organizando e distribuindo os recursos
corporativos para cada uma destas áreas, se perde no gigantismo do sistema. E a estratégia
competitiva que deveria estar focalizada em cada unidade de negócios, estabelecendo como cada
negócio da empresa compete no mercado, direcionando as áreas produtivas para dar sustentação à
posição escolhida, fica impraticável.

O que se pretende com a produção focalizada é reverter esse crescimento excessivo, fazendo
com que cada produto, ou família de produtos, possa ser tratado como um negócio específico, com
suas características produtivas e mercadológicas próprias, segundo a definição de uma estratégia
competitiva adequada para cada produto. Desta forma, as empresas dividiriam fisicamente seus
recursos, montando fábricas focalizadas em produtos, ou famílias, específicos. O crescimento não
se daria mais pelo aumento dos antigos departamentos e linhas de montagem, mas sim pela criação
de novas unidades de negócios focalizadas.

Seguindo o exemplo dos fornecedores de autopeças, o que se vê hoje em dia com a


globalização da economia é a montagem de pequenas fábricas focalizadas para uma determinada
montadora, instaladas fisicamente próximas da mesma, de maneira a tirar vantagens tanto em
termos organizacionais internos, como em ternos de logística de fornecimento externo para o
cliente. Segundo Harmon e Peterson (HARMON, 1991 : 16-17) uma fábrica focalizada possui as
seguintes vantagens na busca pelos princípios da filosofia JIT/TQC:

 domínio do processo produtivo: por ser uma fábrica pequena as comunicações fluem
mais facilmente, permitindo que cada gerente, supervisor e funcionário conheça todos os
aspectos importantes da fabricação dos produtos. Dessa forma, aumenta-se a
identificação e solução de problemas;
 gerência junto à produção: com o enxugamento dos níveis hierárquicos pela redução da
complexidade dos processos, a gerência pode ficar localizada próxima ao chão-de-
fábrica, aumentando a velocidade de resposta na tomada de decisões. O gerenciamento
pode ser mais centrado nos aspectos visuais do que em cima de relatórios periódicos;
 staff reduzido e exclusivo: o pessoal de apoio pode ficar junto ao local onde presta o
serviço, especializando-se em suas tarefas. A focalização do staff facilita a programação
dos serviços de apoio aos clientes internos, reduzindo as paradas de produção e
acelerando a solução dos problemas;
 estímulo à polivalência de funções: em fábricas pequenas tanto as funções produtivas
como as de apoio são executadas por um número menor de pessoas, induzindo ao
conceito de funcionário polivalente. As responsabilidades pela produção, qualidade,
manutenção, movimentação etc. são compartilhadas por todos e podem ser melhor
Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Produção Focalizada 23

distribuídas. Permite o uso efetivo do conceito de Círculos de Controle de Qualidade


(CCQ) e de remuneração variável pelo desempenho do grupo;
 uso limitado dos recursos: em fábricas pequenas os recursos colocados a disposição da
produção são limitados, o que facilita a identificação e eliminação de atividades que não
agregam valor aos produtos e estimula a disseminação do princípio do melhoramento
contínuo. Estoques excessivos e equipamentos ociosos prontamente aparecem.

Ao transformar a grande fábrica convencional em uma série de estruturas mais ágeis


focalizadas em cada unidade de negócios da empresa, há necessidade de se repensar a sua estrutura
organizacional no sentido de suportar esta nova forma de fabricação. A Figura 2.1 apresenta um
modelo genérico de estrutura organizacional dentro desse conceito de produção focalizada. Nessa
figura pode-se ver uma estrutura onde cada unidade de negócios está focalizada em um gerente
específico, capitaneadas por um gerente geral da fábrica que mantêm centralizadas as funções de
finanças, marketing e pessoal a nível corporativo. De acordo com Harmon e Peterson (HARMON,
1991 : 19-20) cada unidade de negócio, chamada por eles de subfábrica, pode comportar de 30 a
300 pessoas, sendo que acima desse número seria mais interessante dividir a estrutura
organizacional em unidades menores, como, por exemplo, uma subfábrica para a produção das
peças componentes e outra para a montagem do produto acabado.

Gerente Geral da Fábrica

Finanças Gerente da Subfábrica 2


Gerente da Subfábrica 1
Marketing Gerente da Subfábrica 3
Recursos Humanos Gerente da Subfábrica N

Engenharia Manutenção PCP/Materiais Ferramentaria


Supervisor da
Subfábrica 1

Células de Fabricação Linha de Montagem

Figura 2.1 Organograma para a produção focalizada.

Atrelado ao gerente das diversas subfábricas, focalizam-se as funções de apoio a produção


como o planejamento e controle da produção, engenharia, manutenção etc. Como coordenador dos
grupos de trabalho na fabricação e montagem dos itens ter-se-ia tantos supervisores quantos fossem
necessários. Geralmente, um supervisor pode se encarregar de até 30 pessoas sob sua
responsabilidade. Desta forma com a focalização da produção, o número de níveis hierárquicos
entre os funcionários do chão-de-fábrica e a direção da empresa se reduziria para apenas quatro,
agilizando as decisões.

Um ponto importante na focalização da produção diz respeito a quanto do processo


produtivo pode ser efetivamente organizado por produto dentro de uma estrutura verticalizada. Esta
questão está ligada ao balanceamento entre a capacidade produtiva dos recursos e a demanda
esperada pelos produtos que utilizam esses recursos. Em fábricas novas esse balanceamento pode
ser alcançado com um projeto voltado para o equilíbrio dos recursos produtivos com a demanda
negociada com clientes que busquem um relacionamento estável de longo prazo calcado na filosofia

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 24

JIT/TQC. Em fábricas já instaladas muitas vezes esse balanceamento é dificultado pela


característica instável da demanda ou pelo superdimensionamento de determinados grupos de
recursos, como por exemplo um forno de tratamento térmico, ou uma cabina de pintura, que tem
condições de atender a todos os produtos da fábrica. Apesar destas limitações, a focalização da
produção deve ser tentada.

Por exemplo, uma indústria metal-mecânica que tem sua produção centrada em
compressores de grande porte, fabrica paralelamente outros produtos, como elevadores hidráulicos,
morsas, pistolas manuais de pintura, entre mais de dez produtos diferentes. O roteiro de fabricação
desses produtos tem início em um processo de fundição, que atende a fábrica como um todo. Uma
vez fundido, cada lote de peças segue para um ponto específico da fábrica onde existe uma estrutura
produtiva focalizada que se encarrega de completar a fabricação e montagem de cada produto. Ao
visitar suas instalações, tem-se uma visão global de todas as subfábricas ali instaladas (sem paredes
entre elas), ficando bastante evidente o senso de organização e controle que se obtêm ao optar por
essa forma avançada de organização industrial.

Muitas vezes soluções não convencionais devem ser tentadas no sentido de balancear a
capacidade com a demanda. Shingo (SHINGO, 1996 : 171) apresenta o exemplo de uma indústria
metalúrgica que, no sentido de buscar um balanceamento em fluxo unitário de produção para as
peças, substituiu as convencionais cabinas de pintura de grande porte, por pequenas caixas de um
metro cúbico de volume com dispositivos de pintura em spray, posicionadas dentro da linha
imediatamente após a furação e o rosqueamento das peças. Ganhos significativos foram alcançados
não só em termos de eliminação do transporte e armazenagem intermediária das peças como,
principalmente, pela eliminação da insalubridade existente dentro da antiga cabina de pintura.

