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Política e intermedicalidade no Alto Xingu:


do modelo à prática de atenção
à saúde indígena

Politics and inter-medicality in the Upper Xingu:


from model to practice in indigenous health care

Marina Pereira Novo 1

Abstract Introdução

1Ministério do The indigenous healthcare model in Brazil is pre- A temática da saúde indígena no Brasil ganhou
Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, Brasília,
mised on comprehensive care combined with the força no debate político nacional em meados
Brasil. notion of differentiated care and provides for re- da década de 1980, durante o processo de rede-
spect for cultural diversity, seeking to incorporate mocratização. Nesse mesmo período, também
Correspondência
M. P. Novo traditional therapeutic practices into the health ganhava espaço nas discussões políticas o mo-
Ministério do Desenvolvimento services that serve indigenous peoples. This study vimento de reforma sanitária que tinha por fun-
Social e Combate à Fome.
aimed to determine how to reconcile universal damentos os princípios do modelo internacional
Esplanada dos Ministérios,
Bloco A, sala 323, Brasília, access to health goods and services with a model da política de cuidados primários de saúde, pro-
DF 70054-906, Brasil. of care that guarantees differentiation, without posta pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
mapnovo@gmail.com
interfering in the quality of services. It is also nec- por meio da Declaração de Alma-Ata. Os princí-
essary to define which parameters should be used pios e diretrizes expostos nesse texto previam: o
for evaluating the quality and efficacy of such ser- acesso integral e igualitário às ações e serviços
vices in an intercultural context. Based on a case de saúde; a criação de redes regionalizadas e hie-
study – the implementation of health services in rarquizadas de atendimento; a descentralização;
the Upper Xingu – the author addresses some is- a participação comunitária por intermédio do
sues related to the political uses and “dangers” chamado “controle social”; e, por fim, a atenção
associated with “health spaces” and the distinct integral à saúde 1.
concepts (indigenous and non-indigenous) of Durante esse período, o surgimento e o de-
what constitutes health and quality of health ser- senvolvimento das organizações indígenas im-
vices. These issues affect not only health services pulsionaram ainda mais os debates e, em função
but also the local political situation. disto, foi possível um avanço nas discussões em
relação à atenção à saúde indígena, culminando
Indigenous Health; Health Care (Public Health); na realização da I Conferência Nacional de Prote-
Health Care Quality, Access, and Evaluation ção à Saúde do Índio, em novembro de 1986. Essa
conferência estabeleceu as bases para a criação
de um subsistema específico para a atenção à
saúde do índio dentro do sistema nacional de
saúde, propondo a “estruturação de um modelo
de atenção diferenciada, baseado na estratégia
de Distritos Sanitários Especiais Indígenas, como

