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GUERREIRAS DO FEMEN: UMA ANÁLISE DOS EFEITOS DE SENTIDO PRODUZIDOS PELAS IMAGENS - Fernanda PEREIRA
GUERREIRAS DO FEMEN: UMA ANÁLISE DOS EFEITOS DE SENTIDO PRODUZIDOS PELAS IMAGENS - Fernanda PEREIRA
Fernanda PEREIRA
fpereir@gmail.com
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)
RESUMO
Vivemos em uma sociedade bastante fragmentada, fruto de um mundo multi-identitário onde
estão presentes diferentes ideologias. A sociedade capitalista preserva a ideia de um sujeito
autônomo, livre, que acredita ser a fonte originária de seu discurso, reflexo de seu pensamento e
da realidade em que vive. No entanto, o confronto deste sujeito “livre” com as diversas
formações discursivas existentes, produz impactos violentos e aparentemente inexplicáveis em
nosso contexto atual. Em uma sociedade já habituada à luta histórica dos movimentos
feministas por igualdade de direitos, e onde o corpo (tanto masculino quanto feminino) é
explorado comercialmente pela mídia, diariamente, parece estranho que a exposição do corpo
feminino em manifestações de protesto, seja vista de forma tão ofensiva e negativa. O
movimento internacional feminino FEMEN, seguindo o lema “meu corpo, minha arma”, luta
contra a sociedade patriarcal em suas três manifestações (exploração sexual da mulher,
ditaduras e principais religiões) expondo seus corpos seminus. Esta estratégia rendeu ao grupo
não só uma grande exposição midiática, mas também despertou o ódio e a reprovação em outros
setores da sociedade. Mas, a polêmica em torno do grupo não fica somente restrita à forma de
protestarem. Muitos grupos feministas reprovam o discurso do FEMEN, pois os temas nos quais
interferem são heterogêneos, e não se limitam aos direitos das mulheres. Sob tais condições de
produção, as imagens que compõem o corpus analisado provocam deslizamentos de sentido. O
grupo que pretende utilizar seus corpos como armas de protesto, também é visto como um
grupo que se projeta como pop, comercial, utilizando a nudez para a autopromoção,
reproduzindo o controle midiático ao qual se opõe. Dentro deste contexto, propõem-se um
estudo utilizando-se os pressupostos teóricos da análise do discurso de linha francesa de Michel
Pêcheux, objetivando compreender os efeitos de sentido produzidos pelas imagens de protesto
deste grupo.
ABSTRACT
We live in a very fragmented society, the result of a multi-identity world where there are
different ideologies. Capitalist society preserves the idea of an autonomous subject, free, who
believes to be the source of his/her speech, reflection of his/her thoughts and the reality in which
he/she lives. However, the confrontation of this subject "free" with the various existing
discursive formations, produces violent impacts in the current context. In a society already used
to the historical struggles of the women's movement for equal rights, and where the body (both
male and female) is commercially exploited by the media every day, it seems strange that the
female body exposure in protests is seen as offensive and negative. The international women's
movement FEMEN, following the motto "my body, my gun," fights against patriarchal society
in its three manifestations (sexual exploitation of women, dictatorships and major religions)
exposing their half-naked bodies. This strategy gave the group not only a great media exposure,
but also aroused the hatred and failure in other sectors of society. But the controversy
surrounding the group is not only restricted to the form of protest. Many feminist groups
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disapprove FEMEN’s speech, because the issues approached by their protests are heterogeneous
and not limited to women's rights cause. Under such conditions of production, the images that
make up the analyzed corpus cause slips of meaning. The group that want to use their bodies as
weapons of protest, is also seen as a group that is projected as pop, commercial, using nudity to
self-promotion, reproducing the exact media control it opposes. Within this context, we propose
a study using the theoretical assumptions of the French Discourse Analysis of Michel Pêcheux,
aiming to understand the effects of meaning produced by the protest images of this group.
