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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Daniel Walassy Rocha da Silva

O LEGADO DE GURIATÃ:

Liderança e trajetória de Humberto Mendes, cantador de bumba meu boi no Maranhão

Rio de Janeiro
2022
Daniel Walassy Rocha da Silva

O LEGADO DE GURIATÃ:

Liderança e trajetória de Humberto Mendes, cantador de bumba meu boi no Maranhão

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Sociologia (com
concentração em Antropologia).

Orientadora: Profª. Dra. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti

Rio de Janeiro
2022
Daniel Walassy Rocha da Silva

O LEGADO DE GURIATÃ:
Liderança e trajetória de Humberto Mendes, cantador de bumba meu boi no Maranhão

Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e


Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, em 03 de março de 2022, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).

Aprovada por:

Profª. Drª. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, Presidente, PPGSA/IFCS/UFRJ

Prof. Dr. João Miguel Manzolillo Sautchuk,UnB

Profª. Drª. Tatiana Braga Bacal, PPGSA/IFCS/UFRJ

Suplentes:
Prof. Dr. Wagner Neves Diniz Chaves, PPGSA/IFCS/UFRJ (Interno)
Prof. Dr. Felipe dos Santos Lima de Barros, IFRJ (Externo)
À memória do meu avô Badeco, que de modo (in)consciente plantou
em mim sua esperança de boieiro e estilo de sambista. À minha amiga,
Dona Gina, que não conheceu o Maranhão em vida, mas espero que o
conheça em luz. E aos sete anos de voo do Guriatã!
Maranhão, meu tesouro, meu torrão
Fiz esta toada p’ra ti, Maranhão

Terra do babaçu que a natureza cultiva


Essa palmeira nativa que me dá inspiração
Na Praia dos Lençóis
Tem um touro encantado
E o reinado do rei Sebastião
Sereia canta na croa
Na mata o guriatã
Terra da pirunga doce
E tem a gostosa pitombãtã
E todo ano a grande Festa da Juçara
No mês de outubro, no Maracanã
No mês de junho, tem o bumba meu boi
Que é festejado em louvor à São João
O amo canta e balança o maracá
A matraca e pandeiro é que faz tremer o chão

Essa herança foi deixada por nossos avós


Hoje cultivada por nós
P’ra compor tua história Maranhão!

“Maranhão, meu tesouro, meu torrão”


Autor: Humberto Barbosa Mendes
SILVA, Daniel Walassy Rocha da. O legado de Guriatã: liderança e trajetória de Humberto
Mendes, cantador de bumba meu boi no Maranhão. Dissertação (Mestrado em Sociologia
com concentração em Antropologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022. 147f.

RESUMO

A dissertação tem como tema o bumba meu boi do Maranhão e enfoca as diferentes formas
pelas quais se construiu e se constrói o que chamam de legado de Humberto Mendes
(1939-2015), líder por mais de quatro décadas da Associação Recreativa, Beneficente e
Folclórica do Maracanã (popularmente chamado Boi de Maracanã). Ao focalizar no caso
emblemático deste cantador de boi, a pesquisa investiga sua inserção em um complexo e
heterogêneo sistema cultural, no qual Humberto Mendes individualiza-se e constrói sua
imagem artística influente no meio boieiro maranhense e no cenário mais amplo da cultura e
da música popular brasileira. Envolvidos nesta análise estão o contexto histórico do bumba
meu boi, a teia de relações em meio à qual o Batalhão de Ouro do Maracanã constrói sua
identidade e envolve os mais diferentes segmentos e instituições sociais, além das memórias
dos brincantes, membros comunitários e admiradores desse cantador que passou a ser
conhecido popularmente como Guriatã (pássaro raro, pequeno, de canto lindo). A trajetória
desse personagem e as rememorações por parte desse grupo de Boi são reconstruídas e
analisadas com auxílio dos dados etnográficos obtidos ao longo de 2021, de forma remota e
eventualmente presencial em meio ao contexto pandêmico. Examinam-se relatos narrados
pelo próprio Humberto Mendes presentes em fontes bibliográficas e materiais audiovisuais,
além de uma seleção de toadas que compõem o seu repertório musical que prossegue sempre
rememorado e muito valorizado pelo grupo.

Palavras–chave: Cultura Popular; Bumba meu boi do Maranhão; Música (Toada); Cantador -
Humberto Mendes; Compositor.
SILVA, Daniel Walassy Rocha da. O Legado de Guriatã: liderança e trajetória de Humberto
Mendes, cantador de bumba-meu-boi no Maranhão. Dissertação (Mestrado em Sociologia e
Antropologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022. 147f.

ABSTRACT

This dissertation focuses on the bumba meu boi (dance my ox) of Maranhão and analyses the
different ways in which what is locally seen as the legacy of Humberto Mendes (1939-2015),
was, and still is, built. Mendes was the leader for more than four decades of the Associação
Recreativa, Beneficente e Folclórica from Maracana (popularly called Boi do Maracanã). By
focusing on the emblematic case of this singer and composer, the research investigates his
insertion in a complex and heterogeneous cultural system, in which Humberto Mendes
individualizes himself and builds his influential artistic image in Maranhão and in the broader
scenario of Brazilian popular culture and popular music. The historical context of bumba meu
boi and the web of relationships in which the “Golden Battalion of Maracanã” builds its
identity are considered. This involves different social segments and social institutions, in
addition to the memories of the players, community members and admirers of this singer who
became popularly known as Guriatã (rare, small, beautiful bird). The trajectory of Mendes
and recollections of his doings by the Boi group are reconstructed and analyzed thanks to
reports and stories narrated by Humberto Mendes himself in bibliographic sources and
audiovisual materials, that also provided a selection of tunes (toadas) that made up his
musical repertoire cherished by the group. In the midst of the pandemic context, field work
was done basically remotely, with the help of eventual full presence in São Luís.

Keywords: Popular Culture; Bumba meu boi (Dance my Ox) from Maranhão; Tunes (Toada);
Singer (Humberto Mendes); Composer.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO e AGRADECIMENTOS……………………………………………...10
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13
1 CONTEXTOS E ALGUMAS NOÇÕES DO BUMBA MEU BOI……...………....13
2 ENTRE A FAMILIARIDADE E A PESQUISA ANTROPOLÓGICA…...…….…22
3 O BOI DE MARACANÃ E HUMBERTO MENDES…….…………...…………..25

CAPÍTULO 1 - ENTRE SOTAQUES, VIVEIROS E BATALHÕES.............................. 28


1.1 SOTAQUES NA ILHA DE SÃO LUÍS ................................................................ 28
1.2 MARACANÃ: VIVEIRO E ÁREA DE PROTEÇÃO.......................................... 32
1.3 O BATALHÃO DE OURO NA ATUALIDADE................................................... 35
1.3.1 Preparação para os festejos juninos………………………………… 35
1.3.2 Entre o batizado e a morte do boi…………………………………… 40
1.3.3 Continuação das atividades………………………………………….. 51

CAPÍTULO 2 - O GURIATÃ DO MARACANÃ……………….………...……………… 56


2.1 INÍCIO DE TRAJETÓRIA NA BRINCADEIRA DE BOI .................................. 56
2.2 RETORNO AO MARACANÃ - DA VOCAÇÃO AO COMPROMISSO........... 59
2.3 LIDERANÇA NO BATALHÃO DE OURO ........................................................ 64
2.4 AMO, CANTADOR E MESTRE DA CULTURA ............................................... 69

CAPÍTULO 3 - REPERTÓRIO DE VIDA DO MESTRE ................................................ 75


3.1 GUARNICÊ, LÁ VAI, CHEGOU ......................................................................... 85
3.2 MEMÓRIAS E SABERES COMO INSPIRAÇÕES............................................. 90
3.3 NATUREZA, DEVOÇÃO E SINCRETISMO RELIGIOSO................................ 97
3.4 URRO(U) E TOADAS DE PIQUE...................................................................... 105
3.5 DESPEDIDA........................................................................................................ 110

CONSIDERAÇÕES FINAIS….......................................................................................... 112


APÊNDICES………………………………………………………………………………. 117
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 130
10

APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS

Este é um trabalho de imersão na complexidade do sistema cultural do bumba meu boi


maranhense, a partir do cotejo não só da trajetória de Humberto Mendes, mas também das
circunstâncias que levaram o grupo do Boi de Maracanã a rememorar seu antigo mestre e
cantador, construindo desse modo o que chamam de “legado”. Para isso, busco inicialmente
contextualizar historicamente as festas do boi no Brasil e mais especificamente, no Maranhão.
Discuto a dinâmica e a heterogeneidade da cultura popular e do folclore enfatizadas pelos
estudiosos e faço um breve exame pelas principais ideias e aspectos dos bois maranhenses.
Apresento também as justificativas e a delimitação do objeto de pesquisa e personagem
central, além das questões que guiam e motivam este trabalho.
O primeiro capítulo, “Entre sotaques, viveiros e batalhões”, discute as categorias
nativas ou analíticas que integram o meio social boieiro. Para isso, explico a divisão dos
grupos de bumba meu boi em sotaques, focalizando principalmente nos diferentes sinais
diacríticos e na descrição do sotaque de Matraca/da Ilha, com a finalidade de situar o Boi de
Maracanã nesse sistema cultural. A fim de entender como esse grupo rememora Humberto
Mendes, após aproximadamente sete anos de seu falecimento, descrevo inúmeras atividades
transmitidas de forma remota e realizadas pelo Batalhão de Ouro no contexto pandêmico.
Acompanhei essas atividades ao longo de todo o ano de 2021 e obtive dados que me dão
suporte para uma análise antropológica sobre o ponto de vista nativo da defesa de um legado
desse mestre pelo grupo e a inserção do Boi de Maracanã na teia de relações e significados
compartilhados com a sociedade mais ampla.
O segundo capítulo, “O Guriatã do Maracanã”, reconstitui de modo interpretativo a
trajetória de Humberto Mendes, que foi cantador e liderou por décadas o grupo. A partir de
relatos obtidos em entrevistas concedidas pelo mestre para produções audiovisuais e rede de
estudiosos do folclore e da cultura popular maranhense, reorganizei as lembranças e memórias
compartilhadas e narradas pelo próprio Humberto Mendes em diferentes contextos. Relaciono
também os pontos importantes de sua trajetória com os contextos vivenciados por ele, cujo
talento teria se iniciado em sua infância culminando com seu entendimento pessoal e
aceitação coletiva de sua entrada no Maracanã. Ou seja, enfoco seu processo de
individualização no meio social boieiro, visto como consequência das relações interativas e
11

permeadas pela rivalidade com outros grupos e cantadores de boi. Também destaco a projeção
atingida por ele e seu grupo liderado na cultura e música populares brasileiras.
O terceiro capítulo, “Repertório de vida do Mestre”, baseia-se nas noções e métodos
da antropologia musical e etnografia do som. Para isso, selecionei algumas toadas dentre as
inúmeras composições de Humberto Mendes, analisadas de acordo com o processo de escuta.
Também me preocupo em apreender o ponto de vista nativo, descrevendo as performances do
Batalhão de Ouro que se orientam pelas especificidades do sotaque de Matraca/da Ilha. As
diferentes finalidades, os diversos formatos, estilos e temáticas das toadas são lembrados em
associação aos contextos da trajetória de vida de Humberto de Maracanã e da formação e
consolidação do próprio grupo diante dos contrários num processo que reforça sua identidade
dentro do sistema cultural do bumba meu boi maranhense. As toadas ouvidas e selecionadas
foram obtidas em diferentes canais e plataformas de áudio ou vídeo da internet.
É dessa forma que proponho a divisão dessa dissertação, de modo a compreender o
sistema cultural do boi maranhense, a partir das perguntas de pesquisa feitas em torno do
exame da trajetória de vida do personagem central de Humberto Mendes e de seu grupo do
Bumba meu boi de Maracanã. Nas conclusões, retomo brevemente os principais pontos
indicados nos capítulos.

*****

Acredito que um trabalho de pesquisa é fruto da formação pessoal, da interação e


ajuda das mais distintas mãos amigas e forças nas quais acredito. Agradeço, honrosamente, ao
onisciente Divino Espírito Santo, pela oportunidade de ingressar no mestrado a fim de
compartilhar o que aprendi com o restante do mundo. Ao senhor do Tempo, que nos
momentos mais aflitivos, foi um dos motivos para eu persistir e seguir em frente. E à Nossa
Senhora da Conceição, mãe que intercede sempre pelos meus estudos.
Agradeço e peço total licença a São João Batista, orixás, voduns, caboclos, encantados
e guias de luz que acompanham e apadrinham o bumba meu boi. Sei que minha tarefa não é
fácil e que posso não compreender a plenitude de tudo, mas a devoção daqueles que põem em
prática suas promessas tem meu mais sincero respeito.
Eterna gratidão aos meus familiares e amigos que me apoiaram na jornada de estudos,
principalmente, minha mãe Vânia Rocha e minha irmã, Daniele Ramaianne, que estiveram
12

comigo nas andanças pela cidade, motivadas pela pesquisa. Muito obrigado também aos
amigos Ana Angélica Menezes, Maria de Fátima Aquino, Thais Duarte, Benedita Mendes e
Paulo Gustavo que me deram um apoio moral e emocional desde a graduação!
Agradeço, profundamente, à minha orientadora profª Maria Laura Cavalcanti que foi
muito paciente na condução e construção deste trabalho. Sua mentalidade muitas vezes me
surpreendeu por compreender o que eu pensava nos momentos mais difíceis de
desenvolvimento da pesquisa e também por acreditar no meu esforço. Obrigado por participar
deste projeto de vida! Sou grato também às conversas com os amigos que integraram o
Núcleo de Estudos Ritual e Sociabilidades Urbanas (RiSU/UFRJ): Ricardo Barbieri e Mauro
Cordeiro.
Agradeço aos professores João Miguel Sautchuk e Tatiana Bacal que aceitaram de
prontidão integrar a banca deste trabalho desde a qualificação, por darem tantas dicas que me
fizeram desenvolver o raciocínio das ideias e hipóteses, sugerindo referências relevantes e
condizentes com o estudo. Reitero aqui também minha sincera gratidão pela disponibilidade e
interesse dos professores Felipe Barros e Wagner Chaves.
Agradeço ao corpo docente do PPGSA/UFRJ e aos companheiros das ciências sociais,
que com suas visões de mundo me ajudaram a entender que o trabalho acadêmico só tem a
ganhar com a interação e diversas outras leituras. Em especial, reitero minha gratidão aos
amigos Ricardo Lage e Thais Vilar que mantiveram o interesse e ânimo em acompanhar essa
pesquisa.
Agradeço aos brincantes e amantes do Bumba meu boi de Maracanã, na figura da
presidente Maria José, que dentro das possibilidades e limites impostos pela pandemia,
ajudou-me com informações a respeito de Mestre Humberto e das atividades do grupo ao
longo de um ciclo junino e ano fora do normal. Fica registrado aqui o meu agradecimento
profundo à Wilmara Figueiredo, que criou pontes quando estive em São Luís do Maranhão e
me recebeu no seio do samba, na Turma de Mangueira.
Agradeço também à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) que financiou este trabalho nos últimos dois anos. Fazer pesquisa no período
pandêmico, no contexto de redução de investimentos em ciência, desmonte das universidades
públicas e muito negacionismo, é mais que uma vitória! Por isso, minha gratidão sincera aos
corpos e mentes que resistiram em nome da cultura e da ciência brasileiras neste momento de
dificuldades!
13

INTRODUÇÃO

1 CONTEXTOS E ALGUMAS NOÇÕES DO BUMBA MEU BOI

No contexto popular brasileiro, as festas do boi estão entre as expressões mais


conhecidas e praticadas em todo território nacional. Encontram-se variações delas com
diferentes nomenclaturas, de modo recorrente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, durante
os períodos natalinos ou juninos (Cavalcanti, 2000; 2006b). Suas mais distintas formas podem
ter caráter festivo e/ou religioso, resultante de um misto de componentes simbólicos,
musicais, artísticos, narrativos e representativos: como mitos, crenças, ritmos, bailados,
indumentárias, instrumentos, personagens e brincantes. No Maranhão, a diversidade dessas
festas recebe o nome de bumba meu boi1.
De acordo com o dossiê desta expressão no Livro de Registro de Celebrações, como
Patrimônio Cultural do Brasil (Iphan2, 2011), as primeiras referências quanto às brincadeiras
de boi teriam surgido na Imprensa durante a primeira metade do século XIX. Alguns autores
(Cavalcanti, 2000; Carvalho, 1995) citam como marco inicial recorrente na bibliografia
temática dessas expressões no Brasil, o comentário do padre Miguel Sacramento Lopes para o
periódico pernambucano “O Carapuceiro”, em 1840, com críticas duras à brincadeira de boi
que satirizou sua figura clerical. No Maranhão, porém, um exemplo anterior foi apontado por
Maria Laura Cavalcanti (2006a), como uma carta de leitor endereçada ao periódico “O Farol
Maranhense”, e veiculada no dia 7 de julho de 1829:

“Sr. Redactor - Moro no Bacanga e poucas vezes venho à cidade. Mas tenho um compadre que me fica
visinho, que não passa festa que não venha assistir a ella. Pela de S. João veio elle, só para ver as
correrias do Bumba-meu-boi, e na volta contou-me as seguintes novidades que por duvidar um pouco
déllas, tencionei contar-lhas para me fazer o favor de dizer si são ou não verdadeiras. Disse-me o tal
meu compadre, que na noite de São João houve muitos fogos: que andavão malocas de 40 e 50 pessoas
pelas ruas armados de buscapés, todos mui alegres que a Polícia não prendeo a ninguem por quanto
nenhuma desordem acontecera. Ora Sr. redator, que dirão a isto os meus senhores das revoluções? (....)
que já não se dão passaportes para o interior da província: que já não se prende a ninguém por ler o
Farol: que o cidadão anda alegre, toca, dansa, tudo à sombra das ballas que vem da Fortaleza". (Farol
Maranhense apud Cavalcanti, 2006a, p. 18)

1
No meio social maranhense, é comum se referir ao bumba meu boi também como bumba-boi ou simplesmente
Boi, termos que serão utilizados ao longo deste trabalho.
2
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
14

Destaco também outros dois registros posteriores que ajudam a entender o panorama
do contexto inicial do bumba meu boi no Maranhão. O primeiro foi apontado por Renata
Prado (1977) e lembrado por Luciana Carvalho (2011). Foi uma crítica, divulgada pelo jornal
“O Imparcial” de 15 de julho de 1861, sugerindo a cassação da brincadeira nas ruas:

“Quando uma grande parte da população se empenha por fazer desaparecer os busca-pés, por serem
fatais, concede-se licença para estúpido e imoral folguedo de escravos denominado bumba-meu-boi,
incentivo para os busca-pés, e admira-se mais que isto aconteça, quando há anos a presidência ordenou
à polícia que não consentisse esse folguedo, por ser oposto à boa ordem, à civilização e à moral.
Quando por causa do bumba-meu-boi não aparecem cacetadas e mesmo facadas, é causa de uma
enorme algazarra que prejudica o silêncio perturbando o sossego que deve haver para o sono, sossego
que cumpre à polícia manter. Nós esperamos que a polícia reconsidere no passo irrefletido que cometeu,
para não ser ela responsável perante a opinião pública, do mal que houver por causa do
bumba-meu-boi.” (Prado, 1977 apud Carvalho, 2011, p. 160)

Esses registros mostram o panorama dos primórdios do bumba meu boi nos quais
eram praticadas disputas entre os grupos e intensas repressões das forças públicas oficiais de
segurança. As camadas médias e elites da cidade de São Luís também pouco compreenderam
e aceitaram as brincadeiras de boi: “(...) no Maranhão ainda era válido proibir as
manifestações de cultura negra, indígenas ou mestiças, pois essas sinalizavam a
impossibilidade de edificar a tão desejada França Equinocial3” (Sanches, 2003, p. 80).
Carvalho (2011, p. 161) aponta que alguns autores interpretam essa visão preconceituosa e de
rejeição por parte das camadas altas maranhenses como consequência da associação dos
negros, mestiços e pessoas pobres de um modo geral com a revolta da Balaiada (1838-1841)4,
que marcou a província no período regencial do Império do Brasil. Mas a autora entende que
esses registros também expõem como a brincadeira de boi ainda não tinha caráter civilizado,
ou seja, seguindo as normas e padrões do período.
Maria Michol de Carvalho (1995, p. 37) afirma que, no período entre 1861 e 1867,
houve uma forte campanha contra a realização do bumba meu boi, a qual resultou na

3
É o nome dado a um projeto de colonização francesa das terras portuguesas, presentes nas proximidades da
linha do Equador. Um dos resultados das expedições náuticas foi a fundação de um forte, em 1612, em terras
maranhenses onde hoje se encontra a capital São Luís (Fernandes, 2017).
4
Revolta liderada pelo vaqueiro Raimundo Gomes, artesão Manoel dos Anjos Ferreira e quilombola Cosme
Bento de Chagas. Seu nome é uma referência a uma parcela dos revoltosos que eram produtores de balaios,
cestos artesanais comuns na região. A Balaiada surgiu como um levante social por melhores condições de vida
aos vaqueiros, artesãos, escravizados e outras pessoas desfavorecidas. Apesar de boa parte de suas lutas ter se
estabelecido no interior oriental do estado, existiram reflexos em São Luís, capital maranhense. A revolta foi
desmantelada após a chegada das tropas oficiais do Império, comandadas pelo coronel Luís Alves de Lima e
Silva. Os líderes tiveram destinos diferentes: Manoel foi morto numa disputa, Raimundo expulso da província e
morto a caminho de São Paulo e o negro Cosme foi enforcado. O coronel militar tornou-se Barão de Caxias
(Bezerra, 2022).
15

proibição por parte das autoridades. As publicações na imprensa e decretos do período


expressaram a não-tolerância para qualquer tipo de brincadeira de boi fora dos lugares
permitidos oficialmente (Iphan, 2011). Porém, o ano de 1868 foi marcado pelo retorno das
brincadeiras e autorizações por parte das forças de segurança. Um registro exemplar desse
contexto está na crônica, escrita por João Domingos Pereira do Sacramento para o
“Semanário Maranhense”, em 5 de julho de 1868:

(...) Que importa que nas melhores horas do somno [sic] e do socego [sic] as paredes dos aposentos
estrondeassem com os gritos do boi, se todos nós tivemos a incommensuravel [sic] fortuna de ver
renascido o folguedo com que tanto se divertiram nossos pais e nossos avós?” (...) Nesta última
quinzena, que é contada de 12 de junho até o dia do corrente mez [sic], o chronista [sic] tomou nota de
uma sábia resolução que parecia já prescrita pelos nossos costumes, para o fim de louvar ambas a
cousas [sic]. Hurrah! Pelo ato da polícia e viva o Bumba! (...). (Semanário Maranhense, 1868 apud
Iphan, 2011, p. 36 e 41)

Além de dar indícios de que a brincadeira de boi se encontrava há pelo menos duas
gerações entre os maranhenses, esse registro comemora o fato de autoridades policiais
permitirem o retorno da brincadeira. Assim se procedeu até os primeiros anos do século XX,
quando os grupos de bumba meu boi deveriam pedir autorização para ensaiar e sair nos
festejos juninos, restringidos aos bairros do João Paulo e Areal (atual Monte Castelo), Anil e
zona rural da Ilha de São Luís. Era uma época em que ocorriam com frequência disputas e
brigas entre grupos de mesmo ou diferentes estilos. A polícia punia drasticamente os grupos
de boi que brigavam nas ruas, com cassação de licenças e até proibição das apresentações
(Iphan, 2011; Sanches, 2004).
Entre os anos de 1920 e 1950, as brincadeiras de boi teriam sido liberadas
intermitentemente para se apresentar nas ruas da cidade de São Luís. Porém, de acordo com o
dossiê de registro do bumba meu boi pelo Iphan (2011, p. 56), um exemplo de mudança de
configuração nas liberações dos grupos ocorreu em 1955, quando o Boi da Maioba, de
Hilário, foi convidado a se apresentar para uma comitiva do candidato à vice-presidência do
Brasil - João Goulart - no Palácio dos Leões, sede oficial do governo do Maranhão, durante a
gestão Eugênio Barros (1952-1956). Percebe-se que nesse período ocorreu uma intensificação
na interatividade entre os grupos de boi e outras camadas sociais, instituições, órgãos públicos
e as elites ludovicenses5.
Nos meados do século XX, os intelectuais se interessaram ainda mais em acompanhar

5
Gentílico referente à naturalidade na cidade de São Luís do Maranhão.
16

as expressões do bumba meu boi, motivados pelos Movimentos Modernista e Folclórico


brasileiros. Nesse contexto, os estudiosos seguiram normalmente a visão de que as
apresentações dessas expressões tinham uma temática central de morte e ressurreição do boi,
com cenas ou partes acessórias que não teriam ligação direta com o eixo principal. Essas
discussões encontravam-se principalmente em torno do enquadramento do bumba-boi nas
categorias de folguedo - utilizado pelos estudiosos de folclore da década de 1950 para
enfatizar seu caráter lúdico com coreografias, dança e drama; e de auto.
Entre os anos de 1930 e 1940, Mário de Andrade enquadrou o boi como “dança
dramática”, no contexto de desenvolvimento de uma unidade da cultura nacional,
considerando-o um elemento síntese da ideia de “brasilidade” (Andrade, 1982; Cavalcanti,
2000; Carvalho, 1995). De acordo com Cavalcanti (2006b), a noção de auto se potencializou
com o lado colecionista e etnográfico das visões do folclore forjadas por Mário de Andrade,
nesse contexto do impacto do movimento modernista sobre os estudiosos do folclore
brasileiro. Na visão dessa autora, a narrativa do auto teria se destacado entre eles por dois
motivos: por constituir-se como um relato de origem mítica da brincadeira do boi e graças ao
interesse devotado a uma das muitas variantes narrativas da origem, registrada por escrito
pelos mesmos estudiosos, tornando-a canônica.
O chamado auto do boi é uma forma narrativa na qual o personagem de Pai Francisco
mata o boi mais querido da fazenda para satisfazer o desejo de gravidez de sua esposa, Mãe
Catirina. O casal é negro e, descoberta a morte do boi, ambos fogem com medo do castigo do
Amo, que ordena os vaqueiros e índios a procurarem pelo casal nas matas. Com o sucesso da
busca, o casal é levado ao Amo que exige a solução da morte do Boi por Pai Francisco. Este
chama o padre, o médico e até o pajé para ressuscitar o animal. Com a ressurreição alcançada,
o casal é perdoado pelo Amo e a fazenda toda festeja em torno do Boi, representado por um
artefato.
Cavalcanti (2006a) interpreta um conjunto de variantes dessas narrativas míticas como
representação da forte desigualdade e hierarquia sociais, a partir do mundo imaginário da
fazenda e do conflito existente entre a reprodução social e biológica, entre a camada mais alta
– o fazendeiro e sua filha solteira - e aquela mais baixa – Mãe Catirina grávida e Pai
Francisco dividido em suas lealdades. A morte do boi simbolizaria a destruição das bases
morais (confiança e lealdade, características da patronagem) que sustentavam a hierarquia da
fazenda que engloba todos os personagens. A autora também aponta que essas ações
17

dramáticas de encenação da morte e ressurreição do boi, vistas como originárias ou canônicas,


devem ser relativizadas porque compõem uma das inúmeras narrativas que permeiam esses
folguedos, já que diversas experiências etnográficas6 percebem a ausência ou substituição da
encenação por mecanismos alusivos àquele tema.
Outros autores presentes na bibliografia do bumba meu boi discutem algumas
definições dessa brincadeira. Azevedo Neto (1997) e Vieira Filho (1977), inspirados em
Mário de Andrade (1982), concordam com a ideia de uma dança dramática com presença de
auto, porém o segundo autor vê a atualização do bumba meu boi com novos elementos como
um caráter positivo aproximado à ideia de “revista do ano”. Maria Michol de Carvalho (1995,
p. 165) considera-o uma manifestação cultural, enfatizando seu caráter dinâmico, de
adaptação e reivindicação no cenário comunicativo. Luciana Carvalho (2011, p. 151 e 156)
propõe que, além de ser uma festa popular, o bumba meu boi forma um verdadeiro sistema ou
idioma cultural, no qual signos são compartilhados e regulam socialmente o modo de vida de
seus brincantes, integrando-os a grupos cujos novos membros precisam de tempo e
convivência para entender os significados e códigos existentes.
Segundo o dossiê de registro do bumba meu boi pelo Iphan (2011), ainda nos meados
do século XX, entre os anos de 1950 e 1970, os grupos de boi começaram a ganhar
popularidade dentro da capital. Um dos principais estimuladores para isso foi a realização de
festivais e concursos competitivos entre grupos de boi, organizados pelos radialistas,
comerciantes e poder público, atraindo grandes públicos. Como consequência da intensa
migração de maranhenses do interior para a capital, também surgiram em São Luís vários
grupos de bumba meu boi identificados com modalidades originárias de diferentes regiões do
estado: do rio Munim, da Baixada e do litoral ocidental. Nesse momento, o bumba meu boi
ganhou muito mais visibilidade:

O recrudescimento do Bumba-meu-boi, com a criação, em São Luís, de novos estilos de Bumba


provenientes de outros municípios, tornou a brincadeira ainda mais visível dentro e fora do Estado,
impulsionando o processo de valorização e prestígio dos bois junto à sociedade maranhense de modo
geral e, mais especificamente, diante das elites desde a década de 1950. (Iphan, 2011, p. 55)

6
Um dos exemplos é a experiência etnográfica de Luciana Carvalho (2011) que passou por dificuldades na
procura das encenações do auto do boi como descritas na história da literatura acadêmica brasileira. A autora
percebeu também que os membros, ligados aos grupos maranhenses de bumba meu boi do sotaque de zabumba,
preferem usar outras nomenclaturas para as inúmeras narrativas encenadas durante as apresentações, como
matanças, comédias ou palhaçadas.
18

Entre os anos de 1950 e 1960, houve uma aproximação na relação entre o estado e a
brincadeira de boi. Durante os governos de Newton Belo (1961-1966) e José Sarney
(1966-1970), teriam se introduzido as primeiras iniciativas para atrair capital gerado pelo
turismo cultural no Maranhão. O bumba meu boi, num conjunto de expressões da cultura
popular consideradas características no estado, foi o foco de novas políticas públicas. Esse
projeto de incentivo e fomento pode ser relacionado à atuação do Movimento Folclórico
Brasileiro - que utilizou estratégias de promoção do folclore em diferentes esferas do poder
público e nas escolas entre 1947 e 1964 -, constituído por algumas pessoas presentes nas
elites locais e nos espaços acadêmicos ou de discussão do folclore. No caso maranhense, os
nomes dos folcloristas Domingos Vieira Filho e Zelinda Lima teriam se destacado
(Cavalcanti, 2009).
O primeiro integrou a Subcomissão Maranhense de Folclore a partir de 1948, foi
mediador entre os estudiosos, articulador de dados culturais, criou departamentos precursores
do que viriam a ser a Func (Fundação Municipal de Cultura) e a Maratur (Empresa
Maranhense de Turismo). A segunda teve um importante papel na inserção dos grupos
folclóricos maranhenses no circuito turístico, quando liderou ambas as instituições,
organizadas pelo poder público, respectivamente em 1971 e 1976 (Martins, 2015, p. 115). No
âmbito nacional, houve também uma confluência de outros fatores indiretos que contribuíram
para essa nova etapa mais institucionalizada, como a criação da Embratur, em 1966, e da
Funarte, em 19767.
Aproveito essa etapa de mudanças significativas das relações e configuração do bumba
meu boi maranhense para lançar luz sobre as noções de cultura popular e folclore. Alguns
estudiosos dos campos das humanidades se dedicaram a discutir e compreender os aspectos
dinâmicos e heterogêneos dessas noções. Começo citando Edison Carneiro (2008), estudioso
que já liderou o Movimento Folclórico no Brasil nos anos de 1960. Ele considera o folclore
como um conjunto de modos de agir, pensar e sentir das camadas populares, integrado a um
continuum do conhecimento, cujas extremidades são o empírico popular e o científico dos
letrados8. Na sua visão, o folclore é essencialmente dinâmico e seu processo construtivo se dá
a partir das relações sociais e culturais entre o povo e outros estratos da sociedade no tempo.
Ou seja, as relações de poder e hierarquias dessas relações são tão importantes quanto a

7
Cavalcanti, op.cit.
8
Ibid, p. 3.
19

interação entre tradição e inovação. Carneiro (2008, p. 4) reconhece que, em todas elas, a
sociedade de um modo geral contribui para a criação e manutenção do folclore.
Para Stuart Hall (2013), a noção de cultura popular surgiu no contexto de mudanças e
transformações sociais durante a transição do capitalismo agrário para o industrial. Nesse
tempo, as tradições e formas de vida das classes populares teriam sido associadas a um lugar
exclusivo de luta e resistência. O sociólogo relativiza essa visão ao considerar que a cultura
popular não é “pura”, “autêntica”, “isolada” e não está fora das relações de poder e
dominações culturais. Na sua visão, portanto, ela é um terreno sobre a qual são operadas
transformações oriundas de uma tensão contínua, expressada no consentimento ou na
resistência, entre as classes subalternas e dominantes ou “bloco de poder”.
Peter Burke (1989), no entanto, chama a atenção para que os estudiosos focalizem
mais nas interações entre as culturas do povo e as das elites, e menos na divisão entre elas, já
que a cultura apresenta limites muito indefinidos de um modo geral. O historiador entende
esta como um sistema de formas simbólicas nas quais são expressos significados, valores e
atitudes compartilhados. Enfatiza o contexto inicial da noção de cultura popular que surgiu na
Modernidade a partir da interação entre as elites intelectuais e o “povo”, constituído por
artesãos e camponeses na Europa dos séculos XVIII e XIX. Estes eram vistos pelos
estudiosos da época com um olhar romântico e de modo homogêneo. Burke sugere que o
povo se apresenta de modo extremamente variado e inserido numa história.
Gilberto Velho (1994) reconhece que a noção de cultura, na antropologia, está baseada
na relação entre nós e os outros, em diferentes “construções sociais da realidade” ao longo da
história. Porém, com a preocupação de estabelecimento de preconceitos e visões
etnocêntricas, os antropólogos começaram a defender a ideia de relativismo cultural, que
enxerga a cultura como um conjunto de fenômenos socioculturais. Para o autor, nas
sociedades complexas, cujos indivíduos e suas decisões ganham relevância nos papéis sociais
desempenhados, um dos conjuntos culturais básicos é o de culturas populares, enfatizando seu
caráter heterogêneo e plural, isto é, os seus mais variados modos de expressão que se
relacionam e interagem com outras categorias e grupos sociais, inclusiva ou antagonicamente,
de acordo com os contextos históricos e regionais. É dessa forma que se dá sua complexidade
e dinamismo.
Maria Laura Cavalcanti (2001), buscando contextualizar e relativizar as noções de
folclore e cultura popular, afirma que ambas foram desenvolvidas nas raízes do Movimento
20

Romântico europeu que se difundiu nas Américas, a partir dos meados do século XVIII,
quando foi percebida uma diferenciação entre os modos de vida e saberes das elites e do povo.
No Brasil, o caráter dinâmico dessas noções teria ganhado força com o Movimento
Folclórico, a partir dos estudos dos folguedos e das festas populares. Na contemporaneidade,
a dicotomia entre cultura popular e das elites teria sido superada. Na visão da autora, a cultura
e o saber populares são processos heterogêneos, históricos, comunicativos e complexos
constituídos por significados que integram arenas socioculturais de tensões e conflitos entre as
diferentes camadas e grupos sociais.
Minha intenção com essa discussão entre os autores é ressaltar o caráter dinâmico, a
natureza interativa dos processos culturais e a complexidade presentes nas noções de folclore
ou cultura popular, interpretadas como sistemas, conjuntos ou locais de elaboração de
símbolos e relações sociais desencadeados nos mais diferentes contextos. Essas noções não
são vistas nas discussões contemporâneas como algo imutável e isolado. O bumba meu boi do
Maranhão é um exemplo claro de como seu processo de formação está ligado à diversidade de
relações e interações socioculturais, ultrapassando as barreiras sociais e simbólicas existentes
na sociedade mais ampla e que resulta num espaço interativo, onde essas noções se
reconfiguram e integram os diálogos e trocas econômicas ou socioculturais entre grupos
nativos e outras instituições, órgãos públicos ou diferentes camadas sociais.
Nos anos de 1970, os grupos de bumba meu boi teriam passado por um forte processo
de institucionalização, tornaram-se pessoas jurídicas a fim de receber recursos diretamente
das instituições turístico-culturais do Estado, além de realizar viagens nacionais e
internacionais como representantes da cultura maranhense. O boi tornou-se, assim, emblema
de uma identidade cultural do estado (Iphan, 2011; Sanches, 2003). Um grupo ilustrativo que
integrou esse contexto de diversificação das interações com a sociedade mais ampla foi o Boi
de Pindaré9, considerado como um dos exemplos pioneiros ao gravar toadas, num estúdio do
Rio de Janeiro, para um álbum lançado em LP, em 1972 (Martins, 2015, p. 110-113).

