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Marina Cesar Sisson

Colaboração:
SH, DC e AS
Diagramação e Capa: Vicente Júnior
Impressão: Brisa Editora Gráfica Ltda
SIG Sul Qd. 06 Nº 1265
CEP 70610-0460 - Brasília - DF

A John King, "mensageiro e servo — nunca igualado — dos


Adeptos vivos", e a todos os demais companheiros, visíveis e
invisíveis, que compartilharam com Helena Blavatsky a cruz e a
glória daquela existência.
"H.P.B. era uma guerreira, não uma sacerdotisa, era uma profetisa
mais do que uma vidente; ela era, além disso, muitas coisas que você
não esperaria (...) Ela era verdadeiramente como o símbolo vivo da
aparente insensatez desse mundo, pela qual a sabedoria é
prenunciada. (...) ela permanece nossa esfinge, nosso mistério, nossa
ternamente amada Velha Senhora."
(Mead, 19)
Capítulo 1

Introdução

A Esfinge Helena Blavatsky é um livro que foi escrito com o objetivo


de auxiliar a desvendar um pouco do mistério que foi, e sempre será, Helena
Petrovna Blavatsky (HPB). A vida de HPB foi algo tão extraordinário quanto
enigmático. HPB sempre foi uma esfinge, mesmo para aqueles que com ela
conviveram.

De setembro de 1999 a maio de 2002 foram editados vinte números


do boletim Informativo HPB, um veículo criado para a divulgação de
pesquisas sobre a vida de Helena Blavatsky. Esse material constitui a base
do presente livro, que reúne e complementa as informações contidas
naqueles boletins.

No início de 2003 esse material também serviu como subsídio


histórico para José Rubens Siqueira, autor do texto da peça O Enigma
Blavatsky, dirigida por Iacov Hillel e com Eliana Guttman como Helena
Blavatsky.

Surgiu então a ideia de apresentar ao público esse livro, para oferecer


mais informações, e também novas luzes, àqueles que quiserem aprofundar
os conhecimentos sobre os enigmas da vida de Helena Blavatsky.

É certo que as personalidades devem estar em segundo plano em


face das realizações. No caso de HPB, contudo, é importante entender
melhor sua vida e alguns aspectos marcantes de sua personalidade porque
são justamente esses que tornam mais difícil a compreensão da esfinge
Helena Blavatsky.

HPB sempre fez questão de manter alguns fatos de sua vida em


segredo e de, deliberadamente, produzir incoerências e confusões acerca
dos mesmos. A existência desses acontecimentos complexos têm dado
origem, basicamente, a dois tipos de obras biográficas: – aquelas de seus
defensores, que apenas escondem ou mencionam superficialmente os fatos
polêmicos e mal compreendidos de sua vida; ou então, – aquelas biografias
que a difamam e que a condenam por esses aspectos, não raro aumentados
e distorcidos, chamando-a por exemplo, como fez o relatório da Sociedade
de Pesquisas Psíquicas (SPR) da Inglaterra, em 1885,
(p. 12)
de “uma das mais perfeitas, engenhosas e interessantes impostoras na
história.” (Ransom, 214)

O conhecimento e compreensão desses aspectos e acontecimentos


polêmicos da vida de Madame Blavatsky é que podem nos permitir vê-la
como o ser humano que foi, e não como um mito do qual são suprimidos
todos os defeitos e aspectos que poderiam nos escandalizar. Ao mesmo
tempo, essa compreensão nos permite não deixar de reconhecer a grandeza
e importância de sua vida, e de dar o devido mérito que sua imensa obra
merece. Assim sendo, é sob um enfoque menos parcial – não endeusando,
nem condenando – que esse estudo procura examinar muitos fatos de sua
vida. O leitor julgará até que ponto isso foi alcançado.
Henry Steel Olcott, seu companheiro de tantos anos e co-fundador
da Sociedade Teosófica, escreveu sobre essa complexidade de HPB, que
tantos procuram ocultar e outros tantos condenar:

“Onde houve um ser humano com uma tal mescla como essa
misteriosa, essa fascinante, essa portadora da luz que é HPB? Onde
podemos encontrar uma personalidade tão marcante e tão dramática;
alguém que tão claramente apresentava em seus lados opostos o
divino e o humano? O Carma me proíbe que eu lhe faça a mínima
injustiça, mas se alguma vez na História existiu uma pessoa que foi
um maior conglomerado de bem e de mal, luz e sombra, sabedoria e
indiscrição, percepção espiritual e falta de bom senso, eu não posso
me lembrar do nome, nem das circunstâncias ou da época. Tê-la
conhecido foi uma educação muito ampla, ter trabalhado com ela e
gozado de sua intimidade, uma experiência do tipo mais precioso. Ela
era uma ocultista demasiado grande para medirmos sua estatura
moral. Ela nos compelia a amá-la, por mais que conhecêssemos suas
faltas; a perdoá-la, por mais que ela pudesse ter quebrado suas
promessas e destruído nossa crença inicial em sua infalibilidade. E o
segredo desse poderoso encantamento eram seus inegáveis poderes
espirituais, sua evidente devoção aos Mestres, a quem ela descrevia
como personagens quase supranaturais, e seu zelo pela elevação
espiritual da humanidade, por meio do poder da Sabedoria Oriental.
Será que veremos alguém como ela novamente? Será que em nosso
tempo, a veremos novamente sob algum outro disfarce? O tempo nos
dirá.” (ODL I, x)

(p. 13)
Poucos anos após a morte de HPB a mistificação e “endeusamento”
de sua imagem já estava presente no movimento teosófico em geral. Olcott,
no prefácio de seu livro Old Diary Leaves (ODL), conta como recebeu
ameaças e censuras por relatar facetas não muito elogiosas de Madame
Blavatsky:

“O principal impulso para preparar esses artigos foi um desejo de


combater uma crescente tendência dentro da Sociedade [Teosófica]
de endeusar Madame Blavatsky e de dar às suas produções literárias
mais comuns um caráter quase inspiracional. Suas evidentes faltas
estavam sendo cegamente ignoradas, e a falsa cortina de uma
pretensa autoridade sendo colocada entre suas ações e uma crítica
legítima. Aqueles que menos gozaram de sua verdadeira confiança
e, portanto, menos conheceram de seu caráter privado, eram os
maiores transgressores a esse respeito. Era mais do que evidente
que, a menos que contasse o que tão somente eu conhecia, a
verdadeira história de nosso movimento nunca poderia ser escrita,
nem os verdadeiros méritos de minha maravilhosa colega poderiam
ser conhecidos. (...) Comentários confidenciais têm circulado contra
mim, e os exemplares atuais do The Theosophist têm sido retirados
das mesas das salas de leitura das Lojas. Isso é algo infantil: a
verdade nunca prejudicou uma boa causa, nem a covardia moral
jamais ajudou a uma causa ruim.” (ODL I, viii)

O aspecto esfinge da vida de Madame Blavatsky, então, não se


restringe às facetas polêmicas de sua personalidade. Ele também abarca os
acontecimentos e os personagens que compuseram o cenário de sua vida.
E é esse conjunto complexo, composto de uma personalidade e de
acontecimentos polêmicos, somados aos notáveis personagens que a
cercaram, que se converte em um verdadeiro “decifra-me ou te devoro”,
análogo ao que deverá ser enfrentado, cedo ou tarde, por todos aqueles que
procuram trilhar um caminho de elevação espiritual, como aquele que foi
trilhado por Helena Blavatsky.

De fato, muitos acontecimentos aqui descritos nos lembram das


passagens bíblicas onde está escrito que a sabedoria do mundo é loucura
para Deus e que a sabedoria de Deus é loucura para o mundo:

“Com efeito, a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se


perdem, mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus.
Pois está escrito:
(p. 14)
Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos
inteligentes.
Onde está o sábio? Onde está o homem culto?
(...) Deus não tornou louca a sabedoria deste século?”
(1 Cor 1:18-20)
“Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens”
(1 Cor 1:25)
“Mas o que é loucura no mundo, Deus escolheu para confundir os
sábios”.
(1 Cor 1:27)”

Loucura ou sabedoria, esse emaranhado controverso, de um lado,


revela a existência de Grandes Seres, bem como a existência de um
caminho que conduz até Eles. Porém, de outro, provoca dúvidas, suspeitas
e perplexidades, as quais sempre fazem parte do caminho daqueles que
procuram descobrir a verdade a respeito desses Augustos Seres. Essas
perplexidades, e os sofrimentos que lhes são decorrentes, devem estar
contidos nas razões pelas quais esse caminho é chamado de “PROVAÇÃO”.
A passagem que segue descreve algo desse fascinante caminho:

“Existe uma estrada, íngreme e espinhosa, cheia de perigos de todo


tipo, mas que ainda assim é uma estrada, e ela conduz ao próprio
coração do Universo: posso lhes dizer como encontrar aqueles que
lhes mostrarão o portão secreto que se abre apenas para dentro, e
que se fecha para sempre assim que o iniciante passa. Não há perigo
que uma intrépida coragem não possa conquistar; não ha provação
que uma pureza imaculada não possa vencer; não há dificuldade que
um intelecto forte não possa superar. Para os que vencem, a
recompensa é indescritível – o poder de abençoar e salvar a
humanidade; para os que fracassam, há outras vidas nas quais o
sucesso pode ser alcançado.” (CW XIII, 219)

Que A Esfinge Helena Blavatsky possa ser de auxílio para uma


melhor compreensão desse caminho.
Capítulo 2

Da Infância ao Casamento com Nikifor Blavatsky (1831-1849)

George R.S. Mead, secretário particular de HPB nos últimos anos de


sua vida, relata o quão estranho, para não dizer vulgar, lhe parecia quando
após alguns anos da morte de HPB, ele ouvia alguém se referindo a ela
simplesmente como “Blavatsky”. Ele diz:

““Blavatsky?” Ninguém que a conheceu, a conheceu assim “tout


court” [“e pronto”]. Mesmo para os seus inimigos, enquanto ela viveu,
ela era Madame Blavatsky, ou pelo menos, H.P. Blavatsky; enquanto
que para os que gostavam dela e eram seus amigos, ela era Helena
Blavatsky, ou HPB, ou a “Velha Sra.”“(Mead, 1)

Olcott Comenta sobre a aversão que ela tinha a ser chamada


simplesmente de “Madame”:

“Alguém sabe porque ela preferia ser chamada “HPB” e detestava


tanto o título de “Madame”? (...) Ao título “Madame” ela tinha uma
certa aversão pois o associava a uma cadela que uma sua conhecida
possuía em Paris e que lhe desgostava especialmente. Penso que a
aparente excentricidade de chamar-se pelas três iniciais tem um
significado mais profundo do que o que geralmente se suspeita.
Significa que a personalidade de nossa amiga estava tão misturada
com aquelas dos seus vários Mestres que, na verdade, o nome que
ela usava raramente se aplicava a qualquer inteligência que
momentaneamente a estivesse controlando; e o personagem asiático
que estava falando através de seus lábios certamente não era nem
Helena, nem a viúva do General Blavatsky, nem sequer uma mulher.
Mas cada uma dessas personalidades que se substituíam
contribuíam para criar uma entidade composta da soma de todas e
da própria Helena Blavatsky. a qual bem poderia ser designada de
“HPB” ou de qualquer outra coisa.” (ODL l, 408).

Helena Petrovna von Hahn era filha do coronel Peter von Hahn e
Helena Andreyevna, nascida Fadeyev, renomada escritora que faleceu ainda
jovem. Seus avós maternos eram o Conselheiro Andrey de Fadeyev e a
Princesa Helena Pavlovna Dolgorukov.

Ela nasceu na noite de 30 para 31 de julho de 1831 pelo calendário


juliano, ou 12 de agosto pelo calendário moderno, em
(p. 16)
Ekaterinoslav, Ucrânia. De acordo com uma antiga crença popular russa,
nessa noite o “domovoy” uma espécie de duende da casa, torna-se mau e
irritado, fazendo todo tipo de diabruras na casa. Apenas os nascidos durante
a noite de 30 de julho estão imunes ao seu poder. Por essa razão as amas
ucranianas atribuíam-lhe um poder sobrenatural e lhe tinham muito medo,
aumentado pela constatação dela brincar e conversar com seres invisíveis.
Isso que fez com que se tornasse uma criança voluntariosa, que a ninguém
obedecia.

Sua irmã Vera nasceu em abril de 1835 e seu irmão Leonid em junho
de 1840. Nos primeiros dez anos de vida a família mudou várias vezes de
residência, por causa da saúde precária de sua mãe e também devido às
constantes transferências do batalhão de artilharia do pai. Dos seis aos nove
anos ela preferia a companhia dos soldados a das criadas, passando longos
períodos no batalhão do pai.

Helena era uma criança dotada de grande vivacidade e imaginação.


Tinha sonambulismo e falava dormindo. Extremamente inteligente e de uma
ousadia notável, assombrava a todos que dela se acercavam, com suas
atitudes voluntariosas e decididas. Com base em relatos de sua irmã, Sinnett
descreve:

“Seu caráter, estranhamente excitável ainda hoje, fez-se notar desde


a mais tenra idade. Por essa ocasião era presa de acessos de cólera
incontroláveis, e estava sempre disposta a se revoltar contra toda e
qualquer autoridade. Entretanto, tinha também impulsos de calorosa
afeição que conquistavam a amizade dos que a cercavam e que, mais
tarde, serviram para acalmar os amigos que se irritavam pela sua falta
de calma perante os acontecimentos da vida prática.” (Sinnett 1886,
25)

A mãe faleceu em 6 de julho de 1842 e as crianças foram morar com


os avós, em Saratov, onde ficaram até 1845. Em agosto de 1846, os avós e
uma de suas tias, Nadyezhda (ou Nadya) que era apenas três anos mais
velha que Helena, mudaram-se para Tiflis, no Cáucaso, e as crianças foram
morar com a tia, Catherine de Witte, seu marido e os dois filhos. No inverno
de 1848-49 a família reuniu-se aos avós, em Tiflis. Em julho de 1849 Helena
Petrovna casou-se com Nikifor Blavatsky.

(p. 17)
A “História Oficial” do Casamento com Nikifor V. Blavatsky

A própria HPB e sua tia Nadya contaram para Sinnett que ela
resolvera se casar com o velho Blavatsky, que tinha três vezes a sua idade,
reagindo a uma provocação de sua governanta, Miss Jeffries, que teria dito
que, com seu gênio terrível, nenhum homem, nem mesmo o velho Blavatsky
se casaria com ela. (Sinnett 1886, 54)

É bom lembrar que quando Sinnett escreveu seu livro, HPB ainda era
viva, e não queria que fossem revelados muitos detalhes de sua vida anterior
à fundação da Sociedade Teosófica, época a partir da qual ela se tornou uma
pessoa mais amplamente conhecida. Muitos biógrafos têm simplesmente
repetido essa história, com poucas modificações, até mesmo em biografias
recentes, como é o caso de Sylvia Cranston, em seu livro The Extraordinary
Life and Influence of Helena Blavatsky (Helena Blavatsky: A Vida e a
Influência Extraordinária da Fundadora do Movimento Teosófico Moderno).

Em resumo, a história apresentada por Cranston é a seguinte: Aos


16 anos HPB teria conhecido o príncipe Galitzin. Nessa época ela estava
muito ocupada com os livros místicos da biblioteca de seu bisavô, e Galitzin
era alguém com quem ela podia discutir esses assuntos. Após vários meses,
o príncipe teria deixado Tiflis e não se sabe se HPB o encontrou novamente.

Durante o inverno de 1848-49, HPB, então com 17 anos, surpreendeu


a família, dizendo que iria se casar e que o escolhido era o velho Nikifor
Blavatsky. Sua tia Nadya explicou que isso era uma resposta à provocação
da governanta, que teria dito que ela não encontraria um homem que
quisesse desposá-la, tendo em vista seu temperamento. Que nem mesmo o
velho Blavatsky que ela achara tão feio, e de quem rira muito chamando-o
de corvo despenado.

Então, em três dias, HPB ficou noiva dele. Depois, arrependendo-se


e querendo voltar atrás, desesperada, ela fugiu de casa, sumindo por alguns
dias. Essa fuga teria gerado falatórios, e seus familiares insistiram no
casamento. Surpreendentemente ela não resistiu mais e casou-se com
Nikifor em 07 de julho de 1849. Essa é, em síntese, a “história oficial” do
casamento de HPB.

Entretanto outros estudiosos revelam uma versão bastante diferente.


Nela também vislumbramos uma HPB voluntariosa e decidida,
(p. 18)
mas que não casou-se como consequência de uma reação impensada a
uma provocação, mas como parte de um plano para viabilizar suas intensas
buscas pelo oculto.

O “velho” Blavatsky tinha 40 anos por ocasião do casamento e tudo


indica que a história da governanta de HPB não é verdadeira. Numa biografia
escrita para o público russo por Helena Pissarev, encontramos uma outra
versão para os motivos que levaram HPB ao casamento. Essa narrativa está
em sintonia com os detalhes contados pela própria HPB em cartas a um
amigo, o príncipe Dondoukoff-Korsakoff.

Madame Pissarev diz em seu livro que esses fatos lhe foram narrados
por Madame Yermolov, esposa do governador de Tiflis entre os anos de
1840 e 1850. Todos os Yermolovs eram íntimos amigos da família de HPB,
especialmente dos Fadeyevs, enquanto esses residiram em Tiflis.

Vejamos um resumo de sua narrativa.

Príncipe Galitzin e a Fuga de Casa

Na primavera ou início do verão de 1849, Helena fugiu de sua casa,


provavelmente para seguir ao príncipe Galitzin. As poucas informações a
respeito do príncipe o apresentam como um maçom, estudioso do oculto e
com reputação de ser um mago. Ele costumava fazer visitas frequentes à
casa dos avós de HPB quando eles residiam em Tiflis.

Helena deve ter encontrado no príncipe alguém que não apenas


podia entendê-la, mas também ajudá-la na intensa busca interna em que se
encontrava desde os 14 anos. Ela já possuía uma vida interna, espiritual,
que ninguém à sua volta podia compreender, como revela em cartas para o
amigo, príncipe Dondoukoff-Korsakoff:

“Eu estava em busca do desconhecido. O mundo – especialmente


as pessoas dadas a falatórios cruéis – conhece apenas o lado
externo e objetivo de minha juventude, o qual exageram de um modo
verdadeiramente cristão. Mas ninguém, nem mesmo meus pais,
entendeu qualquer coisa de minha vida interna íntima, aquela que eu
chamaria, no The Theosophist de “Vida da Alma”.” (HPB Speaks II,
61)

(p. 19)
“... meu bisavô materno, Príncipe Paul Vasilyevitch Dolgurouki, tinha
uma estranha biblioteca contendo centenas de livros sobre alquimia,
magia e outras ciências ocultas. Eu os li com o maior interesse antes
dos 15 anos. Todas as artes e magias, tidas como diabólicas, da
Idade Média encontraram refúgio em minha cabeça e logo nem
Paracelsus, Kunrath nem C. Agrippa teriam tido alguma coisa para
me ensinar. Todos eles falavam do “casamento da Virgem vermelha
com o Hierofante”, e daquele do “mineral astral com a sibila”, da
combinação dos princípios feminino e masculino em certas
operações alquímicas e mágicas.” (HPB Speaks II, 62)

Príncipe Galitzin costumava ter longas conversas com a jovem


Helena. Numa ocasião, logo após uma visita do príncipe aos Fadeyev,
Helena desapareceu de casa, o que foi causa de um escândalo na província.
Quando ela retornou sua família apressou-se em lhe arrumar um casamento.
De acordo com Madame Yermolov, eles esperavam que ela se opusesse ao
casamento, mas para espanto de todos ela prontamente concordou com os
planos.

Baseando suas conclusões na narrativa de Madame Yermolov,


Madame Pissarev opina que Helena aceitou esse arranjo para casar-se com
Nikifor V. Blavatsky com o propósito expresso de tornar-se livre das
restrições e da supervisão familiar, de modo que pudesse continuar com
seus planos de devotar-se à busca do oculto.

A Escolha de Nikifor

Ou seja, ela desapareceu de casa, deu-se um escândalo, foram


buscar um casamento e Helena escolheu o noivo. Isso é algo muito diferente
de ter fugido como reação ao arrependimento de ter assumido
impensadamente um compromisso de matrimônio e que, ao voltar, tivesse
concordado em manter a palavra já dada.

A meu ver, a principal diferença é que no último caso aparece uma


HPB apenas voluntariosa, enquanto que no primeiro transparece alguém que
já estava firmemente decidida a seguir em sua busca e para tanto já fazia
seus planos. E essa teria sido a verdadeira razão da escolha de Nikifor
Blavatsky, isto é, o fato dele ser alguém que poderia lhe ajudar nesse
particular.

(p. 20)
As referências que HPB faz a respeito de seu casamento para o
príncipe Dondoukoff-Korsakoff reforçam essa ideia, pois ela relata que
anteriormente já compartilhava com Nikifor conversas sobre o oculto:

“Você sabe por que eu me casei com o velho Blavatsky? Porque


enquanto todos os homens jovens riam das superstições “mágicas”,
ele acreditava nelas! Ele conversava comigo tão frequentemente
sobre os feiticeiros do Erivan, sobre as misteriosas ciências dos
Curdos e dos Persas, que eu o escolhi com o intuito de usá-lo como
uma chave do portal para esses últimos. Porém – eu nunca fui sua
mulher, isso eu juro até a hora de minha morte. Eu NUNCA fui a
“ESPOSA Blavatsky”, embora tenha vivido por um ano sob o seu
teto.” (HPB Speaks II, 63)

HPB casou-se em 7 de julho de 1849 com Nikifor Vassilyevich


Blavatsky e o casal partiu no mesmo dia para Darachichang, uma estação
nas montanhas próximas a Erivan. Os meses de julho e agosto devem ter
sido passados nesse local, onde os recém casados foram visitados, no final
de agosto, pelos avós e tias de Helena Blavatsky.

As histórias de Helena andando a cavalo à volta do Monte Ararat e


suas redondezas devem pertencer a esse período, quando ela era
acompanhada pelo chefe curdo Safar Ali Beb Ibrahim Bek Ogli, que havia
sido destacado como seu guarda-costas e que em certa ocasião salvou sua
vida. (CW I, 32)

Porém os problemas entre o casal logo começaram a se evidenciar,


pois a intensidade da busca dos dois era muito diferente. Enquanto ela
estava disposta a grandes sacrifícios em prol dessa busca, até mesmo de
sua honra pública, ele não tinha a mesma disposição. Essas diferenças,
naturalmente, desagradaram a Nikifor, gerando discussões que culminaram
com a fuga de HPB três meses após o casamento. Ela escreve ao príncipe
Dondoukoff-Korsakoff:

“E nem fui esposa de ninguém, como pretenderam línguas maldosas


– pois eu estava por cerca de 10 meses em busca do “mineral astral”
que tinha que ter a “Virgem vermelha” pura e completa, e eu não
encontrei aquele mineral. O que eu queria e buscava era o sutil
magnetismo que a pessoa troca, o “sal” humano, e pai Blavatsky não
o tinha; e para encontrá-lo e obtê-lo, eu estava pronta para me
sacrificar, para me desonrar! Isso não satisfez ao velho homem e
então seguiram-se discussões, quase que batalhas,
(p. 21)
até que fugi dele e fui de Erivan até Tiflis – em lombo de cavalo –
onde me refugiei com minha avó.” (HPB Speaks II, 63)

A família, então, decidiu enviá-la para o pai. Porém, ao invés de ir


encontrá-lo, HPB partiu para Constantinopla, dando início a um longo
período de quase 10 anos de viagens pelo mundo. Somente após esse
período é que ela retornou à Rússia.

Helena Pissarev sugere que o príncipe Galitzin teria apresentado


HPB a um ocultista, que testou suas capacidades psíquicas e lhe deu um
endereço no Egito, provavelmente de Paulos Metamon, que foi seu primeiro
instrutor. Além disso, o príncipe também teria sido responsável por sua
viagem em companhia de uma outra dama russa, a Condessa Kisselev.

Cortina de Fumaça sobre o Casamento

Como vimos anteriormente, no que diz respeito à criação da história


que se tornou a “versão oficial” de seu casamento, a própria HPB foi
responsável pela cortina de fumaça que envolveu esse acontecimento de
sua vida. Apenas para os amigos, em cartas pessoais, ela se revela de um
modo mais verdadeiro. E se ela agiu dessa maneira, ao menos em grande
medida, o fez porque sua vida, como uma buscadora e servidora do Oculto,
não se encaixava dentro dos limites dos padrões das pessoas comuns.

Até mesmo quanto à duração do período que conviveu com Nikifor,


uma informação que aparentemente é tão insignificante, em diferentes
momentos, ela faz diferentes afirmações. Para Sinnett, que preparava sua
biografia, disse que havia sido de três meses. Em janeiro de 1875 numa
resposta aos editores do New York Sunday Mercury, diz que esteve com
Nikifor por apenas três semanas: “Se eu me casei com um “nobre”, nunca
residi com ele em qualquer lugar; pois três semanas após o sacrifício
eu o deixei por razões suficientemente plausíveis aos meus olhos”. (CW
I, 55)

Encontramos em seu Scrapbook [livro de recortes], o recorte do


artigo do NY Sunday Mercury, de 18 de janeiro de 1875, que gerou a sua
resposta acima citada. Nele alguns trechos foram grifados por HPB, que
também adicionou comentários indicados por asteriscos, como segue:

(p. 22)
“Helena P. Blavatsky, que tem cerca de quarenta anos de idade (*),
com dezessete anos casou-se com um nobre russo então em seu
septuagésimo terceiro ano de idade. Por muitos anos (**) eles
residiram juntos em Odessa, e finalmente uma separação legal (***)
foi efetuada. O marido morreu recentemente com 97 anos. (*) uma
lorota; (**) uma mentira – estive com ele por apenas três
semanas; (***) legal, porque ele morreu.” (CW I, 54)

É importante observarmos que pouco tempo depois da publicação


desse artigo, em 3 de abril de 1875, HPB se casou com Michael Betanelly.
Como ela nunca se separou legalmente de Nikifor, se não dissesse que ele
estava morto, ela seria bígama. O casamento com Betanelly também durou
poucos meses. Em julho HPB já estava separada, morando em Nova Iorque.
O divórcio foi legalizado quase três anos depois, a pedido de Betanelly, tendo
como justificativa o abandono do lar por parte de Helena Blavatsky. William
Q. Judge atuou no caso como advogado de HPB.

Pequena Biografia de Nikifor V. Blavatsky

Nikifor Vassilyevich Blavatsky nasceu em 1809 e pertencia à pequena


fidalguia da Província de Poltava, na Ucrânia. Trabalhou como escrivão do
governo civil e jornalista para o exército. Em 1842-43 foi o chefe de vários
departamentos no Cáucaso. Em 27 de novembro de 1849, foi indicado Vice-
Governador da recém formada Província de Erivan, e a governou durante a
ausência do Governador militar.

Em toda a sua carreira, Nikifor V. Blavatsky nunca foi general ou


mesmo militar. Sempre serviu em funções civis e seu nível hierárquico nunca
foi superior ao de Conselheiro Civil, recebido em 9 de dezembro de 1856.
Demitiu-se do cargo de Vice-Governador em 19 de novembro de 1860 e foi
designado para a Sede da Administração Central do Vice-Rei. Em 1864
demitiu-se de todos os cargos e foi morar numa pequena propriedade na
Província de Poltava. (Barborka, 12)
(p. 23)
Capítulo 3

HPB com seu Filho Yury (1858 a 1867)

O período da vida de Helena Petrovna Blavatsky desde 1849, quando


abandonou Nikifor e saiu viajando pelo mundo, até 1874, quando se tornou
uma pessoa mais amplamente conhecida, é bastante obscuro. É uma época
com poucas referências na literatura e muitas informações desencontradas,
geralmente introduzidas pela própria HPB, que não queria falar sobre esses
anos. Ela escreve para Sinnett:

“Entre a H.P. Blavatsky a partir de 1875 e a H.P.B. de 1830


até essa data, foi colocado um véu, e o que ocorreu por trás dele
antes que eu aparecesse como um personagem público, não lhes diz
respeito de modo algum. Era a minha VIDA PRIVADA, santa e
sagrada”. (LBS, 145)

Em janeiro de 1859, após vários anos de ausência, HPB reencontrou


sua família na Rússia e morou na região do Cáucaso até 1865 ou 1866. A
pedido da própria Madame Blavatsky, tanto sua irmã Vera quanto Sinnett
ocultaram que durante esse período no Cáucaso ela reencontrou Nikifor e,
reconciliada, morou com ele sob o mesmo teto. Além disso, o casal assumiu
a guarda de um menino chamado Yury.

Pouco antes do retorno de HPB à Rússia, sua tia havia escrito para
Nikifor, para saber como ele reagiria diante do retorno de HPB. Ele lhe
respondeu em 13 de novembro de 1858:

“Até agora não sabia nada sobre o retorno de HP [Helena Petrovna]


para a Rússia. Para lhe dizer a verdade, há muito tempo isso já
deixou de me interessar. O tempo atenua tudo, até mesmo cada
lembrança. Você pode garantir a HP, sob minha palavra de honra,
que eu nunca a perseguirei. Desejo ardentemente que nosso
casamento possa ser anulado e que ela possa casar-se novamente.”
(Beechey, 295)

Pela resposta de Nikifor para a tia de HPB, vemos que a família já


sabia que ela estava para retornar. Vera afirma que eles haviam ficado sem
notícias por oito anos, isto é, quase dois anos antes de encerrar o período
necessário para uma separação legal de Nikifor, que era de dez anos.

Na noite de 6 de janeiro de 1859, Natal para o Cristianismo Ortodoxo,


Vera relata: “ainda por algumas semanas não estávamos esperando
(p. 24)
que ela chegasse, mas, curiosamente, assim que ouvi tocar a sino da
porta, levantei-me, sabendo que ela havia chegado.” (Zhelihovsky)

O que teria levado HPB para junto de seus familiares, após um longo
período de independência viajando pelo mundo? Como veremos, talvez um
dos principais motivos seja essa criança chamada Yury.

Não Posso Contar a Verdade sobre Yury


As circunstâncias sob as quais HPB tornou-se mãe de Yury
permanecem envoltas em mistério. Ela afirma ter feito isso para proteger a
honra da mãe verdadeira, que seria uma pessoa conhecida tanto de sua irmã
quanto de sua tia. (Neff, 182). Em 1885, HPB contou para Solovyoff que:

“... ela quis salvar a honra de uma amiga e adotou o filho dessa amiga
como seu próprio filho. Ela nunca se separava dele, educou-o ela
mesma e o chamava de filho diante do mundo. Agora ele estava
morto.” (Solovyoff, 141)

A existência dessa criança é pouco conhecida porque a própria HPB,


na época sob suspeita de ser sua mãe biológica, pediu para Sinnett não
mencionar nada a esse respeito na biografia que estava escrevendo. Pois,
mesmo que quisesse, ela não teria permissão para contar a verdade:

“Agora, devo eu, na ilusória esperança de me justificar, começar a


exumar esses vários cadáveres – a mãe da criança, Metrovitch, sua
esposa, a própria pobre criança e todos os demais? NUNCA. Isso
seria tão mesquinho e sacrílego quanto inútil. Eu lhe digo, deixe os
mortos dormirem. (...) Não toque neles, pois você apenas faria com
que repartissem os tapas na cara e os insultos que estou recebendo,
mas não teria sucesso em me proteger de qualquer modo. Não quero
mentir, mas não tenho permissão para contar a verdade. O que
faremos, o que podemos fazer? Toda a minha vida, exceto as
semanas e meses que passei com os Mestres no Egito ou no Tibet,
está tão inextricavelmente cheia de eventos cujos segredos e
verdadeira realidade diz respeito aos mortos e aos vivos, sendo eu
responsável apenas por suas aparências externas, que para me
defender teria que pisar sobre uma hecatombe de mortos e cobrir de
lama os vivos. Eu não farei isso.” (LBS, 144)

(p. 25)
Na carta seguinte para Sinnett ela reforça o pedido para que ele nada
mencionasse a respeito da criança:

““O incidente de adoção da criança!” Prefiro ser enforcada a


mencioná-lo. Mesmo omitindo nomes, você sabe a que isso levaria?
A um furacão de lama jogado sobre mim. (...) Bem, meu caro Sr.
Sinnett se for para me arruinar (embora isso quase seja impossível
agora) então mencione esse “incidente”. Meu conselho e pedido é
que não mencione nada. Fiz demais no sentido de provar e jurar que
era meu – e passei dos limites. O atestado médico não servirá para
nada. As pessoas dirão que compramos ou subornamos o médico.
Isso é tudo.” (LBS, 151)

Atestados Médicos: Provas que HPB Não Era a Mãe?

O atestado médico a que HPB ser refere na carta acima havia sido
dado pelo Dr. Leon Oppenheimer, a quem ela fora consultar em Würzburg,
devido a um problema de bexiga. Está datado de 3 de novembro de 1885 e
diz:
“O abaixo assinado atesta, como solicitado, que Madame Blavatsky
de Bombay – Secretária Correspondente em Nova Iorque da
Sociedade Teosófica – está atualmente sob tratamento médico com
o abaixo assinado. Ela sofre de Anteflexio Uteri, muito
provavelmente desde o nascimento; porque, como provado por um
minucioso exame, ela nunca gerou uma criança, nem teve qualquer
doença ginecológica.” (Fuller, 189)

O atestado pretendia ser uma prova que eliminasse as dúvidas que


pairavam sobre Yury ser ou não seu filho biológico. Porém, Anteflexio Uteri
significa apenas que o útero está inclinado para a frente ou para o lado, fato
que não é incomum e que não impede uma gravidez.

Além disso, uma mulher aos 54 anos de idade, em pós-menopausa,


certamente apresenta o útero encolhido e dificilmente um exame poderia
revelar se ela já havia ou não ficado grávida. (Meade, 357-358). Portanto, o
atestado do Dr. Oppenheimer não era conclusivo sobre HPB ser ou não a
mãe biológica de Yury.

O atestado também era deficiente para a defesa de HPB porque não


dizia claramente que ela era virgem, pois o termo “doença ginecológica”
(p. 26)
era bastante vago. Então, a pedido da Condessa Wachtmeister, que na
época morava com HPB, o Dr. Oppenheimer emitiu um segundo atestado,
que dizia: “Certifico que Madame Blavatsky nunca esteve grávida e,
consequentemente, nunca poderia ter gerado um criança.” (Neff, 187)
Junto com esse segundo certificado há uma carta da Condessa, de 10 de
fevereiro de 1386, provavelmente para Olcott, onde ela explica:

“Veja que a palavra grávida engloba todos os sentidos, pois sem


estar grávida ela não poderia ter tido um aborto, nem uma criança. O
primeiro atestado foi mal traduzido. No original em posse do Sr.
Sinnett, a palavra aborto foi traduzida por “doença de mulheres”. O
doutor então me disse que, embora nenhum médico possa atestar
positivamente se uma mulher viveu ou não com seu marido, uma vez
que a virgindade pode ter sido perdida por uma queda ou exercício
forte, segundo suas melhores luzes, Madame Blavatsky não viveu
com um homem”. (Neff, 188)

Na verdade o médico não podia atestar que HPB era virgem pelo
simples fato de que ela não o era, como a própria HPB explica numa carta
encontrada nos Arquivos em Adyar, junto com o segundo certificado. É uma
única folha, numerada como folha quatro. Aparentemente é uma carta de
HPB para Sinnett, na qual ela conta, com seu costumeiro exagero, que
“todas as suas entranhas, útero e tudo” haviam saído de seu corpo devido
a uma queda, causando a perda da virgindade:

“... aqui está seu estúpido atestado novo, com seus sonhos de virgo
intacta numa mulher que teve todas as suas entranhas postas para
fora, útero e tudo, devido à queda de um cavalo. E de novo o doutor
olhou, examinou três vezes, e disse o que o Professor Bodkin e
Pirogoff disse em Pskoff, em 1862. Eu nunca poderia ter tido relações
com qualquer homem sem uma inflamação, porque me falta algo e
o lugar está preenchido com algum pepino torto.” (Neff, 187)
O exame pelo Professor Bodkin e Pirogoff, em Pskoff, não deve ter
sido feito em 1862 pois nessa época, como veremos, ela estava no Cáucaso.
Esse exame deve ter sido realizado em 1859. Provavelmente é a ele que
HPB se refere ao contar para Sinnett sobre as desconfianças de seu pai:

“Quando lhe contei que até mesmo meu próprio pai suspeitava de
mim e que, não fosse pelo atestado médico, talvez nunca tivesse
(p. 27)
me perdoado. Depois, ele teve pena e afeiçoou-se àquela pobre
criança inválida. Ao ler esse livro Home, o médium, seria o primeiro a
reunir o remanescente de suas forças e me denunciar, dando nomes,
fatos e não sei mais o que.” (LBS, 151)

É importante observarmos que desde seu retorno HPB apenas


conviveu com seu pai logo que chegou em Pskov, e a seguir em São
Petersburgo e em Rougodevo. Isto é, no período que vai do início de 1859
até a primavera de 1860, quando partiu com sua irmã para Tiflis.

Isso implica que ela já deve ter chegado no início de 1859 com Yury,
fato que teria despertado desconfianças de seu pai com relação à
maternidade de Yury. Então, ainda em Pskov, ela teria se submetido ao
exame médico pelo Professor Bodkin e Pirogoff para acalmar o pai.

É verdade que existe um passaporte, de agosto de 1862, onde Nikifor


pede autorização para que ela e Yury viajassem para as “províncias de
Tauris, Cherson e Pskov pelo período de um ano.” (CW I, xlvi) Assim ela
poderia ter ido a Pskov em 1862 e ter feito o exame nessa época. Mas não
existe nenhum registro dessa viagem e sua irmã Vera diz que, após terem
ido para o Cáucaso na primavera de 1860: “Madame Blavatsky morou
menos de dois anos em Tiflis, e não mais do que três na região do
Cáucaso. O último ano ela passou viajando pela região Imeretia,
Georgia, Mingrelía e ao longa da costa do Mar Negro.” (Sinnett 1886,
143)

Além disso, outra referência que reforça a hipótese aqui defendida


de que HPB já estava com Yury quando reencontrou sua família, é uma carta
para Solovyoff, que ela chamou de “minha confissão”. Nela HPB dá 1858
como o ano em que teve início os rumores sobre a criança e seus amantes:

“Em 1858 eu estava em Londres; lá surgiu uma história sobre uma


criança, que não é minha (...). Uma e outra coisa foram ditas a meu
respeito; que eu era depravada, possuída por um demônio etc. Eu
direi tudo que julgar conveniente, tudo que fiz durante os vinte anos
ou mais, nos quais dei risada do qu’en dira-t-on e encobri todos os
traços daquilo em que estava realmente ocupada, i.e., as ciências
ocultas, pelo bem de minha família e parentes que na época teriam
me amaldiçoado. Eu contarei como, desde meus dezoito anos, tentei
fazer com que as pessoas falassem de mim, e dissessem que esse
e aquele homem eram meus amantes, e centenas deles.”
(Solovyoff, 178)

(p. 28)
Agardi Metrovitch: Pai de Yury?
Embora HPB tenha guardado segredo sobre quem era a mãe de
Yury, ela declara que o pai era o Barão Nikolai Meyendorff, da Estônia. No
entanto, para alguns biógrafos como Marion Meade, que consideram Yury
como filho biológico de HPB, o pai seria o seu velho amigo Agardi Metrovitch.
Isso porque havia um antigo falatório de que eles eram amantes e também
porque Metrovitch esteve em Tiflis durante a época em que HPB lá estava,
em 1863. (LBS, 189)

Contudo, se nossa hipótese de que Yury já estava com HPB, desde


seu retorno em 1859 for correta, o fato de HPB ter encontrado com
Metrovitch em Tiflis em nada reforça a hipótese dele ser o pai. Além disso, o
passaporte emitido a pedido de Nikifor, dando autorização para Yury viajar
com HPB, é de agosto de 1862. Por isso mesmo, a própria Meade dá como
época para o nascimento de Yury o final de 1861 ou início de 1862.

HPB realmente foi grande amiga de Metrovitch por muitos anos. Ele
era seu “mais fiel e devotado amigo desde 1850”, quando ela o ajudou a
escapar da prisão na Áustria “com a ajuda da Condessa Kisselev”. (LBS,
189). Madame Blavatsky atribui o falatório de que Metrovitch era seu amante
a Emma Coulomb. Isso porque, quando estavam juntas no Cairo, em 1872,
ela presenciou cuidados especiais que HPB dispensou a Metrovitch fazendo-
a:

“... abrir seus olhos e ouvidos e ela começou a bisbilhotar e me


incomodar para eu lhe dizer se era verdade – o que as pessoas
diziam de mim – que eu era secretamente casada com ele, e suponho
que ela não ousava dizer o que as pessoas acreditavam, muito
caridosamente: que ele era algo pior que um marido. Eu mandei ela
pastar e lhe disse que as pessoas podiam acreditar e dizer o que
quisessem, pois eu não ligava. Esse é o germe de todo o falatório
posterior. (...) O cônsul me disse que eu não tinha nada que ser amiga
de revolucionários e mazinistas e que as pessoas diziam que ele era
meu amante. Eu lhe respondi que como ele (Ag. Metrovich) havia
vindo da Rússia com um passaporte regular, era amigo de meus
parentes e não havia feito nada contra o meu país, eu tinha o direito
de ser amiga dele e de quem mais eu escolhesse. E quanto à
conversa suja a meu respeito, eu estava
(p. 29)
acostumada a isso e apenas lamentava que a reputação não
correspondesse aos fatos – ‘avoir le reputation sans en avoir les
plaisirs’ [‘ter a reputação sem ter os prazeres’] – (se algum) tem sido
sempre o meu destino.” (LBS, 190)

Nathalie Blavatsky: Mãe de Yury?