Conforme tratado no capítulo inicial, existe uma gama grande de tipos de sistemas de
produção. Várias formas de classificação foram propostas. Geralmente as empresas apresentam
sistemas de produção com uma composição de processos repetitivos em lotes na fabricação de
peças e processos repetitivos em massa na montagem de produtos acabados. Nos dois extremos
tem-se por um lado os processos contínuos, por princípio totalmente focalizados, e, por outro os
processos sob encomenda, impossíveis de serem focalizados a priori. No sentido de buscar um
modelo teórico para as alternativas viáveis de focalização, serão abordadas soluções para a
focalização nos processos de fabricação repetitiva em lotes, a focalização nos processos de
montagem e a focalização na armazenagem e movimentação dos materiais. Assim, espera-se
simplificar a apresentação do tema e, ao mesmo tempo, abranger um número maior de alternativas
de sistemas produtivos.

2.2 FOCALIZAÇÃO NOS PROCESSOS DE FABRICAÇÃO REPETITIVA EM LOTES

O crescimento desorganizado (desfocado) das empresas que trabalham com processos de


fabricação repetitiva em lotes, produzindo peças para as linhas de montagem ou vendendo-as como
produtos acabados, fez com que as mesmas desenvolvessem seus layouts produtivos de forma
departamental ou por processo. O layout por processo consiste em centralizar em um mesmo local
todas as máquinas destinadas a um tipo específico de operação, criando os conhecidos
departamentos: usinagem, extrusão, corte, pintura, tornearia etc. Na medida em que o roteiro de
fabricação de determinado lote de peças exige uma operação de usinagem, o mesmo é movimentado
até o respectivo departamento para ser processado. Após a operação de usinagem, o lote segue para
o próximo departamento estabelecido no roteiro, até sua total conclusão. A Figura 2.2 ilustra esse

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Produção Focalizada 25

tipo de arranjo físico. Nessa figura pode-se ver quatro departamentos distintos, com funções
específicas de extrusar, serrar, tornear e soldar.

Serras Tornos

Extrusoras Soldas

Figura 2.2 Layout departamental.

Esse tipo de arranjo físico foi a solução encontrada pelas empresas para permitir um
crescimento de produção pelo emprego do tempo ocioso das máquinas. A capacidade de produção
de determinado departamento seria a soma das capacidades individuais das máquinas, não se
admitindo que qualquer uma delas possa ficar parada. Pode-se dizer que o maior incentivador dos
layouts departamentais foi o conceito contábil, amplamente aceito pelas empresas convencionais, de
valor agregado. Segundo esse conceito, cada vez que uma máquina é acionada para beneficiar uma
matéria-prima ou uma peça em processo, está se adicionando valor a essa matéria-prima ou peça,
mesmo que elas fiquem durante um longo tempo em estoques intermediários (WIP) ou de produtos
acabados a espera de clientes para consumi-las. A ênfase é de aumentar a produtividade individual
dos recursos, e não em acelerar o fluxo de conversão de matérias-primas em produtos acabados
segundo as necessidades dos clientes.

Além desse forte motivo de ordem contábil, outros fatores ajudaram a justificar a escolha
por layouts departamentais, como:

 facilidade em elaborar o layout: máquinas do mesmo tipo possuem tamanhos e formatos


semelhantes, o que facilita a disposição das mesmas em áreas padronizadas (geralmente
retangulares), simplificando as decisões quanto ao dimensionamento dos espaços e
equipamentos necessários à movimentação e armazenagem dos materiais em processo;
 instabilidade na demanda: o baixo relacionamento com clientes leva a instabilidade na
demanda, difundindo o falso conceito de que o layout departamental é a melhor
alternativa para se obter flexibilidade para aceitar qualquer tipo de pedido no curto
prazo;
 facilidade no trato com os funcionários: o treinamento, a forma de remuneração e a
busca pela eficiência individual das operações ficam mais fáceis de serem administradas
quando o layout é departamental;
 equipamentos de difícil integração: equipamentos de grande porte como fornos, cabinas
de pintura, prensas pesadas etc., ou então máquinas que já transformam matérias-primas

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 26

em produtos acabados, como extrusoras para produtos plásticos, são mais fáceis de
serem dispostas em departamentos do que deslocadas para células.

Infelizmente, a escolha indiscriminada pelo layout departamental levou a uma série de


desperdícios que durante muitos anos ajudaram a deteriorar o desempenho dos sistemas produtivos
com fabricação em lotes, fazendo com que os lead times e os custos dos produtos se ampliassem,
quais sejam:

 desperdício de superprodução: quando as máquinas estão agrupadas em departamentos


há dificuldade em sincronizar os setups das máquinas, não se dando ênfase as técnicas de
troca rápida de ferramentas, levando o PCP a programar grandes lotes de fabricação para
diluir esses custos. Com isso gera-se descompasso de quantidade e tempo entre a
produção e a demanda dos itens fabricados;
 desperdício de espera: com a produção de grandes lotes e o baixo sincronismo entre os
vários pontos de trabalho, ocorre a formação de filas de esperas antes de cada máquina,
aumentando os lead times dos itens e os estoques do sistema. O gerenciamento dessas
filas pelo PCP, conhecido como seqüenciamento, faz parte das atividades que não
agregam valor aos produtos;
 desperdício de movimentação e transporte: no layout departamental as distâncias a
serem percorridas entre cada operação do roteiro de fabricação de um lote de itens é
grande, gerando a necessidade de carregamento, transporte e descarregamento dos itens
de máquina para máquina. Essas funções aumentam de complexidade e custos
proporcionalmente ao tamanho dos lotes;
 desperdício de processamento: como no layout departamental a ênfase está na utilização
das máquinas, é comum ocorrer desperdício de tempo por parte dos operadores que
ficam ociosos aguardando que o processamento do lote se complete. O trabalho
especializado repetitivo e de baixa mobilidade (monofuncional) diminui a satisfação dos
operadores e dificulta a implantação de técnicas associadas ao TQC;
 desperdício de estoques: a formação de estoques nos próprios departamentos ou em
almoxarifados centralizadores é uma característica marcante do projeto de layouts
departamentais para conviver com os grandes lotes de fabricação e filas de espera nas
máquinas. A ênfase é em atender aos clientes (internos ou externos) com os itens já
existentes nos estoques;
 desperdícios de produtos defeituosos: quando um problema ocorre na fabricação de um
lote de itens em uma máquina de um departamento, só é identificado após a inspeção do
lote, geralmente na última etapa do processo. Isso faz com que dentro do sistema
produtivo, potencialmente, todas os itens trabalhados a partir da máquina geradora do
problema estejam defeituosos e devam ser corrigidos. Além disso, com a baixa
comunicação entre os departamentos, é bem provável que apesar de um item
componente não estar sendo produzido em um departamento por problemas quaisquer,
os outros itens componentes continuam seguindo suas prioridades e sendo produzidos
nos demais setores.