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(PÊCHEUX, 1995, p.164). Ele se constitui dentro da matriz de sentidos, nas relações
parafrásticas entre sequências discursivas. Este fenômeno é denominado efeito
metafórico:
Toda a relação que temos com o mundo que nos cerca é através da linguagem,
que é passível de equívocos, moldada por ideologias e vozes que nos precedem.
Segundo Pêcheux (1995):
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Nesta concepção, o indivíduo não é a origem do discurso, nem tem poder sobre
o sentido produzido a partir dele. Desta forma, pensar no sujeito da Análise do
Discurso francesa, é pensar em um sujeito assujeitado pelo ideológico, que não percebe
a ideologia funcionando nele mesmo. É o sujeito do inconsciente, bipartido, que
emerge apenas em atos falhos, e lapsos, e que tem a ilusão de ser a origem de seu
discurso.
A ideologia não é um mascaramento, mas evidência de sentido. Nossa
formação discursiva é materializada através de nossas palavras. Estas tem sentidos
diferentes para sujeitos diferentes, pois são interpelados de forma distinta pelas
ideologias com as quais se identificam. Para a Análise do Discurso francesa
inconsciente e ideologia são de ordens distintas, mas encontram-se materialmente
ligados na ordem significante da língua.
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posições que vem a assumir, não está terminado, portanto pode ter opiniões diversas
sobre o mesmo assunto, em momentos distintos.
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portanto, engendra efeitos de sentidos múltiplos, os quais são mais que simples
retomadas: são deslocamentos:
[...] a memória não poderia ser concebida como uma esfera plena,
cujas bordas seriam transcendentais históricos e cujo conteúdo seria
um sentido homogêneo, acumulado ao modo de um reservatório: é
necessariamente um espaço móvel de divisões, de disjunções, de
deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização... Um
espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos.
(ACHARD, 1999).
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Fonte: femen.org/about
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Seins nus : les Femen, phénomène médiatique ou féministe?
http://rue89.nouvelobs.com/rue69/2012/12/23/seins-nus-les-femen-phenomene-mediatique-ou-
feministe-238004. Le Nouvel Observateur, 2012.
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que o grupo possui uma imagem totalmente pop3 e que continuam utilizando o corpo de
forma comercial, para se auto promoverem. Na opinião destes grupos, o FEMEN estaria
indo contra sua ideologia, pois utilizando a nudez como forma de protesto, a mídia
estaria controlando seus corpos.
A Análise do Discurso francesa pretende ir além da Análise Linguística e trazer
à tona o que não é dito, aquilo que é apagado, o que está em jogo (quem ganha e quem
perde), expor ao olhar opaco do leitor aquilo que está interdito, o que não se pode dizer,
o que é proibido. Através da concepção de um sujeito ideológico, interpelado a ocupar
um lugar determinado no sistema de produção; do real da língua, um corpo de interditos
de um sistema de regras atravessado por falhas; e de que a ideologia se materializa na
língua (e nas imagens), a Análise do Discurso possibilita a identificação das formações
discursivas que determinam o que pode ou não ser dito na arena do discurso e como são
provocados os efeitos de sentido.
Neste contexto, este trabalho pretende entender como ocorrem os efeitos de
deslizamentos de sentido, que permitem a reprodução de discursos de intolerância e de
depreciação da imagem da mulher em nossa sociedade, materializados nas imagens de
protesto do grupo feminista FEMEN. De que forma os efeitos de sentido produzidos por
estes protestos remetem a uma imagem comercial dos corpos das manifestantes, o que
entraria em contradição com o seu discurso. Na intenção de combater a utilização
comercial do corpo da mulher, sua inferiorização através da religião e repressão política,
a nudez surge como veículo para que formações discursivas dentro destas três formas
provoquem o efeito de sentido contrário ao pretendido pelas manifestantes.
3. ANÁLISE
3
Um exemplo é a capa da revista francesa Les inRockuptible de dezembro de 2012
(http://www.lesinrocks.com/inrocks.tv/les-femen-en-une-des-inrocks-la-video-du-shooting/)
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Ativistas do FEMEN mostraram uma vagina com dentes para o Embaixador do Egito.