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forma de garantir aos povos indígenas o direito necessárias à prestação da assistência, com con-
ao acesso universal e integral à saúde, atenden- trole social” 7 (p. 13).
do às necessidades percebidas pelas comunidades Considerando-se essas proposições, a gran-
e envolvendo a população indígena em todas as de questão que se coloca relativa à criação desse
etapas do processo de planejamento, execução e subsistema de atenção à saúde é entender de que
avaliação das ações” 2 (p. 8). forma é possível conciliar o acesso universal aos
Nesse contexto político, cresce, portanto, a bens e serviços de saúde a uma atenção que ga-
importância dos movimentos indigenistas que ranta a diferenciação, sem interferir, no entanto,
deixam de tomar as questões de saúde indígena na qualidade dos serviços ofertados. Mais do que
somente como “uma questão de saúde” – no sen- isso, que parâmetros utilizar para avaliar a quali-
tido de lhes proporcionar apenas melhores con- dade e a eficácia desses serviços ofertados em um
dições sanitárias e epidemiológicas –, passando contexto intercultural?
a perceber e utilizar este espaço como um dos Diversas questões merecem destaque nesse
principais instrumentos de inserção no contexto processo que, como qualquer processo que en-
político nacional, enfatizando suas reivindica- volva o contato intercultural, apresenta conflitos
ções por autonomia e pela autogestão das ativi- e ambiguidades que são gerenciados de manei-
dades e recursos. Essas discussões culminaram ras distintas pelos diferentes atores envolvidos.
nas proposições estabelecidas na Constituição Na região do Alto Xingu essa relação entre di-
Federal de 1988 e nas regulamentações posterio- versidade e universalidade não se dá de forma
res, que previam uma nova forma de agencia- menos complexa, explicitando alguns conflitos
mento da saúde nacional e consequentemente e paradoxos inerentes ao modelo proposto pelos
da saúde indígena, baseada nos pressupostos de órgãos gestores da política de saúde no Brasil,
“acesso universal e integral à saúde”. A partir de como pretendo mostrar a seguir.
1990, finalmente, com a Lei nº. 8080 3, uma nova
forma de política pública de saúde passou a ser
posta em vigor por meio da criação do Sistema O Alto Xingu
Único de Saúde (SUS), do qual a saúde indígena
passou a fazer parte. O Parque Indígena do Xingu é uma reserva fede-
A partir desse momento, ao mesmo tempo ral criada em 1961, situada ao norte do Estado do
em que o atendimento à saúde do índio passou a Mato Grosso, Região Centro-oeste do Brasil. Em
fazer parte do SUS – que visa a um acesso igualitá- seus aspectos sociopolíticos, o Parque pode ser
rio aos serviços de saúde –, as populações indíge- dividido em três partes, tendo em vista os povos
nas também tiveram garantidos na Constituição que lá habitam: uma ao norte, conhecida como
Federal não só o direito ao acesso diferenciado a Baixo Xingu; uma na região central, o chamado
estes serviços como forma de reconhecer e ga- Médio Xingu; e outra ao sul, o Alto Xingu, região
rantir “sua organização social, costumes, línguas, que, apesar das diferenças linguísticas, apresenta
crenças e tradições”, como também à ampliação certa homogeneidade no que diz respeito à sua
(ao menos em teoria) de sua participação na pro- forma de organização sociopolítica. Compõem
posição e deliberação a respeito das políticas de essa região do Alto Xingu nove povos distintos
saúde, por meio da criação dos Conselhos res- que podem ser divididos em quatro grupos de
ponsáveis pelo controle social. acordo com sua variação linguística: línguas
Apesar de todos esses avanços, somente em da família Aruak – Yawalapiti, Mehinako, Wau-
1999 é que se concretiza efetivamente a instau- rá; línguas do tronco Tupi – Kamayurá e Aweti;
ração de um Subsistema de Atenção à Saúde e línguas da família Karib – Kalapalo, Kuikuro,
Indígena, por meio da criação de 34 Distritos Nahukuá, Matipu. De acordo com informações
Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) que de- obtidas junto ao órgão responsável pela oferta
veriam funcionar como interlocutores diretos de serviços de saúde na região, a população alto-
das comunidades indígenas com as diversas xinguana era, em 2007, de cerca de 2.720 pessoas,
instâncias governamentais 4,5,6. De acordo com distribuídas em 27 aldeias.
sua concepção, esses Distritos são “um modelo Os serviços de saúde na região do Alto Xin-
de organização de serviços – orientado para um gu são coordenados pelo DSEI Xingu, mas são
espaço etnocultural dinâmico, geográfico, popu- executados localmente por uma organização
lacional e administrativo bem delimitado –, que não-governamental (ONG) coordenada e gerida
contempla um conjunto de atividades técnicas, pelos próprios alto-xinguanos. É essa ONG que
visando medidas racionalizadas e qualificadas responde pela contratação dos profissionais que
de atenção à saúde, promovendo a reordenação compõem a Equipe Multidisciplinar de Saúde In-
da rede de saúde e das práticas sanitárias e desen- dígena (EMSI) – médico, enfermeiros, técnicos e
volvendo atividades administrativo-gerenciais auxiliares de enfermagem, além dos agentes in-