Como forma de eliminar, ou pelo menos reduzir, esses desperdícios precisa-se repensar a
disposição das máquinas no layout fabril. Ao invés de agrupá-las por função, deve-se agrupá-las por
produto, focalizando-as a um produto ou família de produtos. A ênfase agora é de acelerar o fluxo
de conversão das matérias-primas em produtos acabados, buscando-se a formação de células que
disponham as máquinas na seqüência necessária a fabricação desses itens. A Figura 2.3 exemplifica
esse tipo de layout celular.

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Produção Focalizada 27

Família 2
Família 1

Família 5
Família 3 e 4

Figura 2.3 Layout celular.

Conforme pode-se ver nessa figura, as máquinas antes agrupadas por departamentos com
funções afins agora são distribuídas em células encarregadas de processar completamente uma
família de produtos. Por exemplo, para produzir os itens da família 2 uma serra, dois tornos e uma
máquina de solda são colocadas em seqüência para atender ao roteiro de fabricação dessa família.
Com isso, o fluxo de produção (lead time) dessa família é acelerado. Pode-se empregar o conceito
de produção em fluxo unitário, utilizado originalmente em linhas de montagem contínuas, fazendo
com que os tempos de fabricação sejam reduzidos a praticamente a soma dos tempos das operações
individuais das máquinas. Todos os desperdícios de tempo associados à superprodução, espera,
movimentação e transporte, processamento, estoques e fabricação de produtos defeituosos podem
ser eliminados.

Os tempos que compõem o lead time de um item fabricado de forma intermitente em lotes
podem ser divididos em: tempo de tramitação da ordem de fabricação, tempo de espera na fila do
recurso, tempo de setup, tempo de processamento e tempo de movimentação. Com exceção do
tempo de tramitação da ordem de fabricação, reduzido pela aplicação de um sistema JIT de puxar a
produção, os demais tempos são drasticamente reduzidos, ou até eliminados, com a implantação do
layout celular (a redução dos lead times produtivos será tratada em detalhe no capítulo 5). Ou seja:

 tempo de espera na fila: é eliminado pela disposição adequada das máquinas segundo o
roteiro de fabricação do item e pela produção em fluxo unitário. Dessa forma evita-se a
formação de estoques internos à célula, eliminam-se as filas de espera nas máquinas e o
conseqüente seqüenciamento das ordens nas filas, que acarretam tempos e custos
indesejáveis;
 tempo de setup: o simples fato de organizar o fluxo de produção por item, ou famílias de
itens, já faz com que as máquinas fiquem alocadas prioritariamente ao item, evitando-se
os setups para o processamento de itens diferentes. Contudo, a própria mudança de
filosofia e a adoção do layout celular estimula e facilita a implantação de técnicas de
redução de setups, que serão discutidas mais adiante no capítulo 5;
 tempo de processamento: com a redução dos tempos de setups estimulada pelo layout
celular, pode-se diminuir economicamente o tamanho dos lotes de fabricação, fazendo
com que o tempo médio de processamento dos itens em cada máquina necessária a sua
seqüência de fabricação se reduza, acelerando seu fluxo de conversão em produto

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 28

acabado. O ideal é implantar o conceito de produção em fluxo unitário, onde a cada


tempo de ciclo um item acabado é retirado da célula;
 tempo de movimentação: a aproximação das máquinas com o layout celular faz com que
as distâncias entre elas sejam mínimas, reduzindo a necessidade de movimentação dos
itens. Por outro lado, a produção em fluxo unitário ou em pequenos lotes permite que a
movimentação dos itens possa ser feita pelo próprio operador manualmente, evitando-se
o uso de equipamentos dispendiosos e espaços físicos para a movimentação e
posicionamento desses equipamentos.

Como conseqüência direta da redução dos lead times de fabricação dos itens, a adoção do
layout celular aumenta a flexibilidade do sistema produtivo e diminui a necessidade de estoques em
processo (WIP) entre células, pois há uma conversão mais rápida dos itens em produtos acabados,
podendo-se atender diretamente a demanda com a produção. Por outro lado internamente nas
células, empregando-se a produção em fluxo unitário, o item trabalhado em uma máquina é
imediatamente transferido para a próxima máquina da célula após o tempo de ciclo, não permitindo
a formação de WIP interno, a não ser em casos onde haja necessidade de conectar operadores ou
introduzir um tempo para inspeção ou cura dos itens.

Um bom exemplo desse potencial de ganhos é a fábrica da Azaléia em Parobé (RS) que
produz tênis esportivos da marca Olympikus (CAETANO, 1997 : 44). Após a implantação de
células de produção baseada nos conceitos da filosofia JIT/TQC, a Azaléia reduziu o lead time de
fabricação dos seus tênis de cinco dias para três horas e meia, fazendo com que os pedidos dos
clientes que antes eram atendidos dentro de um prazo médio de três meses caíssem para apenas dez
dias. A partir dessa melhora na velocidade e flexibilidade da produção, os lojistas ganharam a
liberdade de fazerem seus pedidos em grades abertas, só repondo os tamanhos que tenham mais
saída. Em virtude do tênis ser um produto com ciclo de vida curto (alguns não ultrapassam três
semanas no mercado, e os melhores ficam por seis messes), esse aumento de flexibilidade permitiu
que a Azaleia obtivesse uma grande vantagem competitiva em relação à concorrência ao atender sua
demanda (12.000 varejistas) de forma diferenciada, adaptando-se às variações da demanda a baixo
custo (seus tênis, com o mesmo desempenho e nível de qualidade, são oferecidos a preços 25%
inferiores dos importados).

Outra questão importante, com a possibilidade de empregar o conceito de produção em


fluxo unitário, eliminando-se os estoques em processo entre máquinas, é que as células contribuem
para a inspeção imediata da qualidade pelo próprio operador que, ao manusear a peça, pode pegar
imediatamente o defeito, evitando sua multiplicação. A auto inspeção, as inspeções sucessivas e a
inspeção na fonte fazem parte das técnicas de inspeção 100% dentro do conceito de “autonomação”
(MONDEN, 1984 : 81-91), ou controle autônomo dos defeitos. A autonomação procura incorporar
ao processo produtivo dispositivos à prova de erros para permitir a liberação do operador da atenção
constante à máquina, possibilitando a polivalência de forma mais ampla. Esses assuntos serão
ampliados nos capítulos cinco e seis.

2.2.1 Configuração das células de fabricação

Um ponto fundamental para implantar o layout celular em processos de fabricação repetitiva


em lotes consiste na escolha das máquinas que irão compor as células. Dentro desse aspecto dois
pontos devem ser levantados. O primeiro diz respeito a definição de grupos de itens passíveis de

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Produção Focalizada 29

serem trabalhados em uma célula. O segundo refere-se ao balanceamento da capacidade produtiva


das máquinas com a demanda dos itens nela processados.

Como forma de resolver a primeira questão, desde a década de 50 quando o engenheiro


russo Mitrofanov desenvolveu a idéia de agrupar peças com similaridade geométrica em famílias
para serem processadas em uma única máquina, o termo “Tecnologia de Grupo” tem sido
empregado como referencial nessa área. Segundo a visão de especialistas na área de projeto
(LORINI, 1993 : 17) a Tecnologia de Grupo é considerada como “uma filosofia que define a
solução de problemas explorando semelhanças para se obter vantagens operacionais e econômicas
mediante um tratamento de grupo”. A Tecnologia de Grupo pode empregar diferentes metodologias
para agrupar famílias de itens passíveis de serem fabricados em células de manufatura através da
exploração de características comuns de projeto ou de processo desses itens.