9
Caroline Martins (2015), na sua dissertação “Política e Cultura nas Histórias do Bumba meu boi”, analisa de
modo exemplar o caso do Boi de Pindaré, do sotaque da Baixada, a partir de registros na imprensa maranhense e
entrevistas com membros do grupo sobre o momento de escolha, pelo poder estadual, para representarem a
cultura local em viagens e na gravação de um LP. A autora lança luz sobre a questão de direitos autorais deste
álbum que é considerado marcante na memória oral maranhense. O cantador do grupo na época, Coxinho, não
foi registrado como autor da gravação e composição da toada “Urrou do Boi”, instituído por lei estadual em 1991
como “Hino do Folclore Maranhense”, além de outras que compuseram o citado álbum.
21

As brincadas10 ou apresentações de bumba meu boi, durante os arraiais da capital


maranhense, passaram por diferentes lugares e níveis administrativos de organização. Entre os
anos de 1950 e 1980, os principais locais eram os arraiais oficiais da Prefeitura no Anel
Viário, na praça Ivar Saldanha e no João Paulo. Entre o final dos anos 1970 e início dos 1990,
o Parque Folclórico da Vila Palmeira dominou as preferências do público (Iphan, 2011).
Na década de 1990, recursos teriam sido alocados para uma maior divulgação da
cultura local a nível nacional e global e os grupos de bumba meu boi tiveram um progressivo
crescimento de investimentos por parte do governo estadual e municipal, com a adoção da
política de cachês e na construção de Vivas, praças situadas dentro de certos bairros,
construídas com a finalidade de entreter, fazer lazer e cultura, durante a gestão da governadora
Roseana Sarney11, entre 1995 e 2002 (Cardoso, 2016; Iphan, 2011). A iniciativa privada teria
se preocupado mais em promover seus arraiais em outros espaços como nas portas de
residências e comércios, clubes e atualmente até shopping centers.
Com o reconhecimento da cidade de São Luís do Maranhão, em 1997, como
Patrimônio Histórico da Humanidade, título concedido pela Unesco12, o início dos anos 2000
foi norteado por reflexos dos investimentos oriundos do turismo cultural e dos projetos de
patrimonialização no crescimento do bumba meu boi em todo o estado. Por exemplo, muitos
grupos estavam mais integrados às agendas juninas de apresentações oficiais, começaram a
gravar álbuns e fazer viagens de modo mais recorrente. A partir de 2006, iniciou-se o
processo de registro do bumba meu boi como Patrimônio Cultural com a participação da
Superintendência do Iphan Maranhão, Secretaria Estadual de Cultura, Comissão Maranhense
de Folclore, Universidade Federal do Maranhão, Fundação Municipal de Cultura de São Luís
e dos representantes dos grupos de bumba meu boi do estado que foram convidados a integrar
toda a pesquisa e inventário (Iphan, 2011). Foram criadas leis municipais, estaduais ou
federais com o objetivo de promoção ou patrimonialização do boi maranhense. Em 2009, por
exemplo, a lei federal 12.103/09 foi sancionada para instituir o dia 30 de junho (o mesmo de

10
Categoria nativa referente ao ato de brincar boi, reforçado no meio social do boi maranhense.
11
Na tese “As mediações do Bumba meu boi do Maranhão”, Cardoso (2016) faz ao longo do trabalho uma
comparação das políticas de financiamento turístico-culturais entre os mandatos de José Sarney (1966-1970) e de
sua filha, Roseana Sarney (1995-2002), nos grupos de bumba meu boi. A autora ressalta que, no primeiro
momento, a responsabilidade era encabeçada pela Maratur; no segundo, o Centro de Cultura Popular Domingos
Vieira Filho (CCPDVF) teve um papel crucial para a formação de um banco de dados e cadastro desses grupos
como pessoas jurídicas. Na sua visão, a institucionalização do bumba-boi foi intensificada nos anos de 1990.
12
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
22

São Marçal), como o dia nacional do bumba meu boi (Iphan, 2011, p. 65). Todo esse processo
culminou com o reconhecimento, em 2011, do complexo cultural do bumba meu boi
maranhense como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Iphan. E oito anos depois, em
2019, como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco, ligada à Organização
das Nações Unidas.
Na atualidade, a brincadeira de boi no Maranhão é praticada majoritariamente por
pessoas oriundas das periferias da Grande São Luís ou do interior do estado, como
lavradores, estivadores, pescadores, estudantes, aposentados, professores, funcionários
públicos, pequenos comerciantes, trabalhadores informais e afins (Iphan, 2011). O bumba
meu boi tem agregado cada vez mais membros oriundos de outras localidades, das camadas
médias e intelectuais. Em junho e julho, elas se deslocam vindas dos arredores de toda
Grande São Luís para levar alegria e devoção aos principais arraiais juninos, montados nos
bairros da capital.
Um componente importante das festas de boi são as toadas - gênero musical
característico que serve de base para as mais diversas apresentações dos grupos. De acordo
com o dossiê de registro do bumba meu boi pelo Iphan (2011), no Maranhão, algumas delas
orientam uma sequência de apresentação, porém podem receber denominações específicas
dependendo de suas finalidades ou alusão ao tema de morte e ressurreição do boi.
Foi a partir das toadas que mergulhei no sistema cultural do bumba meu boi.

2 ENTRE A FAMILIARIDADE E A PESQUISA ANTROPOLÓGICA

Sou natural do Maranhão, da cidade de Bacabal (localizada às margens do rio Mearim,


na região central do estado). Em 1999, com apenas 5 anos, mudei-me para a capital São Luís
junto com minha mãe e irmã. Confesso que as primeiras recordações que remetem ao bumba
meu boi são aquelas de meu avô materno ouvindo exaustivamente o CD do Boi da Maioba13
daquele ano, chamado “Clareia - 500 anos”14. As três primeiras faixas na voz do cantador
Chagas me marcam até hoje. Ainda criança, aprendi a simpatizar com o ritmo das matracas e
pandeirões, a dividir alegria com meus amigos durante o período junino, a brincar ao redor
das fogueiras acendidas pelos meus avós na porta de sua casa antes das apresentações de

13
É um bairro pertencente ao município de Paço do Lumiar, integrante da região metropolitana de São Luís do
Maranhão.
14
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=SAXjch02gOI>. Acesso em 18 fev. 2022.
23

grupos folclóricos, convidados por eles ou pela vizinhança. Cresci ouvindo e admirando o
bumba meu boi ao longo dos anos.
Na adolescência, continuei nutrindo admiração pelos bois e outras expressões da
cultura popular maranhense, assistindo aos arraiais espalhados pela Grande São Luís. No
terceiro ano do ensino médio, em 2011, tive a oportunidade de ser brincante de bumba meu
boi durante uma gincana cultural da escola. Nossa turma ficou encarregada de dançar o boi do
sotaque de Zabumba para uma atividade desse evento. Para isso, visitamos o barracão do Boi
de Leonardo, localizado no bairro da Liberdade, que nos apoiou com o empréstimo das
indumentárias a fim de nos apresentar em grande estilo. Eu desempenhei o papel do miolo do
boi, ou seja, fui responsável por ficar dentro da carcaça do animal-artefato e dar-lhe vida
durante a performance. Além de possibilitar aproximação com a dimensão prática da
brincadeira, essa experiência fortaleceu meu entendimento do significado de uma expressão
cultural na convivência social e compartilhamento de símbolos. Como consequência, minha
turma garantiu a maior nota do concurso de danças juninas e venceu a gincana cultural
naquele ano.
Até a adolescência, não tive contato muito próximo ao Boi de Maracanã - cujo
cantador era Humberto Mendes15 - que constitui o foco desta pesquisa -, certamente pelo fato
de minha família materna ser mais simpática ao boi rival, o Boi da Maioba. Porém, quando
ouvi e assisti ao vivo pela primeira vez Humberto de Maracanã e seu grupo no arraial do largo
de São Pedro, no centro de São Luís, fui surpreendido pela organização da apresentação e
exaltação da cultural local nas toadas. Comecei a pesquisar e ouvi-las, nutrindo uma
admiração pelo talento desse mestre. Após me graduar em Comunicação, no ano de 2016,
cogitei fazer um estudo focado nesse personagem que, a partir de seu trabalho artístico e
sociocultural, conseguiu projeção e reconhecimento como intérprete e compositor dentro e
fora do universo do bumba meu boi maranhense.
A intenção com esta pesquisa de mestrado é a de voltar à minha terra-natal com um
olhar antropológico sobre um tema de estudo relevante para a cultura maranhense. Nesse
aspecto, seguindo as discussões de DaMatta (1978), quando os pesquisadores mudam o olhar
para si e interagem com o que está ao seu redor, há um processo de estranhamento,

15
Humberto Barbosa Mendes (1939-2015) atuou no Bumba meu boi de Maracanã a partir de 1973 e o liderou
entre 1981 e 2015. Será chamado nesta pesquisa de diferentes formas: Humberto Mendes, Humberto de
Maracanã (nome artístico), Guriatã (alcunha/apelido) e Mestre Humberto (nome usado por algumas pessoas do
meio boieiro, pelos órgãos oficiais da imprensa e do poder público).
24

liminaridade e alteridade, comuns na prática da pesquisa antropológica. Meu desafio,


portanto, estaria em saber dosar a subjetividade no duplo exercício de transformar o exótico
em familiar e o familiar em exótico, já que grande parte da familiaridade obtida com o objeto
desta pesquisa foi por socialização num meio em que o bumba meu boi sempre se fez presente
(DaMatta, 1978, p. 28).
Gilberto Velho (1978, p. 37) chama atenção ao fato de a discussão sobre alteridade
gerar questões profundas e complexas quanto aos diferentes tipos de distanciamentos sociais e
psicológicos. Caberia aos antropólogos relativizar e entender as noções de familiar e
desconhecido como algo fabricado socialmente, pois “o que sempre vemos e encontramos
pode ser familiar, mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e encontramos
pode ser exótico, mas, até certo ponto, conhecido” (p. 39). Para este autor, mesmo que a
objetividade e a verdade científicas estejam claras numa pesquisa, isso não exime o trabalho
de subjetividade ou de seu caráter interpretativo. Desde que submetido ao estranhamento, o
familiar teria, na sua visão, algumas vantagens porque possibilitaria uma confrontação
psicológica e emocional com as interpretações existentes sobre um determinado fato.
A discussão desses dois autores citados relativiza, portanto, a distância do pesquisador
em relação ao seu objeto de estudo e o quanto isso pode contribuir para o desenvolvimento da
pesquisa. Logo, o exercício antropológico acaba sendo uma forma de interpretar a realidade e
deslocar a subjetividade de modo aproximativo ao universo da pesquisa. Meu interesse em
conhecer profundamente a dinâmica do sistema cultural do bumba meu boi e o talento ou
trajetória de Humberto Mendes são a força motriz para a realização deste trabalho.
A dissertação enfoca o caso emblemático de um mestre do bumba meu boi
maranhense que se tornou uma liderança artística e cultural num grupo social, tendo obtido
reconhecimento dos demais grupos de boi e mesmo de um meio social mais amplo. As
expressões do bumba meu boi maranhense e todo seu complexo conquistaram registros
relevantes nos últimos dez anos: como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Iphan (Instituto de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 2011; e da Humanidade pela Unesco
(Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), em 2019. Ao mesmo
tempo, a morte do cantador Humberto Mendes, ocorrida em 2015, está relativamente
próxima. Nesse contexto, meu principal objetivo é compreender como o grupo do Boi de
Maracanã se readaptou à partida de seu principal líder e como se relaciona ou se constrói sua
memória.
25

Desde os primeiros contatos com as toadas de Humberto Mendes, popular e


artisticamente conhecido como Humberto de Maracanã, chamou-me a atenção sua exaltação
aos elementos da cultura e da biodiversidade maranhenses, além de sua sensibilidade ao tratar
de referências à religiosidade e sincretismos. Fui entendendo, aos poucos, que as
especificidades e a singularidade de sua vida, de suas composições e do Boi de Maracanã
mereciam uma análise com olhar científico.

3 HUMBERTO DE MARACANÃ E O BATALHÃO DE OURO

Nos últimos 20 anos e de modo mais intenso na última década, a cultura popular
maranhense perdeu personalidades importantes de seu cenário, reforçando a necessidade de
uma troca geracional entre antigos mestres e novas lideranças. Dentre os grupos de bumba
meu boi que perderam seus antigos e carismáticos líderes, é possível citar as mortes de Mestre
Leonardo do Boi da Liberdade (2004), Mestre Donato do Boi de Axixá (2014), Mestre
Apolônio do Boi da Floresta (2015) e o cantador João Chiador dos Bois da Maioba e de
Ribamar (2017).
Humberto Mendes faleceu em 2015. Mas, antes disso, foi reconhecido pelo Ministério
da Cultura como mestre popular brasileiro em 2008 (Carvalho, 2020); recebeu a Medalha de
Honra ao Mérito La Ravardière pela Câmara de Vereadores de São Luís em 1998; e
homenagens na Assembleia Legislativa do Maranhão (O Estado, 2008). Postumamente, em
2015, seu nome foi dado ao reformado Parque Folclórico da Vila Palmeira16, tradicional praça
de realização de arraiais durante o período junino na cidade de São Luís (O Imparcial, 2015).
O Bumba meu boi de Maracanã desenvolveu um álbum especial, chamado “Aldeia
Tupinambá” (2020)17, com toadas inéditas e regravadas, dedicadas ao grupo e seu antigo
cantador. Esse álbum também contou com a participação de alguns intérpretes conhecidos na
Música Popular Brasileira como Alcione, Chico César, Zeca Baleiro e Fauzi Beydoun.
Em 2020, no início da pandemia de Covid-19, produtoras de audiovisual liberaram ao
grande público, nas plataformas de vídeo Youtube e Vimeo, documentários apresentando o
universo do Boi da Ilha, do Batalhão de Ouro18 e da liderança de Mestre Humberto. Portanto,

16
Ação durante a gestão do primeiro mandato do governador Flávio Dino (2015-2022).
17
Link: <https://open.spotify.com/album/17FTZcp9EMFPDKSg3dNYhC?si=Wtc1moy9R-uuIZEMKM2C7A>.
Acesso em 27 jan. 2022.
18
Autodenominação utilizada pelos integrantes e simpatizantes do Bumba meu boi de Maracanã.
26

este personagem tem sido lembrado de inúmeras maneiras, a partir de ações e reproduções
sonoras ou imagéticas disponibilizadas pela comunidade do Maracanã em parceria com outros
grupos, instituições e camadas sociais.
Por meio dessas recentes movimentações e observações, ao longo da pesquisa comecei
a me indagar sobre a existência de uma estratégia consciente do grupo folclórico do Maracanã
elaborada para reforçar o trabalho desenvolvido por seu antigo mestre, além de cultivar sua
memória por meio de diferentes formas narrativas. Esta pesquisa busca, assim, analisar as
formas pelas quais se construiu ou se constrói o que chamam de legado de Humberto Mendes
pelo grupo do Bumba meu boi de Maracanã no cenário da cultura popular.
A partir disso, busco ao longo dos capítulos responder algumas questões mais
específicas:
● Como a liderança e o talento de Humberto Mendes se configuraram e ajudaram seu
grupo a conseguir projeção e se inserir na teia de relações sociais amplas com os
mais diferentes segmentos, grupos e instituições que perpassam a cultura popular
maranhense?
● Quais estratégias, símbolos, performances ou situações reforçaram a identidade do
grupo, comandado por Humberto Mendes, diante dos contrários19 no universo do
Boi da Ilha/de Matraca20?
● Como se deu a construção simbólica de Humberto Mendes como a voz do
Maracanã? Quem são os atuais responsáveis por suas antigas responsabilidades e
funções dentro do grupo do Boi de Maracanã? Tudo indica que esse mestre tenha
se preocupado em transmitir gradualmente suas atividades ou funções dentro do
Boi para alguns membros de sua família e amigos, antes de falecer em 2015.
● Quais etapas marcam sua trajetória de vida que culminou com o seu
reconhecimento como grande mestre e cantador de boi por todo o mundo social do
bumba-meu-boi maranhense? Esse talento foi percebido também por grandes
nomes da MPB21, políticos e estudiosos que passaram a fazer parte das relações

19
No bumba meu boi maranhense, está relacionado a algo ou alguém que não pertence ao seu grupo. É uma
construção simbólica daquilo que é outro. Tem uma conotação de rivalidade e competitividade, principalmente,
nos grupos de Boi do sotaque da Ilha/Matraca.
20
Um dos sotaques ou estilos de bumba meu boi presente no sistema cultural maranhense. Maiores explicações
no Capítulo 1 desta dissertação.
21
A cantora Alcione interpretou “Maranhão, meu tesouro, meu torrão”, no disco “Ouro e Cobre” (1988); Maria
Bethânia gravou “A Coroa”, no CD “Pirata” (2006). Outras regravações foram feitas por artistas maranhenses,
como Claudio Pinheiro, Rosa Reis e Roberto Ricci (Carvalho, 2020; Viana, 2017).
27

com o grupo folclórico, promovendo mudanças no entorno, reforçando identidade


própria e trazendo projeção para a comunidade do Maracanã.

Uma das hipóteses que me orienta é a de que seu papel de liderança e reconhecimento
pelos trabalhos e composições musicais foi construído no contexto da rivalidade que
caracteriza os ambientes dos Bois e que contribuiu para seu processo de diferenciação
recíproca. A fama de Humberto Mendes teria, a meu ver, feito com que outros grupos de Boi
de sotaque de matraca rivalizassem com o Batalhão de Ouro e o Guriatã22. As temáticas de
exaltação às riquezas das terras maranhenses, memórias individuais ou do grupo e a influência
das religiões de matriz afro-indígena podem ter favorecido uma identificação das camadas da
população de São Luís, e mesmo do Maranhão, com a linguagem e as imagens trazidas por
suas composições.
Ao enfatizar a construção da trajetória de Humberto Mendes como Humberto de
Maracanã, percebi a relevância do conceito de projeto individual, proposto por Velho (1994,
p. 40), para “ajudar a análise de trajetórias e biografias enquanto expressão de um quadro
sócio-histórico, sem esvaziá-las de suas peculiaridades e singularidades”. Ou seja, esta
pesquisa ganha complexidade ao tratar de um indivíduo inserido em um contexto
sociocultural dentro de um grupo, com interações na diversidade do sistema do bumba meu
boi e que transitou por outras camadas sociais. É um jogo intenso entre categorias como
indivíduo e grupo, privado e público, laico e religioso, oral e escrito/registrado.
Portanto, esta dissertação se propõe a articular os dados que pude reunir sobre a
trajetória, composições e liderança de Humberto Mendes dentro do Boi de Maracanã; a
analisar seu repertório musical com projeções para além das fronteiras do Maranhão, sem
esquecer de abordar as estratégias ou discursos atuais do grupo para a defesa de um legado de
Guriatã.

22
Também conhecido como gaturamo-verdadeiro, é uma ave de pequeno porte com canto melodioso, de força
vocal e perfeitas execuções. É assim designado nos estados do Pará, Maranhão e Bahia (Wikiaves, 2021).
Segundo Humberto Mendes, é tradicional os cantadores de bumba meu boi selecionarem o nome de um pássaro
para ser sua alcunha. Na sua escolha, acabou se inspirando na folha da palmeira que normalmente recebe ou
abriga este pássaro. (Mendes, 2008, p.172-173)
28

CAPÍTULO 1 - ENTRE SOTAQUES, VIVEIROS E BATALHÕES

1.1 SOTAQUES NA ILHA DE SÃO LUÍS

Upaon-Açu23 abriga atualmente quatro municípios da região metropolitana de São Luís


do Maranhão: Paço do Lumiar, Raposa, São José de Ribamar e São Luís - cidade que é a
capital do Estado. Quando o mês de junho se anuncia, uma parcela significativa dos
aproximadamente 1,5 milhão de habitantes desta região se prepara para a chegada das festas,
quando o bumba meu boi maranhense emerge com toda força em meio às celebrações
características do período24. Nos quatro cantos da Ilha, inúmeras brincadeiras expressadas
pelos distintos grupos culturais se relacionam e se apresentam para a sociedade mais ampla a
partir dos arraiais, terreiros e eventos das cidades da região.
Dentre essas inúmeras brincadeiras, o bumba meu boi se destaca pela diversidade dos
modos de expressão, categorizados ou divididos em sotaques, uma metáfora classificatória
que distingue seis tipos de boi com marcadores de diferenciação como: indumentárias,
personagens, instrumentos musicais, ritmos e sonoridades, coreografias, entre outros
elementos. De acordo com o dossiê de registro do bumba meu boi, no livro de Celebrações
(Iphan, 2011), essa categorização não abarca as muitas formas que não se enquadram nesse
esquema classificatório, principalmente no que se refere aos grupos existentes no interior do
Maranhão. O termo sotaque dá margem a debates. Estudiosos como Azevedo Neto (1997),
também questionaram tal classificação. Para ele, a terminologia sotaque indicaria, sobretudo,
a singularidade musical de cada grupo, desdobrando-se em níveis e subníveis conforme
origens regionais ou categorias étnico-raciais. Para Albernaz (2004), tal sugestão permitiria a
criação de hierarquias sociais entre os sotaques, devido à presença da classificação dos grupos
de acordo com a presença de categorias raciais. Já Sanches (2003) considera a distinção em
sotaques como indicador de tipos ideais, seria uma categoria usada para definir e organizar
sem a preocupação de expressar a diversidade real da brincadeira. Apesar das críticas, existe
uma certa aceitação e identificação dos brincantes do meio boieiro com a descrição e divisão

23
“Ilha Grande” em tupi-guarani. Nome dado pelos antigos indígenas tupinambás à ilha onde se estabeleceu a
cidade de São Luís do Maranhão, que atualmente é a capital maranhense e integra uma região metropolitana.
24
As festas juninas maranhenses são protagonizadas pelos distintos grupos de bumba meu boi, mas existe
também uma variedade de expressões culturais que conquistam a população local, como tambor de crioula,
quadrilhas, cacuriá, dança do lelê, dança do coco e dança portuguesa.
29

oficiais dos distintos grupos da capital em seis sotaques. Para os órgãos do poder público e
instituições que financiam o bumba meu boi, essa categorização facilita o cadastro e a
destinação de recursos financeiros.
Na visão de Luciana Carvalho (2011), baseada em conversas com outros estudiosos
maranhenses, essa categoria de classificação pode ter se iniciado com os folcloristas que
estudaram o bumba meu boi ainda nos anos de 1970. Mesmo sem acesso ao contexto de
origem do termo sotaque, a autora sugere que:

“(...) A filiação a um sotaque determinado funciona como parâmetro de ação e representação para os
brincantes (...) Mais do que diferentes estilos musicais, cênicos e rituais de brincar, os sotaques
correspondem, sobretudo, a perspectivas e lógicas distintas de atualização do idioma boieiro, que é
comum, de certa forma a todo boi maranhense” (Carvalho, 2011, p. 189).

Ou seja, para Carvalho (2011), sotaques não são categorias nativas, mas categorias
analíticas que se “nativizaram” no meio social boieiro, associadas ao caráter dinâmico,
linguístico e comunicativo do processo de simbolização característico dessas inúmeras
expressões. Letícia Cardoso (2016) chama ainda atenção para a importância da percepção
quanto à identificação e uso dessas categorias pelos próprios brincantes de bumba meu boi.
Na atualidade, a convenção classificatória contabiliza pelo menos seis modalidades de
sotaques presentes nos festejos juninos maranhenses:
- Zabumba: originário da cidade de Guimarães, na região do litoral ocidental do
Estado. Este sotaque é considerado pioneiro no bumba meu boi. Caracteriza-se pela presença
de instrumentos como a zabumba, uma espécie de grande tambor tocado com bumbo, e
tamborinhos afinados na fogueira; das tapuias, representações de índias com indumentárias
que apresentam cabelos longos e enfeitados. O ritmo traz um andamento mais acelerado,
considerado por alguns autores como próximo ao samba (Azevedo Neto, 1997).
- Costa de Mão: originário da cidade de Cururupu, próximo ao litoral ocidental do
estado, caracteriza-se por um ritmo resultante da batida de pandeiros, com as costas das mãos
dos brincantes, num andamento mais vagaroso. Destacam-se também as indumentárias dos
caboclos com chapéus de fita em formato cônico. Dentre os sotaques da atualidade, é o que
apresenta menor quantidade de grupos, com presença mais rara nos arraiais da capital.
- Baixada: originário da região do interior ocidental do estado (Iphan, 2011),
caracteriza-se também por um andamento do ritmo mais vagaroso; pela presença de
30

instrumentos percussivos como matracas e pandeiros. Há ainda o personagem cazumbá, misto


de animal e entidade que ajuda na morte ou cura do boi, em cuja indumentária se destacam
uma máscara ornamentada artesanalmente, chamada de careta, as nádegas cênicas de formato
quadrado e um sino ou chocalho em suas mãos (Iphan, 2011). Segundo Van de Beuque (2010,
p. 55)25, que realizou um estudo etnográfico acompanhada de um dos artesãos de caretas mais
reconhecidos no Maranhão - Abel Teixeira -, compreendeu que o ponto de vista nativo sobre
o cazumbá é referente ao sentido híbrido das máscaras e indumentárias (que normalmente
destacam aspectos alegres, cômicos, transgressivos e misteriosos) atrelado à pessoa que
performa, além de ser apreendido e compartilhado por quem as vê atuando em diferentes
contextos festivos.
- Orquestra: originário das cidades da região do rio Munim, está entre os sotaques
considerados mais recentes do meio boieiro. Caracteriza-se pela presença de instrumentos de
corda como violão, banjo e cavaquinho; de sopro, como clarinete; metais como saxofone,
trombone e trompete; e percussivos, como zabumba e tarol (Albernaz, 2007). Os grupos deste
sotaque investem nas cores das indumentárias, na seleção de bons dançarinos que executam
coreografias complexas, dinâmicas e com um ritmo frenético.
- Alternativo/Parafolclórico: possivelmente originário da Ilha de São Luís, apresenta
estética similar aos grupos de orquestra, porém se diferenciam por representar ou resumir
todos os outros sotaques em suas apresentações26.
- Matraca: originário da Ilha de São Luís, caracteriza-se pela presença de
instrumentos percussivos como pandeirão, tambor-onça e matraca. Seu andamento é

25
Flora Van de Beuque (2010), na sua dissertação “Entre a Roda de Boi e o Museu”, traça um interessante
percurso etnográfico em torno da máscara ou careta do cazumbá, personagem característico do sotaque da
Baixada, no bumba meu boi maranhense. Ela busca entender desde a integração da máscara ao caráter festivo da
brincadeira de boi, passando por sua circulação social em diferentes ambientes e circuitos - da brincadeira aos
museus -, e pela agência de significados, reforçando suas funções rituais. Essa pesquisadora destaca a
importância de se estudar o trânsito das coisas para formar uma “biografia” em torno delas e entender as relações
sociais mais abrangentes. Uma das biografias analisadas neste trabalho é a de seu Abel Teixeira, artesão nascido
em 1939, na cidade de Viana, no interior ocidental maranhense, com quem a autora conviveu durante etnografia,
notando que a trajetória e circulação desse sujeito se confunde com a das caretas por ele produzidas.
26
Existe uma questão polêmica quanto à denominação deste sotaque por parte dos órgãos públicos maranhenses.
O dossiê de registro do bumba meu boi pelo Iphan (2011, p. 95) aponta que, por esse motivo, a categoria
tornou-se uma contraposição àquilo que é considerado mais tradicional no bumba meu boi. Cardoso (2016, p.
60-62) criticou a denominação desta categoria, pois na sua interpretação seria uma forma de alguns intelectuais e
agentes públicos imputar o sentido de não-folclóricos a esses novos grupos, não reconhecendo a dinâmica
cultural do bumba meu boi. O que fica claro, a meu ver nesta discussão, é como o surgimento desta categoria se
articula com o período entre a institucionalização e patrimonialização do bumba meu boi, quando ocorreu um
investimento exponencial de recursos por parte dos órgãos públicos. Ou seja, sua consolidação se deu num
processo de intensas modificações e disputas políticas e socioeconômicas, existentes no meio boieiro.
31

acelerado e de fácil mobilização ou integração entre os brincantes, percussionistas e


espectadores das apresentações. Traz como personagem característico o caboclo de pena, ou
caboclo real, tido como um dos guardiães da brincadeira, cuja indumentária tem um grande
chapéu de formato circular, e seus passos baseados em giros e rodopios. Alguns outros
personagens estão representados neste sotaque, como as índias e os caboclos de fita ou
rajados.
Segundo o dossiê de registro do bumba meu boi (Iphan, 2011), uma das hipóteses mais
prováveis é de que o sotaque da Ilha teria se constituído em torno de 186827, ano que marcou
uma mudança na configuração dos grupos que teriam trazido instrumentos similares às atuais
matracas. Iniciou-se então a consolidação de batalhões na cidade de São Luís. Batalhões são
conjuntos humanos os quais, liderados pelo amo do boi/cantador - pessoa marcante e
carismática que incorpora esses personagens na brincadeira -, são formados por pessoas na
assistência28, que se integra à passagem do grupo e responde ao ritmo cadenciado da trupiada
29
. O batalhão se caracteriza pela riqueza das indumentárias, pela história de cada grupo e
outros atributos, como a organização dos brincantes e a beleza das toadas. Ou seja, batalhão é
uma categoria que permite designar o conjunto simbólico e sociocultural de um grupo de
bumba meu boi, capaz de incorporar facilmente novos brincantes e simpatizantes nas
apresentações e desfiles nas ruas da capital (Sanches, 2003; Albernaz, 2004).
Dentre os grupos de bumba meu boi do sotaque da Ilha, menciono o Boi da Maioba,
Boi de São José de Ribamar, Boi de Iguaíba, Boi da Pindoba, Boi da Madre Deus, Boi do
João Paulo, Boi Itapera de Maracanã, Boi do Maiobão, Boi de São José dos Índios, entre
outros. Os integrantes do grupo do Boi de Maracanã, tema desta pesquisa, se autodenominam
Batalhão de Ouro, e identificam-se como pertencentes a este sotaque.

27
O dossiê do Iphan aponta que essa hipótese é baseada na citação do cronista Domingos Sacramento, num
artigo publicado no “Semanário Maranhense”.
28
Categoria nativa referente a dezenas ou centenas de simpatizantes que participam das apresentações como
espectadores, vistos também como apoiadores.
29
Categoria nativa referente ao conjunto de percussionistas, responsáveis por produzir o som característico do
grupo de bumba meu boi, no sotaque da Ilha. Eles seguem fielmente o seu batalhão nas apresentações, em
inúmeros arraiais espalhados por toda São Luís (MA).
32

1.2 MARACANÃ: VIVEIRO E ÁREA DE PROTEÇÃO

Em muitos momentos desta pesquisa, as dificuldades do contexto pandêmico se


impuseram. Não foi diferente quanto à tentativa de visitar presencialmente o barracão do Boi
de Maracanã em São Luís do Maranhão, entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022. O
aumento no número de casos com a variante ômicron da Covid-19, nesse período,
impossibilitou por diversas vezes um encontro mais seguro com a presidente Maria José30.
Porém, consegui marcar uma visita, realizada na tarde de uma terça-feira, 01 de fevereiro.
Fui dirigindo um carro particular, saindo do bairro da Vila Passos31 e seguindo um
percurso de 27 km pela avenida dos Portugueses e o caminho do IEMA-Itaqui Bacanga32,
sugerido pelo GPS. Grande parte da rota era de asfalto, com a pista em bom estado e cheia de
ladeiras altas que permitiram uma visualização panorâmica da paisagem da região. Percebi
que o ambiente é realmente mais rural, com a presença de plantas nativas entre elas as
palmeiras de babaçu33 e da juçara34. Faltando apenas 5 km para chegar ao barracão, havia um
pedaço do caminho numa estrada de terra, que foi enfrentado apesar da tensão.
As características ambientais citadas anteriormente devem-se à Área de Proteção
Ambiental do Maracanã, instituída por decreto estadual em 1991 (Sousa, 2021). Com mais de
1800 hectares de área, é constituída pelos bairros da Vila Maranhão, Vila Sarney, Vila
Esperança, Rio Grande e Maracanã. Este último existe desde 1875, quando era apenas um
povoado, e ganhou status de bairro durante o governo de Magalhães de Almeida (1926-1930),
sem perder suas características consideradas por muitos como rurais (Melo, 2005).
Atualmente, além de integrar uma APA, encontra-se ao sul do centro da cidade de São Luís,
em intenso contato com a região do Porto do Itaqui, Distrito Industrial Ludovicense e a
BR-135. Ou seja, é um bairro inserido nas relações e trânsitos urbanos da região
metropolitana. A maior parte dos moradores, de acordo com Cardoso (2016), descenderia de

30
Nascida em 12 de novembro de 1965, entrou no Boi de Maracanã nos anos 1980. Ingressou aos poucos nas
responsabilidades burocráticas do grupo na década de 1990. E no início dos anos 2000, tornou-se presidente com
o apoio de Humberto Mendes.
31
Distante a 3km do Centro da cidade de São Luís.
32
Um dos campus do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão.
33
Palmeira nativa do estado do Maranhão. Utilizada por moradores rurais como fonte de renda no extrativismo
vegetal e sustentável de suas folhas, palmito e coco para a produção e venda de óleos, artesanatos, leite e outros
derivados.
34
Nome dado localmente à mesma palmeira do açaí, comum na região amazônica. Ela se desenvolve em áreas
próximas aos leitos de rio e pequenos cursos de água. Seus frutos extraídos, ao serem friccionados, dão uma
polpa de cor roxo-escuro.
33

negros descendentes de escravizados, caracterizados pelas relações de parentesco e


realizadores de festas conhecidas na cidade como dos Reis do Alecrim35, da Juçara36 e do
Bumba meu boi que “constitui elemento de aglutinação, de coesão social, pois consegue
envolver os integrantes do boi e os membros das comunidades colaboradoras em torno de
suas atividades, reforçando a identidade coletiva do grupo” (Cardoso, 2016, p. 132). As
atividades do ciclo anual do boi são desenvolvidas no barracão da Associação Recreativa
Beneficente, Folclórica e Cultural do Maracanã, nome oficial do grupo de Boi.

Figura 1 - Mapa de localização da APA Maracanã na Ilha de São Luís.