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dígenas de saúde (AIS) –, responsável pela oferta e se impõem dois modelos distintos de se pen-
dos serviços na região. sar a “saúde”: de um lado, aparecem os conceitos
próprios do modelo sanitarista nacional – con-
ceitos estes que se apresentam localmente por
Metodologia e referencial teórico meio dos cursos de formação de AIS, bem como
por intermédio da atuação de profissionais não
Esta pesquisa foi realizada entre os anos de 2006 indígenas em território indígena; do outro lado,
e 2008, ao longo do desenvolvimento de meu tra- esta discussão remete às concepções internas
balho de mestrado. Com a finalidade de realizar a às sociedades indígenas com suas terapêuticas
pesquisa, utilizei diversas técnicas, que vão des- tradicionais vinculadas à cosmologia, à organi-
de a observação direta dos trabalhos da equipe zação sociopolítica e ao ethos local, além das di-
de profissionais que atua na região, passando por versas incorporações e ressignificações que são
entrevistas informais ou formais com estes ato- feitas dos elementos provenientes da medicina
res, com representantes de diversas etnias e com ocidental – entendida aqui como sinônimo de
lideranças/caciques, autoridades e representan- biomedicina, em contraposição às chamadas
tes dos órgãos gestores da saúde, além da análise “terapêuticas tradicionais”.
de documentos produzidos por estes órgãos e O referencial teórico desta pesquisa está an-
pelos próprios indígenas. corado nos conceitos da Antropologia da Saúde,
Meu principal espaço para observação da re- compreendendo a noção de cultura enquanto
lação intercultural que se estabelece nesse con- um sistema de símbolos que fornece um mo-
texto de atenção à saúde no Alto Xingu foi o Posto delo “de” e um modelo “para” a realidade. Nesse
Indígena Leonardo. Esse Posto foi criado no ano sentido, considero que os significados dos even-
de 1946, com a intenção de funcionar como um tos culturais, incluindo os processos de saúde/
polo de agregação das aldeias alto-xinguanas, e doença, emergem da relação que se estabelece
acabou por se tornar o centro da distribuição de entre os indivíduos em um processo de significa-
benefícios provenientes do “mundo ocidental” ção e ressignificação contínuo que ocorre dentro
– especialmente medicamentos e instrumentos das possibilidades lógicas internas aos grupos
de trabalho industrializados. Esse é um lugar pri- sociais. Desse modo, em momentos e espaços
vilegiado de contato entre os conhecimentos e onde se efetivam as relações entre diferentes sis-
práticas tradicionais e os conhecimentos e prá- temas terapêuticos, há uma participação ativa
ticas ocidentais dentro do território indígena, de ambas as partes, que atribuem significados
uma vez que lá se concentram as “informações às experiências vividas e possibilitam, assim, a
trazidas das cidades” por meio da grande circula- criação de sistemas híbridos de tratamento 8.
ção de pessoas (e consequentemente de notícias Essa hibridização tem ocorrido com frequência
e fofocas), da realização de cursos de formação nos mais diversos agrupamentos indígenas, mas
de AIS e professores, além de ser o lugar onde se gera conflitos no que diz respeito às diferentes
realizam as reuniões dos conselhos, ou mesmo expectativas que se criam a respeito das políti-
onde permanece a equipe de saúde multidisci- cas públicas de saúde, especialmente pelo fato
plinar para realizar os atendimentos. Por essas de tais políticas serem em sua maioria orienta-
características, para melhor definir esse local uti- das por princípios tecnicistas fundamentados
lizo a noção de fronteira, ou seja, “um espaço de nos termos da biomedicina. Nesse sentido, cabe
encontro entre dois mundos, duas formas de saber, inclusive o questionamento a respeito da forma
ou ainda, múltiplas formas de conhecer e pensar como os serviços são normalmente avaliados,
o mundo: as tradições de pensamento ocidentais propondo-se a incorporação do ponto de vista
(...) e as tradições indígenas” 8 (p. 47). das populações atendidas, a fim de que se possa,
O Posto é, por excelência, um espaço de flui- cada vez mais, aprimorar os serviços de saúde 10.
dez e trocas entre diferentes grupos culturais na Também nesse sentido é importante recupe-
medida em que foi criado no contexto do conta- rar os discursos “nativos” como uma forma de res-
to e tornou-se elemento de fundamental valor peitar seus pontos de vista, “não como estratégia
para os grupos alto-xinguanos, tanto no que diz de dominação, mas para modificar os pontos de
respeito às relações internas a esse sistema inte- estrangulamento dos serviços a que ela tem direito
rétnico quanto no que diz respeito aos espaços e que deve reivindicar” 11 (p. 236). Isso faz com
de negociação com organismos governamentais que a política de saúde não seja entendida “ape-
e não-governamentais dentro de um contexto nas como uma ação de estado em direção à popu-
político mais amplo. A questão da intercultura- lação, mas como um direito para o qual ela deve
lidade, ou da intermedicalidade (conforme defi- opinar em termos de efetividade e qualidade” 11
nido por Follér 9), está posta na medida em que (p. 236), colaborando para a implementação de
estamos tratando de um espaço onde convivem uma efetiva atenção diferenciada em saúde.