Segundo Lorini (LORINI, 1993 : 20-28), os métodos empregados pela Tecnologia de Grupo
para a definição das famílias de itens a serem processados em uma célula podem ser divididos em
quatro grupos básicos:

 inspeção visual: busca identificar famílias de itens pela análise visual de suas
características. É um método simples e rápido recomendado para soluções iniciais de
focalização, ficando limitado à experiência do analista e ao número de itens que
fisicamente podem ser manuseados;
 análise do fluxo de produção (PFA): procura agrupar os itens levando em consideração
os seus roteiros de fabricação, ou fluxos de produção, através das máquinas. Os itens são
agrupados pela similaridade de roteiros, independente de suas características
dimensionais. Nesse método emprega-se uma matriz de incidência peça/máquina
preenchida com os índices 0 ou 1 (1 se a peça passa pela máquina da respectiva linha e 0
se a peça não passa pela máquina) onde são permutadas linhas e colunas, pelo emprego
de algoritmos de formação de grupos (clustering), com o objetivo de diagonalizar a
matriz e encontrar os itens que podem ser processados em grupos de máquinas. A Figura
2.4 apresenta um exemplo de matriz de incidência onde a partir de uma situação inicial
(a) se obtêm, através de trocas de posições nas linhas e colunas, uma situação idealizada
(b) que deixa claro a formação de duas células para os grupos de itens;
 classificação por código: tem por objetivo desenvolver um sistema de código que
permita codificar os itens por atributos de projeto, processo ou ambos de maneira que, ao
se analisar os códigos dos itens, possa-se formar famílias com semelhanças de atributos.
A classificação por código é fundamental quando se busca uma visão integrada de
manufatura por computador (CIM) no sentido de permitir um fluxo rápido e lógico das
informações entre as etapas de engenharia (CAE), projeto (CAD), planejamento do
processo (CAPP) e manufatura (CAM);
 reconhecimento de padrões: busca estabelecer algumas características geométricas ou
tecnológicas padrões para serem comparadas com as características dos itens que se
pretende agrupar de forma a obter certa similaridade entre esses itens. Empregam-se
funções analíticas para quantificar o grau de semelhança entre a característica do item e
o respectivo padrão, podendo inclusive ser utilizada ponderações diferentes conforme se
queira dar maior importância a determinada característica no agrupamento.

Dos métodos disponíveis para compor células dentro da Tecnologia de Grupo, o mais
adequado segundo os princípios de focalização da produção aqui tratados é o da análise do fluxo de
produção, pois pode ser empregado de forma rápida sem a necessidade de compor códigos
complexos que demandam tempo e retardam a implantação do JIT. Segundo Harmon e Peterson

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 30

(HARMON, 1991 : 157) “... a experiência da Andersen Consulting em mais de 400 fábricas em
todo o mundo mostrou não ser preciso codificar peças de modo a identificar possíveis células”.
Schonberger (SCHONBERGER, 1988 : 120) coloca que só o processo de codificação das
características dos itens pode levar alguns anos e que isso tende a atrapalhar o ritmo do progresso
em focalizar a produção.

Peça1 Peça2 Peça3 Peça4 Peça5


Máquina1 0 1 0 1 0
Máquina2 1 0 1 0 0
Máquina3 1 0 0 0 0
Máquina4 0 1 0 1 1
Máquina5 0 0 0 1 1
Máquina6 1 0 1 0 0
a - matriz de incidência inicial

Peça1 Peça3 Peça2 Peça4 Peça5


Máquina2 1 1 0 0 0
Célula 1 Máquina3 1 0 0 0 0
Máquina6 1 1 0 0 0
Máquina1 0 0 1 1 0
Célula 2 Máquina4 0 0 1 1 1
Máquina5 0 0 0 1 1

b - matriz de incidência final

Figura 2.4 Matriz de incidência peça/máquina.

Dentro dessa ótica, não se deve confundir a informatização das informações visando a
automação industrial com o conceito gerencial de produção focalizada. A produção focalizada pode
ser implementada com máquinas convencionais de operação manual ou com robôs e modernos
centros de usinagem CNC. O importante é que ao se focalizar a produção com os equipamentos
disponíveis no momento, os desperdícios serão potencializados e poderão ser mais facilmente
identificados e eliminados, fazendo com que a futura implantação de novas tecnologias de produção
possa ser feita de forma racional e produtiva. Um estudo desenvolvido pelo Massachusetts Institute
of Tecnology durante cinco anos dentro da cadeia produtiva automobilística (WOMACK, 1992 : 85)
concluiu que fábricas de alta tecnologia mal organizadas acabam adicionando tantos técnicos
indiretos e pessoal de manutenção extra que suplantam os ganhos obtidos pela remoção via
automação dos trabalhadores diretos.

Uma vez agrupados os itens por famílias com características afins, a questão seguinte na
montagem de células visando a focalização da produção nos sistemas de produção em lotes refere-
se ao balanceamento da capacidade produtiva das máquinas com a demanda dos itens nela
processados. Inicialmente, o formato das células tem um fator determinante nesse balanceamento da
demanda com a capacidade. O desenho ideal para a montagem de células é o com formato em “U”,
podendo-se empregar também os formatos de “V” ou “L”, ou combinações desses formando uma
serpentina. Existe algumas vantagens importantes em se empregar o layout celular com formato em
“U” (MONDEN, 1984 : 57-59), quais sejam:

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Produção Focalizada 31

 manutenção de um ritmo de produção: como os postos de entrada e de saída da célula


estão dispostos próximos, pode-se delegar essas operações a um único operador, fazendo
com que o mesmo ao colocar um item para operar na primeira máquina opere e retire,
em seqüência, um item pronto da última máquina. Dessa forma, desde que não seja
permitido formar estoques internamente, esse operador dará o ritmo de produção para a
célula como um todo, garantindo um padrão para o tempo de ciclo da célula;
 flexibilidade na capacidade de produção: as células em forma de “U” permitem que as
tarefas sejam distribuídas por um número variável de operadores visando adequar sua
capacidade produtiva à demanda. Conforme a demanda cresça, diminuindo o tempo de
ciclo necessário para seu atendimento, pode-se alocar mais operadores na célula para
redistribuir as atividades pelos mesmos dentro desse novo tempo de ciclo. A Figura 2.5
ajuda a ilustrar essa característica. Essa figura apresenta uma célula com sete máquinas
onde, por exemplo, para uma demanda de 240 peças por turno de 8 horas (tempo de
ciclo = 2,0 minutos/unidade), pode-se trabalhar com dois operadores: o primeiro
executando as operações nas máquinas 1, 6 e 7, e o segundo nas máquinas 2, 3, 4, e 5 a
intervalos de 2 minutos. Com a mudança da demanda, por exemplo, para 320 unidades
por turno (tempo de ciclo = 1,5 minutos/unidade), adiciona-se mais um operador e se
redistribui as funções de maneira que cada operador cumpra um ciclo de 1,5 minutos: o
primeiro operador se encarrega das máquinas 1 e 7, o segundo das máquinas 2 e 6, e o
terceiro das máquinas 3, 4 e 5;