Fonte: <https://periodicos.unifesp.br/index.php/ecoturismo/article/view/6501>. Acesso em 06 jun. 2021

35
Realizada entre 3 e 7 de janeiro, esta celebração abre o calendário festivo e cultural da comunidade, onde são
coroados um rei e uma rainha, resultados de pagamento de promessas. A festa tem cunho devocional, marcado
pelas ladainhas - cânticos/hinos populares (Melo, 2005, p. 36).
36
É uma tradicional festa, criada pela ambientalista Rosa Mochel nos anos 1970, celebrada ao longo dos finais
de semana do mês de outubro. Nos eventos, existem pequenos estandes de venda da polpa natural da juçara,
doces e artesanatos com materiais derivados da palmeira. (ibid, p. 34-36).
34

Figura 2 - Mapa de localização do Barracão do Maracanã. Fonte: Reprodução/Open Streetmap

Após aproximadamente 30min de percurso, percebi que o lugar onde se situa o


barracão é um grande terreno sem muros na Rua Evandro Bessa/ Rua da Igreja, uma das
principais vias do bairro. Do outro lado, existe uma praça, chamada Viva Maracanã,
construída em comemoração aos 25 anos de cantoria de Humberto Mendes, em 1998, durante
um dos mandatos da governadora Roseana Sarney (1995-2002), e cedida legalmente ao
grupo, como relatou Maria José, durante nossa conversa. Aos fundos do terreno do barracão,
há mais espaço cercado de vegetação, com uma igreja antiga de construção inacabada e mais
duas outras construções destinadas às atividades escolares da rede municipal de ensino. Ao
entrar no barracão, fui bem acolhido por quatro mulheres, sendo uma delas a jovem Paola
Coutinho e a Dona Iraci (Nitinha), respectivamente, uma integrante da diretoria e a
responsável pelo barracão. Outras mulheres ali estavam a fim de realizar o cadastro das
crianças da região para uma ação social. Portanto, o barracão é utilizado não só para as
atividades do bumba meu boi, mas se integra a outros projetos sociais que beneficiam os
moradores do bairro.
35

Figura 3 - Fachada do Barracão do Bumba meu boi de Maracanã. Fonte: Acervo pessoal

O espaço interno dispõe de dois grandes cômodos centrais, um deles é o salão


principal e o outro é onde se localiza o altar principal. Atrás deste, existe um galpão. Nos
cômodos laterais, localizam-se um espaço para guardar as indumentárias, uma sala para
guardar os instrumentos, mais uma sala memorial de Humberto Mendes, um altar antigo e a
cozinha próximos à entrada principal. Foi neste viveiro37 que o Boi de Maracanã desenvolveu
grande parte de suas atividades e apresentações durante a pandemia.

1.3 O BATALHÃO DE OURO NA ATUALIDADE

1.3.1 Preparação para os festejos juninos

No início de 2021, ainda vivíamos um período de muita preocupação com a


propagação e contaminação do Coronavírus. Naquele momento de auge da pandemia no
Brasil, quando eu estava em São Luís do Maranhão, a pesquisadora Wilmara Figueiredo me
ajudou a entrar em contato pela primeira vez com Maria José, a atual presidente do Boi de

37
Para Carvalho (1995, p. 129), esta categoria nativa refere-se ao local estabelecido por cada grupo de boi “onde
uma figura especial na brincadeira reina soberana, sendo reconhecida e aclamada pelo grupo como fonte de
sabedoria e autoridade”. Simbolizado normalmente, nas toadas, como local de moradia do pássaro (cantador).
36

Maracanã. Nosso encontro presencial se deu após algumas tentativas. Mesmo diante das
dificuldades, conversamos rapidamente em frente a um colégio, no bairro da Alemanha38. Não
conversamos no Barracão do Boi, que estava fechado e com atividades paralisadas.
Acompanhada de um dos seus filhos, Maria José foi muito simpática e atenciosa comigo,
entregou-me em mãos um exemplar original do DVD “Guriatã” (2018), documentário
dirigido por Renata Amaral e dedicado ao Mestre Humberto Mendes, além de me indicar
relatos e dados disponíveis nos vídeos e toadas na internet. A partir desse encontro, decidi
acompanhar com mais afinco o Boi de Maracanã de modo remoto.
Assim que comecei a seguir os perfis oficiais do grupo nas redes sociais, verifiquei
que existiam páginas administradas por simpatizantes e fãs do Batalhão de Ouro e uma página
oficial ainda com poucas produções no Facebook. Em 2020, quando a pandemia se iniciava, o
Boi de Maracanã havia organizado pelo menos três lives de caráter solidário no Youtube. Com
arrecadação de recursos e doações para os artistas do grupo, em seu próprio barracão, uma
delas foi mais temática com a encenação do chamado auto do boi e outras duas apresentações
em dias especiais como o de Santo Antônio (13/06) e São Marçal (30/06). Outras publicações
também constam nesta plataforma de vídeo, como o episódio da série documental Visceral
Brasil, “O Mestre do Maracanã” (2014) de Márcia Paraíso, e o filme “Rio do Mirinzá” (2007)
de Olindo Estevam com relatos e toadas compostas por Humberto Mendes. No Instagram, o
perfil oficial apresentou muitas referências ao antigo cantador nos posts, nas mensagens e até
nas seleções das toadas para ilustração de suas postagens. O Boi de Maracanã se encontrava
em processo de construção da parte comunicativa nas redes sociais, com foco em plataformas
que disponibilizassem um alcance maior para veicular suas apresentações e conteúdos naquele
contexto. A fim de obter mais dados e de acompanhar o ciclo junino do grupo, apenas me
deterei nas interações, participações e lives produzidas pelo Batalhão de Ouro em 2021.
No primeiro dia do mês de junho do mesmo ano, recebi por Whatsapp um vídeo,
compartilhado por uma amiga familiar, com imagens do Boi de Maracanã em performance
pelos arraiais de São Luís em tempos normais e com fotos editadas. Ao fundo, versos de uma
toada composta por Humberto Mendes foram executados sonoramente: “Senhor São João,
venha receber/ Esta coisa linda que fizemos p’ra você” (Mendes, 2004b).
Na narração, uma jovem voz feminina exaltava o sentimento nostálgico, agradecia a
Deus por mais um período junino e reforçava a importância dos boieiros continuarem

38
Encontro realizado em frente à unidade escolar do Sesi-MA, na manhã do dia 27 jan. 2021.
37

seguindo as restrições e recomendações sanitárias na pandemia. Percebi naquele dia que as


redes sociais do Boi de Maracanã compartilharam esse vídeo, funcionando no meio digital
como um marco inicial das atividades do grupo ao grande público, que interagiu e reforçou
sua admiração pelo boi e por Humberto Mendes, a partir de falas de conteúdo religioso latente
nos comentários, cujo tom foi possivelmente reforçado pelas dificuldades e perdas de amigos,
conhecidos e familiares durante o período pandêmico.
Devido ao ritmo vagaroso de vacinação contra a Covid-19 em todo o país, e também
em São Luís do Maranhão, os arraiais e as festas juninas não seriam realizadas de modo
presencial pelo segundo ano consecutivo. Ao longo do mês de junho, uma das soluções
encontradas pelos seguidores do Boi de Maracanã no Instagram foi a reutilização das toadas
do grupo, dispostas como recursos sonoros na plataforma, para compartilhar situações de seus
afazeres diários ao som da voz de Humberto Mendes. Como aponta Albernaz (2021, p. 120),
a partir de suas observações quanto às atividades remotas dos grupos de boi ao longo do ciclo
junino em 2020, “(...) o bumba-boi fora da tela se faz por meios técnicos; ao entrar na tela,
suas técnicas se reúnem a outros elementos que circulam numa mesma sociedade e cultura.
Foi mediante essa reunião que o boi pôde continuar na pandemia”. Dessa forma, observando
de perto esses dados e fatos iniciais construídos pelo Batalhão de Ouro no ciclo junino de
2021, ingressei na pesquisa de campo.
Geertz, quando afirma a natureza semiótica da cultura, defende que a análise
antropológica requer a prática etnográfica que resulta numa descrição densa capaz de
interpretar estruturas conceituais complexas, signos e contextos. Tal descrição interpretativa
confirmaria o acesso mediatizado do antropólogo ao ponto de vista nativo, ele mesmo feito
de muitas camadas interpretativas: a descrição densa fixada em texto atestaria que o
antropólogo “esteve lá” (Geertz 1989; 1998). A partir das questões do trabalho de campo
focalizado nas práticas de usuários de internet nos cibercafés de Trinidad, na América Central,
Daniel Miller e Don Slater consideraram que o fato de limitar a pesquisa à forma remota não
impede o acesso ao contexto mais amplo, pois o ambiente virtual integra a realidade social e,
portanto, é dever do pesquisador relacioná-lo à descrição etnográfica (Miller & Slater, 2004).
Neste trabalho busco seguir esses conceitos de etnografia e de descrição densa almejando
alcançar interpretações nativas acerca do bumba meu boi como um objeto único de análise de
um determinado grupo cultural, a partir de dados obtidos de forma remota, integrados ao
contexto mais amplo da brincadeira.
38

As atividades do Boi de Maracanã foram divulgadas frequentemente no seu perfil


oficial do Instagram. Essa rede social serviu como principal canal de compartilhamento dos
eventos nos quais o grupo participaria ou com a presença de algum membro entre os
cantadores e diretoria, ou com o batalhão inteiro em outras plataformas digitais. Pelo menos
quatro atividades foram realizadas antes do batizado do Boi - a situação social que marca
sempre o início do ciclo ritual público do bumba meu boi maranhense - no Youtube. A
primeira foi uma conversa entre os atuais cantadores do Maracanã: José Ribamar Algarves ou
Ribinha, Humberto Filho e Emmanuel Victor, além da mediadora Joyce Custódio,
representante da Casa de Saberes Cego Aderaldo39. Nela, os três explicaram como entraram
no meio boieiro na infância e como Mestre Humberto Mendes foi o maior exemplo para
seguir seus interesses pessoais na cantoria. Ribinha, atual amo do Maracanã, explicou a
surpresa do grupo diante da pandemia, superada a partir da união, um aspecto sempre
valorizado pelo antigo mestre. Para ele, os brincantes tentam dar continuidade aos
ensinamentos de Humberto de Maracanã. A mediadora perguntou sobre o legado do antigo
mestre no Maracanã. Ribinha respondeu destacando a entrada do Guriatã no grupo com a
finalidade de continuar o que os fundadores da brincadeira de boi no bairro iniciaram, pois
teriam sido eles os responsáveis pela expansão e sucesso do Boi de Maracanã.

Figura 4 - Cantadores Ribinha, Humberto Filho e Emmanuel Victor durante live da Casa Cego Aderaldo
Fonte: Reprodução/ Youtube

39
Essa instituição é uma parte vinculada ao Instituto Dragão do Mar do Estado do Ceará. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=AqWq1ZogP3o&list=LL&index=23&t=28s>. Acesso em 18 jun. 2021.
39

Atualmente, dentre os cantadores oficiais do grupo, dois são filhos de Humberto


Mendes: Ribinha e Humberto Filho. E há um neto: Emmanuel Victor40. Em entrevista
concedida à Márcia Mendes, membro da Comissão Maranhense de Folclore, para o volume
VII da série de livros “Memória de Velhos: Depoimentos” (2008), Humberto de Maracanã
confirmou a composição de sua família:

A paixão é coisa muito forte. Na realidade, sinto pelas três: Maria Lina, Jandira e Maria. (...) São 32
filhos, contando com os nove mortos: Marilde, Maria Gisele, Maria Domilia, José Ribamar, Gilberto,
Mauricia, Maria da Conceição, Isis Maite, Tiago, Joubert, Cândido, João Batista, Herbert, Janaice,
Itainara, Leudgeria, Açucena, Isadora, Humberto Filho, Janaína, Gilberley, Gilber, Hilberto. Porém
ressalte-se que desses trinta e dois, tem filhos de algumas mulheres que só tive um ‘caso’ e destes
resultou em alguns filhos. Como a Douglarina (mãe de Maria Gisele), Petronilha (mãe de Isis Maitê),
Maria de Fátima (mãe de Thiago). (Mendes, 2008, 189-190)

Portanto, Humberto Mendes teve 32 filhos com pelo menos 6 mulheres diferentes. A
sua forte convivência no Boi contribuiu para que seus familiares o aceitassem, entendessem e
se integrassem à rotina do grupo cultural.41
Voltando às outras duas atividades realizadas pelo grupo de forma remota, uma delas
foi a live organizada pela Rede Massa FM42, além da gravação para o especial “Nossa
Fogueira”, realizada pelo Governo do Maranhão e rede de Supermercados Mateus, com
transmissão na TV Mirante43. Em ambas, os apresentadores se preocuparam em explicar o que
era o Boi de Maracanã e quem foi seu antigo mestre Humberto Mendes. Durante as
apresentações, a maioria dos integrantes do Batalhão de Ouro utilizou máscaras, seguindo os
protocolos de saúde básicos durante a pandemia. Ambas tiveram curta duração, com uma
média de 4 ou 6 toadas interpretadas pelos cantadores Ribinha, Humberto Filho, Emannuel
Victor e Roberto Ricci (presente no especial).
Existiam diferenças entre as duas atividades com relação ao espaço: o da live foi fora
do palco principal, num local mais aberto e com menos iluminação; o do especial foi no
Teatro Arthur Azevedo (o principal da cidade de São Luís) com decoração mais elaborada,
num cenário retratando o largo de uma igreja com fogueira cenográfica, bandeirinhas e

40
Até o ano desta pesquisa, Ribinha tinha 48 anos; Humberto Filho, 42; Emannuel Victor, 18.
41
Ibid., p. 186.
42
Rede nacional de rádio comercial, com operação na região metropolitana de São Luís desde fevereiro de 2021.
Pertencente à família do apresentador Carlos Massa, conhecido em todo país pelo apelido Ratinho. Live
transmitida em 18 jun. 2021.
43
Afiliada da Rede Globo no Maranhão. Integra o Sistema Mirante de Comunicação - formado pela Rádio
Mirante FM, jornal O Estado do Maranhão e Portal Imirante -, administrado pela família Sarney. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=sI66jwNXIyE&t=5208s>. Acesso em 26 ago. 2021.
40

balões, imagens de São Benedito e São Pedro. O Boi de Maracanã aparentemente conseguiu
aproveitar melhor o espaço do Teatro na sua apresentação, já que a performance do grupo foi
mais solta. Na vinheta de abertura do especial televisivo, destaque aos traços de silhuetas dos
considerados mestres e mestras da cultura popular maranhense já falecidos, como Coxinho
(antigo cantador do Boi de Pindaré), João Chiador (antigo cantador do Boi da Maioba e São
José de Ribamar), Dona Teté (criadora da dança do cacuriá44) e Humberto de Maracanã. Ao
fundo, os versos compostos e interpretados pelo último mestre citado: “Esta herança foi
deixada por nossos avós / Hoje cultivada por nós / P’ra compor tua história, Maranhão”
(Mendes, 2007c).
Ressalto também o quanto a toada “Maranhão, meu tesouro, meu torrão” esteve
presente, não só nessas primeiras, mas em todas as apresentações do Boi de Maracanã ao
longo de 2021. Além de evocar a memória do antigo cantador do grupo, essa toada
demonstrou ter uma grande popularidade ao adequar-se em diferentes ambientes onde foi
interpretada e executada. Essa vinheta só reforçou a memória de Humberto Mendes e o
simbolismo elaborado, a partir de uma das suas mais conhecidas composições.

1.3.2 Entre o batizado e a morte do boi

Em tempos regulares, as festas do boi maranhense seguem a temporalidade litúrgica de


orientação católica ao conformar quatro grandes períodos: ensaios, iniciados após o Sábado
de Aleluia; batismo, que ocorre normalmente no dia 23 de junho, véspera do dia de São João
Batista; apresentações juninas, compreendido entre os dias 23 e 30 de junho, prolongando-se
ao mês de julho; e morte, que ocorre a partir do mês de agosto (Albernaz, 2004; Carvalho,
1995; Iphan, 2011). Dois deles - batismo e morte - são etapas específicas, pois carregam
consigo toda uma dimensão simbólica que remete às práticas devocionais, como pedido de
bênçãos e agradecimentos, além do simbolismo da saída do boi para as ruas ou de seu retorno
ao terreiro/sede.
Em 2021, devido às consequências das restrições pandêmicas, as festas da cultura
popular precisaram se readaptar, pois sua “preparação e realização se inserem no calendário
cíclico e repetitivo que entrecruza o calendário histórico, e este, por sua vez, segue sempre em

44
Dança sensualizada ao som do toque das caixas da Festa do Divino e flautas. Muito popular nas festas juninas
maranhenses.
41

frente. A cada ano os processos rituais concretos, dos quais as festas são a culminância,
retornam; ao fazê-lo revivem sentidos cosmológicos e ressignificam a experiência coletiva de
múltiplos grupos e segmentos sociais” (Cavalcanti & Gonçalves, 2021, p. 9).
No dia 23 de junho, véspera de São João Batista, o Boi de Maracanã organizou uma
live no Instagram do ritual de Batismo45, que ocorreu no terreiro/barracão do grupo, localizado
na zona rural de São Luís. O ritual do batismo consiste na renovação da promessa do grupo ao
santo padroeiro: ladainhas entoadas por rezadeiras precedem a revelação do novo couro do
boi artefato e no anúncio público simultâneo de novo padrinho ou madrinha. O local estava
plenamente enfeitado com bandeirinhas coloridas, paredes brancas com fotografias do grupo,
porém a parede do altar foi forrada inteiramente com tecidos em estampas de vivo colorido.
Haviam também nela banners com fotografias do antigo cantador, Humberto Mendes, quadro
de São Pedro e o próprio altar. Neste, encontrava-se uma imagem de gesso de São João e uma
foto do cantador em performance. Poucas pessoas ali estavam por conta das medidas de
prevenção da pandemia.
O terreiro do Maracanã, pelas imagens transmitidas na live, aparentou ser um espaço
grande, aproximadamente 25x50m, com duas salas de recepção ao público: uma destinada ao
uso mais social e outra, mais devocional. Todo o ritual de Batismo se deu diante do altar,
reforçando o compromisso da promessa do boi ao santo padroeiro da brincadeira. Uma hora
antes da virada para o dia 24 de junho, uma rezadeira começou a entoar ladainhas46 que
reverenciavam Deus, Nossa Senhora e algumas outras entidades cultuadas no catolicismo
popular. Quanto às ladainhas, consegui entender partes de algumas delas, devido a meu hábito
de ouvi-las a partir de experiências anteriores em outras festas do Maranhão, como a do
Divino Espírito Santo47 e da Queimação de Palhinhas48. No momento em que a rezadeira
exaltou São João nos cânticos, uma pessoa trouxe de outro cômodo a carcaça do Boi toda
coberta de inúmeros panos, que foram retirados e o novo couro revelado. Esse momento da
revelação do novo couro do boi artefato é particularmente intenso. Fogos de artifício

45
Live captada por um celular e transmitida nos stories do perfil oficial do Boi de Maracanã.
46
Cânticos religiosos em português ou latim, apropriados e ressignificados pela tradição oral local.
47
Festa tradicional da cultura popular maranhense, comumente comemorada nos dias que precedem Pentecostes,
data na qual a igreja Católica celebra a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos de Cristo. Em alguns
terreiros de cultos afro-brasileiros da região, pode ser celebrada nos dias de santos e entidades sincretizados do
catolicismo popular e cultuados nas casas.
48
Festa comemorada nas proximidades do dia de Reis, marcando o encerramento do período natalino com a
queimação de palhas ornamentais dos presépios de devotos.
42

anunciaram a entrada de um novo ciclo anual do grupo e a transição para o período das
apresentações públicas do Boi.
Os padrinhos, Vinícius Rafael (motorista e enfermeiro de 37 anos) e Iraci de Deus
(dona de casa e marisqueira de 45 anos), da comunidade do Maracanã, dirigiram-se à frente
do novo couro e juntos abençoaram-no com água gotejada, a partir de ramos de arruda,
repetindo palavras ditas pela presidente do grupo. O couro do Boi trazia de um lado a imagem
do Sagrado Coração de Maria, da Santa Ceia e de uma Preta Velha. Do outro lado, Santo
Expedito, uma palmeira babaçu e São João Batista. Todas essas imagens estavam bordadas
com canutilhos, miçangas e paetês nas laterais do dorso, porém o nome do couro estava na
parte frontal com o título “Realeza de São João”. O couro do boi, para Albernaz (2004), é o
locus condensado da simbologia do grupo. No caso do couro apresentado para o ciclo de
2021, os bordados traziam implícitos como que um emblema/pedido de proteção contra as
mazelas da pandemia e desejo de fartura para o grupo. O boi-artefato é constituído por três
partes que dão vida e significado ao símbolo mais importante da brincadeira: a
carcaça/capoeira49, cuja estrutura de armação em madeira é composta por cabeça, chifres,
corpo e rabo; o miolo que é o sujeito que se coloca dentro da armação, sendo responsável pela
performance durante as apresentações; e o couro que cobre a armação, onde são bordados
sobre o veludo preto imagens com valor simbólico valorizadas no grupo, como entidades,
lugares e pessoas estimadas ou cultuadas pelos brincantes (Figueiredo et al., 2021). Após a
ladainha, Maria José, a presidente do grupo, explicou a todos que o couro anterior,
denominado “Batalha de São João”, permaneceu por dois anos consecutivos na brincadeira,
reforçando como o ciclo predecessor se prolongou ritualmente no auge da pandemia. Neste
momento, os comentários dos espectadores virtuais eram, em sua maioria, nostálgicos, com
exaltação ao Batalhão de Ouro e elogios ao terreiro, ao couro “Realeza de São João” e à
administração da Associação.

49
De acordo com Figueiredo et al. (2021), é uma categoria nativa referente à carcaça do boi, no sotaque da Ilha.
43

Figura 5 - Altar principal, na parte interna do terreiro/barracão do Maracanã


Fonte: Acervo pessoal

Ribinha, amo do boi, puxou no grupo uma toada breve após o batismo. Os brincantes
esboçaram uma dança diante do altar de São João e depois se dirigiram para a frente do
terreiro/barracão. Seguindo o estilo de seu pai, Ribinha alertou o grupo quanto aos pequenos
erros nas batidas dos instrumentos, cantou algumas toadas, dentre elas uma de exaltação ao
Guriatã como formador de cantadores. Emannuel Victor cantou toadas de reverências às
entidades e uma de provocação direta ao “mafioso disfarçado”, apelido usado por Humberto
Mendes para se referir ao cantador contrário Chagas50. Humberto Filho e Roberto Ricci
também interpretaram suas novas composições. Na tarde do dia 24 de junho, dezenas de
carros dos simpatizantes e brincantes do boi seguiram em cortejo pelas ruas do Maracanã,
demonstrando suas devoções e encerrando as celebrações do dia de São João.
Após o batismo do Boi, outras atividades marcaram a fase de apresentações juninas
do Batalhão de Ouro. As duas primeiras foram lives transmitidas pelo Sinduscon-MA51 em
parceria com o Sesi/Fiema52, e pela TV Assembleia53 na plataforma do Youtube. Ambas

50
Antigo cantador do Boi da Maioba, da Pindoba e atualmente de São José de Ribamar.
51
Sindicato das Indústrias de Construção Civil do Maranhão. Live disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=FPq3pqXlGoU>. Acesso em 25 jun. 2021.
52
Serviço Social da Indústria/Federação das Indústrias do Estado do Maranhão.
53
Emissora local, administrada pela Assembleia Legislativa do Maranhão. Live disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=CyJTRbysag0&t=13365s>. Acesso em 26 jun. 2021.
44

tinham a finalidade de arrecadar doações para instituições de caridade e para o tratamento de


doenças venéreas.
Na primeira, o Boi de Maracanã foi a última dentre tantas atrações, garantindo um
status de protagonismo da live, confirmado com sua participação numa ação promocional,
organizada pelo Sebrae-MA54 e veiculada no evento para atingir os microempreendedores e
espectadores. Ao final, o presidente do Sinduscon-MA, Fábio Nahuz, apareceu com uma
camisa estilizada do Boi de Maracanã, tornando clara a forte integração do grupo cultural com
o Sistema “S”55 no Maranhão. Foi um evento que revelou a proximidade entre os
representantes empresariais e a diretoria desse grupo cultural.
Na apresentação para a TV Assembleia, o Boi de Maracanã levou os cantadores
Humberto Filho, Emmanuel Victor e mais alguns poucos brincantes. O destaque ficou para o
antigo couro “Batalha de São João”, com a imagem do Sagrado Coração de Jesus na testa do
boi-artefato; nas laterais, São Jorge, Nossa Senhora, palmeira babaçu, Santo Expedito e um
casarão antigo. Em alguns momentos da apresentação, o cantador Humberto Filho, além de
convidar os telespectadores para dançar em suas casas, agradeceu a diferentes políticos,
representantes da Assembleia legislativa. Em ambas lives, houve uma tentativa de aproximar
a experiência dos espectadores com os arraias de tempos regulares, constituídos de muitas
decorações juninas e programação com uma diversidade de atrações. Albernaz (2021, p. 114)
também pontuou em suas observações sobre o bumba meu boi na pandemia que “a principal
motivação para realizar as lives – mesmo aquelas solidárias – foi compensar a ausência da
festa nas ruas. Elas surgiram como substitutas das apresentações nos terreiros/sede do boi; nos
arraiais públicos e privados; e nas casas de apoiadores e colaboradores dos grupos de bumba
meu boi.” Essas lives e apresentações descritas anteriormente são provas de como a inserção
do bumba meu boi na complexa rede de relações sociais e político-econômicas é um
mecanismo utilizado pelos grupos para ajudar a garantir sua continuidade e sustentabilidade
financeira.

54
Serviço de apoio às micro e pequenas empresas do Maranhão.
55
De acordo com a agência oficial de notícias do Senado federal, “é um termo que define o conjunto de
organizações das entidades corporativas voltadas para o treinamento profissional, assistência social, consultoria,
pesquisa e assistência técnica, que além de terem seu nome iniciado com a letra S, têm raízes comuns e
características organizacionais similares. Fazem parte do sistema S: Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de
Aprendizagem do Comércio (Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
(Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de Transporte
(Sest)”. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/sistema-s>. Acesso em 21
fev. 2022.
45

No dia de São Pedro, o amo Ribinha do Maracanã integrou uma mesa de discussões no
Youtube, com o tema “Bumba meu boi: a prática cultural mais popular do Maranhão”, durante
a XX Conferência Brasileira de Folkcomunicação56, ao lado da pesquisadora Letícia Cardoso,
do cantador Cláudio Sampaio do Boi Brilho da Ilha, da presidente Regina Avelar do Boi de
Leonardo e do mediador Adelson Fernando. Ribinha explicou que o mestre Humberto
Mendes exaltou elementos da natureza, memórias, histórias da comunidade e experiências
pessoais do entorno do Maracanã em suas composições. Destacou também a preocupação
atual do grupo em manter a linha temática e melódica nas toadas, a tradição nas indumentárias
e no respeito aos antepassados.
No dia seguinte, de São Marçal, o Boi de Maracanã disponibilizou um vídeo do
especial “Realeza de São João”57, no Youtube, com imagens editadas do evento de batizado do
Boi e cortejo ao santo padroeiro. Percebi o quanto a imagem de Humberto Mendes é
rememorada pelo grupo de diferentes formas. A começar pelo cartaz de divulgação do próprio
evento nas redes sociais, que trazia o antigo cantador com um maracá na mão. Existia também
uma fotografia dele abaixo de São João no altar, nos banners com reproduções de ícones do
mestre atrás dos apresentadores do vídeo, na porta de entrada do barracão, e também na
pele/napa dos pandeirões. Portanto, é nítida a intenção real de sempre relembrar Humberto
Mendes a partir de suas imagens ou ícones que façam alusão à sua figura. Assim como Barros
(1989), a partir de seus estudos com fotografias de família, considera essas como
imagens-modelos das memórias familiares, acredito que a imagem de Humberto de Maracanã
também se tornou um emblema, reproduzido e compartilhado com a função de transmissão
dos valores e memórias do grupo.

56
Realizada remotamente pela Rede Folkcom (grupo de estudiosos do folclore), em parceria com a UFMA
(Universidade Federal do Maranhão), no dia 29 jun. 2021.
57
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=BRCFWxS8fKI>. Acesso em 01 jul. 2021.
46

Figuras 6 e 7 - Utilização das imagens de Humberto Mendes no Maracanã.


Fonte: Reprodução/Instagram

Essas práticas de rememorações em torno de Humberto Mendes no Boi de Maracanã


remetem às discussões de Michael Pollack (1992) sobre a associação entre memória e
identidade como fenômeno construído coletivamente:

Podemos, portanto, dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto
individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do
sentimento de continuidade e coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si
(Pollack, 1992, p. 204).

Para o autor, uma parte da memória é herdada, reforçando os aspectos identitários que
utilizam como referências o outro e a continuidade para a (re)construção da imagem de si. No
contexto do meio social boieiro, o Batalhão de Ouro aciona em grande parte das vezes
lembranças e alusões à Humberto Mendes também como uma forma de se diferenciar diante
dos outros grupos no sistema cultural do bumba meu boi. As imagens e ícones do mestre são
produtos do processo de simbolização desse personagem.
47

O Boi de Maracanã participou também da live do Ceprama58, local tradicional de


eventos juninos próximo à região central da cidade de São Luís. Essa produção foi promovida
pelo Governo do Estado do Maranhão, com apoio da Prefeitura de São Luís, além de outras
empresas do setor imobiliário, comercial e de energéticos. O evento foi considerado como o
encerramento oficial do São João pelos órgãos públicos. Com uma apresentação curta e
enxuta, o Batalhão de Ouro confirmou, assim, ter sido um dos grupos de bumba meu boi mais
integrados à agenda junina no Maranhão, no contexto pandêmico.
O Boi de Maracanã se preparou para o ritual de morte do Boi “Realeza de São João”,
encerrando mais um ciclo junino. Porém, Ribinha participou antes de mais uma mesa de
discussão, cujo tema era “Boi de Maracanã - memórias, identidades e saberes culturais”,
realizada pelo Grupo de Estudos em Línguas da UFMA59. Entrevistado pelos professores
Cláudio Bezerra, Georgina Santos e Elenice Gama, o amo do boi Ribinha confirmou que
participa do Maracanã desde os seus 14 anos, após receber o convite de seu pai, Humberto
Mendes, para integrar o grupo de adultos. Ele também relatou que segurou a bandeira ou
segurou o maracá60 a partir de 2011, por decisão conjunta da diretoria do Boi no contexto das
comorbidades que seu pai enfrentava. Após a morte de Humberto de Maracanã, em 2015, o
grupo decidiu continuar com a tradição deixada pelo antigo mestre, diante dos comentários
negativos ou incrédulos de algumas pessoas. Ribinha também explicou que o legado no
Maracanã é a preocupação de passar os ensinamentos de pai para filho, avô para netos, ou
seja, é ensinar para as novas gerações61 as origens e o modo tradicional da brincadeira de boi.
Na sua visão, a função do cantador, além de ser um contato com outras pessoas, bairros e
instituições, está ligada aos saberes dos antepassados e ao dom dado por Deus. Ao final,
defendeu mais investimentos para cultura popular que, na sua opinião, não vai deixar de
existir, dependendo de quem cuida.

58
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=kwfeWwVpCTg >. Acesso em 04 jul. 2021.
59
VII Reunião aberta dos estudos do Gelmic/UFMA. Live disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=8qRWVuPtk6A&list=WL&index=9>. Acesso em 25 ago. 2021.
60
Categorias nativas com o significado de tomar a frente, liderar um grupo ou a cantoria no meio boieiro.
61
Como sugerido por Barros (2006), baseada em suas entrevistas com mulheres jovens e idosas do Rio de
Janeiro e nas análises de Alzira Abreu sobre a geração de jovens de 1964 (início do período da Ditadura militar
no Brasil), geração é o conjunto de pessoas nascidas em mesma época que interagem com outras de períodos
distintos, cujas relações expressam diferenças entre construções sociais da juventude (modelo ideal de
comportamento, emoções e representação de si, mas sem memória) e da velhice (riqueza de saberes e técnicas,
porém sem projeto de vida), além das diferenças circunstanciais no campo de possibilidades de escolhas, no
contexto das sociedades moderno-contemporâneas complexas.
48

Mesmo com alguns apoiadores e patrocinadores (como o Governo do Estado,


Prefeitura de São Luís, Sesi/Fiema, Equatorial Energia, entre outros) o Boi de Maracanã não
conseguiu recursos suficientes para transmitir a live do ritual da Morte do Boi nas redes
sociais. Uma das soluções encontradas pelo grupo foi a parceria fechada com a rádio Conexão
FM62, que se caracteriza por ser digital e com operação próxima ao barracão do Boi. Outra
saída foi divulgar o evento nas redes sociais e nas mídias tradicionais com cartazes, evocando
a presença de Humberto Mendes ao lado dos cantadores atuais, e os seguintes versos de uma
toada composta pelo mestre do Maracanã na descrição das publicações:

Vai morrer, nosso boi vai morrer…


Vou sentir esta separação

Uma lágrima cai dos meus olhos, ai meu Deus


Dentro do meu coração (Mendes, 2007).

Entre os dias 7 e 9 de agosto, a cobertura do ritual de Morte foi compartilhada no


Instagram com muitas fotos e stories publicados ao longo de todo o final de semana. Os
registros captaram momentos comuns e outros peculiares ao ritual, como a roda de fogueira
para esquentar os pandeirões, o miolo do Boi, a performance do cantador Humberto Filho, o
levantamento do mourão, além de brincantes em ação com suas matracas e membros da
diretoria.
Na manhã do domingo (08/08), ocorreu o levantamento do mourão, árvore que marca
o período de realização do ritual de morte. “O Mourão é uma espécie de mastro ornamentado
com enfeites e brinquedos, produzidos pelos brincantes, além de outros presentes (caixas de
bombons e artefatos domésticos), que são oferecidos pelo amo do Boi a pessoas da
comunidade como uma forma de ‘jóia’ ou ‘prenda’ do Boi” (Cardoso, 2016, p. 157). Seus
galhos foram revestidos de papéis amarelo e branco e abençoados sob o comando de Maria
José. Erguido com a ajuda de dezenas de pessoas na frente do barracão ou terreiro do boi, os
brincantes rezaram e acenderam velas aos pés do mourão. Muitos enfeites, como imagens de
São João Batista, boizinhos e instrumentos característicos do sotaque de matraca, estavam
pendurados nos galhos. Bandeirinhas coloridas enfeitavam toda a frente do barracão.

62
Rádio comunitária, operada em São Luís do Maranhão.
49

Figura 8 - Mourão na frente do terreiro do Maracanã.


Fonte: Reprodução/ Instagram

Na noite do domingo (08/08), o couro do Boi foi revestido por um manto em amarelo
e branco, as cores do mourão, e com várias folhas sobre seus chifres. O animal-artefato estava
guardado dentro de uma igreja da comunidade. Os padrinhos do Boi foram-no buscar,
realizando um cortejo que o levaram até o barracão do grupo, próximo ao mourão. Nesse
espaço, ele foi laçado por um vaqueiro para ser “abatido” aos pés da árvore. Seu “sangue”,
vinho tinto, foi compartilhado e distribuído entre os brincantes e simpatizantes do Maracanã.
Logo depois, foi realizada a derrubada do mourão, marcando o encerramento do ritual de
morte do Boi “Realeza de São João”. A árvore foi carregada por inúmeras pessoas e colocada
nos fundos da parte externa do terreiro com velas aos seus pés e queimação de incensos, como
uma forma de abençoá-lo e protegê-lo de algo ruim.
50

Figura 9 - Momento da morte do boi aos pés do mourão


Fonte: Reprodução/ Instagram

Esses eventos são a prova do esforço do Boi de Maracanã em manter a realização das
etapas de um ciclo junino, iniciadas no grupo com o primeiro ensaio, Cantoria, no segundo
domingo de maio, quando são apresentadas popularmente as toadas inéditas do ano. O ensaio
redondo ocorre no primeiro final de semana de junho, finalizando a preparação. O batizado,
na virada entre 23 e 24 de junho, é o ritual no qual o grupo, além de cumprir suas obrigações
devocionais, faz a passagem simbólica da casa (representada pelo terreiro/barracão no bumba
meu boi), local de harmonia e controle das regras, para a rua, local de disputas e imprevistos
como discutidos por DaMatta (1997). As apresentações se deram de meados de junho ao
segundo domingo de agosto, quando foi realizado o ritual de morte, simbolizando o retorno
do grupo para casa, ao reforçar os elos criados em torno dos brincantes com o boi, num misto
de sentimentos de saudades e esperança. No contexto das lives, o grupo optou por transmitir
ou divulgar os rituais de modos distintos, mas sem deixar de compartilhar pelas redes sociais.
Essa estratégia adotada foi percebida também nas lives dos Bois de Parintins (AM), por
51

Cavalcanti e Barbieri (2021), durante o contexto pandêmico. A importância de alguns eventos


como marcadores do calendário de um ciclo nas festas da cultura popular, incorporados ou
mantidos pelos grupos nas suas atividades online.

