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nº USP: 11248654
São Paulo
2021
Universidade de São Paulo
São Paulo
2021
INTRODUÇÃO
Pode-se destacar que ambos são hoje tidos como grandes escritores de língua
portuguesa que em algum momento de vida compartilharam a contemporaneidade. José
Maria Eça de Queirós nasceu em finais de novembro de 1845 numa cidade da costa norte
portuguesa chamada “Póvoa de Varzim”. Filho de pai brasileiro e mãe portuguesa, Eça
foi criado pelos avós por parte de pai. Formou-se em Direto em 1866, mas alçou tão logo
o fazer jornalístico em 1867 quando mudou-se para Évora para dirigir o jornal “O Distrito
de Évora”. Ajuda a abrir as portas para o Realismo em Portugal com a publicação da obra
“O Crime do Padre Amaro”. (OLIVEIRA, 2010).
Ambos compartilharam doze anos de vida, entre 1888 e 1900, ano da morte de
Eça de Queirós. Portugal, terra essa compartilhada pela vida e pela obra de ambos, é alvo
de suas elocubrações. Como método de traçar alguns paralelismos além-biográficos nas
obras de ambos os autores, se verá adiante como dá-se o surgimento de Portugal através
da reconstrução da história por Eça de Queirós em “A ilustre casa de Ramires” fazendo
algumas comparações sobre o mesmo evento reconstruído por Fernando Pessoa nos
poemas contidos na obra “Mensagem”.
APROXIMAÇÕES
Ainda segundo o mesmo autor (p. 132): para Eça, era determinante assumir uma
“atitude de combate” frente a essa situação, observando essa realidade social fazendo uso
de um acurado método quiçá científico mirando a consecução de uma reforma quanto a
isso, removendo aquilo que impede a sua transformação, cabendo-lhe “fazer literatura
que, com base nos postulados cientificistas do realismo oitocentista, contribuísse para
colocar o país em sintonia com as nações mais avançadas”.
Mas não é nesse período que escreve “A Ilustre Casa de Ramires”. De publicação
póstuma (1900), a obra se insere na última fase de produção de Eça de Queiros, por isso,
pode ser tida como uma obra um pouco mais acanhada de idealismos sociais, que
abandona “compromissos de reforma social”, destacando-se aí uma saudade de Pátria,
uma vez que como viu-se ele travava-se numa espécie de exílio forçando por conta dos
trabalhos consulares. Eça encontrava-se “conformista e desencantado”, porém ele não
deixa tais críticas à sociedade portuguesa minguar, elas aparecem, porém de modo mais
sutil, em pequenas ironias ao longo da obra (MAIA DA CRUZ, 2020, p.132).
Nesse período também Eça encontra-se casado com Emília de Castro Pamplona,
filha de condes de Resende, ou seja, havia aí certa aproximação da comunidade
aristocrática que ajudou a fundamentar esse novo ciclo literário de Eça de Queirós. (FEQ,
2017). É bem nesse momento de vida que surge “A Ilustre Casa de Ramires”
Ou seja, pode-se ver aqui uma certa comunicação anacrônica da obra com a
história portuguesa. Em 1103, Henrique de Borgonha auxiliou o reino de Castilha em sua
reconquista. Pelos feitos, Afonso VI de Castilla concedeu-lhe o título de conde de
Portugal. Após a morte de Afonso VI, d. Henrique se negou a manter Portugal dependente
de Castilha e Leão, debutando uma série de conflitos peninsulares. Já em 1128, o filho de
d. Henrique, d. Afonso Henriques foi acatado pelos cavaleiros portuguesas como rei de
Portugal, nomeando-lhe em 1143, Afonso I (PACIEVITCH, XXXX).