Três operadores
Tempo de Ciclo
de 1,5 min./unidade

Dois operadores
Tempo de Ciclo
de 2,0 min./unidade

Figura 2.5 Flexibilidade na capacidade de produção.

 manutenção do padrão individual da operação: um dos pontos cruciais para se produzir


produtos com qualidade assegurada dentro da visão estratégica do TQC é a manutenção
de um padrão operacional e o constante monitoramento desse padrão. As células em
forma de “U” permitem que se altere a capacidade de produção, pela adição ou redução
do número de operadores, sem contudo alterar o padrão de trabalho individual em cada
máquina, ou seja, a alteração na capacidade de produção se dará pela redução ou
aumento do número de operações padrões que cada operador executará dentro de um
dado tempo de ciclo, e não pela aceleração, ou redução, dos ritmos individuais de
trabalho em cada máquina como no processo convencional de produção. Além disso, o
Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 32

trabalho em grupo com tempos de ciclo predeterminados e o layout celular fazem com
que cada operador seja obrigado a manter o padrão individual do trabalho para atender a
demanda do seu “cliente” interno. Caso algum ponto do sistema tenha problemas e não
consiga completar as operações padrões dentro do tempo de ciclo, isso se tornará
evidente e prontamente poderá ser resolvido pela aplicação do conceito de “ajuda
mútua” entre os operadores;
 facilidade em adequar o layout as instalações: o formato em “U”, ou em serpentina,
permite que as células possam ser comprimidas ou expandidas para se enquadrarem
dentro das dimensões atuais das fábricas, evitando gastos com novas instalações.
Levando-se em conta que novos produtos possam vir a ser fabricados, e que alguns dos
atuais deixem de ser fabricados no futuro, o potencial de reorganização das células é um
fator importante a ser considerado.

Essas vantagens advindas do balanceamento entre velocidade de produção (tempo de ciclo)


e demanda a partir da polivalência dos operadores, está baseada no conceito de que não é uma tarefa
fácil em processos de fabricação repetitiva em lotes balancear precisamente as capacidades das
máquinas com a demanda esperada. A ênfase deve ser dada em cima da necessidade em se acelerar
o fluxo produtivo, mesmo que para isso ocorra um certo nível de ociosidade nas máquinas. Harmon
e Peterson (HARMON, 1991 : 167-171) consideram uma falácia certos mitos sobre utilização de
recursos e capacidade que tendem a postergar a decisão de transformar o layout convencional em
celular, quais sejam: os tempos de processamento e as capacidades das máquinas nas células devem
ser equilibrados; a capacidade das máquinas pode ser plenamente utilizada; e as demandas de longo
prazo das máquinas podem ser precisamente previstas. A demora no reconhecimento de que esses
fatores são de difícil obtenção em processos repetitivos em lotes acaba retardando a implantação da
focalização da produção.

É comum nas fábricas com processos repetitivos em lotes a utilização das máquinas estar
bem abaixo da sua capacidade plena pois sempre existirá um ponto gargalo interno ou externo que
limitará a necessidade de acionamento dos recursos. Quando o gargalo for o mercado, a produção
plena estará apenas adicionando estoques ao almoxarifado. Esse desbalanceamento se deve a lógica
convencional de repor equipamentos a medida em que a demanda cresce. Schonberger
(SCHONBERGER, 1988 : 84) chama a isso de o “ciclo da supermáquina”, que é geralmente o
seguinte:

1. a demanda aumenta e é decidido adicionar capacidade produtiva;


2. a engenharia pesquisa os equipamentos disponíveis no mercado de máquinas-operatrizes e
seleciona uma com capacidade para atender a demanda projetada para os próximos três a
cinco anos;
3. a máquina escolhida é instalada, após algumas semanas ou meses de ajuste, e opera de
forma subtilizada nos dois ou três anos seguintes;
4. finalmente, após alguns anos a demanda atinge a capacidade da máquina e ela é operada
plenamente, o que permite pouco tempo para sua manutenção;
5. com a capacidade produtiva estourada e a baixa confiabilidade operacional, a empresa
decide por substituir a máquina por outra nova e repete o ciclo da supermáquina.

Um ponto importante nessa discussão sobre o balanceamento da capacidade produtiva da


célula é a questão contábil da absorção dos custos de depreciação dos equipamentos pelos itens
produzidos. Convencionalmente, as empresas tentam tirar o máximo de produção das máquinas em
um curto espaço de tempo, balanceando os processos pela capacidade máxima de operação das
máquinas e não pela demanda dos clientes. Nesse aspecto a Toyota (SHINGO, 1996 : 107)

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Produção Focalizada 33

considera que em situações onde a capacidade de produção dos recursos está acima da capacidade
de absorção pela demanda, é preferível manter baixa a taxa de utilização das máquinas à manter
ociosa a mão-de-obra. Esse raciocínio deriva de dois pontos de vista peculiares. Primeiro, o de que
máquinas e equipamentos bem utilizados com manutenções eficientes, mesmo após serem
contabilmente depreciados, continuarão a ser empregados gerando lucro. Segundo, o custo por hora
do operador é geralmente maior do que o custo de depreciação da máquina e continuará a ocorrer
mesmo que o operador fique parado, enquanto que uma máquina parada não está se depreciando
“fisicamente”. O emprego de células com operadores polivalentes fez com que a Toyota obtivesse
uma produtividade por trabalhador de 20 a 30% superior as outras empresas concorrentes.

Em decorrência dessa lógica de raciocínio, procura-se evitar o emprego das


“supermáquinas” pois capacidade produtiva em excesso dificulta o nivelamento da produção com a
demanda. Dessa forma, quando se têm muita variedade de itens com demandas médias ou baixas,
característica comum nos processos repetitivos em lotes, é mais conveniente montar células com
equipamentos de baixa velocidade, mais baratos e fáceis de comprar e manter em operação. Além
disso, equipamentos simples podem ser mais facilmente adaptados na célula a um tipo específico de
operação em uma família de itens, implantando o conceito de “sistemas de construção para
colocações finitas”, que irá acelerar ainda mais a conversão dos itens em produtos acabados e
eliminar os ajustes nas operações de setup.

Uma vantagem adicional com o emprego de máquinas mais simples é a possibilidade de


planejar o crescimento da capacidade produtiva da fábrica através da montagem de células em
duplicatas. Com isso, por um lado consegue-se manter uma certa segurança caso algum dos
equipamentos da célula principal venha a quebrar, e, por outro, consegue-se manter o
balanceamento das células mais próximo da demanda com a possibilidade de se acionar as diversas
células em ritmos (tempos de ciclo) ou turnos diferentes.

Por exemplo, uma família de itens pode ser produzida em duas células semelhantes. Quando
a demanda desses itens está alta, ambas as células operam em dois turnos produzindo os mesmos
itens. Porém, quando a demanda baixa, uma célula pode continuar operando em dois turnos e a
outra pode passar a operar um turno com essa família e o outro com outra família de itens. Caso a
demanda venha efetivamente a se reduzir pela metade, pode-se deixar apenas uma célula
trabalhando com esses itens e a outra, por ter máquinas mais simples, pode ser convertida para a
produção de outros itens.