Além de contar para Sinnett que Yury era filho do Barão Meyendorff,
Madame Blavatsky lhe fala de uma certa Nathalie Blavatsky, que teria tido
um romance com Meyendorff, dando a entender que Nathalie seria a mãe de
Yury:

“Você diz: “Assim, por exemplo, devemos trazer tudo daquele


incidente Metrovitch.” Eu digo, não devemos. Essas Memórias não
trarão minha defesa (...) simplesmente porque “Metrovitch” é apenas
um dos muitos incidentes que o inimigo joga na minha cabeça. Se eu
tocar nesse “incidente” e me defender plenamente, um Solovyoff ou
algum outro salafrário, trará Meyendorff e “o incidente das três
crianças.” E se eu publicasse suas cartas (que estão com Olcott)
dirigidas para sua “querida Nathalie” em que ele fala de seu cabelo
negro como o corvo, “Longs comme um beau manteau de roi”
[longos como um belo manto de rei], (...) então eu estaria
simplesmente dando um tapa na cara de uma mártir morta, e fazendo
surgir uma sombra conveniente sobre mais alguém da longa galeria
de meus supostos amantes.” (LBS, 143)

Por que essas cartas estavam com Olcott é algo difícil de entender,
mas deve ser a elas que ele se refere quando escreve:

“... durante anos tive em minha posse um maço de cartas antigas que
provavam a sua inocência [de HPB], com relação a uma determinada
falta grave da qual ela havia sido acusada, enquanto que
deliberadamente sacrificou sua própria reputação para salvar a honra
de uma jovem senhora que havia caído em desgraça.” (ODL II, 135)

Jean Overton Fuller em seu livro Blavatsky and Her Teachers


(Blavatsky e Seus Instrutores) levanta a hipótese de que Nathalie Blavatsky
seria uma irmã solteira de Nikifor, e que por isso ele teria aceito Yury. Seja
isso verdade ou não, o fato é que a reputação de Nathalie não era das
melhores pois,
(p. 30)
em seu Scrapbook, HPB comenta que o famoso médium D.D. Home com
certeza “reuniu com o maior cuidado os falatórios mais sujos a respeito
de Nathalie Blavatsky”. (CW I, 204)

É bom lembrar que a reputação da própria HPB também não era nada
boa, uma vez que ela mesma fazia com que as pessoas inventassem
falatórios sujos a seu respeito: “desde meus dezoito anos, tentei fazer
com que as pessoas falassem de mim, e dissessem que esse e aquele
homem eram meus amantes, e centenas deles.” (Solovyoff, 178)

Essa não é a única referência sobre o passado “sujo” de HPB. Numa


carta escrita em 14 de novembro de 1874 para Aksakov, HPB também fala
de seu passado de um modo que dá a entender que sua juventude realmente
estava sujeita a muitos falatórios.

Aksakov havia escrito uma carta em francês para Andrew Jackson


Davis, onde comentava que embora tivesse ouvido falar que HPB era uma
médium bastante poderosa, “infelizmente suas comunicações se
ressentem de sua moral, que não tem sido das mais severas”.
(Solovyoff, 227) Como A.J. Davis não entendia bem o francês, a seu pedido
a própria HPB lhe traduziu a carta. Então HPB escreve para Aksakov:

“Quem quer que seja que lhe contou sobre mim, lhe falou a verdade,
em essência, se não nos detalhes. Só Deus sabe o quanto tenho
sofrido por meu passado. É claramente meu destino não receber
absolvição na terra. Esse passado, como a mancha da maldição
sobre Caim, tem me perseguido toda a minha vida e me persegue até
mesmo aqui, na América [EUA], para onde vim para estar longe dele
e das pessoas que me conheceram em minha juventude. Tenho um
pedido para lhe fazer: Não me prive da boa opinião de Andrew J.
Davis. Não lhe revele aquilo que, se ele souber e estiver convencido
disso, me forçaria a escapar para os confins da terra. Tenho apenas
mais um refúgio no mundo, que é o respeito dos espíritas da América,
que desprezam o ‘amor livre’ mais do que qualquer outra coisa.”
(Solovyoff, 228-230)

“Amor livre” era a expressão designada na época para as pessoas


que moravam juntas sem serem casadas. Sua tia Nadya contou para Sinnett
que Nathalie era um dos muitos nomes com que confundiam Madame
Blavatsky. E que, embora HPB tivesse passado várias vezes pela Europa,
ela nunca teria morado lá. Por isso:

(p. 31)
“... seus amigos ficaram tão surpresos quanto pesarosos ao ler anos
depois fragmentos de sua suposta biografia, que a mencionavam
como uma pessoa bem conhecida tanto na alta quanto na baixa
sociedade de Viena, Berlim, Varsóvia e Paris, e relacionavam seu
nome com eventos e historias que teriam acontecido nessas cidades,
em várias épocas, quando seus amigos tinham todas as provas
possíveis de que ela estava longe da Europa. Essas histórias se
referiam a ela indistintamente por nomes como Julie, Nathalie etc.,
que eram realmente nomes de outras pessoas com o mesmo
sobrenome; e atribuíam a ela várias aventuras extravagantes.”
(Sinnett 1886, 73)

Albert Rawson, companheiro das primeiras viagens de HPB, refere-


se a Nathalie Blavatsky como sendo uma senhora muito conhecida no Cairo,
que teria morrido em 1868, na residência de um amigo, próxima a Áden.
Rawson também afirma que a Sra. Lydia Paschkoff havia conhecido as duas
Blavatsky: Nathalie e Helena. (Rawson 1989, 27-28)

Barão Meyendorff: Pai de Yuri?

Em carta a Sinnett, HPB escreve que Solovyoff lhe disse ter se


encontrado com Meyendorff, e que esse lhe confessou que Yury era filho
dele e de Madame Blavatsky:

“Ele diz que ele (S.) [Solovyoff] encontrou pessoalmente com o Barão
Meyendorff, que lhe confessou que esteve tão apaixonado por mim
(!!) que havia até mesmo insistido para que eu obtivesse o divórcio
do velho Blavatsky, e me casasse com ele, Barão Meyendorff. Mas
que felizmente eu recusei isso, e ele ficou muito feliz porque
descobriu mais tarde que mulher sem honra, LICENCIOSA eu era, e
que a criança era SUA E MINHA!!! E o atestado do médico de que
nunca dei à luz, não apenas a uma criança, mas nem mesmo a uma
doninha? No entanto ele [Solovyoff] mente, estou certa, pois sendo
covarde e fraco como sei que é Meyendorff, ele nunca poderia ter-lhe
dito uma coisa dessas.” (LBS, 207)

Um dos biógrafos hostis à Madame Blavatsky; Bechhofer Roberts,


afirmou que conversando com uma cunhada do Barão Meyendorff, essa teria
lhe contado que ele era um espírita entusiasmado, amigo do médium Daniel
Douglas Home, e que o Barão:
(p. 32)
“... caiu sob a influência de H.P.B. após o retorno dela para Rússia
em 1858, e começou um caso com ela. Ela deu a luz um filho, que
garantiu ao Barão ser dele. Ele e seu irmão duvidaram dessa
afirmação – provavelmente suspeitando que Metrovitch fosse o pai –
mas assumiram o sustento da criança, que era doente e corcunda.”
(Fuller, 55)

A Baronesa Meyendorff também contou para Bechhofer que haviam


preservado na residência deles na Estônia várias fotos de HPB com a
criança. Infelizmente as fotos foram depois destruídas pelos bolchevistas.

Seja Yury adotado ou seu filho natural, a época em que a Baronesa


Meyendorff situa o caso – 1858 – reforça nossa hipótese de que quando HPB
reencontrou seus familiares, em janeiro de 1859, ela já estava com Yury.

Como já vimos, a menção de HPB à reação de seu pai, também induz


a mesma conclusão, uma vez que dá a impressão de que ele primeiro
desconfiou que HPB fosse a mãe, levando-a a fazer o exame médico em
Pskov, com Bodkin e Pirogoff. Ele aceitou o atestado, e então tiveram um
período de convivência: “Depois, ele teve pena e afeiçoou-se àquela
pobre criança inválida.” (LBS, 151) E o único período dessa época que
com certeza HPB conviveu com o pai foi desde sua chegada até a primavera
de 1860 quando partiu para o Cáucaso. Sua reação de desconfiança seria
bastante natural se, após quase dez anos de ausência, visse a filha
retornando com um bebê nos braços.

Assim, é bastante provável que sua resolução de criar uma criança


tenha sido um dos principais motivos que a levou de volta para a família,
encerrando quase dez anos de viagens pelo mundo, pois seria muito difícil
cuidar de uma criança pequena nessas perambulações, sem o apoio familiar.

Rougodevo: Fenômenos e Doença Misteriosa (1859)

De acordo com sua irmã Vera, logo depois do retorno de HPB, as


duas acompanhadas pelo pai, foram morar numa casa de campo que seu
falecido marido comprara um ano antes. No caminho, pararam algum tempo
em São Petersburgo. A casa ficava numa pequena vila,
(p. 33)
Rougodevo, próximo a Pskov, a uns 200 km de São Petersburgo. (Sinnett
1886, 116) Após se estabelecerem, a família de HPB se viu como que
subitamente transportada para um mundo de magia e de fenômenos, no
qual:

“... gradualmente ficamos tão acostumados a ver a mobília movendo-


se sozinha, a ver coisas sendo transportadas de um lugar para outro,
da maneira mais inexplicável, e a uma forte interferência e presença
em nossas questões cotidianas por algum poder que nos era
desconhecido, mas inteligente, que todos nós acabamos lhe dando
muito pouca atenção, embora os fatos fenomênicos impactem a
qualquer um por serem simplesmente miraculosos.” (Sinnett 1886,
128)
Mesmo o pai de HPB, que antes dizia que poderiam interná-lo num
asilo de loucos se algum dia ele acreditasse que uma mesa poderia se mover
ou voar, agora passava seus dias e parte de suas noites conversando com
os “espíritos de Helena”. Eles lhe informaram numerosos eventos e
detalhes das vidas de seus antepassados. (Sinnett 1886, 128)

Mas a tranquilidade da estadia em Rougodevo foi interrompida por


uma terrível doença de HPB. Uma ferida que ela já possuía há muitos anos
– e que a família não sabia como havia sido adquirida – reabriu-se, trazendo-
lhe muita dor, convulsões e um estado de transe no qual ela parecia estar
morta:

“A doença costumava durar de três a quatro dias, e então a ferida


ficaria curada tão subitamente quanto havia reaberto, como se uma
mão invisível a tivesse fechado, e ali não ficava qualquer traço de sua
doença. Mas a assustada família, que de início ignorava essa
estranha peculiaridade, estava realmente com muito medo e
desesperada. Um médico foi mandado da cidade vizinha, mas
mostrou ser de pouca utilidade, não tanto devido a sua ignorância de
cirurgias, mas devido a um notável fenômeno que o deixou quase
sem reação, por ter ficado simplesmente aterrorizado diante do que
presenciou. Ele mal havia examinado a ferida da paciente prostrada
diante dele, totalmente inconsciente, quando subitamente viu uma
grande mão escura, entre a sua própria mão e a ferida que ele ia
untar. A ferida aberta ficava perto do coração e a mão ficou movendo-
se vagarosamente, por várias vezes, do pescoço até a cintura. Para
aumentar seu terror, subitamente começou na sala um barulho tão
terrível, uma tal confusão de
(p. 34)
barulhos e sons vindos do teto, do chão, das vidraças e de cada
pedaço da mobília do apartamento, que ele implorou que não fosse
deixado a sós no quarto com a paciente inconsciente.” (Sinnett 1886,
134)

Na primavera de 1860 as duas irmãs partiram de Rougodevo para


visitar os avós no Cáucaso, a quem Madame Blavatsky não via há vários
anos.

No Cáucaso, com Nikifor e Yury (1860-1862)

Em citação anterior, vimos que HPB confessou ao amigo príncipe


Dondoukoff-Korsakoff que conviveu com Nikifor por “um ano sob o seu
teto”. Entretanto, os relatos de sua irmã Vera, que são muito acurados
quanto a datas, indicam que o período logo após o casamento, junto a
Nikifor, foi realmente de três meses, o que já nos deixa vislumbrar o fato que
HPB voltou a conviver com Nikifor numa época posterior, o que explica ter
vivido “um ano sob o seu teto”.

Em junho de 1884 ela reafirma claramente que após retornar a Tiflis


reconciliou-se com Nikifor: “Foi em 1861 que eu retornei a Tiflis e que
Blavatsky e eu estávamos reconciliados e moramos por um ano na
mesma casa; mas me faltou paciência para morar com um tal tolo e fui
embora novamente.” (HPB Speaks II, 152)
Nessa carta ela junta uma petição oficial ao próprio Dondoukoff, que
na época era o comandante-chefe do Cáucaso, pedindo-lhe que expedisse
um testemunho oficial de que nada havia no Cáucaso contra ela. Ela
escreve:

“Então, na segunda vez em que vim para Tiflis, para ver meu parente,
o Conselheiro André Mihailovich Fadeyev, em 1860, e fiquei por cerca
de um ano com meu marido Blavatsky (que era então um Conselheiro
de Estado). O endereço era na Avenida Golovinsky, na casa do Sr,
Dobrzhausky.” (HPB Speaks II, 156)

Outra evidência dessa reconciliação é o passaporte já mencionado,


emitido para HPB em 23 de agosto de 1862, em Tiflis. O original encontra-
se nos Arquivos da Sociedade Teosófica de Point Loma. Nele está escrito
que o passaporte foi emitido:

(p. 35)
“... em atendimento a uma petição apresentada por seu marido, para
efeito de que ela, Madame Blavatsky, acompanhada pela criança sob
a guarda deles, Yury, fosse para as províncias de Tauris, Cherson e
Pskov pelo período de um ano.” (CW I, xlvi)

Além do passaporte, outra evidência clara da colaboração de Nikifor


com HPB é uma carta de sua tia Katherine de Witte. HPB deve ter Ihe escrito
pedindo dinheiro, pois a tia responde criticando-a e revelando o auxílio
financeiro de Nikifor:

“Alguém poderia acreditar que você não tem nem mesmo um kopek,
como outras pessoas pobres. E a pessoa ficaria muito surpresa
descobrindo que você recebe 100 rublos todo mês. Porque eu estou
bastante segura que você está recebendo, com a exceção de um
dos meses do inverno, quando Blavatsky também não recebeu seu
salário. Tenho uma carta de Alek. Fed. [Major Alexander Fyodorovitch
von Hahn] na qual ele diz que enviou minha carta e o dinheiro de
Blavatsky para você ... Isso aconteceu em julho; agora estamos em
agosto e Blavatsky novamente lhe enviou dinheiro alguns dias atrás,
na presença do marido de N___.” (Murphet 1988, 51)

Assim, fica claro que desde o início houve algum tipo de colaboração
entre os dois e que o relacionamento deles não se limitou apenas à birra de
uma adolescente com um “velho”, do qual teria fugido após três meses, e
nunca mais encontrado, conforme nos conta a “historia oficial”. Talvez em
gratidão àquele que lhe auxiliou no começo de sua jornada é que Helena
Petrovna nunca tenha deixado de ser H.P. Blavatsky.

Desenvolvimento de Poderes Psíquicos (1865)

Nesses anos em que morou no Cáucaso, assim como em épocas


posteriores de sua vida, aonde quer que Madame Blavatsky fosse, tinha
muitos amigos, mas os inimigos eram ainda mais numerosos, porque:

“Ela desafiava a todos e não se submetia a nenhuma restrição; não


condescenderia a adotar qualquer método mundano para aplacar a
opinião pública. Ela evitava a sociedade, mostrando seu desprezo por
seus ídolos e era, por isso, tratada como uma perigosa
(p. 36)
iconoclasta. Todas as suas simpatias estavam com aquela parte
proscrita da humanidade que a sociedade finge ignorar e evitar,
enquanto secretamente corre atrás de seus mais ou menos
renomados membros – os necromantes, os obsedados, os
possuídos, e personagens misteriosos desse tipo.” (Sinnett 1886,
145)

Além disso, seu comportamento em nada convencional para a época,


como cavalgar sozinha pelas florestas, preferindo cabanas sujas aos salões
e às frivolidades da nobreza, também lhe traziam uma má reputação.

Foi durante esse período no Cáucaso que seus poderes ocultos


tornaram-se cada vez mais fortes e ela começou a controlar os fenômenos
com o poder de sua própria vontade. Seus dons fizeram com que muito
falassem a seu respeito. A nobreza supersticiosa começou a considerá-la
como uma feiticeira e pessoas vinham de longe para consultá-la sobre
questões particulares. Há muito que ela deixara de lado as comunicações
através de batidas e preferia responder às pessoas verbalmente ou
escrevendo. Algumas vezes, durante esse processo:

“Madame Blavatsky parecia entrar num tipo de coma, ou sono


magnético, com os olhos bem abertos, embora sua mão nunca
parasse de se movimentar e continuasse a escrever. Quando
respondendo, dessa maneira, a questões mentais, raramente as
respostas eram insatisfatórias. Geralmente elas surpreendiam os
inquiridores – amigos e inimigos.” (Sinnett 1886, 146)

Esse desenvolvimento de seus poderes psíquicos parece estar de


algum modo relacionado a outra doença que ela teve. Isso ocorreu quando
HPB estava morando em Ozurgety, um pequeno posto militar na Mingrelia,
onde havia comprado uma casa. Era um vilarejo perdido entre antigas
florestas. Naqueles dias não havia estradas nem facilidades de transporte, a
não ser os do tipo mais primitivo. Durante a doença, ela começou a viver
uma “vida dupla” que ninguém na Mingrelia podia compreender. Ela
descreve os sintomas:

“Sempre que era chamada pelo nome, abria os olhos quando ouvia o
chamado e era eu mesma, com minha própria personalidade em
todos os detalhes. Mas logo que me deixavam sozinha, no entanto,
recaía em minha habitual condição semi consciente e me tornava
uma outra pessoa (quem era, Madame B. não contará).
(p. 37)
(...) Quando acordada, e sendo eu mesma, lembrava-me
perfeitamente de quem eu era no meu segundo papel, e do que tinha
sido e estava fazendo.” (Sinnett 1886, 147-48)

HPB sofria de uma febre branda que a consumia lentamente,


deixando-a completamente sem apetite, Ela quase não se alimentava, às
vezes por uma semana inteira, tomando apenas um pouco de água, de modo
que em quatro meses ficou muito magra. (Sinnett 1886, 148)
Por ordens do médico local que não conseguia compreender seus
sintomas, foi levada num bote nativo, pelo rio Rion, para Kutais,
acompanhada por quatro serviçais. Sua fraqueza era tal que ficou estendida
no fundo do bote, como morta. Durante três noites consecutivas, enquanto o
pequeno bote andava pelo rio estreito, cercado dos dois lados por florestas
centenárias, seus serviçais morriam de medo, porque juravam ver a patroa
sair do corpo estendido no fundo do barco e ir para as florestas que
margeavam o rio. Por duas vezes o homem que dirigia o barco fugiu
aterrorizado. Graças a um velho serviçal HPB não foi abandonada no barco
e chegou até Kutais. Foi então transportada numa carruagem até Tiflis,
aparentemente quase morta.

Logo depois, entretanto, passou por mais uma de suas súbitas e


inexplicadas curas, embora tenha permanecido convalescente por algum
tempo. Assim que se recuperou, em 1865, deixou o Cáucaso e foi para a
Itália. O fortalecimento e controle de seus poderes psíquicos está indicado
numa carta de HPB para sua família, na qual ela afirma “não mais ficarei
submetida às influências externas”, pois agora [em 1866]:

“Os últimos vestígios da minha fraqueza psicológica desapareceram


para nunca mais voltar. (...) Estou livre e purificada daquela horrível
atração que alimentavam por mim os cascarrões errantes, bem como
as afinidades etéreas. Estou livre, livre, graças àqueles que agora
bendigo a todo instante de minha vida.” (Sinnett 1886, 152)

Essa era apenas a conclusão de uma etapa do treinamento e


desenvolvimento de suas capacidades psíquicas. Como veremos mais
adiante, HPB passará novamente por um período de doença, vida dupla e
novo desenvolvimento de poderes anos mais tarde. Isso acontecerá em
meados de 1875, quando estava casada com Betanelly e morando em
Filadélfia,

(p. 38)
Viajando Nos Cárpatos (1867)

Embora sua irmã somente mencione que após sua recuperação, em


1865, ela partiu do Cáucaso para a Itália, há nos Arquivos em Adyar um
pequeno diário de viagens de HPB que dá informações mais exatas. Escrito
em francês, sem estar datado, mostra através de episódios históricos citados
que ela esteve em Belgrado em abril de 1867, viajou de barco pelo Danúbio
e de carruagem por várias cidades da Hungria e Transilvânia. (CW I, 11-22)

As anotações estão quase sempre relacionadas a eventos musicais


e teatros, dando a impressão de que ela estava viajando com Metrovitch,
pois ele era um cantor de ópera. Há também algumas anotações de tarifas
de trens na Áustria, de Viena para Graz, de lá para Leibach, de Viena para
Trieste e de lá para Veneza, indicando que ela pode ter ido à Itália em
seguida.

Jean O. Fuller, em seu livro Blavatsky and Her Teachers, acha que
HPB não estava com Metrovitch, mas que talvez ela mesma estivesse dando
alguns recitais de piano durante a viagem. (Fuller, 19) Porém, o fato de nas
anotações não existir qualquer menção a ele ou a qualquer outro
acompanhante, não quer necessariamente dizer que ela estivesse viajando
sozinha. Outros biógrafos acham que ela estava tanto com Metrovitch quanto
com Yury. (Meade, 90-91)

Assim como nos primeiros anos de viagens pelo mundo, há várias


incertezas sobre esse período, que foram deliberadamente geradas por
HPB, que não queria que ninguém soubesse onde estava ou o que fazia:

“Então, dos 17 aos 40, tomei o cuidado de apagar todas as pistas a


meu respeito, por onde quer que tenha andado em minhas viagens.
Quando estava em Bari, na Itália, estudando com uma feiticeira local
– enviava minhas cartas para Paris, para postá-las de lá para meus
familiares. A única carta que eles receberam de mim, da Índia, foi
quando estava partindo de lá, na primeira vez. Depois de Madras, em
1857; quando estava na América do Sul, escrevi para eles e postei
através de Londres. Nunca permiti que as pessoas soubessem onde
eu estava e o que estava fazendo. Tivesse eu sido uma p__ comum,
eles teriam preferido isso a que eu estivesse estudando ocultismo.”
(LBS, 154)

(p. 39)
Um local dado como certo que HPB esteve, entre 1865 e 1868 é na
batalha de Mentana, na Itália, que ocorreu em novembro de 1867.
Entretanto, o que ela fazia por lá é um mistério, que mesmo na época era
conhecido apenas por poucas pessoas: “Os Garibaldi (os filhos) são os
únicos que sabem de toda a verdade e mais alguns garibaldianos com
eles. O que eu fiz, você sabe parcialmente, não sabe de tudo.” (LBS,
144) Mas HPB garante que:

“Nunca estive no “grupo de Garibaldi”. Fui com amigos para Mentana


para ajudar a atirar nos Papistas e fui alvejada. Isso não é da conta
de ninguém – menos ainda de qualquer m__o [maldito] repórter.” (CW
I, 55)

De qualquer modo, ela indica para Sinnett que quando o príncipe


Michael Obrenovitch foi morto, ela:

“... estava em Florença, após Mentana, e em meu caminho para a


Índia com o Mestre, desde Constantinopla. (...) Eu estava em
Florença perto do Natal, talvez um mês antes, quando o pobre
Michael Obrenovitch foi morto. Então fui de Florença para Antemari
em direção de Belgrado onde, nas montanhas, tive que esperar
(como ordenado pelo Mestre) – indo para Constantinopla, passando
pela Sérvia e as montanhas Cárpatos, esperando por uma certa
pessoa que ele havia enviado para me encontrar”. (LBS, 151)

Em junho de 1868, o príncipe Michael Obrenovitch, sua tia Catherine


e a filha dela foram assassinados no jardim da casa em Belgrado, à luz do
dia, sem que descobrissem quem foram os assassinos. Em dezembro de
1875, HPB publicou no New York Sun uma história, sob o título de “Uma
História do Misterioso”, em que relata que o príncipe e seus familiares
teriam sido vítimas de um ritual de magia.

Anos mais tarde, em janeiro de 1883, a história foi republicada no


The Theosophist sob o título “Pode o Duplo Matar?”, e veio a fazer parte
de uma coletânea de 7 histórias publicadas em 1892, sob o título Nightmare
Tales (Histórias de Pesadelos). Das sete histórias, reconhece-se que pelo
menos três delas foram compostas em parceria com o “adepto que escreve
histórias com HPB” (LMW 1st Series, 50), isto é, o Mestre Hillarion. Ela
comenta:

“Eu escrevo histórias sobre fatos que aconteceram aqui e acolá, com
pessoas vivas, apenas mudando seus nomes (não em ‘Pode o Duplo
Matar?’, onde fui tão tola que coloquei os personagens verdadeiros);
e isso me foi apresentado e arranjado por Illarion”. (LBS, 152)

(p. 40)
Morte de Yury (1867)

HPB contou para Sinnett que após Tiflis ela encontrou-se com
Metrovitch na Itália. Ela havia levado “a pobre criança para Bolonha, para
ver se poderia salvá-la”. (LBS, 144) Nessa ocasião:

“... ele fez tudo que pode por mim, mais do que um irmão. Então a
criança morreu; e como ela não tinha nenhum tipo de documento, e
eu não me importava em dar meu nome como alimento para os
falatórios amáveis, foi ele, Metrovitch, que assumiu todo o trabalho,
que enterrou o aristocrático filho do Barão – sob o seu próprio
nome, Metrovitch, dizendo que “não se importava”, numa pequena
cidade do sul da Rússia, em 1867. Depois disso, sem avisar meus
familiares que havia retornado à Rússia para trazer de volta o infeliz
menininho, que não consegui devolver com vida para a governanta
que o Barão escolhera para ele, simplesmente escrevi para o pai da
criança notificando-o sobre essa ocorrência agradável para ele e
voltei para a Itália com o mesmo passaporte.” (LBS, 144)

Numa carta para Dondoukoff, HPB parece estar se referindo à morte


de Yury, quando escreve que:

“Eu estava com 35 anos quando o vi pela última vez. Não vamos falar
dessa época terrível e eu lhe imploro que a esqueça para sempre.
Eu havia recém perdido o único ser que fazia a vida valer a pena ser
vivida, um ser a quem amei, parafraseando Hamlet, como “quarenta
mil pais e irmãos nunca amarão seus filhos e irmãs”.” (HPB
Speaks II, 19)

E em outra carta para Dondoukoff, dá a impressão de que HPB havia


deixado Yury na Rússia para poder retomar suas viagens mas, muito
saudosa, resolveu desobedecer seu “hindu invisível” e foi para Kiev onde
perdeu “tudo que me era mais caro no mundo”:

“De 1865 até 1868, enquanto pensavam que eu estava na Itália ou


em algum outro lugar, eu havia ido novamente para o Egito, de onde
deveria ir para a Índia, mas me recusei a fazê-lo. Foi então que,
voltando para a Rússia, contra o conselho do meu indiano invisível,
pois ele queria que, ao invés disso, eu fosse para a “Lamaseria” de
Top-Ling, para além dos Himalaias onde eu havia me sentido tão
bem, levada pelo meu desejo de ver novamente – (não,
(p. 41)
perdoe-me por não dizer, mas não tenho forças para tanto) –
digamos, para ver meu país – vim a Kieff, onde perdi tudo que me era
mais caro no mundo e quase fiquei louca.” (HPB Speaks II, 26)

Há algumas evidentes confusões nessas referências. Como vimos,


para Sinnett ela diz que estava com Yury e que levou-o para Bolonha para
tentar salvar sua vida. Teria encontrado com Metrovitch na Itália, que a
acompanhou e, juntos, acabaram enterrando a criança numa cidadezinha do
sul da Rússia, em 1867.

Para Dondoukoff ela dá outra versão: que aos 35 anos – isto é, 1866
ou no primeiro semestre de 1867, Yury havia recém morrido. Que ela estava
no Egito entre 1865 e 1868, e não na Itália e que, ao invés de ir para o Tibet,
voltou para a Rússia. E em Kiev, Yury teria morrido e sido enterrado.

Até o Final Persistem Suspeitas sobre Yury (1890)

HPB faleceu em 8 de maio de 1891. Menos de um ano antes de sua


morte, em 20 de julho de 1890, Elliot Coues publicou no jornal de Nova Iorque
The Sun um artigo chamado “Blavatsky Unveiled?” (Blavatsky
Revelada?).

Nele Coues diz que o Sr. W.E. Coleman recebeu uma carta de Daniel
D. Home, situando HPB “em Paris em 1857 ou 58, como uma mulher de
reputação suspeita, tendo um caso com o príncipe Emil de
Wittgenstein, de quem ela teve um filho deformado, que morreu em
Kiev, em 1868.” (Coues)

Essa afirmação fez com que HPB movesse uma ação contra Coues
e o jornal The Sun, na qual Judge atuou como seu advogado. Ao comunicar
à Sociedade Teosófica sua decisão de entrar com a ação judicial, HPB
escreve:

“Por cerca de quinze anos tenho calmamente aguentado e visto meu


bom nome sendo atacado por intrigas de jornais (...) Alguns membros
podem perguntar porque nunca respondi àqueles ataques que eram
dirigidos contra o Ocultismo e os fenômenos. Por duas razões: o
Ocultismo nunca deixará de existir, não importa quão atacado, e os
fenômenos ocultos nunca poderão ser provados numa corte de
justiça durante esse século.” (Judge 1999, ii)

(p. 42)
Mas como nesse caso o jornal além de atacar sua moral, atacava a
de um velho amigo da família, já falecido, ela decidira entrar com um
processo por difamação. Ser chamada de uma mulher de reputação suspeita
era “tão ridículo que dá vontade de rir” (Judge 1999, iii), mas as outras
acusações não podiam ficar sem uma condenação. O caso acabou sendo
encerrado antes de ser concluído devido a morte de HPB, em 8 de maio de
1891.

Em setembro de 1892 o jornal publicou uma retratação, dizendo que


havia sido enganado por Coues, que não tinha nenhuma base sólida para
suas acusações. Ainda em 1892, o próprio Coleman publicou em Bombay
um folheto com o mesmo título do artigo de Coues, “Blavatsky Unveiled?”,
reacendendo a questão. No folheto ele dá detalhes de uma carta que
recebera de D.D. Home, datada de 12 de junho de 1882, em Genebra,
falando sobre HPB:

“... ele diz que ela [HPB] estava em Paris em 1858. “Eu não tive
nenhum interesse especial nela”, diz o Sr. Home, “a não ser uma
estranha impressão que tive, na primeira vez que encontrei com um
jovem cavalheiro, que desde então tem sido como um irmão para
mim. Ele não seguiu meu conselho. Naquela época ele era seu
amante, e era por demais repulsivo para mim que ela, com o intuito
de chamar a atenção, fingisse ser uma médium. Meu amigo ainda
pensa que ela é mediúnica, mas também está plenamente
convencido de que ela é uma impostora.” (Coues)

Esse jovem cavalheiro, que era como um irmão para Home, é


identificado como o Barão Meyendorff. É importante realçarmos que a
opinião de Home tinha uma grande influência naquela época, pois ele foi um
dos mais conhecidos médiuns de seu tempo.

Daniel Dunglas Home é considerado o maior médium físico da


história do Espiritismo moderno. Home conseguia levitar, fazer música no ar,
mover objetos etc. Em 1860 foi convocado por Napoleão Ill para ir ao seu
palácio, onde foram realizadas várias seções mediúnicas. Sua fama se
espalhou e outros reis e a alta sociedade passaram a requisitar sua
presença. D.D. Home nunca aceitou qualquer pagamento por suas
demonstrações.

Em Roma, na primavera de 1858, Home conheceu Alexandrina


(Sacha) de Kroll, uma russa cunhada do Conde Koucheleff-Besborodka.
Pouco depois eles casaram-se em São Petersburgo. Em julho de
(p. 43)
1862, sua primeira esposa faleceu. Em 1871 casou-se novamente com uma
rica senhora russa, Julie de Gloumeline, e passou a dar sessões em São
Petersburgo.

A fase mais importante da historia de D.D. Home foi quando sua


mediunidade foi examinada por Sir William Crookes. Suas investigações
começaram em maio de 1871, com grande publicidade da imprensa. Seu
veredicto foi de que os fenômenos eram verdadeiros. Na década de 1870
D.D. Home encerrou suas atividades mediúnicas. Ele faleceu em junho de
1886, de tuberculose.

Home foi também um grande opositor de HPB. O Mestre KH escreve


numa carta a Sinnett que D.D Home era “o mais amargo e cruel inimigo
que O. [Olcott] e Mad. B [Blavatsky] têm, embora ele nunca tenha
encontrado nenhum deles.” (MLcr., 53)

Na verdade há controvérsias nessa questão, se HPB encontrou ou


não com D.D. Home. Como vimos na carta para Coleman, o próprio Home
diz tê-la encontrado em Paris, no ano de 1858 quando ela seria amante de
“um jovem cavalheiro, que desde então tem sido como um irmão para
mim”, isto é, do Barão Meyendorff. E numa entrevista para um repórter do
jornal Daily Graphic de Nova Iorque, em 1874, HPB diz:
“Em 1858 eu voltei a Paris, e conheci Daniel Home, o espírita. Ele
havia se casado com a condessa Kroble, uma irmã da condessa
Koucheleff Bezborrodke, uma senhora de quem fui muito íntima em
minha mocidade. Home me converteu ao Espiritismo. (...) Vi Home
sendo carregado para fora de uma janela no quarto andar, baixado
bem vagarosamente até o chão e sendo colocado em sua carruagem.
Depois disso voltei para a Rússia e converti meu pai ao Espiritismo.”
(Anonymous)

Posteriormente HPB escreveu às margens do artigo, colado em seu


Scrapbook, que essas informações eram mentiras do repórter, e que:

“... em toda a minha vida nunca vi nem D.D. Home, nem sua esposa;
nunca estive na mesma cidade que ele por meia hora, em minha vida.
De 1851 a 1859 estava na Califórnia, Egito e Índia. Em 1856-58
estava no Kashmere e em outros lugares.” (Anonymous, fac-símile)

(p. 44)
Mas de outras fontes fica claro que HPB conhecia pelo menos a
primeira esposa de D.D. Home, a Condessa Alexandrine (Sasha) de Kroll. O
periódico Human Nature de abril de 1872, anunciava a formação da Société
Spirite no Cairo e publicava uma nota da própria HPB, onde ela se apresenta
como uma amiga da falecida esposa de D.D. Home:

“Gostaria de assinar sua valiosa publicação, O MÉDIUM. Por favor,


me informe qual será o preço da assinatura. Se por acaso encontrar
com o Sr. D. Home, o médium, por favor, lhe diga que uma amiga de
sua falecida esposa, “Sacha” – uma amiga de St. Petersburgo de
anos passados – lhe envia suas melhores recomendações e lhe
deseja prosperidade.” (Burns)
(p. 45)
Capítulo 4

As Viagens de HPB ao Tibet

A questão da estadia de HPB no Tibete está envolta num


considerável mistério. É provável que nunca venhamos a conhecer
exatamente quando nem quantas vezes ela penetrou nesse território. Ela
afirma que:

“... vivi em diferentes períodos tanto no Pequeno Tibet quanto no


Grande Tibet, e esses períodos combinados formam mais de sete
anos. Porém, nunca afirmei, seja verbalmente ou sobre minha
assinatura que havia passado sete anos consecutivos num convento.
O que eu disse, e agora repito, é que parei em conventos Lamaísticos;
que visitei Tzi-gadze, o território de Tashi-Lhunpo e suas redondezas
e que estive bem mais para o interior, e em certos lugares do Tibet
que nunca foram visitados por quaisquer outros europeus”. (CW VI,
272)

É importante manter em mente que embora HPB tenha realmente ido


ao Tibet, isso não significa que toda vez que ela menciona estar no Tibet
esteja necessariamente se referindo ao próprio Tibet, uma vez que esse
termo era usado de um modo muito geral e que o Ladakh também era
conhecido como Pequeno Tibet. Os biógrafos de HPB costumam ter
problemas em achar sete anos, ainda que em períodos separados, para suas
estadas no Tibet. Boris de Zirkoff na introdução da coletânea dos escritos de
HPB, escreve:

“Presume-se que HPB foi via Índia para algumas partes do Tibet, e
que isso ocorreu em alguma época de 1868; há menções de sua
passagem cruzando as Montanhas Kuenlon e indo via Lago Palti
(Yamdok-Tso), embora isso seja geograficamente inconsistente. Foi
nessa viagem para o Tibet que ela encontrou o mestre KH pela
primeira vez, e morou na casa de sua irmã, em Shigadze. Esse pode
ter sido o período em que ela passou cerca de sete semanas nas
florestas não longe das Montanhas de Karakorum.” (CW I, xlviii)

(p. 46)
Tentativas de Entrar no Tibet (década de 1850)

Sinnett menciona que HPB fez uma primeira tentativa frustrada de


entrar no Tibet ainda no período inicial de suas viagens. Após ir ao Ceilão
com o “inglês” e o chela hindu, o grupo chegou a Bombay, onde se
dispersou, pois:

“... cada um estava empenhado num objetivo algo diferente. Madame


não aceitaria a direção do Chela e estava resolvida a fazer uma
tentativa, por ela mesma, de entrar no Tibet através do Nepal. Por
essa ocasião, sua tentativa falhou, principalmente, acredita ela, no
que diz respeito às dificuldades externas e visíveis, pela oposição do
então Residente britânico no Nepal”.(Sinnett 1886, 66)
Olcott, em março de 1893, relata ter se encontrado com o major C.
Murray, numa viagem de trem. O major lhe declarou que havia encontrado
com HPB em 1854 ou 1855 em Punkabaree, aos pés das montanhas de
Darjeeling. Era então capitão e comandava os Sepundy Sappers and
Miners.

Madame Blavatsky estava tentando entrar no Tibet, via Nepal, para


escrever um livro e, para tanto, queria cruzar o rio Rungit. Quando a guarda
reportou ao então capitão Murray que uma senhora europeia havia passado
para aquele lado, ele foi atrás dela e a trouxe de volta. Ela ficou muito brava,
mas foi em vão. Ela passou perto de um mês com ele e sua esposa, e depois
partiu. Na ocasião, ela aparentava cerca de trinta anos.

Olcott ainda diz que o capitão Murray tinha ordens escritas de não
permitir que nenhum europeu atravessasse o rio Rungit, pois eles quase que
certamente seriam mortos pelas tribos selvagens daquele país. (Neff, 58)

Entretanto, há alguns pontos estranhos no relato de Murray. Na


verdade, o risco para os viajantes não vinha de “tribos selvagens” no Sikkim,
pois elas não existiam, mas sim de uma guerra que havia entre o Nepal e o
Tibet, que foi do início de 1855 até abril de 1856. Durante esse período, as
passagens entre o Nepal e o Tibet ficaram fechadas. (Gilbert)

Note-se que Murray declara que seu encontro com HPB aconteceu
em 1854 ou 1855, e não em 1853 como Sinnett relata. Se essa viagem foi
com o “inglês” norte americano Albert Rawson, uma época provável para a
viagem é a mencionada por Murray (1854 ou 1855).

(p. 47)
Outro aspecto que reforça a data dada por Murray é o fato de que ele
só foi apontado como comandante do Sapers and Miners em julho de 1854.
Apesar dele dizer que era capitão, sua patente era a de tenente. Ele só foi
promovido a capitão em 28 de dezembro de 1857, época em que Madame
Blavatsky já estaria fora da Índia, uma vez que ela diz ter deixado esse país
um pouco antes do motim em Meerut, que ocorreu em 10 de maio de 1857.
(Gilbert)

A segunda tentativa de HPB para entrar no Tibet foi descrita em seu


livro Ísis Sem Véu. Em 1856, após ter se encontrado em Lahore com um
alemão e dois amigos, os quatro viajaram juntos por um tempo e foram, pelo
Kashmir, para Leh, no Ladack, em companhia de um shaman tártaro.

Madame Blavatsky diz que, com a ajuda do shaman, entrou no Tibet,


de onde foi resgatada no deserto por um grupo liderado por um Shaberon
(um Adepto) e guiada de volta à fronteira por caminhos que lhe eram
desconhecidos. Após mais algumas viagens pela Índia teria deixado o país
pouco antes dos problemas que ocorreram na Índia 1857, por recomendação
de seu “guardião oculto”. (Sinnett 1886, 72)

Na Casa do Mestre KH e o Aprendizado de Inglês

Outra viagem de HPB ao Tibet, tradicionalmente situada em 1868,


não é sequer mencionada por Sinnett. Aliás, ele mal menciona a período
entre 1867 e 1870. Conta apenas que esses anos foram passados no Oriente
e em algumas viagem pela Europa e que nesse período houve um grande
progresso na expansão de seu conhecimento oculto.

Supõe-se que HPB tenha ido, via Índia, para algumas partes do Tibet,
e que isso ocorreu em alguma parte do ano de 1868. Foi nessa viagem ao
Tibet que ela encontrou com o Mestre KH pela primeira vez e viveu na casa
de sua irmã em Shigatze. Ela relata um episódio dessa estadia em carta para
Sinnett, ao lhe contar sobre o método que o Mestre KH usara para lhe ensinar
a língua inglesa, que até então limitava-se ao que uma governanta havia lhe
ensinado na infância.

Uma das acusações do relatório da Sociedade de Pesquisas


Psíquicas (SPR) que a acusou de charlatã, era que seu inglês e o do Mestre
KH tinham muitas semelhanças. Na carta a Sinnett, HPB explica o porquê:

(p. 48)
“Fui para a cama e tive a visão mais extraordinária. Eu havia em vão
chamado os Mestres – que não vieram em meu estado de vigília, mas
agora no sono eu via a ambos. Eu estava novamente (uma cena de
muitos anos atrás), na casa do Mahatma KH. Eu estava sentada
sobre um tapete, num canto, e Ele andando pela sala em seu traje de
montaria e o Mestre falava com alguém atrás da porta. “Eu lembrar
não posso” – pronunciei em resposta à Sua pergunta sobre uma tia
falecida. – Ele sorriu e disse: “Que inglês engraçado que você usa”.
Então eu me senti envergonhada, ferida em minha vaidade, e
comecei a pensar (imagine você, em meu sonho ou visão que era a
exata reprodução do que ocorreu, palavra por palavra, há dezesseis
anos atrás) “agora que estou aqui e falando tão somente em inglês
em linguagem verbal fonética, posso talvez aprender a falar melhor
com Ele.” (Para deixar claro, com o Mestre eu também usava o inglês,
que fosse bom ou ruim dava no mesmo para Ele, uma vez que não
fala, mas compreende cada palavra que eu falo da minha cabeça e
eu consigo compreendê-Lo – o como eu nunca poderei dizer ou
explicar, mesmo que me matassem, mas eu compreendia.” (MLcr.,
454)

Ela continua contando que em seguida, ainda no sonho, teve uma


visão onde haviam se passado três meses, e agora ela estava de pé diante
do Mestre KH, para quem havia levado um pedaço de papel onde traduzira
para o inglês algumas frases em Senzar, para que Ele visse se estavam
corretas:

“Ele pegou e leu, e corrigindo a interpretação leu novamente e disse


“Agora seu inglês está melhorando – tente captar de minha cabeça
o pouco que eu conheço”. E colocou sua mão em minha testa, na
região da memória e espremeu seus dedos nela (e eu senti até
mesmo a mesma dor superficial nela, como então, e o arrepio frio que
experimentei) e desde aquele dia Ele fazia isso em minha cabeça
diariamente, por cerca de dois meses. Novamente a cena muda e eu
estou indo embora com o Mestre, que está me mandando de volta
para a Europa. Eu estou dando adeus para sua irmã, para o filho dela
e para todos os chelas. Eu ouço o que o Mestre me diz. Então vêm
as palavras de despedida do Mahatma KH, rindo de mim, como Ele
sempre fazia e dizendo: “Bem, se você não aprendeu muito das
Ciências Sagradas e do Ocultismo
(p. 49)
prático – e quem poderia esperar que uma MULHER aprendesse –
você aprendeu, de qualquer modo, um pouco de inglês. Agora você
fala apenas um pouco pior que eu!”, e Ele riu.” (MLcr., 454)

Em 11 de novembro de 1870, sua tia Nadyezhda de Fadeyev recebeu


a primeira carta conhecida do Mestre KH, afirmando que HPB estava bem e
que estaria de volta “antes que 18 luas tenham passado”. (LMW 2nd
Series, 4) A carta foi escrita num papel de arroz, feito à mão, que é
característico da região do Kashmir e Punjab.