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Autores como Augé 12, Buchillet 13, Garne- simplesmente os indígenas não valorizassem o
lo 14, Langdon 15, Langdon & Garnelo 16 e Santos “patrimônio que possuem”.
& Coimbra Jr. 17, dentre outros, contribuem e re- Outra dificuldade vivenciada pelos alto-xin-
forçam esse tipo de interpretação. guanos em relação a esse espaço diz respeito à
forma como se realiza a internação de pesso-
as – preocupação extensível ao Posto Leonardo
Os espaços da saúde e seus “perigos”: como um todo –, na medida em que implica a
estrutura física e relações políticas convivência forçada entre índios de diferentes
etnias que se encontram em uma situação limi-
O Posto Indígena Leonardo contava à época da nar de doença. Essa preocupação pode ser com-
realização desta pesquisa com cerca de vinte preendida porque, no contexto sociocosmológi-
diferentes construções que serviam como mo- co alto-xinguano, a doença é entendida “como
radia, escola, casa do rádio, alojamento, refei- uma agressão externa à pessoa, materializada na
tório/cozinha, além do posto de saúde (ou uni- forma de objetos ou substâncias introduzidas no
dade básica de saúde – UBS) e a Casa de Saúde corpo do doente” 19 (p. 65). Essa agressão origina-
Indígena (Casai), utilizada como alojamento se ou pela ação de espíritos devido à quebra de
para os pacientes internados (em tratamento) regras restritivas, ou pela feitiçaria, creditada à
no Posto. prática malévola de outros índios “invejosos”.
Um olhar mais atento a essa estrutura física Os momentos liminares da vida de uma pessoa
já permite perceber algumas incongruências re- (sejam eles a reclusão pubertária, a menstrua-
lacionadas ao discurso oficial que faz referência ção feminina e o pós-parto, além das ocasiões de
à atenção diferenciada, sendo marcado, no en- adoecimento) são considerados extremamente
tanto, pela questão “cultural” e da “manutenção delicados, pois favorecem a atuação desses es-
de tradições”, sem deixar claro o que isto implica píritos que causam doenças e podem “roubar a
na prática 18. Essas indefinições acabam geran- alma das pessoas” 20,21. Esses espíritos agem so-
do conflitos de interesses com as populações in- zinhos ou em conjunto com feiticeiros, exigindo
dígenas que reivindicam o acesso a serviços de o cumprimento de um número considerável de
saúde com qualidade e, ao mesmo tempo, que restrições alimentares e sexuais por parte do do-
garantam suas especificidades. Um dos claros ente e de seu grupo de substância, ou seja, todos
exemplos desse “descompasso” de expectativas aqueles que compartilham substâncias corporais
está na antiga Casai do Posto Leonardo, constru- (sangue, sêmen, leite e outros alimentos) entre si.
ída dentro dos moldes “tradicionais” de casas, Esse compartilhamento de substâncias, por sua
com uma estrutura em madeira e a cobertura vez, faz com que as ações de cada um interfiram
feita em sapé. Quando os órgãos responsáveis diretamente tanto no processo de adoecimento
pelos atendimentos propõem e constroem uma quanto no tratamento e na cura do doente 22.
casa que deve abrigar os pacientes que estão em De acordo com essa concepção de doença, a
tratamento no Posto Leonardo nesses moldes, há permanência no Posto Leonardo, acompanha-
uma clara pretensão de “reforçar as tradições”, da do contato direto com índios de outras etnias
deixando de lado, entretanto, uma série de fato- e aldeias durante um processo de adoecimento
res considerados de extrema importância pelos pode se tornar potencialmente perigosa porque
alto-xinguanos, sendo este local considerado por não somente impede o cumprimento das restri-
eles como inapropriado por diversas razões. Uma ções impostas (já que torna-se praticamente im-
das questões vistas como um problema pelos pa- possível a ingestão somente de alimentos “per-
cientes são as noites frias, especialmente duran- mitidos”, tanto pelo paciente quanto por todo o
te os meses de maio a setembro, não havendo seu grupo de substância) como também força
uma estrutura apropriada (como há nas casas uma aproximação com fontes potenciais de ado-
“tradicionais” das aldeias) para fazer fogueiras ecimento e feitiçaria – os índios provenientes de
em função da quantidade de pessoas ali hospe- outras aldeias e etnias.
dadas e do fato de abrigar muitos pacientes com Em diversos momentos essa noção de perigo
problemas nas vias respiratórias, sendo impedi- relacionada ao espaço do Posto é colocada em
dos pelos profissionais de saúde de fazerem tais evidência, marcando a forma como as pessoas
fogueiras para “não piorar a situação de saúde”. interagem com este espaço e com as pessoas que
Uma das soluções encontradas pelos pacientes lá habitam e circulam. Considero que essa noção
foi, contrariando as indicações dos enfermeiros, de perigo remete a uma discussão mais ampla a
arrancar as madeiras que serviam de paredes da respeito da demarcação de fronteiras identitá-
Casai para fazer fogueiras, tendo sido esta ati- rias (internas e externas ao sistema xinguano),
tude interpretada pelos profissionais da EMSI demarcações estas que subjazem a grande parte
como “vandalismo” ou “depredação” – como se das acusações de feitiçaria, sendo possível se ob-

