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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ – DEPARTAMENTO DE

PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO

Gabriela Adorni Mazzotti

PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO POR INTERMÉDIO DA


HOLDING FAMILIAR

Rio de Janeiro – 2016


GABRIELA ADORNI MAZZOTTI

PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO POR INTERMÉDIO DA


HOLDING FAMILIAR

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito para
aprovação no curso de pós-
graduação em Direito Empresarial
da Universidade Estácio de Sá, sob
orientação do Professor Doutor Ivan
de Oliveira Silva.

NITERÓI - RJ
2016

Direito Empresarial

Gabriela Adorni Mazzotti

Planejamento Sucessório por Intermédio da Holding Familiar

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estácio de Sá como


requisito para obtenção do grau de Especialista em Direito Empresarial.

Aprovada em ________, de ______________ de 20_______.

Examinador

__________________________________
Prof. Dr. Ivan de Oliveira Silva

NOTA FINAL: _________


RESUMO

O presente trabalho tem como fundamento perquirir se a utilização da holding


familiar enquanto instrumento de planejamento sucessório se traduz em vantagens
para a preservação patrimonial da família, tendo sido utilizada, para tanto, a técnica
da pesquisa bibliográfica. Inicialmente aborda-se o conceito de holding,
demonstrando não se tratar de espécie societária, mas sim de uma especialidade do
objeto social adotado, razão pela qual as normas acerca da constituição, relações
entre os sócios e com terceiros, tributação e extinção se subsumem ao tipo social a
ser escolhido, bem como à natureza jurídica simples ou empresária. Apresenta-se
os tipos de holding existentes e qual melhor se adequaria para o planejamento
sucessorio familiar. Demonstra-se como se dá a integralização do patrimônio social,
a tributação correspondente e a forma pela qual os futuros herdeiros se tornam
sócios. Segue-se com a apresentação das adversidades da sucessão, expondo
suas peculiaridades legais e as consequências nefastas que a falta do planejamento
sucessório podem representar sobre o patrimônio e as empresas familiares. Por fim,
aborda-se a holding como instrumento hábil para se evitar os conflitos familiares, a
elevada carga tributária incidente sobre a sucessão causa mortis, bem como o risco
de falência dos negócios familiares devido à ausência da continuidade da
administração nos ideiais fundados pelo ascendente falecido.

Palavras-chave: Direito societário. Holding. Holding Familiar. Sucessão.


ABSTRACT

This writings searching the convenience of holding companys as device to


sucessfully preserve the family patrimony and assets. The thecnique used was the
bibliographic research. Initially was argued the concept of the holding company,
establishing that doesn’t a sort of corporate, according the brazilian law, but a special
characteristic of its social object. Therefore, the regulament to be follow by the
company about the struture, the relationship among the partners or with strangers
and the appurtenent taxes are submitted to the corporate type and the juridical
natural that will be adopted. In sequence it explored the holding firm’s types and what
kind of legal company suits to make a family sucession plan. We demonstrate how to
complement the social equity, the corresponding taxation and the way the
descendants become partners. Is presented the adversity of family sucession,
exposing its legal singularities and the malefic consequences that the lack of a
sucession plan represents to the family’s assets and companies. Lastly, the holding
company is evaluated as an able resource to avoid family conflict, high taxation of
the inheritance, and the bankruptcy derived of the no continuity of the management
in the ideals founded by the deceased ascendant.

Palavras-chave: Corporate law. Holding. Family holding company. Right of


sucessions.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9
2. CONCEITO .............................................................................................................. 9
3. TIPOS DE HOLDING ............................................................................................ 10
3.1 Holding Familiar................................................................................................... 12
3.2 Natureza adequada para a Holding Familiar: sociedade empresária ou simples 13
3.3 Tipo Adequado de Sociedade para a Holding Familiar ....................................... 15
3.3.1 Sociedade em nome coletivo ........................................................................ 16
3.3.2 Sociedade Simples em sentido estrito .......................................................... 16
3.3.4 Sociedade limitada........................................................................................ 17
3.3.5 Sociedade em comandita por ações............................................................. 18
3.3.6 Sociedade anônima ...................................................................................... 19
4. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO POR INTERMÉDIO DA HOLDING
PATRIMONIAL FAMILIAR ....................................................................................... 19
4.1 Da Constituição da Holding Familiar ................................................................... 21
4.1.2 Quadro social da holding ............................................................................. 23
4.1.3 Doação dos títulos societários aos herdeiros ............................................... 24
4.2 Tributação incidente na transferência patrimonial para a Holding Familiar......... 25
4.2.1 Outras vantagens fiscais da holding ............................................................. 29
5. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E A HOLDING FAMILIAR ............................. 29
6. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 36
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 38

Agradeço ao meu pai, pois sem ele esta


jornada jamais se iniciaria. Agradeço ao
meu professor orientador, pois foi ele o
guia sábio que permitiu a conclusão deste
trabalho.

“Nada é mais certo neste mundo do que a


morte e os impostos”
(Benjamim Franklin)
9

1. INTRODUÇÃO

A sucessão causa mortis se apresenta como entrave à perenidade dos


negócios familiares e da preservação patrimonial dos bens e direitos auferidos em
vida.
A ausência de planejamento sucessório aliada à alta taxa tributária, à
morosidade do procedimento de inventário e partilha regidos pelo Direito das
Sucessões, e não raro às disputas entre os herdeiros, muitas vezes leva à falência
de empresas bem sucedidas após o falecimento de seu fundador.
O planejamento ainda em vida da forma em que se dará a sucessão é
o caminho viável para se evitar este infortúnio. Neste sentido, a constituição da
holding familiar se apresenta como alternativa especialmente eficaz para preparar a
sucessão e garantir a hegemonia familiar na condução e continuidade dos negócios.
Por intermédio dela será possível transferir o patrimonio das pessoas
físicas para essa nova pessoa jurídica. Figurarão como sócios os membros da
família, cujas relações passam a ser regidas pelo Direito Empresarial e pelo contrato
ou estatuto social, que definirá todas as regras atinentes à participação social,
auferimento de lucros e dividendos, administração da holding e suas controladas,
forma de cessão de quotas, bem como disporá de cláusulas que protejam este
patrimônio de terceiros, tais como cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade
das participações societárias.
A constituição da holding familiar evitará a necessidade do processo de
inventário e partilha dos bens e direitos, haja vista que após a integralização do
capital social da pessoa jurídica com os bens da família, a divisão será feita ainda
em vida, por intermédio da doação das quotas sociais ou ações para os herdeiros.

2. CONCEITO

Holding é o termo utilizado para designar a pessoa jurídica que tenha


por finalidade administrar um patrimônio próprio, podendo este ser constituído de
bens e direitos, participações societárias, propriedade intelectual, industrial ou
investimentos.
10

A holding não é uma espécie societária, haja vista que o rol das
sociedades (simples ou empresárias) encontra-se exaustivamente definindo pelo
Código Civil, não sendo admitida a criação de novas espécies ou a figura híbrida
advinda de mais de um tipo societário, salvo por manifestação do legislador.
Assim, a holding é, na verdade, a característica da sociedade que
adota como objeto o controle de outras sociedades e/ou de um patrimônio.
Conforme ensina Oliveira (2015, p. 7) a expressão holding deriva do
verbo inglês to hold, cujo significado é controlar, manter, guardar. Entretanto a
holding não surgiu em solo pátrio importada pelas multinacionais, como muitos
crêem, em verdade ela é fruto da previsão legal trazida pela Lei 6.404/76 (Lei das
Sociedades por Ações), que no § 3º do artigo 2º, assim dispõe:

“Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo,


não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
[...]
§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda
que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de
realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.”