1.3.3 Continuação das atividades

Com a passagem do ritual de morte do Boi, o grupo do Maracanã não paralisou suas
atividades, realizadas até o fim de 2021 e focalizadas em participações nas lives produzidas
por grupos culturais parceiros e pelas universidades. Uma delas foi realizada no mês de
setembro em homenagem ao cantador Humberto de Maracanã, no projeto Vozes de Mestre63,
no dia 11 de setembro, com captação via plataforma zoom, mas transmitida no Youtube, as
apresentações se intercalaram entre o Batalhão de Ouro e o grupo mineiro, sob a mediação de
Marcos Rhossard. Foi uma conexão intensa entre São Luís do Maranhão e Belo Horizonte, na
qual os cantadores do grupo maranhense interpretaram inúmeras toadas, compostas por
Humberto Mendes, num esquema de pot-pourri que reforçou a ideia de continuidade do grupo
e cultivo da memória do mestre, presente no discurso da presidente Maria José, e na ideia de
um legado formado pelas escolhas diretas de Humberto de Maracanã nos mais diferentes
segmentos do Boi, de acordo com o amo Ribinha.
Em 29 de setembro de 2021, a toada “Maranhão, meu tesouro, meu torrão” se tornou
Patrimônio Imaterial do Maranhão, como consequência de um projeto de lei estadual64. A
comemoração desse fato foi realizada numa publicação, no Instagram65 oficial do grupo, na
qual existe a imagem de Humberto Mendes com versos estilizados da toada em questão. O
texto da publicação e os comentários se resumiram ao sentimento nostálgico, parabenizações
e muitos emojis66 de palmas ou corações. Entendo que a aprovação desse projeto de lei, além
de ser mais um reconhecimento da obra musical de Humberto Mendes, referendado pelo

63
Projeto de 2008 com objetivos de valorizar a divulgação e o fomento da cultura popular a partir de eventos
promovidos em diferentes formatos no meio digital. Aprovado pela Lei Aldir Blanc, no estado de Minas Gerais,
a edição online de 2021 se dedicou a homenagear mestres que marcaram expressões do congado, do candomblé
e do bumba meu boi: Dona Maria Casimira das Dores (Rainha Conga de Minas), Pai Euclides Talabyan da Casa
Fanti Ashanti (Maranhão) e Humberto de Maracanã (Maranhão). Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=7lcpgizPZro&t=1380s>. Acesso em 17 jan. 2022
64
Projeto de lei 390/2021, de autoria do deputado estadual Luís Henrique Lula da Silva (PT).
<https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2021/09/29/meu-tesouro-meu-torrao-projeto-de-lei-declara-toada-pa
trimonio-imaterial-do-maranhao.ghtml>. Acesso em 15 fev. 2022.
65
Disponível em < https://www.instagram.com/p/CUbIwWIpt_X/ >. Acesso em 29 set. 2021.
66
Representações gráficas ou desenhos comuns na linguagem informal da internet.
52

estado, é um reflexo do intenso contexto de patrimonialização presente nas dinâmicas


culturais da sociedade maranhense.
Os cantadores do Maracanã participaram ainda de uma live em formato de mesa
redonda com membros do grupo Cupuaçu da cidade de São Paulo e do Boi da Madre Deus
(sotaque de matraca, de São Luís), no dia 31 de outubro. O evento era parte do projeto
“Espetáculo Brasil Terreiro”67, cuja conversa foi dominada pela proximidade entre grupos
distantes geograficamente e até mesmo na rivalidade construída, reforçando que o outro lado
da relação entre os rivais, Bois de Maracanã e da Madre Deus, é a afeição (Cavalcanti, 2018).
Outro traço percebido na conversa foi a dominância dos maranhenses migrantes em outros
estados e que levaram um pouco da cultura de sua terra-natal para novos lugares, com as
expressões do bumba meu boi, cacuriá e tambor de crioula. O contato entre o Boi de
Maracanã e o grupo Cupuaçu já existe há muitos anos, desde a entrada de Humberto Mendes
no grupo musical Ponto BR, quando conheceu Graça Reis. Ribinha também ocupa o lugar de
seu pai nesse coletivo atualmente.
Maria José foi convidada para integrar a mesa redonda, cujo tema “Culturas
Populares, saberes e fazeres das comunidades tradicionais” do ENDIFRE68, contou com a
presença do mediador prof. Acildo Leite, de Regina Avelar (presidente do Boi de Leonardo) e
Pai Airton (da casa Ilê Ashé Ogum Sogbô da Liberdade). Na live, transmitida no Youtube, em
4 de novembro, a presidente do Boi de Maracanã frisou que na cultura popular é comum
haver uma passagem de valores, tradições e saberes de geração a geração, assim como
acontece atualmente no seu grupo, graças ao privilégio de toda a comunidade ter aprendido
com o mestre Humberto Mendes. Ela afirmou também que pelo fato de ter sido uma pessoa
de confiança dele, recebeu saberes e funções no Boi, como a parte espiritual e burocrática do
grupo. Concordou com Regina Avelar de que a liderança no bumba meu boi é uma missão
árdua, um compromisso com os santos e um cuidado com a história ao dar continuidade.
As atividades do Batalhão de Ouro, ao final de 2021, foram consequências de
investimentos recebidos pelo grupo ao idealizar ou integrar novos projetos. Como sua
apresentação no “São Luís Cultural”69, no dia 15 de novembro, uma ação da Prefeitura de São

67
"Brasil Terreiro" é um projeto itinerante que pretende visitar 22 comunidades de São Paulo, interior paulista e
do Maranhão. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=kZuQ1EU9o7I>. Acesso em 12 jan. 2022.
68
Encontro Nacional de Diálogos Freirianos na UFMA. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=oCT4rP-_cJQ>. Acesso em 11 jan. 2022
69
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=qT1Ximklfgw>. Acesso em 11 jan. 2022.
53

Luís por meio de sua secretaria de cultura, financiada pela lei Aldir Blanc70. Outro projeto que
conquistou financiamento pela mesma lei, mas com apoio da Secretaria de Cultura do
Governo do Estado, foi o “Urrou no Maracanã”71. Realizado há sete anos pelo Boi de
Maracanã, cujo ícone gráfico era o mestre Humberto Mendes, a última edição foi publicada
em 6 de dezembro, no Youtube. O terreiro do Maracanã, onde os grupos da região rural se
apresentaram na parte interna, serviu como cenário. Foram convidados o folguedo natalino
“Reis do Alecrim”, a dança portuguesa “Império de Bragança”, a companhia teatral “Juçara
com Farinha”, o tambor de crioula “Orgulho de São Benedito” do bairro de Itapera, cantoras
locais Tati Mendes e Gisele Padilha, o Boi Itapera de Maracanã (sotaque de Matraca) e o
próprio Boi de Maracanã. Esse evento foi uma forma do Batalhão de Ouro valorizar e manter
relações próximas com as expressões culturais do seu reduto e das vizinhanças da região.
Em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, o Boi de
Maracanã foi convidado a integrar o Projeto Biodiversidade72 que resultou numa websérie,
chamada “Na toada do Maracanã” (2021), dividida em 10 episódios e compartilhada na
página oficial do grupo no Facebook. No formato que intercala apresentações musicais,
mini-oficinas, relatos e entrevistas com membros da diretoria, cantadores e pessoas da nova
geração, foi possível perceber muitos aprendizados obtidos pelo grupo a partir do convívio
com Humberto Mendes. Por exemplo, os relatos de Rossana Cruz73, Jhonatan Oliveira74 e
Lavínia Assunção75 - responsáveis pelos caboclos de fita, de pena e índias - concordam que o
diferencial do Maracanã para os outros grupos é a padronização das cores (amarelo, verde e
vermelho) nas indumentárias, iniciadas e orientadas pelo Mestre do Maracanã. Outro relato
importante é o da atual presidente, Maria José76, que afirma ter dividido responsabilidades
quanto à parte burocrática da administração com dona Neide e Josely ao longo dos anos de
1990. Quando Humberto Mendes decidiu focalizar sua rotina apenas nas responsabilidades
artístico-musicais, no início dos anos 2000, indicou Maria José para a presidência, sob o

70
Promulgada em 2020, essa lei visou financiar projetos artísticos e culturais de diferentes formatos como um
auxílio no contexto de pandemia.
71
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=vrQzlWC-NUU>. Acesso em 12 jan. 2022.
72
Elaborado pelo Sistema Municipal de Bibliotecas da Cidade de São Paulo.
73
Disponível em: <https://www.facebook.com/boidemaracana/videos/1048422972614447>. Acesso em 13 jan.
2022.
74
Disponível em: <https://www.facebook.com/watch/?v=444188434039191>. Acesso em 13 jan. 2022.
75
Disponível em: <https://www.facebook.com/watch/?v=599778001232452>. Acesso em 13 jan. 2022.
76
Disponível em: <https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=609579067019478>.
Acesso em 14 jan. 2022.
54

argumento de que ela tinha “jogo de cintura” para resolver as dificuldades. O grupo
concordou e, em sua maioria, apoiou a sugestão.
Dessa forma, Humberto Mendes foi o líder obedecido pelo grupo durante mais de
quatro décadas no Boi de Maracanã. Luciana Carvalho (2011, p. 257), a partir de observações
e convivência no meio boieiro, entendeu a configuração social dos bumba-bois caracterizada
pela “mínima diferenciação entre diversos componentes do grupo, que independentemente de
suas posições na brincadeira, guardam obediência a um indivíduo acima de qualquer outro”.
Houve uma preparação gradual de algumas pessoas próximas ou familiares a Humberto
Mendes para que o grupo pudesse seguir a divisão das responsabilidades artísticas e
administrativas. Atualmente, José Ribamar (Ribinha) é o filho sucessor no posto de amo do
Boi - desejo relatado por seu pai (Mendes, 2008, p. 191); e Maria José, uma das viúvas, é a
responsável pela parte administrativa e religiosa do grupo. Como pontuou Cardoso (2016) nas
observações do Boi de Maracanã, após a morte do mestre, a passagem de liderança dentro do
grupo enfrentou conflitos internos relativamente superados com a busca de legitimidade da
atual diretoria, baseada na familiaridade e hereditariedade diante do grupo e de seu bairro e
comunidades de referência.
No dia 19 de janeiro de 2022, o Boi de Maracanã fez uma postagem no Instagram em
homenagem aos sete anos de falecimento de Humberto Mendes77. No texto, são ressaltados o
sentimento de saudade da sua presença física e das lembranças de sua performance, a
continuação de seus ensinamentos e as recordações quanto à sua obra. Na imagem, o ícone de
seu perfil, estilizado em diferentes cores, usando um chapéu na cabeça, ornado com algumas
penas. Nos comentários, muitos simpatizantes e brincantes do grupo saudaram o mestre e lhe
deram vivas.
A partir desses dados obtidos ao longo do acompanhamento de um ano (2021) das
atividades do Boi de Maracanã, percebo que o sentido nativo que parece emergir em torno da
categoria legado remete ao conjunto de práticas, ideias, valores e conhecimentos construídos,
rememorados e transmitidos entre a geração de Humberto Mendes e a de seus filhos.
Associa-se de modo geral atualmente no meio boieiro a ideia de legado a um indivíduo com
trajetória marcante e reconhecido dentro de um grupo sociocultural. Essa noção configurou-se
coletivamente, a partir do intenso contato entre o Batalhão de Ouro e toda uma rede de
pessoas e projetos culturais envolvidos com as mais diferentes camadas sociais, instituições,

77
Disponível em: <https://www.instagram.com/p/CY6aWokAoBt/>. Acesso em 19 jan. 2021.
55

empresas, universidades, órgãos públicos, ou seja, com a sociedade mais ampla que se
intensifica em novas bases desde os anos 2000. A finalidade da construção do que é
denominado atualmente como o legado de Humberto de Maracanã é dar continuidade à vida
do grupo e integrar o processo de valorização de suas características identitárias imersas nas
interações cheias de rivalidades do meio boieiro, e fortalecido no contexto das políticas
públicas do patrimônio cultural imaterial, iniciado nos anos 2000, que engloba inúmeros
processos da cultura popular brasileira, entre eles o chamado complexo cultural do bumba
meu boi maranhense.
Com isso, surgem as perguntas: quem foi Humberto Mendes? Quais momentos
marcantes de sua trajetória se relacionam com o Boi de Maracanã? Em quais contextos se deu
o processo de construção da sua imagem e projeção no meio boieiro e na sociedade?
56

CAPÍTULO 2 - O GURIATÃ DO MARACANÃ

2.1 INÍCIO DE TRAJETÓRIA NA BRINCADEIRA DE BOI

Em 2008, Humberto Barbosa Mendes concedeu entrevista aos pesquisadores da


Comissão Maranhense de Folclore, transcrita por Márcia Teresa Pinto Mendes, para integrar o
volume VII da coletânea de livros “Memória de Velhos: Depoimentos”. Dedicada a reunir
relatos e narrativas de vida de personalidades marcantes da cultura popular local, essa
coletânea integrou um programa de história oral na criação de um núcleo de memória da
Secretaria Maranhense de Cultura (Secma). A entrevista é uma fonte preciosa de dados a seu
respeito (Mendes, 2008, p. 134-191). Ele nasceu em 2 de novembro de 1939, foi filho de
Cândido José Mendes e Edeltrudes Barbosa Mendes. Seus avós maternos - Hermínio Ursulino
Barbosa e Basília Martins Barbosa - teriam integrado a população que conformou o bairro do
Maracanã, situado na zona rural ao sul do centro da capital, por volta de 1875. Nessa época,
os Algarves, família de origem portuguesa e donos de uma fazenda na região, decidiram
vendê-la a três famílias que trabalhavam em suas terras: Costa, Barbosa e um segmento dos
próprios Algarves; e a duas famílias de negros alforriados: Coutinho e Pereira. Os avós
paternos de Humberto Mendes – Romão Baldez e Sebastiana Rosa Mendes – eram migrantes
vindos da região de Mato Grosso78, no Maranhão, que chegaram por lá nesse mesmo período.
O entrevistado reconhece ter ascendência de negros e indígenas, citando o exemplo de uma de
suas bisavós, Ledgera, uma negra alta e bonita, além de um de seus avôs ser branco e
descendente de índios79. O povoamento inicial do Maracanã parece se caracterizar pela
formação de relações de parentesco tecidas ao longo do tempo entre e dentro dessas famílias.
Segundo Humberto Mendes, parte dos Algarves teria vendido a fazenda para retornar à
Portugal80. A partir de meados do século XIX, com as monoculturas de cana-de-açúcar e
algodão, o Maranhão enfrentou um período de apogeu econômico logo seguido de
decadência. Primeiramente, houve o repentino sucesso de exportação de algodão para a
Europa, durante a Guerra Civil dos Estados Unidos, entre 1861 e 1865. Então as dificuldades

78
Com essa afirmação de Humberto Mendes (ibid., p. 136), pesquisei nos mapas maranhenses e encontrei duas
hipóteses em torno de Mato Grosso: ser um povoado do município de Loreto, no sul do Maranhão; ou de Vitória
do Mearim, na região central do estado.
79
O entrevistado não deixou claro se esses exemplos de avós ou bisavós eram do lado paterno ou materno (ibid.,
p. 136).
80
Ibid., p. 135.
57

financeiras surgiram e se intensificaram depois da Abolição da Escravatura, em 1888


(Nascimento, 2001). Com essas informações e de acordo com o contexto histórico, entendo
que a formação do bairro do Maracanã, caracterizado por seus aspectos rurais e constituído
em sua maioria por negros, mestiços e brancos pobres camponeses, cresceu com o afluxo dos
processos migratórios internos ao estado, na cidade de São Luís.
No Maracanã, Humberto Mendes teria vivido uma infância de pobreza e muitas
dificuldades, pois se tornou órfão de mãe, por volta de 1943, quando tinha ainda três anos e
doze irmãos. Foram as mulheres da família, sua irmã Maria José, sua tia materna Raimunda
Mendes e uma de suas avós que se responsabilizaram por sua criação. Gostava de brincar, e
por vezes fazia os próprios brinquedos. A vida humilde melhoraria levemente, em 1945,
quando se mudou a fim de morar com o pai, Cândido Mendes, no bairro da Maioba81.
Cândido era dono de um comércio de madeiras e as condições financeiras melhores
permitiram a Humberto Mendes começar a estudar, conseguindo completar o 4º ano do antigo
Ensino Fundamental. Entre as peraltices dos anos escolares e as brincadeiras, ele foi criado
vendo seu pai ocupado com os trabalhos, com a liderança em diferentes atividades
associativas (como time de futebol, blocos de Carnaval, organização da Festa de São Miguel)
e os inúmeros casos amorosos com mulheres. Humberto Mendes acredita ter herdado o
espírito de liderança do seu pai (Mendes, 2008, p. 171), mas seu envolvimento com o bumba
meu boi logo o individualizaria, pois já em 1951, Humberto Mendes teve um de seus
primeiros contatos com a brincadeira de boi:

Minha primeira participação em Bumba-meu-boi, eu tinha 12 anos, foi no Boi de criança na Maioba. A
ideia do grupo partiu de mim e um garoto chamado Ciríaco. Nós morávamos em um lugar bonito, cheio
de areia limpa, dava gosto até deitar na areia, as pessoas mais velhas ficavam ali perto de um comércio
jogando dominó, baralho e as crianças ficavam sentadas brincando, contando histórias e a partir daí
surgiu a ideia de fazermos um Boi porque acompanhávamos o Boi Lírio da Noite, do senhor Davi, que
havia nessa época, e resolvemos fazer um (...) Nós tínhamos em torno de 12, 14, 15 anos usávamos
calças curtas, tocávamos pandeiros, mas não tínhamos cantador. Então eu disse: eu vou ser o cantador,
peguei uma latinha de leite, chapei a lata, enchi de pedras e fiz o maracá (...) A princípio não compunha
toadas, cantávamos as toadas do Paulino, cantador do Boi da Pindoba e predileto do povo de
Mocajituba-São Pedro, onde eu morava, e de Boa Vista, e o de Januário, considerado rei dos cantadores.
O Boi nós fizemos de cofo82 e cobrimos com um pano, a cabeça do boi foi confeccionada por seu
Catarino, um senhor que fazia tamancos, assim o Boi ficou pronto e passamos a ganhar dinheiro.
Quando contratavam, a gente se apresentava, depois repartíamos o dinheiro com todos ou então nós
comprávamos amendoim ou bolachinhas e dividíamos. (Mendes, 2008, p. 143-144)

81
Segundo Mendes, a Maioba seria um antigo reduto com descendentes de indígenas, pois antes era considerado
uma aldeia. Também conhecido pelos mais antigos como Sítio de São Pedro, atualmente se situa no município de
Paço do Lumiar, na grande região metropolitana (op. cit., p. 136; 139; 171).
82
Um tipo de cesto, forrado normalmente com palha entrelaçada. Muito utilizada por pescadores e coletores da
região para guardar peixes e outras coisas.
58

O Dossiê de Registro do Bumba meu boi como Patrimônio Cultural, no livro


Celebrações, do Iphan (2011) permite contextualizar essa fase da trajetória de vida de
Mendes. Nos anos de 1940 e 1950, em São Luís, seria comum a criação de bois mirins, que
serviriam na formação de mestres reconhecidos anos mais tarde. Tanto Apolônio Melônio83,
que fundou o Boi da Floresta (sotaque da Baixada), quanto Humberto Mendes iniciaram sua
vida na brincadeira de boi nesse contexto84.
Em sua tese sobre o Boi de Maracanã, Letícia Cardoso (2016) lembra que o termo
brincadeira é muito recorrente no linguajar dos maranhenses para se referir às inúmeras
expressões da cultura popular local. Essa autora também concorda com DaMatta (1997) na
ênfase ao caráter lúdico da brincadeira, aproximando-o semanticamente à fantasia, à
representação como oposição simbólica do real. Cavalcanti (2018), na etnografia do Festival
de Parintins, Amazonas, outra expressão festiva dos bois, chamou atenção para o sentido
ambivalente da categoria nativa brincadeira que integra contextos de disputas e rivalidades
entre grupos de brincantes. Enfatizo neste ponto a experiência criativa denotada pela noção de
brincadeira. Então, ao brincar boi com seus amigos, Humberto Mendes despertou para a
atividade musical. Eles, porém, logo receberam um primeiro pagamento para se apresentarem
na vizinhança da Maioba, e a seriedade de um compromisso se somou ao caráter lúdico e
criativo da brincadeira. Como contrapartida, os vizinhos contratantes pediram uma burrinha85
e um cantador com toadas próprias em troca de dinheiro para a compra de guloseimas entre
outras coisas:

O contrato do boi era feito assim... com 2 cruzeiros, 5 cruzeiros, 1 cruzeiro, 5 tostões. Aquilo, nós
pegava aquela grana e ia comprar amendoim, ou comprova bolachinha e dividia entre a rapaziada. Uma
senhora, chamada Mercês, contratou o boi. 5 cruzeiros pro boi, mas com uma condição: “se vocês
trouxerem uma burrinha e se vocês tiverem o cantador de vocês, cantando a toada dele mesmo”. “Cinco
cruzeiros, rapaz, é dinheiro pra caramba! Já pensou?! O tanto de amendoim que nós vamos comprar?”
Eu disse: “pode fazer o contrato que a toada já tá pronta”! (Guriatã, 2018)

83
Apolônio Melônio (1918-2015), quando tinha apenas 8 anos, formou com seus amigos de São João Batista
(MA) um bumba meu boi chamado “Ramalhete”. Depois de dois anos, mudaram o nome para “Boi pra Lindo
Fama”. (Silva, 2008, p. 73)
84
Isso parece ter ocorrido também mais tarde, nos anos de 1970, como exemplifica o cantador José Ribamar,
filho de Humberto Mendes e atual amo do Boi de Maracanã, que brincava no “Boi de Ribinha”, relatado por ele
em entrevista, no 9º episódio da websérie “Na Toada do Maracanã”. Episódio transmitido ao vivo, no perfil
oficial do Bumba meu boi de Maracanã, na plataforma do Facebook em 17 dez. 2021.
85
Personagem característico da manifestação do bumba meu boi, cuja função é proteger o cordão da brincadeira
contra invasores que possam atrapalhar o bailado dos brincantes. A indumentária é um boneco que contém o
centro aberto e dois suspensórios, cuja base é normalmente a representação de um cavalo/boi enfeitado. (Iphan,
2011, p. 153)
59

Esses fatos iniciais lembrados por Humberto Mendes auxiliam na reconstituição de


aspectos de sua trajetória. A ideia de biografias para DaMatta (1986, p. 67) “[...] se faz
precisamente pela alternância de situações que foram esquecidas com situações que
‘guardamos’ como tesouros ou cicatrizes em nossa cabeça e que formam o que denominamos
de ‘memória’”. Luciana Carvalho (2011), que teve por foco de sua pesquisa a experiência de
vida de Herbeth da Mafra Reis, ou seu Betinho - Pai Francisco por muitos anos no Bumba
meu boi da Fé em Deus, outro bairro ludovicense -, entendeu a memória acionada por ele
como um “[...] processo de reconstrução e organização das experiências vividas por um
indivíduo sobre um eixo temporal, em um passado mais ou menos próximo do momento da
evocação dessas experiências como lembranças” (Carvalho, 2011, p. 317). Gilberto Velho
(1994), que enfatiza a dominância das ideologias individualistas nas sociedades ocidentais
contemporâneas, chamou atenção para a dimensão individual da memória. Além de se tornar
socialmente relevante, situando-se em meio a um repertório de possibilidades culturais dadas
pelo contexto histórico-sociológico em pauta, articula-se à elaboração de um projeto
consciente por parte do sujeito que confere sentidos e embasa a narrativa autobiográfica.
Lembranças e esquecimentos são sempre organizados e reorganizados, retrospectivamente,
em função de uma certa posição narrativa do próprio sujeito e seu contexto particular de vida
em dado momento, e de injunções e contexto do próprio depoimento trazido por ele.
Os dados utilizados neste capítulo revelam a valorização de Humberto Mendes e de
sua experiência de vida, servindo como fontes de reconstrução não só biográfica, mas das
localidades de suas experiências e dos contextos mais amplos que condicionam os grupos de
bumba meu boi como um todo. Renata Amaral, diretora do documentário Guriatã (2018),
afirma que:

A partir da memória de Humberto – conhecedor de cada detalhe da tradição que guardava -, a história
do bumba meu boi na ilha de São Luís pode ser reconstruída de forma luminosa, além das
transformações de suas brincadeiras populares e a geografia particular da cidade ao longo de sua
ocupação desde a década de 1940. (Viana, 2017)

2.2 RETORNO AO MARACANÃ - DA VOCAÇÃO AO COMPROMISSO

Após a primeira experiência como compositor e cantador no boi mirim na Maioba,


relatada por Mestre Humberto, ele voltou ao Maracanã, em 1953, com 14 anos.
60

Estabeleceu-se na casa de outra irmã mais velha, Lindalva, casada com Valter Nogueira
Castro, pelos quais nutriu um sentimento de muito respeito (Mendes, 2008, p. 141). Ao trocar
o pai pela irmã, Humberto Mendes deu seu primeiro passo para conquistar a independência
financeira, trabalhando na roça, como lavrador. Desde a Maioba, hábil dançarino, ele também
foi desenvolvendo as habilidades de um sedutor, conquistando namoradas nas antigas festas e
bailes de salão (p. 140). Boa parte de sua vida particular e sentimental foi vivida com
diferentes mulheres, e esse aspecto de suas lembranças parece lhe trazer um certo orgulho de
si, indicando um referencial de masculinidade em que a figura do conquistador e do
reprodutor emerge muito valorizada.
Na juventude, Humberto Mendes, apesar de gostar de muitos ambientes de festas,
afastou-se aos poucos do bumba meu boi como cantador, preferindo apenas acompanhar as
brincadas tocando pandeiro86. Nos documentários Rio do Mirinzá (2007) e Guriatã (2018),
estão registrados sua performance e seu gosto por este instrumento de percussão:

O meu instrumento era pandeiro. Batia pandeiro mesmo direto. Botava uma garrafa de cachaça aqui
assim no bolso. Se todo mundo toma consciência, assim, cada um que vai pegando o pandeiro... vai
chegando e vai batendo diferente... aí é que fica bonito. Com poucos pandeiros, você faz uma trupiada
muito bonita. (Rio do Mirinzá, 2007)

Depois de servir ao Exército, entre 1958 e 1960, ele retornaria à rotina, cursando o
supletivo para concluir o 2º grau e trabalhando como lavrador para garantir sustento às suas
primeiras mulheres e muitos filhos. Continuou participando das festas e investindo em seu
talento para a composição de canções, experimentando muitos gêneros musicais87 como
samba, baião, marchinhas e fandango88, inclusive bolero e carimbó (Guriatã, 2018)89.
Começou compondo e cantando sambas, com ritmo de pagode, para seus amigos e parentes
do próprio bairro do Maracanã.

86
Também chamado de pandeirão, é um instrumento de percussão com formato circular, produzido em arco de
madeira e revestido com pele de couro animal (afinado no fogo) ou em arco de metal e pele de nylon. Utilizado
nos grupos de bumba meu boi do sotaque da Ilha e da Baixada, é segurado por uma das mãos e percutido com a
outra apoiada na altura do peito ou sobre os ombros (Iphan, 2011, p. 158).
87
Op. cit., p. 141; p. 173.
88
Humberto Mendes o descreveu como uma brincadeira carnavalesca na qual era retratada a época dos reinados
e das realezas com a presença de personagens, como rei, príncipes, condes, barões e vassalos. Existiam diálogos
e cânticos ensaiados sob o ritmo de valsa, baião e marchinhas (op. cit., p. 173-174).
89
Informação obtida a partir do relato de Murilo Pereira, compadre e amigo de Humberto de Maracanã,
concedido a este documentário.
61

Ah, pronto: Humberto é sambista, havia uma senhora de nome Socorro Macedo Torres que era dona de
um comércio próximo onde passava trem, esta senhora contratava as pessoas que trabalhavam com
máquinas de filmes para passar nos finais de semana. Havia também a parte musical. Naquela ocasião
ela perguntou quem gostava de cantar lá no Maracanã e o meu amigo João Meireles disse: olha vou
cantar um samba que não é de minha autoria é de um amigo nosso do Maracanã, que está fazendo uns
sambas muito bonitos. Eu sei que no sábado seguinte ela pediu que eu estivesse lá. Eu era muito
envergonhado, quando via o carro dela me escondia e os meus primos diziam pra mim: rapaz, vai lá,
Socorro quer pra ti cantar. E eu respondia: eu não vou cantar. Mas um dia resolveram me pegar, fui todo
me tremendo, quando cheguei deram-me o microfone, não sabia nem pegar, mas aí assumi, só sei que
desse dia em diante o cinema dela enchia, não era mais nem pelos filmes e sim pra me ouvir cantar (...)
(Mendes, 2008, p. 142)

Inicia-se, então, sua fase adulta que vai consolidando sua fama entre a vizinhança
como compositor e cantor. Inicialmente, ele acreditava que seguiria o caminho do samba,
depois que voltou da Maioba: “Vim pro Maracanã. Mas a minha vocação era samba, eu fazia
era samba, muitas outras músicas sem ser toadas” (Guriatã, 2018). Entendo que o sentido da
palavra vocação, nesta afirmação, está mais próximo ao chamado para uma atividade ou
ofício, perpassado por um reconhecimento coletivo. Isso acabaria influenciando também sua
vivência dentro do mundo social do bumba meu boi, já que ele costumava tirar toadas de boi
nas mesas de bar.
A partir dos anos de 1970 - marcados por ser um período de intensas mudanças
sócio-históricas, institucionais e culturais, com a implementação de políticas públicas para o
fomento de expressões da cultura popular no Maranhão -, ele parece ter se direcionado ao Boi,
em um processo de definição pessoal e de aceitação por parte do grupo do Boi de Maracanã,
com o projeto de se tornar também um cantador:

Em 1972, sob o comando do senhor José Martins, fui assistir o Boi e não gostei do comportamento dos
cantadores Ângelo Reis e Antonio Maconha, a partir daí comecei a pensar que estava na hora de me
pronunciar, dar a minha colaboração, então falei ao grupo que estava chateado, pois os cantadores
estavam escondendo-se, quando eram procurados nunca estavam. Decidi que no ano seguinte, se o Boi
fosse continuar, eu estava candidatando-me a cantar no Boi e acabar com esta molecagem.
Em 1973, houve a primeira reunião, eles me chamaram e eu pedi que eles ouvissem primeiro as minhas
toadas, pois nessa época era compositor de Escola de Samba. As primeiras toadas ainda eram parecidas
com o ritmo do samba, mas com o tempo foi ajeitando-se, melhorando e o negócio encaixou melhor.
(Mendes, 2008, p. 147)

A insatisfação com a performance de antigos cantadores motivou Humberto Mendes a


se oferecer para integrar o Boi de Maracanã. Mas, nos primeiros anos de cantoria, essa
dedicação às toadas não era clara para ele. Sua vivência no mundo do samba influenciou,
segundo o próprio, as primeiras composições de toada, mas aos poucos foi se adaptando. A
princípio, ele não queria firmar compromisso com a brincadeira, porque percebia que os
62

integrantes mais velhos do Boi de Maracanã haviam resistido a sua entrada, até que ele se viu
envolvido de outro modo com o Boi:

Mas aí eu fui me encaixando mesmo. Mas, ao mesmo tempo eu queria largar, até que enfim eu resolvi.
Como se alguém dissesse: “olha, não larga, não!” E me comprometendo mais. Fazer mais isso, mais
isso, mais isso... Até que eu entendi que eu não estava entrando pela minha própria conta. Eu estava
sendo chamado. E esse alguém foi São João. “Você vai tomar conta desse boi, tomar conta” (Guriatã,
2018).

A partir desse relato, creio que o processo de aceitação pessoal desse novo caminho
como cantador de Boi foi sendo gradativamente entendido por ele como correspondendo ao
chamado de São João Batista. Cardoso (2016) observou que, no reduto do Boi de Maracanã, é
comum seus integrantes utilizarem a palavra compromisso para justificarem religiosa e
tradicionalmente a realização da festa de bumba meu boi, enquadrando-a, assim, como uma
categoria nativa. Outro caso similar é o de Seu Betinho (Carvalho, 2011) que, ao se tornar Pai
Francisco, correspondeu a assumir um compromisso com São João, oriundo de herança e
devoção familiares.
O que vejo como aceitação para si mesmo desse novo caminho como compositor e
cantador é elaborado por Humberto Mendes como um compromisso com São João: ele devia
ser cantador no Bumba meu boi de Maracanã. Dessa forma a vocação se tornou também
compromisso. Logo após o reconhecimento de seu talento pelo antigo cantador do grupo,
Ângelo Reis, ele se dedicou integralmente ao universo boieiro:

No ano que assumi, o Ângelo Reis não cantou, pois o grupo neste ano estava muito pequeno, ele se
achava um cantador de renome. Eu e Basílio Reis, irmão dele, tínhamos que começar do pequeno, do
zero. No ano seguinte Ângelo voltou com toda força, inclusive com outros cantadores, e afastou-me, só
que eu já havia conquistado uma grande liderança e continuei com a minha participação, pois o grupo
gostava das minhas toadas, rapidamente tive fãs e todas queriam que eu fizesse um Boi e eu não queria
arrumar confusão. Quando chegou a hora do ensaio, eu disse: “olha já dei minha colaboração, gostaria
de continuar, mas vocês não querem aceitar”. No segundo ensaio eu larguei o grupo, começaram então
os recados das pessoas, queriam crucificar o José Martins que me chamou e disse: “olha Humberto, tu
não podes sair do Boi, Ângelo não vai fazer o que tu fizeste”. O Ângelo não aceitava a minha volta.
Resultado, nos dias de São João e São Pedro, retornei impressionado com a força do povo, o Ângelo
que era meu primo reconheceu e disse pra mim:
- Olha, parente a sua corrente é muito forte, mais forte que a minha. Eu estou perdendo lugar, você vai
assumir porque o povo lhe quer no Boi.
Eu respondi:
- Não vou, foi tu que me tirastes, como é que tu me queres no Boi?
Ângelo:
- Não, parente, aconteceram muitas coisas deselegantes. A questão foi a seguinte também: as pessoas
contratavam o Boi e a notícia era que Humberto já estava cantando, quando o Boi chegava
perguntavam: “cadê o cantador que tem aí por nome Humberto? O Boi só brinca se Humberto cantar”.
A partir daquele momento começou aquela humilhação com o Ângelo. Em 1975, ele não apareceu. Em
63

1976, éramos três cantadores: eu, Ângelo e o João Pisica, este não foi até o final do Boi porque eles
brigaram e a diretoria resolveu tirá-lo, ficando só eu e o Ângelo. (Mendes, 2008, p. 148)

É comum um período de incertezas, de indefinições ou mesmo de situações pouco


amistosas no interior de grupos culturais em processo de mudanças efetivas. A entrada de
Humberto Mendes no Boi de Maracanã teve como consequência uma rede de trocas de
informações e relatos entre os próprios integrantes do grupo, formando o que pode ser
definido como fofoca, um poderoso instrumento de controle social.
Baseada nas leituras e discussões de autores como Max Gluckman (1963), Norbert
Elias (2000) e Van Vleet (2003) e dos dados obtidos em experiências etnográficas do meio
boieiro, Carvalho (2011, p. 267) identificou a fofoca como “uma forma corriqueira de
comunicação entre donos, brincantes e colaboradores de bois que mantêm alguma intimidade,
independentemente das posições que ocupam na hierarquia do grupo, e se refere a tudo aquilo
que idealmente não se deve comentar abertamente para qualquer pessoa, quer diga respeito a
um indivíduo quer a um grupo”. Logo, apesar dos inúmeros desentendimentos e comentários
causando uma situação constrangedora para o antigo cantador, o talento de Humberto Mendes
e o apoio dado por uma quantidade significativa de integrantes do grupo conseguiram
consolidá-lo como cantador de Boi.
Em relatos disponíveis nos documentários “Rio do Mirinzá” (2007), “O Mestre do
Maracanã” (2014), “Guriatã” (2018), e no livro “Memória de Velhos - vol. VII” (2008), não
encontrei informações claras a respeito do período em que Humberto Mendes começou a
adotar o nome artístico – Humberto de Maracanã, e sua alcunha de Guriatã – pelo qual ficou
conhecido no sotaque da Ilha. Esses percalços reforçam o trabalho reconstrutivo de uma
trajetória com os fragmentos de memória do personagem, enfatizando a função narrativa do
pesquisador (Araújo, 1992). Michael Pollack (1989, p. 13) sugere que uma história de vida
obtida por meio de entrevista oral seria um exemplo de “memória enquadrada”, suscetível a
esquecimentos, sombras, silêncios e variadas formas de apresentação de acordo com o
contexto em que foi relatada. O caminho, segundo ele, poderia estar na reconstituição do
fio-condutor da trajetória, um núcleo resistente que define o lugar social do sujeito e sua
relação com os outros.
Como bem lembrado por Carvalho (2011, p. 186), dentro do sistema cultural de bumba
meu boi maranhense, a expressão “dar nomes aos bois” pode ter seu sentido ressignificado,
tornando-se os bois “dão nomes aos homens”, já que a participação do indivíduo nesses
64

grupos produz tomadas de decisões que auxiliam o processo de formação de sua identidade.
Hughes (2005) considera que os pontos de inflexão de uma carreira individual indicariam
mudanças a partir de processos transitórios na vida do sujeito, cujo ciclo biológico é
constituído por fases entrelaçadas em eventos singulares, ordenados socialmente e
relacionados com o mundo do trabalho. Orientado por essas noções, creio que o nome
artístico e a alcunha de Humberto Mendes marcam um ponto de virada em sua trajetória de
vida e o início de sua carreira como cantador.
Aliás, a escolha do pássaro de cores amarelo e azul-marinho e da palmeira, como seu
viveiro, inspirou-se na própria vivência de Humberto Mendes dentro do sotaque da Ilha e no
ambiente rural do bairro do Maracanã. Segundo ele, os antigos cantadores selecionavam o
nome de pássaros como alcunha e um viveiro, normalmente planta (Mendes, 2008, p. 173).
Por exemplo, a alcunha do cantador anterior no Maracanã, Ângelo Reis, era sabiá e o seu
viveiro, o galho da mangueira. O atual cantador Ribinha, filho de Humberto, afirmou durante
a VII Reunião Aberta de Estudos do Gelmic90 que a escolha de seu pai quanto à alcunha foi
motivada pelas cores do pássaro, pela facilidade em relação às rimas com o nome Maracanã e
pelo lindo cântico. Essas escolhas, além de espelhar parte da personalidade de um cantador,
formam sinais diacríticos que o ajudam a ser identificado dentro do sistema cultural do bumba
meu boi e a se diferenciar mutuamente entre tantos outros no sotaque da Ilha. Fredrik Barth
(2000) também percebeu sinais diacríticos entre diferentes grupos étnicos das regiões do
Oriente Médio e Ásia. Neles, o antropólogo norueguês apontou a existência de variáveis entre
subgrupos de uma mesma cultura, estabelecidas a partir das diferentes condições ecológicas,
contextos socioeconômicos e na interação entre indivíduos de mesmo ou distintos subgrupos.
A noção de sinais diacríticos perpassaria por estas variáveis compartilhadas dentro de um
sistema cultural e percebidas como significativas pelos próprios sujeitos, no processo de
individualização e na diferenciação de suas identidades.

