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Introdução
Inúmeros estudos vêm mostrando o quanto a organização dos espaços influenciam nas
práticas pedagógicas e nas relações que as crianças e os adultos estabelecem. Desta forma
podemos perceber que ao longo do tempo os espaços vêm ganhando configurações diferentes
de acordo com a proposta pedagógica das escolas.
Contemporaneamente, estudos como os de Barbosa (2006, 2009), Oliveira (2007),
Cerisara (1999), vem defendendo a especificidade da Educação Infantil, a importância do
trabalho docente e a qualidade e diversidade das experiências que têm sido oferecidas às
crianças. Estas teorizações enfatizam que esta etapa precisa ser compreendida como um
processo de educação que traz a indissociabilidade entre o cuidar e o educar, como forma de
superação de práticas assistencialistas ou preparatórias para o Ensino Fundamental.
Nesta perspectiva, o espaço não é mais, um pano de fundo das ações que ocorrem no
cotidiano da educação infantil. A organização do espaço é um convite a interagir ou a sentar,
a brincar ou fazer trabalhinhos sem sentido, a conversar com o amigo e descobrir as formigas
ou silenciar. Assim, alguns espaços nos fazem convites acolhedores, outros que nos
paralisam.
Esse texto começa explicitando a importância de contextualizarmos os usos dos
espaços na educação infantil com as novas práticas de valorização das crianças como atores
sociais, bem como com a premissa de uma prática pedagógica de escuta, acolhimento e
liberdade. A partir disso, situamos como os espaços podem se constituir através de uma
dimensão humana, partindo da ótica da participação das crianças. Entendemos que a
convergência dos estudos apresentados contribui para pensar a organização do espaço que se
dá de forma interativa, no cotidiano e no encontro das crianças com seus pares, com os
profissionais e estes entre eles. Rompendo assim com uma lógica do padrão, da “fôrma”,
abrindo espaço para a novidade, a invenção, favorecendo práticas pedagógicas compartilhadas
e sensíveis.
Assim, tradicionalmente, a organização dos espaços tem sido pensados a partir da sua
funcionalidade, principalmente através de uma visão predominantemente adulta, valorizando
aspectos da higiene e da organização ou a não-bagunça. O que ocorre é que normalmente
esses espaços “funcionam” para os adultos, mas não permitem áreas de brincadeira. A
organização por cantos temáticos, por exemplo, cria áreas de brincadeira que podem permitir
a autonomia das crianças.
Outras propostas, que concebem a criança como um sujeito histórico e social, capaz de
interagir com seus pares e com os adultos, como em Reggio Emilia, na Itália, um dos
componentes diferenciais na educação das crianças pequenas se faz na disposição e utilização
dos espaços para o encontro e o compartilhar de aprendizagens, sentimentos e ideias. Ainda,
mais recentemente, Maria Carmen Silveira Barbosa (2000) e Maria da Graça Horn (2004),
nos descreveram o quanto a organização dos espaços na Educação Infantil podem propiciar
diferentes interações, de modo que os educadores estando conscientes de suas escolhas para
modificar os espaços, sabem os ricos desafios que podem propor às crianças.
A pesquisa da autora Maria da Graça Horn (2004), enfatiza que a proposta pedagógica
é formada por diferentes elementos, em que o espaço é um desses elementos. Assim, Horn
mostra como a organização dos espaços interfere na prática pedagógica e o quanto estes
podem qualificar as ações de crianças e professores.
Logo, o que esses estudos vem traçando e possibilitando é o pensar sobre as
arquiteturas escolares, de modo a compreender como a organização dos espaços tem relação
intrínseca com a proposta de uma prática pedagógica e também nos enredos que as crianças
criam e vivem a partir dos que lhe é proposto. Nesse contexto, entendemos que a escola sem
interferências da Modernidade, em que o professor detém o saber e as crianças são tabulas
rasas, não encontra espaço e justificativa nas relações que atualmente se estabelecem, uma vez
que não percebemos mais a educação como uma prática unilateral, mas sim como uma prática
relacional.
Logo, é no sentido de propor um espaço acolhedor, em que os ambientes sejam
(re)inventados pelas crianças e pelos adultos, e também porque acreditamos e defendemos
uma prática com as crianças que está entrelaçada com o espaço nas possibilidades de
movimento e ação, que consideramos importante que pensemos a participação das crianças
na criação de espaços com dimensões humanas. Desta forma, percebemos que a ideia de um
currículo para a escola da infância que valorize a estética, o brincar, as relações, as diferenças,
as culturas propiciando uma arte do encontro, tem íntima relação com a organização dos
tempos e espaços da escola de educação infantil.
Estudos recentes, como Horn (2004), Barbosa (2006), nos explicitam que os espaços
não são vistos apenas no seu sentido métrico, passando a assumir uma nova posição. Defender
uma proposta pedagógica para a infância que tem como princípio a indissociabilidade entre
cuidar e educar, requer considerar que a arquitetura escolar precisa tomar outro corpo, para
além de funcionalidade e estruturação física. Por esse viés é que no campo da Educação
Infantil, a temática dos espaços, tem visibilidade nos estudos apresentando-se como outro
educador, pelas possibilidades (ou não) que cria e pelas relações que propicia.