Em que pese o fato de a norma citada abordar especificamente as


sociedades por ações, há muito restou pacificado no direito pátrio a sua aplicação às
sociedades contratuais (MAMEDE, G. e MAMEDE. E., 2016, p. 13).
Portanto, a holding deverá assumir um dos tipos societários previstos
no Código Civil, podendo ter natureza de sociedade simples ou de sociedade
empresária, tudo a depender do exame em concreto das necessidades a serem
atendidas com a criação desta pessoa jurídica.

3. TIPOS DE HOLDING

A doutrina divide as holdings em tipos, conforme seu objetivo seja


apenas o controle de outras sociedades (holding pura) ou, para além desse controle
também desenvolva atividades empresariais em sentido estrito, tais como a
produção e circulação de bens e serviços (holding mista).
Entretanto, não há um consenso nesta divisão, sendo certo que alguns
autores ainda incluem outros tipos ou subtipos.
11

Gladstone Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2016, p. 12), por


exemplo, destacam que as holdings se dividem em:
i) holding pura, como sendo aquela cujo objetivo é deter quotas ou ações de outra
sociedade;
ii) holding de controle, caso a sociedade apenas detenha quotas ou ações
suficientes para exercer o controle de outras sociedades;
iii) holding de participações, se a sociedade titularize quotas ou ações de outras sem
deter o controle social;
iv) holding de administração, caso esta funcione como um centro de comando das
sociedades controladas;
v) holding de organização, que não exerceria coordenação administrativa, mas se
constituiria para dar conformação a um plano estrutural, fiscal ou mesmo para
acomodação de novos sócios;
vi) holding mista, caso o objeto seja a realização de atividade produtiva ao mesmo
tempo em que detém participação societária em outra sociedade controlada;
vii) holding patrimonial, a sociedade constituída com o único objetivo de ser titular de
um patrimônio e gerir este patrimônio; e
viii) holding imobiliária, se o patrimônio da sociedade for constituído por bens
imóveis, podendo aliená-los ou locá-los como atividade principal.

Trazendo classificação menos extensa, Djalma de Pinho Rebouças de


Oliveira (2015, p. 18), traça quatro tipos de holding, que denomina de “tipos
clássicos”, a saber:
i) holding pura, cujo objetivo é a participação em outras sociedades;
ii) holding operacional, aquela que desenvolve a produção e circulação de bens e
serviços;
iii) holding mista, a sociedade cujo objeto seja desenvolver atividades operacionais
de comércio e indústria, mas também realize serviços para suas afiliadas, tornando-
se centro de planejamento destas;
iv) holding híbrida, sociedade constituída para fins específicos e delimitados,
podendo ser de reestruturação fiscal ou operacional, dentre outros.
Ressalte-se que estas tipologias não encontram definição legal, sendo
uma construção doutrinária, haja vista que holding é apenas uma denominação para
o objeto da sociedade que controle outras e/ou um patrimônio.
12

3.1 Holding Familiar

A denominada holding familiar é a alcunha dada a determinada


sociedade constituída com o objetivo de ser uma holding de qualquer dos tipos já
elencados, mas que é composta pelos membros de uma família visando proteger o
patrimônio e os interesses desta família da ingerência de terceiros e da possível
deterioração futura em situações que envolvam desde conflitos familiares internos
até a abertura da sucessão causa mortis.
Com a constituição da holding familiar, o casal ou qualquer dos
ascendentes destinará o patrimônio, inclusive suas quotas ou ações de outras
empresas para a nova sociedade, que se torna a controladora e titular deste
patrimônio.
O controle permanece nas mãos do(s) ascendente(s), e os futuros
herdeiros passam a ter quotas ou determinada quantidade de ações desta nova
sociedade holding, de forma que se tornam sócios em relação à parcela patrimonial
que constitui a nova empresa familiar.
Pode haver a doação de todas as quotas/ações, ressalvando o
usufruto vitalício e o direito de comando ao(s) ascendente(s), ou de parcela delas,
estipulando-se no contrato social ou estatuto que a distribuição das demais se fará
entre os sócios quando do falecimento de seu titular.
Desta forma, os conflitos familiares que surjam em relação aos bens e
negócios não mais se sujeitarão às regras do Direito de Família, mas sim àquelas
afetas ao Direito Empresarial, pois os parentes são agora sócios com a obrigação de
atuar para o bem da sociedade, por força da affectio societatis e do princípio da
preservação da empresa.
Ademais, a retirada ou as relações pessoais de qualquer dos sócios
não interferirá na holding, posto que o contrato social ou estatuto poderá ser
elaborado de maneira que proteja a sociedade da entrada de terceiros, garantindo
que o controle do patrimônio permaneça com a família.
13

3.2 Natureza adequada para a Holding Familiar: sociedade empresária ou


simples

A finalidade da holding familiar é a administração e controle do


patrimônio e o planejamento da sucessão, incluídos os aspectos fiscais, negociais e
o interesse em se evitar o surgimento de conflitos familiares que redundem em
disputas intermináveis sobre os bens, o que em muitos casos leva à destruição do
patrimônio.
Com o olhar voltado para o objetivo dessa holding, devemos nos
assegurar que ela será constituída sob a espécie societária que melhor atenda às
suas finalidades.
No ordenamento jurídico brasileiro as sociedades são divididas em
duas espécies, conforme sua natureza jurídica: sociedades simples e sociedades
empresárias.
O artigo 982 do Código Civil dispõe expressamente que:

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a


sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de
empresário sujeito a registro e, simples, as demais.
Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se
empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Portanto, a primeira escolha necessária será sobre a natureza


empresária ou simples da sociedade a ser constituída, com a ressalva de que se o
tipo empresarial escolhido vier a ser a sociedade anônima ela será empresária, por
força de determinação legal.
Em lado oposto, a cooperativa será sempre considerada sociedade
simples, ainda que desenvolva elemento de empresa.
A sociedade empresária será registrada na Junta Comercial, enquanto
que a sociedade simples se registrará no Cartório de Registro das Pessoas
Jurídicas. Aqui se faz exceção à cooperativa, que por força da sua lei de regência
(Lei 5.764/71) deve ser registrada na Junta Comercial.
A sociedade simples poderá adotar os seguintes tipos societários,
conforme disciplina o Código Civil: i) sociedade simples em sentido estrito; ii)
14

sociedade em nome coletivo; iii) sociedade em comandita simples; iv) sociedade


limitada ou v) sociedade cooperativa.
À sociedade empresária fica reservada a escolha entre os tipos sociais
seguintes: i) sociedade em nome coletivo; ii) sociedade em comandita simples; iii)
sociedade em comandita por ações; iv) sociedade limitada; ou v) sociedade
anônima.
A primeira diferença entre as sociedades empresárias e as simples
está na natureza da atividade desenvolvida. Enquanto a sociedade empresária
desenvolverá atividade negocial de empresa, ou seja, realizará atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, conforme
preceitua o artigo 966 do Código Civil, a sociedade simples não desenvolve
elemento de empresa (atividade econômica organizada), apesar de praticar
atividade econômica.
Segundo Fábio Ulhôa Coelho (2002, p. 23), a característica da
sociedade empresária é a organização dos fatores de produção na busca pelo lucro.
Assim, organiza a força de trabalho, a matéria-prima, o capital e a tecnologia, que
são os fatores de produção, com a finalidade de produzir bens e serviços e alcançar
o lucro. Essa organização dos fatores de produção é o denominado elemento de
empresa, característica essencial da natureza empresarial.
A sociedade simples, por sua vez, mesmo ao desenvolver a atividade
econômica, não utiliza os fatores de produção, razão pela qual não pode ser
considerada empresária.
Com bastante clareza, o ilustre doutrinador Fábio Ulhôa Coelho, em
parecer fornecido ao Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas
Jurídicas do Brasil no ano de 2003, discorre sobre a sociedade simples:

“Assim, não é empresário quem explora atividade de produção ou


circulação de bens ou serviços sem alguns desses fatores de produção. O
comerciante de perfumes que leva ele mesmo, à sacola, os produtos até os
locais de trabalho ou residência dos potenciais consumidores explora
atividade de circulação de bens, fá-lo com intuito de lucro, habitualidade e
em nome próprio, mas não é empresário, porque em seu mister não
contrata empregado, não organiza mão-de-obra. O feirante que desenvolve
seu negócio valendo-se apenas das forças de seu próprio trabalho e de
familiares (esposa, filhos, irmãos) e alguns poucos empregados, também
15

não é empresário porque não organiza uma unidade impessoal de


desenvolvimento de atividade econômica. [...]. Eles não são empresários
porque não desenvolvem suas atividades empresarialmente, não o fazem
mediante a organização dos fatores de produção.” (COELHO. 2003)

Portanto, temos que na sociedade simples há um trabalho prestado


direta e pessoalmente pelo sócio ou sócios. O elemento caracterizador é essa
pessoalidade na prestação dos serviços ou venda de produtos.
A par dessas hipóteses, existem aquelas criadas por exceção legal,
tais como a cooperativa, os que exercem profissão intelectual, científica, artística ou
literária, quando não constituírem elemento de empresa, e o produtor rural que não
se registrar junto à Junta Comercial, pois se o fizer tornar-se-á empresa.
A sociedade empresária, caso torne-se insolvente, submete-se ao
regime otimizado da Lei 11.101/05, que disciplina a recuperação judicial e
extrajudicial e a falência. A sociedade simples não tem direito à recuperação e, em
caso de quebra submete-se ao procedimento da insolvência civil previsto no Código
de Processo Civil, o que se torna uma desvantagem.
Entretanto, caso a sociedade a ser constituída seja do tipo holding
pura, essa desvantagem praticamente inexiste, vez que esse tipo societário terá
praticamente apenas obrigações fiscais incidentes sobre as receitas oriundas de
seus investimentos e patrimônio (MAMEDE, G. e MAMEDE. E., 2016, p. 103).
Certo é que a holding familiar poderá ser constituída sob qualquer das
espécies assinaladas: sociedade empresária ou sociedade simples, devendo a
escolha considerar o caso concreto em análise para redundar na escolha mais
acertada.

3.3 Tipo Adequado de Sociedade para a Holding Familiar


Superada a questão em torno da natureza empresária ou simples da
sociedade, cumpre esclarecer qual tipo societário, dentre os elencados pelo Código
Civil, melhor se adequaria à formação da Holding Familiar.
Os tipos societários mais utilizados no Brasil são a Sociedade Limitada
e a Sociedade Anônima. Entretanto, outros também podem se mostrar adequados à
constituição da holding.
16

No presente estudo trataremos apenas das sociedades personificadas,


ou seja, daquelas que ao serem constituídas dão origem a uma pessoa jurídica,
posto ser esta a finalidade da holding familiar. Via de consequência, serão
naturalmente afastadas da análise as Sociedades em Comum e as Sociedades em
Conta de Participação.

3.3.1 Sociedade em nome coletivo

Essa modalidade de sociedade é contratual e composta


exclusivamente por pessoas físicas, sendo administrada por um sócio ou por todos
conjuntamente. Não permite a administração por pessoa não sócia.
Pode ser de natureza simples ou empresária.
A responsabilidade dos sócios é solidária e ilimitada pelas obrigações
contraídas pela pessoa jurídica, não existindo limitação da responsabilidade entre as
obrigações sociais e o patrimônio pessoal dos sócios, o que se torna uma
desvantagem.
As decisões relacionadas à cessão de quotas, ainda que em favor dos
outros sócios, em princípio devem ser tomadas por manifestação favorável de todos
os sócios, ainda que tenham mínima participação social, por força do que dispõe os
artigo 997 e 999 do Código Civil. Entretanto, o contrato social pode dispor de
maneira diversa.

3.3.2 Sociedade Simples em sentido estrito

A sociedade simples em sentido estrito, ou comum, será sempre


contratual e sua existência se inicia com o registro no Cartório de Registro das
Pessoas Jurídicas de sua sede.
Ela pode ser composta tanto por pessoas físicas quanto jurídicas ou
mesmo uma mistura de ambas. Tal qual a sociedade em nome coletivo, demanda
voto unânime para que haja cessão de quotas entre os sócios ou para terceiros, de
forma que ainda que o sócio tenha uma participação ínfima venha a divergir, a
cessão não terá efeito, salvo se o contrato social dispuser de maneira diversa.
17

Também nessa sociedade a administração deve ser exercida


exclusivamente por sócio.
A responsabilidade pelas obrigações sociais é solidária e ilimitada,
sendo essa a maior desvantagem ao se utilizar esse tipo societário.

3.3.3 Sociedade em comandita simples

É composta por duas espécies diversas de sócios: o sócio


comanditário, que é aquele que somente investe na sociedade, e não detém
responsabilidade nenhuma pelas obrigações sociais, e o sócio comanditado, que irá
administrá-la e representá-la perante terceiros, tendo responsabilidade pessoal em
caso de inadimplemento da sociedade.
É sociedade exclusivamente contratual.
Devido à forma de sua composição social e tipo de responsabilidades,
não se mostra adequada ao objetivo perseguido pela holding familiar.

3.3.4 Sociedade limitada

Na sociedade limitada os sócios somente responderão solidariamente


com seu patrimônio pessoal pela integralização do capital social. Estando o capital
social realizado, a responsabilidade de cada sócio fica limitada ao valor de suas
quotas.
A sociedade limitada é regida pelo Código Civil, mas pode ter regência
supletiva pela Lei 6.404/76 caso o contrato social assim preveja expressamente.
Pode ser empresária ou simples.
A administração poderá ser feita por sócios ou por não sócios,
podendo o administrador ser designado no contrato social ou em ato separado.
A escolha do administrador sócio requer a aprovação de mais da
metade do capital social, conforme preceitua o art. 1076, II c/c 1071, II, do Código
Substantivo. Caso o administrador seja não sócio, a aprovação exigirá a
unanimidade de votos se o capital não estiver integralizado, ou pelo menos dois
terços após a integralização, nos exatos termos do art. 1061 do mesmo diploma.
(MAMEDE, G. e MAMEDE. E., 2016, p. 25).
18

Nas sociedades limitadas, respeitado o quorum legal ou o que foi


disposto no contrato social, as decisões tomadas nas reuniões ou assembléias
vinculam todos os sócios, inclusive os ausentes e aqueles que votaram em sentido
contrário, pois estes devem atuar em favor da sociedade, cujo interesse se sobrepõe
aos interesses individuais de seus membros.
Considerando que a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de
sua respectiva quota, e que sua conformação legal permite maior rigor quanto às
disposições contratuais acerca da cessão de quotas a terceiros, impedindo que
pessoas estranhas à sociedade venham dela participar, esta espécie societária se
mostra bastante adequada à holding familiar, vez que a espectativa desta é a
proteção patrimonial, mantendo-o na família, evitando o risco de dissipação nas
mãos de terceiros.