2.3 LIDERANÇA NO BATALHÃO DE OURO

Os relatos de Humberto Mendes no vídeo “Bumba boi de Maracanã - Rumos Música”


(Itaú Cultural, 2011)91 relembram as festas de boi desde o final do século XIX. No Maracanã,

90
Transmitida ao vivo na plataforma do Youtube, no dia 21 de julho de 2021.
91
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=b2Xs4Y8bJtI>. Acesso em 6 jul. 2021.
65

essas festas são tidas como mais do que centenárias. Até meados dos anos de 1950, os
moradores se organizavam com donativos e recursos para ajudar a “botar o boi na rua”. O
contexto da brincadeira era de bois de promessa, devoção de fiéis a São João Batista que
tomavam a frente do grupo pelo menos por um ano. Os bois de promessa no Maracanã, além
de apresentarem uma troca constante de donos, foram muito intermitentes e com diferentes
nomes. A configuração do Boi de Maracanã ganhou outro panorama, quando José Martins
passou a liderar a organização fazendo a transição de bois de promessa como “Flor do Brasil”
(1955) e “Flor do Nascente” (1956), após hiato de três anos, para o chamado “União do Povo”
em 196092 em parceria com Ursulino Barbosa e Coriolano Barbosa, baseado no sistema de
cooperação e doação de alimentos ou recursos (Mendes, 2008, p. 146-147; 170). Porém, nem
todo ano era possível realizar a festa devido às dificuldades financeiras que as famílias da
região enfrentavam. Quando isso acontecia, muitos dos boieiros, incluindo Humberto
Mendes, deslocavam-se para outros bairros e redutos a fim de brincar boi:

Não tinha Boi todos os anos no Maracanã como existia na Maioba, Mata, Tirirical, Sítio do Apicum e
Iguaíba. (...) Quando não tinha Boi, aqui juntava Maioba e Maracanã e vice-versa, íamos para Santana
(povoado de Juçatuba), Bom Jardim, Turu, tanto que a origem das pessoas que compõem o grupo é
bastante diversificada (...). Alguns destes grupos já haviam feito associações para poderem sobreviver e
o Maracanã oscilava muito. (Mendes, 2008, p. 145)

Ficou evidente que o processo de institucionalização do grupo era importante para


manter a brincadeira de boi ativa no Maracanã. Pelo menos duas experiências vivenciadas por
Humberto Mendes o ajudaram na iniciativa e solução das questões burocráticas envolvidas.
Uma delas começou em 1960, quando ele e dois amigos, Lourenço e William, resolveram
iniciar um bloco carnavalesco no bairro, chamado “Irmãos da Folia” cujas fantasias
destacavam as cores azul e amarelo. Em 1961, a bateria se expandiu e o bloco se transformou
em uma escola de samba, “Maracanã do Samba”, que suspendeu suas atividades entre 1962 e
1968, encerrando-se por volta de 1974 (p. 173). Outra experiência ocorreu nesse mesmo

92
A partir de relatos orais dos antigos moradores, a pesquisadora Maria Michol de Carvalho (1995) chamou essa
nova configuração do Boi de Maracanã como “boi de sociedade”, no qual são lembrados como “cabeças da
organização”: Zé Martins, Zepé, Ezequiel, Sulico, Celestino, Geraldo, Coló, Agripino e Honorato. A autora
também traça um pequeno trajeto histórico da brincadeira. Ela afirma que não teria havido a realização de boi no
Maracanã entre os anos de 1961 e 1964. Em 1965 e 1966, os brincantes de Maracanã e Maioba se organizaram
em conjunto devido ao luto do antigo cantador Luís Dá na Vó, da Maioba. Em 1967 e 1968, João de Léia
organizou o boi e ensaiou um retorno à configuração coletiva, mas sem sucesso. Em 1969, Zé Martins, Zé Costa,
Juarez, Benedito Fala Besteira e João da Léia organizaram em conjunto. Em 1970, não houve boi no Maracanã.
Em 1971, o senhor Guilherme fez um boi de promessa. A retomada ao “boi de sociedade” só se daria em 1972.
(Carvalho, 1995, p. 78-79)
66

período, durante interação de Humberto Mendes com as comunidades eclesiais de base, que o
motivaram a desenvolver seu lado social de trabalhador rural:

Na década de 1960, o Florêncio, zelador da igreja do Maracanã não quis continuar, dizendo que deixaria
as chaves na porta da igreja caso não tivesse quem tomasse conta, então falei que tomaria conta; a partir
daí, comecei a organizar trabalhos com as pessoas, refletindo sobre a comunidade. Neste período, foi
fundada a igreja de São Cristóvão, com uns padres Redentoristas americanos, o padre Mateus (...). Estes
padres eram seguidores de uma linha social. Com eles vieram umas freiras da congregação Notre-Dame,
que se dividiam em dois grupos, umas trabalhavam o lado religioso no caso a irmã Lorette e as irmãs
Bárbara, Marlene e Carolina trabalhavam o lado social, este grupo passou a entrar nas comunidades,
fazendo reuniões, mostrando aquela nova experiência de trabalhos religiosos. Interessei-me. A partir daí
o Maracanã passou a ser modelo da paróquia e Humberto foi a pessoa que se destacou, fui eleito duas
vezes Coordenador Geral da paróquia. A partir daí ficamos conhecidos. Foram realizados projetos,
éramos visitados por agentes das instituições financiadoras para saber da viabilidade, ampliação das
metas dos projetos, enfim, foi muito bom esta época. Com esta experiência desenvolvi uma política
voltada para os trabalhadores do campo, lutando para que tivéssemos melhores condições de vida e
trabalho, isto era uma forma de brigar pelo trabalhador rural, e o ponto de partida seria os próprios
trabalhadores da capital. (Mendes, 2008, p. 175)

Como já destaquei, os anos 1960 e 1970 configuraram um ponto de inflexão no


contexto de atuação do bumba meu boi maranhense. Houve a implementação de políticas
públicas de financiamento a grupos populares e a criação de órgãos de cultura e turismo como
a Func (Fundação Municipal de Cultura) e a Maratur (Empresa Maranhense de Turismo),
criadas nos governos de Newton Belo (1961-1966) e José Sarney (1966-1970). Como
consequência, diferentes grupos começaram a se institucionalizar, tornando-se pessoas
jurídicas com a finalidade de obter recursos públicos93. No Boi de Maracanã, Humberto
Mendes, percebendo a oportunidade trazida pela implementação de mudanças, tomou a frente
deste processo:

Naquela época eu estava com 34 anos, daí pra frente continuei no grupo e com a experiência que já
tinha na comunidade eclesial de base, que trabalhavam com dinâmica de grupo e com o povo, comecei a
trazer esta experiência para o Boi, mostrando a eles como conseguir desenvolver um trabalho em
comunidade. No início foi difícil porque sofreram o impacto, a aceitação foi complicada, mas depois
descobriram que era bom. Os que não aceitaram saíram, algumas dessas pessoas até já faleceram. A
partir daí o Boi passou a sair todos os anos sempre sob a liderança de José Martins com algumas
diferenças, em 1979 o grupo passou a existir juridicamente, eu organizei tudo, pois com a experiência
de outra entidade que tinha fundado, organizei toda a documentação e na primeira eleição José Martins
foi eleito presidente, fiquei apenas como voluntário. (Mendes, 2008, p. 147)

93
Esse contexto político-cultural do Maranhão é bem explicado pelas autoras Albernaz (2004), Cavalcanti
(2009), Carvalho (2011) e Cardoso (2016). É possível encontrar mais informações também no dossiê de registro
do Bumba meu boi, no livro Celebrações, pelo Iphan (2011).
67

De acordo com a pesquisadora Letícia Cardoso (2016, p. 168), que teve acesso aos
documentos do Boi de Maracanã, a ata de fundação da Associação Folclórica e Beneficente
foi lavrada em 19 de setembro de 1979. Mendes entendia a tradição como a continuidade dos
valores na brincadeira dos antepassados do grupo e dos moradores do bairro. Logo, essas
mudanças pontuais se impunham para a continuidade do Bumba meu boi de Maracanã. O
processo bem demonstra o dinamismo na cultura popular:

“A cultura popular interpreta as noções de tradicional e moderno dentro de seu próprio universo de
relações. Estabelece assim distinções internas, nunca absolutas ou imutáveis, que buscam controlar e
refletir sobre mudanças sociais em curso com as quais inevitavelmente se depara” (Cavalcanti, 2001, p.
8).

Humberto Mendes começou a enfrentar resistências dos membros mais antigos do Boi
de Maracanã, pois sugeriu ações e metas que modificavam a maneira de ser do grupo até
então, como a construção de uma sede:

Quando iniciei os ensaios do Boi era na casa de José Martins, depois foi para casa de Ezequiel, onde se
fazia a Festa de Reis, pois tinha os equipamentos (...), mas à proporção que foram beneficiando a
estrada a casa dele foi ficando pequena, e nós achamos que deveríamos ter um lugar, apesar de ser uma
vez por ano, não deixava de ser incômodo para ele. Comecei então a passar a ideia para o grupo de
termos uma sede e eles foram aceitando. Nessa ocasião houve até um problema comigo, entrei em
choque com alguns pela minha vontade de querer transformar as coisas muito rápido (...). Em 1974 com
esta maneira de revolucionar entrei em choque com os mais velhos (...). Nesta época a Maioba já tinha
sua sede. (Mendes, 2008, p. 168-169)

A primeira sede do Boi de Maracanã foi construída em palha e taipa, em 1975, após a
doação de parte do terreno de Rosa Mochel, engenheira agrônoma, criadora da tradicional
Festa da Juçara. Maria José, atual presidente do grupo, relatou como era a construção da
antiga sede:

Antes era uma casa de taipa de palha e depois eles foram conseguindo o recurso pra fazer. Ela não era
nesse formato aqui, ela era um barracão de palha, onde eles se encontravam. Depois eles resolveram se
juntar e fazer um prediozinho… A fachada era a mesma de quando começaram a construir. (Maria José
apud Sousa, 2020, p. 150)

Em 1976, o grupo iniciou a construção da sede de alvenaria (Cardoso, 2016; Melo,


2005; Mendes, 2008). O desentendimento com os integrantes mais antigos persistiu ainda
quando Humberto Mendes defendeu a inclusão de mulheres e crianças no grupo:
68

Continuei como cantador e na organização do grupo. No início as reuniões, baseadas em princípios


democráticos, foi um tanto complicado, os mais velhos não estavam aceitando, quando comecei a pôr as
crianças, jovens e as mulheres foi mais difícil porque tinham aqueles homens adultos de 40, 50, 60, 70
até de 80 anos brincando que não aceitavam porque achavam que os jovens vinham só bagunçar, e as
mulheres eles perguntavam. Já viu mulher em Boi? Aos poucos fui mostrando a necessidade da
mocidade no grupo com o seguinte argumento: nós não seríamos os últimos, os nossos antepassados não
foram os últimos porque nós havíamos dado continuidade, provando que eles haviam dado
prosseguimento. As mulheres ajudando na cozinha, fazendo a comida, davam uma grande contribuição.
(Mendes, 2008, p. 149)

Entendo que Humberto Mendes, apesar do conflito geracional revelado no Boi de


Maracanã, conquistou o lugar de uma liderança relativamente consensual, pois conseguiu
convencer e ouvir diferentes pensamentos por parte dos integrantes do grupo que
modernizaram, ou seja, adequaram o Boi aos novos tempos da cultura popular maranhense.
Ao longo de sua vida, não relutou em assumir oportunidades e responsabilidades para ajudar
ou buscar soluções como no boi mirim, nas comunidades eclesiais de base, na criação de
grupos culturais, nas ideias de institucionalização do grupo, na inclusão das mulheres e
crianças e na construção da sede do Boi de Maracanã. Enfatizou o caráter democrático das
instituições populares: “queria que o Boi fosse uma entidade única, uma instituição onde
todos participassem como líderes, onde pudéssemos ter um trabalho de comunidade, com
bastante democracia ouvindo a opinião, sugestões de todos para que não caísse o peso só em
cima de mim”94. As habilidades que desenvolveu nas interações sociais e experiências de sua
trajetória foram a capacidade de diálogo e convencimento, organização, visão ampla dos
contextos públicos e urbanos da cidade de São Luís e o carisma pessoal.
Geertz (1983) concorda com Weber no sentido em que vê o carisma como uma
qualidade com dinâmica relacionada à interdependência entre os aspectos social e simbólico.
Socialmente, o líder ou indivíduo carismático sempre está em busca dos centros de ordem. No
caso de Humberto Mendes, o início de sua trajetória esteve às margens desses centros, que
entretanto vislumbrava e compreendia. Quando não tinha oportunidades, tentou criá-las
(como a Maracanã do Samba), mas quando as teve se aproximou e agarrou com perspicácia
(como o boi mirim e as comunidades eclesiais de base) ou com paciência e determinação
(como no Boi de Maracanã). No entorno do Maracanã, Humberto Mendes tornou-se um líder
carismático que conseguiu permanecer no centro de seu grupo, dialogando com diferentes
gerações e auxiliado pelo magnetismo para se relacionar com outras pessoas. Não demorou

94
Ibid., p. 169.
69

muito para que ele conseguisse a presidência do Boi de Maracanã e assumisse também o
posto simbólico de Amo do Boi, em 1981.
Todas as habilidades e qualidades de Humberto Mendes foram percebidas também por
pessoas do meio político, no qual não obteve, entretanto, o mesmo sucesso do meio boieiro.
Entrou para o Partido dos Trabalhadores em 1982, devido ao seu trabalho desenvolvido com
as comunidades de base e pela identificação com o programa do partido, que viu como
representativo da classe trabalhadora. Mas, não conseguiu votos suficientes para se tornar
vereador e perdeu para o candidato Miguel Assis. Com um misto de decepção e mágoa,
resolveu então não aceitar outros convites e largou de mão a política partidária (Mendes,
2008, p. 176).

2.4 AMO, CANTADOR E MESTRE DA CULTURA

A conquista do posto de Amo do Boi, em 1981, foi o início da culminância de seu


trabalho na Associação Folclórica e Beneficente. Como lembrado por Maria Michol de
Carvalho (1995), num momento anterior, entre 1978 e 1980, o Boi de Maracanã tinha
conseguido o tricampeonato de toadas, conquistado na Rádio Timbiras do Maranhão. E logo
em seguida, seria lançado o primeiro disco de vinil com as toadas oficiais do grupo, gravado
pela empresa RCA95.
Os anos de 1980 trouxeram importantes festivais de cultura ou de toadas que
mobilizaram a sociedade local. Eram eventos organizados gradualmente pelos meios de
comunicação de massa, poder público ou comerciantes. Essa expansão decorreu da
popularização dos grupos de boi entre diferentes camadas sociais, iniciada entre os anos de
1940 e 1960, quando foram liberadas as apresentações nos bairros e praças mais próximas do
centro da capital, São Luís (Iphan, 2011). Os festivais, a indústria fonográfica e as emissoras
de rádio que ganharam força nesse contexto auxiliaram na divulgação e promoção dos
inúmeros sotaques, toadas e grupos para a população ludovicense, e no acirramento das
disputas e rivalidades entre os grupos de boi. Humberto de Maracanã participou de muitos
eventos pessoalmente, ou como representante do seu grupo. Na entrevista citada96, ele
confirmou que o Boi de Maracanã já concorria no festival da Prefeitura, no dia 29 de junho,

95
Radio Corporation of America foi uma empresa norte-americana de eletrônicos e gravadora dos discos do Boi
de Maracanã em 1984 e 1986.
96
Op. cit., p. 150-151.
70

de São Pedro, realizado nos anos 1950, quando surgiu a rivalidade entres os Bois de Maracanã
e Maioba – que passaram anos alternando-se como vitoriosos. “A Voz do Arco-íris” era outro
festival, com comissão julgadora, no qual eram analisados itens, como brincantes e toadas,
dos mais distintos grupos de sotaques. O Maracanã foi campeão apenas uma vez.
Houve ainda, em 1986, o I Festival Maranhense de Toadas de Bumba meu boi do
Maranhão97, produzido pelo jornalista José Raimundo Rodrigues em parceria com o Sistema
Difusora de Comunicação98 e realizado na praça Deodoro, reunindo mais de 10 mil pessoas no
centro de São Luís. Humberto de Maracanã, além de ter interpretado a toada “Maranhão, meu
tesouro, meu torrão”, concorreu e venceu com ela na categoria “sotaque de matraca”
(Gondim, 2014; Santos 2011). Uma das consequências dessa composição foi ter sido
posteriormente interpretada por Alcione99 no disco “Ouro e Cobre” (1988)100, promovendo a
cultura local e o grupo do Maracanã para além do Estado. Em 1992, a vencedora do II
Festival Maranhense de Toadas, organizado pelo mesmo jornalista cultural, foi a composição
“Reis na Encantaria”101 também de Humberto de Maracanã. (Mendes, 2008, p. 156)
Os festivais tiveram um papel importante na construção de uma rede de
inter-relacionamento entre os distintos grupos de Boi e acirraram rivalidades entre os do
sotaque da Ilha, garantindo que fossem expressas simbolicamente nos elementos integrantes
dos batalhões e nas toadas. Esses eventos contribuíram também para maior amplitude do
trabalho e das performances de Humberto de Maracanã e seu Batalhão de Ouro agora
apresentados à sociedade mais ampla do Estado.
O prestígio e a popularidade dos festivais foram perdendo força concomitantemente à
consolidação de um novo contexto político-cultural pelo qual o Maranhão passou durante os
anos de 1990: o aumento exponencial de recursos destinados, como “cachês”, para as
brincadeiras e expressões da cultura popular nos dois primeiros mandatos do governo

97
Existe uma grande matéria do programa Maranhão TV, disponível no Youtube, que resume o contexto desse
evento, adicionada de algumas imagens da performance de Humberto de Maracanã, interpretando a toada
“Maranhão, meu tesouro, meu torrão”, em 2004, na praça Maria Aragão. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=QZfcSHkjBuE>. Acesso em 02 set. 2021.
98
Conglomerado de empresas da área de comunicação, no Maranhão, sob posses da família Lobão.
99
Nascida em 21 de novembro de 1947, em São Luís (MA), é uma cantora, compositora e multi-instrumentista
com mais de 50 anos de carreira e 39 discos gravados. Também conhecida no meio da música popular brasileira
pela alcunha de Marrom. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Alcione_(cantora)>. Acesso em 10 fev.
2022.
100
A toada “Maranhão, meu tesouro, meu torrão” é a 12ª faixa integrante deste álbum. Disponível em
<https://open.spotify.com/track/6qIwA6UGoyStO73Oj1c8P9?si=7a972b6d1a2742dc>. (Mendes, 1988a)
101
Faixa disponível na plataforma Soundcloud: <https://soundcloud.com/daniel-walassy/reis-na-encantaria>.
(Mendes, 2003a)
71

Roseana Sarney102 (Cardoso, 2016). Essa mudança pontual da relação entre cultura popular e
poder público ocorreu nos anos de 1960, mas se complexificou e intensificou a partir do
reconhecimento a nível internacional da cidade de São Luís ao receber o título de Patrimônio
Histórico da Humanidade, em 1997, pela Unesco. O Boi de Maracanã, ainda sob o comando
de Humberto Mendes, conseguiu se adaptar a este novo contexto focalizando suas atividades
nas gravações de faixas ou discos e na reforma de sua sede em conjunto com a construção de
um Viva103, iniciada em 1999, com o apoio do governo estadual (Cardoso, 2016). No mesmo
ano, o amo e cantador do Maracanã recebeu homenagens da escola de samba ludovicense
Acadêmicos do Túnel do Sacavém104, com o enredo “Viva Maracanã e o Canto do Guriatã”.
(Guriatã, 2018)
Participando e interagindo com grupos de outros sotaques ou cantadores contrários,
Humberto de Maracanã se individualizou no sistema cultural do bumba meu boi maranhense,
a partir de sua atuação em gravações musicais, apresentação em arraiais e cortejos. Em 1996,
ao lado de João Chiador (cantador do Boi de Ribamar) e José Alberto (cantador do Boi de
Iguaíba), participou da gravação da toada “Boi Feliz”105, composta pelo cantador Lobato do
Boi de Morros, do sotaque de orquestra. Esteve presente também com o cantador Chagas, os
bois de Nina Rodrigues e da Madre Deus em outras gravações (Mendes, 2008, p. 150). Outro
momento especial, no qual rivalidades e cooperação entre os grupos de sotaque da Ilha se
complementam em um cortejo, é a Festa de São Marçal - na movimentada e atual Avenida
homônima ao santo, no bairro do João Paulo.
Realizada anualmente no dia 30 de junho, essa festa consiste num cortejo dos bois de
matraca – sotaque da Ilha - que se prolonga por todo o dia e reúne em torno de 200 mil
pessoas, que seguem seus batalhões preferidos num percurso de 400m de comprimento
(Sanches, 2004). Esse cortejo ritual mobiliza a população local. É um marco na temporalidade
junina ao encerrar o período de apresentações oficiais dos grupos de bumba meu boi pelos

102
Filha do ex-presidente do Brasil e ex-governador do Maranhão, José Sarney. Ela foi eleita governadora do
estado em quatro eleições (1995-2002) e (2009-2014), sendo a de 2009 conquistada após a cassação do TSE à
chapa de seu opositor, ex-governador Jackson Lago (2007-2009).
103
É o nome dado às praças de inúmeros bairros de São Luís do Maranhão, consequente de um projeto
homônimo dos primeiros anos de governo Roseana Sarney (1995-2002), que têm a finalidade de receber
atividades culturais de médio ou grande porte, oferecendo uma estrutura de lazer e diversão aos moradores.
104
Fundada em novembro de 1997, está sediada no Sacavém, São Luís, Maranhão. Disponível em
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Acad%C3%AAmicos_do_T%C3%BAnel_do_Sacav%C3%A9m>. Acesso em 27
jan. 2022
105
Disponível em: <https://open.spotify.com/track/0lW02d5fr6VPwxNh5BE2tm?si=83f0ad1d991145dc>.
Acesso em 27 jan. 2022
72

arraiais espalhados da cidade. Existem diferentes versões sobre o início dessa festa,
provavelmente datada do final dos anos de 1920. Mas os estudiosos concordam que a avenida
São Marçal, já se chamou João Pessoa e, antes disso, estrada do Caminho Grande, tendo sido
por décadas o único acesso que ligava o centro urbano de São Luís à zona rural (Iphan, 2011).
Essa festa ganhou um significado histórico e simbólico como o local em que se expressam as
disputas entre contrários, como define Sanches (2004).
No depoimento a que recorro, Humberto de Maracanã (2008) relatou seu
desentendimento com José Alberto (na época, cantador do Boi da Madre Deus) motivado por
um episódio ocorrido no dia da Festa de São Marçal:

Depois nos encontramos numa programação na Praia Grande e eu disse a ele (José Alberto): olha,
comecei a te tirar da linha, porque tu eras uma pessoa que eu acreditava, ouvia, pensava que tu eras na
realidade outra pessoa, mas não és o que eu pensava, não posso compartilhar contigo, tu não és obrigado
a subir naquele palanque.
- José Alberto: não rapaz, tu sabes que sou mandado.
- Humberto: então tu perdeste a tua identidade, tua autonomia de artista para atender estas exigências
bestas que tem lá, tu podias bem dizer para estas pessoas que te obrigam a fazer essas coisas, quanto
vocês querem para descontar do meu salário, para não subir ali? (...) Tu tens que pensar em quem vem
atrás, vi tu subires, ficaste fazendo um discurso enorme e anunciando: lá vem o Boi da Madre Deus,
cantavas uma toada e mandavas Ronaldinho cantar outra, teu Boi vinha a uns cem metros e tu sem
desceres do palanque.
- José Alberto: Oh, rapaz!
- Humberto: Não me chame de amigo, tu saíste da minha lista, não quero mais saber de amizade
contigo, fiquei com nojo de ti, sabias que o Boi do Maracanã estava ali e ficaste junto com as
autoridades fazendo discurso mostrando o Boi da Madre Deus anunciando o povão que vinha. Vocês
estavam sendo vistos desde a hora que vocês estavam guarnecendo. No João Paulo todos os Bois
crescem, porque no sábado vi teu Boi passando no Sacavém com quatro ônibus vazios e nós estávamos
com nove carros completamente cheios. (...) Quem vem atrás está com fome, com crianças, mulheres e
homens cansados, com mais de 48 horas de brincadeira. Os organizadores sabem que não temos
nenhuma obrigação de aceitar aquilo, não devemos satisfação a ninguém para ficar tolerando; por isso
às vezes o grupo decide ir embora ou então passamos pelo outro lado da avenida (Mendes, 2008, p.
153-154).

O motivo desse desentendimento está explícito no fato de que o cantador contrário,


José Alberto, subiu no palanque e atrapalhou o desenvolvimento do Boi de Maracanã, que
vinha logo atrás no cortejo da Festa de São Marçal. Como líder do Batalhão de Ouro, Mestre
Humberto expressou posteriormente sua indignação com a postura do contrário. Até mesmo a
admiração que ele tinha por José Alberto foi abalada por essa situação, levando-o a questionar
o cantador do Boi da Madre Deus e a comparar ambos batalhões para fazê-lo “descer do
salto”. A situação revela sua liderança que associa tanto a preocupação com a saúde e
performance dos brincantes de seu Batalhão num dia especial, no qual não pode haver erros
diante dos rivais, como a exigência de respeito pelos contrários. No cortejo de São Marçal, a
73

disputa define limites entre o eu e o outro, dando condições à reafirmação de identidades.


Cavalcanti (1994), em seu trabalho sobre o carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro,
enfoca a rivalidade como constitutiva de processos populares que reúnem grupos do mesmo
tipo em confrontos festivos regulares, lembrando que a ambivalência é inerente à toda troca
social, bem estabelecida na antropologia e na sociologia desde as obras de Marcel Mauss e
George Simmel.
A liderança e carisma de Humberto Mendes, assim como a capacidade de diálogo e
convencimento, contribuíram para sua individualização na ampla teia de relações sociais
trançada pelos bumbas meu boi maranhenses com a sociedade mais ampla. Sua pessoa pode
ser apreendida por meio dessas tantas (re)construções narrativas elaboradas em contínuo
contato com os outros, integrados na hierarquia social106. O amo e cantador do Maracanã
tornou-se cada vez mais um mediador sociocultural do Batalhão de Ouro, como discutido por
Gilberto Velho (2001). Este antropólogo enfatizou que o mediador sociocultural é uma
condição do indivíduo que emerge no contexto heterogêneo, interativo e desigual das
sociedades complexas moderno-contemporâneas. A partir de inúmeras experiências em
trânsitos sócio-espaciais, trocas simbólicas e culturais e exercício da liberdade de escolhas, ele
constrói sua finalidade comunicativa com as mais distintas camadas, níveis e grupos sociais.
Após sofrer um AVC, em 2002, Humberto Mendes decidiu acelerar o processo de
formação e reconhecimento de três de seus muitos filhos como cantadores - Ribinha,
Humberto Filho e Teteco107 (Cardoso, 2016). Isso se refletiu no CD daquele ano, o primeiro
com vozes diferentes daquela do próprio amo do Boi. Em 2006, a cantora Maria Bethânia108
interpretou a toada “A Coroa”109, no álbum “Pirata” (2006). Em 2008, ele recebeu o título de
Mestre da Cultura do Brasil (2008), concedido pelo Ministério da Cultura, possivelmente a
maior homenagem recebida em vida. Nesse novo momento, ele intensificou os trabalhos de
intercâmbio cultural e participações em gravações musicais com outros músicos. Buscou

106
Canclini (1995) define identidade, sob o contexto da globalização e suas características transnacionais e
híbridas. Para o autor, a identidade é uma construção narrativa ritualizada, constituída por relato artístico,
folclórico e comunicacional, estabelecido, reconstruído e transformado de acordo com as condições
sócio-históricas e nas relações entre diferentes indivíduos.
107
Naquela ocasião, esses filhos de Mestre Humberto tinham, respectivamente, 28 e 22 anos. Não obtive
informações sobre a idade de Teteco.
108
Nascida em Santo Amaro (BA), em 18 de junho de 1946, é uma cantora, compositora e poetisa com mais de
50 anos de carreira e 36 álbuns gravados. Também conhecida pela alcunha Abelha Rainha. Disponível em
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Beth%C3%A2nia>. Acesso em 10 fev. 2022.
109
Presente a partir dos 4min da 12ª faixa deste álbum. Disponível em
<https://open.spotify.com/track/05fW3b24Q7eefvxFRzdSd6?si=79ca0a444ef54513>. (Mendes; Vieira, 2006)
74

ultrapassar as fronteiras do Maranhão ao ingressar no grupo musical Ponto BR, vencedor do


23º Prêmio da Música Brasileira, em 2012, na categoria Regional com o álbum “Na Eira”
(2011)110. Nesta experiência, Humberto de Maracanã interpretou faixas com Mestre Walter
França, do grupo de maracatu-nação Estrela Brilhante de Pernambuco, e Mestra Graça Reis,
do grupo Cupuaçu de São Paulo. Os três mestres interagiram, e a admiração de Walter França
por Mestre Humberto foi registrada no documentário “Guriatã” (2018).
Os últimos anos de vida do amo e cantador do Maracanã estiveram inseridos no
contexto das políticas públicas de cultura relativas ao patrimônio cultural material e imaterial
do país. Como vimos, a cidade de São Luís teve seu centro histórico declarado patrimônio
cultural da humanidade em 1997, e o bumba meu boi recebeu a titulação em 2011, registrado
como Complexo Cultural do Boi maranhense após anos de realização de detalhado inventário.
Além de ter gerado inúmeros recursos financeiros e potencializado o turismo cultural, tais
titulações incentivaram a realização de inúmeros projetos e editais de financiamento para
atividades destinadas à sua salvaguarda. O Boi de Maracanã resolveu apostar nessa nova
frente a fim de se tornar, segundo Cardoso (2016), um Ponto de Cultura em 2007 e um Ponto
de Memória a Mestre Humberto, em 2012. Esse é o período em que se constituiu e se
fortaleceu um projeto consciente de valorização da memória do mestre, além de parte do
cuidado com as memórias individuais e coletivas das expressões da cultura popular ou da
cidade de São Luís como um todo. Mestre Humberto Mendes faleceu em 19 de janeiro de
2015, com aproximadamente 42 anos de cantoria no Bumba meu Boi de Maracanã.
O Mestre do Maracanã foi um mediador sociocultural importante para a consolidação
de um grupo que busca sua continuidade no tempo, atravessa distintos períodos caracterizados
por diferentes políticas de cultura, tanto em âmbito federal como estadual, e se insere na
dinâmica e capacidade adaptativa das culturas populares. Sua trajetória e biografia como
cantador e compositor falam também dos contextos mais contemporâneos de
institucionalização e patrimonialização do bumba meu boi no Maranhão. Graças à
comunicação e na interação com outros indivíduos, grupos, instituições e camadas sociais, sua
biografia pode ser compreendida como um exemplo de talento, liderança consensual e
carisma dentro de um grupo cultural, inserido numa teia de relações com a sociedade em
geral.