2.3 FOCALIZAÇÃO NOS PROCESSOS DE MONTAGEM

Os processos de montagem, diferentemente dos processos de fabricação repetitiva em lotes,


são processos de fabricação com características de produção repetitiva em massa onde ficam mais
fáceis as aplicações dos conceitos de focalizar a produção à linhas de produtos padronizados.
Conforme foi caracterizado no capítulo inicial, os processos de produção repetitivos em massa são
empregados na fabricação em grande escala de produtos altamente padronizados, onde a demanda
pelos produtos são estáveis fazendo com que seus projetos tenham poucas alterações no curto prazo,
possibilitando a estruturação de linhas cativas para a montagem dos mesmos. Quando há
necessidade de grandes investimentos em tecnologia, pode-se amortizá-los durante um longo
período de produção com altos volumes.

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 34

Aparentemente os processos, ou linhas, convencionais de montagem já estão de acordo com


as questões tratadas nesse capítulo. Seu layout procura facilitar o fluxo, os produtos possuem linhas
focalizadas, os operadores seguem tempos de ciclo padrões para garantir o ritmo, os estoques de
itens são colocados próximos ao local de uso etc. No entanto, o projeto de processos de montagem
com desempenho superior em qualidade e produtividade proposto pela filosofia JIT/TQC apresenta
diferenças em relação ao convencional quanto ao seu formato, tamanho, número de produtos por
linha, distribuição de tarefas e sinalizações de auxílio à produção. Essas questões serão discutidas a
seguir.

Inicialmente cabe salientar duas características associadas aos processos de montagem que
fazem com que os processos convencionais possam ser remodelados de forma simples e com
ganhos significativos. Primeiro, a grande maioria dos processos de montagem fazem uso intensivo
de mão-de-obra permitindo que técnicas motivacionais de trabalho em equipe possam ser
implantadas. Os investimentos nesse caso são muito inferiores aos investimentos em tecnologia, e
os ganhos potenciais de qualidade e produtividade dos montadores maiores. Segundo, os processos
de montagem são na sua grande maioria os geradores dos estoques por toda a fábrica. O tamanho da
linha está associado ao uso intensivo de estoques amortecedores (buffers) de componentes dentro da
mesma. Uma melhora no desempenho da linha fará com que não só os estoques diretos na linha se
reduzam, mas também que os estoques por toda a fábrica sejam solicitados de forma organizada e
previsível. Reduzindo a necessidade de buffers haverá redução de espaços físicos, de tamanhos de
lotes e contenedores, e aproximará os operadores simplificando a burocracia para administrá-los.

Nos processos convencionais de montagem costuma-se dedicar cada linha a um produto


específico, bem como procura-se concentrar toda a montagem do produto em uma única linha.
Essas decisões são tomadas com base em que uma linha cativa reduz o tempo de ciclo de conversão
dos estoques em produtos acabados, permitindo que operações paralelas simples e menores possam
ser projetadas e que a mão-de-obra alocada para essas operações possa ser treinada mais
rapidamente. Dentro dessa visão, o baixo envolvimento dos operadores com os produtos montados
é estimulado pela excessiva subdivisão das tarefas. O aumento de produção se dá pela adição de
mais operadores na linha executando a mesma tarefa. Dessa forma o tamanho das linhas
convencionais tende a ser grande, visto que o tamanho de uma linha é proporcional ao número de
postos de trabalho e aos estoques de materiais dentro da mesma.

Contudo, em determinadas situações, pode ser vantajoso repensar esse paradigma,


desenhando linhas para montar dois, três, ou até quatro produtos simultaneamente trazendo algumas
vantagens significativas, quais sejam:

 redução de espaço físico: quando dois ou mais produtos tiverem componentes comuns
pode-se juntar as linhas individuais em uma linha mista com necessidade menor de
espaço físico pois os buffers dos componentes comuns serão reduzidos;
 ritmo regular de produção: a combinação das demandas dos produtos é mais estável do
que as demandas individuais dos mesmos, tendendo a um valor médio que dará o ritmo
da linha mista. Pode-se empregar mais facilmente o conceito de nivelamento do
programa-mestre de produção com a composição da demanda, passando também para os
processos fornecedores demandas niveladas, evitando-se a formação excessiva de
estoques em processo;
 redução de defeitos: o trabalho em uma linha mista exige um grau de atenção maior dos
montadores, fazendo com que se erre menos devido a redução do tédio pela repetição
exagerada de operações únicas. Os montadores se sentem mais motivados com o
emprego da polivalência e da ajuda mútua;

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Produção Focalizada 35

 segurança e flexibilidade: com a montagem de linhas mistas a possibilidade de transferir


produtos de uma linha para outra caso ocorra algum problema é maior. Nesse sentido,
pode-se também projetar mais de uma linha para um mesmo produto, ao invés de linhas
únicas com atividades em paralelo executadas por vários operadores. Dessa forma se tem
mais flexibilidade para solucionar problemas de paradas de linha e alocações de
demandas.

Assim como nos processos de fabricação repetitivos em lotes, o layout das linhas de
montagem tem um significado próprio no atendimento das metas de redução dos desperdícios e
aumento da qualidade da filosofia JIT/TQC. Convencionalmente, as linhas de montagem são
modeladas de forma retilínea. Esse formato, quando as linhas são muito grandes, dificulta as
comunicações entre os postos e a supervisão das tarefas, limitando a movimentação dos operadores
e o potencial de ajuda mútua entre eles. Como as distâncias são grandes, tende-se a implementar
equipamentos caros e automatizados para movimentação das plataformas onde serão montados os
itens. Talvez o principal problema seja o baixo envolvimento dos operadores com o resultado global
da linha, pois cada um deles ficará restrito a sua área de atuação sendo pressionado a manter um
ritmo de produção acelerado.

A proposta da produção JIT, conforme foi visto nos tópicos anteriores, é fazer com que o
layout da fábrica favoreça as ações de trabalho em grupo voltadas para a garantia da qualidade.
Nesse sentido as linhas de montagem devem dar prioridade ao formato em “L” ou “U” para as
pequenas linhas (de dois a oito posições), e ao formato em serpentina para linhas maiores. A Figura
2.6 ilustra uma linha em serpentina.

Armazenagem Focalizada Armazenagem Focalizada

Armazenagem Focalizada

Figura 2.6 Linha em serpentina.

As vantagens do formato em “U”, ou em serpentina (uma extensão do formato em “U”), já


foram citadas anteriormente na análise dos processos intermitentes em lotes, e também se aplicam
às linhas de montagem, quais sejam: manutenção de um ritmo de produção pelo sincronismo dos
Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 36

tempos de ciclo dos operadores; flexibilidade na capacidade de produção pela adição/remoção de


operadores; manutenção do padrão individual de operação independente dos tempos de ciclo; e
facilidade em adequar o layout as instalações pela compressão ou expansão da linha. Além dessas
vantagens já citadas, os layouts para linhas de montagem baseados no formato em “U” reduzem as
distâncias e os custos de retorno dos contenedores e plataformas de montagem vazias para o início
da linha, e favorecem a distribuição e movimentação dos estoques em processo, que podem ser
focalizados ao redor da área de montagem, acelerando o fluxo e reduzindo os espaços físicos
necessários.

Outra vantagem que pode ser obtida com as linhas de montagem em forma de “U” é a
possibilidade de desenvolver um layout global focalizado, integrando linhas de submontagens e
células de fabricação de peças componentes ao redor da linha de montagem final.