“(...) Mas Lopo era bastardo, dessa raça de Baião, inimiga dos Ramires por
velhíssimas brigas de terras e precedências desde o Conde D. Henrique - ainda
assanhadas depois, durante as contendas de D. Tareja e de Afonso Henriques,
quando na cúria dos Barões, em Guimarães (...)” (p.73)
Ou seja, parece que o narrador não dá muita bola para o patrono de Portugal. Ele parece
apenas como detentor das terras e referência temporal para a família Ramires na obra. Já
em Pessoa, há um poema dedicado exclusivamente a ele. Terceiro poema de
“Mensagem”, “o conde d. Henrique” traz nos versos “Todo começo é involuntário/Deus
é o agente/O herói o assiste, vário/ E inconsciente” (p.20). Ou seja, para o eu-lírico de
Pessoa, d. Henrique tem uma importância grande para a história de Portugal, pois ele é
quem, assistido, por Deus, funda essa terra.
Neto (2005, p.170) vai dizer que esse Deus é dotado de uma vontade divina que pode
conduzir o destino/braço do fundador de Portugal, algo que se relaciona com a epígrafe
de “Mensagem: “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum”1, ou seja, há
na condução pessoana para o evento, uma assunção de um “desígnio superior e
inconteste”, que tenta ardonar todo a difícil convivência social e feudal no lugar em que
“o frágil condado tenta se firmar”. Pessoa que era ateu faz referência a não só uma
vontade, mas uma execução divina. Será por ironia? Ou por que o eu-lírico de Pessoa
coloca o advindo de Portugal como uma consequência incontestável digna de uma ação
divinal ou até miraculosa?
1
Bendito seja Deus Nosso Senhor que nos deu o símbolo. Tradução livre.
Para Gebra (2006, p.136), a presença de Deus ao longo de “Mensagem” pode-se
caracterizar por uma afirmação de verdade frente aos questionamentos se a história é ou
não verdadeira, como se obtivesse, portanto, a visão providencialista da História, na qual
Deus determina os acontecimentos. Aqui pode-se ler Deus como uma metonímia da
própria Igreja e alguma referência a posteridade quando o Papa em 1179 reconhecerá o
título de rei a d. Afonso Henriques, concluindo de vez, assim a criação de Portugal.
Já para João Gilberto Maia da Cruz (2000, p.137), Gonçalo não tinha “ânimo para
o esforço da pesquisa histórica” e que o interesse pela obra de seu tio d. Duarte, dá-se não
por sentimento de orgulho ou intimidade quanto à sua estirpe, pois é apenas uma fachada,
mas dá-se pela busca apressada de construir um patrimônio imaterial para sua família,
isto é, ser visto como sendo importante, tendo um valor simbólico social maior que teria
alguém que não advém de uma família de estima estirpe como ele advém.
“O mais velho da casa dos Sousas, Gonçalo Mendes, não se encontrara ao lado
dos Cavaleiros da Cruz na jornada das Navas, mas lá andava em recado das
Infantas, como mouro, talando terra portuguesa desde Aguiar até Miranda!
(p.25)”
Aqui, vê-se uma assimilação do mulçumano ibérico ao serviço braçal, sem muita
importância, como um relegado àquele serviço, enquanto em “Mensagem”, essa
identidade é roubada, pela divergência religiosa no poema “d. Afonso Henriques”
“d. afonso henriques
Aqui Neto (2005, p.189) afirma que este termo “infiéis” remate aos mouros, esses
estigmatizados pelos católicos ibéricos tidos como inimigos da Cruz, ou seja, mais uma
vez as religiosidades assumem a autoria de algumas investidas da lírica. Ainda segundo
o autor, d. Afonso Henriques, “com as suas inteiras força e hoste”, abre campo a
ampliação do reino português rumo ao sul, avançando sobre os mulçumanos.
PARA CONCLUIR
FILHO, José Paulo Cavalcanti. Fernando Pessoa: uma quase autobiografia. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2011, ed. 4.
MAIA DA CRUZ, João Roberto. A visita ao velho sótão dos avós: uma revitalização do
presente pelo exemplo do passado? In: QUEIRÓS, Eça de. A ilustre casa de Ramires. São
Paulo: EDUC, 2000.
QUEIRÓS, Eça de. A ilustre casa de Ramires. São Paulo: Martin Claret, 2006, ed. 2.