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servar a presença marcante de um denominador referenciais teóricos apresentados, levantar


hierárquico étnico. questionamentos a respeito dos critérios utili-
O contato (e as disputas) interétnicos entre os zados pelos profissionais e usuários do sistema
alto-xinguanos parecem estar associados à no- de saúde para avaliar estes serviços, apreendidos
ção de “perigo” – e às consequentes acusações por meio de seus discursos e ações, e que possi-
mútuas de feitiçaria – desde o período de apro- bilitam também a observação das diferentes ló-
ximação destes povos e de formação de uma “co- gicas que estão em jogo quando se discute saúde
munidade moral” na região que remetem a finais indígena.
do século XIX. Esse processo de “pacificação” ou As avaliações “oficiais” dos serviços e da si-
de “xinguanização” dos povos que ali se aproxi- tuação de saúde do Alto Xingu são feitas pelos
mavam diz respeito, por sua vez, à ideia de “virar gestores do DSEI, com base nas informações es-
gente”, deixar de ser “índio bravo” e, portanto, se tatísticas coletadas pelos próprios profissionais e
adaptar a um ethos pretensamente pacífico que é agentes de saúde por meio de seu trabalho coti-
marca da “identidade xinguana” atual 23. diano. Os AIS preenchem relatórios mensais com
As acusações interaldeias que marcam as informações sobre os atendimentos realizados,
alteridades internamente ao sistema alto-xin- que são transformados posteriormente em da-
guano são salientadas em espaços considerados dos estatísticos para justificar as prestações de
neutros, ou seja, aqueles que a princípio não per- contas e mesmo as previsões de gastos para os
tencem a nenhuma etnia específica, como é o próximos períodos de convênio da ONG respon-
caso do Posto Leonardo. Esses locais “neutros” sável pela prestação de serviços de saúde. Com
– aqui classificados como espaços de fronteira relação a isso, os profissionais e gestores afirmam
na medida em que permitem o “fluxo de pessoal que “sem dados não vem dinheiro do governo”, ou
e conhecimento e onde as diferenças sociais são seja, sem as informações estatísticas que “com-
construídas” 9 (p. 65) – impedem a efetivação provem” a qualidade dos serviços prestados, não
do processo de segmentação hierárquica inte- são feitos novos investimentos por parte do Go-
raldeias, no momento em que impossibilitam verno Federal.
delimitações territoriais e espaciais (entendido Quando questionados a respeito da “situação
aqui em um sentido mais amplo, compreenden- de saúde geral” no Alto Xingu, os profissionais
do também o espaço sociocosmológico), forne- muitas vezes, apesar de criticarem a infraestru-
cendo em um momento posterior as condições tura considerada precária, ressaltam que estão
para a exacerbação de tais diferenciações que se cada vez mais “conseguindo realizar o trabalho”
materializam nas acusações mútuas de feitiçaria. e que por isto “a saúde está melhorando”, dan-
Tais diferenciações, que são feitas mais facilmen- do como exemplo as campanhas de coleta de
te nos espaços das aldeias, geram uma relação exames preventivos de câncer de colo de útero
complexa neste contexto (espacialmente defini- e principalmente as campanhas de imunização
do) interétnico, que é ao mesmo tempo fonte de – de acordo com dados oficiais, as últimas cam-
bens e serviços, mas também perigoso e passível panhas de imunização atingiram uma cobertu-
de causar ou potencializar processos de adoeci- ra vacinal de praticamente 90% da população
mento e de morte. alto-xinguana, proporção superior às atingidas
Como se percebe até este ponto, tratar da nas realizadas junto à população nacional. Essas
questão da saúde implica tratar não apenas dos campanhas de vacinação organizadas pelo DSEI
atendimentos realizados e dos serviços oferta- são vistas com bons olhos também pelas lideran-
dos, mas fundamentalmente de tentar compre- ças indígenas que, junto com os AIS, “ajudam
ender como se relacionam as distintas formas de a convencer as pessoas de suas aldeias que não
se pensar a saúde e de se “fazer” a saúde nesse querem participar”.
contexto específico. Nesse sentido, cabe também Os discursos das lideranças e da população
uma discussão a respeito da forma como cada em geral em relação à avaliação dos serviços
um dos atores avalia os serviços prestados, expli- também são sempre no sentido de se reforçar a
citando ainda mais essas diferenças. melhora no estado geral da saúde no Alto Xingu
nos últimos anos, mas baseando-se em outros
critérios. Os alto-xinguanos valorizam nesses
Sobre as diferentes avaliações dos discursos o processo crescente de medicalização
serviços de saúde – muito criticado pelos profissionais –, confor-
me ressalta um dos Agentes de Saúde: “Antes não
Não pretendo neste espaço avaliar propriamen- tinha remédio. Essa farmácia estava sem medi-
te os serviços de saúde oferecidos à população cação, sem nada. Agora melhorou bastante. Tem
alto-xinguana, mas pretendo, partindo desses muita medicação aí que a gente precisa”, além de
elementos mostrados até agora e com base nos destacarem a importância da mudança de com-