110
Link: <https://open.spotify.com/album/5d4UPNYcKfzgfvUqxr7JpI?si=Qcd8dm6nQwSaAQyginXVHg>.
Acesso em 27 jan. 2022.
75

CAPÍTULO 3 - REPERTÓRIO DE VIDA DO MESTRE

Como já mencionado, meus primeiros contatos com as composições de Mestre


Humberto se deram a partir da adolescência, principalmente após conhecer de perto a
performance do Boi de Maracanã e do seu amo e cantador, quando estive presente no arraial
do Largo da Capela de São Pedro, localizado no bairro da Madre Deus, na região central da
cidade de São Luís. Após essa experiência, desenvolvi uma curiosidade de conhecer e ouvir
mais as toadas de Humberto Mendes. Até aquele momento, meu conhecimento se restringia
apenas às mais populares. Minha família materna, adepta das toadas de um dos bois rivais,
Boi da Maioba, pouco ouvia as composições de Humberto de Maracanã, que mesmo assim
era reconhecido pelo meu avô, ativo no meio boieiro, como um grande cantador.
Logo, o que despertou meu interesse de aprofundar o conhecimento desse universo foi
a toada, componente do sistema cultural do bumba meu boi maranhense que, por meio da
escuta ou da participação permite que um indivíduo ou espectador com ele se conecte. Na
visão de Humberto de Maracanã, como ocorre com as canções de modo geral, as toadas
compõem-se de duas partes – a melodia e a poesia111 - e podem ser inspiradas nas belezas
naturais, em informações ou em histórias agregadoras:

As toadas são como qualquer composição, você pega um lápis faz uma poesia. A questão é a melodia,
há pessoas que fazem a poesia e outras a melodia, por isso existem as parcerias. As melodias saem da
mente, às vezes estou aqui sozinho, calado, olho para ali, vem o vento, a lua, daí para a frente já começa
a moça ali... Isso significa que não sigo uma linha determinada.
A poesia torna-se mais forte quando nasce do homem que está ligado à natureza, a inspiração vem das
belezas naturais, não canto política (...). Procuro ver o que me faz bem cantar, que tipo de informações
vou dar, quais histórias que vou trazer para o povo, de modo que se alguém pedir para explicar as razões
daquilo eu possa dar uma resposta, não faço nada vago, todas as minhas toadas tenho condições de falar
em que me inspirei do guarnicê a despedida tudo tem sentido, fundamento. (Mendes, 2008, p. 154-155)

Para ele, as toadas inspiram-se no ambiente, nos fatos, pessoas e histórias que
integram o dia-a-dia dos cantadores e compositores. No Maracanã, o ato de fazer uma toada
de bumba meu boi passa pela junção de dois talentos: criar poesia e melodia. No caso de
Mestre Humberto, na grande maioria das vezes, ele compunha sozinho suas toadas,
cantarolando numa caixa de fósforo ou em cima de uma mesa onde se inspirava e assobiava,
como nos revelou a atual presidente do grupo, Maria José (uma de suas viúvas), durante

111
Observei nos relatos dos atuais cantadores do Maracanã, durante as inúmeras atividades do Boi em 2021, a
utilização da categoria nativa poesia como referente às letras das toadas.
76

conversa no barracão do Boi de Maracanã112. Humberto Mendes estabeleceu muito mais


parcerias para composições em outros estilos musicais, como por exemplo carimbós, relatado
por seu amigo Murilo Pereira (Guriatã, 2018), do que ocorreu nas toadas de boi. Em alguns
casos específicos, porém, ele buscou parcerias:

“As pessoas dizem Humberto canta pela letra, pelo livro, pesquisa. Não vou dar informações erradas,
sem ter conhecimento das coisas. As toadas que falam da Ilha de Upaon-Açu e os Reis da Encantaria
procurei pesquisar. (...) A toada que fala dos sítios seculares das margens do Rio Bacanga113 procurei
uma pessoa que conhecesse todos os sítios. Independente disso busco a natureza, a lua, falo de mim e
dos meus antepassados, do Maracanã.” (Mendes, 2008, p. 156)

O ambiente boieiro do Maranhão tende a valorizar cantadores que possuem ambos


talentos: tanto para a criação da poesia, quanto da melodia. Humberto Mendes, que revelou ter
se baseado nos trabalhos de dois antigos cantadores dos anos de 1950, Januário do Boi da
Maioba, e Paulino do Boi da Pindoba114, foi enquadrado popularmente neste grupo. No nono
episódio da websérie “Na toada do Maracanã” (2021)115, o atual amo Ribinha afirmou que os
antigos cantadores João Chiador, do Boi da Maioba e de São José de Ribamar entre os anos de
1980 e 2010, e Mestre Humberto estavam no mesmo patamar, mas que a diferença se
encontrava no fato deste ser mais letrista e aquele, sobretudo um intérprete. Durante conversa
na live “Espetáculo Brasil Terreiro”116, Ribinha confirmou que o grupo se caracteriza por
cantar toadas compostas por seus cantadores, uma tradição vinda dos antecessores João Pisica
e Ângelo Reis, que eram cantadores e compositores, e transmitida a seu pai, Humberto
Mendes, que consolidou a atividade de composição e da autoria como características
significativas para o cantador de boi. Emannuel Victor, o mais jovem cantador oficial do
Maracanã na atualidade, durante o décimo episódio da websérie (2021)117, descreveu sua
entrada na função a partir do entendimento de que seu talento como compositor e cantor,
percebido pelos avós ainda na infância, poderia ser aproveitado no grupo. Já adulto e em
conversa com o amo do boi, Ribinha, o Batalhão de Ouro ouviu suas toadas durante o
primeiro ensaio de uma das temporadas juninas e ele foi aprovado. Ou seja, do ponto de vista

112
Informações obtidas na visita feita à sede do Boi de Maracanã, no dia 01 de fevereiro de 2022.
113
Um dos principais rios que cortam São Luís (MA), assim como os rios Anil e Paciência. Sua foz se dá
próximo da região central da cidade, na baía de São Marcos.
114
Ibid., p. 155.
115
Disponível em: <https://www.facebook.com/watch/?v=637847097570018>. Acesso em 14 jan. 2022.
116
Transmitida ao vivo, na plataforma do Youtube, em 31 out. 2021, no canal oficial do Boi de Maracanã.
117
Disponível em: <https://www.facebook.com/boidemaracana/videos/458779079052813>. Acesso em 29 jan.
2022.
77

nativo a função de cantador requer a composição das toadas a serem cantadas. Essa junção de
talentos qualifica o reconhecimento coletivo do cantador-compositor de boi no Maracanã.
Na fala dos três cantadores atuais do Boi de Maracanã, ressalta-se a preocupação de
dar continuidade ao que foi estabelecido como parâmetro por Humberto Mendes, compositor
e cantador. No oitavo episódio de “Na toada do Maracanã” (2021)118, Humberto Filho afirmou
que entende seu trabalho de cantador como uma arte que pôde ser aprimorada desde a escola
quando criava a poesia, mas a melodia foi desenvolvida e baseada no estilo elaborado por
Mestre Humberto. Segundo ele também, todos os cantadores têm o seu tom, mas o estilo
melódico tem como referência maior Humberto. Ribinha também confirma, no nono episódio
da websérie, que foi uma decisão do grupo manter essa conjugação e o estilo melódico criado
por Humberto de Maracanã como um projeto do Batalhão de Ouro, após a morte de seu
antigo mestre.
Decidi iniciar este capítulo trazendo o ponto de vista nativo, devido à aproximação
entre a ideia de toada, ligada ao ambiente de vivência no meio boieiro, e música conectada ao
seu contexto no conceito proposto por Anthony Seeger119. Este antropólogo norte-americano
conviveu e pesquisou os Kisêdjê do Mato Grosso, no Parque Nacional do Xingu, nos anos de
1970, propondo compreender a música como formada não apenas por uma estrutura de sons,
mas por um desempenho, definido como uma interação entre tradição (repetição) e mudança
(novas formas), constituído de símbolos, códigos, conteúdos e mensagens que têm a função
de criar uma comunicação entre os membros de um mesmo grupo ou comunidade e inseridos
num contexto social e cultural (Seeger, 1977; 2008). Como bem observado por Sautchuk
(2018), quando analisou o livro “Por que cantam os Kisêdjê: uma antropologia musical de um
povo amazônico” (Seeger, 2015), a música pode ser compreendida como um processo
interativo e de conhecimento que leva ao entendimento de como um grupo ou sociedade se
organiza e se estrutura, nos mais diferentes âmbitos. Seeger entende que a música é um dos
possíveis pontos de partida para se compreender as características sociais de um grupo. A
etnografia da música “(...) é a escrita sobre as maneiras que as pessoas fazem música. (...)
Ligada à transcrição analítica dos eventos, mais do que à transcrição analítica dos sons”

118
Disponível em: <https://www.facebook.com/watch/?v=637847097570018>. Acesso em 14 jan. 2022.
119
Existem duas entrevistas muito interessantes que dão uma dimensão da carreira e do trabalho antropológico
deste pesquisador: Cavalcanti, Gonçalves & Gordon (2018); Cohn et. al. (2007). Nelas, Seeger conta como se
individualizou numa família cheia de músicos, quais foram as principais referências de suas leituras acerca da
antropologia e etnomusicologia, sua formação nos Estados Unidos, suas experiências entre os Kisêdjê, no Brasil,
e o entendimento da dualidade na musicalidade deles.
78

(Seeger, 2008, p. 239); e a antropologia musical “(...) propõe entender a vida social a partir do
fazer musical, captando o modo pelos quais as performances criam e recriam diversos
aspectos da cultura e sociedade.” (Sautchuk, 2018, p. 706)
Esse é um bom caminho teórico-metodológico para compreender o processo de
criação, interação e divulgação das toadas dentro do sistema cultural do bumba meu boi
maranhense, especificamente no caso dos grupos do sotaque da Ilha ou de matraca. Assim
como Seeger se preocupa em inserir as análises musicais nas relações sociais, compreendendo
uma sociedade a partir de sua musicalidade, buscarei neste capítulo seguir caminho similar,
pois as toadas são os primeiros elementos de vinculação popular com os grupos de bumba
meu boi e com as especificidades de seus contextos. Entender o fazer musical ajuda a
compreender a música como processo de construção comunicacional, simbólico, dinâmico e
relacional.
Procurei discutir até aqui a relação entre desempenho musical e seu contexto. Quanto à
estrutura de sons? Como se dá a formação das sonoridades no Bumba meu boi de Maracanã?
Durante a live do “Espetáculo Brasil Terreiro” (2021), o atual amo Ribinha explicou que a
trupiada é o conjunto de instrumentistas responsáveis por produzir os sons que dão forma aos
sotaques. No caso do sotaque da Ilha, a sonoridade é baseada inteiramente em instrumentos de
percussão, ritmados por pessoas envolvidas com a brincadeira de boi. Existem pelo menos
quatro instrumentos que formam a base do som característico do sotaque ao qual pertence o
Boi de Maracanã. Mestre Humberto Mendes explicou no documentário “Rio do Mirinzá”
(2007) a ordem e função de cada um deles dentro do conjunto:

O maracá é o instrumento do cantador. Então pra ele dá o sinal, como se fosse o maestro que dá o sinal.
Ele pega uma varinha e dá aquele sinal para orquestra entrar, né?! Então, no bumba meu boi, o
instrumento dele é o maracá. Quando ele canta a toada, a primeira coisa que ele faz é entregar pro
batalhão, pro batalhão entrar, é sacudir o maracá. Então, ele é a parte assim que rege, né?! Bem, agora
vem... ou as matracas podem entrar logo, ou as onças. Mas o que é certo é as onças. Elas é que dão o
controle e a harmonia, o tempero da trupiada. Podem ter cinco pandeiros batendo, mas se não tiver as
onças, fica aquela coisa assim... seca né?! Na hora que as onças entram é que dá aquela, aquela
gostosura, aquele tempero. Então, taí, a função da onça é dar esse apoio aos pandeiros. E à trupiada no
contexto. Agora, as matracas formam como se fossem o recheio, elas são responsáveis pelo recheio da
trupiada. Aí o pandeiro é o cara que dá o peso, o murro, a estrutura que você dá vontade de ficar doido.
Tá todo mundo. Se só escuta a trupiada e a onça, você já prestou atenção que o pessoal lá da
indumentária fica todo mundo assim esperando a entrada dos pandeiros. Pandeiro, quero dançar. Na
hora que entram os pandeiros é que a coisa pega. Aí é que fica bonito mesmo. (Rio do Mirinzá, 2007)

Os instrumentos de percussão são, portanto, o maracá, tambor-onça, matracas e


pandeiros, também chamados de pandeirões. De acordo com o Dossiê de registro do Bumba
79

meu boi no livro de Celebrações do Iphan (2011), o maracá lembra um bojo, cujo interior é
cheio de objetos que produzem sons ao tocarem nas partes internas do revestimento metálico;
o tambor-onça é percutido a partir da fricção de uma vareta interna, lembrando a cuíca com
um som mais grave, próximo a um “urro”; os pandeirões são circulares, cobertos por
membrana em um de seus lados, tocados com uma das mãos e segurados pela outra na altura
do peito, ou sobre os ombros; as matracas são pedaços de madeira retangulares percutidas
umas nas outras, produzindo um som agudo. A partir do relato de Mestre Humberto, o maracá
emerge como responsável por comandar a trupiada para começar ou encerrar a produção dos
sons; o tambor-onça, como capaz de sustentar todo o ritmo; os pandeirões dão o swing; e as
matracas seriam o "molho", o som de moldura do conjunto.
No quinto episódio da websérie “Na toada do Maracanã” (2021)120, Cândido e
Humberto, dois membros da trupiada do Batalhão de Ouro, explicaram que suas funções estão
relacionadas com o ritmo e andamento musical nas apresentações do grupo. Ambos relataram
que participam do boi desde a infância. Atualmente, curtem tocar os pandeirões, que no
Maracanã são feitos de couro de cabra e arco de madeira de jenipapo – considerados os mais
tradicionais; ou de napa/pele, o tipo preferido das novas gerações, que não precisa ser afinado
com o aquecimento na fogueira antes de seu uso, como o pandeiro de couro. Cândido e
Humberto também explicaram e demonstraram a diferença entre as batidas dos pandeirões,
denominadas como murro, marcação e repinicado (uma mistura das duas anteriores).
Esses elementos e características ajudam a diferenciar a sonoridade e a musicalidade
produzidas pelos membros do grupo do Boi de Maracanã dentro do sistema cultural de bumba
meu boi maranhense, normalmente dividido ou categorizado em sotaques. Maria Michol de
Carvalho (1995), a partir da observação participante no trabalho de campo, assim diferenciou
a sonoridade produzida pelo Boi de Maracanã, que afirma pertencer ao sotaque da Ilha, e pelo
Boi de Apolônio, caracterizado como sotaque da Baixada:

Seguindo o “sotaque de Pindaré” - próprio da “Baixada” - o boi do Apolônio tem um ritmo mais lento,
mais compassado, que se estende de modo indolente, um tanto preguiçoso. O toque dos instrumentos é
feito de forma mais devagar, acompanhando as toadas cantadas num tom mais arrastado.
Já o boi do Maracanã, pertence ao “sotaque de Matraca” - peculiar aos bois da “Ilha” - tem um ritmo
mais acelerado, mais quente, que se desenvolve de forma viva e descontraída, sob a regência absoluta
das “matracas”. Seu toque é vibrante, apressado mesmo. As “matracas” são acionadas com toda força,
beirando quase a agressividade, no acompanhamento das toadas, que são de um tom mais rápido.
(Carvalho, 1995, p. 122)

120
Disponível em: <https://www.facebook.com/watch/?v=319058356888345>. Acesso em 13 jan. 2022.
80

Chamo atenção para o destaque da autora maranhense à diferença no andamento do


ritmo entre os sotaques da Baixada e da Ilha/de Matraca: aquele mais vagaroso e este mais
apressado e de força. Entendo que essa diferença é uma forma desses grupos simbolizarem o
ritmo dos sotaques, no qual o da Baixada foi construído a partir de moradores vindos do
interior maranhense, enquanto que o da Ilha se desenvolveu na região metropolitana de São
Luís e com a rivalidade característica entre os grupos deste sotaque. Essa diferenciação
mútua, além de ajudar a inserir e distinguir os sotaques no sistema sociocultural do bumba
meu boi maranhense, orientam os ritmos e sonoridades específicas de cada sotaque.
No caso dos Batalhões de Matraca/da Ilha, é muito importante a participação e
integração de inúmeros brincantes na assistência, pessoas que acompanham ou assistem (a)os
grupos de bumba meu boi; ou na trupiada, responsáveis pelo ritmo sonoro da brincadeira.
Uma das formas mais características das pessoas se integrarem aos grupos é ouvindo,
selecionando e opinando sobre as toadas e repertórios. O Boi de Maracanã lança quase
anualmente álbuns com toadas inéditas ou regravações daquelas consideradas clássicas para
serem compartilhadas e cantadas nas apresentações da temporada junina. As toadas transitam
por toda a cidade, e mesmo para além dela, não apenas na oralidade e na experiência direta,
mas por meio da comercialização e escuta dos discos, CDs, DVDs, em canais de divulgação
nas rádios e emissoras de televisão locais e downloads ou visualizações de clipes e faixas
musicais na internet.
Em sua tese “As mediações do Bumba meu boi do Maranhão”, a pesquisadora Letícia
Cardoso (2016) conseguiu relacionar todos os álbuns do Boi de Maracanã até o ano de 2015.
De acordo com ela, o grupo lançou seu primeiro álbum em 1984, um LP chamado “Boi de
Maracanã - Características populares do Brasil”, produzido pela gravadora RCA - Radio
Corporation of American (Cardoso, 2016; Carvalho, 1995). A partir desses dados somados
aos álbuns do período entre 2016 e 2020, o Boi de Maracanã conseguiu realizar 28 produções
nos últimos 37 anos. Devido às dificuldades financeiras e de logística do contexto pandêmico,
como nos confirmou a presidente Maria José durante conversa no Barracão do Maracanã
(1/02/2022), o grupo decidiu não gravar álbuns desde o “Aldeia Tupinambá (Uma
homenagem ao Bumba meu boi de Maracanã)” em 2019, lançado somente em janeiro de
2020. No período pandêmico, o Batalhão de Ouro focalizou divulgações e apresentações das
toadas de modo remoto nos canais oficiais do Boi ou de parceiros.
81

Com o objetivo de entender o repertório constituído majoritariamente em vida por


Mestre Humberto Mendes, selecionei 11 álbuns do grupo e transcrevi suas toadas para
análise. Dentre estes, apenas o CD de 2015 e o álbum in memoriam de 2020, foram gravados
e dedicados postumamente ao Guriatã. A tabela abaixo mostra todos os álbuns e DVDs do
Boi de Maracanã, seguindo as informações obtidas por Cardoso (2016) e Carvalho (1995),
além das pesquisas que fiz em diferentes plataformas digitais. Os álbuns e DVDs que foram
escutados ao longo do trabalho e de onde foram selecionadas algumas toadas, analisadas nesta
dissertação, estarão em negrito:

Tabela 1 – Discos do Boi de Maracanã selecionados para a pesquisa


Plataforma Canal
Nº Ano Título Mídia Física
digital institucional?

1 1984 Boi de LP * *
Maracanã -
Características
populares do
Brasil

2 1986 Ilha Encantada LP * *

3 1988 Banzeiro LP Youtube Sim


Grande121

4 1993 Sombra da LP Youtube Não


Palmeira

5 1996 Touro Negro CD/ K7 Youtube Sim


no Reino de
Guaré

6 1997 A Coroa é CD Youtube Sim


Nossa

7 1998 25 anos CD * *

8 1999 São João, meu CD * *


santo forte

9 2000 Luz de São CD * *


João

10 2001 Boi de CD duplo * *


Maracanã 2001

121
Há um choque de informações com relação ao ano deste álbum, pois o título encontrado no canal oficial do
Boi de Maracanã, na plataforma do Youtube, é de que ele foi lançado em 1998. Nos canais não-oficiais e na tese
de Letícia Cardoso (2016), indica-se como de 1988. Pelo fato de sua capa remeter a um LP e também, a partir
das audições que fiz de suas faixas que apresentam uma “textura” aparentemente mais antiga, considerei-o como
de 1988 para este trabalho.
82

11 2002 Boi de CD duplo * *


Maracanã 2002

12 2004 30 anos de CD Youtube Não


Glória

2006 Tesouro do
13 CD * *
Maranhão

2006/2007 Estrela
14 CD Spotify Sim
Brasileira122

2007 Rio do
15 DVD Youtube Sim
Mirinzá

16 2008 Lira de Ouro CD * *

17 2009 Capricho de CD * *
São João - 35
anos de glórias
e sucesso

18 2010 Morro Dourado CD * *

19 2011 Belas como CD Youtube Não


todas

20 2012 Seleção de CD * *
Ouro: Guriatã:
40 anos de
cantoria

21 2013 Lira Sagrada CD Youtube Não

22 2014 Tradição CD Youtube Não


Brasileira

23 2015 Guriatã - CD Youtube Não


Saudade
Eterna

24 2016 Guriatã - CD Youtube Não


Recordação
Eterna

25 2017 Saudade de São CD Youtube Não


João - 20 anos
de cantoria de
Ribinha

26 2018 Firmeza de São CD Youtube Não


João

27 2018 Guriatã DVD Vimeo Sim

122
Este álbum também apresenta dupla informação em relação ao seu ano de lançamento. No perfil oficial do
Boi de Maracanã, no Spotify, consta como de 2006, e na pesquisa de Letícia Cardoso (2016), foi tabelado como
de 2007.
83

Aldeia Não disponível


28 2020 Spotify Sim
Tupinambá

* Não encontrado/acessado durante a pesquisa

Encontrar os álbuns enumerados acima requereu pesquisa minuciosa, já que se


encontram em diferentes canais ou perfis específicos. O Bumba meu boi de Maracanã
disponibiliza alguns dos álbuns nos seus perfis oficiais do Youtube e Spotify, mas ainda de
maneira pouco organizada e divulgada. Os álbuns disponíveis fora dos canais institucionais do
grupo foram encontrados em perfis de pessoas físicas, que compartilham as toadas obtidas em
algum momento, seja por meio das gravações de álbuns ou dos downloads. Também precisei
procurar as composições de Humberto Mendes em faixas regravadas por artistas famosos,
como Alcione e Maria Bethânia, ou integrantes de coletâneas de CDs, como os do Maranhão
Vale Festejar, produzidos pela Companhia Vale do Rio Doce no início dos anos 2000. Outras
faixas musicais que escutei foram executadas nos documentários produzidos em torno da
figura de Mestre Humberto e do seu grupo: Rio do Mirinzá (2007), O Mestre do Maracanã
(2014) e Guriatã (2018), disponibilizados nas plataformas digitais Youtube e Vimeo.
Em diversos momentos, questionei-me se estaria ultrapassando os limites da
propriedade intelectual ou apropriação cultural desses materiais fonográficos, ou se esses
materiais sonoros e suas transcrições seriam suficientes para a compreensão do contexto do
grupo do Boi de Maracanã. Segundo Felipe Barros (2018), tornou-se comum esse tipo de
questionamento após o advento da antropologia e da etnomusicologia que recorre aos
arquivos sonoros. A partir da análise do contexto de produção e de captação dos materiais
fonográficos registrados nas viagens do pesquisador Luiz de Azevedo, Barros traçou um
panorama histórico de como os arquivos sonoros foram objeto de estudos desde os folcloristas
até os antropólogos. Com a valorização da pesquisa de campo e a saída dos gabinetes para
gravar sons diretamente, constituindo então os arquivos e objetos sonoros, a pesquisa se
complexificou a fim de entender os contextos da produção musical, materiais de recorte
temporal e efêmero de um grupo ou sociedade. Descontextualizados, os materiais musicais
quando gravados passariam por uma transformação, sendo recontextualizados nos arquivos,
logo cabendo aos pesquisadores dar-lhes um novo significado a partir de sua perspectiva
teórica, considerando-os capazes de revelar “os processos sociais, valores e sistemas de
pensamento” (Barros, 2018, p. 640).
84

Para ressignificar antropologicamente os materiais sonoros, o ato de escuta ganha


relevância crucial, o que se aproxima de algum modo da própria vivência de quem, como eu,
ingressou no meio boieiro a partir das toadas. Entre os antigos e novos cantadores do
Maracanã, por exemplo, é comum relatos de que em suas infâncias se inspiraram ao ouvirem
os mais velhos cantarem toadas. Humberto Mendes se inspirou em Januário, ainda nos tempos
de Maioba, enquanto Ribinha, Humberto Filho e Emmanuel Victor se inspiraram nas toadas
interpretadas por seu pai ou avô, o Mestre do Maracanã. Isso se configura em uma paisagem
sonora ou ecologia acústica, como indicou Steven Feld (2018), que estudou por anos, os
Kaluli, nativos de uma floresta tropical da Papua Nova-Guiné, na Oceania. Para ele, a
paisagem sonora pode ser interpretada pela etnografia do som ao relacionar-se com a
musicalidade produzida por um certo grupo dentro de um determinado espaço social e tempo.
O som é aqui entendido como um sistema simbólico e sociocultural. Quando as vozes e a
audição ressoam no tempo e no espaço social a partir dos corpos que escutam e falam,
revestem-se de memória e presença, legitimando identidades (Feld, 2018, p. 235). Com isso,
constrói-se o processo designado por ele como acustemologia.
A diversidade de vozes e sonoridades no sistema do bumba meu boi maranhense foi
apreendida por diferentes gerações. No Maracanã, existe uma preocupação com a tradição de
fazer e cantar toadas. As falas e a prática atual do grupo tendem a enfatizar aquilo que
consideram ser os princípios e ideias do Mestre Humberto Mendes quanto aos tipos de toadas
executadas numa apresentação de bumba meu boi:

Toadas que são tradicionais tem que ser cantadas no boi. Se não tiver outras, tem que ser pelo menos
essas: guarnicê, lá vai, chegou, urro e a despedida. As outras toadas que tradicionalmente a gente se
inspira, canta... Pelo menos eu, não passo o ano sem cantar para lua, a estrela do oriente e para natureza.
(Rio do Mirinzá, 2007)

Assim como Humberto de Maracanã foi muito claro na sua afirmação, Ribinha
concordou, no nono episódio de “Na toada do Maracanã” (2021), com o fato de apresentações
de bumba meu boi, por mais curtas ou simples que sejam, tenham sempre que trazer as toadas
que marcam etapas importantes numa performance da brincadeira, denominadas guarnicê, lá
vai, chegou (chegada), urro(u) e despedida. Eles ainda acrescentaram, a essas, as toadas de
pique ou provocação aos contrários e aquelas de temáticas mais livres que dependem das
circunstâncias e contextos de cada grupo. Cardoso (2016), Sanches (2003), Albernaz (2004), e
85

o Dossiê do Bumba meu boi pelo Iphan (2011) também indicam essa sequência necessária de
toadas nas apresentações e nos CDs dos grupos, baseadas nas performances tidas como
tradicionais das brincadeiras de boi. Além da alusão recorrente ao tema de morte e
ressurreição do boi, essa sequência tradicionalmente seguida pelos grupos revela a função
chave desempenhada pelas toadas na instauração da sequência dos contextos de apresentação
do grupo.
Selecionei e dividi as toadas compostas por Mestre Humberto Mendes, que busco
analisar sua dimensão poética, tomando suas letras como foco e seguindo a classificação
nativa. No entanto, por questões de afinidades de conteúdo semântico existente entre elas, e
também para facilitar um entendimento maior, juntei algumas categorias de toadas em um
mesmo item.

3.1 GUARNICÊ, LÁ VAI E CHEGADA

Nas apresentações juninas ou brincadas, os grupos de bumba meu boi do sotaque de


matraca iniciam suas performances com as toadas chamadas de guarnicê, uma variação nativa
do verbo guarnecer, que segundo o dicionário Aurélio (Ferreira, 2010, p. 390), pode ter o
significado de fortificar, fortalecer ou até mesmo adornar. Os integrantes da brincadeira,
normalmente, passam por uma preparação momentos antes da toada ser executada no local
onde se apresentarão. A descrição simbólica ou poética desse contexto foi encontrada em dois
exemplos de toadas de guarnicê do Boi de Maracanã. Abaixo a transcrição de uma delas,
presente no álbum de 1997, “A Coroa é Nossa”:

Desperta, Maracanã!
E vens ouvir o teu Guriatã

Estou de novo ao redor da fogueira


Chamei meu povo pra sombra da palmeira

Vou reunir, vou guarnecer


Batalhão de Ouro vai fazer terra tremer (Mendes, 1997a)123

Nessa toada, intitulada “Desperta Maracanã”, o compositor reforça o convite para os


boieiros ouvirem o amo do Boi que é quem anuncia o início da apresentação. Tanto o

123
Toada “Desperta Maracanã”. Disponível em <https://youtu.be/a_vVIqvE5vE>. Acesso em 06 jun. 2021.
86

cantador, quanto o viveiro do pássaro e o grupo do Maracanã são simbolizados,


respectivamente, pelo Guriatã, pela sombra da palmeira e pelo Batalhão de Ouro. Seu formato
tem três estrofes, cada uma com dois versos, cujas rimas são de mesma terminação para cada
par, formando assim uma sequência do tipo a/a/b/b/c/c. A primeira e última estrofe são
refrões, cujos versos são repetidos em bis. A seguir, outro exemplo de guarnicê transcrito do
álbum de 1996, “Touro Negro no Reino de Guaré”:

O sol esquenta a terra


E meu boi faz poeira

Batalhão de Ouro
Levantou bandeira
A minha palmeira
Ninguém pode derrubar
Eu dei uma volta no tempo
Deixa Contrário saber

Tudo mudou
São João mandou
Eu cantar meu guarnecer (Mendes, 1996a)124

Nessa segunda toada, denominada “Batalhão de Ouro”, o compositor observa que seu
boi é notado aonde chega, é forte por ser obediente à devoção em São João Batista, e
diferencia-se dos outros, representados na ideia do Contrário. Distribuída também em três
estrofes, a sequência de rimas é mais irregular, porém seus versos se enquadram
majoritariamente dentro das seis ou sete sílabas poéticas. Os refrões também são a primeira e
última estrofes.
Mesmo sendo duas gravações feitas em estúdio no final dos anos de 1990, percebo
uma preocupação com a exatidão da mixagem de áudio quanto às entradas de vozes e
execução das batidas de cada instrumento de percussão. Nelas, o apito marca o início da faixa
para que o cantador, com características próximas a de um solista, possa cantar a toada sem o
acompanhamento dos instrumentos. Assim que ele começa a chacoalhar o maracá, a entrada
se dá primeiro com os tambores-onças, depois matracas e pandeirões simultaneamente. Ao
final, o apito marca a parada dos instrumentos e o encerramento da faixa. Na performance dos
integrantes, há a principal voz do grupo, Humberto Mendes – amo e cantador do Maracanã -,
e um coro marcante que só entra a partir da segunda passada das toadas, preocupado em

124
Toada “Batalhão de Ouro”. Disponível em <https://youtu.be/WyZjn0-anCU>. Acesso em 06 jun. 2021.
87

cantar fielmente a letra. Na terceira, o coro de vozes tem a dupla função de cantar os versos da
toada e expressar interjeições comuns do universo boieiro (Ê boi! Ê tchiô! Ê leô! Uô!), como
ocorreria numa execução ao vivo, ou seja, busca-se a reprodução de ações repetidas
tradicionalmente nas performances dos grupos do sotaque de matraca. Destaco aqui também a
interpretação de Humberto Mendes, cujo tom de voz valorizou as notas mais longas da toada
com uma certa força, que em alguns momentos, aproxima-se de um grito.
As toadas de guarnicê têm a função de levantar o Batalhão, convidam a assistência
para brincar e buscam atiçar os outros grupos que fazem parte de seu imaginário relacional a
rivalizar musical e simbolicamente nas apresentações. Em ambas toadas escolhidas,
Humberto Mendes preferiu enfatizar os sinais diacríticos do grupo do Maracanã no contexto
do sotaque da Ilha/de Matraca. É comum ele recorrer a estes símbolos – Guriatã, palmeiras,
Batalhão de Ouro - como uma forma de se auto afirmar diante dos outros grupos de bumba
meu boi.
Seguindo a sequência das brincadas, também transpostas para as sequências
apresentadas nos CDs do Boi de Maracanã, as toadas de lá vai, de acordo com Cardoso
(2016), têm a função de anunciar a prontidão dos grupos de bumba meu boi para a
apresentação ao público. Selecionei duas toadas desse tipo, sendo a primeira do álbum “A
Coroa é Nossa” de 1997:

Lá vai meu Touro tricampeão


Levantando poeira, fazendo tremer o chão

Não adianta o despeito de vocês


É pra respeitar
Maracanã já nasceu rei

Não há quem possa com este Batalhão


A Coroa é nossa
Quem nos deu foi São João (Mendes, 1997b)125

A toada acima dá título ao CD, artifício muito utilizado pelo Boi de Maracanã para
designar seus álbuns do final da década de 1980 a 1990. Os versos dessa toada fazem
referência a alguns louros conquistados pelo grupo, como o tricampeonato de toadas da Rádio
Timbira entre 1978 e 1980 (Carvalho, 1995), e a força de seu Batalhão como argumentos que
reforçam o reinado simbólico do Maracanã no contexto do sotaque da Ilha. São citadas

125
Toada “A Coroa é Nossa”. Disponível em <https://youtu.be/a_vVIqvE5vE?t=205>. Acesso em 06 jun. 2021.
88

palavras que remetem a este reinado dado por São João, reforçando, assim, o caráter
devocional presente no bumba meu boi. Existem três estrofes na toada, sendo a primeira com
dois versos e as outras duas com três versos, cuja sequência de rimas é do tipo a/a/b/x/b/c/y/c.
Vale destacar, que o verso que dá nome à toada “A Coroa é nossa” tem notas muito mais
prolongadas do que todos os outros, na interpretação de Humberto Mendes, enfatizando a
posse da coroa simbólica, que de acordo com Ribinha, durante a websérie “Na toada do
Maracanã” (2021), faz parte do imaginário e das disputas entre os cantadores de bumba meu
boi de matraca.
A próxima toada integra o álbum de 2007, chamado “Estrela Brasileira”:

Lá vai, lá vai nossa beleza


É pra ti saber que o forte é São João

Em cima do morro, Touro Negro passeou


Quando escutou o murro do meu Batalhão

Respeita meu Guriatã


Sai da frente que lá vai
Touro do Maracanã (Mendes, 2007a)126

“Respeita meu Guriatã” é o nome dado à toada acima. O respeito se impõe graças à
fortaleza do boi, à sua beleza e força capazes de amedrontar ou surpreender os contrários. Sua
estrutura mantém três estrofes, com a primeira e última se caracterizando como refrões
repetidos em bis, além de apresentar a sequência de rimas x/a/y/a/b/z/b. A gravação dessa
faixa tem um outro desempenho sonoro, característico deste álbum, preocupado em captar os
sons de cada instrumento percussivo de um modo mais estéreo, dando-lhe naturalidade e
aspectos de ao vivo. Ou seja, a performance musical do grupo está mais integrada ao contexto
de apresentação, já que os recursos tecnológicos de gravação se tornaram mais eficientes e
presentes no Boi de Maracanã desde os anos 2000 que se caracterizaram por inúmeros
contatos com produtoras de renome nacional, como o grupo “A Barca” (Canavieira, 2012),
cujos membros ajudaram a gravar o documentário “Rio do Mirinzá” (2007) e um CD de
lançamento nacional.
É possível inferir que as toadas de lá vai, no Maracanã, comumente não têm apenas a
função de anunciar que o grupo está preparado para a apresentação ou brincada, mas também
para a disputa simbólica presente no contexto dos bois de sotaque da Ilha.

126
Toada “Respeita meu Guriatã”. Disponível em
<https://open.spotify.com/track/7JS4po7dgC8hnn6aI0EBRv?si=87f547776cb34e30>. Acesso em 27 jan. 2022.
89

Dando continuidade, o grupo de Maracanã executa as toadas de chegou/chegada nas


apresentações ou gravações de álbuns anualmente. As duas toadas a seguir foram retiradas de
álbuns, produzidos nos últimos anos de vida, do Mestre Humberto Mendes. A primeira é do
álbum “Belas como todas” (2011) e a segunda de “Guriatã, Saudade eterna” (2015):

Cheguei com meu Batalhão de Ouro


Vim trazer Prazer de São João

Eu ainda estou firme


E meu povo faz tremer o chão
Com pandeiro, matraca, maracá de prata na mão (Mendes, 2011a)127

Cheguei, salvei trincheira nova


E também trincheira velha que me projetou

Maracanã nunca perde seu valor


Vai mostrar no Brasil que tu tens
Indústria de cantor (Mendes, 2015a)128

Ambas toadas foram regravadas: a primeira foi gravada originalmente para o álbum de
2004, “30 anos de Glória”, e a segunda possivelmente para os primeiros álbuns dos anos
2000. Humberto Mendes, entre 2009 e 2015, vivia já bastante debilitado pelas limitações de
saúde. Logo, os álbuns desse período se destacaram por apresentar toadas inéditas de outros
cantadores (como Ribinha, Teteco e Humberto Filho), além de reutilizar gravações de antigas
toadas de sucesso do amo do Maracanã em seus mais de 40 anos de cantoria. Os versos de
ambas toadas reforçam as principais características do Batalhão de Ouro, que se diferencia
dos outros por ser um celeiro de cantadores; enfatizam e reverenciam a devoção a São João,
ao citar o nome de batismo do couro do Boi129, além de aludir à continuidade social da
comunidade na interação geracional entre os mais velhos e mais novos (simbolizados como
trincheira nova e trincheira velha) em torno da figura mediadora de Humberto Mendes.
Apesar de mais ligadas aos aspectos pessoais do Guriatã, que acabaram se expressando
nas ações e no estilo do Boi de Maracanã, as toadas de chegada do grupo têm a função de

127
Toada “Maracá de Prata”. Disponível em <https://youtu.be/S7zY1WialIQ?t=660>. Acesso em 06 jun. 2021.
128
Toada “Trincheira nova, trincheira velha”. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=iOntK8yiL2w>. Acesso em 02 set. 2021.
129
Como já mencionado e explicado no capítulo 1 desta dissertação, o couro do boi é uma parte que reveste a
carcaça do artefato, na qual são bordadas imagens e referências de entidades, lugares, plantas e animais
estimados pelo grupo. Nele também se encontra seu nome, revelado durante o ritual de batismo do boi.
90

pedir permissão ao santo padroeiro; de apresentar a denominação do couro de boi batizado no


ano de criação da toada, reforçando os aspectos de força e singularidade do grupo. Ambas
toadas analisadas têm duas estrofes, num total de cinco versos, todos cantados em bis e com
uma estrutura de rimas presentes em apenas três deles.
As breves análises das letras das toadas de guarnicê, lá vai e chegada, compostas por
Humberto Mendes, expressam um padrão simples quanto às rimas e estrofes, e feitas de
poucos versos. Além disso, apresentam símbolos sempre compartilhados pelo grupo do
Maracanã, reforçando o sentimento de pertencimento como uma forma de se exaltar diante
dos contrários no contexto da diferenciação mútua dentro dos grupos de matraca, presentes na
Ilha de São Luís. São toadas que, além de abrirem os trabalhos e as apresentações, reforçam
as singularidades ou os diacríticos do Boi de Maracanã.