3.3.5 Sociedade em comandita por ações

Caracteriza-se, a sociedade em comandita por ações, por ter o capital


social dividido em ações, sendo regida pela Lei 6.404/76, especialmente pelos
artigos 280 e 284, bem como pelo Código Civil.
É sociedade estatutária ou institucional, ou seja, sua constituição
demanda a subscrição de todo o capital social por, no mínimo dois acionistas, a
realização de dez por cento, no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas
em dinheiro e o depósito da parte do capital realizada em dinheiro.
A constituição poderá ser feita por subscrição pública, em que os
fundadores buscam recursos junto a investidores, ou por subscrição particular, em
que os fundadores fornecerão todo o recurso necessário para o início da companhia.
Nos mesmos moldes da sociedade em comandita simples, possui duas
classes de sócios, o comanditado, que a administra, e o sócio comanditário, seu
investidor.
Somente o acionista pode administrar esta sociedade, vez que na
qualidade de diretor, o sócio comanditado tem responsabilidade subsidiária e
ilimitada pelas obrigações da empresa, nos exatos termos do art. 1091, CC/02.
19

3.3.6 Sociedade anônima

Neste tipo societário o capital social se divide em ações. A


responsabilidade dos sócios fica restrita à integralização das respectivas ações.
Uma vez realizada pelo acionista, ele não terá qualquer responsabilidade pelo
inadimplemento da sociedade. Não há aqui sequer a responsabilidade subsidiária.
A sociedade anônima, é estatutária e independentemente de seu
objeto, será sempre sociedade empresária, por expressa determinação legal,
conforme explanado alhures.
Poderá ser companhia aberta ou fechada, caso negocie ou não suas
ações no mercado aberto (bolsa de valores).
Ressalte-se que a cessão das ações não depende da anuência dos
demais sócios, o que permite a livre circulação destas ações e, de consequência, a
livre alteração do quadro societário.
Entretanto, o estatuto da companhia fechada poderá prever direito de
preferência àqueles que já são acionistas, para que, em igualdade de condições,
adquiram as ações disponíveis em detrimento de terceiros.
Cumpre ressaltar que os custos envolvidos na constituição e
manutenção da sociedade anônima são mais elevados do que das modalidades
contratuais, vez que há exigência legal de publicação do ato constitutivo e dos
balanços anuais no Diário Oficial ou em jornal de grande circulação.
Não obstante, esta sociedade institucional, principalmente do tipo
companhia fechada, pode ser adequada para a constituição da holding familiar, a
depender da necessidade apresentada em concreto.

4. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO POR INTERMÉDIO DA HOLDING


PATRIMONIAL FAMILIAR

A sucessão causa mortis traz consigo diversas preocupações a serem


enfrentadas pelos familiares, desde a divisão patrimonial propriamente dita e o
adimplemento da respectiva carga tributária, até questões de continuidade na
administração das empresas que passam agora aos herdeiros.
O planejamento sucessório não é tema normalmente discutido entre as
famílias brasileiras, que vêem como tabu o falar da morte dos entes familiares de da
20

divisão patrimonial daí decorrentes. Esta atitude acaba por fazer com que surjam
conflitos que por vezes levam à cisões familiares irreparáveis e dificuldade na
realização do inventário e partilha, inclusive pelos altos custos envolvidos nesse
processo.
Observa-se que a continuidade dos negócios familiares fica ameaçada
frente à sucessão hereditária quando ausente um planejamento que disponha
concretamente acerca do papel de cada herdeiro dentro da empresa ou grupo
empresarial, a fim de assegurar que não haja desagregação após o falecimento do
fundador (OLIVEIRA, 2016, p. 25).
Há que se considerar ainda a problemática decorrente da herança
recebida pelo filho ou filha casada em regime de bens que, em um momento de
dissolução da sociedade conjugal em vida ou pelo falecimento, acabam por vir a
pertencer à pessoa estranha à família, que poderá se mostrar despreparada para
dar continuidade aos negócios (OLIVEIRA, 2016, p. 25).
Para bem ilustruar a problemárica apresentada, citamos alguns dado: o
número de empresas familiares em nosso país é de aproximadamente 90%,
enquanto o índice mundial varia em torno de 75%. E mais: entre os trezentos
maiores grupos empresariais privados no Brasil, duzentos e sessenta e cinco são de
origem familiar (CARVALHO, 2016).
Importante, assim, que seja elaborado um plano sucessório, de modo a
preservar o patrimônio familiar e a continuidade das empresas ou empresa
pertencente à família.
O Direito Sucessório não dispõe de recursos para evitar tais conflitos,
haja vista que regramento neste sentido se apresentaria impossível, vez que os
relacionamentos pessoais familiares tem cunho afetivo e íntimo.
O Direito Empresarial, por seu turno, ao dispor sobre as sociedades o
faz com limitações e regras específicas que disciplinam as relações entre os sócios,
afstando a afetividade para dar lugar à obrigação de atuarem a bem da sociedade,
por força dos deveres contratuais, apresentando-se como instrumento de prevenção
dos conflitos e permitindo a objetiva e resolução dos mesmos.
Como bem acentuam Gladstone Mamede e Eduarda Cotta Mamede
(2016, p. 68), as “relações que estavam submetidas ao Direito de Família passam a
estar submetidas ao Direito Societário, no qual há instrumentos mais eficazes para a
regência do comportamento do indivíduo.”
21

Neste sentido a constituição da holding patrimonial familiar tem como


seus principais objetivos permitir a continuidade dos negócios da família, evitar o
conflito entre os herdeiros, ao passo que cada herdeiro será sócio quotista ou
acionista e perceberá os rendimentos daí decorrentes, independentemente de cargo
ou função na empresa ou grupo empresarial, e proporcionar a diminuição da carga
tributária incidente tanto nas operações envolvendo o patrimônio próprio, como
alienação de imóveis, por exemplo, quanto sobre a transmissão de patrimônio
decorrente da sucessão, conforme restará esplanado a seguir.

4.1 Da Constituição da Holding Familiar


A constituição da holding familiar tem por especial função a reunião e
proteção do patrimônio ao concentrar os bens de um ou alguns membros da mesma
família sob uma pessoa jurídica.
O objetivo da desta modalidade de holding é exatamente afastar os
conflitos familiares das deliberações a serem tomadas nas empresas em que a
família participe ou controle.
Gladstone Mamede e Eduarda Cotta Mamede argumentam que:
“As eventuais disputas familiares se dão no âmbito da holding, devendo ali
ser decididas, respeitadas as já aludidas normas do Direito Empresarial,
mas igualmente as regras que estejam dispostas no ato constitutivo
(contrato social ou estatuto social) ou, até, em acordos parassociais (acordo
de quotistas ou acordo de acionistas). Seguindo esses parâmetros, a
controvérsia terá que resolver-se no âmbito da holding; a decisão tomada
será a decisão da holding que atua sobre as sociedades controladas como
um indivíduo: a pessoa jurídica controladora.” (MAMEDE, G. e MAMEDE.
E., 2016, p. 69)

Sua criação ocorre pela previsão de uma cláusula no contrato ou


estatuto social da sociedade que disponha que o objeto social será a administração
de bens móveis e imóveis próprios, o controle, a participação e a administração de
outras sociedades.
Necessário que a holding adote o seu objeto social conforme as
atividades que desenvolverá. Para tanto mister que defina seu enquadramento na
22

Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), que é o instrumento de


padronização dos códigos de atividade econômica e critérios de enquadramento
utilizados no país pela Receita Federal e demais órgãos da administração tributária.
Esta escolha delimita o campo de atuação da sociedade e terá reflexos
tributários, conforme se demonstrará no item 3.2.
As opções disponíveis no CNAE que mais se adequam ao perfil da
holding patrimonial familiar são: i) código 6462-0 – Holdings de Instituições Não-
Financeiras; e iii) código 6810-2 – Atividades Imobiliárias de Imóveis Próprios. 1
O enquadramento no CNAE 6462-0 – Holdings de Instituições Não-
Financeiras – possibilita à sociedade participação no capital social de um grupo de
empresas com atividades preponderantemente não-financeiras, podendo ou não
exercer funções de gestão e administração dos negócios nas referidas pessoas
jurídicas.
A escolha por este objeto social não inclui nos negócios do ente a
gestão de bens imóveis próprios, de forma que eventuais alienações não se
beneficiarão da redução da tributação, vez que não se classificarão como
mercadoria daquela sociedade.
Doutro norte, a classificação enquanto “Atividades Imobiliárias de
Imóveis Próprios” (CNAE 6810-2), inclui no objeto social, como atividade primária, o
controle e administração de determinado patrimônio e a alienação de bens imóveis
de seu ativo, de modo que tais operações serão efetuadas sob tributação reduzida.
Independentemente da espécie societária escolhida, a constituição da
sociedade dependerá da subscrição e integralização do capital social, ou seja, do
montante de bens e direitos que serão investidos pelos sócios para constituir a
pessoa jurídica e permitir que ela realize seu objeto social.
Uma vez formalizado o contrato social ou estatuto da nova pessoa
jurídica, no qual haverá a discriminação da subscrição das quotas ou ações de cada
um dos sócios, no caso os ascendentes ou um deles, estes deverão transferir para a
sociedade o valor correspondente às suas participações, integralizando o capital.
A integralização não precisa ser feita imediatamente na assinatura do
contrato social ou no ato de fundação da pessoa jurídica, haja vista que é permitida


1 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE). Classificação Nacional das Atividade Econômicas.
Disponível em http://concla.ibge.gov.br/busca-online-cnae.html?view=estrutura.
23

a transferência dos bens na forma e prazo estipulados pelo contrato ou estatuto,


podendo ser feita a certo termo da data de assinatura ou mesmo parceladamente.

4.1.2 Quadro social da holding

A holding patrimonial constituída para fins de planejamento sucessório,


por evidente terá seu quadro social preenchido pelos membros da família, mais
precisamente pelos ascendentes e seus descendentes.
Ocorre que o artigo 977 do Código Civil veda aos cônjuges casados
sob o regime de comunhão universal de bens e regime de separação obrigatória
(legal) contratar sociedade entre si ou entre ambos e terceiros. Portanto, caso os
cônjuges sejam casados sob esses regime não poderão figurar conjuntamente no
quadro societário da Holding Patrimonial.
A solução seria que apenas um dos ascendentes figurasse como
sócio, em conjunto com os demais herdeiros, ou ainda, constituir a sociedade
apenas entre os herdeiros, figurando os ascendentes como usufrutuários vitalícios.
O artigo 1.390 do Código Civil permite que haja a constituição do
usufruto sobre um patrimônio inteiro ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em
parte os frutos e e utilidades, o que permite que o instituto seja aplicada à quotas ou
ações.
Assim, possível instituir o usufruto, que resultará na divisão da
propriedade títulos sociais: de um lado, haverá o herdeiro proprietário das quotas ou
ações da empresa, denominado nu-titular e, de outro lado, o usufrutuário destes
títulos, o ascendente a quem caberá a posse e administração das quotas ou ações.
Outro aspecto relevante a considerar é que o herdeiro menor poderá
figurar como sócio desde que observadas as seguintes condições legais: i) esteja
ele devidamente representado ou assistido; ii) o capital social já esteja totalmente
integralizado, posto que na sociedade limitada, até a integralização, a
responsabilidade pelas obrigações sociais é solidária entre os sócios; e iii) o menor
não seja administrador, vez que este responde pessoalmente pela prática de ato
ilícito da sociedade, o que representa um risco ao menor e ao seu patrimônio
pessoal.
24

4.1.3 Doação dos títulos societários aos herdeiros

Ao constituir a pessoa jurídica, o ascendente disporá sobre a doação


das quotas sociais ou ações para os demais herdeiros, que assim passam a ser
sócios da holding familiar. A distribuição dessas quotas ou ações ensejará a
incidência do Imposto sobre Doação (ITCMD), cuja base de cálculo será o valor das
quotas de cada sócio.
Considerando que a doação de ascendente para descendente ou de
um cônjuge ao outro constitui adiantamento da legítima, nos termos do artigo 544 do
Código Civil, caso o patrimônio doado exceda a parcela disponível do doador,
haverá a necessidade de futura colação em processo de inventário.
Caso ambos os cônjuges doem todos os seus bens para a constituição
da holding familiar, deve ser estabelecida cláusula de usufruto vitalício para os
detentores do patrimônio, para que não se caracterize estado de insolvência, o que
tornaria nulo o contrato, nos termos do artigo 548 do Código Civil.2
Atente-se, ainda, para a necessidade de se obter a autorização do
cônjuge meeiro não-sócio nas transferências dos bens imóveis, para a validade do
ato, nos termos exatos do artigo 1647, II do Diploma Civilista.
Além da cláusula de reserva de usufruto vitalício, o doador poderá
estipular outras cláusulas restritivas, tal como a cláusula de reversão dos bens ao
seu patrimônio (no caso patrimônio da pessoa jurídica), caso sobreviva ao donatário.
Também poderá estipular a doação com encargo, de forma que
constará cláusula resolutória da doação caso o encargo estipulado não seja
cumprido.
Ademais, é importante que as quotas doadas sejam gravadas com as
cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, protegendo o
patrimônio da ingerência de terceiros.
A cláusula de inalienabilidade torna os bens por ela gravados
indisponíveis, não podendo ser objeto de cessão gratuita ou onerosa. Referida
cláusula, quando imposta por ato de liberalidade, implica na incomunicabilidade dos
bens ou direitos gravados, conforme expressa disposição do artigo 1.911 do Código
Civil.

2 Lei 10.406/02 – Artigo 548. Nula é a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda
suficiente para a subsistência do doador.
25

Quanto à incomunicabilidade, há de se abrir um parênteses: na atual


sistemática do Código Civil, em regra os bens recebidos a título de doação ou
herança são excluídos da comunhão. O único regime em que há esta
comunicabilidade é o de Comunhão Universal de Bens, motivo pelo qual somente
haverá a necessidade de apor tal cláusula quando diante de tal regime.
Registre-se que a cláusula de incomunicabilidade apenas impede a
imediata entrada do bem na comunhão, o que não obstaculizaria uma eventual
participação do outro cônjuge sobre o bem/patrimônio, já que este pode ser objeto
de uma futura doação, por exemplo. No entanto, na hipótese ora tratada, como
sobre o bem recairá também a cláusula de inalienabilidade, resta, de fato,
inviabilizada tal possibilidade
O doador poderá estipular que a inalienabilidade e incomunicabilidade
se estenda ou não aos frutos e rendimentos do bem gravado. Caso nada
estabeleça, se entende que os mesmos são de livre alienação e transferência.
A finalidade da cláusula de impenhorabilidade é impedir que os bens
doados (quotas ou ações) possam ser utilizados para garantia de dívidas
particulares dos donatários, protegendo o patrimônio da holding.
Assim, a holding familiar será constituída pelo ascendente e seus
herdeiros, e a integralização do capital será feita com a transferência dos bens e
direitos da pessoa física para a pessoa jurídica que se forma, de forma que haverá a
distribuição patrimonial ainda em vida por intermédio da distribuição das quotas ou
ações, evitando-se os conflitos e transtornos do processo de partilha e inventário
causa mortis.