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portamento percebida em relação à equipe de Os profissionais, por sua vez, não se reconhe-
saúde que “agora visita as aldeias” – e que, por- cendo como recursos, compreendem e explicam
tanto, está “mais próxima do índio”. a importância de sua permanência nas aldeias
Essa mudança de atitude dos profissionais é sob a ótica de garantia das necessidades estraté-
vista de forma positiva pela população local, que gicas de atendimento (ou seja, para “garantir a
percebe neste processo não apenas um ganho cobertura dos atendimentos”), estando, ao mes-
qualitativo “na saúde”, mas também em relação à mo tempo, condicionada a uma noção vaga de
sua situação política dentro do contexto nacional “boas condições de trabalho”. Essa noção é enten-
de garantia de direitos diferenciados e que pos- dida por eles como a existência de um local espe-
sam, em alguma medida, ser controlados pelas cífico para sua moradia nas aldeias – espaço este
próprias populações e lideranças indígenas. que deve ser fisicamente separado da área dos
Todavia, apesar dessa valorização, a atuação atendimentos –, mas também envolve a manu-
dos profissionais de saúde e sua relação com a tenção de “boas relações” com as chefias das al-
população local estão marcadas por diversas deias, para que seja possível realizar o trabalho.
controvérsias e desentendimentos. Não obstante De acordo com os profissionais, as frequentes
a permanência prolongada dos profissionais em brigas entre eles e as lideranças indígenas pare-
campo, não é raro ouvir reclamações por parte cem ser um dos principais entraves à sua perma-
dos índios, afirmando que os profissionais per- nência nas aldeias. Os desentendimentos ocor-
manecem apenas no Posto Leonardo e não aces- rem em grande parte por um motivo principal: os
sam as aldeias com frequência. arranjos políticos locais que envolvem a reivin-
Nesse sentido, para as lideranças a situação dicação por uma maneira específica de atuação
considerada ideal é a permanência contínua des- desses profissionais brancos junto à população
tes profissionais nas aldeias, demanda que pode atendida. As questões mais valorizadas pelos
ser constantemente ouvida. Essa demanda está alto-xinguanos com relação ao trabalho da EMSI
diretamente relacionada ao papel político de- são a distribuição de medicamentos – vista pelos
sempenhado pelas lideranças dentro do sistema profissionais como muito negativa, como já res-
alto-xinguano, reforçando o princípio difundido saltei em outro momento – e o acesso que esses
entre eles de que o controle e a posse de bens au- profissionais possibilitam aos serviços de saúde
xiliam na garantia de legitimidade e poder – não nas cidades próximas. Seu trabalho é apropriado
só dentro das aldeias, mas também na relação muito mais como elemento político de acesso a
com os não índios. “Possuir” um profissional na bens e serviços e de legitimação das posições de
aldeia é uma das maneiras das lideranças exerce- liderança, contrastando com uma visão que pri-
rem não só o seu papel de “provedores” – já que vilegia mais a questão técnica dos atendimentos
predomina entre os alto-xinguanos o discurso e da rede hierarquizada de serviços.
de que são eles que “conseguem” os profissio- Esse tipo de expectativa (que muitas vezes
nais por meio de suas relações pessoais – como se traduz em exigência) por parte das lideran-
também possibilita uma maior autonomia com ças e das comunidades cria desentendimentos
relação ao Posto e ao DSEI, cumprindo funções com os profissionais que, com uma racionalida-
políticas na medida em que reforçam também de técnico-burocrática característica do modelo
suas requisições por atendimentos e serviços de ocidental de prestação de serviços de saúde, não
melhor qualidade. O acesso a esses profissionais se submetem às imposições feitas, gerando uma
e serviços, por sua vez, geralmente se vê garan- incompatibilidade de demandas (e, consequen-
tido porque remete a relações de parentesco e temente de avaliações) com relação ao trabalho
aliança com outras lideranças ou mesmo com de saúde.
representantes dos responsáveis pela execução Paralelamente, os depoimentos dos profis-
da política de saúde, com quem mantêm rela- sionais mostram a expectativa de uma urgente
ções de reciprocidade e “endividamento”. Essas transformação dos hábitos a fim de se adequa-
relações entre “parentes” (especialmente afins rem aos preceitos (biomédicos) de higiene, res-
reais ou classificatórios), assim como as relações saltando a importância da participação dos AIS
de “amizade”, são marcadas por ciclos necessá- neste processo. “Acho necessário que eles [os ín-
rios de prestações e contraprestações por meio dios] mudem de hábitos. (...) O AIS é índio e não
de “presentes” ou “favores” que devem, portanto, vai deixar de ser índio. Mas ele tem que aprender
ser retribuídos, criando essa relação de “endivi- um pouco...” (Médico).
damento” a que me referi. Nesse sentido, todos O fato de os profissionais estabelecerem jul-
os profissionais presentes nas aldeias (para além gamentos morais a respeito do comportamento e
inclusive dos profissionais de saúde), são vistos de certos procedimentos terapêuticos, acaba in-
como recursos muito importantes e estão, por- terferindo nas relações que estabelecem com os
tanto, em processo contínuo de negociação. índios e consequentemente nas escolhas feitas