3.2 MEMÓRIAS E SABERES COMO INSPIRAÇÕES

Nas apresentações e álbuns dos grupos de bumba meu boi no Maranhão, é comum a
presença de toadas com temáticas mais livres (Iphan, 2011). Nelas, os cantadores e seus
grupos têm a oportunidade de expressarem os motivos de suas inspirações. A vivência e o
ambiente de Humberto Mendes podem ser apreendidos nos versos de muitas toadas que
integram o seu repertório. Em diferentes relatos, no documentário “Rio do Mirinzá” (2007),
“Guriatã” (2018), e na entrevista para o volume VII da coletânea de livros “Memória de
Velhos” (Mendes, 2008, p. 154), Mestre Humberto afirmava não deixar de compor
anualmente toadas. Muitas referiam-se a experiências vivenciadas por ele. Um exemplo disso
se encontra no episódio “O Mestre do Maracanã”, da série documental Visceral Brasil (2014),
quando ocorreu o reencontro entre Humberto Mendes e seus antigos amigos, no qual
cantaram os primeiros versos compostos por ele quando tinha 12 anos, após negociação entre
a vizinhança e seu boi mirim:

Quando eu cheguei no terreiro


Balancei meu maracá

Trago matraca e pandeiro


E a burrinha pra chatear (O Mestre do Maracanã, 2014)130

130
“Primeira Toada” de Humberto Mendes. Disponível em <https://youtu.be/mdJfItXfoIo?t=913>. Acesso em
24 abr. 2021.
91

São versos normalmente enquadrados em sete sílabas poéticas, divididos em duas


estrofes repetidas em bis, em rimas a/b/a/b e com pouca variação melódica. Essa toada é
considerada o marco inicial da trajetória de Humberto Mendes como compositor e cantador.
Esse contexto está expresso nos versos que remetem à figura da burrinha, uma das condições
do acordo então selado entre ele e o grupo, e ao maracá, instrumento-símbolo da regência e do
cantador solista dentro do grupo de bumba meu boi. A toada indica o início do processo de
construção de sua carreira e de sua musicalidade.
A toada a seguir também alude ao contexto de formação de Humberto Mendes na
cantoria, porém foi composta quando ele já era mais velho e um cantador consagrado.
Inserida no álbum “Touro Negro no Reino de Guaré” (1996), ela recorre às suas lembranças
dos tempos de Maioba:

Comecei cantar lá na Maioba


No sítio do São Pedro onde foi
No terreiro de Lucas Girão
“Campeão do São Pedro”
Era o nome do meu boi

Ciríaco era o dono


E brincante era seu Dico
Murilo, Felipe, seu Hélio
Tatu e Paulo, Peré e seu Vico
Passarinhas, Zé de Zilda, Sabiá
João Fininho, João Manchado
Raimundo de dona Limar
Nhonhô, Eugênio, Jalapa e Pají
Bogé, Nonato e os filhos de Bacural
Dona Lúcia de seu Cacarino
Era quem dava o mingau

Na porta de Dona Mercês


Onde a primeira toada cantei

Mutuca, Lindalva e Zica


Todo mundo era menino
O café com bolachinha
Era com Tetê e seu Faustino (Mendes, 1996b)131

Nessa toada, “Meu boi quando menino”, Humberto de Maracanã aposta na ousadia
melódica e na extensão de composição da letra com 22 versos, divididos em quatro estrofes.

131
Toada “Meu Boi quando menino”. Disponível em <https://youtu.be/WyZjn0-anCU?t=720>. Acesso em 02
set. 2021.
92

Além de ser bem maior, as rimas recorrem à citação dos nomes de seus amigos, reforçando os
aspectos coletivos e de sociabilidade da brincadeira de boi desde a infância. Noto também que
os refrões se apresentam na primeira e terceira estrofes, destacando a localidade de sua
primeira experiência como cantador.
Em seus relatos ou entrevistas, Humberto Mendes recorria comumente às toadas como
comprovações de momentos vivenciados por ele ou com as quais teve contato. Ou seja, suas
composições podem ser enquadradas como artifícios de registro, de fixação e
compartilhamento de suas memórias individuais num ambiente coletivo.
A seguir, utilizando esses recursos, ele relata sua experiência de teste de suas
habilidades como cantador no Boi de Maracanã, o que teria ocorrido por volta de 1973:

Lembro da primeira toada que serviu de teste de aprovação para entrar no Boi, estavam todos reunidos
na porta de José Martins, e cantei:
“Estou fazendo experiência
O povo quem vai julgar
Eu não sei se tenho competência de assumir o lugar
Ano passado ao povo prometi
De cantar toada este ano aqui”. (Mendes, 2008, p.154)

É interessante perceber o quanto suas habilidades na composição e improviso e a


construção de um estilo próprio ocorrem no contexto de seu entendimento pessoal do
compromisso com o grupo, submetido a sua aceitação. O verso mais longo destaca justamente
sua humildade e, em até determinado ponto, uma certa dúvida ou espera quanto ao
reconhecimento de seu talento e adequação à função ritual de cantador de boi. A preocupação
com as rimas nos finais e no meio dos versos também demonstram, a meu ver, seu
desenvolvimento como compositor.
Além de darem luz às suas lembranças e memórias, algumas toadas de Humberto
Mendes são capazes de refletir a construção de sua personalidade e identidade poética: há um
tom nostálgico que faz com que ele se constitua como um memorialista de experiências
vividas pessoalmente, ressoadas na experiência dos brincantes de boi. As duas composições a
seguir situam o bairro onde nasceu e no qual criou relações sociais e culturais com os
moradores.
A primeira toada é chamada de “Maracanã e o passado”, gravada no álbum “Touro
Negro no Reino de Guaré” (1996):
93

Maracanã, eu me lembrei
Do teu passado e até chorei
Da sombra da mangueira de Iaiá
Da festa de Mundica Pinto
Mãe Xinéia e Simbá

Da casa de forno
De meu tio Zé
Das carreiras de Antônio Ganjão
No caminho do igarapé (Mendes, 1996c)132

A segunda toada é “Velhos Guerreiros”, composta por Humberto Mendes para o álbum
“25 anos” (1998), porém regravada por seu filho e cantador Teteco ao “Guriatã - Saudade
Eterna” (2015):

Batalhão de Ouro começou assim


Com Humberto, Agripino, Zé Pé
Dionísio e João Martins

Zé Costa, Gorila, Juvenal, Germano


Mané Calça Preta, Rufino e Vitoriano
Honorato, Aristides, Mundico
João Meireles, Cláudio e Valdemar
Burro Brabo, Murilo e Lourenço
Graciliano, Adélcio, Avelar
Ziquiel, Inácio, Valdemiro
Gerson Wilson e Zé Ceará

Piloto Celestino, Geraldo e o saudoso Ilmarão


Todos foram primeiros guerreiros deste Batalhão

Dona Naíde sempre mandou na cozinha


Temperando com gosto mingau e feijão
Dona Josefa vendia café com bolo
P’ra arranjar o dinheiro
P’ra pagar o caminhão

Salve a grande história do meu Maracanã


E os 25 anos de glória do nosso Guriatã. (Mendes, 2015b)133

Em ambas toadas, há novamente a citação de nomes e ações marcantes tanto na


memória de Humberto Mendes quanto na formação inicial do Boi de Maracanã que assim vê
sua história registrada. Como indicou Carvalho (1995), o Boi passou por uma nova
configuração de “boi sociedade”, a partir dos anos de 1960, no período transitório para a

132
Toada “Maracanã e o passado”. Disponível em <https://youtu.be/WyZjn0-anCU?t=256>. Acesso em 06 jun.
2021.
133
Toada “Velhos Guerreiros”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Mwyp6zTa6E0>. Acesso
em 10 fev. 2022.
94

institucionalização do grupo junto aos órgãos de turismo e cultura. “Maracanã e o passado”


contém três estrofes, sendo a primeira e a terceira refrões, enquanto “Velhos Guerreiros” é
dividida em cinco estrofes com três refrões alternados, com uma grande quantidade de versos
rimados. Humberto de Maracanã interpreta a primeira toada com um tom de voz mais agudo e
de acordo com uma melodia que valoriza notas mais prolongadas nos refrões. Já Teteco
interpretou a segunda com um tom de voz mais grave e de características de rouquidão,
preocupando-se na parte de citação dos nomes com o transitar entre o canto e a fala.
Essas duas toadas, que remetem ao passado do Batalhão de Ouro e ao reduto
tradicional do Maracanã, foram gravadas em contextos diferentes. A primeira, quando
Humberto Mendes encontrava-se, possivelmente, no auge de sua carreira musical e saúde
física, desfrutando de grande prestígio local, conquistado por ele e por seu grupo entre os anos
de 1980 e 1990. A segunda, logo após sua morte, por isso seu filho Teteco reforçou
simbolicamente, com sua interpretação, a troca geracional que não esquece a trajetória do
grupo e valoriza os brincantes mais antigos. Também foi inserido o nome de Humberto
Mendes, ausente na primeira versão134, entre os citados na toada “Velhos Guerreiros”. É como
se a toada fosse reconstruída de fato com a troca de vozes e olhares sobre a própria história do
grupo, remetendo às observações de Feld (2018) sobre os corpos que carregam consigo vozes
e ecos de memórias, compartilhados por pessoas de uma mesma comunidade, inseridas numa
certa paisagem sonora.
Humberto Mendes se caracterizava também por resgatar memórias orais e vivências
pessoais da cidade de São Luís de Maranhão, como ocorre na toada “Upaon-Açu”, presente
no álbum “Banzeiro Grande” (1988):

Upaon-Açu é São Luís presente


Tinha 27 aldeias
Hoje em alguns povoados moram os seus descendentes

Inhaúma, Taim, Tenda-Rojó


Cumbiqui, Uarapirã
Juçatuba, Iguaí, Tajipuru
Araçagi, Miritíua, Turu e Maracanã
Arapapaí e Mapaúra
Itapicuraíba, Tibiri, Mocajutuba
Itapera e Pinandiba

134
Executada no documentário “Guriatã” (2018), com a voz de Mestre Humberto Mendes e sob o título
“Primeiros Guerreiros”. Na primeira versão, o nome de Geraldo é o primeiro a ser citado no segundo verso, antes
de ser deslocado para a terceira estrofe da segunda versão em 2015.
95

Parnáu-açu e Maioba
Pindaí, Ubatuba e Vinhais
Panaquatira e Igaraú
As aldeias da Ilha foram dos tupinambás

Juniparã era uma aldeia


Lugar dos índios chamada hoje pelo povão

Japiaçu foi o seu morubixaba


E de todas as aldeias da Ilha do Maranhão (Mendes, 1988b)135

“Upaon-Açu” é mais uma toada com formato dividido em cinco estrofes, dentre eles
três refrões cujos versos ressaltam a liderança, a divisão das aldeias e a etnia formadora delas.
A gravação não demonstra preocupação quanto à sequência de entrada dos instrumentos de
percussão, a partir da segunda passada. O grave dos pandeiros, mais alto e marcantes na
mixagem, acabou ressaltando o swing e o aspecto artesanal do ritmo. Esta toada é uma
tentativa do cantador e mestre do Maracanã reconfigurar a formação da cidade de São Luís do
Maranhão, sob o ponto de vista dos indígenas nativos, com os quais uma parte significativa
dos grupos de bumba meu boi do sotaque da Ilha têm ligação direta, como os redutos citados
de Maioba, Itapera e Maracanã. Outros bairros que integram a região metropolitana da capital
maranhense também são lembrados, como Araçagi, Turu, Panaquatira e Vinhais. Humberto
Mendes admitiu que precisou recorrer à consulta ou pesquisa para conseguir informações que
seriam compartilhadas por essa composição (Mendes, 2008, p. 156). Em 1988, quando foi
gravado o álbum no qual se encontra esta toada, Mestre Humberto e o Boi de Maracanã
apresentaram composições com a finalidade de levar informações desconhecidas num período
de realização de festivais importantes, dando consequências às regravações de outros artistas
locais renomados.
Mais um exemplo de resgate de memórias a partir de interações com a cidade é a
toada, intitulada “Os Bangalores do Campo de Ourique”, gravada no álbum “Touro Negro no
Reino de Guaré” (1996):

Ilha querida, eu já cheguei


Do teu passado novamente lembrei

Dos bangalores do Campo de Ourique até chegar


Pelo Monte Castelo até na Vila Militar

E dos passeios pelo rio Bacanga, eu sei


Todo mundo pra Maracanã

135
Toada “Upaon-Açu”. Disponível em <https://youtu.be/f4-GSqfO7g8?t=967>. Acesso em 06 fev. 2022.
96

Brincar na Festa de Reis

E dos festejos do João Paulo


Contrapé moleque, busca-pé e besourão

O bonde cara-dura transportava os operários


Pras indústrias de tecido e de algodão (Mendes, 1996d)136

Nesta composição, Humberto Mendes traz experiências pessoais vividas na região


central de São Luís do Maranhão, utilizando bairros e referências locais, indicando um
período passado, e sugerindo o caráter coletivo de suas lembranças. É bem provável que os
bangalores, citados na toada, sejam explosivos ou minas terrestres de uso militar que, criados
na Índia, foram armazenados no Campo de Ourique137, local onde atualmente se localiza a
Praça Pantheon e a Biblioteca Benedito Leite. O bonde, um dos principais meios de transporte
do início do século XX na capital maranhense, enfatiza o intuito de rememorar uma
experiência de trânsito dentro da cidade. O tom nostálgico dessa toada realça, entretanto, as
aceleradas transformações urbanas que aconteciam na capital, evidenciadas no mesmo
período de gravação da faixa musical, o final dos anos 1990.
A análise das toadas sugere que Humberto de Maracanã desempenha um papel
próximo ao de um cronista no processo criativo de compor através de lembranças de fatos e
coisas que mesmo sendo pessoais foram também experimentadas coletivamente. Uma espécie
de porta-voz do seu meio social boieiro.
Vale lembrar as contribuições de Benjamin (1987) acerca da crônica: uma forma
narrativa na qual uma história pode ser contada em variadas versões ou de modo estratificado
e sem uma sequência definida de ações. O cronista, em sua visão, é uma modalidade de
narrador modificado que sobrevive à valorização do romance e da informação, ascendidos
com a Imprensa a partir do século XVIII. Araújo (1992) entende que as narrativas podem ser
formadas por fragmentos, resultantes dos inúmeros cortes sofridos numa linha de progressão,
reconectados a um novo propósito ou sentido. Creio que algumas toadas de Humberto
Mendes são estratificações de lembranças e recordações orientadas, articuladas e organizadas
por um projeto individual (Velho, 1994), direcionado a moldar sua identidade pessoal e

136
Toada “Os Bangalores do Campo de Ourique”. Disponível em <https://youtu.be/WyZjn0-anCU?t=1156>.
Acesso em 02 set. 2021.
137
Fundado em 1793, abrigou o quartel do 5º Batalhão de Infantaria a partir de 1797. No século XIX, era
referido como Campo de Ourique ou Largo do Quartel até o ano da Proclamação da República, 1889, quando
passou a se chamar Praça Deodoro da Fonseca. O Quartel foi demolido na década de 1930. (Lima, 2018)
97

artística no meio boieiro. Acompanho também a sugestão de Carvalho (2011), que tem por
base o estudo aprofundado da trajetória de vida de Herberth da Mafra Reis, Pai Francisco do
Boi da Fé em Deus, de sotaque Zabumba. Para ela, os indivíduos preocupados em narrar suas
experiências de vida desempenham o papel de mediadores socioculturais entre seu próprio
meio social e o mundo social mais amplo:

Pensar a construção e a narração de histórias de vida como projetos de individuação implica, portanto,
assumir as mediações entre indivíduos e sociedade como fontes de significação na vida social, e as
relações entre ambos (...) como fontes de explicação socioantropológica. (...) Nas narrativas de vida, o
sujeito que se dá a conhecer não é o indivíduo empírico, mas aquele que se constrói como portador de
uma memória e de uma identidade formuladas ao longo de uma trajetória, as quais, embora pensadas
como atributos individuais, são dotadas de uma natureza eminentemente social. (Carvalho, 2011, p.
316-317)

3.3 NATUREZA, DEVOÇÃO E SINCRETISMO RELIGIOSO

O repertório de Humberto Mendes é recheado de composições dedicadas aos


elementos da natureza. O contato intenso, por grande parte de sua vida, com o meio rural
transformou-se também em fonte de inspiração: “Sempre fui um homem rural. Sempre
trabalhei nos matos e hoje sou um pouco de cada coisa. Um pouco de artista, um pouco de
lavrador” (Rio do Mirinzá, 2007). Como retratado na toada “Palmeira onde me inspiro”, do
álbum “Na sombra da Palmeira” (1993):

Eu estava sentado debaixo da palmeira


Onde eu me inspiro
Pra fazer minhas toadas

Eu me lembrei
De todas as maravilhas desta Ilha
Que eu chamo de encantada
Eu refleti bastante sobre a natureza
Vi que a Ilha é uma estrela de uma constelação febril

E que na expressão do folclore


É a primeira que brilha no horizonte do Brasil

Nesta Ilha está a capital dos azulejos


E a misteriosa Fonte do Ribeirão
A igreja secular do Desterro
E da Vila Maranhão

Festa de Igaraú e de Reis no Maracanã


De São José de Ribamar
98

E do glorioso São João (Mendes, 1993b)138

É interessante observar que, na toada acima, Humberto Mendes se coloca


simbolicamente no viveiro do pássaro guriatã, representado pela palmeira, tida como o local
privilegiado de inspiração. A natureza do seu entorno se destaca entre outros elementos
exaltados na Ilha de São Luís. São cinco estrofes, três refrões alternados e um total de 16
versos que dão o seu formato. Outras toadas do Boi de Maracanã, que seguem a linha de
exaltação, são dedicadas à lua, às estrelas d’oriente e d’alva, e aos cenários paisagísticos
locais. Selecionei duas toadas desse tipo de temática. A primeira foi gravada para o álbum
“Estrela Brasileira” (2007):

Oh, Lua! Tu és linda demais


Cheia nova, minguante, crescente, tanto faz

Ilumina as ondas aonde o veleiro vagueia


Onde a moça bonita vem brincar na areia (Mendes, 2007b)139

Essa toada, chamada “Lua, tu és linda demais”, tem estrutura e composição em duas
estrofes com apenas dois versos e rimas a/a/b/b. Isso permite, em alguns casos, uma linha
melódica com poucas variações, mas eficientes do ponto de vista de audição e memorização
para a assistência e a trupiada do Batalhão de Ouro. Os versos exaltam a natureza e
possibilitam imaginar o cenário descrito no ambiente praieiro, remetendo aos lugares e
horários nos quais Humberto de Maracanã compôs suas toadas. Abaixo, seguindo linha
melódica e de conteúdo similares, a transcrição de “Serra de Amburana”:

Salve os astros
Salve a serra de Amburana
E a passarada preludiando o seu canto
No romper da madrugada

As crianças que me fazem inspirar


Salve o morro de areia
Onde passeia meu guará
E a linda aldeia do índio tupinambá (Mendes, 1997c)140

138
Toada “Palmeira onde me inspiro”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=NqKZVo_3lqg>.
Acesso em 06 jun. 2021.
139
Toada “Lua, tu és linda demais”. Disponível em
<https://open.spotify.com/track/22ymjTJbvYYGezmISABioh?si=f53faeb493584139>. Acesso em 10 fev. 2022.
140
Toada “Serra de Amburana”. Disponível em <https://youtu.be/a_vVIqvE5vE?t=1031>. Acesso em 06 jun.
2021.
99

Essa toada, integrante do álbum “A Coroa é Nossa” (1997), com oito versos, divididos
igualmente em duas estrofes (quadras) e rimas mais variadas nas suas metades ou términos. A
primeira estrofe não contém um padrão de versos com quantidade de sílabas poéticas
similares, porém a segunda já apresenta dois versos com 11 sílabas poéticas, no início e no
final.
Por vezes, as toadas ligadas à natureza também fazem alusão às encantarias: lugares
normalmente afastados das grandes aglomerações humanas que, segundo a crença local,
servem de morada para entidades, conhecidas como encantados – pessoas que desapareceram
misteriosamente sem deixar vestígios materiais em outros tempos (M. Ferreti, 2008, p. 1).
Carvalho (1995) lembra de um exemplo que, secundariamente, é associado à expressão do
bumba meu boi maranhense, como a lenda popular de Dom Sebastião, rei de Portugal no final
do século XVI:

Conta-se que esse rei, depois de desaparecer em Alcácer-Quibir, veio, com toda a corte de Queluz,
encantar-se na Praia dos Lençóis, localizada no município de Cururupu, no estado do Maranhão. A
partir daí, justamente durante o período das festas juninas, ele se transforma em luzente touro coberto de
pedras preciosas com olhos de fogo, fulgurante estrela na testa, chifres de ouro e boca de brasa. E, assim
transfigurado, aparece em desabalado galope e apavora os pescadores incautos. Nas toadas do bumba,
essa figura legendária muitas vezes se faz presente. (Carvalho, 1995, p. 40)

Como afirmou Humberto Mendes: “Existe uma ligação do boi com a encantaria. E eu,
desde quando comecei a cantar boi, eu sempre me inspirei muito nessas coisas, assim, da
natureza onde muitas coisas das toadas que eu faço têm a ver com as coisas da Encantaria”
(Rio do Mirinzá, 2007).
O caráter de devoção junina do bumba meu boi maranhense também serve de
inspiração. Mas, para Humberto de Maracanã, São João Batista erguia-se como santo
padroeiro entre outras diferentes entidades com quem o cantador também firmara
compromisso.

Senhor São João, venha receber


Esta coisa linda que fizemos p’ra você

Com a santa luz divina, ilumina o meu Batalhão


É humilde esta oferenda, mas é de bom coração (Mendes, 2004a)141

141
Toada “Senhor, São João”. Disponível em <https://youtu.be/NneESbGCR9w?t=158>. Acesso em 02 set.
2021.
100

A toada acima, nomeada como “Senhor, São João” e gravada no álbum “30 anos de
glória” (2004), é geralmente interpretada após o ritual de batismo do Boi de Maracanã,
quando Humberto Mendes compunha de improviso uma toada dedicando seu boi a São João
Batista (Mendes, 2008, p. 157-158). Ele afirma que essas toadas de improviso são sempre
curtas, com dois versos em “dois pés”. Ou seja, creio que dois versos, em cada estrofe. Nessas
toadas, as rimas normalmente não fogem do esquema a/a/b/b, rimados entre si. Outras
entidades do catolicismo popular e da encantaria são lembradas nas toadas do Boi de
Maracanã:

Oh, Virgem Santa, Mãe de Deus


Eu venho aos vossos pés me ajoelhar

Ter a graça alcançada


Me permita, Mãe amada
O vosso nome exaltar

Junto a vosso filho, Jesus


Por nós, interceda Mãe querida
Ao dirigir minha prece
Seja por ele atendida

Mamãe de todas as mamães


Aumentai a minha fé

Em cada ato é uma glória


Rainha das rainhas
Senhora de Nazaré (Mendes, 2004b)142

A melodia dessa toada soa quase como uma prece e contribui para o ciclo repetitivo da
toada, que durante as gravações ou apresentações, é entoada pelo menos três vezes. Destaco
também a extensão das notas e sua característica mais dolente, assim como na toada “Senhor,
São João”, ambas gravadas no mesmo álbum “30 anos de Glória” (2004). Em cinco estrofes,
os versos exaltam Maria, mãe de Jesus, muito cultuada no catolicismo, e apresentam um certo
cuidado ou respeito para as figuras maternas e femininas, sem esquecer de agradecer e pedir
intercessão pessoal. A toada seguinte também exalta uma entidade feminina cultuada no
sistema religioso de encantaria:

Sereia linda de Cumã


Não vá esquecer Maracanã

Vem ver o meu Touro brincar

142
Toada "Virgem Santa”. Disponível em <https://youtu.be/NneESbGCR9w?t=1316>. Acesso em 02 set. 2021.
101

Fazendo poeira no chão


Itacolomin ainda é teu meu Batalhão (Mendes, 2013a)143

A toada acima, conhecida como “Sereia de Cumã”144, tem versos divididos em duas
estrofes, seguindo de alguma forma o padrão das toadas curtas do Maracanã. Faz referências à
encantaria de Itacolomin, pertencente ao encantado João da Mata, ou Rei da Bandeira (M.
Ferreti, 2008, p. 3). Existe um pedido nos versos para que a Sereia não se esqueça do
Maracanã, ou seja, de acompanhar e proteger o grupo. De acordo com o amo Ribinha, no
quinto episódio da websérie “Na toada do Maracanã”, essa era uma das composições
preferidas de Humberto Mendes, que a interpretou superando as dificuldades do avanço da
idade na gravação do álbum “Lira Sagrada” (2013). Outras entidades também são lembradas
para acompanhar o grupo, como na toada “Convidei todo o povo”, transcrita das audições do
CD “30 anos de Glória” (2004):

Convidei p’ra minha festa


Os Santos Anjos, os Orixás também vêm
Povo da Mata, Pedreira dos Astros
Povo dos Mares, Pretos Velhos também

Todas as aldeias, índios guerreiros


Princesa Dina é a flor do meu terreiro (Mendes, 2004c)145

A diferença melódica dessa toada para as outras de temáticas similares está no vigor
presente na interpretação de Humberto Mendes e das notas que compõem sua musicalidade.
Os seis versos, também divididos em duas estrofes, expressam o sincretismo da devoção do
cantador do Boi de Maracanã e do grupo por ele liderado. No mesmo documentário, o mestre
do Batalhão de Ouro relata: “O Reinado de Guaré. É o reinado da princesa Dina que a gente
sempre homenageia. Até porque ela faz parte desse boi. Ela tem a ver com o boi. O reinado
dela também” (Guriatã, 2018). De acordo com Mundicarmo Ferreti (2008, p. 3), alguns
autores identificam esse reinado ao Barão de Guaré, que comanda as águas marítimas entre a
cidade de Alcântara e o Boqueirão, na Baía de São Marcos, próximo da cidade de São Luís.

143
Toada “Sereia de Cumã”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=WHZzP4KCRIg>. Acesso em
02 set. 2021.
144
No álbum Aldeia Tupinambá (2020), essa toada também foi interpretada pelo cantor e compositor paraibano
Chico César, reconhecido na música popular brasileira.
145
Toada “Convidei todo o povo”. Disponível <https://youtu.be/NneESbGCR9w?t=1825>. Acesso em 02 set.
2021.
102

Ambas entidades integrantes da mesma família de Dom Sebastião: reis, fidalgos e gentis (S.
Ferreti, 2013, p. 113).
A brincadeira do bumba meu boi maranhense é expressão cultural mediadora entre os
universos laico e religioso, e seu caráter devocional articula os valores e noções do
catolicismo popular àqueles das tradições afro-brasileiras. No dossiê do Iphan (2011), a
celebração do Boi no Maranhão é vista como resultante de contratos entre brincantes devotos
e entidades do catolicismo popular ou da encantaria, remetendo ao conceito de dádiva tal
como proposto por Mauss (2003), como trocas voluntárias em teoria, mas que se provam ser
obrigatórias na realidade social. No Maracanã, a ideia de contratos ou dádivas se exprime com
a categoria nativa compromisso. Essa relação também pode ser expressa na performance,
quando brincantes mencionam a presença ou experimentam a incorporação de entidades
espirituais nas brincadas dos bois em casas de cultos afro-brasileiros, realizadas a pedido dos
encantados. Em certas situações, como no batismo do Boi ou até mesmo em apresentações no
terreiro/barracão do Maracanã, são comuns os brincantes demonstrarem a relação entre a
encantaria e o bumba-boi, como vistas nas imagens do documentário “Guriatã” (2018). Essa
relação se exprime também no simbolismo das toadas compostas pelos amos e cantadores
(Iphan, 2011)146.
A relação entre bumba meu boi e o sincretismo religioso pode ser enfocada a partir das
teorias de ritual e performance. Como indicou Cavalcanti (2020), a partir de seus trabalhos de
campo entre os Ndembus realizados no início dos anos 1950 na antiga Rodésia do Norte, atual
Zâmbia, Victor Turner (1974, 2005) entendeu o ritual como situações sociais em que os
símbolos acionados ganham eficácia e enfatizou as características restauradoras dos inúmeros
rituais encontrados e analisados por ele entre os Ndembu. As toadas de bumba meu boi são
elementos chaves para a instauração do simbolismo acionado nos inúmeros e diversos rituais
do ciclo anual dos grupos de boi. Schechner (2003), além de concordar com Turner ao levar
em consideração a interatividade no processo ritual, afirma que a performance no ritual é
constituída de comportamentos restaurados ou de ações repetidas, capazes de contar histórias,
curvar o tempo, afirmar identidades e remodelar corpos.

146
Além da dimensão simbólica das toadas, aproveito para chamar atenção ao aspecto rítmico, baseado nas
sensações e observações de Mário de Andrade (1983, p. 37), durante o ritual de fechamento do corpo. O autor
aponta que a finalidade principal da música de feitiçaria é sua relação com o poder hipnótico, ocasionado pelas
inúmeras repetições do ritmo e a monotonia do cântico. As consequências disso, nas músicas de origem
afro-brasileira, poderiam ser a expressão desse poder através de coreografias e dança.
103

A ligação das festas do boi maranhense com o universo dos encantados é permeada
por mistérios e crenças. De acordo com as observações de Sérgio Ferreti (2013), durante sua
pesquisa de campo nos terreiros de Tambor de Mina, uma das expressões religiosas que
integram o complexo da encantaria maranhense e caracterizada por cultuar orixás, voduns e
caboclos (que podem ser de origem ameríndia ou nobres europeus encantados), é comum seus
praticantes fazerem um certo mistério quanto às informações da crença e das entidades.
Graças à proximidade de trocas simbólicas com as religiões de matriz afro-ameríndias, esse ar
de mistério também alcança o bumba meu boi. As cenas iniciais do episódio documental “O
Mestre do Maracanã” (2014)147 ilustram ações de Humberto Mendes entrando num terreiro,
orando diante do altar e recebendo orientações e bênçãos de um pai-de-santo. De acordo com
Sanches (2003), os cantadores e amos costumam se proteger de feitiços, que no caso seriam
ataques místicos praticados pelos contrários, capazes de prejudicar suas vozes ou atuações nas
apresentações. Muitos deles realizam banhos, chás e outras práticas de proteção mística.
Alguns até assumem ter uma espécie de guia, normalmente ligado às entidades da encantaria
maranhense (Sanches, 2003). Logo, em muitos casos, o bumba meu boi interage com os
segredos e sincretismos dos terreiros.
No caso do grupo do Maracanã, desenvolveu-se uma consciência da importância da
espiritualidade na celebração do Boi. O grupo se aproximou das expressões e simbolismos das
religiões de matriz afro-indígenas que integram o complexo da encantaria maranhense. Mestre
Humberto Mendes afirma nem sempre ter aceitado as responsabilidades com a espiritualidade
no grupo, mas aos poucos, orientado por pessoas envolvidas com os terreiros religiosos,
tornou-se um defensor dessa aproximação (Mendes, 2008, p. 163-166). No relato durante
entrevista com a pesquisadora Letícia Cardoso (2016), Mestre Humberto explica como se deu
sua relação com os aspectos religiosos no Boi de Maracanã:

O Bumba meu boi é uma manifestação cultural, mas também religiosa, onde envolve o Tambor de
Mina, porque tem a ver com o Boi. No começo eu não queria admitir, quando as pessoas se
pronunciavam e ofereciam ajuda no aspecto espiritual, eu dizia: 'Larga isso de mão, besteira'. Não
gostava de ir onde eles frequentavam, mas depois fui tomando consciência da realidade, da influência
forte dos 'guias' com a brincadeira de Bumba meu boi. Qualquer terreiro de Bumba-boi que você vá,
encontrará o altar de São João e a pessoa que faz o Boi tem alguém que ele se comunica nesse aspecto
de saber o que deve e o que não deve fazer para que o Boi saia bom. (Humberto Mendes apud Cardoso,
2016, p. 147)

147
Disponível em <www.youtube.com/watch?v=mdJfItXfoIo>. Acesso em 24 abr. 2021.
104

Em alguns momentos dos documentários Rio do Mirinzá (2007) e Guriatã (2018), ele
relatou como enxergava ou sentia a influência de distintos espíritos, caboclos e encantados no
bumba meu boi (Rio do Mirinzá, 2007). Esse convívio de Humberto Mendes e sua
preocupação com a religiosidade e a do grupo do Maracanã acabou resultando em toadas com
referências a essas entidades. A composição “Reis na Encantaria”, que integra um álbum do
“Maranhão Vale Festejar” (2003), produzido pela Companhia Vale do Rio Doce, cita várias
entidades ligadas ao lugar sincrético do Boi. Vencedora do II Festival Maranhense de Toadas,
em 1992:

Salve os terreiros que o pai Oxalá mandou


Turquia, Casa das Minas e a Casa de Nagô

Viva Deus, Viva as Rainhas


E os Reis na Encantaria
Rei Badé, Rei Verekete, o Rei da Alexandria
Rei Guajá, Rei Surrupira
Rei Dom Luís, Rei Dom João
Rei dos feiticeiros, dos Exús e Rei Leão
Rei Oxóssi, Rei Xangô
Rei Camunda, Rei Xapoanã
E Barão, Rei de Guaré
Protejam o Boi do Maracanã

Rei da Bandeira, o Rei da Maresia


Rei de Itabaiana, salve o Rei da Bahia

E os reis que eu não falei em verso


Falo no meu coração
Salve o Rei dos Índios
Salve o Rei Sebastião (Mendes, 2003)148

Outro exemplo de toada que sintetiza crenças, entidades, festas e símbolos diacríticos
exaltados e compreendidos pela tradição e interação geracional é “Maranhão, meu tesouro,
meu torrão”, interpretada no álbum “Na sombra da Palmeira” (1993). Vencedora do I Festival
Maranhense de Toadas, em 1986, regravada várias vezes pelo próprio grupo e inúmeros
artistas, entre eles Alcione. Passou por um processo de simbolização no estado, culminando
no título de Patrimônio Cultural Imaterial do Maranhão, em 2022:

Maranhão, meu tesouro, meu torrão


Fiz esta toada pra ti, Maranhão

148
Toada “Reis na Encantaria”. Disponível em <https://soundcloud.com/daniel-walassy/reis-na-encantaria>.
Acesso em 06 jun. 2021.
105