Fundação da “Société Spirite” no Cairo

Sinnett relata que em 1870 Madame Blavatsky estava novamente na


Europa, tendo voltado “do Oriente de vapor via o recém aberto canal de
Suez”. (Sinnett 1886, 154). Foi então para a Grécia e para Chipre, onde
encontrou com o Mestre Hillarion.

Em junho de 1871, ela embarcou no vapor SS Eunomia, que ia de


Chipre para Alexandria. Devido à explosão da carga de pólvora que
transportava, o vapor naufragou. Entre os poucos passageiros que se
salvaram estava Madame Blavatsky. O governo grego ajudou os
sobreviventes, dando-lhes a passagem até seu destino. HPB chegou ao
Cairo sem dinheiro ou bagagens, uma vez que tudo havia se perdido no
naufrágio.

No Cairo, Madame Blavatsky resolveu fundar uma sociedade que


tinha por objetivo a investigação de fenômenos psíquicos, à qual denominou
Société Spirite. Conheceu então Emma Cutting que trabalhava no Hotel
Oriental, e que lhe foi de grande auxílio tanto em sua situação pessoal difícil
quanto na Société Spirite. Emma casou-se com Alexis Coulomb, um francês
nascido no Egito, tornando-se a Sra. Coulomb. Numa de suas descrições de
viagens pelo Egito, escrita em 1874, Peebles descreve Emma Coulomb
como uma auxiliar de HPB:

“Madame Blavatsky, ajudada por outras almas valentes, formou uma


sociedade de espíritas no Cairo, cerca de três anos atrás. (...) A
senhora cujo marido cuida do Hotel Oriental é uma espírita convicta.
Impulsionado pelo espírito missionário, deixei um pacote de panfletos
e folhetos com ela, para distribuição gratuita”. (Peebles, 297)

(p. 50)
Emma Coulomb também tinha algumas capacidades psíquicas, como
escreveu anos mais tarde o Mestre KH para Franz Hartmann: “Mad.
Coulomb é uma médium e, como tal, irresponsável por muitas coisas
que ela possa dizer ou fazer.” (LMW 2nd Series, 131)

O periódico Human Nature de abril de 1872, publicou a notícia da


formação da Société Spirite de HPB no Cairo e seu anúncio pedindo
médiuns, os quais iriam “demonstrar a existência de seres espirituais”.
(Burns) No anúncio HPB oferecia aos médiuns hospedagem sem qualquer
custo, em sua própria casa. Porém em pouco tempo a tentativa provou-se
um fracasso. De acordo com HPB, as médiuns francesas, amadoras, de
quem ela se rodeou:
“... roubam o dinheiro da Sociedade, bebem como esponjas, e agora
as peguei enganando, da maneira mais vergonhosa, nossos
membros que vêm para investigar os fenômenos, com falsas
manifestações.” (Sinnett 1886, 159)

Ela então rompeu todas as relações com as médiuns, fechou a


Société Spirite e foi morar em Boulak, próximo ao Museu. De acordo com
Sinnett, nessa ocasião:

“... ela entrou novamente em contato com seu velho amigo, o Copta
de fama misteriosa, cuja menção foi feita em conexão à sua primeira
visita ao Egito, no início de suas viagens. Por várias semanas ele foi
seu único visitante.” (Sinnett 1886, 160)

Morte de Agardi Metrovitch

Nas cartas para Sinnett, HPB conta um episódio que ocorreu em


1872, no Cairo, envolvendo Agardi Metrovitch, a quem já mencionamos em
conexão com Yuri. Metrovich era um revolucionário mazinista que havia
insultado o Papa tendo sido por esta razão exilado de Roma em 1863. Ela
conta que Agardi Metrovitch havia ido ao Cairo, a pedido de sua tia, para
tentar encontrá-la. Ali alguns malteses:

“... instruídos pelos monges católicos romanos, prepararam uma


armadilha para pegá-lo e matá-lo. Fui avisada por Illarion então
fisicamente no Egito – e fiz com que Agardi Metrovitch viesse
diretamente até mim e não deixasse a casa por dez dias. Ele era um
homem corajoso e ousado e não podia tolerar isso, então foi
(p. 51)
mesmo assim para Alexandria e eu fui atrás dele (...) fazendo como
Illarion me disse (...). Eu nunca o deixei, pois sabia que ele iria morrer,
como Illarion havia dito, e assim aconteceu.” (LBS, 189-190)

Ela ainda relata para Sinnett que nenhuma igreja quis enterrá-lo e
que os franco-maçons, a quem apelou, também ficaram com medo. Então,
com a ajuda de “um abissínio – um discípulo de Illarion – e com o
servente do hotel nós cavamos uma cova embaixo de uma árvore a
beira do mar (...) e enterramos seu pobre corpo.” (LBS, 190)

HPB permaneceu na Cairo até aproximadamente abril de 1872. Foi


então para a Síria, Palestina e Constantinopla e parece ter ido até Palmira
(na Síria). Em companhia da Condessa Lydia Pashkoff, foi até Dair Mar
Maroon, próxima às montanhas do Líbano. Ela chegou a Odessa em julho
de 1872, reencontrando a família no prazo dado pelo Mestre KH de “18
luas”.
William Quan Judge e o Coronel Henry S. Olcott.

Capítulo 5

Encontro com Olcott (outubro de 1874)

Henry Steel Olcott nasceu em 2 agosto de 1832, em Orange, New


Jersey, sendo o mais velho dos seis filhos de um casal de presbiterianos.
Entrou aos quinze anos na Universidade de Nova Iorque, mas dificuldades
financeiras de seu pai o obrigaram a abandonar os estudos e ir trabalhar
numa fazenda, em Ohio. Ele lá foi introduzido ao Espiritismo, por irmãos de
sua mãe. Também estudou e passou a praticar passes mesméricos.
(Murphet 1972, 6)

Após alguns anos no campo, voltou aos estudos dedicando-se a


pesquisas na área da agricultura. Ele abriu uma escola de agricultura e
escreveu dois livros, mas a escola acabou falindo. Foi então morar em Nova
Iorque com sua irmã Belle Mitchell. Sua experiência em dar aulas e escrever
lhe ajudaram a conseguir um emprego como jornalista no New York
Tribune.

Em abril de 1860 casou-se com Mary Morgan. Em 1861 alistou-se


como voluntário na guerra civil de secessão. Em novembro de 1862 foi
designado encarregado especial do Departamento de Guerra para chefiar
investigações de fraude e corrupção. Sua determinação, retidão e
integridade de caráter fizeram com que ele prestasse outros serviços desse
tipo, que acabaram lhe rendendo a patente de Coronel. Em 1865 ele deixou
as investigações e dedicou-se ao estudo de Direito e advogou por algum
tempo.
Olcott divorciou-se de Mary no início dos anos 70. A união gerou
quatro filhos, dos quais apenas dois sobreviveram.

Em julho de 1874, Olcott leu um artigo sobre fenômenos de


materialização de espíritos que estavam ocorrendo em Chittenden, Vermont.
Resolveu então ir até Chittenden, na granja dos Eddy, onde passou quatro
dias acompanhando de perto os fenômenos. Houve a aparição de 32 formas,
“índios e índias, pessoas brancas e jovens e velhas, cada qual vestida
de um modo diferente.” (Gomes 1987, 29) A aparição mais vívida era
Honto, uma menina índia de pele escura cor de cobre e longos cabelos
pretos.

Voltando a Nova Iorque, escreveu um artigo para o New York Sun,


que foi publicado em vários jornais do país, causando grande sensação.
(p. 53)
Olcott foi então convencido pelo editor do New York Graphic a voltar para a
granja dos Eddy. Ele foi para lá em 17 de setembro de 1874, e permaneceu
até novembro realizando investigações. Os artigos de Olcott eram
publicados duas vezes por semana, com seus relatos acompanhados de
desenhos das aparições. Em março de 1875 os artigos foram compilados e
publicados sob o título “People from The Other World” (Gente do Outro
Mundo).

Madame Blavatsky havia lido os artigos de Olcott e em 14 de outubro


de 1874 foi para Chittenden com a intenção de encontrá-lo. Olcott descreve
o primeiro encontro:

“Eu me apresentei. Tornamo-nos amigos imediatamente. Cada um


de nós sentia-se como se fôssemos do mesmo mundo social,
cosmopolitas, livres-pensadores e em contato mais próximo do que
com o resto das pessoas que lá estavam, embora alguns fossem
inteligentes e dignos. Isso era resultado da simpatia que ambos
sentiam pelo lado oculto superior do homem e da natureza; e da
atração de alma para alma, não aquela de sexo para sexo. Nem
então, no início, nem nunca mais dali por diante, qualquer um teve o
sentimento de considerar o outro como sendo do sexo oposto.
Éramos simplesmente companheiros; assim um considerava ao
outro, assim um chamava ao outro. Algumas pessoas, de tempos em
tempos, ousavam sugerir que um laço mais íntimo nos unia, assim
como diziam que a pobre, obesa e perseguida HPB havia sido
amante de vários outros homens, mas nenhuma pessoa pura poderia
manter tal opinião após passar algum tempo em sua companhia,
vendo como cada olhar, palavra e ação proclamavam sua
assexualidade.” (ODL I, 5)

Com a presença de HPB em Chittenden, outros espíritos começaram


a surgir. Na noite do dia 14 de outubro um antigo servo de sua tia Catherine
apareceu e tocou a “Lezguinka”, uma canção da Geórgia. Na noite seguinte,
mais sete formas novas surgiram, entre elas um antigo guarda-costas de
Helena, Safar Ali Bek e uma babá que ela e a irmã tiveram quando crianças.

Ainda em Chittenden, a ferida de HPB na altura do coração reabriu


ligeiramente. Ela deu a entender a Olcott que o ferimento fora adquirido em
1867 na batalha de Mentana. Porém, como já vimos, logo após o retorno de
Helena à Rússia, em 1859, esse estranho ferimento já existia e havia
causado grande preocupação à família.

(p. 54)
Na última sessão em que Madame Blavatsky participou, na noite de
24 de outubro, um dos espíritos se dirigiu a ela dizendo que daria uma prova
concreta da genuinidade das manifestações que lá estavam ocorrendo:
“Colocarei em suas mãos o prendedor da medalha de honra usada em
vida por seu valente pai, e enterrada com seu corpo na Rússia.” Logo a
seguir, HPB emitiu uma exclamação e quando a luz foi jogada sobre ela
“todos nós vimos Mad. de B. segurando em suas mãos um prendedor
de prata de um tipo muito curioso, que ela olhava admirada e sem
palavras.” (Gomes 1987, 41)

Seu pai havia morrido em 27 de julho de 1873 e, para provar a


autenticidade do prendedor, ela mostrou uma foto de um retrato a óleo do
pai em que ele usava a medalha presa por uma fita a esse prendedor.

A excitação foi grande e a notícia logo foi para os jornais. D.D. Home,
o médium, acusou-a então de fraude, com base no fato de que na Rússia
não era um hábito enterrar os mortos com suas medalhas. Explicando para
Aksakov, HPB lhe escreve que o “espírito” John King havia lhe dado a
medalha, trazendo-a do túmulo de seu pai em Stavrapol, dizendo: “a
trazemos como uma lembrança nossa, em quem você acredita e tem
fé.” (Neff, 203)

Como veremos mais adiante, John King, o “espírito” barbudo que


estava executando esses fenômenos, era na verdade um membro da
Hierarquia Oculta que atuava como instrutor de HPB. Essa conclusão é
reforçada pela frase acima, pois não era nos espíritos desencarnados em
quem ela acreditava e tinha fé, mas sim nos Mestres e Adeptos da
Hierarquia Oculta.

Numa carta para Solovyoff, HPB comenta sobre essa característica


de dubiedade dos fenômenos, dizendo:

“Eu aprendi que não há como convencer pessoas apenas com fatos
suspeitos, e também que todo fenômeno genuíno sempre mostra um
ou outro lado fraco, sobre o qual é fácil os oponentes se apegarem.”
(Solovyoff, 248)

Katie King: um Espírito Desencarnado, ou a Sra. White?

Quando Olcott voltou para Nova Iorque, em novembro de 1874,


encontrou duas cartas de Robert Dale Owen convidando-o para ir a
Filadélfia, onde o espírito “Katie King” estava fazendo aparições.

(p. 55)
Katie King era um espírito que costumava se materializar em sessões
com a médium Florence Cook, em Londres. William Crooks, que investigava
o caso na Europa, chegou a fazer fotografias de Katie King e Florence Cook.
Em maio de 1874 Katie King despediu-se das sessões em Londres dizendo
que não mais voltaria. Oito dias depois começou a materializar-se nos
Estados Unidos. Nessas aparições Katie King pediu ao Dr. Henry Child que
escrevesse a Robert Dale Owen relatando o que estava acontecendo.

Owen era um espírita convicto e uma pessoa de destaque dentro da


sociedade americana. Seu interesse pelo espiritismo começou em 1856,
quando trabalhava em Nápoles como embaixador americano, ocasião em
que presenciou algumas experiências de escrita automática, que para ele
foram “evidência experimental de um outro mundo.” (Gomes 1987, 46)
A partir daí ele começou a pesquisar e a escrever sobre o assunto. Seu livro
The Debatable Land Between This World and the Next (O Discutível
Terreno Entre esse Mundo e o Seguinte), em 1872, foi um grande sucesso.
Em 1874 ele era a figura mais conhecida e respeitada em conexão com o
Espiritismo nos EUA.

Quando ele recebeu a carta de Child, em maio, sobre as aparições


de Katie King nas sessões dos Holmes, foi imediatamente para lá, onde
participou de 41 sessões nas quais o espírito se materializou. Durante os
quase dois meses que Owen ficou por lá, ele costumava dar pequenas joias
para Katie King, como uma cruz de pérolas que havia sido de sua mãe. Para
ele, era a experiência mais marcante de sua vida.

Owen escreveu vários artigos sobre o fenômeno Katie King,


chamando a atenção nacional. Os Holmes se tornaram uma celebridade e
não era fácil conseguir participar de suas sessões. Era necessário ser
apresentado por amigos e ainda pagar 1 dólar de entrada, mas a pequena
sala estava sempre lotada. Em 16 de julho, quando Owen partiu, Katie King
predisse que ele voltaria no outono.

O Dr. Henry Child passou atuar como uma espécie de promotor dos
Holmes e escreveu para o jornal de Chicago, Religio-Philosophical
Journal, uma biografia de Katie King em capítulos, onde dava detalhes de
quem havia sido o espírito, onde nascera etc. Para Child, ela teria sido Annie
Morgan, filha de Sir Henry Morgan, mais conhecido como John King. Após a
partida de Owen, os Holmes também deixaram a cidade.

Em outubro de 1874, quando as sessões recomeçaram, já corriam


rumores de que os Holmes haviam praticado fraudes em Chicago, onde
(p. 56)
eles haviam realizado algumas sessões durante o verão. Owen reagiu contra
essas acusações, pois estava convencido da veracidade das aparições.

No meio de novembro de 1874, HPB conheceu Michael Betanelly, de


Filadélfia, o qual aparentemente apaixonou-se por ela. No final de novembro
HPB foi para Filadélfia e passou a frequentar as sessões dos Holmes.

Em novembro, Owen recebeu uma carta de William Crookes, de


Londres, relatando que pela fotografia recebida, a Katie King americana era
muito diferente da londrina e, além disso, a londrina havia se comunicado
algumas vezes por escrito e persistentemente declarava que não era ela que
estava se manifestando em Filadélfia.

Owen então escreveu para Olcott convidando-o para vir até Filadélfia
e investigar as aparições de Katie King. No início de dezembro de 1874
surgiram denúncias de que, na verdade, Katie King não era um espírito, mas
uma mulher viva, Eliza White, que se fazia passar pelo espírito.
Eliza White mostrou numa “sessão” particular para Owen e Child a
forma como fraudulentamente se fazia passar por Katie King. Embora Katie
King tenha se materializado na casa dos Holmes, do outro lado da cidade,
nesse exato momento, os dois, convencidos da farsa, desconsideraram essa
sincronicidade e retiraram imediatamente todo o apoio e credibilidade que
vinham dando aos Holmes.

Escreveram ao público sobre a mudança em suas convicções, o que


gerou um escândalo de grande destaque nos jornais da semana seguinte.
Eliza White ainda declarou aos jornais que encenara a farsa por ser uma
viúva em dificuldades financeiras. Também declarou ter sido a cúmplice dos
Holmes, e que quase fora descoberta em Chicago, naquele verão. (Gomes
1987, 55)

Comitê de Investigação dos Fenômenos (janeiro de 1875)

Olcott chegou em Filadélfia em janeiro de 1875 e estabeleceu um


comitê para lhe auxiliar na investigação dos fenômenos dos Holmes,
composto pelo General Francis J. Lippitt, J.M. Roberts, Madame Blavatsky e
ele mesmo. Todos os membros desse comitê publicaram seus depoimentos
sobre o caso. Tanto Lippitt quanto Roberts acreditavam na genuinidade da
mediunidade da Sra. Holmes.

(p. 57)
Em abril de 1875, HPB publicou duas cartas sobre essa questão, uma
intitulada The Philadelfia “Fiasco,” or Who is Who? (O “Fiasco” de
Filadélfia, ou Quem é Quem?) (CW I, 56), e a outra Who Fabricates? (Quem
Inventa?) (CW I, 75). Na primeira delas ela fala a respeito de quão pouco
esclarecida estava a história toda de Katie King.

Os Holmes também escreveram cartas com suas explicações e


protestos, porém nada do que eles enviaram para a imprensa foi publicado.
A imprensa agora mostrava os espíritas como farsantes. Em sua carta, HPB
descreve uma das experiências de Olcott com a Sra. Holmes. Ela foi
colocada amarrada dentro de um saco e no meio de uma sala, totalmente
impossibilitada de usar suas mãos. Nessas condições:

“... os contornos de um rosto apareceram, os quais gradualmente


formaram a clássica cabeça de John King, com turbante, barba e
tudo. Ele gentilmente permitiu que os investigadores acariciassem
sua barba, tocassem seu rosto quente e batessem de leve suas
mãos nas dele.” (CW I, 60)

Madame Blavatsky afirma que havia visto o espírito de Katie King na


sessão em que Owen e Child estavam presentes e que esse não se parecia
com a Sra. White. Ela também critica Child na questão financeira, dizendo
que havia pago a entrada de 1 dólar com uma nota de 5 dólares e que não
havia recebido e troco, sob e pretexto de que ficaria como futuros ingressos.
E que ele ficava com a maior parte de dinheiro arrecadado, pagando apenas
15 dólares aos médiuns por sessão.

Assim, HPB nesse artigo mostra que a situação era complexa e que
qualquer julgamento nesse momento poderia ser precipitado, havendo a
necessidade de maiores investigações. Porém, em seu Scrapbook, ao lado
do recorte de seu artigo, ela anotou:

“A tempestade Child-Holmes de Filadélfia. Os médiuns, Sr. e Sra.


Holmes, são descobertos trapaceando. Eu disse isso a Olcott, mas
ele não podia acreditar. HPB versus Dr. Child. Child era um cúmplice.
Ele pegou dinheiro das sessões dos Holmes. Ele é um tratante.” (CW
I, 58)

E logo a seguir, em seu Scrapbook, vem a famosa “Nota Importante”,


um manuscrito na caligrafia de HPB, que só foi publicado após sua morte,
no qual ela revela que havia sido obrigada a intervir, salvando a situação:

(p. 58)
“Sim, eu sinto ter que dizer que tive que me identificar com os
espíritas durante aquele vergonhoso desmascaramento dos Holmes.
Tive que salvar a situação, pois fui enviada de propósito de Paris para
a América para provar os fenômenos e sua realidade e – mostrar a
falácia das teorias espíritas de ‘Espíritos’. Mas como poderia ter feito
melhor? Não queria que as pessoas em geral soubessem que poderia
produzir a mesma coisa à vontade. Eu havia recebido ORDENS
em contrário e, ainda assim, tinha que manter viva a realidade, o
caráter genuíno e a possibilidade de tais fenômenos nos corações
daqueles que de materialistas se tornaram espíritas e agora, devido
ao desmascaramento de vários médiuns, retrocederam novamente,
voltando para seu ceticismo. É por isso que, escolhendo alguns
poucos entre os confiáveis, fui à casa dos Holmes e, auxiliada por
M.:. e seu poder, mostrei as faces de John King e Katie King na luz
astral, produzi o fenômeno da materialização e – permiti que os
espíritas em geral acreditassem que isso havia sido feito através da
mediunidade da Sra. Holmes. Ela mesma estava terrivelmente
assustada porque sabia que dessa vez a aparição era real. Será que
agi mal? O mundo ainda não está preparado para compreender a
filosofia das Ciências Ocultas – deixe-os antes de tudo se
assegurarem de que existem seres em um mundo invisível, sejam
eles ‘Espíritos’ dos mortos ou Elementais; e de que há poderes
ocultos no homem que são capazes de transformá-lo em um Deus
na terra.” (CW I, 73)

E depois HPB profetiza o quanto seria reconhecida depois de sua


morte, embora em vida fosse tão caluniada:

“Quando estiver morta e tiver desaparecido as pessoas irão, talvez,


reconhecer minha motivação desinteressada. Empenhei minha
palavra em dedicar-me enquanto for viva a auxiliar as pessoas em
direção à Verdade – e cumprirei minha palavra. Deixemos que alguns
me chamem uma MÉDIUM e uma espírita, e outros uma impostora.
Chegará o dia em que a posteridade aprenderá a me conhecer
melhor. Oh pobre, tolo, crédulo e perverso mundo.”(CW I, 73)

E no final do manuscrito ela revela que o Mestre Morya lhe havia


ordenado formar “uma Sociedade – uma sociedade secreta como a Loja
Rosacruz. Ele promete auxiliar.” (CW I, 73). Assim, já no início de 1875,
aparece uma menção com relação ao plano de fundar a Sociedade
Teosófica.
(p. 59)
Casamento com Michael Betanelly (abril de 1875)

Em março Olcott lança seu livro People from the Other World
(Gente do Outro Mundo) e vai novamente para Filadélfia visitar Madame
Blavatsky, que nessa ocasião estava morando no endereço de Betanelly. Ele
trabalhava com importação e exportação e era, tanto intelectual e quanto
socialmente falando, de um nível inferior ao de HPB.

Ela casou-se com Betanelly em 3 de abril de 1875 e diz ter aceito o


casamento com a condição de que seus direitos como marido se resumiriam
em lhe dar uma casa e condições para que ela pudesse desenvolver seu
trabalho. Olcott, que estava na cidade por ocasião do casamento, não
compareceu a cerimônia. Para ele, o casamento foi um “acesso de
loucura” de Madame Blavatsky. (ODL I, 56)

Olcott descreve que Betanelly estava imbuído de uma admiração


profunda por HPB e que não queria nada além de poder estar perto e auxiliá-
la em seu trabalho. Mas logo “o amor dele por ela terminou” e sua atitude
mudou. (LMW 2nd Series, 25)

HPB jovem, 1848.

(p. 60)
Capítulo 6
John King: Um Pedaço Não Digerido da Literatura Teosófica

John King é um personagem da história teosófica muito pouco


conhecido e muito pouco compreendido. A grande maioria das biografias e
estudos sobre a Sociedade Teosófica e Madame Blavatsky apenas o
mencionam rapidamente, como se sua importância fosse completamente
marginal. Isso acontece por ele ser um personagem muito controvertido, que
às vezes parece ser um elemental brincalhão manipulado por HPB, outras
vezes o espírito de um pirata desencarnado, e em outras ocasiões
apresenta-se como um Adepto Iniciado da Hierarquia Oculta.

Decifrar John King, mostrando sua verdadeira identidade e a


importância de seu papel, não é uma tarefa fácil. Como Spierenburg
escreveu: “Na literatura teosófica, John King é um pedaço não digerido
[“an undigested lump”]. Temos que admitir isso.” (Spierenburg, 168).
Vamos examinar o personagem John King, mostrando alguns aspectos de
sua importante participação na vida de Olcott e da Velha Senhora, como
alguns amigos de HPB a chamavam.

John King: Ele é Meu Único Amigo

A falta de maiores informações sobre John King pode ser


exemplificada por sua pequeníssima menção na volumosa obra biográfica
de Sylvia Cranston. Esse livro, que no original tem 648 páginas, usa somente
um parágrafo para falar sobre John King:

“Quem é o John King mencionado acima? Como HPB foi ordenada a


não revelar, de início, que os fenômenos que ocorriam em sua
presença eram realizados por ela mesma, ela tinha que atribuí-los a
alguém, e John King, um nome familiar nos círculos espíritas, foi o
escolhido. lsto satisfez a Olcott, que ainda era um espírita convicto.
Ele próprio comenta: “Não me fizeram de início acreditar que eu
estava lidando com espíritos desencarnados; e não me
apresentaram um disfarce para dar batidas, escrever e produzir
para mim formas materializadas sob o pseudônimo de John
King?” O nome era também usado por HPB nessa época como
(p. 61)
um despiste para seus instrutores e seus agentes. “Pouco a pouco”,
Olcott acrescenta, “HPB me fez saber da existência de adeptos
orientais e seus poderes, e me deu, por meio de um grande
número de fenômenos, as provas de seu próprio controle sobre
as forças da natureza [até então] atribuído a John King.”
(Cranston, 132)

Ou seja, Cranston nos dá a entender que a própria Madame


Blavatsky era a autora de quase todos os fenômenos que ela atribuía a John
King. E que, ocasionalmente, embora de uma forma não explicada por
Cranston, John King também poderia estar servindo como um disfarce para
os instrutores de HPB.

Entretanto, especialmente quando estudamos o período em que HPB


morou em Filadélfia, logo nos damos conta que esse personagem
provavelmente era o verdadeiro autor de muitos fenômenos e que,
certamente, estava muito longe de ser uma figura marginal, tanto na vida de
HPB, quanto na de Olcott. Uma demonstração disso é o depoimento que
Madame Blavatsky deu, numa carta para Aksakov, onde ela manifestou sua
imensa gratidão a John King pela mudança em sua vida:

“... o espírito John King gosta muito de mim e eu gosto mais dele do
que de qualquer outra coisa na terra. Ele é meu único amigo e se
estou em dívida com alguém pela mudança radical em minhas ideias
sobre a vida, meus esforços e assim por diante, é tão somente com
ele. Ele me transformou e eu estarei em dívida com ele quando ‘for
para o andar de cima’, por não ter que viver, talvez por séculos, na
escuridão e no desalento.” (Solovyoff, 247)

Outra demonstração clara da importância de John King é dada por


Olcott:

“Pouco a pouco, HPB me fez saber da existência de adeptos orientais


e seus poderes, e me deu, por meio de um grande número de
fenômenos, as provas de seu próprio controle sobre as forças da
natureza. De início, como já comentei, ela os atribuiu a “John King” e
foi através de sua mencionada amizade que primeiro entrei em
correspondência pessoal com os Mestres. (...) Alguns, como
Damodar e HPB, primeiro os viram em visões quando ainda eram
jovens; alguns os encontraram sob estranhos disfarces nos locais
mais improváveis; eu fui apresentado a eles por HPB através do meio
que minhas experiências anteriores poderiam tornar mais
compreensível, um pretenso “espírito” que incorporava em médiuns.
(p. 62)
John King trouxe quatro dos Mestres à minha atenção, dos quais um
era um Copta, outro era um representante da escola neoplatônica de
Alexandria; outro – um muito elevado, um Mestre dos Mestres, por
assim dizer – era um Veneziano; e outro um filósofo inglês,
desaparecido da vista dos homens, porém não morto. O primeiro foi
meu primeiro Guru”. (ODL I, 17-19)

Como é que um ser com quem ela diz estar em dívida “pela
mudança radical em minhas ideias sobre a vida, meus esforços e assim
por diante” poderia ter uma importância pequena na vida de HPB? Como
alguém que “trouxe quatro dos Mestres” à atenção de Olcott poderia ter
uma importância menor? É claro que sua importância não é marginal, mas
sim decisiva!

“Mensageiro e Servo – Nunca Igualado – dos Adeptos Vivos”

Em novembro de 1874, quando Olcott voltou para Nova lorque após


a investigação na Fazenda dos Eddy, ele foi ao apartamento de HPB. Lá
Madame Blavatsky realizou para ele “algumas sessões onde ocorriam
batidas nas mesas, soletrando mensagens”. (ODL I, 10) As mensagens
vinham principalmente de uma inteligência invisível que se autodenominava
“John King”, sobre quem Olcott relata:

“Esse pseudônimo tem sido familiar a frequentadores de


sessões mediúnicas, por todo o mundo, nos últimos quarenta anos.
Foi ouvido pela primeira vez em 1850 na ‘sala de espíritos’ de
Jonathan Koons, de Ohio, onde ele dizia ser o chefe de uma tribo ou
tribos de espíritos. Mais tarde, ele disse que era a alma penada de
Sir Henry Morgan, o famoso bucaneiro, e como tal se apresentou a
mim. Mostrou-me sua face e sua cabeça coberta por um turbante, em
Filadélfia, durante minhas investigações no caso dos médiuns
Holmes (...). Ele tinha uma caligrafia singular e usava expressões não
usuais do inglês antigo.” (ODL I, 10)

Na época, Olcott realmente convenceu-se que John King era um


espírito desencarnado. Porém, com o passar dos anos, e com maiores
conhecimentos da filosofia do Ocultismo e dos poderes de HPB, ele
entendeu que embora os fenômenos fossem reais, não eram realizados por
um espírito desencarnado. Olcott, então, passou a achar que existia
(p. 63)
mais de um John King, entre os quais um elemental que HPB usava como
instrumento em seu treinamento:

“Ela manteve a ilusão por meses – pela distância dos anos, não
consigo me lembrar exatamente quantos – e eu vi muitos fenômenos
feitos, conforme se afirmava, por John King. (...) Primeiro ele era John
King, uma personalidade independente; depois era John King,
mensageiro e servo – nunca igualado – dos adeptos vivos e,
finalmente, era um elemental, puro e simples, empregado por HPB”.
(ODL I, 11)

Naturalmente é o segundo John King, “mensageiro e servo – nunca


igualado – dos adeptos vivos” que mais nos interessa.

John King e a Fraternidade de Luxor

Havia naquela época um pequeno jornal independente, chamado de


Spiritual Scientist, que era publicado e editado em Boston, por Gerry
Brown. O jornal era reconhecido como um porta voz do Espiritismo. Havia a
intenção de que HPB, Olcott e Gerry Brown trabalhassem juntos.

Como Brown passava por uma fase financeira difícil, HPB pediu a
Olcott que escrevesse uma circular falando do jornal. Olcott diz ter escrito
toda a circular sem que ninguém tivesse lhe ditado uma palavra sequer.
Quando estava para ser publicada, Olcott perguntou a HPB, por carta, se a
circular deveria ser assinada por ele ou deveria ficar anônima.

Madame Blavatsky então respondeu que ele deveria assinar: “Pelo


Comitê dos Sete, FRATERNIDADE DE LUXOR”, pois o trabalho deles
estava sendo supervisionado por esse comitê. Assim foi publicado no final
de abril.

Quando Olcott mostrou a circular já publicada a HPB ela leu e riu,


mostrando-lhe que as iniciais dos seis parágrafos da circular formavam o
nome do Adepto egípcio, Tuitit. Olcott relata que o aparecimento da palavra
Tuitit lhe causou uma profunda impressão, pois demonstrava que o espaço
não era impedimento para o Instrutor influenciar e dirigir seu pupilo. (ODL I,
76)
HPB colou o recorte da circular em seu Scrapbook e escreveu em
baixo: “Enviado para Gerry Brown por ordem de S*** e T*** B*** de
(p. 64)
Lukshoor. (Publicado e editado pelo Cel. Olcott por ordem de M.)”
Abaixo dessas palavras de HPB. Olcott escreveu, provavelmente anos mais
tarde: “mas inconsciente de qualquer agente exterior. HSO.” (CW I, 87)

A primeira carta que Olcott recebeu veio da “Fraternidade de Luxor”,


em nome de Tuitit Bey. Não se sabe exatamente a data dessa carta mas,
pelo seu conteúdo, pode-se inferir que foi em torno de maio de 1875. Nessa
carta o Irmão “John” já aparece como um elo entre Olcott e a Hierarquia
Oculta:

“Irmã Helena é uma servidora valente e de toda a confiança. Abra


vosso espírito à convicção, tenha fé e ela vos conduzirá ao Portão
Dourado da verdade. (...) Nosso bom irmão ‘John’ na verdade agiu
impetuosamente, mas sua intenção foi boa. Filho do Mundo, se vós
de fato a eles ouvis, então TENTE. (...) Irmão ‘John’ trouxe três de
nossos Mestres para vos olhar após a sessão. Vossas nobres
exortações em favor de nossa causa agora nos dão o direito de vos
deixar saber quem eram:
SERAPIS BEY (Seção de Ellora),
POLYDORUS ISURENUS (Seção de Salomão),
ROBERT MORE (Seção de Zoroastro)
(...) Por Ordem do Grande .:. TUITIT BEY
Observatório de Luxor, Manhã de terça-feira, Dia de Marte.” (HPB
Speaks I, 8)

Há também uma carta de HPB para Olcott que certamente


acompanhou a carta de Tuitit Bey, pois nela Madame Blavatsky explica como
a carta de T.B. havia sido escrita. Ela também confirma que essa era a
primeira carta dos Mestres que Olcott estava recebendo. Nessa carta
Madame Blavatsky escreve:

“Eu a recebi nesse exato momento. Tenho o direito e ousei segurar


por algumas horas a carta enviada a você por Tuitit Bey, pois somente
eu devo responder pelos efeitos e resultados das ordens de meus
Chefes. (...) A mensagem foi ordenada em Luxor, um pouco depois
da meia noite, entre segunda e terça feira. Escrita [em] Ellora, na
aurora, por um dos secretários neófitos, e muito mal escrita. Eu quis
me certificar com T.B. se ainda era sua vontade que ela fosse enviada
num tal estado de rabiscos humanos, uma vez que ela era
direcionada para alguém que recebia uma tal coisa pela primeira vez.”
(HPB Speaks I, 1-2)

(p. 65)
Então, ela revela que sua opinião era que, ao invés dessa carta,
Olcott deveria receber um pergaminho mágico para que, tendo um fenômeno
concreto em suas mãos, ele pudesse dissipar um pouco das dúvidas que os
“truques de John” certamente estavam lhe causando:

“Minha sugestão era deixá-lo ter um de nossos pergaminhos, no qual


o conteúdo aparece (materializado) sempre que você põe seus
olhos sobre ele para lê-lo, e desaparece a cada vez, assim que você
tiver terminado, pois, como respeitosamente inferi, você um pouco
antes tinha ficado confuso com os truques de John e talvez sua
mente, apesar de sua crença sincera, precisasse do reforço de
alguma prova mais substancial.” (HPB Speaks I, 2)

Porém, Tuitit Bey foi contra isso, respondendo que:

“Uma mente que procura as provas da Sabedoria e do Conhecimento


em aparências externas, como nas provas materiais, não é
merecedora de ser introduzida nos grandes segredos do ‘Livro da
Sophia Sagrada’. Aquele que nega o Espírito e o questiona com base
em sua roupagem material, a priori nunca o conseguirá. Tente.”
(HPB Speaks I, 2)

Após alertar Olcott para a repreensão de Tuitit Bey, HPB lhe


aconselha a ir com calma no caminho da busca da Sabedoria, pois nem
sempre “John” estaria a postos para socorrê-lo, evidenciando mais uma vez
o papel de John King como um instrutor nesse Caminho:

“Agora meu conselho para você, Henry, um conselho de amigo: não


voe alto demais, batendo seu nariz nos caminhos proibidos do
Portão Dourado sem alguém para lhe guiar; pois John não estará
sempre lá para pegá-lo a tempo pelo colarinho e trazê-lo a salvo para
casa. O pouco que eles fazem por você é maravilhoso para mim, pois
nunca os vi tão generosos desde o início. (...) Eu sou uma pobre
iniciada, e sei que maldição a palavra ‘Tente’ se provou em minha
vida, e o quão frequentemente eu tremi e temi não compreender bem
suas ordens, e trazer punição sobre mim, tanto por levá-las longe
demais, quanto por não levá-las longe o bastante.” (HPB Speaks I,
3)

(p. 66)
John King como Advogado de HPB

Em junho de 1874, HPB havia feito uma sociedade com a Sra.


Clementine Gerebko com o objetivo de explorar uma fazenda em Northport,
Long Island, que já pertencia a essa senhora. Madame Blavatsky entrou com
mil dólares e, pelo contrato firmado, todo o resultado das plantações, criação
de aves domésticas ou qualquer outro produto gerado na Fazenda seria
dividido igualmente, assim como todas as despesas.

HPB foi morar na fazenda mas logo entrou em litígio com a Sra.
Gerebko e voltou para Nova Iorque, buscando judicialmente ter seu dinheiro
de volta. A firma de advogados Bergen, Jacobs e Ivins de Nova Iorque
representou-a no caso, que foi a julgamento em 26 de abril de 1875.

Naquela época, Long Island, onde ocorreu o julgamento, era distante


do Brooklyn, pois os meios de transporte eram muito limitados. Como o
inglês de HPB ainda era muito pobre, ela deu seu depoimento em Francês,
tendo um intérprete. Por duas semanas o juiz, os advogados, os escrivães,
clientes e intérpretes se hospedaram num hotelzinho. (CW I, 84)

Charles Flint, em seu livro Memories of an Active Life, relata as


circunstâncias do julgamento. Antes da audiência, Ivins havia combinado
com Madame Blavatsky os pontos que ela deveria enfatizar em seu
depoimento e aqueles que deveria evitar. Entretanto, na hora de seu
depoimento, HPB começou a seguir uma linha de argumentação bem oposta
àquela que seus advogados haviam combinado com ela, para desespero dos
mesmos.

Quando eles reclamaram com ela e perguntaram o porquê dessa


atitude, ela respondeu que “seu ‘conhecido’, a quem ela chamava de Tom
[John] King, ficou de pé ao seu lado (invisível a todos exceto para ela
mesma) e lhe ditou o seu depoimento.” (CW I, 85) HPB confirma essa
ajuda de John King numa carta para seu amigo general Lippitt:

“Eu ganhei mais uma ação judicial, e talvez possa recuperar $5.000
do que perdi. John me ajudou na minha ação judicial, isso é certo,
mas ele fez uma coisa muito feia, embora não do ponto de vista do
‘Summerland’ [morada dos espíritos], mas sim de acordo com o
código de honra humano, terreno.” (HPB Speaks I, 90)

(p. 67)
É provável que a “coisa muito feia” a que ela está se referindo seja
uma briga ocorrida entre os dois advogados, aparentemente insuflada por
John King, pois ela escreve ao general Lippitt:

“... Sr. John, em seu ardente desejo de me ajudar, levou seu zelo
longe demais. Ouça o que aconteceu. Após o veredicto, Marks, o
advogado da acusada, me insultou, dizendo que eu havia ganho a
causa através da falsificação de certos documentos. Se eu tivesse
ignorado o insulto, tudo estaria bem, mas eu não o fiz, e chamei meu
advogado para testemunhar o insulto. Meu advogado chamou Marks
de um maldito perjuro, um judeu e um mentiroso. O outro devolveu o
cumprimento, e meu advogado, instigado por John (pois ele diz que
não pode entender como ele fez isso), agarrou-o pelo pescoço e,
jogando-o no chão, lhe deu a mais espetacular surra para o deleite
da audiência e dos jurados, pois isso ocorreu na Sala da Corte, bem
diante do nariz do juiz.” (HPB Speeks II, 175)

Após o julgamento, HPB deixou a cidade e escreveu várias cartas a


Ivins, perguntando sobre o andamento do processo e, finalmente, o deixou
atônito com uma carta onde ela fazia uma previsão da decisão da Corte.
Confirmando sua previsão, a corte lhe deu ganho de causa baseando-se em
argumentos muito semelhantes aos que ela havia antecipado em sua carta.
HPB recebeu 1.146 dólares e as custas.