Um ponto importante relacionado com o layout das linhas de montagem diz respeito à forma
de acionamento da linha entre os postos de trabalho. Pode-se empregar linhas de acionamento
contínuo ou linhas com velocidade controlada pelo próprio montador, também chamadas de linhas
“stop-and-go”. A Figura 2.7 ilustra o funcionamento dessas duas alternativas.

Linha de velocidade controlada

Linha de acionamento contínuo


Figura 2.7 Forma de acionamento das linhas de montagem.

As linhas de montagem convencionais empregam o acionamento contínuo como forma de


buscar um incremento de produtividade pelo isolamento e multiplicação da ação individual dos
montadores. Ou seja, conforme pode ser visto na Figura 2.7, os montadores são dispostos “fora” da
linha de montagem que, por sua vez, segue um ritmo contínuo de acordo com o tempo de ciclo
necessário para atender a demanda do produto que está sendo montado. Cada montador possui um
estoque amortecedor (buffer) junto ao seu posto de trabalho e exerce um conjunto fixo de operações
de montagem. Sempre que ele completa suas operações, coloca o produto que está sendo montado
na linha e busca novo produto junto ao seu buffer para executar suas operações. Os buffers são
Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Produção Focalizada 37

projetados para absorver diferenças de ritmos de trabalho e problemas de forma geral. Caso a
demanda pelo produto montado se altere, acelera-se, ou reduz-se, a velocidade da linha para se
adequar ao novo tempo de ciclo exigido, e colocam-se, ou retiram-se, postos de trabalho com
funções idênticas de forma a manter a linha abastecida.

Nas linhas de acionamento contínuo é mais fácil fazer o balanceamento das atividades em
função das mudanças de demanda pela adição, ou subtração, dos montadores. Também é mais fácil
manter a linha operando pelo emprego dos buffers, mesmo que algum problema venha a acontecer
com algum montador. Linhas convencionais de montagem desse tipo estão mais preocupadas em
manter o nível de produção final de acordo com o previsto, do que buscar alternativas para uma
montagem eficiente, não só em termos de quantidade, mas principalmente quanto à qualidade e
custo do produto. Por outro lado, as linhas de montagem de sistemas de produção JIT procuram
atingir um nível superior de eficiência global com o uso de velocidades controláveis pelos próprios
montadores, dentro da lógica de puxar a produção.

A linha de velocidade controlada, como pode ser visto na Figura 2.7, posiciona os
montadores dentro da linha, obrigando-os a trabalharem em sincronia com o tempo de ciclo da
linha. Cada montador deve receber um número específico de tarefas que possa ser executado dentro
do tempo de ciclo definido pela demanda dos produtos. Caso a demanda, e consequentemente o
tempo de ciclo, pelo produto montado se altere, acelera-se, ou reduz-se, a velocidade da linha pela
adição, ou redução, do número de montadores que passarão a executar um novo conjunto de tarefas
dentro do novo tempo de ciclo estabelecido. A capacidade de produção da linha com velocidade
controlada é administrada pela mudança no conjunto de operações distribuída entre os montadores,
limitando dessa forma o tamanho viável que a linha pode atingir. Por outro lado, a linha
convencional de acionamento contínuo pode crescer teoricamente de forma ilimitada pois sempre
pode-se adicionar novos operadores e duplicar as tarefas para se obter tempos de ciclos mais
rápidos.

O ideal em uma linha de velocidade controlada é não manter buffers entre os montadores, de
forma que cada montador, ao completar seu conjunto de operações dentro do tempo de ciclo, passe
o produto que está sendo montado diretamente ao próximo montador. Isso garante a produção
puxada, fazendo com que só se exerçam atividades em cima de produtos que realmente estejam
sendo solicitados pelos clientes. O funcionamento da linha dessa forma obriga a eliminação de
desbalanceamento entre os postos, torna mais visível os problemas e garante taxas de produção
mais altas. Contudo, essa forma ideal de trabalho em linhas de montagem não é fácil de ser atingida
e necessita da aplicação conjunta de duas técnicas japonesas, características da filosofia JIT/TQC,
que são a ajuda mútua e os painéis de aviso (andon).

Conforme coloca Taiichi Ohno (OHNO, 1997 : 44), criador do Sistema Toyota de Produção,
os locais de trabalho dentro da empresa devem ser vistos como uma corrida de revezamento. Cada
operador deve passar o produto de sua operação diretamente ao próximo posto de trabalho. Essa é a
síntese da técnica de ajuda mútua. Caso ocorra algum problema com um dos postos adjacentes ao
seu, o operador deverá ajudá-lo a resolver o problema e, só então, retornar ao seu trabalho. O
objetivo do sistema produtivo deve ser sempre o de acelerar o fluxo de conversão dos produtos, e
não o de acelerar o ritmo das atividades individuais dos operadores, principalmente em linhas de
montagem onde o trabalho manual pode ser indiscriminadamente acelerado.

Com montadores polivalentes e a ajuda mútua entre eles, as linhas de montagem podem ser
balanceadas sem a necessidade do levantamento de padrões teóricos de trabalho muito detalhados,
pois deve-se buscar a velocidade natural de cada operador. A distribuição das tarefas passa a ser

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 38

uma função do grupo de montadores, administrada pelo supervisor da linha. Indiretamente o


trabalho em grupo faz com que os montadores sejam disciplinados pelo grupo a manter o tempo de
ciclo preestabelecido, reduzindo a necessidade de ajudas mútuas.

A ajuda mútua é uma alternativa mais inteligente de manter a linha operando sem a
necessidade de buffers. Contudo, em algumas situações os estoques protetores ainda são
necessários. Por exemplo, se os tempos de ciclo forem muito curtos, ou se a atividade de montagem
não permitir que mais de um montador participe simultaneamente do processo, os buffers ainda
terão que ser usados. Uma alternativa para garantir inicialmente a segurança de uma linha pode ser
a de colocar buffers apenas entre grupos, ou equipes, de montadores, de forma que dentro das
equipes se empregue a ajuda mútua, evitando-se os estoques.

Em conjunto com a ajuda mútua há necessidade de se colocar dispositivos de sinalizações,


conhecidos como andons, para indicar que um problema ocorreu e que necessita ser corrigido. Um
exemplo clássico do emprego de andons na linha de montagem da Toyota, apresentado por Monden
(MONDEN, 1984 : 87), consiste em equipar a linha com lâmpadas de chamada e quadros
luminosos. As lâmpadas de chamada, em diferentes cores, são utilizadas pelo montador para
solicitar a ajuda do supervisor, ferramenteiro, mecânico da manutenção ou outro montador que
possa solucionar o problema. São afixadas suspensas no alto da linha, em conjunto com um quadro
luminoso que acende uma de suas células para indicar em qual posto de trabalho está ocorrendo o
problema. Com esse sistema o montador solicita ajuda e, caso o problema não seja solucionado a
tempo, pode inclusive acionar um interruptor para parar toda a linha. Dessa forma, nenhum
problema passa despercebido pelo grupo e o princípio de melhoramento contínuo pode ser colocado
em prática.