Terra do babaçu que a natureza cultiva


Essa palmeira nativa que me dá inspiração
Na Praia dos Lençóis, tem um touro encantado
E o reinado do Rei Sebastião
Sereia canta na croa
Na mata o guriatã
Terra da pirunga doce
E tem a gostosa pitombotã
E todo ano a grande Festa da Juçara
No mês de outubro, no Maracanã
No mês de junho, tem o bumba meu boi
Que é festejado em louvor a São João
O amo canta e balança o maracá
A matraca e o pandeiro é que faz tremer o chão

Essa herança foi deixada por nossos avós


Hoje cultivada por nós
Pra compor tua história, Maranhão (Mendes, 2007c)149

3.4 URRO(U) E TOADAS DE PIQUE

No Maracanã, as toadas de urro(u), além de serem alusivas às narrativas de morte e


ressurreição do boi, ligam-se especialmente ao episódio da ressurreição do animal. Elas são o
momento maior em que o grupo expressa e exalta suas diferenças em relação aos contrários
do sotaque da Ilha e compartilham informações entre si. A toada a seguir chama-se “Meu boi
gemeu na serra” e se encontra no álbum “Estrela Brasileira” (2007):

Meu Boi gemeu na serra


Tremeu a terra, imitou canhão

Urrou no terreiro
Este Touro é malcriado
Um cantor e um desmamado
Sumiram da região

Vem ver, rapaziada


Coisa engraçada que aconteceu
Cantador que vive na lama
Quer criar fama, imitando eu

O Boi grandalhão cresceu tanto


Que agora decresceu
E até o Leão Devorador
Devorou a Madre Deus (Mendes, 2007d)150

149
Toada “Maranhão, meu tesouro, meu torrão”. Disponível em
<https://open.spotify.com/track/3NLFwwnGHHl192imbfaF30?si=07e98157e3864d17>. Acesso em 06 jun.
2021.
150
Toada “Meu Boi gemeu na serra”. Disponível em
<https://open.spotify.com/track/0tOLOHuwasVoFmiTAVJ4Z2?si=40fe5e2b0a5648ea>. Acesso em 10 fev. 2022.
106

Esse tipo de toada se diferencia dos outros tipos tradicionais, pois são mais longas e
têm um tom jocoso e provocativo ao se referirem aos contrários. As informações acerca destes
são obtidas a partir das fofocas existentes e compartilhadas no meio boieiro. Logo, as toadas
de Urro(u) se diferenciam por exaltarem a grandeza do próprio boi e pela finalidade de caçoar
dos contrários. No caso da toada acima, Humberto Mendes se dirige ao cantador José Alberto,
por sua alcunha “Leão Devorador”, e ao grupo do Boi da Madre Deus que não conseguem
lidar com a antiga grandeza151 do grupo e com a vaidade de seu próprio cantador. Outro
exemplo dessa dimensão é a toada “Quem fala alto é o Guriatã”, presente no álbum “Lira
Sagrada” (2013):

Meu Boi urrou, meu Boi gemeu


O choque foi grande que Contrário esmoreceu

Agora todo mundo é sabedor


É só do meu lado que eles têm valor

Quem fala alto é o Guriatã


Vocês vão respeitar Touro do Maracanã

Quando nosso boi urrou


Coisa engraçada aconteceu mais uma vez

Tem cantor na Ilha que anda fazendo fita


Cantando toada bonita
Mas foi o rapaz de Iguaíba que fez (Mendes, 2013b)152

O formato desta toada se diferencia por conter cinco estrofes, sendo quatro delas em
dois versos. Apenas a segunda estrofe não é cantada em bis. Quanto à mixagem da gravação,
o maracá entrou na metade da primeira passada, seguida pelo restante dos outros instrumentos
de modo simultâneo. Humberto Mendes, com esta composição, exige respeito dos contrários
ao chamar atenção ao urro do Boi e à imposição da voz do Guriatã que se diferencia dos
outros pela valorização da própria autoria de suas toadas, em contraposição à parceria de
cantadores com um “rapaz” de Iguaíba.
Os grupos de bumba meu boi do sotaque da Ilha inserem-se numa rede de intensa
rivalidades traçadas entre eles. As toadas de pique são uma das formas de expressar os

151
Abmalena Sanches (2003), na sua dissertação “O Universo do Boi na Ilha”, cujo objeto de estudo foi o caso
do Boi da Madre Deus, sotaque de matraca, deixa de modo claro como a memória oral do grupo e da cidade de
São Luís guarda este Boi entre um dos mais populares no início e meados do século XX. Nos anos 2000, ela
observou que seus membros questionavam a falta de prestígio de outrora, inseridos num contexto de disputas
políticas internas que julgavam prejudicar o grupo.
152
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=PekPcQvDqH0>. Acesso em 20 fev. 2022.
107

desafios aos contrários. Humberto Mendes demonstrava interesse por essa linha de inspiração,
mas era seletivo e seguia um estilo próprio ao fazê-las:

Dependem das circunstâncias, não são difíceis, elas são bonitas e motivadoras, mas tem que haver
decência, não pode ser pornográfica, agressiva e nem falar da vida particular de ninguém, alguns gostam
de fazer isso, se a pessoa praticou alguma coisa ele vai cantar, não tem nada a ver. Se um cantador canta
pra mim dou a resposta. (...) Na maioria das vezes canto quando me provocam, algumas vezes cantei
provocando também... (Mendes, 2008, p. 158)

Ou seja, Humberto de Maracanã preferia fazer ou responder aos desafios no âmbito da


cantoria, do talento e das situações vividas pelos cantadores contrários dentro do universo
boieiro, evitando referências à vida particular. Uma situação exemplar ocorreu, em 1993,
quando Chagas, na época jovem cantador do Bumba meu boi da Maioba, apelidado como
Canário Novo, desafiou Mestre Humberto, chamando-o de curador na toada “Guriatã
inconsciente”:

Guriatã inconsciente, tu não sabe o que diz


Tu és um invejoso, não quer ver outro feliz

Sem ter como e nem porquê


Tu me julgou incompetente
Mas tu és inconsequente
Não sabe te avaliar
Eu nasci pra cantar boi e tu nasceu para curar

Sei que é despeitado porque a Maioba me aprovou


Isto é prova de sobra do meu grande valor
Competência não me falta para dominar cantor

Desafiando a natureza, luta contra a maresia


Cantando boi com som de cura
Tu não nasceu pra cantoria (Corrêa, 1993)153

Tão logo Humberto Mendes ficou sabendo da provocação, respondeu, acusando o


Chagas de traíra e Judas: “O cantador lá da Maioba fez uma toada... No ano seguinte, me
chamando de curador. Curador do Maracanã, não sei o quê... Pai-de-santo do Maracanã (...)
Letra i de incompetência. Eles se aperreiam comigo no canto!” (Guriatã, 2018). A toada de
resposta do Mestre Humberto, chama-se “Perdeu tua prenda, Maioba” e integra o álbum “Na
sombra da Palmeira” (1993):

153
Toada “Guriatã Inconsciente”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=1ke-aBGKg68>. Acesso
em 02 set. 2021.
108

Perdeu tua prenda, Maioba


Ficaste com aproveitador de sobra

Te avisei ano passado


E você não ligou
Ele veio encomendado
P’ra tirar teu cantador

Judas traiçoeiro
Tu não tens coração
Foi ele, Maioba
Quem destruiu teu Batalhão

Quem és tu p’ra me chamar de curador


Mafioso disfarçado
Com a Maioba tu acabou

Tira o para-brisa preto


Mostra a cara no terreiro
Deixa o povo conhecer
Quem fez o Canário Belga
Abandonar o viveiro (Mendes, 1993b).154

Nessa toada, dividida em cinco estrofes, exceto a segunda que não é cantada em bis.
As outras estrofes realçam a provocação ao cantador contrário e as interpelações enfáticas de
Humberto Mendes ao grupo da Maioba. Ambos nunca citam diretamente os respectivos
nomes artísticos, mas sim suas alcunhas ou então adjetivos jocosos. As toadas de pique
(desafio), com suas provocações, contribuem para fortalecer os elos internos e exaltar as
qualidades de um grupo em detrimento dos outros. Revelam a natureza associativa da disputa
em que o contrário desafiado e confrontado integra a construção de si (Cavalcanti, 1994, p.
32; 2018).
Humberto Mendes também se dirigia aos contrários a fim de enaltecer suas qualidades
como cantador e aquelas de seu grupo no universo do sotaque da Ilha. Uma composição
conhecida, em que ele prolonga sua vida na terra, é executada nos documentários “O Mestre
do Maracanã” (2014) e “Guriatã” (2018):

Contrário, tua profecia sempre falha


Por mim, tu não ganha medalha
Ser contra mim leva a pior
Vontade e realidade enganam a gente
São duas coisas diferentes
Se tu és bom, Deus é melhor

Só vou morrer depois de 2040

154
Toada “Perdeu tua prenda Maioba”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=GJ7q7w7Glw8>.
Acesso em 06 jun. 2021.
109

Pisando firme neste chão


Cantando boi p’ra São João (Mendes, 2011b)155.

Essa pequena toada, chamada “Contrário tua profecia sempre falha”, tem duas
estrofes, com versos de maioria em oito sílabas poéticas, e com pedidos a Deus e de
intercessão a São João Batista para seu ousado desejo de viver por mais de 100 anos, em uma
exaltação da própria função de cantoria. As melodias dessas toadas de desafio ou de
provocação são mais agressivas, valorizando o ritmo firme da trupiada e também as notas
mais longas no tempo melódico. A altura da voz na interpretação é mais aguda do que o
habitual como uma forma de dar destaque ou como a encenar uma discussão.
Os ciclos e recomeços também são temas comuns para expressar a superioridade do
grupo do Maracanã na disputa simbólica pelo reinado da toada na Ilha de São Luís do
Maranhão. “A Coroa ainda Existe”, presente no álbum “Touro Negro no Reino de Guaré”
(1993) e que contém inúmeras versões e regravações, expressa o contexto de formação de
Humberto Mendes, admirador do antigo cantador Januário, um dos destaques do cenário do
bumba meu boi, por volta de 1950:

A Coroa ainda existe


O rei Januário não levou

Não está no Iguaíba


Não está na Maioba
Não está na Pindoba
No Ribamar piorou

Quem usa ela é o Guriatã


Está no Maracanã
Que São João Entregou” (Mendes, 1996d)156

De um modo mais contido, essa toada também provoca os contrários. A disputa


simbólica retratada na toada lembrou-me as análises de Geertz (2013) de diferentes exemplos
de figuras ou lideranças carismáticas, associadas a um simbolismo e inspiradas no conceito
weberiano de carisma. No caso da disputa da toada de bumba meu boi, existe um reinado
simbólico, cujos limites são a Ilha de São Luís do Maranhão, o símbolo maior é a Coroa e os
deslocamentos de grandes proporções que dão dimensão do tamanho de um rei (cantador) são

155
Toada “Contrário, tua profecia sempre falha”. Disponível em <https://youtu.be/S7zY1WialIQ?t=1761>.
Acesso em 06 jun. 2021.
156
Toada “A Coroa Existe”. Disponível em <https://youtu.be/WyZjn0-anCU?t=2112>. Acesso em 06 jun. 2021.
110

os cortejos de milhares de simpatizantes e seguidores pelas ruas da região metropolitana.


Após o falecimento de Mestre Humberto Mendes em 2015, seus três filhos cantadores
(Ribinha, Teteco e Humberto Filho) no documentário “Guriatã” (2018) ressignificaram a
toada, inserindo uma citação ao pai e alterando os três últimos versos:

A Coroa ainda existe


E o nosso Mestre Humberto não levou

Não está no Iguaíba


Não está na Maioba
Não está na Pindoba
No Ribamar piorou

Quem usa ela são os filhos do Guriatã


Está no Maracanã
Que nosso pai nos deixou (Guriatã, 2015c)157

Para o Boi de Maracanã, o reinado da toada continua no seu viveiro, devido à troca
geracional de cantadores, em sua maioria, filhos e netos de Humberto Mendes.

3.5 DESPEDIDA

Humberto Mendes era um cantador de toadas e também de paixões. Desde muito


jovem, sua vida foi permeada por inúmeras experiências amorosas:

Todos pensam que é da cantoria que vem minhas conquistas, mas independente disso, nem pensava em
ser cantador, garoto, apareciam muitas namoradas e ainda aparecem, eu é que não quero mais saber,
deixei faz muito tempo. Às vezes interesso-me por alguma. A mãe da minha filha Maria Açucena
apareceu no Boi, não que eu use o Boi para formar um harém, ser aproveitador. (Mendes, 2008, p. 184)

Essa dimensão mais ligada ao aspecto pessoal do Mestre do Maracanã também serviu
de inspiração para toadas com temáticas ligadas às mulheres, aos ciúmes e partidas. A linha
romântica normalmente domina as composições de despedida do Boi de Maracanã, como na
toada interpretada na 12ª faixa do álbum “30 anos de Glória” (2004), que reforça
simbolicamente o sentimento de falta e saudade:

Adeus, morena! Eu já vou


Ciúmes sempre foi inimigo do amor
157
Versão adaptada de “A Coroa existe” pelos filhos de Humberto Mendes. Disponível em
<https://youtu.be/jyy2F3NGEHA?t=147>. Acesso em 02 fev. 2022.
111

Não é bom viver brincando


Não é bom ficar sozinho
Esta flor maravilhosa
Se cultiva com carinho

Quem ama não abandona


Nasci só pra ti, meu bem
Coisa boa não enjoa
Eu não te troco por ninguém (Mendes, 2004d)158

Já a toada "Quando eu voltar serei dois”, presente no álbum da coletânea Maranhão


Vale Festejar (2003), apresenta as promessas de retorno e o empenho do cantador em
satisfazer os pedidos da pretendente se reforçam nos versos:

Adeus, morena
Vou me retirar
Batalhão de Ouro p’ra outro terreiro eu vou levar

Eu até podia contigo demorar mais


Mas o que tu queres
Eu não faço, ninguém faz

Eu vou, mas eu volto p’ra te ver


Quando eu voltar, serei dois
E um será só p’ra você (Mendes, 2003c)159

Ambas toadas contêm estrofes e quantidades de versos quase padronizadas. A primeira


apresenta melodia mais dolente, e a segunda, um pouco mais enérgica. Humberto Mendes
interpreta os versos com uma entonação de voz serena, reforçando as saudades com a
esperança de retorno.

158
Toada de despedida disponível em <https://youtu.be/NneESbGCR9w?t=2339>. Acesso em 02 set. 2021.
159
Toada “Quando eu voltar serei dois”. Disponível em
<https://soundcloud.com/daniel-walassy/quando-eu-voltar-serei-dois>. Acesso em 11 fev. 2022.
112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que as diferentes formas expressivas de caráter festivo e/ou religioso e a


diversidade de códigos e signos do bumba meu boi maranhense formam um verdadeiro
idioma ou um sistema cultural, é possível afirmar que sua heterogeneidade e capacidade
comunicativa são capazes de criar ou mediar relações entre camadas, instituições, grupos e
indivíduos no meio social. A brincadeira de boi nada mais é do que um ato singular do
maranhense (re)afirmar o processo de formação das suas identidades pessoal e coletiva,
integrando-o a uma teia de significados, valores e práticas com seriedade.
Os inúmeros contextos do Boi do Maranhão nos mostram a caminhada de seu status
inicial marginalizado na sociedade, com a não-aceitação ou preconceito das elites do estado,
para um emblema da identidade cultural. Nesse caminho, o bumba meu boi congregou e
atingiu vagarosamente a participação não só das camadas populares como de toda a sociedade
mais ampla, a partir das liberações de suas apresentações nas ruas, do diálogo com os órgãos
públicos, com a imprensa e os meios de comunicação de massa, dos investimentos públicos e
privados exponenciados após a institucionalização da brincadeira. Não ficam de fora desse
sistema a rede de relações de parentesco, amizade, compadrio, patronagem, entre outras
(Carvalho, 2011). Nessa rede estão inseridos indivíduos de diferentes funções sociais:
lavradores, pescadores, carpinteiros, professores, funcionários públicos, estudiosos e
intelectuais, políticos, empresários e muitos outros.
A inserção das expressões do bumba meu boi maranhense no grande circuito turístico
cultural deu-se, no primeiro momento, após a criação da Func (Fundação Municipal de
Cultura) e da Maratur (Empresa Maranhense de Turismo) nos anos de 1960 e atuação
vertiginosa de Zelinda Lima e Domingos Vieira Filho. Este foi homenageado, com a criação
de um Centro de Cultura Popular, nos anos de 1980, que se tornaria órgão responsável por
catalogar e registrar as brincadeiras de boi no estado, acelerando o processo de
institucionalização, no segundo momento, nos anos de 1990. A partir daí, com os títulos de
patrimonialização conquistados pela cidade de São Luís e pelo bumba meu boi, houve uma
intensificação das relações políticas e socioeconômicas e o interesse pelo cultivo da memória
entre os grupos de boi e a sociedade mais ampla. Percebo, então, que o sistema cultural do
bumba meu boi se integrou gradualmente com a urbanização e crescimento da capital em
diferentes contextos.
113

No meio de todo esse percurso, nasce no Maracanã um indivíduo talentoso que se


desenvolveu na interação com os outros pelas comunidades onde transitou, passando por um
período de incompreensão da sua vocação até o estabelecimento do compromisso com São
João Batista e o reconhecimento social de sua aptidão para ingressar na cantoria, ou seja,
tornar-se um cantador que compunha suas toadas. Humberto Mendes cresceu no seio de uma
profusão de paisagens sonoras e visuais que lhe permitiram tomar decisões sobre os caminhos
a seguir e inspirações musicais no processo de individualização dentro do Boi de Maracanã e
no meio social dos bois de sotaque de Matraca/da Ilha. Dessa forma, ele se diferenciou
mutuamente dos outros cantadores e batalhões da região ao reforçar símbolos que se associam
à construção de sua identidade e do grupo de Maracanã, compartilhados entre eles numa
disputa simbólica pela Coroa (reinado da toada): Batalhão de Ouro (o conjunto), Palmeira
(como viveiro), Guriatã (a voz). Ou seja, ao longo dos anos, a brincadeira de boi conectou
aspectos da realidade pessoal com a representação de sua personalidade e do seu grupo no
sistema cultural do bumba meu boi.
Humberto Mendes também desempenhou o papel de liderança no Boi de Maracanã,
conquistando apoio de moradores do bairro e articulando uma rede de contatos com seus
conhecimentos adquiridos, a partir de experiências em outras atividades associativas da
região, no boi-mirim, nas comunidades eclesiais de base e na escola Maracanã do Samba. Ele
tomou a frente de algumas responsabilidades, que a princípio originaram um conflito
geracional, mas contornado com convencimento dos integrantes do grupo. Sob sua liderança,
o Batalhão de Ouro integrou mulheres e crianças na brincadeira de boi, iniciou seu processo
de institucionalização e construção do barracão/terreiro ainda nos anos de 1970 e 1980.
Portanto, Humberto Mendes foi um líder carismático e relativamente consensual dentro do
grupo do Maracanã, também um mediador sociocultural, como definiu Velho (2001).
A partir dos anos 1990, Mestre Humberto decidiu separar suas responsabilidades
burocráticas e artísticas por motivações de saúde e dedicação maior apenas para a cantoria,
coincidente com o contexto de exponencial investimentos públicos e privados nas expressões
do boi maranhense. Gradualmente, ele repassou a parte burocrática para uma de suas
mulheres, Maria José, e conduziu o desenvolvimento do talento de três dos seus filhos -
Ribinha, Teteco e Humberto Filho. Com isso, nos anos 2000, conseguiu criar contatos com
produtoras do audiovisual, artistas da MPB e outros mestres e mestras da cultura popular
brasileira, alcançando o reconhecimento maior como Mestre da Cultura do Brasil em 2008.
114

A reconstituição biográfica de Humberto Mendes demonstra que ele não foi um gênio
de ambivalência estabelecido-outsider, que tentou desviar das normas de seu tempo, assim
como Norbert Elias (1995) compreendeu ao escrever e analisar a biografia do músico
austríaco Mozart, incompreendido pelas estruturas sociais monárquicas da Europa no século
XVIII. Na minha visão, a trajetória do Mestre do Maracanã aproxima-se da noção de
estabelecido, ou seja, uma personalidade que esteve no seu tempo adequando-se às estruturas
e contextos históricos, políticos e socioeconômicos do bumba meu boi maranhense e do
Batalhão de Ouro. Humberto Mendes cresceu, percebeu e desenvolveu seu talento no período
de popularização da brincadeira de boi no estado, ingressou no compromisso a São João como
cantador de Boi do Maracanã no período de institucionalização, estabeleceu-se como mestre
reconhecido no período de patrimonialização. Vale destacar que esses períodos não podem ser
compreendidos como algo estanque, mas como processos temporais com momentos de
liminaridade, pontos de inflexão (Hughes, 2005), para o entendimento maior da carreira de
uma personalidade no sistema cultural do bumba meu boi maranhense.
As composições de Humberto Mendes são locus simbólico e representativo não só de
sua trajetória, mas também das inúmeras paisagens, escolhas, memórias e contextos pelos
quais vivenciou em interação com o Batalhão de Ouro. No ponto de vista nativo, a função de
um cantador é dupla: cantar e compor suas toadas, assim como estas são divididas em poesia
(letra) e melodia, dando-lhes um sentido aproximado à inspiração. Quem não segue ou se
enquadra nessas características têm sua função e autoria questionadas pelos brincantes e
simpatizantes. Essas noções foram construídas de acordo com as dualidades semânticas da
brincadeira de boi e das relações sociais - rivalidade e afeição - presentes no meio social
boieiro, especialmente no sotaque da Ilha, onde se encontram potencializadas.
Mesmo preocupado em seguir a tradição da sequência de toadas (guarnicê, lá vai,
chegou, urrou e despedida) ou a organização e cadência rítmicas da trupiada, Humberto de
Maracanã nas toadas procurou quebrar paradigmas de formato e estabeleceu um estilo
melódico, desempenhando diferentes papéis: amo carismático, mestre dos desafios, cronista,
homem apaixonado, mediador devoto, brincante sincrético, porta-voz do Maracanã. O
desempenho, expresso na relação tradição e mudanças, o estilo estético (contexto) e estrutural
(funções) dessas toadas foram repassados para uma nova geração de cantadores do Boi de
Maracanã, por Mestre Humberto, provando que existe um processo de acustemologia no
grupo (Feld, 2018).
115

Após sete anos da partida de seu antigo líder e cantador, o Batalhão de Ouro no
contexto contemporâneo de patrimonialização do sistema cultural do bumba meu boi
maranhense executa práticas de rememoração de Humberto Mendes não só na reprodução,
regravações e releituras de suas toadas, mas também nas lembranças e outros modos alusivos
(ícones, fotografias, imagens) num processo de simbolização desse personagem. É dessa
forma que os membros do Boi de Maracanã procuram se diferenciar dos contrários no meio
social boeiro, reforçando a associação entre memória e identidade como um fenômeno
construído coletivamente e repassado por gerações. No período de pandemia, a memória
coletiva em torno de Humberto Mendes continuou reavivada nas atividades, apresentações e
discussões nos quais membros da diretoria e o Boi de Maracanã em conjunto puderam
participar ou produzir. Foi uma forma do grupo dar continuidade aos valores, símbolos e
práticas apreendidos pelos antepassados do grupo, escolhidos e repassados por Humberto
Mendes, personalidade e emblema maior do Batalhão de Ouro.
Portanto, a partir dos dados obtidos, analisados e descritos ao longo de todo este
trabalho, entendo que o legado é uma categoria analítica que se nativizou entre os brincantes
do Bumba meu boi de Maracanã, cuja noção é compreendida entre eles como constituída por
processos construtivos e compartilhados de memória e identidade, repassados de modo
geracional e pelas relações de parentesco no Batalhão de Ouro de Maracanã. Vale destacar
que o legado de Humberto Mendes também é visto por eles como um resultado das escolhas
que o mestre fez em vida. Logo, diante do campo de possibilidades enfrentado não só pelo
Guriatã, mas por todo o grupo do Boi de Maracanã, vejo que a noção de legado se aproxima
ao conceito de um consciente projeto individual, definido por Gilberto Velho (1981, 1994).
Essa construção, além de ser individual e apreendida coletivamente, está inserida na dinâmica
complexa e interativa da cultural popular e do meio social boieiro com a sociedade geral.
Para Velho (1994, p. 101), o projeto é a antecipação do futuro no presente de uma
trajetória e biografia, pois sua consistência depende fundamentalmente da memória. Por isso,
acredito que não foi à toa a declaração de Humberto Mendes, nos últimos anos de sua vida,
para o episódio documental “O Mestre do Maracanã”, da série Visceral Brasil (2014): “Se
alguém me criticar, ‘tu não passas de um cantador de boi, rapaz!’ Eu tenho orgulho de ser
cantador de boi. O futuro está agora no presente!” Essa semântica também se encontra nos
versos da sua toada “Maranhão, meu tesouro, meu torrão”:
116

Esta herança foi deixada por nossos avós


Hoje cultivada por nós
P’ra compor tua história, Maranhão (Mendes, 2007c)

Acredito que a compreensão de toda essa complexidade pode ser alcançada a partir do
exercício etnográfico. É um caminho eficaz para a imersão do pesquisador no sistema cultural
do bumba meu boi maranhense, com o objetivo de analisar antropologicamente elementos e
personagens que o integram. Este trabalho indicou os inúmeros trânsitos e circulações que
perpassam o sistema cultural do bumba meu boi maranhense, imbricados em diferentes
contextos históricos, políticos e socioeconômicos. Em meio a essa complexidade, emergem
artistas que se individualizam e exercem papéis culturalmente importantes. Proponho, assim,
que os estudos contemporâneos de cultura popular possam abordar cada vez mais as
trajetórias de indivíduos que são casos exemplares da heterogeneidade e da natureza dinâmica
características desse campo.
117

APÊNDICES

APÊNDICE A - TOADAS DO REPERTÓRIO DE HUMBERTO MENDES

Abaixo outras composições transcritas a partir das audições de alguns álbuns do Boi
de Maracanã e das toadas executadas nos documentários “Rio do Mirinzá” (2007), “O Mestre
do Maracanã” (2014) e “Guriatã” (2018). Elas integram o repertório de vida do Mestre
Humberto Mendes.
_____________________________

DESPERTA BRASIL (Guarnicê)


Autor: Humberto Mendes

Desperta, Brasil querido!


Vem cantar comigo
O meu guarnecer

As minhas toadas tu conhece


Deixa a notícia correr

Meu forte é meu São João


Na sombra da palmeira
Eu vou treinar meu Batalhão

_______________________________

TEMPO GERAL (Guarnicê)


Autor: Humberto Mendes

O sol brilhou no horizonte e anunciou


Que o tempo geral chegou

É o tempo que a palmeira é mais verde


É o tempo que o ouro tem mais valor
É o tempo que meu São João estende as mãos
Pra mim guarnecer o meu Batalhão

_________________________________

BANZEIRO GRANDE
Autor: Humberto Mendes

De cima do morro de areia


Eu avistei no meio do mar
118

Banzeiro Grande
Quebrando na croa
Eu vi uma canoa
Me deu vontade de ir pra lá

______________________________

ABENÇÃO, MAMÃE QUERIDA


Autor: Humberto Mendes

Quando eu balanço minha lira


Faz emocionar os meus fãs

Há tempo o mundo inteiro festeja


No segundo domingo de maio
O dia das mães

Origem da minha vida


Rainha de todo lar
Abenção, mamãe querida
Lá no céu aonde estás
Com amor, chama filhinho
Dun-dun-ga, vem cá dan-dãe
Não existe dor que resiste
Quando se chama mamãe

__________________________

TOURO NEGRO DO REINO ENCANTADO


Autor: Humberto Mendes

Oh, deusa dos poetas


Vem me dar inspiração
P’ra fazer esta toada
P’ra meu senhor São João
Estes campos de Perizes
Estes cantos de perdizes
Na sombra do aririzeiro
Essa brisa que desliza
Sobre a relva onde meu touro
Se balança no terreiro
No dia seis de janeiro
Viva os reis do alecrim
Unidos de Fátima canta
Na avenida, um canto assim
A sereia de Cumã
Na pedra de Itacolomi
Touro negro e seu reinado
119

Navegando se destina
No navio encantado
De Dom João, rei de Mina
No balanço da maré
Visitar rainha Ina
E Barão, rei de Guaré

Tudo isso é o Maranhão


De Alcione e Ubiratan

Esta prenda, este tesouro


Este batalhão de ouro
Quem fala é Maracanã

______________________________

LINDA DONZELA
Autor: Humberto Mendes

Areia branca que a maré não cobre


Onde a moça nobre brinca em noite de luar

Princesa Dina
Linda donzela
Fica na janela
Pra me ouvir cantar

______________________________

ESTRELA D’ALVA
Autor: Humberto Mendes

A Estrela D’alva pela madrugada


No horizonte brasileiro
É linda quando vem raiando

Nossa Estrela D’alva


A tua luz prateada
Pro meu cultivo de toada
P’ra dar fruto todo ano

____________________________

RIO DO MIRINZÁ
Autor: Humberto Mendes

Me lembrei do Rio do Mirinzá


De Dudu, Mãe Felipa
Cancanja, Mãe Zébia, Iaiá
120

Papai Leodoro, Nanãça, Tatassa


Papai Hermínio, vovó e Nanã

Juro pra Dadá


Enquanto eu cantar
Não vou deixar Maracanã

____________________________

CANTOR VIROU MERCADORIA


Autor: Humberto Mendes

Cantor virou mercadoria


Na Ilha, estou escutando

É um pra ali, outro pra lá


Já ficou gente sobrando

Muitos que eu conheço


Eu não boto fé
Nem pra varrer terreiro
Maracanã não quer

___________________________

VELEIRO GRANDE
Autor: Humberto Mendes

Eh, Veleiro Grande


Cuidado com a pedra de Itacolomi

E Touro Negro anda sobre a maresia


Banzeiro Grande eu sempre canto pra ti

Morro branco de areia na praia de Carimã


De lá, avistei a sereia
Na baía de Cumã

________________

FESTA BOA EM MARACANÃ (Baião/Reisado)


Autor: Humberto Mendes

Gosta de festa boa


Em Maracanã, seu Zé
É a festa de Reis na casa de Ezequiel

No dia 5 de janeiro
121

Começa a animação
Chegando de todo lado
Gente com trouxa na mão
De Itapera, Anajatiua
Aracal e Formigueiro
Pé de Mistirdes, Quebra-Pote
Guarauí e Cordeiro

__________________________

ACADEMIA DE SAMBA (Samba de raiz)


Autor: Humberto Mendes

Na Vila não tem academia de samba


Nem tem compositores diplomados
Mas quando a gente chega na cidade
Deixa muitos acadêmicos impressionados

Eu faço samba que Deus me dá inspiração


E é o meu principal professor
O meu diploma é a minha memória
Porque a natureza de berço comigo deixou

__________________________

CINCO LETRAS (Despedida)


Autor: Humberto Mendes

Cinco letras do nosso alfabeto


É que formam aquela palavra
Que se diz pra outro
Na hora de viajar

É um A, um D, um E
É um U e um S
Podem soletrar

Isto quer dizer ADEUS, morena


Mas um dia eu vou voltar
122

APÊNDICE B - TOADAS DO BOI DE MARACANÃ EM 2021

Seguem abaixo uma seleção de doze transcrições das toadas executadas nas atividades
remotas do Bumba meu boi de Maracanã ao longo de 2021. O critério utilizado foi de
composições, inéditas ou não, dos atuais cantadores do grupo: o amo José Ribamar (Ribinha),
Humberto Filho, Roberto Ricci e Emmanuel Victor.
_________________________

GUARNICÊ
Autor: Ribinha

Eu vou balançar, Guriatã


O teu maracá pra comandar Maracanã

Eu já fiz invejoso e despeitado entender


Que é meu Batalhão de Ouro
Quem faz a terra tremer

Como eu faço assim, eu quero ver vim fazer


Pra quem gosta e não gosta de mim, Maracanã vai guarnicê

_________________________

LÁ VAI
Autor: Ribinha

Lá vai Batalhão de Ouro


É o mais lindo Touro que você já viu

Ele é respeitado no Maranhão


Considerado em todo o Brasil

Toda essa beleza é Realeza de São João


Precursor de Jesus Cristo que anunciou a salvação

____________________________

CELEIRO DE TOADA
Autor: Ribinha

Maracanã, celeiro de toada


Escola de cantador
Melodia diferenciada

É, mas quem quer imitar o Rei


123

E assumir o legado que ele me entregou


Tem que respeitar!
Eu não estou aqui à toa
Enquanto eu cantar
Vocês não vão usar coroa

_________________________

POESIA
Autor: Humberto Filho

Em tua companhia,
Pela noite antes muito de cantar
Poesia, pra ti eu já fazia

Agradeço a São João


Com meu Batalhão está
Lua Cheia, Nova e Minguante
Também Crescente meu canto pra te esperar

__________________________

DE OURO, SÓ MARACANÃ
Autor: Humberto Filho

Cultivo minha raiz


Meu canto é feliz em dizer
De Ouro, só Maracanã

Quando chegar no Terreiro


Meu Batalhão dá show
Aposto se fosse em campo
Marcaria muito gol

_________________________

RAINHA DA MATA
Autor: Humberto Filho

Êh, rainha da mata, Palmeira do Babaçu

Em tuas folhas, vi o Guriatã cantar


O Vento Norte tuas folhas balançar

Salve o povo da mata e da aldeia de Tupinambá

________________________
124

JÁ PASSOU A NUVEM NEGRA


Autor: Emannuel Victor

Meu povo, não se entristeça


Não há o que aconteça sem a permissão de Deus

Já passou a nuvem negra


Chegou a solução
Pois Deus já mostrou a solução

_________________________

FUI VISITAR O SANTUÁRIO


Autor: Emannuel Victor

Fui visitar o Santuário


Escutar as águas
E o padre a missa rezar

Estava banhando, quando de longe eu avistei


O resto eu não posso revelar para vocês

_________________________

QUEM É MARACANÃ JÁ NASCE BOM


Autor: Emannuel Victor

Batalhão, vou mostrar pra ti


Que minha inspiração
Vem de um homem que não está mais entre nós

Essa é uma herança que vai se preservando


E com o tempo as gerações vão renovando
Cantar é talento, compor é um dom
Já dizia o mestre quem é Maracanã já nasce bom

____________________________

TUDO VAI PASSAR


Autor: Roberto Ricci

É ela quer levar nossa alegria


No dia-a-dia chega a nos assustar

Essa guerra está vencida


Porque Deus está no comando
São João abençoando
Tudo isso vai passar
___________________________
125

MINHA RAINHA
Autor: Roberto Ricci

Oh, Lua! Vem clarear


O morro de areia p’ra meu Touro vadiar

Aonde eu me inspiro pra fazer toada


Na beira do mar, com minha sereia encantada
A estrela que me guia dá brilho no meu maracá
No vai-e-vem da maresia, tu não vais me segurar

Pula Caboclo como quiser


Vou saudar minha Rainha
Cantando com muita fé

___________________________

CABOCLA GUERREIRA
Autor: Roberto Ricci

Eu vou chamar Cabocla Guerreira


Pra brincar comigo no meu Batalhão

Teu balanço é forte quando está na eira


Fiel companheira proteja o meu Maracanã
126

APÊNDICE C - FOTOS DO BARRACÃO DO BOI DE MARACANÃ

Os “Primeiros Guerreiros” do Batalhão de Ouro do Maracanã na Sala de Memória do Maracanã.

Placas com registros de inauguração, reformas e homenagens presentes no salão principal do Barracão do Boi de
Maracanã.
127

Matérias de jornais, premiações e homenagens, expostas na sala do Ponto de Memória Mestre Humberto
Mendes.
128

Carcaça do boi "Firmeza de São João” à frente do altar principal na esquerda.


Na direita, antigo altar do barracão.
129

Referências visuais à Mestre Humberto Barbosa Mendes:


à esquerda, quadro fotográfico na sala de Memória do Maracanã;
à direita, grafite concebido pelo artista Gil Leros na fachada do Barracão.
130

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