John King em Filadélfia

O maior número de fenômenos produzidos por John King foi


registrado no período em que Madame Blavatsky estava casada com
Betanelly, morando em Filadélfia. São exatamente esses fenômenos que
fazem dele uma figura tão controvertida. Esses registros aparecem nas
cartas de HPB, de Olcott e de Betanelly para o general Lippit. Betanelly
escreve:

“Não há fim para essas maravilhas. Embora eu seja um espírita há


apenas 5 meses, tenho visto e testemunhado mais manifestações de
espíritos, e vejo mais delas a cada dia, do que muitos outros viram
em suas longas vidas.
“Não tenho tempo, nem espaço, para lhe contar tudo que J.K.
faz conosco mas, se contado, daria a mais notável história jamais
escrita sobre manifestações de espíritos.” (HPB Speaks I, 60)

(p. 68)
Diz ainda Betanelly que durante o dia John King “apenas dá batidas
e circula pela casa. Mas à noite ele se materializa e caminha pela casa
assustando os empregados.” (HPB Speaks I, 95) Betanelly conta também
um episódio em que John King queria que ele e HPB lhe dessem $50 cada
um:

“John sempre lhe pede dinheiro. Algumas vezes ela [HPB] lhe dá,
outras não, então ele rouba, e depois aparece e lhe conta para
provocá-la. Ele pediu a ela $50, mas ela não lhe deu, porque ele não
disse a razão. Então ele me pediu, e me disse que se eu lhe
prometesse os $50, ele faria um homem, que me devia $500, me
pagar. Então ele disse à Madame B. e barganhou com ela, que se ele
conseguisse $100 de um homem que devia a ela, e não queria pagar,
ela teria que lhe dar $50. John manteve sua palavra e no sábado ela
recebeu $100 do homem, sem lhe pedir, e eu recebi os meus $500.
John disse que ‘psicologizou’ aos dois; e isso deve ter acontecido,
pois ele conseguiu o dinheiro. Ela deu a John $50. E os meus $50,
ele disse, eu devo a ele, e pagarei quando ele me pedir. Nós
colocamos o dinheiro na escrivaninha de John, sua mesa particular,
com seus papéis e correspondências, que ninguém na casa ousa
tocar, pois ele pregará suas peças.” (HPB Speaks I, 94)

É interessante atentarmos para o fato de que o poder, presença e


influência de John King eram tão intensos que ele até mesmo possuía sua
escrivaninha particular, onde precipitava suas correspondências. Madame
Blavatsky relata ao general Lippitt que John King se correspondia
diretamente com várias pessoas, entre elas Olcott. Não há notícias do
paradeiro dessas cartas. HPB escreve:

“Você ouviu falar do fenômeno que John fez para Olcott? Ele
realmente lhe escreveu uma longa carta e, ao que parece, ele próprio
postou-a, e nela lhe contou alguns segredos maravilhosos. Ele é um
ótimo sujeito, o meu John.” (HPB Speaks I, 63)

“... ele está tão poderoso que ele mesmo, de fato, escreve cartas sem
a ajuda de qualquer médium. Ele se corresponde com Olcott, com
Adams, com três ou quatro senhoras que eu nem mesmo conheço;
vem e me conta ‘o bom divertimento que ele teve com eles’, e como
ele os iludiu. Eu posso lhe dar o nome de dez pessoas com quem ele
se corresponde.” (HPB Speaks I, 85)

(p. 69)
A moça que trabalhava na casa era uma médium e muitas vezes “ela
gritou na escada ao encontrar ‘John King’ nos degraus ou no corredor;
com sua poderosa figura vestida de branco, contando que ele ‘a olhou
de forma penetrante’, com seus negros olhos de fogo. E mais de uma
vez o viu perto de mim, como ela contou aos meus visitantes.” (HPB
Speaks I, 242) Certa vez John King assustou-a terrivelmente quando chegou
a correspondência, pois ele:

“... abriu cada uma delas antes que o carteiro tivesse tempo de
entregá-Ias. Minha empregada, que é magnificamente mediunística –
talvez tanto quanto é estúpida – e que passa todo o dia em transe
desmaterializando tudo na cozinha, entrou correndo em meu quarto,
meio chorando e tão assustada que estava muito pálida, me dizendo
que “aquele espírito amigo, grandão, de barba preta, rasgou e
abriu os envelopes bem na minha mão” e, então, eu li sua carta
(de Lippitt).” (HPB Speaks I, 83)

O Clube de Milagres

A publicação de People From the Other World trouxe para Olcott


um maior reconhecimento público em sua capacidade de testar médiuns. Em
maio de 1875 Olcott criou o “Clube dos Milagres”, uma organização que
pretendia juntar pessoas interessadas em pesquisar os fenômenos
paranormais. O grupo se reunia uma vez por semana com o médium, numa
sala iluminada, onde as manifestações então ocorriam a portas fechadas.
(Gomes 1987, 81)

Em 27 de maio de 1875, o Spiritual Scientist noticiou o progresso


das atividades do Clube de Milagres. Em seu Scrapbook, HPB escreveu
logo abaixo do recorte:

“Uma tentativa em consequência de ordens recebidas de T*** B***


através de P***, personificando JK ▼. Ordenada a começar dizer ao
público a verdade sobre os fenômenos e seus médiuns. E agora meu
martírio começará! Terei contra mim todos os espíritas, além dos
cristãos e dos cépticos! Seja feita a Tua vontade, Oh M.! HPB” (CW
I, 90)

O médium escolhido foi David Dana, irmão de Charles Dana, editor


do New York Sun. David era um visitante assíduo de HPB, que
(p. 70)
tinha grandes esperanças que ele pudesse auxiliar. Infelizmente a
experiência não deu certo. David os decepcionou e ainda saiu espalhando
calúnias. (Ransom, 73-74)

Em maio, quando David Dana e uma amiga francesa de HPB, a Sra.


Magnon estavam na casa de HPB, ela novamente teve uma doença bastante
séria, passando alguns dias completamente fria e desacordada. Enquanto
isso John King tomava conta da casa de sua “amada Ellie” (HPB).
Recuperada, Madame Blavatsky descreve o ocorrido, fazendo uma
brincadeira com o “king” de John King, que em inglês significa “rei”:

“Agora, com relação a John King, aquele rei dos traquinas


condenados (“king of mischievous reprobates”). O que ele fez aqui
pela casa, enquanto eu estava doente, na cama, a ponto de morrer,
três volumes não poderiam expressar! (...) O fato é que nunca se
sabe o que ele pode fazer logo a seguir. (...)
“Ele rouba tudo na casa; outro dia, na época em que eu estava
tão doente, ele trouxe $10 para Dana; pois Dana havia lhe escrito de
manhã em seu quarto, secretamente, pedindo-lhe o dinheiro (Dana
o conhece há 29 anos). Ele trouxe $10 para o Sr. Brown; trouxe um
anel de rubi para a Sra. Magnon, o qual ela havia perdido há meses
(se tinha perdido ou se ele havia sido roubado, eu não sei) para
‘recompensá-la’, ele disse, pois ela havia tomado conta de ‘sua
amada Ellie’ (pobre ego)”. (HPB Speaks I, 83-85)

Outros detalhes da maneira intrigante como John King agia e – o que


é mais desconhecido e surpreendente – de sua ascendência sobre Madame
Blavatsky, nos são por ela mesma revelados:

“Ele me ama, eu sei, e faria por mim mais do que por qualquer outra
pessoa; [ainda assim] veja as peças que ele me prega quando
contrariado: à menor coisa que eu não faça como ele gostaria que eu
fizesse, ele começa a se fazer de velho Harry, fazendo travessuras –
e que travessuras. Ele me xinga horrivelmente, me chama dos nomes
mais assombrosos, ‘nunca antes ouvidos’; vai aos médiuns e lhes
inventa histórias sobre mim, dizendo-lhes que feri seus
sentimentos, que sou uma mentirosa maliciosa, uma ingrata e assim
por diante (...). Ele falsifica a letra das pessoas e cria problemas nas
famílias; ‘ele desaparece e aparece rápida e inesperadamente’ como
algum Deus ex machina infernal; ele esta em todo lugar ao mesmo
tempo,
(p. 71)
e mete seu nariz nos negócios de todo mundo. Ele me prega as mais
inesperadas peças – algumas vezes peças perigosas, me indispõe
com as pessoas e, então, vem rindo e me conta tudo o que fez, se
gabando e me provocando. (...)
“Há alguns dias ele queria que eu fizesse algo que eu não
queria fazer, pois eu estava doente e não achava aquilo correto;
[então] ele jogou em mim um cáustico pedaço de pedra ‘infernale’,
que estava chaveado num porta-joias dentro das gavetas, e queimou
minha sobrancelha direita e minha bochecha. E, na manhã seguinte,
quando minha sobrancelha se tornou preta como o azeviche, ele riu
e disse que eu parecia uma ‘bela moça espanhola’. Agora vou ficar
marcada pelo menos por um mês. Sei que ele me ama, eu sei disso,
ele é devotadamente ligado a mim, mas me xinga da maneira mais
vergonhosa, o miserável criador de problemas. Ele escreve longas
cartas para as pessoas sobre mim, faz elas acreditarem nas coisas
mais horríveis e, então. se gaba disso!” (HPB Speaks I, 85-86)

Todo esse comportamento – tão atípico – pode nos fazer acreditar


que a hipótese de Olcott, de que havia mais de um John King, seja a
explicação mais plausível. Essa é, de fato, uma hipótese muito conveniente,
pois desse modo as ações que condenamos, ou que não entendemos,
passam a ser atribuídas a um “Diakka”, isto é, a um espírito que
“experimenta um prazer insano em pregar peças, em fazer truques
ilusivos, em personificar papéis contraditórios”. (Isis Unveiled I, 219)
Contudo, a própria HPB descarta essa hipótese, ao escrever ao general
Lippitt:

“Suas ideias e as minhas sobre o mundo dos espíritos são duas


coisas diferentes. Meu Deus! Você talvez pensará: ‘John é um
Diakka’, ‘John é um espírito mau, um espírito brincalhão e
malicioso’, mas ele não é nem um pouco isso.” (HPB Speaks I, 87)
Além disso, tal hipótese não é sustentável logicamente quando
consideramos que, nessa época, Madame Blavatsky já havia desenvolvido
extraordinariamente seus poderes psíquicos e, mesmo assim, o “espírito”
John King, exercia um grande poder e influência sobre ela. Com ele, ela nada
podia fazer, nem mesmo prever suas travessuras, como ela atesta:

“Atualmente, por exemplo. a natureza me dotou muito


generosamente com a segunda visão, ou dons clarividentes, e eu
geralmente posso ver o que eu estiver ansiando ver; mas eu nunca
posso
(p. 72)
pressentir suas travessuras, ou ficar sabendo delas, a menos que
ele próprio venha e me diga.” (HPB Speaks I, 87)

Com relação ao grau de desenvolvimento psíquico alcançado por


HPB, sua irmã, Vera Jelihosvsky comenta que de 1866 em diante:

“... HPB não é mais vítima de ‘influências’, as quais, sem dúvida,


teriam triunfado sobre uma natureza menos forte do que a dela;
mas, ao contrário, é ela quem submete essas influências – sejam
elas quais forem – à sua vontade.” (Sinnett 1886, 152)

Desse modo, fica claro que o desenvolvimento psíquico que Madame


Blavatsky possuía era tal que jamais permitiria que um espírito desencarnado
tivesse tanto poder e influência sobre ela. E um elemental – um mero servo
seu na produção de fenômenos – certamente também não teria qualquer
ascendência sobre ela.

Por mais difícil que seja “digerir” o comportamento do “rei dos


traquinas condenados”, dos três John Kings descritos por Olcott, devemos
concluir que o John King do período em que ela viveu em Filadélfia, e de
quem HPB afirmou estar em dívida “pela mudança radical em minhas
ideias sobre a vida”, só pode ser aquele que é o “mensageiro e servo –
nunca igualado – dos adeptos vivos”.

John King – Um Iniciado

William Stainton Moses foi um médium inglês que escreveu vários


livros sob o pseudônimo de “M.A. Oxon” e que se comunicava com uma
entidade que se autodenominava “Imperator”. O contato dele com Olcott e
Madame Blavatsky começou em 1875, a partir da publicação do livro de
Olcott People from the Other World gerando uma amizade estreita que
durou muitos anos. Numa carta, referindo-se a John King como sendo um
iniciado, Olcott recomenda que Moses tentasse conversar com ele através
de médiuns da época:

“Tente conseguir uma conversa particular com ‘John King’ – ele é um


iniciado, e suas leviandades de fala e de ação têm o propósito de
encobrir questões sérias. Você pode encontrá-lo no Herne ou no
Williams e combinar, em particular, para que ele venha e converse
com você e traga outros.” (Godwin 1990, 108)

(p. 73)
Portanto, em julho de 1875, Olcott ainda não usava a “desculpa” de
um espírito desencarnado para justificar o comportamento atípico de John
King e revela que esse comportamento tinha a intenção de encobrir questões
sérias. Mas a verdade é que, apesar de Olcott demonstrar conhecer esse
lado de John King, em algumas ocasiões ele ainda se sentia confuso e
desconfiado com relação aos seus métodos. O Mestre Serapis lhe chama a
atenção por essa atitude, dizendo que:

“O guardião estava agindo, tentando envenenar seu coração com a


dúvida negra e fazê-lo desacreditar nosso bom John. Você o magoou
muito, pois mesmo que vinculado de outro modo à terra, e
compartilhando em grande medida das frágeis imperfeições
humanas, ainda assim nosso Irmão John é verdadeiro e nobre em
seu coração, e incapaz de deliberadamente decepcionar um amigo.”
(LMW 2nd Series, 24)

Há várias cartas do Mestre Serapis para Olcott que mencionam John


King. Enquanto estava em Boston, por exemplo, Olcott tinha que encaminhar
relatórios diários para a “Loja” através de John King:

“Escreva diariamente para nossa Irmã que está sofrendo. Conforte


seu coração dolorido e perdoe as deficiências infantis de alguém cujo
verdadeiro e fiel coração não compartilha dos defeitos resultantes de
uma tenra infância mimada. Você deve endereçar seus relatórios e
notas diárias para a Loja, enquanto estiver em Boston, através do
Irmão John, não omitindo os sinais cabalísticos de Salomão no
envelope.” (LMW 2nd Series, 39)

“Irmão Henry deve apresentar relatório todas as noites e, tendo


apresentado sua opinião sobre o trabalho do dia, postá-la para o
endereço de nosso bom Irmão John, envolvendo os sinais do
envelope com o selo do Rei Salomão.” (LMW 2nd Series, 40)

Esse símbolo do rei Salomão, isto é, os dois triângulos entrelaçados,


também conhecido como o “triângulo duplo” veio depois a fazer parte do
símbolo da Sociedade Teosófica. Ele simboliza “as seis direções do
Espaço, a união e fusão do Espírito puro com a Matéria”. (Glossário
Teosófico, 718)

(p. 74)
O Anel Duplicado Fenomenicamente por HPB em 1876

É provável que Olcott marcasse o sinal do selo de Salomão no


envelope utilizando um sinete que possuía na época. Ele conta que em 1876,
HPB fez uma duplicação fenomênica de seu sinete. Olcott relata que numa
noite, quando HPB e ele recebiam vários convidados, ela lhe pediu
emprestado um grande sinete entalhado que ele estava usando como anel
de gravata. Então:

“Ela pegou-o entre suas mãos fechadas, sem dizer nada a ninguém
e sem atrair a atenção de qualquer um exceto a minha, esfregou as
mãos por um minuto ou dois, quando eu ouvi o tilintar de metal sobre
metal. Ela sorriu chamando a minha atenção e, abrindo suas mãos,
mostrou-me outro anel junto com o meu, igualmente grande, mas de
um padrão diferente: a placa do sinete sendo de uma jaspe
sanguínea (“bloodstone”) verde escuro, enquanto que a minha era
uma cornalina vermelha. Aquele anel ela usou até sua morte, e agora
é usado pela Sra. Annie Besant, e é familiar a milhares de pessoas.
A pedra quebrou-se na nossa viagem para a Índia e, se me lembro
corretamente, a do anel em questão foi esculpida e engastada em
Bombay.” (ODL I, 347)

Ao que tudo indica Olcott, que escreveu o primeiro volume do Old


Diary Leaves de memória, não se lembrava corretamente. Pois, segundo
Jinarajadasa e a própria Annie Besant, o anel que ela passou a usar foi o
que Francesca Arundale mandou fazer em 1884.

É de se supor que esse anel duplicado por HPB fosse muito parecido
com o outro, o que teria causado a confusão de Olcott. Na verdade, Olcott
também pode não estar se recordando bem da data do fenômeno, pois há
uma foto, de setembro de 1875, onde Madame Blavatsky aparece com um
grande anel, bem arredondado, também com uma pedra escura onde,
contudo, só estava gravado o símbolo dos dois triângulos entrelaçados.
(Gomes 1987, 83)

De acordo com C. Jinarajadasa, em 1884, quando HPB estava em


Londres com Francesca Arundale, ela mencionou que gostaria de ter um
anel de sinete. A Srta. Arundale ofereceu-se para mandar fazê-lo:

“HPB concordou e lhe deu o desenho – o triângulo duplo e abaixo


dele a palavra sânscrita, Sat, Verdade. Então, a Srta. Arundale
perguntou a HPB se ela se importaria que ela (Srta. Arundale)
(p. 75)
tivesse um anel semelhante para ela mesma. HPB não tinha objeção.
Duas pedras, ágatas de um verde muito escuro quase preto, foram
cortadas com o mesmo desenho, ambas exatamente iguais. O sinete
de HPB foi fixado num pesado anel de ouro, sendo a pedra montada
numa moldura oval com uma dobradiça, de modo que fosse a tampa
de um compartimento muito raso. O da Srta. Arundale foi montado
num anel mais leve. A Srta. Arundale usou sempre seu anel e, por
ocasião de sua morte, ele passou para seu sobrinho, Bispo George
S. Arundale, que posteriormente doou-o para os Arquivos da EE.”
(Jinarajadasa 1931, 662)

Jinarajadasa relata ainda que HPB usou seu anel desde 1884 até o
dia de sua morte e que, algum tempo antes de seu falecimento, ela teria
deixado instruções ao Círculo Interno de que o anel deveria ser dado para
Annie Besant após a sua morte. Como nessa ocasião, em 8 de maio de 1891,
Besant estava nos EUA, o anel só lhe foi entregue depois, na sua volta.

Muitos acreditam que esse anel tem sido passado pelos presidentes
da Sociedade Teosófica (Adyar) para seus sucessores. Porém, há uma outra
versão defendida por aqueles que seguiram Judge quando ocorreu a
divergência entre ele e Besant – e a consequente criação de outra Sociedade
Teosófica (Point Loma), atualmente com sede em Pasadena (USA). De
acordo com eles, o anel que pertenceu a HPB não teria ficado com Besant,
mas sim com Judge. (Informativo HPB Nº 2)
O Autorretrato de John King (março de 1875)

No início de março de 1875, HPB escreve ao general Lippitt que iria


lhe mandar um autorretrato de John King, no qual ele aparece “em sua
sacada no Summer-Land”. (HPB Speaks I, 57) Elaborada em cores sobre
um pedaço de cetim branco, essa pintura mostra no centro a cabeça e parte
do tronco de um homem, com barba preta cerrada, vestindo um turbante e
vestes brancas.

Ele está de pé numa sacada, rodeado por folhagens e uma grande


grinalda de flores. Ao fundo, à direita, há pálidas figuras humanas e, à
esquerda, uma construção que lembra um castelo à beira de um lago. Na
pintura John King está segurando um grande livro com símbolos
(p. 76)

Autorretrato de John King.

(p. 77)
em sua capa. Na pilastra da sacada aparecem os símbolos do selo de
Salomão e da suástica. Diz Gomes que:

“Esta pintura está preservada na sede da ST em Adyar, Índia. As


cores ainda são extraordinariamente brilhantes para sua idade; o
cetim desbotou apenas em um lugar. Ela foi levada para Londres em
junho de 1893 por W.Q. Judge, então presidente da Seção Americana
da Sociedade, como um presente do general Lippitt para Annie
Besant.” (Gomes 1987, 211)

Olcott descreve numa carta para o general Lippitt como o retrato foi
feito. (HPB Speaks I, 78) HPB comprou um pedaço de um fino cetim branco
do tamanho requerido (0,91 m²), que foi colocado numa prancheta, junto com
pincéis, tintas e água. Todo esse material foi coberto com um pano e deixado
por toda a noite na sala especialmente dedicada aos “espíritos”.

Pela manhã toda a parte superior da pintura e a face de John estavam


esboçados e havia um colorido à volta das figuras humanas, no fundo. John,
então, pediu a HPB que começasse a grinalda de flores que fica à volta,
como uma moldura. Porém, como Madame Blavatsky trabalhava “muito
devagar quando ele não me ajuda ou o faz ele mesmo” (HPB Speaks I,
57), John, insatisfeito com o trabalho dela, dispensou-a. Quando chamou-a
de volta, toda a folhagem superior e a sacada de mármore estavam
delineadas. HPB passou então a trabalhar nessa folhagem e, daí por diante,
limitou-se exclusivamente a pintar esse pedaço. Olcott relata:

“John Fez todo o restante ele mesmo – por partes, algumas vezes de
dia e algumas vezes à noite. Eu estava na casa durante a maior parte
desse tempo e em mais de uma ocasião sentei-me próximo dela
[HPB] enquanto pintava, e com ela saí da sala por alguns minutos
enquanto o espírito artista desenhava alguma parte da pintura,
embaixo do pano que cobria sua face. As palavras gregas e hebraicas
e os símbolos cabalísticos foram as últimas coisas a serem
colocadas.” (HPB Speaks I, 78)

Escrevendo para Lippitt, Betanelly refere-se à produção da pintura


que John King estava fazendo no cetim:

“Eu ainda não a vi, pois ele não quer que ninguém a veja antes que
ele a termine completamente. (...) John levou embora seu próprio
retrato da moldura por duas vezes, ficou com ele por alguns dias e
trouxe-o de volta – e tudo tão rápido como um raio.” (HPB Speaks I,
59)

(p. 78)
No início de abril a pintura foi enviada para o general Lippitt, com o
pedido de que ele nunca se separasse dela, e que não “deixasse que
muitas pessoas a tocassem, ou até mesmo se aproximassem muito
dela.” (HPB Speaks I, 65) Madame Blavatsky comenta a reação de Lippitt
à pintura:

“Eu estou contente que você tenha gostado da pintura de Johny, mas
você não deve chamá-Io de turco, pois ele é um nobre e querido
espírito, e gosta muito de você. Não é culpa de ninguém se você
ainda não o viu, até agora, como ele é na realidade, e sempre o
imaginou parecido com o velho médico judeu meio materializado que
geralmente lhe era apresentado nos Holmes. Apenas em Londres ele
aparece como ele é; mas ainda trazendo, em suas queridas feições,
alguma semelhança com seus respectivos médiuns, pois é difícil para
ele mudar completamente as partículas extraídas por ele de vários
poderes vitais.” (HPB Speaks I, 65)
Ao enviar a pintura para Lippitt, Madame Blavatsky também lhe
escreveu:

“John pede que você dê atenção à figura do espírito que paira acima
– ‘a mãe e filho’. Diz que você vai reconhecê-la. Eu não a reconheci.
Johny quer que você tente e compreenda todos os símbolos e sinais
maçônicos colocados.” (HPB Speaks I, 64).

Lippitt não reconheceu o espírito e, posteriormente, Madame


Blavatsky identificou-o como sendo a imagem de Katie King, que havia
aparecido em várias sessões ao general. (HPB Speaks I, 66) Mas, quanto
aos símbolos que ele devia tentar compreender, HPB comenta:

“Até que todo o significado dos símbolos na pintura de John seja


descoberto, John não pode ensinar às pessoas – e declina de torná-
las mais sábias. ‘Tente’ e descubra-o, se puder.” (HPB Speaks I, 73)

O uso da palavra ‘tente’ – característico nas cartas do Mestre Serapis


– e a referência a John King como alguém apto a tornar as pessoas mais
sábias, são mais um reforço à hipótese de que ele era um membro da
Hierarquia Oculta e, como vimos, hierarquicamente superior a HPB.

Olcott numa carta para Lippitt explica que as palavras gregas e


hebraicas e os símbolos cabalísticos da pintura “eram conhecidos de
todos os estudantes da Cabala” e que as palavras:

(p. 79)
“... e os símbolos e a joia que John King usa sobre seu peito são todos
símbolos Rosacruzes, tendo sido ele um irmão da Ordem, e sendo
esse o laço que o liga à nossa dotada amiga Madame de B.” (HPB
Speaks I, 79)

É importante notar que Olcott refere-se a John King como sendo “um
irmão da Ordem” e que esse é o “laço que o liga” à Madame Blavatsky.

HPB também menciona a ligação de John King com uma Ordem, ou


Fraternidade, ao escrever para Lippitt que as cartas ditadas por espíritos que
ele recebera, que aparentemente não significavam nada, eram instruções
para os espíritas dos Estados Unidos, escritas num alfabeto cifrado, isto é:

“... o cabalístico, empregado por Rosacruzes e outras Fraternidades


das Ciências Ocultas. Eu não estou em liberdade para lê-las para
você, até ter a permissão. Não considere essas palavras como uma
artimanha. Eu lhe dou minha palavra de honra de que é assim. É
claro que John sabe escrever dessa maneira, pois ele pertenceu,
como você soube, a uma das ordens. Preserve tudo que você possa
receber desse modo muito cuidadosamente.” (HPB Speaks I, 97)

Observe-se que em 1874 HPB se declarava uma “rosacrusiana” (CW


I, 100), mas num artigo em junho de 1875 escrevia que “estritamente
falando, os Rosacruzes agora nem mesmo existem, tendo o último
daquela Fraternidade partido com a pessoa de Cagliostro.” (CW I, 103)
Ora, se ela se declarava uma Rosacruz, mas dizia que o último dessa
Fraternidade havia partido com Cagliostro, ela devia estar se referindo a uma
Fraternidade – ou Ordem – num sentido mais elevado, ou seja, ligada à
Hierarquia Oculta. Portanto, se essa Fraternidade era o laço que ligava
HPB a John King, então, ele também seria um membro da Hierarquia
Oculta.

Essa hipótese é reforçada por Olcott quando revela que em 1874


HPB usava sobre seu peito, em forma de joia, um emblema místico de uma
Fraternidade Oriental à qual pertencia. Essa joia que HPB usava é descrita
como sendo a misteriosa jóia do 18° Grau Rosacruz, que teria pertencido ao
próprio Cagliostro (Taylor, 79). Escreve Olcott:

“Se Madame de B. foi admitida para dentro do véu ou não [nos ramos
superiores da Magia Branca], pode-se apenas conjeturar, pois ela é
muito reticente sobre
(p. 80)
esse assunto, mas seus dons surpreendentes parecem impossíveis
de serem explicados com qualquer outra hipótese. Ela usa sobre seu
peito um emblema místico em forma de jóia, de uma Fraternidade
Oriental e é, provavelmente, a única representante nesse país dessa
irmandade, a qual (como Bulwer observa) ‘numa época mais antiga,
era a possuidora de segredos dos quias a Pedra Filosofal era o
menor; que se considerava a herdeira de tudo que os Caldeus,
os Magi, os Gimnosofistas e os Platônicos haviam ensinado; e
que diferiam de todos os filhos sinistros da Magia, pela virtude
de suas vidas, pela pureza de suas doutrinas e pela sua
insistência, como o fundamento de toda Sabedoria, na
subjugação dos sentidos e na intensidade de Fé Religiosa’.”
(Olcott 1875, 453)

John King Cura a Perna de HPB (abril de 1875)

Em janeiro de 1875, Madame Blavatsky havia caído no chão ao tentar


mover a armação de uma cama pesada, machucando seriamente o joelho e
quase quebrando a perna, obrigando-a a permanecer em repouso (HPB
Speaks II, 163). Em meados de abril, HPB relata que John King havia curado
sua perna, mas que, como ela não cumpriu com o repouso, a perna piorou
novamente:

“Minha perna está pior que nunca. John a curou completamente, e


me ordenou repousar por três dias. Eu negligenciei isso e desde
aquele dia sinto que ela está ficando cada vez pior.” (HPB Speaks I,
75)

Betanelly escreve para Lippitt, preocupado, pois não havia meios de


HPB melhorar:

“Dr. Pancoast, que estava atendendo-a desistiu, dizendo que


dificilmente poderia fazer qualquer coisa, uma vez que a paralisia
estava se aproximando ou talvez ainda pior, a amputação da perna
poderia ser necessária. Eu não sei o que fazer. E imagine que nesse
exato momento em que ela está tão doente, ela continua escrevendo,
trabalhando e se correspondendo todo o tempo, quando, pelo
conselho do doutor, ela precisa ficar quieta e não preocupar seu
cérebro. Eu acredito que a doença dela é parcialmente causada pela
falta de cuidado consigo mesma e pelo
(p. 81)
excesso de trabalho. Embora ela ajude aos outros, ela não pode, ou
não quer ajudar a si mesma, nem mesmo para curar sua perna.”
(Gomes 1987, 76)

Em 26 de maio Betanelly escreve para Olcott dizendo que a perna de


HPB “está ficando paralisada e pode ser necessário amputá-la”. (CW I,
lvi) Ocorre então uma mensagem precipitada por John King na carta, dizendo
que ele a curaria. (CW I, lvi). Nessa data, HPB manda Betanelly embora, pois
ela estava se sentindo muito mal e queria ficar sozinha. Em 12 de junho ela
escreve para o general Lippitt:

“Você precisa agradecer a “John King” se sua última carta teve


qualquer resposta, pois o Sr. Betanelly foi para o Oeste. Eu o mandei
embora pelo dia 26 de maio, quando supunham que eu estava tão
doente, e os doutores começaram a pensar em me privar da minha
melhor perna. Pois eu pensei, nessa hora, que estava indo “para o
andar de cima” pour de bon [para melhor] e, como detesto ver caras
tristes, lamentações, choradeira e coisas desse tipo quando estou
doente, mandei-o embora. (...) eu lhe disse que estivesse pronto para
voltar quando lhe escrever que estou melhor, ou quando alguma outra
pessoa lhe escrever que eu fui para casa, ou “chutei o balde” como
“John” muito bondosamente me ensinou a dizer. Bem, eu ainda não
morri (...) mas ainda estou na cama, muito fraca, irritada, e
geralmente me sinto enlouquecida das 12h às 24h. Então ainda
mantenho o camarada longe, para benefício dele e meu próprio
conforto.” (HPB Speaks I, 80)

No início de junho, além da perna, HPB passa novamente por uma


estranha doença, às vezes parecendo estar morta, sendo um quebra-cabeça
para os médicos. O máximo da crise foi alcançado à meia noite de 3 de junho.
Seus acompanhantes chegam a pensar que ela estava morta, pois jazia fria,
sem pulso e rígida. Sua perna machucada dobrou de tamanho, ficou preta e
seu médico desistiu de fazer qualquer coisa, dizendo que ou amputavam a
perna imediatamente ou ela não sobreviveria. Entretanto, dentro de algumas
horas, o inchaço passou e ela reviveu (CW I, lvi). Em meio de junho, quando
Betanelly retornou, escreve para Lippitt que HPB ainda estava muito doente:

“Todos estes dias Madame estava sempre na mesma: três ou quatro


vezes ao dia, perdendo energia e deitada como se estivesse morta,
por duas ou três horas a cada vez, quando o pulso e o coração
(p. 82)
paravam, e ficava fria e pálida como uma morta. John King disse a
verdade imediatamente, em tudo. Ela estava num tal transe segunda-
feira de manhã e à tarde, das três às seis, que nós pensamos que ela
estava morta. As pessoas dizem que, nessas ocasiões, o espírito dela
viaja, mas eu não sei nada disso, e simplesmente pensei muitas
vezes que tudo estava acabado. (...) John fez coisas estranhas,
materializou sua cabeça e a beijou, mas como ela não gosta de ser
beijada, quando ela melhorou, o xingou e eles ficavam sempre
brigando, como você lembra; pois ela detesta quando ele beija nos
lábios.” (HPB Speaks I, 93-94)
Essa também é a época aproximada em que, nas palavras de Olcott,
“uma certa maravilhosa transformação psíquico-fisiológica ocorreu em
HPB, sobre a qual eu não estou em liberdade para falar e de que
ninguém, até agora, suspeitou”. (ODL I, 18)

O fato é que, sem dúvida, foi uma época do treinamento oculto de


HPB em que seus poderes psíquicos passaram por transformações. Há
pouco tempo ela havia adquirido dons de clarividência: “Atualmente, por
exemplo, a natureza me dotou muito generosamente com a segunda
visão, ou dons clarividentes”. (HPB Speaks I, 87) Outras transformações
em suas capacidades psíquicas também estavam ocorrendo nesse período.

Não é Mediunidade: É de Uma Ordem Totalmente Superior

Na época em que Ísis Sem Véu foi publicada, Vera Jelihovsky


começou a ficar muito preocupada, pois sua irmã Helena estava escrevendo
de uma maneira que, poucos anos antes, teria sido impossível. Ela não
conseguia entender como HPB havia adquirido um tal conhecimento, que
levava a imprensa americana e inglesa a exaltá-la. Havia rumores de que a
fonte desse conhecimento era “bruxaria”, o que atemorizava a família. Vera
então escreve à irmã, implorando por uma explicação e HPB lhe responde:

“Não tenha medo de que eu esteja louca. Tudo o que posso dizer é
que alguém positivamente me inspira – ... mais do que isso: alguém
entra em mim. Não sou eu quem fala e escreve: é algo dentro de mim,
meu Eu superior e luminoso, que pensa e escreve
(p. 83)
por mim. Não me pergunte, minha amiga, o que eu experimento,
porque não poderia lhe explicar claramente. Eu mesma não sei! A
única coisa que sei é que agora, quando estou para alcançar a
velhice, me tornei uma espécie de depósito do conhecimento de outra
pessoa ... Alguém vem e me envolve como uma névoa, e de repente
me empurra para fora de mim mesma, e então não sou mais ‘eu’ –
Helena Petrovna Blavatsky – mas uma outra pessoa. Alguém forte e
poderoso, nascido numa região completamente diferente do mundo;
e, quanto a mim, é quase como se eu estivesse dormindo, ou deitada
não bem inconsciente – não em meu próprio corpo, mas perto dele,
presa apenas por um fio que me amarra a ele.” (Letters of H.P.
Blavatsky, I)

HPB também descreve para sua irmã que essa dualidade ou


processo desse “Alguém” habitando seu corpo, estava ocorrendo desde a
época em que ela quase havia amputado sua perna, ocasião em que foi
completamente curada por um negro, a mando de seu “Sahib”:

“Ele me curou completamente. E bem por essa época eu comecei a


sentir uma dualidade muito estranha. Várias vezes por dia, eu sinto
que, além de mim há alguém mais, bem distinguível de mim, presente
em meu corpo. Nunca perco a consciência de minha própria
personalidade; o que sinto é como se eu estivesse me mantendo
quieta e o outro – o hóspede que está em mim – estivesse falando
com a minha língua. (...) Mas qual a utilidade de falar sobre isso? É
algo suficiente para deixar alguém maluco. Eu tento me entregar à
tarefa e esquecer a estranheza de minha situação. Isso não é
mediunidade e de modo algum é um poder impuro; pois isso tem uma
ascendência forte demais sobre nós todos, nos conduzindo a um
melhor estado de ser. Nenhum diabo agiria dessa maneira.
‘Espíritos’, talvez? Mas se admitíssemos essa hipótese, como
explicar que meus antigos ‘espectros’ não ousam mais se aproximar
de mim? Basta que eu entre numa sala onde está sendo realizada
uma sessão para parar todos os tipos de fenômenos imediatamente,
especialmente as materializações. Ah não, isso é de uma ordem
totalmente superior! Mas fenômenos de uma outra espécie ocorrem
mais e mais frequentemente sob a direção de meu Nº 2.” (Letters of
H.P. Blavatsky, I)

(p. 84)
Para sua tia Nadya ela reafirma tanto a cura quanto a dualidade que
ela vivenciava:

“Quando minha perna tinha que ser operada (eles queriam operar
quando a gangrena estava se desenvolvendo), o ‘dono da
hospedaria’ (‘host’) me curou. Ele estava todo o tempo de pé,
próximo a um velho negro, e ele pôs um pequeno prendedor branco
em minha perna. Você se lembra que eu lhe escrevi sobre esse
incidente? Agora, ele vai em breve me levar, a Olcott e a vários outros
para a Índia para sempre, nós apenas precisamos primeiro organizar
a Sociedade em Londres. Se ele ocupa outros corpos além do meu,
eu não sei. Mas sei que quando ele não está aqui – às vezes por
muitos dias – eu frequentemente ouço sua voz e lhe respondo
‘através do mar’; Olcott e outros também muitas vezes veem sua
sombra, algumas vezes ela é sólida como uma forma viva, várias
vezes como fumaça; ainda mais frequentemente não é vista, mas
sentida.
“Somente agora estou aprendendo a sair de meu corpo; tenho
medo de fazê-lo sozinha, mas com ele não tenho medo de nada.”
(HPB Speaks I, 224)

John King – o “Sahib” de HPB

Observemos que HPB está dizendo para sua tia e para sua irmã que
esse “alguém”, “dono da hospedaria”, “Nº 2” ou “Sahib” – aquele que
ocupava o corpo dela, que a fazia passar por uma vida dupla, que a ensinava
“a sair do corpo” e em companhia de quem ela “não tinha medo de nada”
– havia sido também o responsável pela cura de sua perna!

Ou seja, o “dono da hospedaria” ou “Sahib” era John King – o seu


“único amigo”, aquele com quem ela estava “em dívida pela mudança
radical em suas ideias sobre a vida, seus esforços e assim por diante”;
aquele que a “transformou”. (Solovyoff, 247) Vendo John King nesse
papel de instrutor de HPB, responsável até mesmo pelo treinamento e
desenvolvimento de seus poderes, começamos a entender melhor a dívida
que ela diz ter com ele.

Porém, além de ser um membro da Hierarquia Oculta com esse papel


muito específico junto de HPB: o de treiná-la e de instruí-la nas
(p. 85)
Ciências Ocultas, John King foi, em grande medida, o verdadeiro autor da
mensagem que HPB estava trazendo para o mundo, pelo menos nessa fase
inicial de seu trabalho público. Como citamos acima, a própria HPB descreve:

“Não sou eu quem fala e escreve: é algo dentro de mim (...). A única
coisa que sei é que agora, quando estou para alcançar a velhice, me
tornei uma espécie de depósito do conhecimento de outra pessoa.”
(Letters of H.P. Blavatsky, I)

Com todos esses dados em mente, podemos agora começar a tentar


decifrar quem era esse misterioso personagem. O papel tão definido de John
King como instrutor de HPB leva muitos a se perguntarem: – mas o Guru ou
Mestre de HPB não é o Mestre Morya? Quem é, então, John King?

Solovyoff, que em 1895 foi o primeiro autor de uma biografia


acusando HPB de ser uma impostora e de inventar os Mestres, ao perceber
a dimensão do papel de John King e, ao mesmo tempo, o fato de que poucos
anos depois o “espírito” John King desaparece, enquanto o Mestre Morya se
torna mais e mais importante na vida de Madame Blavatsky, dá como uma
das “provas” da charlatanice de HPB, essa transformação de John King no
Mestre Morya:

“Aqui estão os primeiros traços da gradual transformação de John


King no Mahatma Morya. O ‘mestre’ ainda não foi inventado, uma vez
que ele apenas se desenvolverá claramente no decorrer de um par
de anos, na Índia, na pessoa que o ‘espírito familiar’ irá se tornar.”
(Solovyoff, 247)

Quando HPB escreve, por exemplo, que: “Meu John King sozinho
é uma recompensa suficiente por tudo; ele é, em si mesmo, um dono
de hospedaria para mim. (...) John King é uma personalidade, uma
definida, viva, personalidade espiritual” (Solovyoff, 243), Solovyoff
interpreta essa como sendo a primeira “aparição” do Mestre Morya:

“O que ela diz é bem suficiente para que cada leitor de minha
narrativa reconheça imediatamente nesse John King a primeira
aparição no palco, de nosso velho conhecido, o famoso Mahatma
Tibetano Morya (...) mas ele já está incessantemente visitando nossa
heroína, e é ‘em si mesmo, um dono de hospedaria’ para ela. Ele já
manda Olcott para Havanna [localidade em Nova lorque]. Ele logo
será transfigurado e transformado no Mahatma Morya ou M., o
famoso ‘mestre’.” (Solovyoff, 244)

(p. 86)
Essa confusão entre John King (instrutor imediato de HPB) e o Mestre
Morya (Mestre ou Divino Guru de HPB), até hoje é predominante. Muitas das
ações de John King são atribuídas ao Mestre M. Isso ocorre pelo
desconhecimento de que a presença de um instrutor imediato, além da do
Mestre do discípulo, talvez seja uma prática usual – mais do que
normalmente se imagina.

No Diário Oculto de Geoffrey Hodson podemos ler que, embora o


Mestre de Geoffrey Hodson fosse o Mestre KH, por muitos anos ele teve um
instrutor imediato– o Mestre Polydorus Isurenus – o qual:
“... me assegura uma continuada orientação, progresso e
responsabilidade em muitas horas de ensinamento, o qual consiste,
em grande medida, de interpretações da simbologia do Egito, do
Novo Testamento e da Franco- maçonaria. (...) Com o consentimento
de meu Mestre, estou em Sua Escola, treinando para importante
trabalho futuro.” (Hodson, 116)

John King Salvou Minha Vida Por Três Vezes

Mas há quanto tempo HPB estava sob os cuidados de John King?


Numa carta para Lippitt, escrita em junho de 1875, ela diz que conhecia John
há 14 anos (portanto, desde 1860 ou 1861) e que, nesse período, ele havia
sido responsável por salvar sua vida por três vezes:

“Conheço John há 14 anos. Não é de hoje que ele está comigo; ele
se fez conhecido de toda Petersburgo e metade da Rússia, sob o
nome de Janka, ou “Johny”; ele viajou comigo por todo o mundo.
Salvou minha vida por três vezes: em Mentana, num naufrágio e, na
última vez, próximo a Spezia, quando nosso vapor explodiu no ar em
átomos, e de 400 passageiros restaram apenas 16, em 21 de junho
de 1871.” (HPB Speaks I, 84)

Vamos examinar essas três ocasiões em que ela diz que John King
lhe salvou a vida. HPB primeiro fala da batalha de Mentana, que ocorreu em
02 de novembro de 1867. Observemos que ela está afirmando que quem a
salvou foi John King, e não o Mestre Morya, como tantas vezes se afirma. Já
a explosão do Eunomia ocorreu próximo à ilha de Spezzia em 1871, quando
Madame Blavatsky ia de Chipre para Alexandria. Mas, e quanto ao outro
naufrágio?

(p. 87)
HPB conta ao príncipe Dondoukoff que após sua primeira viagem à
Índia, em 1853, ela embarcou no “Gwalior, o qual naufragou próximo ao
Cabo, mas fui salva junto com umas outras 20 pessoas.” (HPB Speaks
II, 20). Que eu conheça, não há na literatura referência a qualquer outro
naufrágio. Assim, mesmo sem uma identificação mais segura, penso que
podemos assumir que é a esse naufrágio que HPB está se referindo. As
datas dessa época de sua vida são muito confusas, mas supõe-se que teria
ocorrido entre 1853 e 1854. Assim, ao mesmo tempo em que ela fala que
conhecia John King há 14 anos, portanto, desde 1860 ou 1861, ela cita um
acontecimento cujo registro é bem anterior. E, se ele a salvou em 1854, é
provável que já a conhecesse antes mesmo dessa data.