Lideradas pela ativista dissidente egípcia do FEMEN Alia El Mahdi sextremistas acusaram as
novas autoridades egípcias dos estupros de mulheres recorrentes e fizeram um chamado aos
egípcios para resistirem a tiranos cruéis. Regimes e presidentes estão mudando, mas as atitudes
selvagens islâmicas com relação às mulheres são eternas. (femen.org/gallery/page/23)
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Segundo Feldman (2006) esta mudança ocorre a partir do período conhecido como Segundo
Período que começa com o Exílio Babilônico e a construção do 2° Templo, por volta de 589
a.C.
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ser parte do processo de criação. Quando o homem se dá conta de que ele também
participava do ato de gerar uma nova vida, e quando a força física se torna essencial
para a sobrevivência (com as atividades de caça, por exemplo), as mulheres perdem o
lugar central que possuiam e se inicia a dominação. A autora afirma que esta
desigualdade entre homens e mulheres, materializada nos textos das escrituras sagradas
das sociedades pastoris, nada mais é do que uma externalização inconsciente do desejo
do homem de gerar a vida. Desta forma, a narrativa da criação da mulher a partir da
costela de Adão coloca o homem como origem da criação.
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Religião que surge na Inglaterra nos anos 50. Cultua o aspecto feminino da divindade que se
manifesta, entre outras coisas, nos chamados mistérios femininos, como a menarca, a gravidez e
a menopausa. A mulher é considerada fonte primordial da criação, uma vez que tudo emana
dela, inclusive a divindade masculina, que é seu filho e consorte. (CORDOVIL, 2015).
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A imagem de uma revolução movida por milhões de mulheres, que lutam para
ter seu direito de lutar, “castrando” (apagando) os efeitos desta formação discursiva que
inferioriza a mulher, é bastante forte e libertadora. Pode-se concluir que o efeito de
sentido produzido através da imagem e das sequências discursivas presentes nela é:
“Estamos lutando por nossa liberdade!”.
Todos somos sujeitos desta sociedade que privilegia o masculino. Homens ou
Mulheres nascemos, crescemos, somos inseridos na linguagem por esta sociedade, e
consequentemente reproduzimos os discursos que a compõem, repetindo, propagando
efeitos de sentido cristalizados na memória discursiva. Como indivíduos (assujeitados)
interpelados em sujeitos dentro desta formação discursiva carregada de elementos do
pensamento judaico-cristão, não é permitido que se produzam efeitos de sentidos
distintos, ou que as manifestantes exibam seus corpos nus e falem abertamente sobre
temas construídos discursivamente como taboos.
REFERÊNCIAS
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PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. (Trad. Eni
Puccinelli Orlandi et al.). 2.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.
PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, Françoise; HAK,
Tony. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux.
(Trad. Bethânia S. Mariani et al.). 2.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1993. p.61-86 e 94- 96.
PÊCHEUX, Michel e GADET, Françoise. Há uma via para a Linguística fora do logicismo e do
sociologismo? In: ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: Michel Pêcheux. (Trad. Eni
Puccinelli Orlandi). 3.ed. Campinas, SP. Pontes Editores, 2012. p. 295-310.
POSSENTI, Sírio. Teoria do Discurso: um caso de múltiplas rupturas. In: MUSSALIN, F.,
BENTES, A.C. Introdução à Linguistica: fundamentos epistemológicos. V.3. 2.ed. São Paulo,
SP: Cortez, 2004. p.353.
READ, Sara. “Thy Righteous is but a menstrual clout”: Sanitary Practices and Prejudice in
Early Modern England. Early Modern Women. An Interdisciplinary Journal. Volume III, 2008.
University of Maryland. P.1-25. Disponível em:
http://jps.library.utoronto.ca/index.php/emw/article/view/14757/11800
ZANELLA, Alexandre da Silva. Nas vitrines da Veja, que cidades são mostradas? Jornada de
Estudos Linguísticos e Literários, 15., 2012. Marechal Cândido Rondon-PR. Anais... Cascavel:
Edunioeste, 2013. 106p.
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