4.2 Tributação incidente na transferência patrimonial para a Holding Familiar

Consoante explanado anteriormente, para a constituição da pessoa


jurídica necessária a transferência patrimonial a fim de compor seu capital social. A
preocupação a ser considerada no momento desta cessão será a possível incidência
de tributos.
Preceitua o artigo 113 do Código Tributário Nacional que a obrigação
tributária surge com a ocorrência do fato gerador, sendo este a situação específica
26

descrita em lei como necessária e suficiente para a caracterização tributária (art.


116, CTN).
A doutrina conceitua o fato gerador como a previsão legal abstrata que
impõe a incidência da norma tributária, fazendo nascer a respectiva obrigação
(HARADA, 2014, p. 540).
Em caso de transmissão patrimonial possível a incidência da espécie
tributária imposto sob três diferentes ângulos: i) imposto sobre a renda e proventos
de qualquer natureza (IR); ii) imposto sobre transmissão de bens inter vivos (ITBI); e
iii) imposto causa mortis e sobre doação (ITCMD).
O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como
fato gerador o auferimento de renda ou proventos, conforme disciplina o art. 43 do
CTN, in verbis:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de
qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade
econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos
patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Surge, assim, o seguinte questionamento: a constituição do capital


social da pessoa jurídica é fato gerador do imposto sobre a renda para a sociedade
ou para os sócios?
A resposta será: depende. Caso a transmissão dos bens seja feita pelo
mesmo valor já constante da Declaração de Bens e Direitos da pessoa física, não
restará configurado o fato gerador, posto que não houve ganho ou aumento de
capital ou renda, não se gerou lucro. O que se verificou foi apenas a substituição do
bem ou direito com o qual se integralizou o capital, pelas quotas ou ações da
sociedade.
Neste sentido o entendimento jurisprudencial está pacificado. Por
todos, confira-se o julgado do Tribunal Federal Regional da 1ª Região:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL
POR INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. 1. A mera transferência de imóvel de
propriedade comum dos sócios para integralização de capital de empresa
de sua propriedade não constitui fato gerador do Imposto de Renda,
porquanto não representa operação lucrativa. 2. Remessa improvida.
27

(TRF-1 - REO: 1584 MG 94.01.01584-8, Relator: JUIZ EUSTÁQUIO


SILVEIRA, Data de Julgamento: 09/09/1997, QUARTA TURMA, Data de
Publicação: 13/10/1997 DJ p.84507)

Portanto, a princípio não haverá incidência de Imposto sobre a Renda


na integralização do capital social da holding familiar, salvo se a transferência se
fizer por valor maior do que aquele constante na Declaração de Bens, sendo certo
que a diferença será tributada como ganho de capital.
Quato ao ITBI, imposto de competência municipal, sendo o seu fato
gerador a transmissão por ato oneroso de bens imóveis inter vivos, tampouco
poderá incidir no momento da integralização de capital caso seja feita com bens
imóveis, por expressa exceção legal contida no § 2º do artigo 156 da Constituição da
República:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[…]
II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens
imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis,
exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
[…]
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao
patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a
transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou
extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade
preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos,
locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

Entretanto, em relação a este imposto fica uma ressalva: caso a


atividade preponderante da holding seja a gestão imobiliária, a incorporação de
imóveis ao patrimônio da sociedade constituirá fato gerador, conforme a parte final
do § 2º do artigo 156 da Constituição.
A apuração quanto a administração imobiliária ser atividade
preponderante, para além da classificação CNAE, se faz pela aferição da origem das
receitas da holding. Caso as receitas oriundas de aluguel ou venda de imóveis
integralizados ultrapassem 50% (cinquenta por cento) do seu faturamento total, ela
28

se enquadrará como holding de gestão imobiliária, independentemente do objeto


social constante do seu contrato social ou estatuto.
Portanto, ainda que o enquadramento da sociedade no CNAE não
reflita como seu objeto social o gerenciamento e administração de imóveis ou
atividade imobiliária, poderá haver ação fiscalizatória municipal apurando a realidade
de auferimento preponderante da renda advinda de tais atividades, o que ensejará a
incidência do tributo.
A análise da incidência do ITBI na holding familiar cujo objeto seja
administração imobiliária pode aparentar oneração da carga tributária em
comparação com as operações realizadas pela pessoa física. Entretanto, mesmo
com a incidência do ITBI a constituição da holding é vantajosa, uma vez que ao
comparar a tributação sobre os rendimentos auferidos pela empresa com a
tributação sobre a renda da pessoa física, o valor pago de ITBI será compensado
em poucos meses com a redução siginificativa do recolhimento do Imposto sobre a
Renda.
O ITCMD é imposto de competência estadual, e no Rio de Janeiro a
Lei 7.174/15 dispõe sobre suas alíquotas e hipóteses de incidência, sendo estas a
transmissão causa mortis e a doação de quaisquer bens ou direitos, nos termos do
artigo 2º da norma citada.
Ocorre que a transferência dos bens da pessoa física para a
constituição de capital da pessoa jurídica em vida não é hipótese de doação, de
forma que não se caracteriza o fato gerador deste imposto.
Vale a pena citar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que
deixa explícito o caráter diferenciado da integralização de capital da pessoa jurídica:

MANDADO DE SEGURANÇA - AUMENTO DE CAPITAL SOCIAL -


INTEGRALIZAÇÃO POR INCORPORAÇÃO IMOBILIARIA. A
INCORPORAÇÃO DE IMOVEL DE SOCIO A PESSOA JURIDICA E
FORMA SUI GENERIS DE ALIENAÇÃO E NÃO SE CONFUNDE COM
NENHUMA DAS HIPOTESES PREVISTAS NO DECRETO-LEI NO.
1.641/78. NÃO SE ASSEMELHA A COMPRA E VENDA, ADJUDICAÇÃO,
DOAÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, ETC. EM QUALQUER DESTES
HIPOTESES E PRESENTE O LUCRO, NA INTEGRALIZAÇÃO POSTA EM
EXAME NÃO RESULTA VANTAGEM OU GANHO. RECURSO
IMPROVIDO.
29

(STJ - REsp: 22821 PE 1992/0012466-6, Relator: Ministro GARCIA VIEIRA,


Data de Julgamento: 24/06/1992, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de
Publicação: DJ 31.08.1992 p. 13636)

Assim, resta evidenciado que não se caracteriza como transferência


patrimonial a integralização do capital social da pessoa jurídica com os bens da
pessoa física, não se configurando nenhuma hipótese de incidência tributária.

4.2.1 Outras vantagens fiscais da holding

Uma vez que os herdeiros tornam-se sócios, participam da distribuição


de lucros e dividendos da pessoa jurídica, conforme a proporção de suas quotas ou
ações, devidamente estipuladas no contrato social ou estatuto.
Conforme estipula o artigo 10 da Lei nº 9.249/95, os lucros e
dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no
lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de
renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do
beneficiário, pessoa física ou jurídica.
A holding propiciará ainda benefícios no recolhimento relativo ao
Imposto sobre a Renda das receitas auferidas com a gestão patrimonial, posto que a
alíquota para a pessoa jurídica é de 11,33% , enquanto para a pessoa física a
tributação chega a 27,5%.
Em relação à alienação de bens imóveis, a alíquota aplicável para a
holding será de 6,75% sobre o ganho de capital, enquanto a venda feita pela pessoa
física está sujeita a uma alíquota de 15% sobre o ganho de capital.
Estes diferenciais tributários refletem ainda mais os benefícios fiscais
obtidos com a constituição da holding para fins de adminstração e proteção do
patrimonio familiar, que se iniciam muito antes do momento da sucessão.

5. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E A HOLDING FAMILIAR

A sucessão hereditária redunda em inúmeros problemas, que vão


desde a indisponibilidade total dos bens que constituem o monte hereditário por
30

anos, até que se ultime a partilha, perpassam pelos desentendimentos familiares,


desgostos e brigas por bens singulares, o elevado custo do processo de inventário e
partilha e do tributo incidente causa mortis, e a fragmentação do patrimônio antes
produtivo, que muitas vezes acaba reduzido a nada por falta de gestão unificada.
Gladstone Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2016, p. 160), elucidam
com bastante clareza a problemática da sucessão em relação aos negócios,
empresas e patrimônio familiares ao apontarem que a formação de novos núcleos
familiares pela sucessão das gerações acabam por impactar o bloco de controle
familiar, desfazendo a coesão de direcionamento das empresas, levando, inclusive à
falência das mesmas.
Diante destes fatos, o planejamento sucessório se mostra como
solução para, ainda em vida, se elaborar o plano estratégico de preservação
patrimonial, garantindo a continuidade dos rendimentos e que estes beneficiem a
família, os herdeiros.
A holding familiar se mostra como meio adequado para se evitar os
conflitos familiares, a elevada carga tributária incidente sobre a sucessão causa
mortis, bem como o risco de falência dos negócios familiares devido à ausência da
continuidade da administração nos ideiais fundados pelo ascendente falecido.
Com o falecimento da pessoa, seus bens móveis e imóveis, obrigações
e direitos, são transmitidos aos seus herdeiros, imediatamente e sem necessidade
de nenhum ato por parte dos sucessores, de pleno direito, por força do princípio da
saisine, que encontra-se expresso no artigo 1.784 do Código Civil. A fim de
disciplinar esta transmissão existe um conjunto normativo próprio, denominado
direito sucessório (DINIZ, 2011).
Dentre outras normatizações especiais, o direito das sucessões impõe
as formas em que será feita a formalização da transmissão da herança aos
sucessores, que se dará por procedimento de inventário em uma das três formas
seguintes: i) na forma tradicional (art. 610 a 658 do Código Civil); ii) na forma de
arrolamento sumário, caso todos os herdeiros sejam maiores, capazes e
concordantes (art. 659, Código Civil); e iii) pelo arrolamento comum, caso os bens a
serem inventariados não ultrapassem o valor de um mil salários mínimos vigentes,
31

independentemente da qualidade dos herdeiros e existência de divergências (art.


664 do Diploma Civilista).3
O ativo e o passivo do falecido deixam de ser singularmente
considerados e passam a constituir uma massa patrimonial denominada espólio, não
mais podendo ser objeto de alienação ou de ônus sem a autorização judicial.
Durante o processo de inventário será nomeado um inventariante, que
ficará responsável pela administração do espólio, incluindo o gerenciamento e
continuidade dos negócios da família.
As desavenças entre os herdeiros muitas vezes se inicia com a
necessidade da escolha do inventariante, posto que cada um se julgará mais apto a
ocupar este posto, e acabará por criticar aquele que vier a ser encarregado deste
ônus, podendo impugnar judicialmente o ato.
O procedimento de inventário envolve diversas fases, que se iniciam
com a petição inicial e a nomeação do inventariante, as primeiras declarações, em
que deverá ser especificado todo o ativo e passivo que constitui o monte hereditário,
as citações de todos os herdeiros, as impugnações feitas por estes em relação às
primeiras declarações, as avaliações dos bens por perito judicial, as últimas
declarações, o recolhimento dos impostos, as eventuais colações caso tenha
ocorrido antecipação da legítima e o pagamento de dívidas, caso existam.
Veja-se que ainda não se chegou à partilha, entretanto os custos até o
momento já se mostrarão elevados. Os herdeiros terão que encontrar fundos
particulares para fazer frente aos impostos, às custas judiciais, aos honorários
advocatícios, aos honorários periciais.
A partilha, por sua vez, se inicia com a conclusão do inventário, e abre
o prazo legal de quinze dias para que cada herdeiro formule seu pedido de quinhão,
dentro dos limites do que foi inventariado. O juiz decidirá sobre a partilha de modo a
atribuir a cada herdeiro sua quota-parte, observando o valor, natureza e qualidade
dos bens, de forma mais igulitária possível.
A finalização desta fase se dá com a expedição do formal da partilha o
qual valerá como instrumento hábil a permitir a transmissão dos bens do nome do de
cujus para o de cada herdeiro. Havendo bens imóveis, por exemplo, o formal poderá


3
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. (2016), p. 612.
32

ser levado ao Cartório de Registro de Imóveis e, com o devido pagamento dos


emolumentos, haverá a transmissão da propriedade.
Dois pontos importantes devem ser considerados em relação à
sucessão causa mortis, legislada pelo direito das sucessões: i) o procedimento de
inventário e partilha consome anos, e quanto maior a quantidade de bens
envolvidos, maior o tempo necessário para a tramitação e finalização do processo; e
ii) os herdeiros deverão fazer frente às despesas processuais e tributárias sem
disporem dos bens que compõe o espólio, salvo se obtiverem a competente
autorização judicial por intermédio de procedimento apartado, denominado alvará
judicial, caso justifiquem ao juiz a necessidade de venda de bens para fazer frente
às despesas, o que consumirá ainda mais tempo.
Face a todos estes entraves é que a constituição de uma pessoa
jurídica que se torne proprietária de todos os bens e direitos da família, mais
especificamente dos ascendentes, se mostra atrativa.
A partir da integralização do capital social, a pessoa jurídica será a
proprietária dos bens e direitos. Também se tornará a controladoras dos negócios,
da demais empresas que a família possua e das participações sociais da família.
A pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas que a
compõem. Sendo ente personificado independente, o falecimento de algum de seus
sócios não interfere no ativo de propriedade da pessoa jurídica. Este falecimento
será tratado pelas normas do Direito Societário em relação à sucessão das quotas
de que o de cujus era titular.
A estipulação da forma como se fará a sucessão das quotas sociais
encontra-se normatizada no artigo 1.028 do Código Civil:
Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio
falecido.

Conforme se extrai da leitura do artigo legal acima transcrito, além das


previsões legais já estabelecidas, o contrato social poderá dispor a destinação das
quotas pertencentes ao sócio falecido, podendo determinar que sejam repartidas
entre os herdeiros, ou que estes sejam condôminos das mesmas, por exemplo.
33

Caso a opção seja pela liquidação das quotas, a pessoa jurídica


pagará aos beneficiários o valor das mesmas, que será apurado em balanço
especialmente verificado para este fim.
Doutro norte, em se optando pela transmissão das quotas aos
herdeiros do sócio falecido, cada um destes arcará com o ITCMD correspondente à
sua parcela de benefício, sem que isso impacte de qualquer maneira nos bens e
propriedades da pessoa jurídica.
Cumpre lembrar que o herdeiro que não desejar os títulos poderá fazer
a cessão dos mesmos aos outros sócios, nos termos do artigo 1.057 do Código Civil:

Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou
parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos
outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um
quarto do capital social.