Não obstante a história desse naufrágio do Gwalior ser um tanto


confusa, há outras referências na literatura que nos mostram que HPB e
John King já se conheciam antes de 1854. Em abril de 1875, Madame
escreveu para Aksakov, um russo, pesquisador dos fenômenos psíquicos,
que:

“John King e eu nos conhecemos há muito tempo, muito antes dele


começar a se materializar em Londres e andar pela casa do médium
com uma lâmpada em sua mão.” (Solovyoff, 247)
Godwin diz que John King, como entidade espírita, aparecia em
sessões na Grã-Bretanha e nos EUA desde 1854. (Godwin 1990, 107)
Assim, aqui HPB está afirmando que já o conhecia muito antes de 1854.
Numa carta para Lippitt, Madame Blavatsky cita essas aparições de John
King em Londres, dizendo:

“Agora, não vou me comprometer a dizer e testemunhar numa corte


de justiça que o meu John é o John das sessões de Londres, o John
da ‘lâmpada fosforescente’, embora esteja bastante segura de que é
ele, e ele diz que é. Mas os mistérios do mundo dos espíritos são tão
mesclados, apresentam um tal maravilhoso e inextricável labirinto
que – quem pode dizer?” (HPB Speaks I, 84)

Há ainda outra referência na literatura sobre desde que época John


King e Madame Blavatsky estavam em contato. Em 1881, quando o general
Lippitt voltou a lhe questionar sobre a autoria do autorretrato de John King
que ele havia ganho, HPB lhe respondeu:

“Meu caro amigo, posso lhe contar apenas aquilo que lhe contei
desde o começo, quer o resto do mundo me acredite ou não. A
(p. 88)
pintura no cetim, com as exceções que coloquei, não foi feita por mim,
mas por aquele poder que chamei de John King; o poder que assumiu
as características e o nome genérico de John King; pois é um nome
genérico e é responsável pelas muitas afirmações contraditórias de e
sobre ele, o John King em diferentes partes do mundo. Com esse
poder, tenho estado familiarizada desde a minha infância, mas vi sua
face, como você diz, anos depois, numa viagem (quando o Sr.
Blavatsky era governador em Erivan, capital da Armênia, não em
Tiflis.) (HPB Speaks I, 237)

Portanto, agora HPB afirma que estava familiarizada com esse


“poder” – John King – já desde a sua infância, mas que somente viu sua face,
numa viagem, na época em que o Sr. Blavatsky era governador em Erivan,
não em Tiflis. Que viagem teria sido essa?

No Cairo Com o Mago Copta

Como já mencionamos, em 27 de novembro de 1849 Nikifor


Blavatsky “foi indicado Vice-Governador da recém formada Província do
Erivan, e a governou durante a ausência do Governador militar.”
(Barborka, 12) Portanto, de acordo com seu próprio relato, HPB deve ter
visto a face de John King ainda no final de 1849 ou em 1850. Onde ela estava
nessa época?

Após abandonar Nikifor, em outubro de 1849, HPB voltou para Tiflis.


De lá, após peripécias, foi para Constantinopla, onde encontrou uma velha
amiga da família, a Condessa Kisselev. Sinnett diz que HPB viajou com a
Condessa, durante algum tempo, pelo Egito, Grécia e partes da Europa
Oriental.

Helena Pissarev sugeriu que o príncipe Galitzin teria sido responsável


tanto por essa viagem em companhia da Condessa, quanto por dar a Helena
o endereço de um Ocultista no Egito, onde:
“... Madame Blavatsky já começou a receber algum ensinamento
oculto, embora de uma ordem muito diferente e inferior do que ela
adquiriu mais tarde. Naquela época havia no Cairo um velho Copta,
um homem muito bem e amplamente conhecido; de consideráveis
bens e influência, e com uma grande reputação como um mago. As
lendas de maravilhas contadas a respeito dele pelo
(p. 89)
povo são muito emocionantes. Madame Blavatsky parece ter sido
uma aluna que prontamente atraiu seu interesse e que absorvia suas
lições com entusiasmo. Ela encontrou-se com ele novamente alguns
anos mais tarde, e passou algum tempo com ele em Boulak, mas seu
contato com ele no começo não durou muito tempo, pois naquela
época ela passou apenas cerca de três meses no Egito.” (Sinnett
1886, 59)

Já mencionamos um encontro, que ocorreu anos mais tarde, quando


HPB fechou sua Société Spirite e foi morar em Boulak, próximo ao Museu
e “entrou novamente em contato com seu velho amigo, o Copta de fama
misteriosa, cuja menção foi feita em conexão à sua primeira visita ao
Egito, no início de suas viagens. Por várias semanas ele foi seu único
visitante.” (Sinnett 1886, 160)

Albert Rawson, Companheiro das Primeiras Viagens de HPB

HPB tinha um companheiro de viagens, Albert Rawson, que não é


citado por Sinnett. Embora ainda seja pouco conhecido, foi um personagem
importante nos primeiros tempos da Sociedade Teosófica. Em fevereiro de
1892, Albert Rawson escreveu um artigo sobre Madame Blavatsky, onde
afirma que a conheceu por mais de 40 anos, portanto antes de 1852, e que
estava com ela no Cairo. Nesse artigo, ele conta:

“Madame e seu amigo artista [o próprio Rawson] estavam disfarçados


de muçulmanos, apenas para evitar perturbações da multidão pois,
naqueles tempos, pessoas em trajes europeus certamente seriam
molestadas como infiéis odiados, se não realmente colocados em
perigo de vida ou em apuros por fanáticos enlouquecidos. Nesse
disfarce eles, a salvo, visitaram o chefe dos encantadores de
serpentes, Sheik Yusef ben Makersi, aprenderam segredos, e
tomaram lições, de modo que se tornaram especialistas em lidar com
serpentes vivas sem perigo.
“Uma auspiciosa amizade foi feita com Paulos Metamon, um
celebrado mago copta, que possuía vários livros muito curiosos,
cheios de diagramas, fórmulas astrológicas, encantamentos mágicos
e horóscopos, e que ele apreciava mostrar a seus visitantes, após
uma introdução adequada.
(p. 90)
“– Somos estudantes que ouviram falar de seus grandes
conhecimentos e habilidades em magia e desejamos aprender a
seus pés.
“– Eu percebo que vocês são dois europeus disfarçados,
e não tenho dúvida de que estão à procura de conhecimento –
de saber oculto e mágico. Eu procuro recompensa.
“Ah, lá estava a chave para os mistérios ocultos da velha
Cairo. O chefe – o sheik dos magos – havia descoberto o segredo da
pedra filosofal, que transformava as coisas em ouro. Ele foi
enriquecido por nós, e nós fomos iluminados.” (Rawson 1988, 210)

Observemos que Rawson se refere a Metamon como um mago copta


que havia “descoberto o segredo da pedra filosofal”. Portanto, não era
um mago qualquer, mas alguém que já acessara profundos conhecimentos
ocultos. Como veremos, a relação de Madame Blavatsky com esse instrutor
pode ter sido bem mais profunda e duradoura do que se imagina. Que
“recompensa” e que “riqueza” maior pode ter um Instrutor do que a
entrega “a seus pés” e a ardente devoção de seus jovens pupilos?

Paulos Metamon

Olcott, em seu livro Old Diary Leaves fala um pouco mais sobre
Paulos Metamon, relatando uma experiência que HPB lhe contara:

“Ela estava viajando no deserto, com um certo mago branco copta,


que deve permanecer sem ser nomeado e, acampando uma noite,
expressou o ardente desejo por uma xícara de um bom café com leite
francês. ‘Bem certamente, se você o deseja tanto’, disse o guia
guardião. Ele foi até o camelo das bagagens, tirou água de um odre,
e após um momento retornou, trazendo em suas mãos uma xícara de
um fumegante e aromático café com leite. HPB pensou que isso era,
é claro, uma produção fenomênica, uma vez que seu companheiro
era um elevado adepto e possuía poderes muito grandes. Então ela
lhe agradeceu e bebeu deliciando-se, e declarou que nunca havia
tomado um café melhor no Café de Paris. O mago não disse nada,
mas apenas se inclinou, se divertindo, e ficou de pé ao seu lado,
como se estivesse esperando para receber a xícara de volta. HPB
sorveu a bebida fumegante e tagarelou feliz e – mas o que é isto? O
café havia desaparecido e nada
(p. 91)
senão água pura permaneceu em sua xícara! Nunca havia sido nada
além disso; ela estava bebendo, cheirando e sorvendo a Maya
[ilusão] de um quente e aromático café com leite.” (ODL I, 432)

Lembremo-nos que Paulos Metamon era um mago copta; que ele era
“o sheik dos magos”; que “havia descoberto o segredo da pedra
filosofal”; e que ele havia “iluminado” tanto HPB quanto Albert Rawson.
Considerando todos esses dados, é muito provável que o mago branco
copta, que deveria permanecer sem ser nomeado, com quem HPB estava
viajando no deserto seja Paulos Metamon. E aqui ele é qualificado por Olcott
como sendo um “elevado adepto que possuía poderes muito grandes”.

Já vimos que John King era um Iniciado, um Irmão da Ordem e


instrutor de HPB. Paulos Metamon é, além de qualquer dúvida, aquele que
é reconhecido na literatura como o primeiro instrutor de HPB. Assim, é bem
provável que Paulos Metamon seja mais um nome “daquele poder que
chamei de John King”.

Olcott ainda conta que soube por meio de uma testemunha ocular
[que só pode ser Albert Rawson] que enquanto HPB estava no Cairo os mais
extraordinários fenômenos ocorriam em qualquer sala que ela estivesse. Por
exemplo, a luminária que estava numa mesa mudaria para outra, passando
pelo ar, como se estivesse sendo carregada por uma mão invisível, e que:

“... esse mesmo misterioso Copta sumiria de repente do sofá onde


estava sentado, e muitas outras maravilhas, não mais consideradas
como milagres, desde que os cientistas nos provaram a possibilidade
de inibição dos sentidos de visão, audição, tato e olfato por mera
sugestão hipnótica. Sem dúvida, essa inibição foi provocada no grupo
presente, fazendo o grupo ver o Copta desaparecer e a lâmpada se
mover pelo espaço, mas não a pessoa cuja mão a estava
carregando.” (ODL I, 23)

Essa lâmpada se movendo no ar, carregada por uma mão invisível,


nos faz recordar o “John da lâmpada fosforescente”, que aparecia em
Londres, andando “pela casa do médium com uma lâmpada em sua
mão”. Esse é John King que Madame Blavatsky disse estar bastante certa
de que era o John dela.

(p. 92)
Viagens ao Peru (década de 1850)

Ainda de acordo com Sinnett, HPB viajou pela Europa com a


Condessa B.[Bagration], em 1850. Estava no final de 1850 em Paris e, em
julho de 1851, teria ido ao Canadá atrás dos índios pele-vermelha. De lá foi
para Nova Orleans estudar a prática do Vodu, “uma seita de negros (...)
adeptos de um tipo de magia prática”. (Sinnett 1886, 63). Seu
envolvimento com eles deve ter ficado perigoso, pois:

“... a estranha proteção que tão frequentemente havia se manifestado


em seu benefício durante sua infância – a qual tinha, por essa época,
assumido uma forma mais definida, pois ela havia agora encontrado,
como um homem vivo, o semblante há tanto tempo familiar de suas
visões – novamente vem em seu socorro. Ela foi avisada por meio de
uma visão do risco que estava correndo com os Vodus, e de imediato
se lançou à procura de novas aventuras.” (Sinnett 1886, 63)

Note-se que “agora” refere-se ao ano de 1851, quando “ela já havia


encontrado, como um homem vivo” seu estranho protetor durante a
infância – e que é ao “poder” John King que ela diz que “tem estado
familiarizada desde a infância”, como já mencionamos. Cabe realçar que
usualmente se supõe que foi o Mestre Morya quem exerceu o papel de seu
“estranho protetor durante a infância”.

Sinnett também relata que em 1852 ela foi para o México através do
Texas. Após suas andanças pelo México, ela resolveu que iria para a Índia:

“... pois já estava completamente consciente da necessidade de


buscar, além das fronteiras norte daquele país, por uma maior
aproximação com aqueles grandes instrutores da mais elevada
ciência mística, com os quais estava associado, em sua mente, o
guardião de suas visões.” (Sinnett 1886, 65)
Ela, então, escreveu para um certo “inglês” juntar-se a ela nas Índias
Ocidentais [região de Cuba, Bahamas, Haiti, Porto Rico e Jamaica] a fim de
que fossem para o Oriente. Em “Copau”, no México, ela encontrou-se com
um hindu, o qual:

“... ela logo verificou ser o que se chama de um ‘chela’, ou aluno dos
Mestres ou adeptos da ciência oculta oriental. Os três peregrinos do
misticismo foram, via o Cabo, para o Ceilão e, depois disso, num
veleiro, para Bombay onde, pelo que eu deduzi das datas devem ter
chegado quase no final de 1852.” (Sinnett 1886, 66)

(p. 93)
“Copau”, México, nunca foi identificada e muitos autores tendem a
crer que ela estivesse se referindo a Copán, que fica em Honduras, um
pouco ao sul do México. O grupo separou-se em Bombay. (Sinnett 1886,
64-66). Como já vimos, é bastante provável que esse “inglês” seja o
americano Albert Rawson, o companheiro de HPB no Cairo quando ambos
foram instruídos por Paulos Metamon.

De acordo com pesquisa de John P. Deveney, Rawson foi acusado


de roubo, em 1851, em Nova Iorque e ficou preso entre setembro de 1851 e
junho de 1852. (Deveney)

Em comunicação particular, Deveney situa Albert Rawson no Cairo


em 1853 e também talvez em 1855. E em Paris no ano de 1858. Com essas
informações adicionais, caso Rawson seja realmente o companheiro de
viagens de HPB, ela dificilmente teria ocorrido em 1851. O fato dele estar no
Cairo em 1853, situa esse ano como bastante provável para a viagem dele
com HPB.

Embora Sinnett não mencione a América do Sul, em Ísis Sem Véu


HPB revela ter estado no Peru duas vezes (Isis Unveiled I, 597). Por suas
descrições, acredita-se que deve ter viajado extensivamente tanto na
América Central quanto na América do Sul, visitando antigas ruínas. As datas
mais prováveis dessas viagens à América do Sul são após o México, em
1852, e em 1854, após ter andado pela Califórnia.

Annie Besant encontrou em Advar um manuscrito onde consta, numa


letra que não se sabe de quem é, uma cronologia de viagens de HPB. Por
essa cronologia ela teria estado na América do Sul em 1851 e na América
Central em 1855. (Neff, 299)

Há ainda um outro manuscrito, de quatro páginas, que foi encontrado


nos Arquivos da Sociedade Teosófica, em Adyar, provavelmente
relacionado com alguma viagem de HPB à América do Sul. Na primeira
página, há o desenho de parte da costa oeste da América do Sul, indicando
algumas cidades e a fronteira entre Peru e Bolívia.

Ao lado do mapa há notas escritas numa mistura de italiano com


francês, falando da história do tesouro dos incas, semelhante àquela que
depois é narrada em Ísis Sem Véu (Isis Unveiled I, 595-598) Há também
uma curta linha em inglês e uma outra num tipo de escrita que parece ser
oriental. No topo da página aparecem duas inscrições. A primeira, assinada
por H. Moore, diz “Para aqueles que eu amo e protejo. Tentem.”
(p. 94)
A segunda, que é o que nesse momento mais nos interessa, está
assinada por John King, e Boris de Zirkoff descreve que “está na caligrafia
arcaica usada por John King e está assinada por ele”. (CW II, 342) É
uma frase curta que diz “Pessoal eu lhes recomendo ponderar e
discutir.” (CW II, 320) (Figura 1)

Examinando a caligrafia no fac-símile citado acima e naqueles das


mensagens precipitadas em Filadélfia, em 1874 (Olcott 1875, 457 e 468),
ou ainda no fac-símile de um bilhete de John King a Olcott, em 1876 (Godwin
1994a, 10), vemos que as caligrafias são tão pitorescas que logo
percebemos pertencerem à mesma pessoa. (Figura 2)

Isso está nos indicando que o John King que instruía Olcott, que
atuava como seu intermediário nas correspondências com a “Loja” e que
aparecia nas sessões mediúnicas na casa dos Eddy, era o mesmo que, no
início da década de 1850, estava aconselhando HPB e seus companheiros
a “ponderar e discutir” sobre planos de viagens à América do Sul e,
portanto, já estava com HPB desde essa época! Como vimos, isso deve ter
ocorrido entre 1851 e 1855, novamente nos remetendo a um período de
conhecimento entre HPB e John King bem anterior a 1860.

Não há muitas dúvidas de que esse bilhete é para HPB, pois, se


assim não fosse, o que estaria fazendo nos Arquivos da ST em Adyar? E,
pela maneira familiar, senão íntima, com que John King se dirige aos que
está aconselhando, esses parecem ser pessoas muito conhecidas. Ele diz
“Folks”, o que quer dizer “pessoal, gente”.

Considerando que Albert Rawson e Madame Blavatsky estavam


juntos no Cairo, quando Paulos Metamon os instruiu e aceitando que
Rawson possa realmente ser o “inglês” companheiro de viagens de HPB,
então a maneira íntima e familiar usada por John King torna-se bastante
compreensível e constitui um elemento adicional que reforça a conclusão de
que Metamon e John King sejam a mesma pessoa.

Figura 1: Caligrafia de John King na nota sobre viagem para o Peru. (CW II,
320)
(p. 95)

Identificação de John King (1884)

Somente anos mais tarde, em 1884, é que HPB nos revela quem
realmente era John King. Arthur Lillie havia escrito um artigo chamado Koot
Hoomi Unveiled (Koot Hoomi Sem Véu), com muitas críticas à HPB e aos
Mestres. No artigo, Lillie afirmava: “Por catorze anos (1860 a 1875)
Madame Blavatsky foi uma espírita declarada, controlada por um
espírito chamado John King”. (CW VI, 269) Em agosto de 1884, Madame
Blavatsky responde:

“... Sr. Lillie afirma que eu conversei com esse ‘espirito’ (John King)
durante quatorze anos, ‘constantemente, na Índia e em outros
lugares.’ Para começar, eu aqui afirmo que nunca ouvi o nome de
John King antes de 1873. É verdade que falei ao Coronel Olcott e a
muitos outros, que a forma de um homem, com uma face pálida
morena, barba preta, roupas brancas flutuantes e turbante, que
alguns deles haviam encontrado pela casa e em meus aposentos, era
aquela de um ‘John King’. Eu tinha lhe dado aquele nome por razões
que serão completamente explicadas muito em breve, e ri muito ao
ver o modo fácil como o corpo astral de um homem vivo pode ser
confundido, e aceito como sendo um espírito. E eu lhes contei que eu
havia conhecido aquele ‘John King’ desde 1860; pois era a forma de
um adepto oriental, o qual, desde então foi para sua iniciação final.
nos visitando
(p. 96)
em seu corpo físico ao passar por Bombay em seu caminho. (...) Eu
tenho conhecido e conversado com muitos ‘John King’ em minha
vida – um nome genérico para mais de um espectro – mas, graças
aos céus, eu ainda nunca fui ‘controlada’ por um! Minha mediunidade
tem sido expurgada de mim por um quarto de século ou mais; e eu
desafio em voz alta todos os ‘espíritos’ do Kama-loka a se
aproximarem – que dizer me controlarem agora.” (CW Vl, 271)

Como vimos, John King assina o bilhete relacionado com o Peru, que
é de meados dos anos 1850. Portanto, não é verdade que HPB nunca havia
ouvido falar no nome John King antes de 1873. Mas Lillie volta a criticar a
resposta de HPB, interpretando que ela estava identificando o “adepto
oriental” (John King), como sendo o Mestre KH, afirmando: “que o Mestre
KH vinha constantemente vê-la com barba preta e longas vestes
brancas flutuantes”. Ela então volta ao assunto num segundo artigo, em
outubro de 1884, negando o que Lillie havia dito e desafiando-o a provar o
que estava afirmando, pois, em seu artigo anterior ela havia se referido a:

“... um ‘adepto oriental, o qual, desde então foi para sua iniciação
final’, que havia passado, en route do Egito para o Tibet, por Bombay
e nos visitou em seu corpo físico. Por que esse ‘Adepto’ deveria ser
o Mahatma em questão? Então, não há nenhum outro Adepto além
do Mahatma Koot Hoomi? Todo teosofista na sede sabe que eu
mencionava um cavalheiro grego a quem conheço desde 1860,
enquanto que nunca vi o correspondente do Sr. Sinnett antes de
1868.” (CW Vl, 291)

Essa afirmação da Velha Senhora é referenciada pelo próprio Mestre


KH, que também se refere à viagem “de um dos nossos” de Chipre para o
Tibet passando, em seu caminho, por Bombay:

“E o problema da Sra. B [Blavatsky] é (além da enfermidade física)


que ela algumas vezes ouve duas ou mais de nossas vozes ao
mesmo tempo; p. ex., essa manhã enquanto o ‘Deserdado’ [Djual
Khool] (...) estava falando com ela sobre um assunto importante, ela
emprestou um ouvido a um dos nossos, que está passando por
Bombay vindo de Chipre, em seu caminho para o Tibet – e, assim,
misturou as duas numa confusão inextricável. Mulheres realmente
carecem do poder de concentração.” (MLcr., 52)

(p. 97)
A identificação conclusiva de quem era o Adepto oriental “John King”
vem do fato que Sinnett recebeu essa carta do Mestre KH no dia 20 de
fevereiro de 1881 e, nos diários de Olcott, há uma entrada na data de 19 de
fevereiro de 1881, escrita em Bombay, onde lemos:

“Hillarion está aqui en route para o Tibet e tem examinado


cuidadosamente por todos os ângulos, a situação. Acha B–– algo
moralmente horrível. Opiniões sobre a Índia, Bombay, a ST em
Bombay, Ceilão (___), Inglaterra e Europa, Cristianismo e outros
assuntos altamente interessantes”. (LMW 2nd Series, 82)

Assim, comparando as afirmações de HPB, Olcott e do Mestre KH,


chegamos à identificação clara de que John King, o Instrutor e Sahib de HPB
é o Adepto ligado à Hierarquia que conhecemos pelo nome de Hillarion.
É interessante notar que Madame Blavatsky não se refere a ele como
um Mestre, mas como um Adepto Oriental, que depois passou por sua
iniciação final. Nas cartas para Sinnett, ela se refere a ele simplesmente
como “Illarion”, como podemos ver na passagem que é erroneamente usada
por muitos autores para dizer que HPB o encontrou pela primeira vez em
1860, na Grécia:

“Por favor, não fale de Mentana e não fale do MESTRE [M.], eu lhe
imploro. Eu voltei da Índia num dos primeiros vapores. Mas primeiro
fui à Grécia e vi Illarion, em que lugar eu não posso e não devo dizer.”
(LBS, 153)

Note-se que ela está dizendo que primeiro foi à Grécia e viu Hillarion,
e não que foi à Grécia e pela primeira vez viu Hillarion. No original: “But I
first went to Greece and saw Illarion, in what place I can not and should
not say.” Além da tradução nesse caso não dar margens a dúvidas, já
identificamos que o Mestre Hillarion é John King e, conforme vimos acima,
ela já o havia encontrado bem antes de 1860.

Mestre Hillarion e Paulos Metamon com HPB no Cairo (1872)

Já citamos o episódio da morte de Metrovitch em 1872, no Cairo.


Nesse, ela demonstra claramente que suas ações, naquela época, estavam
sendo orientadas pelo Mestre Hillarion, como um Instrutor, de forma análoga
à época de John King. Ela escreve para Sinnett:

(p. 98)
“Eu fui avisada por lliarion, então fisicamente no Egito – e fiz com
que Agardi Metrovich viesse diretamente até mim e não deixasse a
casa por dez dias. (...) Ele (...) foi para a Alexandria mesmo assim e
eu fui atrás dele (...) fazendo como Illarion me disse (...). Eu nunca o
deixei, pois sabia que ele iria morrer, como Illarion havia dito, e assim
aconteceu.” (LBS, 189-190)

Ela também relata para Sinnett que enterrou Metrovitch com a ajuda
do servente do hotel e de “um discípulo de Illarion”. (LBS, 190)

É interessante observar que a época em que HPB revela que o


Mestre Hillarion estava fisicamente no Cairo, é justamente a época logo após
a tentativa frustrada de fundar a Société Spirite. Ou seja, quando estava
novamente com Paulos Metamon, o qual “por várias semanas foi seu
único visitante”. Isso, mais uma vez, fortalece a hipótese de que John King,
isto é, o Mestre Hillarion, também seja Paulos Metamon.

Mabel Collins e o Mestre Hillarion (1878)

Mabel Collins é conhecida no meio teosófico principalmente como


autora das obras que se tornaram clássicos da literatura teosófica: O Idilio
do Lótus Branco e de Luz no Caminho. O Idílio foi publicado em 1884,
pouco antes dela entrar para a Sociedade Teosófica, em Londres. Sinnett,
num artigo sobre experiências psíquicas, publica o relato que Mabel Collins
lhe fizera de como o Idílio havia sido escrito.
Em 1878 ela estava morando em Londres quando, bem próximo à
sua janela, foi colocado o obelisco de Cleópatra. Desde a primeira vez que
olhou para o obelisco, percebeu nele um rosto que logo descobriu que não
era visível para mais ninguém. “Era um rosto egípcio, cheio de poder e
vontade, e intensamente vivo”. (Sinnett 1987, 121)

Imediatamente após a chegada do obelisco, Mabel Collins também


começou a perceber que uma longa fila de sacerdotes egípcios, com vestes
brancas, entravam em sua casa e ficavam de pé à sua volta, enquanto ela
escrevia. Isso acontecia frequentemente e ela se acostumou a tê-los por
perto. Um dia, enquanto estava escrevendo sua novela e sua
(p. 99)
cunhada trabalhava na mesma sala, pintando, a longa fila de sacerdotes
entrou e a rodeou. Ela não disse nada à cunhada, pois já havia descrito o
fato várias vezes, e continuou a escrever, atarefada. Mabel Collins então
descreve que a cunhada:

“... olhou para mim e notou uma mudança em minha aparência; eu


havia me tornado rígida, ou como alguém transformada em pedra,
como ela expressou; meus olhos estavam firmemente fechados, mas
eu escrevia sem parar, tão rápido como sempre, e ela me assistiu
jogando página após página para o lado, com a tinta ainda molhada.
“Isso continuou por um tempo considerável até que,
finalmente, abri os olhos e larguei a caneta. Eu estava muito cansada,
mas absolutamente inconsciente do fato de que tinha estado
inconsciente – ou, fora do corpo – ou seja lá o nome que se queira
dar. Ela não disse nada, mas ainda me observava, e me viu pegar
uma página de meu manuscrito para olhar e descobrir, para meu
inexprimível espanto, que não era, como eu acreditava, uma página
da novela que estava escrevendo, mas algo completa e
absolutamente desconhecido para mim. Peguei página após página
e as olhei com o mesmo espanto. Descobri que tinha em minhas
mãos, completos, o prólogo e o primeiro capitulo de O Idílio do Lótus
Branco. (...) Para mim, foi uma experiência muito maravilhosa, pois
eu nunca havia, até então, sabido o que era ser completamente tirada
de meu corpo para que minha mão e minha caneta pudessem ser
usadas por uma outra inteligência, sem que meu ser – se assim posso
expressá-lo – estivesse presente.
“De tempos em tempos, após isso, algo semelhante ocorreu
embora eu nunca estivesse tão absolutamente ausente da cena
quanto da primeira vez; e os sete primeiros capítulos do Idílio foram
completados. A escrita foi toda completamente automática; e eu
nunca estava consciente de uma única palavra que foi escrita e
depois o lia do mesmo modo como leria algo escrito por uma outra
pessoa.” (Sinnett 1987, 121)

Mabel Collins relata que quando o sétimo capítulo ficou pronto os


sacerdotes deixaram de aparecer e, embora ela estivesse ansiosa para ver
o manuscrito terminado, não conseguiu escrever mais nenhuma palavra nele
por sete anos. Entre 1884-85, em meio a muitos problemas e doenças:

(p. 100)
“... o trabalho foi novamente retomado por um misterioso poder fora
de mim mesma, para quem eu era um instrumento escolhido, e foi
concluído da mesma maneira que os sete primeiros capítulos foram
escritos, sem que eu estivesse consciente de uma única palavra”.
(Sinnett 1987, 122)

As circunstâncias sob as quais Luz no Caminho foi escrita foram


muito diferentes. Mabel Collins diz que esse livro é o resultado de seu árduo
esforço de obter algum conhecimento, fora de seu corpo. Ela se sentia como
uma criança que começa a descobrir seus sentidos recém adquiridos. Era
conduzida pela mão por um ser poderoso que lhe mostrava o que olhar e
como entender o que era. Num vasto salão, que ela chamou de “Salão do
Aprendizado”, ela viu as paredes cobertas de pedras preciosas e, com a
ajuda de seu guia, percebeu que elas formavam frases. Lhe disseram que
ela procurasse lembrar cuidadosamente dessas frases e as escrevesse
imediatamente após retornar ao corpo físico. Essas foram as primeiras frases
de Luz no Caminho. Dessa maneira, aos poucos, todo o livro foi escrito.
(Sinnett 1987, 123)

Mabel Collins encontrou-se com HPB, rapidamente, em novembro de


1884, antes de sua partida para a Índia. Numa carta publicada em Light, em
junho de 1889, HPB diz:

“... quando a encontrei [Mabel Collins] ela havia recém terminado O


Idílio do Lótus Branco o qual, como ela afirmou para o Coronel
Olcott, lhe havia sido ditado por uma ‘pessoa misteriosa’. Guiados por
suas descrições, nós dois reconhecemos um velho amigo nosso, um
grego. que não era um Mahatma, embora fosse um Adepto;
acontecimentos posteriores provaram que estávamos certos”. (CW
VIII, 427)

Numa carta para Khandalavala, em julho de 1888, Madame Blavatsky


escreve que, até 1884, Mabel Collins era uma mulher que não dava grande
atenção às questões espirituais. Porém, nesse ano, ela:

“... viu diante dela, muitas vezes, a figura astral de um homem moreno
(um grego que pertence à Fraternidade de nossos Mestres), que a
instigou a escrever sob seu ditado. Era Hillarion, a quem Olcott
conhece bem. O resultado foi Luz no Caminho e outros.” (Gomes
1991, 194)

Assim, HPB identifica como sendo o Mestre Hillarion quem apareceu


novamente para Collins, em 1884, e a fez escrever sob sua influência,
concluindo o Idílio e escrevendo Luz no Caminho.

(p. 101)
Numa cópia de Luz no Caminho Mabel Collins escreveu que o livro
foi um trabalho feito sob “Sri Hilarion”, tendo começado em outubro de 1884
e, o pequeno ensaio sobre a Lei do Carma, que aparece como um apêndice,
foi escrito em 27 de dezembro de 1884. (CW VIII, 428) (Figura 4)

Observemos, nas duas citações acima, que HPB diz que não apenas
ela, mas também Olcott, reconheceram de imediato o “velho amigo grego”,
e que era “Hillarion, a quem Olcott conhece bem.” Isso é muito revelador
porque sabemos que era com John King que Olcott havia convivido mais
intensamente, desde seus primeiros passos no Ocultismo, em Filadélfia e
em Nova Iorque.
Sinnett, no artigo citado, também publica o fac-símile de uma página
do manuscrito original do Idílio, onde aparece “uma letra completamente
diferente da dela própria.” (Sinnett 1987, 119) [Comparar as letras nas
Figuras 3 e 4].

Lembremos que quando Mabel Collins descreve a produção desse


manuscrito, ela diz que tinha sido: “completamente tirada de meu corpo
para que minha mão e minha caneta pudessem ser usadas por uma
outra inteligência”. Examinando esse fac-símile (Figura 3), novamente
notamos características da letra de John King (Figura 2). E, uma vez que a
autoria do Mestre Hillarion, nessas duas obras trazidas ao mundo por Mabel
Collins é algo amplamente aceito, as semelhanças nas caligrafias, reforçam
a identificação de John King como sendo o Mestre Hillarion.

Figura 3: Caligrafia de Mabel Collins escrevendo em transe O Idílio do


Lótus Branco (Sinnett 1987, 120)

(p. 102)

LIGHT ON THE PATH.


__________________
Figura 4: Caligrafia de Mabel Collins em seu estado normal. (CW VIII, 428)

Nossos Modos de Ação São Estranhos e Não Usuais

Será que, de fato, existiu mais de um John King: o elemental, o


espírito desencarnado e o Adepto? Até hoje, a principal referência nesse
sentido é o próprio Olcott. Entretanto, já mencionamos que ele mesmo
reconheceu que a forma de um espírito desencarnado era a que, naquela
época, ele mais facilmente poderia aceitar: “fui apresentado a eles por
HPB através do meio que minhas experiências
(p. 103)
anteriores poderiam tornar mais compreensível, um pretenso “espírito”
que incorporava em médiuns.” (ODL I, 19)

Muitos autores aceitam a fácil explicação de Olcott, de que havia mais


de um John King, pois assim atitudes como as “brincadeiras” que fazia com
Madame Blavatsky – as quais contrariam as noções preestabelecidas acerca
do modo que um mensageiro e servo dos Adeptos vivos “deveria” agir –
encontram uma explicação. Como não as entendemos, essas atitudes são
convenientemente atribuídas ao espírito desencarnado ou ao elemental.
Porém, são essas próprias “brincadeiras” e atitudes, como atirar uma
“pedra cáustica” no rosto de Madame Blavatsky, ou pedir dinheiro numa
aparente troca de favores, que tornam insustentável a cômoda explicação
de Olcott. Como explicar que Madame Blavatsky aceitasse tais atitudes, caso
vindas de um espírito? Como vimos, nessa época HPB já possuía um
desenvolvimento de seus poderes que não permitiria jamais que um espírito
desencarnado a desafiasse ou influenciasse. Como ela mesma afirmou:

“Eu tenho conhecido e conversado com muitos ‘John King’ em


minha vida – um nome genérico para mais de um espectro – mas,
graças aos céus, eu ainda nunca fui ‘controlada’ por um! Minha
mediunidade tem sido expurgada de mim por um quarto de século ou
mais; e eu desafio em voz alta todos os ‘espíritos’ do Kama-loka a se
aproximarem – que dizer me controlarem agora.” (CW VI, 271)

Tudo isso nos indica que só pode haver um John King – que é difícil
de “digerir” – e cujos métodos e modos de ação se chocam com as noções
mundanas que temos do que deve ou não deve ser a conduta de um Adepto.
Mas, não nos esqueçamos de que, na verdade, conhecemos muito pouco
dos métodos deles. Como o Mestre KH escreveu:

“Nossos modos de ação são estranhos e não usuais e, muito


frequentemente, propensos a criar suspeita. Essa última é uma
armadilha e uma tentação. Feliz é aquele cujas percepções
espirituais sempre lhe sussurram a verdade! Julgue aqueles
diretamente envolvidos conosco por essa percepção, não de acordo
com suas noções mundanas das coisas.” (LMW 1st Series, 32)

(p. 104)
Capítulo 7

Os Primeiros Anos da Sociedade Teosófica (1875 a 1878)

Quando a ST foi fundada, em 1875, seu objetivo era simplesmente:


“reunir e difundir um conhecimento das leis que governam o universo”.
(Gomes 1987, 89) Em seu início a ideia de formar um núcleo da Fraternidade
Universal ainda não estava presente.

A Sociedade estava sendo proposta como um “corpo para reunir e


difundir conhecimentos; para pesquisa oculta, e o estudo e
disseminação de antigas ideias filosóficas e teosóficas”. (ODL I, 120) O
jornal Spiritual Scientist publicou uma matéria a respeito da nova
sociedade, dizendo que o plano de Olcott era:

“... organizar uma sociedade de Ocultistas e começar imediatamente


a formar uma biblioteca; e difundir informações a respeito daquelas
leis secretas da Natureza que eram tão familiares para os caldeus e
egípcios, mas que são totalmente desconhecidas pelo nosso
moderno mundo da ciência.” (ODL I, 120)

Em julho de 1875, Madame Blavatsky havia recebido de seu Mestre


“ordens para formar uma Sociedade – uma Sociedade secreta como a
Loja Rosacruz.” (CW I, 73) Sendo uma sociedade de ocultistas, ela
necessariamente seria para poucos, como HPB escreveu em setembro de
1875:

“... as obras sobre Ocultismo não foram, eu repito, escritas para as


massas, mas para aqueles Irmãos que fazem da solução dos
mistérios da Cabala o principal objetivo de suas vidas, e que se supõe
que conquistaram as primeiras abstrusas dificuldades do Alfa da
Filosofia Hermética. Aos candidatos fervorosos e perseverantes da
referida ciência, eu tenho a oferecer apenas uma palavra de
conselho, “Tentem e tornem-se”.” (CW I, 132)

A referência que Madame Blavastky faz da Sociedade voltada para


aquisições práticas de seus membros no campo do Ocultismo é bastante
diferente da visão tradicional, que se criou posteriormente, vigente até
nossos dias. Isto é, de que mesmo em seu início, os membros se reuniam
apenas para discussões teóricas, apresentação de palestras e,
ocasionalmente, teste de algum médium, sem qualquer prática ou
treinamento oculto.

(p. 105)
Em seu artigo “Astral Projection or Liberation of the Double and
the Work of the Early Theosophical Society”, John Patrick Deveney
mostra como o trabalho inicial da ST estava voltado para instruções práticas
de seus poucos membros, como aprender a sair conscientemente do corpo
físico e fazer viagens astrais, com a utilização de espelhos mágicos e outras
técnicas.

Esse espírito prático ainda aparece claramente numa circular de


setembro de 1878, anunciando a fusão da ST com a Arya Samaj da Índia. A
circular diz que os membros “que assim desejarem, devem trabalhar para
adquirir aquele controle sobre certas forças da natureza que comunica
ao seu possuidor um conhecimento de seus mistérios.” (ODL I, 402) E
Olcott comenta:

“O treinamento e desenvolvimento oculto de HPB e a categoria de


seus alunos foram aqui sugeridos. A frase mostra que o principal
motivo original dos fundadores da Sociedade era promover esse tipo
de estudo; sendo sua firme convicção que com o desenvolvimento de
poderes psíquicos e discernimento espiritual, todo conhecimento
religioso seria alcançado e todo o dogmatismo religioso ignorante
seria banido.” (ODL I, 402)

Charles Sotheran

Na história tradicional a Sociedade Teosófica tornou-se secreta


nesses primeiros anos em decorrência a desentendimentos com Charles
Sotheran, um de seus fundadores. Esses desentendimentos foram causados
por discursos políticos inflamados de Sotheran para grevistas, onde ele se
declarava um trabalhador socialista e incitava-os a tomar medidas contra os
capitalistas exploradores. Abaixo de um recorte de jornal onde esse
acontecimento é narrado, HPB escreveu:
“Um teosofista se tornando um desordeiro, encorajando revolução e
ASSASSINATO, um amigo de comunistas não é um membro
adequado para nossa Sociedade. ELE TEM QUE SAIR.” (CW I, 404)

Abaixo desse artigo, colado em seu Scrapbook, HPB escreveu que


até a rixa com Sotheran:

“... a Sociedade não era uma sociedade secreta (...) Mas ele
começou a atacar injuriosamente nossos experimentos e nos
denunciar
(p. 106)
aos espíritas e impedir o progresso da Sociedade e achou-se
necessário torná-la secreta.” (CW I, 194)

Portanto, a outra razão da saída de Sotheran foi seu questionamento


sobre a veracidade dos experimentos realizados nas reuniões da Sociedade
Teosófica com médiuns como a Sra. Youngs que levantava pianos, ou a Sra.
Thayer que materializava flores e pombas. (Deveney, 50) Olcott explica nas
páginas do Spiritual Scientist:

“Quanto à Sociedade Teosófica, nossa atual experiência com uma


certa pessoa, que deve ficar sem ser nomeado uma vez que sua
conduta tem sido tal que o faz perder seu direito de reconhecimento,
tem sido uma lição da qual pretendemos tirar um proveito. Estamos
considerando uma proposição de nos organizar como uma
sociedade secreta de modo que possamos perseguir nossos
estudos sem sermos interrompidos por falsidades e impertinências
de pessoas de fora.” (CW I, 193)

Nas duas citações acima, fica claro o caráter de experimentos


práticos que os membros perseguiam. A ameaça de denúncia desses
experimentos por parte de Sotheran, mais do que sua atividade política, é
que motivou a transformação da Sociedade Teosófica numa organização
secreta.

Em 5 de janeiro de 1876 o Conselho acatou o pedido de Sotheran


para sair da Sociedade Teosófica. Respondendo ao artigo de Olcott no
Spiritual Scientist acima citado, Sotheran escreveu para o The Banner of
Light: que aqueles que o conheciam bem, sabiam que sua saída da ST havia
sido porque:

“... estou convicto de que as pretensões da Sociedade são enganosas


(...) Madame Blavatsky talvez tenha poderes ocultos de um caráter
extraordinário; mas após um conhecimento íntimo dela por um
período considerável, posso afirmar que em minha humilde opinião
ela NÃO possui NENHUM, muito embora ela tenha psicologizado a si
mesma e a seus defensores para acreditarem nisso, e portanto suas
ameaças caem sobre mim com tão pouco efeito quanto “o vento que
passa suavemente.”
“Eu a aconselharia que, ao invés de ofender aqueles que
como eu estão lutando pela Mais Elevada Verdade, e detestam
imposturas de qualquer tipo, a se contentar em combater aqueles
com quem ela tem uma real causa de indignação”. (Sotheran)

(p. 107)
Seis meses após toda essa confusão e troca de ameaças, Sotheran
voltou a fazer parte da Sociedade Teosófica, a frequentar a casa de HPB e
a auxiliar ativamente no trabalho, como se nada tivesse ocorrido. De acordo
com Laura Hollowav, havia uma grande amizade entre HPB e Sotheran, e
ela afirma que foi dele a sugestão da palavra “teosófica” para o nome da
Sociedade Teosófica. Ela também revela:

“Frequentemente se afirmava – com base em que provas, eu


nunca soube – que o Sr. Sotheran conhecia pelo menos um membro
da Fraternidade de Adeptos e estava, de alguma maneira,
identificado com seus amplos objetivos (...). E em geral era aceito que
ele havia encontrado com Madame Blavatsky no exterior e conhecia
a tarefa que ela estava realizando nesse país. (...) Sua atitude era a
de que ela era uma ocultista genuína, com razoáveis poderes
mentais, e que havia sido treinada para usá-los. (...) Os serviços
desse homem à ST em seu início nunca foram reconhecidos com
justiça. Ele foi um auxiliar sem o qual os trabalhos de organização da
Sociedade, de fazer pesquisas relacionadas com Ísis Sem Véu, de
garantir um editor para essa obra e ainda de apresentá-la
adequadamente ao público, não teriam sido executados com a
metade da eficiência.” (CW I, 527)

Urna pequena menção a Sotheran feita por Albert Rawson, em seu


artigo Madame Blavatsky – A Theosophical Occult Apology, mostra o
grau de intimidade e a convivência de ambos com HPB em Nova Iorque. O
episódio também é interessante porque descreve o relacionamento de
Madame Blavatsky com seus amigos, num clima de descontração e
camaradagem.