Outra forma de aplicar o andon para manter o ritmo de linhas de montagem, consiste em
estabelecer um tempo de movimentação para a esteira transportadora associado ao tempo de ciclo
que se espera da linha. Ao final de cada tempo de ciclo, o montador que concluiu suas tarefas
aciona um interruptor dando autorização individual para que a esteira se movimente.
Simultaneamente sua luz de sinalização troca da cor amarela (operando) para verde (livre). Quando
todos os montadores acionam seus interruptores, a esteira transporta os produtos para os postos
seguinte. Caso algum montador não consiga terminar suas operações a tempo, a esteira não se
movimenta e a luz amarela sinaliza quem está com problemas.

2.4 FOCALIZAÇÃO NA ARMAZENAGEM E MOVIMENTAÇÃO

Para completar esse capítulo sobre as questões relativas à focalização da produção está
faltando apresentar algumas considerações a respeito do que ocorre com a armazenagem e a
movimentação dos materiais em uma fábrica focalizada, já que em fábricas convencionais a rotina
em torno dos materiais é bem conhecida. Essa rotina tem sua origem na própria lógica de
funcionamento dos sistemas convencionais que admitem como indispensáveis os estoques para
resolver uma série de problemas (TUBINO, 1997 : 106-107) estruturais de funcionamento interno,
ou externo, do sistema, quais sejam:

 garantir a independência entre etapas produtivas: a colocação de estoques


amortecedores entre etapas de produção ou distribuição da cadeia produtiva permite que
essas etapas possam ser encaradas como independentes das demais. Qualquer problema
que uma dessas etapas tenha não será transferido para as demais;
Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Produção Focalizada 39

 permitir uma produção constante: sistemas produtivos que possuem variações sazonais
na sua demanda ou nas suas matérias-primas, estocam produtos acabados ou matérias-
primas para evitar que o ritmo de produção sofra grandes saltos nesses períodos;
 possibilitar o uso de lotes econômicos: algumas etapas do sistema produtivo só permitem
a produção ou a movimentação econômica de lotes maiores do que a necessidade de
consumo imediata, gerando um excedente que precisa ser administrado;
 reduzir os lead times produtivos: a manutenção de estoques intermediários dentro dos
sistemas produtivos permitem que os prazos de entrega dos produtos possam ser
reduzidos, pois ao invés de esperar-se pela produção ou compra de um item, pode-se
retirá-lo do estoque e usá-lo imediatamente;
 como fator de segurança: variações aleatórias na demanda são administradas pela
colocação de estoques de segurança baseados no erro do modelo de previsão. Outros
problemas como a quebra de máquinas, o absenteísmo, a má qualidade do que é
produzido, uma programação da produção ineficiente, entregas de fornecedores fora do
prazo etc. também são administrados com a colocação de estoques protetores;
 para obter vantagens de preço: algumas empresas incrementam seus níveis de estoques
para se prevenir de possíveis aumentos de preços, normalmente dos materiais comprados,
ou ainda, compram em quantidades superiores as necessárias visando obter desconto no
preço unitário. Por outro lado, as empresas também aumentam os níveis de estoques dos
produtos acabados quando sentem que seus preços no mercado irão subir.

Em conseqüência desses fatores a armazenagem e movimentação dos materiais nos sistemas


convencionais sempre foram vistas como funções operacionais indispensáveis, que deveriam ser
administradas com as melhores e mais modernas técnicas de gestão de estoques. Nesse sentido, as
empresas centralizaram a administração dos materiais em grandes almoxarifados que permitissem, e
justificassem economicamente, investimentos em sistemas de armazenagem e acesso automatizados
visando aumentar a produtividade dessas funções. Como os materiais representam algo em torno de
60% dos custos produtivos, facilmente se justificam investimentos nesses almoxarifados centrais
que trouxessem reduções de estoques da ordem de 5% ou menos.

Com a focalização da produção em unidades bem definidas de negócios e a aplicação de


técnicas de produção JIT que elevam os níveis de confiabilidade e produtividade dos sistemas
produtivos, os estoques deixaram de ter essa importância estratégica e passaram a ser tratados como
apenas mais um fator de produção que deve ser racionalizado. Dessa forma, na busca pela
agilização do fluxo de materiais dentro do sistema produtivo, a produção focalizada se propôs a
descentralizar os almoxarifados centrais e distribuir os estoques do sistema o mais perto possível do
ponto de uso. Com isso, busca-se delegar mais autoridade e responsabilidade gerencial pelos
estoques aos próprios operadores da produção, e reduzir todos os custos associados as funções de
armazenagem e movimentação dos materiais. Os investimentos em automação para acelerar o fluxo
de materiais acabam sendo desnecessários.

A Figura 2.8 ajuda a ilustrar a configuração descentralizada dos estoques em um sistema de


produção focalizado. Nesse sistema cada subfábrica se encarrega de administrar suas próprias
necessidades de materiais internas ou externas. No âmbito externo, os fornecedores de matérias-
primas e peças componentes fazem suas entregas diretamente à subfábrica correspondente, sem
passar por toda a burocracia convencional de recepção e inspeção de cargas e documentação. O
ideal é que ao melhorar o relacionamento com os fornecedores e transportadores, as entregas sejam
feitas em pequenos lotes, em contenedores padronizados, em um ritmo compassado com a
demanda. Mais adiante no capítulo sete essas questões de relacionamento JIT dentro da cadeia
produtiva serão tratadas em detalhe.
Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica
Capítulo 2 40

No âmbito interno, cada célula de fabricação ou linha de montagem administra seus próprios
estoques dentro da lógica de puxar a produção, ou seja, cada processo fornecedor só produz e
repõem os estoques dos seus clientes na medida em que os mesmos são solicitados. Geralmente
emprega-se para isso o sistema de programação e controle de estoques conhecido como kanban, que
devido a sua importância para a produção JIT será detalhado em capítulo próprio. No sistema
kanban os estoques são distribuídos pela fábrica em pequenos almoxarifados de acesso livre aos
usuários, chamados de supermercados, devido a sua semelhança de operação com a lógica de
reposição dos produtos nas prateleiras dos supermercados.

Subfábrica 1 Subfábrica 2
Subfábrica 3 Subfábrica 4

Figura 2.8 Armazenagem focalizada.

Dessa forma, com a focalização dos estoques junto aos seus pontos de fabricação e uso, a
armazenagem e movimentação dos mesmos passa a ser mais uma função dos operadores
polivalentes, simplificando toda a burocracia associada à grandes almoxarifados centrais e
reduzindo drasticamente a mão-de-obra envolvida pela eliminação do pessoal de recepção,
contagem, inspeção, apontamento, movimentação, etc. Como os estoques estão próximos ao local
de uso os tempos de busca e acesso aos materiais se reduzem e as movimentações podem ser feitas
manualmente em pequenos lotes padronizados, reduzindo ainda mais a necessidade de capital de
giro e espaços físicos.

Concluindo esse capítulo, cabe ressaltar que os ganhos de produtividade oriundos da


focalização da produção se refletem em reduções superiores a 50% dos investimentos e espaços
físicos antes ocupados por estoques em processo e almoxarifados de matérias-primas, componentes
e produtos acabados. Harmon (HARMON, 1993 : 445-458) apresenta ao final de seu livro
Reinventando a Fábrica II uma lista com algumas das mais de 800 fábricas que implementaram
essas técnicas com apoio da Andersen Consulting e obtiveram ganhos dessa ordem e até superiores.

Sistemas de Produção
A Produtividade no Chão de Fábrica

Você também pode gostar