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durante os processos de adoecimento. Além dis- lógico-simbólicos que operam, neste caso, arran-
so, ao dizer que “o AIS é índio e não vai deixar de jos semelhantes, com a inversão de símbolos.
ser índio”, percebe-se, além da expectativa sobre Essas disputas estão diretamente relaciona-
a mudança de hábitos, também a imposição de das aos processos de saúde/doença, e são reco-
um modelo de concepção da identidade, carac- nhecidas e administradas pelos alto-xinguanos
terístico da “civilização” ocidental, que enxerga em seu cotidiano, refletindo-se nas escolhas
os índios como “primitivos” que precisam, por- de itinerários terapêuticos ou nas disputas por
tanto, “ser civilizados” por meio da “aquisição” profissionais, equipamentos e medicamentos.
dos conhecimentos biomédicos ocidentais. Os profissionais não indígenas, por sua vez, têm
Os alto-xinguanos definem esse tipo de pos- mais dificuldade em lidar com essa situação, o
tura da equipe como descaso, e reforçam cons- que se traduz na impossibilidade de criação de
tantemente a diferença da situação do trabalho espaços para a construção de conhecimentos e
na aldeia em relação à cidade. E nesse sentido, os de práticas conjuntas, como se propõe no mode-
próprios alto-xinguanos também cobram uma lo de atenção à saúde indígena em vigor.
mudança de atitudes por parte dos profissionais, Com base nessas observações, pode-se afir-
que devem “aprender a trabalhar no Alto Xingu”, mar que o trabalho dos profissionais é apropria-
o que significa conhecer a cultura e se adequar às do pelos alto-xinguanos como elemento político
demandas locais, como se oberva na fala de um de acesso a bens e serviços, de legitimação da
auxiliar de enfermagem indígena. posição dos líderes e de “alto-xinguanização” da
“Primeiro ele [médico] era muito difícil. Ele alteridade, contrastando com uma visão que pri-
não ia na casa dos pacientes que tem lá no Le- vilegia mais a questão técnica dos atendimentos
onardo e não dava remédio à noite. (...) Ele diz e da rede hierarquizada de serviços. Os profis-
que é médico. Ele atendia paciente do jeito que os sionais não indígenas, com uma racionalidade
médicos atendem na cidade, no hospital. Aí expli- técnico-burocrática característica da medicina
quei pra ele que não é assim, aqui é diferente, não ocidental, não se submetem às imposições feitas,
é hospital, aqui é o Xingu. Você tem que mudar seu gerando uma incompatibilidade de expectativas
trabalho (...). Ele mudou um pouquinho” (Auxi- (e, consequentemente de avaliações) com rela-
liar de Enfermagem Indígena; grifo meu). ção ao trabalho de saúde.
Essa fala é extremamente significativa para
se perceber a disputa que está em jogo entre di-
ferentes concepções acerca de “saúde”, da qua- Considerações finais
lidade dos serviços e dos processos de adoeci-
mento e cura. Ao dizer que o médico “diz que é Busquei aqui apresentar o modelo atual de aten-
médico”, esse auxiliar de enfermagem indígena ção à saúde das populações indígenas no Brasil, e
(teoricamente um representante da “medicina a situação específica da oferta de serviços no Alto
ocidental” em sua aldeia) reforça que “ser médi- Xingu. O que percebe-se nesse contexto de inter-
co no Xingu é diferente”, ou seja, que a legitima- medicalidade é a convivência complexa entre du-
ção de seu trabalho mantém relações profundas as formas de se definir o que é saúde e, portanto,
com sua atuação nos termos dos próprios índios, de se lidar com a temática. Os profissionais não
devendo responder a demandas específicas que indígenas se esforçam para impor uma noção de
nem sempre condizem com as expectativas da saúde pautada nos conceitos biomédicos de cui-
medicina ocidental. Para ser considerado um dados e mesmo de corpo. Esse discurso muitas
médico, ele precisa “se fazer médico em sua atu- vezes é apreendido e reproduzido pelos próprios
ação”; os profissionais precisam agir de uma for- alto-xinguanos, mas quando observa-se mais de
ma distinta de quem trabalha na cidade para ter perto suas práticas, percebe-se que quando falam
seu trabalho aceito e ter “o apoio necessário para de “saúde”, os alto-xinguanos estão, para além de
trabalhar”. Arrisco-me a dizer que esse discurso reproduzindo um discurso externo, fazendo refe-
explicita a ideia de que “é preciso se tornar um rência a um espaço político, especialmente aces-
pouco índio”, e mais do que isto, tornar-se um sado e utilizado pelas lideranças. Isso fica ainda
alto-xinguano, para que o trabalho dos profissio- mais claro quando se observam seus itinerários
nais seja legitimado pelos índios. É quase como terapêuticos havendo, em geral, um privilegio das
dizer que “o médico é branco e não vai deixar de formas tradicionais de tratamento e cura 24.
ser branco, mas precisa aprender com o índio”. Nesse quadro, a multiplicação das alternati-
Salta aos olhos a semelhança desse discurso com vas terapêuticas e sua utilização de forma con-
o que é proferido pelo médico quando diz que “o junta não conduzem, necessariamente, à diversi-
Agente Indígena de Saúde é índio e não vai deixar ficação dos modelos explicativos de causalidade
de ser índio, mas precisa aprender um pouco”. Tra- e à “extinção” de culturas ou de determinadas
ta-se de uma disputa entre diferentes esquemas práticas profiláticas. Percebe-se que os grupos