Com a intenção clara de provocar a “esfinge” – como HPB era


chamada por alguns amigos – alguém sugeriu que era uma pena que o
treinamento inicial de HPB tivesse sido negligenciado, pois, caso contrário,
quem sabe se ela agora não teria se reencarnado como Pitágoras, Bacon ou
até mesmo como Shakespeare?

Reagindo à provocação, HPB respondeu que ela não tinha qualquer


dúvida de que ela era um Buda, e que “aquela pequena imagem de bronze
no seu santuário sou eu como eu era a mil ou dez mil anos atrás.” Então,
continuando a provocação, alguém sugeriu que “poderia ter sido um alívio
se Buda se retirasse para o Nirvana e nos desse um outro descanso de
alguns milhares de anos”. (Rawson 1988, 212-213) Para Rawson, esses
momentos em que HPB era provocada eram:

(p. 108)
“... uma excelente oportunidade para estudar o espírito interno da
esfinge. Calma como a Aboo Hool de Memphis num minuto, e no
seguinte uma tempestade de paixão que se expressava numa
torrente de palavras que feriam os ouvidos de seus ouvintes. Eu nem
mesmo tentarei dar uma amostra, pois as reticências omitiriam
maldições em várias línguas”. (Rawson 1988, 213)

E em seguida revela que Sotheran é que havia sido o autor da


provocação, perguntando-lhe: “Sotheran, por que você acordou a
tigresa?”, o que demonstra o grau de intimidade que os dois tinham com
HPB. E Sotheran responde que essa era “a melhor maneira de abrir o
repertório de seu espírito. Você notou como ela lançou Buda, os Vedas,
Zoroastro, Confúcio e todos os demais sobre nós?” (Rawson 1988, 213)
Rawson então dá um belo depoimento sobre o domínio que Madame
Blavatsky possuía no campo do oculto:

“Como instrutora Mad. Blavatsky era imperativa, severa, impaciente


com métodos vagarosos, inclemente com inteligências lerdas e
detestava almas insípidas. Lhe agradava quando seu aluno
acompanhava o ritmo de seus voos rápidos, e ficava encantada se
alguém parecia acompanhá-la para aquelas regiões ocultas que eram
de seu peculiar domínio, cujo ar era demasiado rarefeito até mesmo
para os anjos, e cujas margens estavam encobertas por aquelas
nuvens místicas que, ao mesmo tempo em que obscureciam a
paisagem para o profano, destilam o orvalho dourado para os poucos
esotéricos.” (Rawson 1988, 213)

William Quan Judge

William Quan Judge nasceu em Dublin. Irlanda, em 13 de abril de


1851. Um fato marcante na infância de Judge foi uma doença que teve aos
7 anos. Ele chegou a ser declarado morto pelo médico, mas milagrosamente
reviveu. Durante a convalescência, começou a demonstrar aptidões e
conhecimentos antes desconhecidos, fazendo com que os mais velhos à sua
volta se admirassem, questionando-se como e quando o menino havia
aprendido todas essas coisas novas. Após sua recuperação, embora
ninguém soubesse quando ele aprendera a ler, encontraram-no lendo
avidamente todos os livros que encontrava sobre Mesmerismo, Religião,
Magia e assuntos afins.

(p. 109)
Quando William estava com 13 anos, a família emigrou para os
Estados Unidos, onde chegaram em 14 de julho de 1864. William começou
a trabalhar em Nova Iorque como escriturário e depois entrou para o
escritório de advocacia de George P. Andrews. Em abril de 1872 naturalizou-
se americano. Especializando-se em Direito Comercial, sua eficácia,
persistência e diligência conquistaram o respeito de patrões e clientes. Aos
23 anos, em 1874, ele casou-se com Ella M. Smith, com quem teve uma filha
que morreu ainda pequena, em setembro de 1878. (Niemand)

Primeira Encontro de HPB e Judge (março de 1875)

Logo após seu casamento, Judge deparou-se com o livro de Olcott,


People from the Other World, publicado em março de 1875, que lhe
despertou grande interesse. Ele então escreveu para Olcott, pedindo-lhe o
endereço de algum bom médium:

“Ele me respondeu que não sabia de nenhum no momento mas que


tinha uma amiga, Madame Blavatsky, que havia lhe pedido que me
convidasse para visitá-la. Fui a seu apartamento em lrving Place, 46,
Nova Iorque, e a conheci.” (Van Mater)

Esse primeiro encontro foi muito marcante para Judge. Ele relembra
suas impressões:
“Muito foi dito naquela primeira noite que prendeu minha atenção e
atraiu minha imaginação. Eu percebi meus pensamentos secretos
sendo lidos, minhas questões íntimas sendo conhecidas por ela. Sem
ser perguntada e certamente sem qualquer possibilidade de ter
pedido informações sobre mim, ela referiu-se a várias circunstâncias
privadas e peculiares de um modo que mostrou imediatamente que
tinha um perfeito conhecimento sobre minha família, minha história,
minhas circunstâncias e minhas idiossincrasias.” (Sinnett 1886, 186)

Pouco tempo depois HPB mudou-se para um apartamento na 34th


Street, onde Judge pode visitá-la com maior frequência. Ele descreve os
fenômenos que ocorriam:

“Naquelas salas costumava-se ouvir batidas na mobília, em vidros,


espelhos, janelas e paredes, como as que frequentemente
(p. 110)
ocorrem em sessões “espíritas” no escuro. Mas com ela ocorriam no
claro, e nunca a não ser que ela o ordenasse. Nem podiam ser
induzidas a continuar uma vez que ela mandasse parar. Essas
também exibiam inteligência, e poderiam, a seu pedido, mudar de
fraco para forte, ou de várias para poucas de cada vez.” (Sinnett
1886,187)

HPB permaneceu na 24th Street apenas por poucos meses. Depois


mudou-se para a 47th Street, onde ficou até a partida para a Índia, em
dezembro de 1878. Nesse endereço, Judge era um visitante assíduo e
muitas vezes presenciou, à luz dos lampiões de gás:

“... grandes bolas luminosas serpenteando por cima da mobília, ou


alegremente pulando de um ponto para outro, enquanto os mais belos
sons de sinos suaves tocavam de vez em quando, a partir do ar da
sala. Esses sons usualmente imitavam o de um piano ou uma série
de sons assobiados por mim mesmo ou por alguma outra pessoa.
Enquanto tudo isso ocorria, H.P. Blavatsky estava sentada,
despreocupadamente lendo ou escrevendo Ísis Sem Véu.” (Sinnett
1886, 188)

Porém, mais do que qualquer fenômeno, o que marcou


profundamente esse período para Judge foram os contatos que ele e Olcott
tinham, por intermédio de HPB, com Seres iluminados. Ele escreve para
Damodar que todos os fenômenos que testemunhou:

“... empalideceram e ficaram ofuscados diante das gloriosas horas


gastas em ouvir as palavras daqueles Seres iluminados que
usualmente vinham tarde da noite, quando tudo estava tranquilo, e
falavam com Olcott e comigo hora após hora. Estou persuadido de
que esse era o caso, pois havia várias indicações, muito sem
importância para a visão comum, mas facilmente percebidas e
reconhecidas quando alguém está na expectativa e alerta para tais
coisas, que me levou a acreditar que outros estavam ocupando
aquele corpo, seja nos observando ou nos instruindo. Mas que
Alguém preeminentemente grande vem e ocupa esse corpo, eu tenho
certeza, embora não tenha sido informado a respeito. Entretanto,
como aprendi deles, esteja certo de que nessas questões suas
intuições são mais confiáveis do que seu raciocínio pode ser.” (Eek
1978, 47)

(p. 111)
Além dessas conversas, Judge também recebeu algumas
mensagens que vinham em cartas entregues pelo correio. Em carta para
HPB, de 5 de fevereiro de 1886, quando ela estava sendo acusada de ser
uma impostora pela SPR (Sociedade de Pesquisas Psíquicas), Judge sugere
que poderia usar essas cartas em seu favor:

“E quanto às cartas que vieram de .:., tenho muitas que chegaram a


mim que se assemelham à minha caligrafia. Como eles explicarão
isso? Eu me auto iludi? E assim por diante.
“Você pode contar comigo, nesse ponto, para todo o
auxílio que julgar necessário. Lembre-se que eu estava com você
em Enghien no dia de um dos fenômenos. Eles não consideraram
aqueles tempos em que eu recebia cartas pelo carteiro com
mensagens dentro delas. Tenho aqui algumas cartas antigas e uma
delas está relacionada com a cremação do [Barão] De Palme.” (LBS,
313)

Numa carta para Sinnett, escrita em 1° de agosto de 1881, Judge se


refere tanto à questão das conversas “a viva voz” por meio de HPB, quanto
das cartas recebidas:

“Tive o grande prazer de ler seu O Mundo Oculto, e nesse país tão
distante da Índia, ele tem sido uma fonte de grande proveito, bem
como de encorajamento. (...) Embora nunca tenham me dado o
nome, quando Madame Blavatsky estava aqui eu tive a honra de
receber comunicações de .:. viva você, eu quero dizer de Koot Hoomi
e também de outros. E eu daria muito para ver algumas das
caligrafias daquelas cartas para você, ainda que de apenas uma
palavra, porque eu tenho aqui uma caligrafia, num certo material azul,
com a qual gostaria de comparar.
“Você certamente tem sido honrado. Por que? Eles devem ter
algum motivo. Enquanto HPB estava aqui, eles vieram, muitos e
várias vezes, e falaram com Olcott e comigo. Mas suas identidades
foram protegidas porque nenhum de nós, naquela época, poderia
penetrar na parede de matéria e ver o verdadeiro ocupante.
Tínhamos que depender inteiramente das mudanças de expressão.
“Eu lhe agradeço o livro (...). Para mim, ele serve para manter
vívidos e frescos os fatos que certa vez testemunhei os quais, não
fosse isso, o tempo poderia tornar fracos e possivelmente
inacreditáveis.” (LBS, 312)

(p. 112)
No primeiro encontro da Sociedade Teosófica, Judge propôs Olcott
como presidente, e foi designado como secretário. Até essa época, conta
Judge:

“Olcott era bem conhecido como um homem que gostava da vida dos
clubes e ninguém jamais supôs que ele mostraria uma tal renúncia
como tem mostrado, desde então, com relação às coisas mundanas.
A sabedoria de sua escolha como presidente tem sido demonstrada
por nossa história. A Sociedade foi impopular desde seu início, e tinha
de fato tão pouco dinheiro que todos os primeiros diplomas foram
escritos à mão por um dos membros dessa cidade.” (Judge, em A
Servant of The Masters: Col. Henry S. Olcott)

Após assinar contrato para a publicação de Ísis Sem Véu, Madame


Blavatsky anunciou que precisaria ir para a Índia. Diferentemente de Olcott,
Judge não estava em posição de poder acompanhá-la, devido a suas
obrigações familiares. Ele ficou extremamente aborrecido com a decisão de
HPB e deixou de visitá-la por quase um ano, durante o qual manteve
correspondência com Olcott. Foi perto desse período que sua filha morreu
de difteria, causando-lhe grande dor. Antes da partida de HPB para a Índia,
entretanto, os dois reataram relações.

A Ordem Sat Bhai

Em 29 de setembro de 1877 Ísis Sem Véu foi publicada com grande


sucesso. Em dez dias a primeira edição estava esgotada e no espaço de
sete meses mais três edições foram feitas. Uma consequência imediata foi
um grande número de cartas de várias partes do mundo. Nessa época
iniciou-se uma correspondência com um conhecido maçom, John Yarker,
que estava impressionado com o conhecimento maçônico demonstrado por
HPB em Ísis. (Ransom, 99-100)

Yarker, que na época era Grão Mestre do Antigo e Primitivo Rito de


Memphis, 95°, 33° do Rito Escocês e 90° do Rito de Mizraim, conta que
Sotheran havia levado para HPB um pequeno livro de sua autoria, publicado
em 1872, e que ela havia feito referência a esse livrinho em Ísis. Então, “a
pedido do Irmão Sotheran, eu enviei para Madame Blavatsky o diploma
do ramo feminino da Sat Bhai.” (CW I, 311)

(p. 113)
Olcott respondeu a Yarker em relação ao diploma da Sat Bhai, dando
testemunho de que HPB era proficiente em todas as ciências maçônicas. Em
agosto de 1877, Yarker recebeu um diploma de membro honorário da
Sociedade Teosófica. Em 24 de novembro, ele enviou a HPB um segundo
diploma, desta vez do Rito de Adoção de Memphis e Mizraim, conferindo-lhe
o mais alto grau desse Rito Adotivo, aquele da “Princesa Coroada 12°”.
(CW I, 312) A publicação desse segundo diploma gerou ataques e
questionamentos quanto a sua validade. Ao defender-se, HPB escreve:

“... eu nunca recebi “os graus regulares” em qualquer Loja Maçônica


Ocidental. Naturalmente, então, não tendo recebido nenhum desses
graus, eu não sou um maçom grau trinta e três. (...) Minha experiência
maçônica – se você assim quiser denominar minha filiação em várias
Irmandades Maçônicas orientais e Fraternidades Esotéricas – está
confinada ao Oriente. Mas, no entanto, isso não impede que eu
conheça, em comum com todos os “maçons” orientais, tudo que está
conectado com a Maçonaria Ocidental (...) e também não impede,
uma vez que recebi o diploma enviado pelo “Soberano Grão Mestre”
(...) que eu tenha o direito de me chamar uma maçom.” (CW I, 308)

A Ordem Sat Bhai (Sete Irmãos), era assim chamada porque cada
grupo era composto por sete pessoas. Se dizia que essa Ordem havia sido
iniciada, ou transmitida, por um Pandit brâmane de Benares. Aparentemente
alguns oficiais britânicos haviam sido iniciados e pretendia-se que eles
espalhassem os ideais da Sat Bhai pelo mundo. O Major J.H. Lawrence
Archer havia introduzido o ritual na Inglaterra, em torno de 1872. Yarker
escreve sobre a Sat Bhai:

“O nome alude ao pássaro Malacocercis Grisis, o qual sempre voa


em grupos de sete. Ela tem sete graus descendentes, cada um com
sete discípulos, que constituem os seus sete; e sete graus
ascendentes de Perfeição, Ekata ou Unidade. Seu objetivo é o estudo
e desenvolvimento da filosofia indiana. De algum modo, sua raison
d’etre deixou de ser necessária quando a Sociedade Teosófica foi
estabelecida por H.P. Blavatsky, a qual numa determinada época
tinha pelo menos seus sinais secretos de Entrada.” (Yarker, 492)

Aparentemente, a Sat Bhai era a divisão mundana da “Royal


Oriental Order of Sikha (Apex)”. (Scott) Yarker havia introduzido cerca
(p. 114)
de uma centena de pessoas à Ordem Sat Bhai, entre elas algumas mulheres
de destaque. Tanto o simbolismo dos rituais quanto os títulos dos oficiais
eram indianos, e apenas os rituais iniciais estavam prontos. A Ordem não
tinha nada em comum com a maçonaria ocidental. (Ransom, 100)

Após várias correspondências com Madame Blavatsky, Yarker


propôs que aqueles que passassem ao segundo Grau teriam que estudar a
literatura dos Vedas e os do terceiro Grau deveriam praticar a genuína
maçonaria oriental. (Ransom, 100) Numa carta de Yarker para HPB, de
janeiro de 1879, ele pede instruções, mostrando o envolvimento de HPB com
o trabalho de estruturação da Sat Bhai:

“Adotarei as suas Cerimônias revisadas – gostaria de adiantar 3


objetivos: 1. Auditor (com as 7 cerimônias imperfeitas, 4 das quais eu
lhe enviei); 2. Perfeição (dando o âmago da doutrina védica); 3. Para
uns poucos selecionados, a divisão dos 7 graus de acordo com o
dogma do Oriente. Ou você faria dois ramos – 1. Os 7 ritos Auditores,
e 2. a cerimônia de Perfeição, classificando como primeiro o grau
Oriental, Auditor o segundo e Promotor o terceiro?” (Muehlenger)

Em 25 de janeiro de 1878, Kenneth Mackenzie escreveu para Francis


Irwin, que também era membro na Ordem Sikha: “Ouvi falar que Madame
Blavatsky é a chefe da Ordem!” (Muehlenger) Mesmo que isso não seja
verídico, a carta de Yarker é clara quanto ao grande envolvimento de HPB
com a concepção da Ordem Sat Bhai. Assim, é possível que o modelo que
Sotheran, HPB e Olcott estavam estudando implementar na Sociedade
Teosófica se espelhasse na Sat Bhai.

A Circular de Nova Iorque (abril de 1878)

Charles Sotheran, que assim como Albert Rawson era um maçom


ativo, começou em abril de 1878 uma discussão com Olcott, HPB e outros
maçons com o objetivo de transformar a ST em algo análogo a uma Ordem
maçônica, secreta, com rituais e graus. Olcott escreve:
“Em 17 de abril começamos a conversar com Sotheran, General T.,
e um ou dois outros elevados Maçons sobre estabelecer nossa
Sociedade como um corpo maçônico com um Ritual e Graus; a
(p. 115)
ideia era que ela formaria um complemento natural aos graus mais
elevados da Ordem, restaurando-lhe o elemento vital do misticismo
Oriental que lhe faltava ou que havia perdido. Ao mesmo tempo, tal
arranjo daria força e permanência à Sociedade, por associá-la com a
antiga Fraternidade cujas lojas estão estabelecidas por todo o
mundo. Agora que volto a olhar para isso, estávamos, na verdade,
tão somente planejando repetir o trabalho de Cagliostro, cuja loja
Egípcia foi em sua época um centro tão poderoso para a propagação
do pensamento oculto Oriental. Não abandonamos a ideia até muito
tempo depois de mudarmos para Bombay”. (ODL I, 468)

A ideia de transformar a ST num corpo com vários graus estava


presente no documento que Olcott publicou em maio sobre a origem, plano
e objetivos da Sociedade Teosófica, conhecido como “Circular de Nova
Iorque”. A Sociedade se apresentava organizada “sob o princípio do
segredo” (CW I, 376) e a filiação estava dividida:

“... em três Seções, e cada Seção em três Graus. Se exige de todos


os candidatos para uma filiação ativa que entrem como
probacionários, no Terceiro Grau da Terceira Seção, e não é
especificado nenhum tempo fixo no qual o novo membro pode
avançar de qualquer grau mais baixo para um superior; tudo depende
do mérito. Para ser admitido no grau mais elevado, da Primeira
Seção, o teosofista deve se libertar de qualquer inclinação por
qualquer forma de religião em preferência a outra. Ele deve estar livre
de todas as rígidas obrigações para com a sociedade, a política e a
família. Ele deve estar pronto para sacrificar sua vida, se necessário,
para o bem da Humanidade ou de um irmão membro de qualquer
raça, cor ou credo ostensivo. Ele deve renunciar ao vinho, e a
qualquer outra espécie de bebidas intoxicantes, e adotar uma vida de
estrita castidade.” (CW I, 376)

Os membros da Segunda Seção eram aqueles que já haviam feito


algum progresso no caminho do autodomínio e da iluminação, embora ainda
tivessem alguns preconceitos religiosos e outras formas de egoísmo. A
Terceira Seção era de provação, e seus membros poderiam deixar a
Sociedade quando quisessem, embora continuassem com a obrigação
assumida no ingresso de manter absoluto segredo quanto ao que lhes foi
comunicado sob essas condições. (CW I, 376)

(p. 116)
Os objetivos da ST agora eram vários, embora o incentivo ao
desenvolvimento prático ainda fosse uma nota dominante: “Ela influencia
seus membros a adquirir um íntimo conhecimento das leis naturais,
especialmente suas manifestações ocultas.” (CW I, 376) Para tanto, cada
membro deveria “estudar para desenvolver seus poderes latentes, e se
informar a respeito das leis do magnetismo, eletricidade e todas as
outras formas de forças, seja do universo visível ou invisível.” (CW I,
377) E continuava ressaltando que a Sociedade esperava que cada membro:
“... exemplifique pessoalmente a mais elevada moralidade e
aspiração religiosa; se oponha ao materialismo da ciência e a toda
forma de teologia dogmática, especialmente a Cristã, a qual os
Chefes da Sociedade consideram como particularmente perniciosa;
tornar conhecidos entre as nações ocidentais fatos há muito
suprimidos sobre as filosofias religiosas orientais, sua ética,
cronologia, esoterismo e simbolismo; opor-se, tanto quanto possível,
aos esforços dos missionários em iludir os assim chamados “infiéis”
e “pagãos” com relação à real origem e aos dogmas do Cristianismo
e os efeitos práticos desse último sobre o caráter público e privado,
nos assim chamados países civilizados; disseminar um
conhecimento dos sublimes ensinamentos daquele puro sistema
esotérico do período arcaico, que estão espelhados nos mais antigos
Vedas e nas filosofias de Gautama Buda, Zoroastro e Confúcio”. (CW
I, 377)

E na conclusão dessa exposição sobre os objetivos da Sociedade


Teosófica aparecia pela primeira vez a expressão “Fraternidade da
Humanidade”, ao dizer que seu objetivo era, principalmente:

“... ajudar na instituição de uma Fraternidade da Humanidade, onde


todos os homens puros e bons, de qualquer raça, reconhecerão uns
aos outros como os produtos iguais (sobre esse planeta) de uma
Causa Não Criada, Universal, Infinita e Eterna.” (CW l, 377)

Capítulo 8

Convivendo com HPB na Lamaseria (1876-1878)

Em seu livro Old Diary Leaves, Olcott descreve com detalhes o dia
a dia da vida com Madame Blavatsky em Nova Iorque. O apartamento onde
moravam era conhecido como “A Lamaseria”. HPB não tinha nem mesmo
uma noção rudimentar de como cuidar de uma casa e seus repentes de
personalidade atrapalhavam o pobre Olcott e as várias empregadas que para
eles trabalharam.

“Os hábitos em nossa casa eram os mais simples; não bebíamos


vinho ou bebidas alcoólicas, e comíamos apenas uma comida
simples. Tínhamos uma empregada que fazia todo o serviço, ou
melhor, uma procissão de empregadas que iam e vinham, pois não
conseguíamos mantê-las por muito tempo. A moça ia para casa
depois de limpar as coisas do jantar, e daí por diante tínhamos que
nós mesmos atender a porta. Isso não era nada, o problema mais
sério era providenciar chá, com leite e açúcar, para uma sala cheia
de convidados, digamos, pela 1:00 da madrugada, quando HPB, com
arrogante desdém pelas possibilidades domésticas, pediria uma
xícara de chá para si e exclamaria alto: “Vamos tomar um pouco
todos nós: o que vocês acham?”
“De nada adiantava fazer gestos de discordância, pois ela não
prestava atenção. Assim, após várias procuras infrutíferas à meia
noite por leite e açúcar na vizinhança, acabei com isso e coloquei um
aviso que dizia:
“CHÁ”
“Os convidados encontrarão água fervendo e chá na cozinha,
talvez leite e açúcar, e devem por gentileza servir-se.”
“Isso estava tão em sintonia com tom boêmio de todo o
estabelecimento que ninguém pensava nada a respeito, e era
encantador ver, daí em diante os habitués levantando-se
silenciosamente e indo para a cozinha preparar o chá para eles
mesmos. Finas senhoras, professores eruditos, artistas famosos e
jornalistas, todos jocosamente se tornaram membros do que
chamávamos de nosso “Ministério da Cozinha”. (ODL l, 410)

(p. 118)
Hábitos Alimentares

Ao contrário do que muitos imaginam, Madame Blavatsky não era


vegetariana. Seus hábitos alimentares eram pouco saudáveis, comendo
carnes gordas e muita gordura. Esses hábitos, aliados a pouco exercício
físico e, talvez, a energia gasta como veículo dos Mestres debilitaram sua
saúde.

“HPB sempre foi, mesmo em sua juventude, uma pessoa roliça e mais
tarde tornou-se bastante corpulenta. Isso parece que era uma
tendência familiar, porém em seu caso a tendência foi agravada por
seu modo de vida, pois ela quase não fazia exercícios e comia muito,
a não ser quando estava seriamente doente. Mesmo então, comia
grandes porções de carnes gordas e costumava colocar grandes
quantidades de manteiga derretida sobre seus ovos fritos no café da
manhã. Nunca tocou em vinhos ou bebidas alcoólicas, sendo suas
bebidas o chá e o café, preferivelmente esse último. Seu apetite, na
época em que a conheci, era extremamente caprichoso e ela era
praticamente rebelde a qualquer hora fixa para as refeições e,
portanto, um terror para todas as cozinheiras e o desespero de seu
colega.
“Lembro-me de uma ocasião em Filadélfia que mostrou essa
peculiaridade de um modo marcante. Ela tinha uma empregada para
todo o serviço e, nesse dia em particular, uma perna de carneiro
estava fervendo para o jantar. Subitamente, HPB lembrou-se de
escrever uma nota para uma senhora amiga que morava do outro
lado da cidade, a uma distância de uma hora de viagem dali, uma vez
que não haviam bondes ou outros meios de transporte público indo
diretamente de uma casa para outra. Ela chamou em tons de
trombeta a empregada, e lhe ordenou que fosse imediatamente com
a nota e voltasse com a resposta. A pobre moça lhe disse que o jantar
ficaria prejudicado e que não seria possível que ela estivesse de volta
antes de urna hora depois do horário normal da janta. HPB não lhe
deu ouvidos e disse que ela fosse imediatamente.
“Passados quarenta e cinco minutos, HPB começou a
reclamar que a estúpida e idiota garota ainda não havia retornado;
que ela estava com fome e queria seu jantar e mandou todos os
empregados da Filadélfia ao diabo em masse. Passados mais quinze
minutos, ela havia ficado desesperada, e então fomos para a cozinha
(p. 119)
dar uma olhada. Naturalmente, os potes de carne e vegetais estavam
guardados, o fogo apagado e a perspectiva de jantar extremamente
reduzida. A ira de HPB foi veemente, mas não havia o que fazer a
não ser nos virarmos e prepararmos o jantar. Quando a empregada
voltou, foi repreendida tão severamente que explodiu em lágrimas e
pediu demissão!
“(...) Ela nunca foi uma asceta, nem mesmo uma vegetariana, e
enquanto a conheci, a carne era indispensável para sua saúde e
conforto, assim como para tantos outros em nossa Sociedade,
incluindo a mim mesmo.” (ODL I, 449-451)

Na época em que estava escrevendo Ísis Sem Véu HPB


praticamente não deixou o apartamento por cerca de seis meses. Trabalhava
de manhã cedo até tarde da noite, não raro dezessete das vinte e quatro
horas do dia, apenas deixando sua escrivaninha para fazer as refeições ou
ir ao banheiro. Entretanto, seu apetite não diminuiu e ela comia muito.
Quando Ísis foi concluída ela havia engordado muito. Nessa ocasião eles já
planejavam partir para a Índia e HPB precisava emagrecer para poder viajar.
Olcott conta:

“... um dia ela saiu com minha irmã e foi se pesar: a balança deu que
ela estava com 111,1 kg, e então ela anunciou que pretendia reduzir
seu peso para algo apropriado para viajar o que ela fixou em 70,8 kg.
Seu método era muito simples; todos os dias, dez minutos após cada
refeição lhe traziam um copo cheio de água; então ela punha a palma
da mão sobre ele, olhava-o mesmericamente e bebia tudo. Eu me
esqueci por quantas semanas ela continuou esse tratamento, mas
finalmente ela pediu para minha irmã ir novamente com ela para se
pesar. Elas trouxeram e me mostraram o certificado do dono da
balança, atestando que o peso de Madame Blavatsky nessa data era
70,8 kg!” (ODL I, 453)

O Fumo

Um outro hábito que HPB cultivou por muitos anos foi o fumo.
Aparentemente ela sempre fumou algum tipo de cigarro que ela mesma
preparava e não o comprado pronto. Olcott diz a esse respeito:

(p. 120)
“HPB era, todo mundo sabe, uma fumante inveterada. Ela consumia
um número imenso de cigarros por dia e para enrolá-los possuía a
maior das destrezas. Ela podia até mesmo enrolá-los com a mão
esquerda enquanto ela estava “copiando” com a direita.” (ODL I, 452)

Albert Rawson, amigo de Blavatsky por mais de quarenta anos,


afirma que HPB também fazia uso de haxixe. Cabe realçar que na época o
uso não tinha a mesma conotação que atualmente, e era comum como um
instrumento de desenvolvimento psíquico em escolas iniciáticas. Rawson
relata:

“Ela usou haxixe no Cairo com sucesso, e novamente o utilizou nessa


cidade [Nova Iorque] sob meus cuidados e do Dr. Edward Sutton
Smith, que tem tido uma larga experiência com drogas entre seus
pacientes (...). Ela [HPB] disse: “O haxixe multiplica a vida da pessoa
mil vezes. Minhas experiências são tão reais quanto se fossem
eventos comuns de minha vida real. Ah! Eu tenho a explicação. É a
lembrança de minhas existências anteriores, minhas encarnações
prévias. É uma droga maravilhosa que desanuvia mistérios
profundos”.” (Rawson 1988, 211)

Outra testemunha de que Madame Blavatsky usava haxixe é Hannah


Wolff, que conviveu com ela em 1874, em Nova Iorque. Ela diz:

“Desde o início ficou evidente que ela consumia tabaco em grande


excesso, frequentemente usando, como ela me contou, uma libra
(453,54 gramas) por dia. Eu logo soube também que era viciada no
uso de haxixe. Várias vezes ela tentou me persuadir a experimentar
o efeito em mim mesma. Ela contou que havia fumado ópio, visto
suas visões e se entregado a suas fantasias, mas que as beatitudes
gozadas no uso de haxixe eram como o paraíso comparado a seu
inferno. Ela disse que nunca encontrou nada semelhante aos seus
efeitos de gerar e estimular a imaginação.” (Wolf)

HPB das 40 Línguas

Um outro aspecto que era motivo de perplexidade era o fato de que


em certas ocasiões HPB apresentava um conhecimento que em outras
simplesmente desaparecia. Isso se aplicava, por exemplo, às línguas. Em
(p. 121)
algumas ocasiões ela podia até mesmo dar uma palestra num determinado
dialeto que, em outras, não conseguia nem mesmo compreender!

Quando Olcott perguntou à tia Nádia sobre a educação de HPB, ela


lhe respondeu que:

“... sua educação havia sido simplesmente aquela de uma jovem de


boa família. Que ela havia aprendido, além do Russo que era sua
língua materna, o Francês, um pouco de Inglês e um conhecimento
superficial de Italiano, além de música. Ela estava assombrada com
meus relatos sobre a erudição dela, e só podia atribuir isso ao mesmo
tipo de inspiração que havia sido desfrutado pelos Apóstolos, os
quais, no dia de Pentecostes, falaram em línguas estranhas das quais
eles antes ignoravam. Ela acrescentou que desde a infância sua
sobrinha tinha sido uma médium de extraordinário poder psíquico e
variedade de fenômenos, maior do que qualquer outro que ela tivesse
lido a respeito no curso de uma vida de estudos sobre esse tema.”
(ODL l, 104)

Mas Madame Blavatsky explica para sua irmã Vera que quem a fazia
ter o conhecimento de outras línguas, era a “Voz”, isto é, seu Sahib, o
Mestre Hillarion:

“Eu nunca contei a ninguém sobre as minhas experiências com a


Voz. Quando eu tento afirmar que nunca estive na Mongólia, que não
sei nem Sânscrito, nem Hebreu ou línguas europeias antigas, eles
não me acreditam. “Como é isso”, eles dizem, “que você nunca
esteve lá, se você descreve tudo com tanta precisão? Você não sabe
as línguas, mas você traduz direto dos originais!” E assim eles se
recusam a acreditar em mim. Eles pensam que eu tenho algumas
razões misteriosas para o sigilo e, além disso, é para mim, algo
embaraçoso negar, quando todo mundo já me ouviu discutindo vários
dialetos indianos com um palestrante que havia passado vinte anos
na Índia.” (Letters of H.P. Blavatsky, I)

Um exemplo de ocasião na qual isso gerou perplexidade foi narrado


por William Judge, que descreve um caso que ocorreu em sua presença. Em
1888, em Londres, um Hindu a quem ela havia encontrado em Meerut (Índia),
disse para HPB, através de um intérprete, que ele estava sem entender
porque razão ali ela não estava falando com ele em sua própria língua, como
havia feito quando conversaram longamente
(p. 122)
em Meerut. A isso ela respondeu: “Ah, sim, mas isto foi lá em Meerut.”
(Letters of H.P. Blavatsky, I)

Brincando com esse conhecimento de línguas, que não era seu,


numa carta para Sinnett, ela despede-se como “Sua, Blavatsky das “40
línguas”.” (LBS, 210)

A Personalidade Explosiva

HPB tinha uma personalidade explosiva e, quando provocada, podia


ser bastante rude no seu palavreado. Entretanto, com a mesma rapidez com
que explodia, ela voltava a conversar de um modo amigável e sem mágoas.

Em Nova Iorque, havia um irlandês, O’Donovan, um escultor muito


talentoso, um excelente companheiro, que tinha um fino senso de humor.
HPB apreciava-o imensamente e ele nutria o mesmo sentimento por ela. Ele
adorava provocar Madame Blavatsky e examinar suas reações:

“Vendo o quão brava e esquentada HPB sempre ficava quando o


catolicismo romano era mencionado, ele costumava fingir que
acreditava que esse credo eventualmente varreria da face da terra o
Budismo, o Hinduísmo e o Zoroastrianismo. Embora aplicasse esse
golpe por vinte vezes, HPB invariavelmente caía outra vez na
armadilha sempre que O’Donovan a preparava. Ela iria fumegar e
xingar, e chamá-lo de um idiota incurável e outros nomes, sem
resultado; ele se sentaria e fumaria num silêncio pleno de dignidade,
sem mudar um traço da face, como se estivesse escutando a um
discurso dramático no qual os sentimentos do próprio orador não
tomam parte. Quando ela tivesse falado e gritado até perder o fôlego,
ele se voltaria lentamente para a pessoa ao lado e diria: “Ela fala bem,
não fala? Mas ela não acredita nisso; é apenas sua aptidão para
respostas vivas e espirituosas. Ela ainda será uma boa católica algum
dia.” Então HPB explodiria com a sua extrema audácia e fazia como
se fosse atirar algo nele, e ele escaparia para a cozinha e prepararia
uma xícara de chá! Eu o vi trazendo amigos apenas para apreciar
esse tipo de provocação; mas HPB nunca alimentou qualquer
malícia, e após se aliviar repreendendo-o
(p. 123)
com aspereza, seria tão amiga quanto antes com seu inveterado
provocador.” (ODL I, 411-412)

Um de seus maiores charmes era seu lado de fazer gracejos. Ela


adorava dizer coisas picantes a seu respeito e ouvir os outros dizerem. Ela
costumava falar de um modo nada convencional, formulando seus pontos de
vista com tanta imaginação e entusiasmo que mesmo aqueles que não a
compreendiam ficavam admirando seu discurso. Em seu dia a dia seu
sarcasmo era afiado como uma faca, e em seus momentos de raiva explodia
como uma bomba.

Ela era uma pessoa que falava franca e diretamente quando não
estava trocando delicadezas com um novo conhecido, em cujo caso ela era
uma grande dama. Não importando quão desalinhada ela estivesse vestida,
tinha a marca de seu alto nascimento e, se quisesse, poderia ser tão digna
quanto uma duquesa francesa.

Ela não tinha um bom olho para cores e proporções, e muito pouco
senso estético. Certa vez ela e Olcott foram ao teatro e ele imaginou que
toda a casa fosse se levantar quando eles se chegaram, pois:

“Ela, uma mulher corpulenta e marcante, vestindo um alegre chapéu


com plumas, um vestido de noite de seda com muitos enfeites, uma
longa e pesada corrente de ouro em seu pescoço, ligada a um relógio
azulado com um monograma feito de diamantes nas costas, e em
suas adoráveis mãos uns doze ou quinze anéis, grandes ou
pequenos. As pessoas poderiam rir à sua passagem, mas quando
percebiam seu olhar severo e sua grande face “Calmuck”, seu riso
logo morria e um senso de admiração e maravilha tomava conta
delas.” (ODL l, 459)

HPB fazia inúmeros amigos, mas frequentemente os perdia e eles se


tornavam seus inimigos pessoais. Sinnett comenta:

“Nenhum comportamento poderia ser pior que o seu para conquistar


a confiança daqueles que procuram ardentemente um elevado ideal
espiritual, e estão no momento intermediário que se situa entre o
despertar de um interesse inicial pelas teorias gerais do ocultismo e
uma intimidade profunda. Os que lhe fazem justiça são, de um lado,
os que a conhecem pouco ou que não conhecem senão as suas
obras, e do outro, os que a conhecem suficientemente fundo para que
ela não possa enganá-los por sua aspereza e suas originalidades,
levando-os a duvidar de seu valor.
(p. 124)
As pessoas que dela conseguiram se aproximar sem se tornarem
íntimas, e sem possuir uma prolongada experiência dos diferentes
elementos de seu caráter, não podem deixar de sentir, vez por outra,
que sua confiança foi abalada e de experimentar uma dolorosa
desconfiança sobre suas noções da verdade, ou do bem e do mal; e
uma vez dominados por essa ideia, não podem evitar que a mesma
se desenvolva, a menos que a confessem e a discutam abertamente
com ela própria.” (Sinnett 1886, 245)

Ninguém podia ser mais fascinante do que ela quando queria atrair
pessoas para seu trabalho público. Ela seria cuidadosa no tom e nos modos,
e faria a pessoa sentir-se como se fosse o melhor, senão o único amigo que
ela possuía. Olcott relata:

“Com as pessoas comuns como eu, não poderia dizer que ela fosse
leal ou fiel. Nós éramos, creio eu, nada mais que peões num jogo de
xadrez, por quem ela não tinha nenhum amor profundo. Ela me
repetia os segredos de pessoas de ambos os sexos – mesmo os mais
comprometedores – que lhe haviam confiado, e tratava os meus,
estou convencido, da mesma maneira. Mas ela era leal até o fim para
com sua tia, seus outros familiares e para com os Mestres, por cujo
trabalho ela sacrificaria não apenas uma, mas vinte vidas, e
calmamente veria toda a raça humana ser consumida no fogo, se
necessário fosse.” (ODL I, 462)

Essa devoção aos Mestres sempre foi a luz que guiou HPB por toda
a sua vida, uma característica reconhecida e admirada por todos aqueles
que com ela conviveram mais intimamente. Como diz Olcott:

“Ela era uma ocultista grande demais para que julguemos sua
estatura moral. Ela nos compelia a amá-Ia, por mais que pudéssemos
conhecer suas faltas; a perdoá-la, por mais que ela pudesse ter
quebrado suas promessas e destruído nossa primeira crença em sua
infabilidade. E o segredo desse encantamento poderoso era seus
inegáveis poderes espirituais, sua evidente devoção aos Mestres que
ela descrevia como personagens supranaturais, e seu zelo pela
elevação espiritual da humanidade através do poder da Sabedoria
Oriental.” (ODL I, x)

(p. 125)
O “Melhor Disponível”

É claro que os Mestres reconheciam as dificuldades com HPB. O


Mestre KH escreve “imperfeita como possa ser nossa agente visível – e
usualmente ela é a mais insatisfatória e imperfeita – ainda assim ela é
a melhor disponível no momento”. (MLcr., 9)

Mas os Mestres diziam que, na verdade, essas mesmas dificuldades


poderiam ser encaradas como vantagens para os demais, uma vez que
serviriam de testes e estímulos para realizar o trabalho:

“Julgo que é uma positiva vantagem para todos os demais que ela
seja da maneira que é, pois assim foi-lhes dado um maior estímulo
para realizar, apesar das dificuldades que você crê que ela tenha
criado. Eu não digo que a teríamos preferido, caso estivesse
disponível um agente mais tratável; mas ainda assim, no que diz
respeito a vocês, isso foi uma vantagem”. (MLcr., 435)

Eles reconheciam também que tinham muitos problemas com a


mente de Madame Blavatsky, e não apenas com seu temperamento:

“Outro bom exemplo da habitual desordem na qual a mobília mental


da Sra. H.P.B. é mantida. Ela fala sobre “Bardo” e nem mesmo diz a
seus leitores o que significa! Assim como em seu escritório a
confusão se multiplica por dez, do mesmo modo em sua mente se
amontoam ideias num tal caos que, quando ela quer expressá-las o
rabo salta antes da cabeça.” (MLcr., 194)

A explicação que e dada para essa característica mental é a falta de


concentração, aliada ao fato de que HPB era uma pensadora muito rápida:
“Todos os pensadores rápidos são difíceis de se comunicar algo –
num instante eles estão longe e “alardeando”, antes de entender
metade do que se quer que eles pensem. Esse é o nosso problema
tanto com a Sra. B. [Blavatsky] quanto com O. [Olcott]. As frequentes
falhas desse último em levar adiante as sugestões que ele algumas
vezes recebe – mesmo quando escritas, são quase que
completamente devidas à sua própria mentalidade ativa, que o
impede de distinguir entre as nossas impressões e as suas próprias
concepções. E o problema da Sra. B [Blavatsky] é (além da
enfermidade física) que ela algumas vezes ouve duas ou mais de
nossas vozes ao mesmo tempo; p. ex., essa manhã enquanto
(p. 126)
o ‘Deserdado’ [Djual Khool] (...) estava falando com ela sobre um
assunto importante, ela emprestou um ouvido a um dos nossos que
está passando por Bombay vindo de Chipre, em seu caminho para o
Tibet – e, assim, misturou as duas numa confusão inextricável.
Mulheres realmente carecem do poder de concentração.” (MLcr., 52)

A Explicação dos Mestres

A natureza facilmente excitável de HPB e suas incoerências


chocavam as noções do que seria um comportamento social adequado, e
levaram Sinnett e Hume a considerá-la “um transmissor muito
indesejável” (MLcr., 79) das mensagens dos Mestres, distante da imagem
do que deveria ser um “mensageiro escolhido para a corporificação de
toda pureza e virtude”. (LBS, 305) Hume escreve para Madame Blavatsky:

“... embora eu possa convencer aos outros – quase perdi o meu


próprio convencimento. Até que eu viesse a defender nossa
posição, jamais havia compreendido sua extrema fragilidade.
Você, você querida velha pecadora (...) é a pior de todas as fissuras
em nossa posição – sua completa falta de controle do temperamento
– sua maneira totalmente não budista e não cristã de falar de todos
que a ofendem – suas afirmações precipitadas, formam em conjunto
uma acusação difícil de defender”. (LBS, 306)

O Mestre explica para Hume e Sinnett que esse comportamento era


uma consequência de seu treinamento oculto:

“Esse estado dela está intimamente conectado com seu treinamento


oculto no Tibet, e ao fato dela ter sido enviada ao mundo sozinha,
para gradualmente preparar o caminho para outros. Após quase um
século de procuras infrutíferas, nossos chefes tiveram que aproveitar
a única oportunidade de enviar um corpo europeu para o solo
europeu, para servir como um elo de ligação entre aquela terra e a
nossa própria. Você compreende? Claro que não.” (MLcr., 79)

O Mestre explica que a questão, bastante complexa, estaria


relacionada ao fato de que quando um chela volta de seu treinamento, pelo
menos um dos sete princípios de que todo ser humano é constituído, deveria
ficar para trás. Isso por dois motivos:

(p. 127)
“... em primeiro lugar para formar o elo de ligação necessário, o fio de
transmissão – e em segundo lugar como a garantia mais segura de
que certas coisas nunca serão divulgadas. Ela não é uma exceção à
regra, e você já viu um outro exemplo – um homem altamente
intelectual – que teve que deixar uma de suas peles para trás; assim,
ele é considerado altamente excêntrico. O comportamento e status
dos seis remanescentes depende de suas qualidades inerentes, das
peculiaridades psico-fisiológicas da pessoa, especialmente das
idiossincrasias transmitidas pelo que a ciência moderna chama de
“atavismo”.” (MLcr., 79)

Mas Hume argumenta que se ela era “um mutilado psicológico,


um de seus sete princípios tendo ficado empenhado no Tibet” (LBS,
307), então qual seria esse princípio? Naturalmente não podia ser o corpo
físico nem o etérico, que faz parte dele. Nem o astral, “pois se fosse, sua
falta não responderia pelos seus sintomas”, isto é, suas explosões
emocionais. E continua:

“Também certamente não é o Jivatma, você tem grande quantidade


de vida em si mesma. Nem é o quinto princípio, ou mente, pois sem
esse você seria “quo ad” ao mundo externo, uma idiota. Nem é o
sexto princípio, pois sem esse você seria um demônio, intelecto sem
consciência e, com relação ao sétimo, esse é universal e não pode
ser capturado por nenhum Irmão ou Buddha, mas existe para cada
um exatamente na medida em que os olhos do sexto princípio
estejam abertos.
“Portanto a explicação para mim não apenas não é satisfatória
– mas uma vez que foi oferecida – lança suspeita sobre toda a coisa.”
(LBS, 307)

Abaixo dessas ponderações o Mestre Morya precipita o seguinte


comentário:

“Muito esperto – mas suponha que não seja nenhum dos sete em
particular, mas todos? Cada um deles sendo um “mutilado” e
impedido do exercício de seus plenos poderes? E suponha que essa
seja a sábia lei de um poder com ampla capacidade de previsão!”
(LBS, 307)

Hume conclui a carta para HPB lamentando que a questão fosse de


uma tal natureza que, “quanto mais se examina, menos parece se
sustentar.” E deplorava:

(p. 128)
“... a tolice dos seres superiores que a mandaram para combater o
mundo armada apenas com uma parte de suas faculdades, e
cuidadosamente a envolveram com uma tal rede de fatos
contraditórios e comprometedores, de modo a tornar impossível que
o amigo que mais a ama, e de modo algum o menos inteligente, não
tenha às vezes graves dúvidas, não apenas quanto à existência
deles, mas também quanto à sua boa fé.” (LBS, 307)

A isso o Mestre M. acrescentou: “Nunca para aqueles que a


conhecem bem.” (LBS, 310)
Dayanand Saraswati.