Conforme dispõe a Lei Subjetiva, o contrato social poderá dispor a


forma e o quorum exigido para a cessão para os próprios sócios, podendo exigir a
aprovação unânime ou que a anuência não seja necessária.
Em relação à alienação de quotas à terceiros, o contrato social poderá
vedá-la ou exigir qualquer quórum de aprovação, desde que respeitado o mínimo de
um quarto do capital social estabelecido na lei civil.
No que tange à continuidade das relações negociais e adminsitração
das empresas, observa-se que, uma vez constituída a holding familiar, ela passará a
ser a administradora e gestora dos negócios. Não será mais a pessoa física que terá
participação societária em empresas ou será a controladora de empresas, mas sim a
holding.
Com a constituição da holding será especificado seu objeto social, e
nele constará a forma de adminstração e gerenciamento dos negócios dos quais ela
é a controladora, garantindo que com a superveniencia do falecimento do patriarca
ou matriarca, os negócios continuarão a ser conduzidos na forma como restou
estabelecido pelo contrato social e pactos sociais adjetos.
Não se verificará interrupção dos negócios e fica afastado o risco de
perecimento do patrimônio construído.
34

A holding familiar, para fins de planejamento sucessório, tem como


função principal titularizar as quotas e ações de outras empresas, acomodando o
empresário controlador e seus herdeiros em sua estrutura social, permitindo o
treinamento destes e a busca pelo sucessor do fundador, diminuindo o risco da
perda do bloco do controle familiar quando da sucessão, haja vista a centralização
das decisões de controle na holding, bem como a separação entre os problemas da
família e da(s) empresa(s) controlada(s).
Os herdeiros não se relacionarão mais enquanto familiares, pois “os
membros da família se tornam membros da holding, ou seja, tornam-se sócios, e
assim titulares de suas quotas ou ações” 4 , portanto assumem os direitos e
obrigações decorrentes das relações sociais estipuladas em lei e no contrato social
ou estatuto que criou a sociedade, tendo como obrigação inarredável atuar para o
bem da sociedade.
Sobrevindo o falecimento a sucessão não se dará nos bens, direitos e
obrigações, mas sim nas quotas sociais.
A par da possibilidade de ser realizada a sucessão das quotas em
decorrência do evento morte, há a possibilidade de distribuição do capital social
ainda em vida, por intermédio da doação quotas sociais aos herdeiros.
Esta doação poderá abranger a totalidade das quotas, ficando apenas
os herdeiros como sócios, desde que haja inclusão de cláusula de reserva de
usufruto vitalício, de forma a garantir que o doador não fique privado de renda que
lhe garanta a subsistência, pois isto redundaria em nulidade da doação por força do
artigo 548 do Código Civil.
A cláusula de reserva de usufruto permite que o doador continue na
posse e administração das quotas doadas, que reverterão completamente ao
patrimônio dos donatários com o falecimento do doador, como já debatido
anteriormente.
A doação poderá abranger apenas a parte disponível do patrimônio, ou
mesmo a parte indisponível, sendo que neste caso caracterizará adiantamento da
legítima aos herdeiros.
Ressalte-se que o impedimento de disposição da legítima se dá contra
a distribuição de bens aos herdeiros em quantidade menor do que a obrigação legal,

4 MAMEDE, G. e MAMEDE, E. Holding e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do
patrimônio e da sucessão familiar. 8 ed. rev e atual. – São Paulo: Atlas, 2016.
35

qual seja, 50% do patrimônio existente no momento da liberalidade. Respeitado


esse mínimo, o patrimônio pode ser totalmente distribuído.
Neste particular, é importante que seja verificado o regime de bens
estabelecido entre o casal, caso a doação esteja sendo feita por apenas um dos
cônjuges, a fim de que fique assegurado o direito de meação do outro, quando
existir.5
Nunca é demais lembrar que a distribuição desigual da legítima enseja
ação de anulação ou reparação pelo herdeiro que foi prejudicado, pelo que as
doações devem ser criteriosas, a fim de evitar futuros conflitos familiares.
Conforme explanado anteriormente, as doações das quotas ou ações,
ainda que com reserva de usufruto, estão sujeitas à tributação do ITCMD pelo valor
integral no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, por força da nova disposição legal
trazida pela Lei 7174/2015, que revogou a norma anterior relativa a este imposto.6
Assim, no momento em que for efetuada a doação, incidirá o imposto
sobre doação, cuja alíquota é de 4,5% (quatro e meio por cento) à 5% (cinco por
cento), conforme artigo 26 da Lei 7174/15, senão vejamos:

Art. 26 O imposto é calculado aplicando-se, sobre o valor fixado para a base


de cálculo, considerando-se a totalidade dos bens e direitos transmitidos, a
alíquota de:
I – 4,5% (quatro e meio por cento), para valores até 400.000 UFIR-RJ;
II - 5% (cinco por cento) para valores acima de 400.000 UFIR-RJ.

Mesmo com a incidência do referido tributo, a constituição da holding


familiar como instrumento sucessório redunda em benefícios para a família,
assegurando a continuidade dos negócios e perenidade da rentabilidade dos
mesmos, vez que durante sua existência a tributação existente para a renda e ganho
de capital da pessoa jurídica é significativamente menor do que a da pessoa física, o
que redundará em vantagem fiscal.


5 O Código Civil estabelece que somente é herdeiro o cônjuge que não seja meeiro do outro. Há
direito de meação no regime de comunhão universal de bens, no regime de comunhão parcial para os
bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, e no regime da separação total de bens
imposta pela lei. Em todos estes casos deverá ser observada a reserva da meação do cônjuge para a
disposição patrimonial.
6 A normativa anterior (Lei 1.427/89 - revogada) previa a tributação de 50% da base de cálculo no
momento da doação e os outros 50% no momento da extinção do usufruto.
36

Para além do aspecto fiscal, a sucessão feita por intermédio da holding


afasta o risco das intermináveis disputas entre os herdeiros, que redundam em
processos de inventário e partilha morosos e burocráticos, o que pode levar à ruína
do patrimônio então existente.

6. CONCLUSÃO

Consoante se observou no decorrer deste trabalho, a construção do


patrimônio familiar demanda esforço incansável e sua manutenção requer
planejamento estratégico a fim de garantir a perenidade para as futuras gerações.
A ausência de planejamento sucessório acaba por afetar as empresas
familiares, resultando em problemas estruturais decorrentes tanto das disputas entre
os herdeiros quanto da pulverização do patrimônio e do controle societário entre os
novos núcleos familiares que se formam ao longo das gerações.
Essa fragmentação leva à impossibilidade de se continuar os negócios
familiares face à ausência de unidade quanto às tomadas de decisões e de um
planejamento coorporativo uno.
Neste sentido a criação da holding familiar se apresenta como solução
legal viável para centralizar a gerência das empresas familiares, dando-lhes coesão
em relação às metas, forma de organização, processos funcionais, tornando-se o
cerne de propagação da cultura empresarial da família para todas as controladas,
não apenas para o presente, mas para o futuro.
Além dos aspectos societários, a holding pode resultar ainda em
vantagem fiscal por permitir tributação mais amena em comparação com aquela
incidente para a pessoa física, especialmente no que tange ao imposto sobre a
renda e nos impostos decorrentes de venda e aluguéis de imóveis.
A holding pode evitar disputas futuras entre os herdeiros por este ou
aquele bem do patrimônio dos ascendentes, vez que a pessoa jurídica será
composta pelo(s) ascendente(s) e seus herdeiros, e a integralização do capital será
feita com a transferência dos bens e direitos da pessoa física para a pessoa jurídica,
que se torna a proprietária destes.
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Os herdeiros tornam-se sócios, cada qual com sua porção do capital


social representada pelas quotas ou ações, o que afasta a fragmentação patrimonial,
haja vista que a unidade será mantida sob o controle da pessoa jurídica.
No que tange à sucessão causa mortis, a constituição da holding
evitará lento e burocrático procedimento de inventário e partilha, que além do tempo
despendido, tem custos elevados tanto no que diz respeito às custas judiciais e
emolumentos cartorários, quanto em relação aos tributos incidentes.
Podemos concluir que, para o núcleo familiar que tem participações em
diversas empresas, possui empresa familiar, ou é detentor de considerável
patrimônio, a holding se mostra como solução adequada para o planejamento
sucessório com vistas a garantir a perpetuidade dos negócios.


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REFERÊNCIAS

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