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POLÍTICA E INTERMEDICALIDADE NO ALTO XINGU 1369

indígenas procuram as terapias da medicina oci- de possibilidades de escolha e de expectativas,


dental como uma alternativa frente a muitas ou- não havendo espaços para a construção de co-
tras possíveis, mantendo suas próprias formas de nhecimentos e de práticas conjuntas, como se
interpretação e de entendimento do processo de propõe no modelo de atenção à saúde indígena
adoecimento. Todavia, apesar de ser apenas uma em vigor. É possível notar então, que os confli-
das opções possíveis, os alto-xinguanos não dei- tos existentes entre as lideranças indígenas e os
xam de cobrar que o atendimento biomédico se- órgãos responsáveis pela gestão de saúde não
ja feito com qualidade (entendida aqui nos seus se localizam propriamente na coexistência de
próprios termos) e por profissionais qualificados distintos sistemas terapêuticos, mas sim na for-
“que saibam trabalhar com o índio”. Para “manter mulação de um modelo de atenção diferenciada
boas relações de trabalho” com as populações (e pouco claro e que muitas vezes não contempla
as lideranças) atendidas, os profissionais da EMSI as demandas específicas dos agrupamentos in-
precisariam ter uma atuação “diferente de como dígenas. O modelo sugerido acaba por propor
é na cidade”, reconhecendo as especificidades do “ações padronizadas em saúde que podem, even-
trabalho na aldeia e respondendo às demandas tualmente, colidir tanto com o princípio de par-
locais, ainda que isto muitas vezes contrarie a ticipação da população indígena na gestão dos
lógica biomédica. serviços de saúde quanto com o pressuposto da
Nesse contexto, os locais que possibilitam integração dos sistemas terapêuticos indígenas
um maior contato entre diferentes práticas te- nos seus quadros” 25 (p. 4).
rapêuticas – os locais de fronteira – tornam-se É preciso então que se faça uma reavaliação
privilegiados para a observação dessa relação criteriosa dos impactos desse modelo de atendi-
complexa entre distintas concepções de saúde, e mento à saúde, levando-se em consideração as
também possibilitam o surgimento de respostas demandas e as necessidades específicas dessas
híbridas, como consequência de uma releitura e populações, bem como seus reflexos na cultura
ressignificação das práticas de tratamento e cura, e na organização sociopolítica das aldeias (e com
com base na lógica de pensamento local. certeza, não apenas naquelas localizadas na re-
No entanto, a atuação dos profissionais de gião do Alto Xingu), considerando-se as distintas
saúde e demais representantes da medicina ofi- concepções e utilizações deste espaço eminente-
cial nem sempre condiz com essa multiplicidade mente político das ações de saúde.

Resumo

O modelo de atenção à saúde indígena no Brasil tem ses serviços oferecidos em um contexto intercultural.
como fundamentos a atenção integral à saúde, asso- Com base em um estudo de caso – a implementação
ciada à noção de atenção diferenciada, e prevê o res- dos serviços de saúde no Alto Xingu – apresento ques-
peito à diversidade cultural, buscando a incorporação tões relacionadas aos usos políticos e os “perigos” asso-
de práticas terapêuticas tradicionais nos serviços de ciados aos “espaços da saúde” e as distintas concepções
saúde destinados a atender estas populações. A ques- (de índios e não índios) do que seja saúde e qualidade
tão que se coloca é entender de que forma é possível dos serviços de saúde. Essas questões se interpõem e
conciliar o acesso universal aos bens e serviços de saú- afetam não apenas as ações de saúde, mas também a
de a uma atenção que garanta a diferenciação, sem situação política local.
interferir, no entanto, na qualidade dos serviços ofer-
tados. Para além disso, é preciso definir quais parâme- Saúde Indígena; Atenção à Saúde; Qualidade, Acesso e
tros utilizar para avaliar a qualidade e a eficácia des- Avaliação da Assistência à Saúde

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Aprovado em 16/Mai/2011

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