(p. 129)
Capítulo 9

A Aliança da Sociedade Teosófica com a Arya Samaj

Tendo em mente o panorama mais verdadeiro de que a Sociedade


Teosófica em seu início estava mais voltada para o desenvolvimento prático
das faculdades psico-espirituais de seus membros, podemos entender
melhor o porquê da aliança entre a Sociedade Teosófica e o Swami
Dayanand Saraswati e sua sociedade, a Arya Samaj.

Olcott relata que tudo começou numa tarde do ano de 1877, quando
Ísis Sem Véu ainda estava sendo escrita. Um “viajante americano que
havia recentemente estado na Índia” (ODL I, 395) apareceu e reparou
numa fotografia pendurada na parede, onde Olcott aparecia com dois hindus.

Embora esse viajante seja usualmente identificado como James


Peebles, Michel Gomes chama a atenção de que o velho médico de 75 anos
partiu de “sua casa em Hammond, Nova Jersey, em agosto de 1876 para
sua segunda viagem à volta do mundo, retornando a Nova Iorque em
junho de 1878.” (Gomes 1987, 228). Portanto, Peebles não poderia ser o
“viajante americano”.

Um possível candidato a ser o “viajante americano” é Albert Rawson.


Embora ele praticamente não seja citado por Olcott, HPB o apresenta em
Ísis:

“Fora do Oriente encontramos um único iniciado (e somente um) o


qual, por algumas razões que ele mesmo melhor conhece, não faz
segredo de sua iniciação na Fraternidade do Líbano. É o erudito
viajante e artista, professor A.L. Rawson da cidade de Nova Iorque.
Esse cavalheiro passou muitos anos no Oriente, visitou quatro vezes
a Palestina e viajou para Meca. Podemos com segurança dizer que
ele tem um inestimável conhecimento de fatos acerca dos primórdios
da Igreja Cristã, que ninguém, a não ser aquele que tenha tido livre
acesso aos repositórios fechados ao viajante comum, poderia ter
coletado.” (Isis Unveiled ll, 312)

A carta sobre sua iniciação com os druzos no Monte Líbano,


publicada em Ísis, está datada: “Nova Iorque 6 de junho de 1877” (Isis
Unveiled II, 313), mostrando que nessa época ele estava por lá e reforçando
a hipótese de que ele seja o “viajante americano”.

(p. 130)
Esse “viajante americano” reconheceu um dos dois indianos que
aparecia na foto como sendo Moolji Thackersey, com quem ele se encontrara
recentemente em Bombay. Então Olcott escreveu para Moolji contando
sobre a Sociedade Teosófica e o amor que sentia pela Índia.

A resposta de Moolji foi entusiasmada, aceitando o diploma de


membro da ST que Olcott lhe oferecera. Moolji também lhe contou sobre um
movimento chamado Arya Samaj, que tinha como um de seus objetivos o
resgate da religião dos Vedas e que era liderado por um grande Pandit e
reformador, Swami Dayanand Saraswati.

Swami Dayanand Saraswati

Swami Dayanand Saraswati nasceu em Kathiawar, Gujarat, em 1824.


Sua família era de brâmanes ortodoxos, seguidores de Shiva. Desde cedo
ele foi iniciado nos conhecimentos religiosos tradicionais. Seu pai era muito
rigoroso quanto à necessidade de cumprir os jejuns e orações devotados a
Shiva. Sua mãe se opunha, gerando infindáveis discussões entre os dois.

Aos 14 anos, em meio a uma noite de jejum e vigília de adoração à


imagem de Shiva, ao ver ratos comendo as oferendas dedicadas à
divindade, ele começou a rejeitar essa forma de adoração, pois lhe parecia
impossível: “conciliar a ideia de um Onipotente Deus vivo, com esse
ídolo, que permite que os ratos andem por seu corpo e assim sofre a
profanação de sua imagem sem o menor protesto.” (Dayanand, 10). A
partir desse episódio Dayanand passou a dedicar menos tempo às práticas
religiosas.
Aos 18 anos uma de suas irmãs morreu de uma doença muito rápida.
Sua morte gerou em Dayanand uma firme determinação de alcançar uma
realização interna. Abandonou as penitências e mortificações externas e
passou a valorizar cada vez mais os esforços internos da alma. (Dayanand,
10-11)

Aos 22 anos, quando seus pais resolveram que ele tinha que se
casar, Dayanand fugiu de casa e entrou para a Ordem dos Sanyasis. Mas
pouco tempo depois seus pais descobriram seu paradeiro e o levaram de
volta para casa.

Embora sempre vigiado, Dayanand conseguiu novamente fugir de


casa. Dessa vez foi iniciado na 4ª Ordem dos Sanyasis, isto é, aquela
(p. 131)
em que seus membros renunciam a todos os laços mundanos. Passou vários
anos viajando pela Índia, estudando e praticando Ioga. Nessas viagens
vendo a prática religiosa da população, ficava horrorizado com as
superstições com que se deparava, e que ele atribuía a traduções erradas
dos Vedas. (Dayanand, 9-13)

Em novembro de 1860 ele encontrou Swami Virajananda Saraswati,


um asceta cego, que redirecionou sua busca. Em 1863, Dayanand foi
embora, jurando dedicar-se à reforma do Hinduísmo, através do combate de
suas práticas religiosas populares como “a idolatria, castas, casamento
infantil, pretensões de superioridade dos brâmanes, peregrinações,
horóscopos, proibição das viúvas de casarem-se novamente,
restrições a viagens ao exterior”. (Johnson, 111) O lema de suas
reformas sociais era “De Volta aos Vedas”.

A Sociedade Arya Samaj foi fundada em Bombay, em 10 de abril de


1875. Quase dois anos depois, em 24 de junho de 1877, Swami Dayanand
foi para Lahore e lá estabeleceu a sede da Arya Samaj.

A União com a Arya Samaj (fevereiro/maio de 1878)

Em fevereiro de 1878, Olcott escreveu para Dayanand sobre o


grandioso trabalho que planejavam para a ST. Entre os vários objetivos
propostos estava um que certamente conquistaria a boa vontade do Swami:
imprimir e distribuir traduções corretas dos Vedas e de outros livros
sagrados, acompanhadas de comentários. Após discorrer sobre a proposta
Olcott lhe dizia:

“O Sr. nos honraria aceitando o diploma de membro correspondente


da Sociedade? Sua aprovação e apoio nos fortaleceria imensamente.
Nós nos colocamos sob suas instruções. Talvez possamos, direta e
indiretamente, ajudá-lo a apressar a realização da sagrada missão
em que está engajado (...). Nós labutamos para estabelecer uma
verdadeira Fraternidade da Humanidade, na qual o supremo laço de
parentesco será o amor à verdade. Aspiramos ajudar a fazer
desaparecer dogmas, credos e teologias, pois seja quem for que os
tenha criado, ou seja quem for a autoridade que os sustente, eles são
nuvens escuras obstaculizando o sol da luz espiritual.” (Olcott, 131)

(p. 132)
Na verdade Olcott e HPB não sabiam muito acerca da Arya Samaj.
Ainda em fevereiro, Olcott escreveu para Hurrychund Chintamon, líder da
Arya Samaj em Bombay, pedindo-lhe explicações sobre as diferenças entre
a Brahmo e a Arya Samaj. No seu entender a principal diferença era que a
Brahmo Samaj aceitava a doutrina de um Deus pessoal, enquanto que a
Arya Samaj pregava a existência de uma Essência Divina, eterna e ilimitada.
E lhe dizia:

“Com uma tal Samaj como a última (se for como a descrevi), a
Sociedade Teosófica tem a maior das afinidades. De fato, no que
diz respeito a seu departamento de trabalho no campo das religiões,
ela já é uma Arya Samaj sem o saber... Se a Arya Samaj é o que
imagino, ficarei orgulhoso de ser admitido como seu membro e
proclamar o fato para todo o público cristão. Mande-me todos os
documentos necessários para que eu possa compreender
exatamente o que ela ensina.” (Olcott)

Em maio receberam a resposta de Swami Dayanand, datada de 21


de abril, na qual ele declarava aceitar o diploma e fazia votos de continuar
com a troca de correspondência e amizade. Veio também uma carta de
Chintamon, datada de 22 de abril de 1878, na qual ele assegurava que os
princípios da ST eram idênticos aos da Arya Samaj e propunha uma fusão
das duas sociedades.

Entusiasmados com a possibilidade de fortalecimento do trabalho, o


Conselho da ST reuniu-se e aprovou a união das duas sociedades. Em 22
de maio de 1878, Augustus Gustam, secretário do Conselho, escreveu para
Swami Dayanand informando: “Foi resolvido por unanimidade que a
Sociedade aceita a proposta da Arya Samaj de unir-se a ela, e que a
denominação da Sociedade Teosófica seja alterada para “Sociedade
Teosófica da Arya Samaj”. E também que Swami Dayanand seja
reconhecido como “seu diretor legal e chefe.” (Gomes 1987, 162) Outra
denominação do Conselho foi voltar à cobrança de taxas dos membros que
seriam enviadas para a Arya Samaj.

Swami Dayanand como Instrutor dos Membros Ocidentais

Como já vimos, o treinamento prático visando ao desenvolvimento


psico-espiritual era o objetivo mais perseguido no início da ST.

(p. 133)
Nesse contexto, a aliança com Swami Dayanand Saraswati era muito
oportuna, pois HPB e Olcott reconheciam Dayanand como sendo um “Swami
Adepto”, como alguém que poderia dar instruções práticas aos membros.
Olcott escreve:

“... não me ofereci individualmente como seu Chela. Eu já era um


aluno aceito de um Mahatma, e recebendo instruções. Mas
nossos membros em geral não eram tão favorecidos, e por eles eu
roguei ao Swami para assumir a relação de Instrutor. Estando no
mundo e trabalhando ativamente, eu naturalmente inferi que ele
estaria mais livre do que nossos Mahatmas para estabelecer relações
com aqueles membros que não haviam prestado os votos de celibato
e total abstinência que eu havia prestado. E os irmãos Adeptos que
nós conhecíamos, tendo recusado a instruir qualquer membro que
não fosse um chela aceito, esses membros, tanto na América quanto
na Europa, estavam na época muito ansiosos para encontrar um tal
Instrutor. Às nossas ansiosas perguntas sobre o Swami, nossos
Instrutores invariavelmente nos respondiam que: – “Ele era um
Chela, era um logue... Ele é um bom homem. Testem-no e vejam.
Ele pode ser muito útil para seus membros americanos e ingleses.”
O que aprendemos do Swami depois, logo após nossa chegada à
Índia, não estamos em liberdade para divulgar.” (Olcott)

Além das instruções, outro ponto de união era a aparente similaridade


dos objetivos das suas Sociedades. Entretanto, em agosto de 1878 quando
receberam os estatutos da Arya Samaj traduzidos para o inglês, perceberam
que os objetivos da Arya Samaj eram bastante diferentes dos da ST. Isso os
levou a rescindir a resolução do Conselho de fusão das duas Sociedades, e
a Sociedade Teosófica retornou para a sua denominação original. (Ransom,
108)

Provavelmente a importância que Swami Dayanand assumia como


um instrutor prático é que fez com que as duas Sociedades continuassem
juntas. Não mais como uma fusão, mas agora como uma aliança de trabalho,
semelhante àquela que também se iniciava com os budistas do Ceilão.

(p. 134)
Dois Krishnavarmas? (1878)

Pandit Shiamji Krishnavarma, um dos principais discípulos de Swami


Dayanand, nasceu em 1857 em Kutchi. (Johnson, 117). Pouco tempo após
HPB e Olcott terem chegado à Índia, Krishnavarma foi para Oxford,
aceitando a posição de Conferencista Oriental do Balliol College. Foi
nomeado Conferencista nas línguas Sânscrito, Marathi e Gujarati e
assessorou ao Prof. Sir Monier-Williams, que havia originalmente
patrocinado sua ida. (CW I, 437)

Há uma carta de HPB para sua tia onde ela fala sobre a existência
de dois Krishnavarmas. Não há dúvidas de que HPB está se referindo ao
Krishnavarma descrito acima quando escreve: “o segundo Krishnavarma
Sheyamaji, principal apóstolo e aluno de nosso Swami virá no próximo
inverno para nos ensinar”. (HPB Speaks I, 200)

Olcott não faz nenhum comentário sobre a existência de dois


Krishnavarmas em seu livro Old Diary Leaves. É interessante observarmos
isso porque, como veremos adiante, esse outro Krishnavarma não parece
ser um personagem fácil de esquecer. Portanto, ou ele é uma ficção criada
por HPB ou é alguém que queria ficar incógnito. A única referência conhecida
para esse outro Krishnavarma é uma carta de Madame Blavatsky para sua
tia, que Jinarajadasa data como sendo de 3 de julho de 1877, embora pelo
seu conteúdo fique claro que foi escrita em 1878. (Deveney et al., 51)

HPB escreve para sua tia que esse outro misterioso Krishnavarma
tinha sido de grande auxílio para eles. Ele havia chegado há duas semanas
de Multan (Punjab, Índia) numa carroça (!!) e estava hospedado com eles.
Ela também relata que havia retornado a três dias de uma viagem com
Krishnavarma e Olcott, na qual foram até um local “quase tão distante
quanto a Califórnia”. (HPB Speaks I,198) HPB descreve a viagem:

“Em Milwaukee e Nevada, todas as senhoras ficavam todo o tempo


andando perto de nossas janelas e do terraço onde estávamos
sentados, para olhar para Krishnavarma; ele é excepcionalmente
bonito, embora de uma cor café claro. Em sua longa túnica branca,
com um turbante branco estreito em sua cabeça, com diamantes em
seu pescoço e os pés descalços, ele é realmente uma visão curiosa
entre os americanos de paletós pretos e colarinhos
(p. 135)
brancos. Muitos fotógrafos vieram me pedir permissão para tirar fotos
suas, mas ele negou a todos eles, e todos se admiravam quão bom
e puro era seu inglês. Deus sabe qual a sua idade. Quando alguém
o olha pela primeira vez, ele parece não ter mais do que 25, mas há
momentos em que ele parece um homem de 100 anos.” (HPB
Speaks I, 198)

Essa viagem para um lugar “quase tão distante quanto a


Califórnia”, da qual teriam voltado a três dias, ou seja, em final de junho de
1878, é difícil de encaixar nas atividades de HPB e Olcott nesse período.
Sabe-se que eles viajaram para Nova Jersey e Albany, no estado de Nova
Iorque. (CW I, lxiii)

HPB ainda escreve que Krishnavarma estaria indo no dia seguinte


para a América do Sul, e que trouxera para a Sociedade Teosófica 40.000
rúpias ou 20.000 dólares em ouro. Lembrando das dificuldades financeiras
que HPB e Olcott passavam, ou esse dinheiro foi repassado para outro
trabalho que desconhecemos, ou a quantia parece ser mais um exagero de
HPB.

Krishnavarma também teria dado a HPB 200 moedas de ouro


inglesas por sua estadia de duas semanas, embora com exceção do chá que
ele mesmo preparava, não tivesse tirado nada da dispensa. Ela descreve
seus hábitos:

“Todas as manhãs, seu velho servo (...) ia à cidade para trazer frutas
e arroz em suas próprias travessas de prata. Esse homem se diria ter
1000 anos de idade. Sua face é velha, velha como um pergaminho,
mas que força! Alguns dias atrás meninos e alguns adultos
aborreceram-no muito, seguindo-o por toda parte e provocando-o.
Ele segurou um deles pelo pescoço e jogou-o do outro lado da rua
numa vala com água suja e outro uns 50 passos mais adiante. A
multidão estava brava, mas Krishnavarma jogou no meio deles um
punhado de moedas de ouro e eles pularam sobre o dinheiro como
feras selvagens e gritavam para os dois Hurra! até que eles entraram
em nossa casa. Agora, para evitar escândalos, Olcott está indo com
o velho homem até o mercado, comprar provisões.” (HPB Speaks l,
199)

Em 5 de abril Thomas Alva Edison havia enviado seu pedido de


ingresso na Sociedade Teosófica. Embora tanto HPB quanto Olcott se
orgulhassem de sua filiação, referindo-se a ele como “Sr. Edison, o
teosofista”,
(p. 136)
a verdade é que sua relação com a Sociedade nunca foi muito profunda,
ainda que seus pontos de vista pessoais tivessem muitas semelhanças com
aqueles expostos em Ísis Sem Véu e A Doutrina Secreta. (Deveney et al.,
51) Apesar de vários convites de HPB, os dois nunca se encontraram
pessoalmente.

HPB menciona na carta que Krishnavarma havia ensinado a Edison,


que sofria problemas de audição, “mais duas ‘maravilhas’, de modo que
com um pequeno e quase invisível aparato colocado em seu pescoço,
o surdo ouvirá bastante bem.” (HPB Speaks I, 202) Na correspondência
até hoje conhecida, trocada entre HPB, Olcott e Edison, não há qualquer
referência a Krishnavarma. (Deveney et al., 54-57)

HPB e Olcott Chegam na Índia (fevereiro de 1879)

Embora já em 16 de maio de 1878 HPB e Olcott tivessem recebido


as primeiras ordens para se prepararem para uma mudança para a Índia
(Ransom, 106), apenas em 18 de dezembro é que eles conseguiram partir
de Nova Iorque, acompanhados de Edward Wimbridge. Chegaram em
Londres em 3 de janeiro de 1879, e nos quinze dias que lá passaram a ST
em Londres foi organizada.

Em 18 de janeiro, os três embarcam para a Índia acompanhados de


Rosa Bates (ODL II, 9), chegando em Bombay em 16 de fevereiro de 1879.
O navio mal havia ancorado quando três cavalheiros subiram a bordo à
procura de Olcott e HPB: eram Moolji Thackersey, Shiamji Krishnavarma e
Ballajee Sitaram, todos membros da ST. Mais tarde Chintamon também
apareceu e levou-os para uma casa de sua propriedade.

Na noite seguinte, Chintamon ofereceu uma enorme festa de boas-


vindas, para 300 convidados, com guirlandas de flores e discursos que
emocionaram Olcott (ODL II, 18). No outro dia, visitaram as cavernas de
Elephanta, receberam presentes e saudações de inúmeros visitantes e
assistiram ao drama hindu “Sitaram”, especialmente encenado em honra
deles.

Porém, descreve Olcott, “a doçura dessa noite foi seguida por


nosso primeiro gosto de amargura, na manhã seguinte.” (ODL II, 20). A
aparente amável recepção de Chintamon foi colocada numa enorme conta,
em que cobrava todas as despesas por ele efetuadas, como aluguel
(p. 137)
da casa, comida, reformas efetuadas na casa para hospedá-los, aluguel de
centenas de cadeiras para a festa, flores etc., deixando Olcott e HPB quase
sem dinheiro. (ODL II, 20)

A segunda decepção com Chintamon foi quando, logo em seguida,


Olcott e HPB descobriram que o dinheiro por eles enviado para a Arya
Samaj, 609 rúpias, havia parado nos bolsos de Chintamon. Com as
reclamações de outros membros da Arya Samaj, HPB forçou Chintamon a
devolver todo o dinheiro. Em 7 de março eles se mudaram para uma
pequena casa na Girgaum Back Road, 108, onde moraram por quase dois
anos.
Em 11 de abril HPB, Olcott e Moolji partiram para o norte da Índia,
encontrando Swami Dayanand em Sarahanpur, no dia 30. Olcott descreve:

“Eu estava imensamente impressionado com sua aparência, modos,


voz harmoniosa, gestos afáveis e dignidade pessoal. (...) Na longa
conversa que se seguiu, ele definiu seus pontos de vista quanto ao
Nirvana, Moksha e Deus, em termos tais que não tínhamos nenhuma
objeção. Na manhã seguinte discutimos as novas normas da ST, ele
aceitou um lugar no Conselho, me deu procuração por escrito com
totais poderes, recomendou a expulsão de Hurrychund Chintamon e
aprovou completamente nosso esquema de ter seções compostas
por grupos afins como budistas, parsis, maometanos, hindus, etc.”
(ODL II, 78)

No dia seguinte partiram para Meerut, acompanhando Swami


Dayanand. No caminho, chegaram a um acordo de que ele iria “esboçar e
nos enviar os três graus maçônicos que pretendíamos criar para
classificar nossos membros avançados, de acordo com suas
capacidades mentais e espirituais.” (ODL II, 79)

Ficaram até 7 de maio participando de várias atividades da Arya


Samaj, num clima bastante cordial. No dia 13, seguindo a recomendação de
Swami Dayanand, o Conselho da ST expulsou Chintamon.

Em julho de 1879 HPB e Olcott decidiram fundar a revista oficial da


ST: The Theosophist. Um de seus objetivos iniciais era ser um meio para
responder às inúmeras – e geralmente repetidas – perguntas que chegavam,
respondidas em infindáveis horas escrevendo cartas. Após vários meses
envolvidos com o desenvolvimento da nova revista, em outubro de 1879 o
primeiro número foi publicado.

(p. 138)
No final de 1879 The Theosophist tinha 621 assinantes o que era
um grande número, pois os jornais de maior circulação na Índia tinham de
1500 a 2000 assinantes. O crescimento da revista trouxe muito trabalho, pois
havia poucos ajudantes e pouco dinheiro para contratar pessoas. Eles
tinham que fazer de tudo, do editorial ao empacotamento das revistas. (ODL
II, 137)

Damodar K. Mavalankar (julho de 1879)

Após a partida de HPB e Olcott de Nova Iorque, no final de 1878, a


Sociedade Teosófica na América ficou praticamente inativa. Devido a
situações particulares, os principais representantes, William Q. Judge e o
general Abner Doubleday, não podiam dedicar-se à propagação do
movimento. Olcott escreve:

“Mais do que nunca, o centro de desenvolvimento estava confinado a


nós dois, e a única esperança da sobrevivência do movimento era
que continuássemos vivendo e nunca permitindo que nossas
energias arrefecessem por um momento.” (ODL II, 212)

Porém, poucos meses após se estabelecerem em Bombay, eles já


não estavam tão sozinhos: Damodar K. Mavalankar havia chegado para
ajudá-los, dedicando-se ao trabalho de corpo e alma. Embora tenha
participado da ST apenas entre 1879 e 1885, ele é reconhecido no meio
teosófico por seu trabalho e dedicação incansável como um modelo de vida
teosófica.

Damodar nasceu em Ahmedabad, Gujarat, em setembro de 1857,


numa família de brâmanes. Sua família tinha posses e ele recebeu uma
excelente educação, tanto dentro da tradição hindu quanto inglesa. Na
infância ficou gravemente enfermo e, analogamente a Judge, foi
milagrosamente salvo:

“Em minha infância tive uma doença muito perigosa, e os médicos


perderam as esperanças de me salvar. Enquanto meus parentes
esperavam minha morte para qualquer momento, tive uma visão que
produziu uma impressão tão profunda em minha mente que jamais
pude esquecer. Vi um certo personagem – que então considerei ser
um Deva, i.e., um Deus – que me deu um estranho remédio; e,
surpreendentemente, a partir daquele momento
(p. 139)
comecei a me recuperar. Alguns anos mais tarde, enquanto estava
praticando meditação, vi o mesmo personagem, e o reconheci como
o meu Salvador. Ele também me salvou das garras da morte numa
outra ocasião.” (SPR Appendix IX)

Entre 10 e 14 anos, Damodar estudou o Hinduísmo, e praticava todos


os ritos religiosos apropriados para seu estágio. À medida que começou seus
estudos acadêmicos, os rituais foram dando lugar aos estudos escolares:

“Antes, embora ardentemente ritualista, não estava realmente


gozando de felicidade e paz mental. Simplesmente praticava minha
religião, sem compreendê-la. O mundo pesava tão duramente sobre
mim quanto sobre qualquer outro, e eu não podia ter nenhuma visão
clara do futuro. (...) Minhas aspirações eram apenas por mais
Zamindaries [terras], posição social e gratificação de desejos e
apetites. Mas meus estudos e reflexões posteriores me mostraram
que todas essas coisas não passam da névoa ilusória de um sonho
e que somente é digno de ser chamado um homem, aquele que fez
do capricho seu escravo e, da perfeição de seu ser espiritual o grande
objetivo de seus esforços.” (Eek 1978, 140)

Em 1879, Damodar leu um livro que mudaria sua vida para sempre:
Ísis Sem Véu. Ao saber da presença da autora na Índia, foi imediatamente
para Bombay conhecê-la. Quando entrou na Sede da ST em Bombay, ficou
impactado ao ver o retrato do Ser que havia aparecido em suas visões.
Quando soube que Ele era um dos Mahatmas que estava por detrás de HPB
e da ST, esse reconhecimento “selou sua devoção à nossa causa, seu
discipulado a HPB.” (ODL II, 213)

Em 13 de julho de 1879 Damodar pediu ingresso na ST. Foi iniciado


em 3 de agosto, e passou a fazer visitas frequentes a Olcott e HPB. De
acordo com os costumes de sua casta, Damodar precisava da autorização
de seu pai para poder viver na Sede com HPB e Olcott. Além disso, ele
também queria adotar o modo de vida de um sannyase, renunciando a todas
as ligações mundanas, inclusive à casta. HPB e Olcott o aconselharam a
esperar mais tempo, para que pudesse refletir melhor sobre um passo tão
importante como esse. (Eek 1978, 140) Mas Damodar estava decidido e não
esperou. Ele assim justifica sua decisão:

“Que culpa tem alguém de ter nascido numa determinada casta? Eu


respeito um homem por suas qualidades e não por seu nascimento.
(p. 140)
Isto é, o homem que a meus olhos é superior, é aquele cujo homem
interior se desenvolveu ou está numa condição de desenvolvimento.
Esse corpo, riquezas, amigos, relações e todos os outros prazeres
mundanos que os homens consideram tão caros e próximos de seus
corações passarão, mais cedo ou mais tarde. Mas o registro de
nossas ações para sempre permanecerá para ser transmitido de
geração para geração. Nossas ações, portanto, devem ser tais que
nos façam dignos de nossa existência nesse mundo, enquanto
estivermos aqui, assim como após a morte. Eu não podia fazer isso
observando os costumes da casta.” (Eek 1978, 142)

Damodar assumiu o cargo de secretário adjunto e, apesar da saúde


delicada, varava as noites trabalhando, principalmente na correspondência
e na revista recentemente fundada, The Theosophist. Olcott relembra sua
dedicação:

“Embora fosse frágil como uma menina, ele se sentaria em sua


escrivaninha, algumas vezes escrevendo por toda a noite, a menos
que eu o surpreendesse e o forçasse a ir para a cama. Nenhum filho
jamais foi tão obediente a uma mãe, nenhum filho adotivo mais
completamente generoso em seu amor a uma mãe adotiva, do que
ele a HPB: sua menor palavra era para ele lei; seu desejo mais
extravagante, uma ordem imperiosa, para obedecer a qual, ele
estava pronto a sacrificar a própria vida.” (ODL II, 212)

“Tente Novamente” Sempre Deveria Ser Nosso Lema

A determinação era um traço marcante na personalidade de


Damodar. Numa carta para Judge, escrita poucos meses após ter entrado
na ST, ele lhe fala sobre a importância de não desistir, de sempre tentar
novamente para alcançar o sucesso na vida interna:

“Ao empreender qualquer coisa, a primeira coisa que se requer é a


perseverança. “Tente novamente” sempre deveria ser nosso lema.
Uma criança nunca aprenderia a andar se nunca tentasse fazer isso,
simplesmente porque em suas primeiras tentativas ela sofre
fracassos e cai de vez em quando. Mas, apesar disso, o instinto da
criança a estimula a continuar em seus esforços até ter sucesso. Será
que o mesmo espírito que dá à criança o instinto, não a
(p. 141)
ilumina depois que ela se torna um homem? Não é vergonhoso para
qualquer pessoa que, embora na infância ela aja em obediência às
instruções do Espírito Divino, após chegar à maturidade se torne
surda aos ensinamentos daquele Espírito que uma vez já lhe deu o
sucesso, em sua juventude, apesar de todos os primeiros fracassos?
(Eek 1978, 26)
Essa determinação e força de vontade também aparecem claramente
num episódio contado por Olcott, ocorrido pouco depois deles terem se
mudado para Adyar. A presença de um rio, nos fundos da casa, despertou
em HPB e Olcott a vontade de nadar:

“Deve ter espantado nossos vizinhos europeus ver quatro europeus


– pois aquela era a época dos dois Coulombs – banhando-se junto
com meia dúzia de indianos de pele escura, batendo na água e rindo
juntos, exatamente como se não acreditássemos pertencer a uma
raça superior. Eu ensinei minha “colega” a nadar, ou melhor, a
debater-se de uma maneira ou de outra, e também ao querido
Damodar que era, até um certo momento, um dos maiores covardes
que jamais vi na água. Ele tinha calafrios e tremia se a água estivesse
perto do joelho, e podem acreditar que nem HPB nem eu o
poupávamos com nossos sarcasmos. “Que vergonha” eu disse, “Um
belo adepto você dará, quando nem mesmo ousa molhar seu joelho!”
Ele não disse nada naquele momento. Mas no dia seguinte, quando
fomos nos banhar, ele mergulhou e atravessou o rio a nado: tendo
tomado minha zombaria ao pé da letra, decidiu que iria nadar ou
morrer. Essa é a maneira das pessoas se desenvolverem até se
tornarem adeptos. TENTAR, é a primeira, última e eterna lei de auto
evolução. Fracasse cinquenta, quinhentas vezes se precisar, mas
continue a tentar e tente sempre, e você terá sucesso no final. “Eu
não posso” nunca desenvolveu um homem ou um planeta.” (ODL II
396)

Onde Estão os Adeptos? (agosto de 1879)

Cerca de um mês após ter ingressado na ST, Damodar começou a


sentir uma voz interna sussurrando que HPB não era o que aparentava ser.
Isso se tornou uma crença tão forte, que várias vezes ele pensou em
(p. 141)
lhe implorar que ela se revelasse. Mas, considerando-se impuro para receber
tal revelação, ficou em silêncio, consolando-se com o pensamento de que,
se algum dia o julgasse digno, ela lhe revelaria esse segredo. Ele achava
que ela era “algum grande Adepto indiano que havia assumido aquela
forma ilusória.” (Eek 1978, 34)

Desde os sete anos de idade Damodar tinha um intenso desejo de


encontrar os Adeptos. Nutria a convicção de que Eles viviam na Índia e que
poderiam ser encontrados. Procurava conversar sobre esse tema com HPB
e várias vezes lhe pediu os nomes e endereços de alguns dos Adeptos, sem
resposta. Até que um dia ela lhe disse:

“Um de nossos Irmãos me disse que uma vez que você está insistindo
tanto comigo, é melhor que eu lhe diga de uma vez por todas que,
sendo uma europeia, não tenho nenhum direito de lhe dar qualquer
informação sobre eles; mas que se você continuar perguntando para
indianos o que eles sabem sobre o assunto, você poderá saber por
eles; e um daqueles Elevados seres talvez possa se colocar em seu
caminho sem que você o conheça, e lhe dirá o que deve fazer.” (Eek
1978, 35)
Damodar seguiu suas instruções, embora achasse que só realizaria
seu objetivo por meio de HPB. Pouco depois, um conselheiro da ST,
escreveu para HPB sobre uma iogue que era sua Guru. Ela vivia em Benares
e chamava-se Mâji. Damodar ficou esperançoso: talvez essa fosse a pessoa
que poderia lhe dar as informações que tanto desejava.

Viagem para Allahabad (dezembro de 1879)

Em 2 de dezembro de 1879 HPB, Olcott e Damodar partiram de trem


de Bombay para Allahabad, para conhecer Alfred P. Sinnett, com quem HPB
já estava se correspondendo desde fevereiro. Durante essa visita também
encontraram pela primeira vez com o casal Hume e com Alice Gordon. O
encontro com o casal Sinnett e Alice Gordon foi tão marcante que, para
Olcott, isso já fazia a viagem até a Índia ter valido a pena. (ODL II, 114)

Em Allahabad, Olcott fez uma palestra para uma grande audiência.


Hume, que presidia a reunião, também fez um eloquente discurso, bem
melhor que o de Olcott. Naquele dia, HPB estava de mau
(p. 143)
humor e passara o tempo todo ralhando com Olcott, até mesmo no momento
em que ele subia na plataforma para fazer sua palestra, “a um tal ponto
que minha cabeça estava toda confusa.” (ODL II, 118) Eles mal haviam
saído do salão quando HPB:

“... disparou suas críticas sobre ele com excessivo rancor. Ao ouvi-la
voltar a falar sobre esse assunto, várias vezes durante a noite,
alguém poderia ter pensado que as aspirações de sua vida haviam
sido comprometidas, embora a reunião e a palestra (...) não fossem
importantes para o progresso da Sociedade de qualquer forma mais
séria. Col. Olcott suportou todos esses acessos de raiva com
maravilhosa firmeza, considerando-os todos como provações, a
serem atribuídas a seu chelado oculto; e apesar de todo esse
comportamento exasperante, Mad. Blavatsky tinha uma estranha
faculdade de conquistar afeição.” (Sinnett 1886, 229)

Além de reconhecer suas qualidades e sentir gratidão por HPB ter


lhe mostrado um novo caminho espiritual, Olcott suportava “seu
temperamento selvagem” (ODL II, 118) porque sabia que o bem que ela
estava fazendo ultrapassava todo o sentido de sofrimento pessoal. Além
disso:

“... decididamente havia um “método em sua loucura” – que percebi


ao longo de todo o nosso relacionamento: ela somente insultava seus
amigos mais dedicados, aqueles que ela sentia que estavam tão
ligados a ela e devotados à Sociedade, de modo que estavam
preparados para tolerar tudo dela; com os demais, como Wimbridge
e outros que poderia citar, que ela sabia que não suportariam um tal
tratamento, ela nunca levantava a voz, nem os tratava de forma
insolente ou ofensiva. Ela parecia ter medo de perdê-los.” (ODL II,
118)

Logo após chegar em Allahabad, Damodar partiu para Benares para


encontrar-se com Swami Dayanand, a fim de tratar “de assuntos ligados
ao Ritual” (Eek 1978, 33) que pretendiam implementar na Sociedade
Teosófica, transformando-a em algo semelhante a uma organização
maçônica.

Para Damodar a ida a Benares também era a oportunidade de tentar


encontrar Mâji, a iogue. Madame Blavatsky lhe revelara que Dayanand era
um grande iogue e que conhecia Mâji, mas ordenou-lhe não deixar que
Dayanand percebesse o que sabia acerca dele. Assim, Damodar não podia
lhe perguntar nada diretamente, mas apenas fazer referências indiretas, e
Dayanand:

(p. 144)
“... fingia rir de mim por acreditar em poderes obtidos por um logue.
E quando lhe perguntei se conhecia uma mulher chamada “Mâji”, ele
respondeu – Se é que essa mulher existe por aqui, ela não é
conhecida. Sempre que lhe perguntava qualquer coisa com relação
a esses assuntos, me respondia com respostas evasivas. Fiquei
desapontado quando vi que todas as minhas expectativas ao ir a
Benares eram apenas castelos no ar.” (Eek 1978, 35)

Damodar então escreveu para HPB que obedecera às suas


instruções, e que Dayanand parecia pensar que ele estava trabalhando na
Sociedade Teosófica apenas para ganhar dinheiro. (Eek 1978, 36)

Encontro com Mâji em Benares (dezembro de 1879)

Em 15 de dezembro de 1879, HPB e Olcott chegam a Benares,


acompanhados do casal Sinnett e de Alice Gordon. Ficaram numa casa
providenciada pelo Marajá de Vizianagram em cujo palácio, dois dias depois,
foi realizado um encontro do Conselho da ST. Nessa reunião, com a
presença de Swami Dayanand, os estatutos foram revisados. (ODL II, 118)

Para surpresa de Damodar, quando HPB perguntou para Dayanand


sobre Mâji ele: “mencionou o local onde “Mâji” residia e se ofereceu para
nos levar Iá, acrescentando que a conhecia muito bem e que ela
frequentemente vinha vê-lo.” (Eek 1978, 36)

O casal Sinnett estava muito ansioso para presenciar algum


fenômeno, mas HPB recusava-se a fazer qualquer coisa, a menos que
Dayanand o permitisse. Entretanto, ela queria satisfazer o desejo de Sinnett
porque ele, sendo influente na comunidade anglo-indiana, seria de grande
auxílio no trabalho da ST. Dayanand não permitiu que HPB fizesse qualquer
fenômeno para eles, mas sugeriu que fossem visitar Mâji e assim, quem
sabe, poderiam presenciar algo com ela. (Eek 1978, 36)

Então, no dia seguinte, foram todos visitar Mâji. Ela vivia às margens
do rio Ganges, uma ou duas milhas distante de Benares, numa caverna
escavada na rocha. Além desse agradável local, ela havia herdado de seu
pai uma casa na cidade e uma extensa e valiosa biblioteca.

Porém, para decepção de Sinnett, Mâji recusou-se a produzir


qualquer fenômeno, dizendo que a Ioga era uma ciência sagrada demais
(p. 145)
para ser tratada como um espetáculo. O casal Sinnett e Alice Gordon,
decepcionados, passaram parte da noite conversando com HPB e Olcott
sobre o assunto dos fenômenos.

Durante a conversa, quando alguém fez referência a flores, ouviu-se


um barulho, como de algo caindo de cima. Várias flores haviam sido jogadas
por mãos invisíveis em cima da mesa em torno da qual estavam todos
sentados. (Eek 1978, 37) Damodar relata para Judge que achava que
Dayanand havia sido responsável por esse fenômeno das flores. Isso
porque, pouco antes da ocorrência, quando ele foi falar com o Swami:

“... o encontrei num estado não usual, como o que ele sempre está,
quando está explicando o Ritual. E eu percebi que o fenômeno
correspondeu exatamente à hora em que vi Swamiji no estranho
estado de “Samadhi” que lhe descrevi acima: “Samadhi” sendo,
como você talvez saiba, aquele estado quando o adepto deixa seu
corpo. Portanto, para mim não havia dúvida do que e como isso havia
ocorrido.” (Eek 1978, 37)

No dia seguinte, os Sinnetts voltaram para Allahabad e Mâji apareceu


para visitar HPB, encontrando-a com Damodar. Mâji disse a HPB que elas
tinham o mesmo Guru. Quando HPB lhe pediu provas disso, ela disse que:

“... o Guru da Madame havia nascido no Punjab, mas geralmente vive


no sul da Índia e especialmente no Ceilão. Ele tem cerca de 300 anos
e tem um companheiro de mais ou menos a mesma idade, embora
os dois não aparentem nem mesmo quarenta anos.” (Eek 1978, 33)

Somente Nela Devo Colocar Minha Plena Confiança

Num segundo encontro, em que Madame Blavatsky estava ausente,


Olcott perguntou a Mâji sobre HPB. Ela respondeu que “a Madame não era
o que aparentava ser. Seu homem interior já estivera duas vezes em um
corpo hindu e agora estava em seu terceiro.” Quando Damodar lhe
perguntou se a verdadeira HPB ainda estava no corpo, Mâji “recusou-se a
responder essa questão, apenas acrescentando que ela mesma –
“Mâji” – era inferior à Madame.” (Eek 1978, 39)

(p. 146)
Depois de tentar sem sucesso que Damodar desistisse de seus
propósitos de busca, Mâji lhe disse que se ele quisesse progredir
espiritualmente e ver qualquer dos Irmãos, deveria para isso depender
inteiramente de HPB, pois:

“Ninguém mais seria competente para me levar pelo caminho correto.