A autora Maria Carmen Silveira Barbosa (2006), ressalta que o espaço não é neutro e
pode reproduzir ou não formas dominantes, de vigilância ou controle. Assim, cabe pensar
numa relação com o espaço que tenha vida, (re)significado pelos sujeitos que o habitam,
também sendo um convite a interagir, parar para olhar, pensar e criar.
Logo, um espaço que educa, pode nos trazer possibilidades de termos experiências.
Larrosa (2002), ao falar da experiência, registra que essa é formada por aquilo que nos passa,
o que nos marca, o que nos toca. Ele diz “a cada dia se passam muitas coisas, porém, ao
mesmo tempo, quase nada nos acontece” (p. 21) e completa dizendo que a escola precisa se
constituir como um espaço de “[...] parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar,
pensar mais devagar, olhar mais devagar, escutar mais devagar [...]” (p. 24). Ou seja, é um
lugar de intercâmbio de culturas e saberes, de ouvir o outro, de inventar, de descobrir.
Para que este convite aconteça, não só a organização do espaço é importante.
Gianfranco Staccioli (2013) enfatiza o quanto a postura de acolhimento do professor, se
possibilitando encontrar, escutar e acolher a infância, sem se sobrepor às crianças, possibilita
com que estejamos ao lado das crianças, organizando os projetos, as situações, mas não
superprogramando. Assim se dão as relações com todos os móveis, luzes e sombras, cores,
esconderijos, brinquedos. Mais do que uma informação visual, esses aspectos constituem a
possibilidade (ou não) de encontro com o outro, de aprender um novo significado para um
brinquedo, dentre inúmeras relações que podem acontecer.
Nesse sentido como nos afirma Zilma de Oliveira (2007, p. 193), “não basta organizar
a sala em ‘cantinhos’, se nela persistir uma pedagogia centrada nas instruções do professor”.
Logo, corroboramos com Agostinho (2010, p. 303-304), em que
torna-se fundamental a importância de os professores terem uma formação
consistente e crítica em universidades. Uma formação continuada e
contextualizada, em que reflitam conjuntamente os tempos e espaços que as
suas práticas pedagógicas têm dado para a contribuição das crianças,
acolhendo o que meninos e meninas, partícipes desta relação, têm a oferecer.
Sendo o espaço uma categoria concreta, histórica e social, uma vez que os sujeitos
agem diretamente sobre este, não mais só os especialistas (arquitetos) são detentores do poder
de dizer como deve ser uma escola e que espaços devem ter. Mas na medida em que os
professores, crianças e pais são escutados e integrados ao projeto de organização dos espaços
da escola através de diferentes formas de participação, esse ambiente acolhe as culturas, as
ideias, os sonhos e uma perspectiva coletiva de trabalho. Em Reggio Emilia, por exemplo, o
espaço não é pensado somente pelos arquitetos, mas é dialogado com os professores. O que
pode também ouvir as ideias das crianças sobre as possibilidades de transformação dos
espaços das instituições que frequentam.
Também Kátia Agostinho (2004, p. 15), relata o quanto as crianças imprimem suas
marcas no espaço, tornando-o em lugar construído nas relações, nas aprendizagens e no
encontro com a novidade e com a diferença.
Essas considerações podem passar despercebidas por nós adultos. Nosso desejo e
reivindicação, muitas vezes, como professores e professoras, é termos o melhor brinquedo
industrializado. Não é que brinquedos estruturados e fixos não sejam interessantes e
ressaltamos que a qualidade dos mesmos é fundamental nas oportunidades que as crianças
experimentam. Todavia brinquedos que permitem o contato com a natureza, em outras formas
de se fazer balanço, por exemplo, propiciam outras aprendizagens e relações.
Normalmente os brinquedos industrializados limitam a transformação e contato com
diferentes materiais, principalmente pela maioria ser de plástico, madeira ou ferro. Um
balanço em uma árvore com frutinhas, talvez pitanga, além de trazer um sabor a brincadeira,
pode ser construído com pneu e corda, e o desejo de andar em pé no balanço, pode aí
encontrar uma oportunidade para ser vivenciado. Sem contar nas inúmeras transformações
que podem ocorrer a partir dos enredos que as crianças vão imaginar e criar nas suas
brincadeiras.
Neste sentido, entender a organizar do espaço como um caminhar, um devir, e não um
dado pronto, cria a possibilidade de vivenciar essa organização e transformação de maneira
interativa e compartilhada. Pensar a organização do espaço da educação infantil em interação,
significa que mais de uma pessoa está em ação, não só a professora, mas sempre a professora
com as crianças, as crianças entre elas, e os próprios professores entre eles, criando um espaço
dinâmico e de vida. Destarte, consideramos que ao passo que nós vamos nos transformando,
os espaços que habitamos se transformam junto, trazendo marcas, significados e percursos de
vida. De qualquer maneira, colocar essa questão permite entendermos a criatividade como
uma potência na nossa relação com o mundo.
Considerações
Referências
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