(...) Devo estar sempre com a Madame e somente nela colocar minha
plena confiança. Ela me disse para trabalhar na Sociedade e praticar
regularmente, duas vezes ao dia, o que a Madame havia me
ordenado fazer. Em todos os aspectos devo agir em obediência às
suas instruções.” (Eek 1978, 40)

Para Damodar as palavras de Mâji em relação a HPB foram uma


confirmação do que ele mesmo já sentia, pois poucos dias após ter pedido
ingresso na ST, dissera para HPB:
“... que a considerava como minha benfeitora, a reverenciava como
minha Guru e a amava mais do que uma mãe. Desde então tenho lhe
asseverado o que lhe disse naquela ocasião. E agora “Mâji” me diz a
mesma coisa, reforça minha fé e me pede para confiar nela
(Madame). E quando, mais tarde, consultei Swamiji em relação à mim
mesmo, sem lhe dizer uma palavra do que “Mâji” havia me dito, ele
me exortou a fazer exatamente a mesma coisa, isto é, colocar minha
fé em HPB. Desde o princípio tenho sentido e de fato ainda sinto
intensamente como se eu já tivesse estudado essa filosofia com
Madame e que alguma vez devo ter sido seu mais obediente e
humilde discípulo. Isso deve ter sido um fato pois, de outro modo,
como explicar o sentimento em mim gerado a seu respeito, após vê-
la não mais do que três ou quatro vezes? Portanto, todas as minhas
esperanças e planos futuros estão nela centrados, e nada nesse
mundo pode abalar minha confiança, especialmente quando dois
indianos, que não falam inglês e não poderiam ter combinado isso
previamente, me dizem exatamente as mesmas coisas (...) que eu
mesmo, desde o princípio, havia sentido.” (Eek 1978, 40)

Mais Fenômenos (dezembro de 1879)

Na noite anterior à partida de Benares havia umas sete ou oito


pessoas na sala de estar de HPB quando a Sra. Gordon, que estava
conversando
(p. 147)
com Dr. Thibaut, diretor do Benares College, falou sobre flores. Então HPB
disse ao Pandit com quem conversava, que tentaria fazer com que um dos
Irmãos lhe desse algum sinal. Em dois segundos caiu uma chuva de flores a
seus pés.

Cada um pegou uma flor para guardar de lembrança e a menor de


todas ficou com Dr. Thibaut. Ao sair, ele perguntou para HPB se poderia
pegar uma outra, que estava em cima da mesa. Ela lhe respondeu: “Você
pode pegar tantas quantas quiser. Você terá muitas mais.” (Eek 1978,
42) E, nesse momento, do teto, caíram flores à direita dos pés do Dr. Thibaut.

Como já estava escuro quando todos se levantaram para ir embora,


Damodar pegou um lampião para lhes mostrar o caminho. Ao chegarem na
varanda a chama havia quase apagado. Surpresa, Alice Gordon quis entrar
para pegar outro lampião, mas Damodar lhe disse que não havia nada de
errado, mas que deveria ser HPB fazendo algo com o lampião. Ao ouvir isso,
Olcott chamou todos para presenciarem o fenômeno. HPB colocou o Iampião
sobre a mesa e disse:

““Qual o problema com você, suba”, e imediatamente ele


resplandeceu com um brilho fora do normal. Então ela disse
“Abaixe” e num curto espaço de tempo estava praticamente escuro.
Em seguida ela fez a chama subir de novo, assim estabelecendo
claramente aos visitantes o que um logue pode realizar pelo poder de
sua vontade.” (Eek 1978, 42)

Para Olcott, HPB contou que um Adepto, invisível para todos exceto
para ela mesma, é que havia feito a chama aumentar ou diminuir, quando
ela dava tais ordens. Outra explicação, dada em ocasiões semelhantes, era
que ela tinha poder sobre os elementais do fogo, que obedeciam a suas
ordens. Olcott comenta que o fenômeno era mais um de uma longa série:

“... provando sua posse de reais e extraordinários poderes psíquicos;


fatos aos quais eu pude sempre retornar, quando sua boa fé pudesse
ser desafiada por seus críticos ou impugnada por suas próprias
indiscrições de linguagem e de ações. A essa altura seus amigos
íntimos acreditavam nela apesar de suas frequentes explosões
exaltadas de temperamento, quando ela se declarava pronta para
gritar do alto das casas que não existia nenhum Mahatma, nenhum
poder psíquico, e que ela havia simplesmente nos enganado todo o
tempo. E falam sobre provações e
(p. 148)
testes de fé! Duvido que quaisquer neófitos, postulantes ou discípulos
tenham alguma vez passado por testes mais severos do que nós.
Parecia ser seu deleite nos deixar loucos com seus caprichos
extravagantes e autoacusações, quando sabia o tempo todo que para
nós era impossível duvidar, em vista de nossa experiência com ela.”
(ODL II, 135)

Em 22 de dezembro de 1879 HPB e Ollcott partiram de Benares,


voltando à casa de Sinnett. No dia 26 o casal Sinnett ingressou na
Sociedade, numa cerimônia de iniciação inesquecível, devido a um
fenômeno ocorrido. Num determinado momento do ritual de iniciação, à
pergunta de Olcott se os Mestres haviam ouvido o juramento dos candidatos
e se aprovavam suas admissões à Sociedade, uma voz respondeu: “Sim,
aprovamos.” (ODL II, 137)

Pensamos que Era o “Sahib” (março de 1880)

Na noite de 25 de março de 1880, HPB, Olcott e Damodar,


resolveram dar um passeio de carruagem aberta até o final de uma barragem
conhecida como Ponte Worli. Raios brilhavam intensamente no céu, mas não
havia chuva. HPB e Olcott fumavam e todos conversavam, distraídos,
apreciando a brisa marítima, quando ouviram o som de vozes. Era um grupo
de indianos, rindo e conversando, vindo da praia. Eles entraram em suas
carruagens e foram embora em direção à cidade.

Para vê-los, Damodar ficou de pé. Quando os últimos indianos


estavam passando ao lado deles, ele silenciosamente tocou no ombro de
Olcott e indicou com a cabeça para que ele olhasse naquela direção. Olcott
ficou de pé e viu, atrás do último grupo, uma figura humana solitária se
aproximando:

“Ele, como os outros, estava vestido de branco, mas a brancura de


suas vestes positivamente fazia com que a dos outros parecesse
cinza, assim como a luz elétrica faz com que a mais brilhante das
luzes a gás pareça opaca e amarela. A pessoa era um palmo mais
alta do que o grupo que o precedera, e seu caminhar era o próprio
ideal da dignidade refinada. Quando chegou a uma distância como
da cabeça de nosso cavalo, ele desviou-se da rua em nossa
(p. 149)
direção e nós dois, para não falar de HPB, vimos que era um
Mahatma. Sua veste e turbante brancos, a grande cabeleira escura
caindo sobre os ombros e a barba cheia nos fizeram pensar que era
“o Sahib”, mas quando ele chegou na lateral da carruagem e ficou de
pé a não mais que uma jarda [91,4 cm.] de nossos rostos, colocou
sua mão no braço esquerdo de HPB, que repousava no corpo da
carruagem, nos olhou nos olhos e respondeu as nossas saudações
reverentes, então vimos que não era ele, mas um outro, cujo retrato
HPB usou, mais tarde, num grande medalhão de ouro, e que muitos
viram.” (ODL Il, 144)

Sem chamar a atenção dos indianos que se afastavam em suas


carruagens, ele foi se afastando pela barragem. Não havia nenhuma árvore
ou arbusto que pudesse escondê-lo e eles o olhavam com intensa
concentração. Mas, de repente, ele desapareceu. Sob a excitação do
ocorrido, Olcott pulou da carruagem e correu para o ponto onde fora visto
por último, mas não havia ninguém ali – apenas a rua vazia e as costas da
carruagem que recém passara.

É interessante notarmos que no encontro descrito acima, Olcott faz


uma clara distinção entre o “Sahib” e o Mestre “cujo retrato HPB usou,
mais tarde, num grande medalhão de ouro”, identificado como sendo o
Mestre Morya, o Guru de HPB. (Sinnett 1886, 267) Essa distinção clara entre
os dois reforça nossa conclusão de que esse termo – Sahib – era usado por
HPB para designar seu Instrutor, “John King” – o Adepto Hillarion – e não
seu Guru.

Entretanto, talvez Olcott não esteja dando a identidade correta do


Mestre desse encontro, pois, em seu diário, além de não demonstrar sua
usual devoção pelo Mestre M., identifica o Mestre do encontro como:
“Hamlet, um de nossos Irmãos e um discípulo de T. Bey.” (Murphet
1972, 119)

(p. 150)

Capítulo 10

O Casal Coulomb Chega em Bombay (março de 1880)

O casal Coulomb após algumas tentativas frustradas de negócios e


devendo dinheiro, havia viajado para o Ceilão, onde recebeu ajuda do cônsul
francês. Sabendo do paradeiro de HPB, ao ler uma reportagem sobre as
atividades dos teosofistas em Bombay, Emma Coulomb escreveu para HPB
pedindo-lhe ajuda. Nessa primeira carta, de agosto de 1879, Emma fala da
situação difícil que estavam passando e anexa a cópia de um jornal local,
para o qual ela havia escrito uma carta defendendo a reputação de HPB:

“Conheço essa senhora há oito anos e preciso dizer a verdade de que


não há nada contra seu caráter. Nós vivemos na mesma cidade e, ao
contrário, ela era considerada como uma das senhoras mais
inteligentes da época. Madame B. é uma música, uma pintora, uma
linguista, uma autora e posso dizer que muito poucas senhoras e, de
fato, poucos cavalheiros têm um conhecimento das coisas em geral
como Madame Blavatsky.” (ODL II, 97)

Essa defesa pública, somada à gentileza com que Emma Coulomb


havia recebido HPB no Cairo, abriu o caminho para uma relação mais
estreita e iniciou-se uma correspondência entre elas. Em 28 de março de
1880 o casal apareceu inesperadamente em Bombay, trazendo apenas
algumas roupas e uma caixa de ferramentas, mas foram bem recebidos.
(ODL II, 147)

Ficou acertado que ficariam com HPB e Olcott até que conseguissem
arrumar emprego e moradia. Entretanto, o Sr. Coulomb não parava em
nenhum emprego e eles foram ficando por lá, sem quaisquer planos
definidos para o futuro. Como ele era muito habilidoso e ela uma excelente
dona de casa, os dois foram se integrando ao grupo de trabalhadores na
Sede, em troca de casa e comida. Emma Coulomb trabalhava como
governanta da casa e Alexis Coulomb, que era marceneiro, na manutenção.

Sumangala e os Budistas do Ceilão (1880)

No dia 7 de maio de 1880 HPB, Olcott, Damodar e seis membros da


ST partiram de Bombay para o Ceilão, num vapor chamado
(p. 151)
Ellora. Olcott descreve que eles eram praticamente os únicos passageiros a
bordo e tudo contribuía para que a viagem fosse muito agradável. HPB
estava muito animada e mantinha todos de bom humor. Passava os dias
jogando cartas com os oficiais do navio e, nos últimos dias de viagem, após
muita insistência, exibiu alguns de seus poderes psíquicos como sinos
tocarem no ar e “batidas” de espíritos.

Ela também predisse o futuro do velho capitão pelas cartas, o que se


tornou motivo de risos no navio, pois ela disse que ele mudaria de profissão,
abandonando o mar. Meses depois ele lhe escreveu confirmando a previsão.
Olcott diz que, embora ela ocasionalmente fizesse esse tipo de predição, ela
não usava esses poderes em benefício próprio, pois afirma não lembrar “que
ela tivesse previsto qualquer um dos muitos eventos dolorosos que lhe
aconteceram através de amigos traidores ou de inimigos maliciosos.
Se ela o fez, nunca contou, nem a mim, nem a qualquer outra pessoa
que eu tenha sabido.” (ODL II, 155)

Essa visita de Madame Blavatsky ao Ceilão já era requisitada há


muito tempo, tanto pela comunidade leiga da ilha, quanto pelos principais
monges budistas, representados principalmente por U. Sumangala e M.
Gunananda, um monge que era famoso na ilha como orador.

Sumangala era o sacerdote chefe do templo que fica ao pé do Pico


Adam, que é o ponto mais elevado do Ceilão, com 2.243 m. Para todos os
efeitos práticos, era considerado como o Chefe do Budismo do sul como um
todo. (CW III, 531). HPB dá a entender que Sumangala estava em contato
com Adeptos, pois após a visita de 1880 ela escreve:

“Gratificou imensamente nossos Delegados no Ceilão descobrir que


não apenas todos os sacerdotes e leigos educados, mas também o
povo não educado daquela ilha, sabiam da possibilidade do ser
humano adquirir os exaltados poderes psíquicos do adeptado, e o
fato de que eles têm sido adquiridos frequentemente. (...) Mais ainda,
nós até mesmo encontramos aqueles que encontraram, muito
recentemente, tais homens santos; e um certo eminente sacerdote,
que filiou-se à nossa Sociedade, logo depois teve a permissão de ver
e trocar alguns de nossos sinais de reconhecimento com um deles.”
(CW II, 438)

A ligação entre os dois Fundadores e Sumangala havia sido feita


através de J.M. Peebles, que estava no Ceilão em 1874 quando Sumangala
organizou um debate entre missionários cristãos e o monge Gunananda
(p. 152)
Peebles mostrou a Olcott e HPB uma reportagem sobre o acontecimento.
Olcott e Madame Blavatsky escreveram a Sumangala e Gunananda que “em
beneficio da fraternidade universal, eles haviam acabado de fundar uma
sociedade inspirada por filosofias orientais, e que iriam ao Ceilão para
ajudar os budistas.” (Caldwell 1991, 117)

HPB também enviou ao monge Gunananda os dois volumes de Ísis


Sem Véu. (Gomes 1987, 201) As cartas de Olcott e HPB foram traduzidas
para o singalês e amplamente distribuídas.

HPB e Olcott São Formalmente Reconhecidos Como Budistas

O grupo chegou em Colombo, capital do Ceilão, na manhã de 16 de


maio, onde Gunananda e outros monges do monastério de Sumangala
vieram recebê-los. Antes do amanhecer do dia 17, chegaram a Galle, onde
foram recebidos com grande pompa. Levados por um barco todo enfeitado
com galhos de árvores e flores, junto com os dirigentes budistas locais, eles
passaram por cordões de barcos pesqueiros enfeitados com panos vistosos
e, ao longo da praia, uma multidão os saudava acenando bandeiras em sinal
de boas-vindas.

Uma grande agitação tomou conta da ilha, pois eles eram os


primeiros “brancos” a admirar o Budismo, em flagrante contraste à atitude
dos missionários cristãos. (ODL II, 165) Três sacerdotes chefes os
receberam, abençoando-os e recitando versos em Pali.

A pedido dos monges, HPB fez alguns fenômenos, como sinos


tocando no ar, tanto no teto quanto na varanda. Ao velho monge Bulatgama,
HPB fez demonstrações dos sinos que mais pareciam uma explosão,
“batidas” de espíritos, e fez com que a mesa da sala de jantar tremesse e se
movesse, causando pasmo em sua seleta audiência. (ODL II, 161)

É interessante notarmos como, nessa época, HPB era bastante


liberal nas demonstrações de fenômenos psíquicos, os quais ainda eram um
grande elemento de atração das pessoas à ST. Depois eles foram retirados
de cena, pois, como disse o Mestre KH: “Não são fenômenos físicos que
jamais trarão convicção aos corações dos que não crêem na
‘Fraternidade’, mas sim fenômenos de intelectualidade, filosofia e
lógica”. (MLcr., 147)

(p. 153)
No dia 25 de maio, em Galle, HPB e Olcott declararam o pansil –
palavra Pali para pancha sila ou os cinco preceitos de compaixão,
honestidade, pureza, sinceridade e temperança – numa cerimônia oficiada
pelo venerável Bulatgama, sendo então formalmente reconhecidos como
budistas. Nessa cerimônia, o sacerdote recita os “Cinco Preceitos” e os “Três
Refúgios” em Pali, sendo repetidos pelos candidatos e presentes. Relata
Olcott:

“HPB ajoelhou-se diante da enorme estátua do Buda, e eu fiz o


mesmo. Tivemos muita dificuldade em pegar as palavras em Pali, que
nós tínhamos que repetir após o velho monge, e não sei se nós o
teríamos conseguido se um amigo não tivesse ficado bem atrás de
nós e nos sussurrado as palavras seriatim. Uma grande multidão
estava presente, e repetia logo depois de nós, e um silêncio absoluto
era observado enquanto nós lutávamos com as sentenças não
familiares.” (ODL II, 168)

Damodar também passou por essa cerimônia de reconhecimento.


(Eek 1978, 6) Como Olcott não o menciona, não sabemos exatamente
quando isso ocorreu. Porém, pela intensa agenda de viagens pela ilha,
dando palestras e organizando a ST, é provável que tenha ocorrido junto
com HPB e Olcott.

Damodar Visita a Casa do Mestre M. no Ceilão (maio de 1880)

Para Damodar, um dos episódios mais importantes nessa viagem ao


Ceilão foi um encontro que teve com seu Guru, o Mestre KH, relatado numa
carta para Judge. Nessa carta, Damodar designa o Mestre por três pontos
formando um triângulo: .:.

Numa determinada vila, após trabalharem até quase meia noite


formando mais um grupo da ST, Madame Blavatsky, Olcott e Damodar foram
dormir numa pousada onde havia acomodações apenas para duas pessoas.
Então Damodar ficou na poltrona da sala de jantar. Ele conta que mal havia
se acomodado quando ouviu uma batida leve na porta:

“Eu a abri, e que grande alegria senti quando vi .:. novamente! Num
sussurro muito baixo, ele me ordenou que me vestisse e o seguisse.
Na porta dos fundos da pousada está o mar. Eu o segui,
(p. 154)
como ele me ordenou. Ele me levou para a porta dos fundos do local
e andamos por cerca de três quartos de hora pela beira do mar. Então
nos movemos em direção ao mar. Tudo à volta era água, exceto o
local por onde estávamos andando, que estava bem seco!! Ele
caminhava na frente e eu o seguia. Assim andamos por cerca de sete
minutos, quando chegamos a um local que parecia uma pequena ilha.
(...) Lá, num pequeno jardim em frente, encontramos um dos Irmãos
sentado. Eu o havia visto antes na Sala do Conselho, e é a ele que
esse lugar pertence. .:. sentou-se próximo dele e eu fiquei de pé em
frente a eles. Estivemos lá por cerca de meia hora. (...) O Mestre
desse local, cujo nome não sei, colocou sua abençoada mão sobre
minha cabeça, e .:. e eu fomos embora novamente. Voltamos para
perto da porta do quarto onde eu iria dormir e ele subitamente de lá
desapareceu, imediatamente.” (Eek 1978, 56-57)
O grupo viajou pela ilha encontrando e iniciando pessoas como
membros da ST, e com Olcott dando palestras. Em 8 de junho a ST de
Colombo foi organizada, com duas subdivisões – uma para leigos e outra só
para monges. Isso foi feito para atender a uma regra dos monges, que os
impedia de se associarem a leigos, em termos de igualdade, em questões
mundanas. Sumangala ficou como presidente da associação dos monges,
bem como vice-presidente honorário da ST como um todo. (ODL II, 179)

A ST também foi organizada em Kandy e algumas outras cidades.


Em 13 de julho a comitiva embarcou no SS Chanda, em Colombo, de volta
para Bombay.

Briga Entre Rosa Bates e Emma Coulomb (julho de 1880)

Quando da partida para o Ceilão, Olcott havia determinado que


Emma Coulomb ficaria como governanta da casa, cargo até então ocupado
por Rosa Bates. Quando retornaram a confusão estava armada na Sede em
Bombay. As duas mulheres faziam todo tipo de acusações uma à outra. Rosa
Bates acusava Emma Coulomb até mesmo de ter tentado envenená-la.
Olcott relata:

(p. 155)
“... fui chamado para arbitrar suas diferenças e sentei-me
imparcialmente, ouvindo suas absurdas alegações por duas tardes
inteiras e, finalmente, decidi em favor de Madame Coulomb no que
diz respeito à estúpida acusação de envenenamento, que não tinha
um único fato que a comprovasse. (...) HPB sentou-se perto enquanto
a arbitragem prosseguia, fumando ainda mais cigarros do que de
costume, fazendo comentários ocasionais cuja tendência era mais
aumentar do que apaziguar a excitação.” (ODL II, 207-8)

Em agosto, não aceitando a decisão, Rosa Bates brigou com Olcott


e HPB. Wimbridge, que também viera de Nova Iorque com os fundadores,
ficou do lado dela, criando uma divisão no grupo da Sede. A situação foi
ficando difícil, pois todos conviviam sob o mesmo teto mas nem mesmo se
falavam. Poucos dias depois, com a ajuda de Olcott, Wimbridge conseguiu
montar um negócio em Bombay e os dois se retiraram da Sociedade. (ODL
II, 209)

Anos mais tarde, em agosto de 1885, HPB revela a Sinnett que


Emma Coulomb já havia tentado traí-la em julho de 1880, quando ainda
estavam em Bombay. Talvez ela estivesse querendo garantir algum dinheiro,
caso Olcott e HPB decidissem em favor de Rosa Bates. HPB escreve:

“Ela começou a construir seu plano de traição em 1880, desde o


primeiro dia em que desembarcou em Bombay com seu marido,
ambos sem ter o que vestir, sem um tostão e famintos. Ela ofereceu
vender meus segredos para o Rev. Bowen, do The Bombay
Guardian, em julho de 1880 (...). Eu a conhecia e tentei o melhor que
pude não odiá-la, mas como sempre falhei nisso, tentei compensar
abrigando e alimentando a vil serpente.” (LBS, 110)
Pela maneira como HPB tratou Emma Coulomb até 1884, não me
parece que ela soubesse desse fato em 1880. Ela provavelmente soube
dessa tentativa de venda dos “segredos” bem mais tarde.

Desentendimentos com Swami Dayanand (agosto de 1880)

A partir de março de 1880 as relações com Swami Dayanand


começaram a ficar difíceis. No dia 18, Olcott e HPB receberam dele uma
carta severa, devolvendo seu diploma e exigindo que seu nome fosse
retirado da relação de membros. (Ransom, 141) Olcott escreve:

(p. 156)
“Por essa época estávamos passando por uma desagradável fase em
nossas relações com Swami Dayanand. Sem a menor causa sua
atitude para conosco se tornou hostil; ele nos escreveu cartas
exasperantes, depois as modificou, depois novamente mudou seu
tom e assim nos manteve permanentemente sob tensão. O fato é que
nossa revista não era de modo algum um órgão exclusivo da Arya
Samaj, nem nós consentiríamos em nos manter distantes dos
budistas ou dos parsis, como ele quase insistia que deveríamos fazer.
Evidentemente ele queria nos forçar a escolher entre a continuação
de seu apoio e a fidelidade ao nosso declarado ecletismo. E nós
escolhemos; pois de nossos princípios nós não abriríamos mão em
troca de quaisquer outros.” (ODL II, 150)

É bom também lembrarmos que as condições sob as quais Swami


Dayanand havia aceito seu diploma de membro da ST já não eram as
mesmas. Em abril de 1878, quando Olcott lhe ofereceu o diploma de membro
correspondente, havia também um pedido explícito de que ele fosse um
Instrutor dos membros ocidentais da ST. Em maio de 1878, ele recebeu o
diploma de uma ST que se denominava “Sociedade Teosófica da Arya
Samaj”, e da qual ele era o Chefe.

Em 30 de agosto de 1880, poucos meses após Swami Dayanand ter


devolvido o diploma, HPB e Olcott encontraram-se com ele em Meerut e o
acharam muito mudado. Olcott relata:

“Na presença de seus seguidores, iniciamos uma discussão visando


estabelecer seus reais pontos de vista sobre a Yoga e os ditos
siddhis, ou poderes humanos psico-espirituais; seus ensinamentos
para os seus samajistas foram calculados para desencorajar a prática
do ascetismo, e até mesmo para lançar dúvida sobre a realidade dos
poderes; enquanto que suas conversas conosco foram em outro
tom.” (ODL II, 215)

Apesar de Olcott dizer que estava tentando saber qual era a posição
do Swami quanto aos siddhis, ele a conhecia bem, pois em dezembro de
1879 Dayanand já se recusara a fazer qualquer exibição de fenômenos
(tamasha) para o casal Sinnett. E em 26 de julho de 1880, Dayanand lhe
escrevera:

“O que eu disse para o Sr. Sinnett está certo, pois eu não considero
apropriado ver e exibir tais questões de ‘tamasha’, sejam realizadas
por prestidigitação ou pelo poder ióguico, porque ninguém
(p. 157)
pode compreender a importância da Ioga e ter um verdadeiro amor
por ela, sem que ele mesmo a pratique e estude. Mas elas (as
testemunhas) são apenas levadas a um estado de dúvida e
perplexidade, e estão o tempo todo querendo examinar aqueles que
os demonstram, e vendo ‘tamasha’ deixam de lado questões do seu
próprio melhoramento. Eles não se empenham para adquiri-los. Eu
não mostrei nenhum fenômeno ao Sr. Sinnett, nem desejo que
qualquer coisa lhe seja mostrada, fique ele contente ou
descontente comigo, pois se eu estivesse disposto a fazer isso,
todos os tolos, assim como os Pandits, me pedirão para lhes
mostrar fenômenos similares pela Ioga, como eu poderia ter
mostrado a ele. E também porque eu teria sido importunado com
essa questão mundana de ‘tamasha’, assim como ocorre com
Madame H.P. Blavatsky. Ao invés de investigarem, e aceitarem suas
informações científicas e religiosas, por meio das quais a alma, sendo
purificada, alcança felicidade, todos os que se dirigem a ela pedem
pela exibição de ‘tamasha’. Por essas razões eu não encorajo tais
coisas, direta ou indiretamente. Mas se alguém desejar, posso
ensinar-lhe Ioga, de modo que por sua própria prática ele possa
experimentar os Siddhis.” (Olcott)

Ainda em Meerut, Olcott fez uma palestra sobre “A ST e a Arya


Samaj, suas Regras e Relações Mútuas”. Ficou acertado que nenhuma
das Sociedades seria responsável pelos pontos de vista da outra. (Ransom,
145) Nenhuma das Sociedades era considerada como um ramo da outra,
mas compunham uma Seção Védica, que era como o elo que as unia.
(Olcott)

Na relação de dirigentes da ST em 1880, Swami Dayanand aparece


como “Chefe Supremo dos Teosofistas da Arya Samaj”, que era: “um ramo
distinto da ST e da Arya Samaj da Índia (...) composto por teosofistas
ocidentais e orientais que aceitam Swamiji Dayanand como seu líder.”
(Ransom, 153)

Após Meerut, HPB e Olcott foram visitar os Sinnetts em Simla, ficando


até 21 de outubro. Foi nessa estadia que ocorreram os famosos fenômenos
produzidos por HPB durante um piquenique, em que ela duplicou uma xícara
de chá, materializou um diploma para o major Henderson e fez aparecer um
broche que a Sra. Sinnett havia perdido tempos atrás. (Ransom, 146) Esses
fenômenos receberam grande publicidade. Também foi durante essa visita
que começou a troca de cartas entre Sinnett e o Mestre KH.

(p. 158)
O grupo em seguida foi para Amritsar e Lahore, onde ficava a sede
da Arya Samaj, sendo sempre bem recebidos. Nas discussões com os
samajistas o ponto crucial era a questão da natureza de Iswara e a
personalidade de Deus, sobre o que “HPB e eu nutríamos crenças muito
divergentes das deles”. (ODL II, 258)

É evidente que havia outros pontos de discordância como a questão


da demonstração ou não de fenômenos e a transmissão de conhecimentos
ocultos aos membros. A questão da natureza de Deus, que Olcott aponta
como sendo um ponto crucial, era antiga e nunca fora matéria de consenso
entre eles.
Ainda em Nova Iorque, haviam recebido uma carta de Swami
Dayanand onde ele expunha a natureza da alma, os ritos para os mortos e
a adoração prescrita a Deus. Ao receber essa carta, o choque que essas
ideias causaram em Olcott foi tamanho que ele escreveu em seu diário, em
18 de setembro de 1878: “Um Deus pessoal, uma revelação inspirada,
um Céu e um Inferno são ali ensinados. Graças a Deus pelo menos esse
Deus é ‘alegre e casto’, isso já é melhor do que Jeová!” (Gomes 1987,
164)

Em agosto de 1881 foi fundado o ramo Anglo-Indiano da ST, em


Simla, com Hume como presidente e Sinnett como vice. A importância desse
ramo Anglo-Indiano era enorme, pois trazia prestígio e reconhecimento
público para a Sociedade Teosófica.

Em 14 de fevereiro de 1882, Olcott fez uma palestra sobre o espírito


da religião de Zoroastro. Os parsis mandaram imprimir e distribuir 20.000
cópias dessa palestra, em inglês e gujarati. Depois Olcott partiu para uma
viagem ao norte da Índia.

Em 15 de março de 1882, um famoso médium inglês, William


Eglinton, após passar um bom tempo na Índia tentando verificar a realidade
dos Mestres, partiu de volta para a Inglaterra, sem chegar a qualquer
conclusão. Em alto mar, ele recebeu no dia 22 a visita astral do Mestre KH.
E no dia 24, as cartas escritas por Eglinton foram transmitidas quase que
instantaneamente, por meios ocultos, para Bombay. O caso todo foi
amplamente noticiado tanto pela imprensa indiana quanto a inglesa,
causando grande sensação. (Eek 1978, 188)

É possível que essa propaganda com relação a fenômenos,


acrescida da grande publicidade dada à ajuda aos budistas do Ceilão e aos
parsis de Bombay, tenha levado Swami Dayanand a colocar um ponto final
em sua relação com a Sociedade Teosófica.

(p. 159)
Após pedir várias vezes para conversar com Olcott e HPB, sem
resultados, em 26 de março de 1882, Swami Dayanand fez uma palestra
pública em Bombay denunciando a ST e os fundadores por mudanças em
suas atitudes e crenças, como o fato de antes terem se declarado membros
da Arya Samaj e agora se apresentarem como budistas. (Ransom, 169)
Olcott respondeu às acusações num artigo para o The Theosophist, em
julho de 1882.

Terminava dessa triste maneira a aliança entre a Arya Samaj e a ST.


Foi uma perda para as duas Sociedades. Talvez a primeira grande
oportunidade perdida no desenvolvimento da Sociedade Teosófica, que
demonstrou inabilidade em conciliar crenças divergentes. Anos mais tarde,
isso se repetirá em relação à Dra. Anna Kingsford. Nas duas ocasiões a ST
perdeu força, inspiração e ecletismo, avançando na cristalização de um
credo próprio, como o Mestre KH advertiu em sua carta de 1900: “A ST e
seus membros estão lentamente manufaturando um credo.” (LMW 1st
Series, 99)

Fraternidade Com Proeminência, Ocultismo em Segundo Plano


Em dezembro de 1880 HPB e Olcott foram novamente a Benares.
Foi a partir dessa visita que a Sociedade Teosófica adotou o lema da família
do Marajá de Benares: “Satyan Nasti Paro Dharma” (Ransom, 151),
usualmente traduzido como “Não há religião superior à verdade”. No entanto,
a palavra sânscrita “dharma”, traduzida no lema como “religião”, tem um
significado bem mais amplo. Como Sri Ram escreveu, o espírito do lema é
que “Não há Dharma – não há doutrina, não há regra estabelecida de
conduta, não há nada que possamos contar como apoio – maior do que
a Verdade.” (Sri Ram, 9)

No final de 1880, de volta a Bombay, a sede da ST foi transferida


para outra casa mais espaçosa, chamada de “O Ninho do Corvo”. (ODL II,
288) Em 17 de fevereiro de 1881 o Conselho da ST se reuniu e votou por
unanimidade que HPB e Olcott teriam seus cargos em caráter vitalício.
Também indicou Damodar como secretário adjunto. (Ransom, 155-156)

Dois dias depois, em 19 de fevereiro, o Mestre Hillarion visitou HPB


em Bombay, e lhe “expôs toda a situação, sobre o que eu não entrarei
(p. 160)
em detalhes, uma vez que tudo aconteceu como ele nos havia
prevenido.” (ODL II, 294) Ao partir, ele deixou “um barrete, muito usado,
bordado a ouro, de um formato peculiar, o qual tenho até hoje.” (ODL
II, 294) Um resultado dessa visita foi que alguns dias depois, em 25 de
fevereiro, HPB e Olcott tiveram uma longa discussão sobre a ST, que
resultou:

“... num acordo entre nós de “reconstruir a ST numa base


diferente, colocando a ideia da Fraternidade mais
proeminentemente à frente e mantendo o ocultismo mais em
segundo plano; em resumo, ter uma seção secreta para ele”.
Essa, então, foi a semente da Seção Esotérica da ST, e o começo da
adoção da idéia da Fraternidade Universal numa forma mais definida
do que anteriormente.” (ODL II, 294).

Essa nova atitude de deixar o Ocultismo mais em segundo plano está


claramente exposta na carta de Damodar para Sinnett, recebida antes do dia
20 de fevereiro de 1881, onde ele escreve:

“Parece prevalecer uma impressão geral de que a Sociedade é uma


seita religiosa. Essa impressão tem sua origem, penso eu, na crença
de que toda a Sociedade está voltada para o Ocultismo. Até onde
posso julgar, esse não é o caso. Se fosse, o melhor caminho a adotar
seria tornar toda a Sociedade secreta e fechar suas portas para
todos, exceto àqueles muito poucos que tenham demonstrado
determinação para dedicarem suas vidas inteiras ao estudo do
Ocultismo. Se não for assim e a Sociedade estiver baseada no amplo
princípio Humanitário da fraternidade universal, deixemos o
Ocultismo, que é um de seus inúmeros aspectos, ser um estudo
completamente secreto.” (MLcr., 41)

Logo depois, em abril, Olcott foi para o Ceilão, onde ficou até
dezembro trabalhando em prol do Budismo. Sua principal meta era levantar
um fundo para educação, que se encontrava quase completamente nas
mãos dos missionários cristãos. Logo que chegou, Olcott editou dois
folhetos: “Por que não sou Cristão?” e “Por que sou Budista?”. Os
missionários logo contra-atacaram publicando artigos contra HPB e Olcott.
(Ransom, 158)

Impressionado com a ignorância dos singaleses sobre o Budismo,


Olcott compilou um “Catecismo Budista”, análogo ao utilizado pelos cristãos,
que foi editado simultaneamente em inglês e em singalês em julho de 1881.
As edições rapidamente se esgotaram, marcando o início de sua campanha
pelo Budismo. (ODL II, 301-302)

(p. 161)
Em 1880, havia na ilha apenas 4 escolas budistas, contra 805 cristãs.
Em 1900 já eram mais de duzentas escolas budistas. (Murphet 1972, 140)

A Família Rompe com Damodar (1881)

Como já vimos, quando foi morar com HPB e Olcott, Damodar havia
renunciado à sua casta, com a autorização de seu pai, que dava todo o apoio
às buscas espirituais de seu filho. Nessa ocasião, seu pai, seu irmão e um
tio também ingressaram na Sociedade Teosófica. Entretanto, com sua
conversão ao Budismo o pai de Damodar, o tio e seu irmão mais velho,
Krishnarao, saíram da ST e se tornaram abertamente hostis a ela: Olcott
relata:

“... quando Damodar estava completamente identificado conosco,


indo até mesmo ao ponto de, como nós, tornar-se budista no Ceilão,
sua família se revoltou e começou uma perseguição para forçar o
pobre rapaz a voltar para sua casta. Isso ele não iria fazer, e o
resultado foi a saída de seus parentes da Sociedade e, de uma
maneira não muito respeitável, travarem uma batalha contra nós,
objetos inocentes de sua raiva, na forma de panfletos indecentes e
outros ataques a nossas reputações, que eram publicados e
colocados em circulação por um ou outro em Bombay.” (ODL II, 292)

Agora que a família discordava do caminho escolhido por Damodar,


seu pai passou a dizer que Damodar o importunara para dar presentes
valiosos para HPB, como uma carruagem e um cavalo árabe. (Chetty)

Em 27 de fevereiro de 1881 Olcott fez uma palestra sobre “Teosofia:


Seus amigos e Seus Inimigos”. Antes da palestra haviam sido distribuídos
panfletos difamadores dizendo para as pessoas não acreditarem nos
teosofistas e tomarem cuidado para não serem despojadas financeiramente
por eles. O folheto havia sido publicado pelo irmão mais velho de Damodar,
Rosa Bates e Wimbridge. (Ransom, 156)

Olcott leu o folheto para a audiência e, aplaudido, jogou-o no chão e


pisou em cima, dizendo que essa era a resposta para difamadores sem
princípios. (ODL II, 293) Os problemas com a família de Damodar não
pararam por aí. Em 21 de agosto de 1881 um jornal de Bombay publicou:

(p. 162)
“... uma carta maldosa dirigida contra a honestidade e retidão dos
fundadores da Sociedade Teosófica e jogando uma nódoa sobre os
Mahatmas, com referência a questões de minha própria família. De
fato, se fazia uma tentativa de induzir o público a acreditar que eles
haviam me feito de fantoche, para me trapacear e tirar minhas
propriedades.” (Eek 1978, 484)

Damodar ficou muito aborrecido e mandou uma resposta para o


jornal. Porém, no dia 25, saiu outra matéria sobre o assunto, num jornal de
maior circulação. Ele novamente respondeu, sentindo-se muito infeliz
durante todo o dia com o ocorrido. Sua saúde, delicada, já estava sendo
afetada pelos problemas com sua família, fazendo-o sentir-se depressivo.
Naquela noite, em seu quarto, ele estava sentado numa pequena mesa perto
de sua cama, quando começou a sentir “uma peculiar vibração
magnética” (Eek 1978, 485) que denotava a presença de seu Mestre. Então
uma carta materializou-se diante de seus olhos. Ela dizia:

“Não se sinta tão desanimado! ... Não há necessidade disso. Sua


imaginação é seu maior inimigo, pois cria fantasmas que mesmo seu
melhor discernimento não consegue dissipar. Não se acuse (...), nem
atribua as ofensas recebidas ... aos seus crimes imaginários.
Ofensas! Eu vos digo, filho, o silvo de uma serpente tem mais efeito
sobre o velho, eterno e nevado Himavat [Himalaia] do que as ofensas
de difamadores, o riso de cépticos ou qualquer calúnia sobre mim.
Mantenha-se inabalável no cumprimento do seu dever, seja firme e
correto em suas obrigações e nenhum homem ou mulher mortal o
machucará”. (Eek 1978, 485)

Viagem Astral de Damodar à Casa do Mestre KH (1881)

Todas essas dificuldades e desafios são inerentes à vida daqueles


que querem servir aos Grandes Seres. Como escreveu o Mestre KH:

“Ser aceito como um chela em provação – é algo fácil. Tornar-se


um chela aceito – é pedir as tribulações da “provação”. (...) a vida de
um chela que se oferece voluntariamente é um longo sacrifício.”
(LMW 2nd Series, 124)

(p. 163)
Mas se o ano de 1881 trouxe provações, preocupações e problemas
para Damodar, especialmente com sua família, também trouxe dádivas que
ele nunca esqueceria. Talvez uma das mais importantes tenha sido a visita
astral à casa de seu Mestre. Essa visita está descrita numa carta para Judge,
datada de 28 de junho de 1881.

Damodar conta que certa noite, após terminar o trabalho, mais ou


menos às 2h da manhã, havia recém se deitado, quando ouviu a voz de HPB
o chamando. Levantou-se rapidamente e foi até o quarto dela. Ela lhe disse:
“algumas pessoas querem vê-lo”. (Eek 1978, 60) Surgiu a forma de .:. e
mais dois outros. Um deles disse para Damodar ficar de pé, ereto, por algum
tempo e olhou-o fixamente. Damodar começou a sentir uma sensação
agradável, como se estivesse saindo do corpo.

Quando retomou a consciência, viu que estava num outro lugar, aos
pés dos Himalaias. No local, havia apenas duas casas, uma oposta à outra.
De uma delas saiu Aquele a quem Sinnett dedicou seu livro O Mundo
Oculto: o Mestre “Koot Hoomi .:.”. Então Damodar seguiu seu guia por cerca
de meia milha, até uma passagem subterrânea natural que fica sob os
Himalaias. (Eek 1978, 61)

Após cruzarem vários vales, chegaram a um local plano onde havia


um enorme edifício, muito antigo, que se erguia sobre sete pilares em forma
de pirâmides. Na frente havia uma enorme cruz Egípcia e no portão de
entrada um grande arco triangular. Damodar foi então com seu Guru até o
Grande Salão:

“A grandeza e serenidade do local é suficiente para infundir em


qualquer um reverência e devoção. A beleza do Altar que está no
centro e onde todo candidato tem que prestar seus votos na hora da
sua Iniciação, certamente ofusca os olhos mais brilhantes. O
esplendor do Trono do CHEFE é incomparável. Tudo tem um
princípio geométrico e contém vários símbolos que são explicados
apenas para o Iniciado. Mas não posso dizer mais, pois agora estou
sob voto de Segredo, que K. – lá ouviu de mim. Enquanto estava lá,
de pé, não sei o que me aconteceu, mas de repente acordei e me
encontrei novamente em minha cama.” (Eek 1978, 61)

Ao se perguntar se tudo havia sido um sonho, Damodar viu cair um


bilhete a sua frente. Nele estava escrito que ele havia sido levado, em
(p. 164)
seu corpo astral “ao verdadeiro local de Iniciação, onde estarei em meu
corpo para a Cerimônia, se me mostrar ser merecedor da bênção.” (Eek
1978, 62)

O Mundo Oculto (junho de 1881)

Em 22 de julho de 1881 HPB foi novamente para Allahabad e Simla,


para encontrar-se com o casal Sinnett. Em 21 de agosto foi formado o ramo
Anglo-Indiano da ST em Simla, com Hume como presidente e Sinnett como
vice. Posteriormente o nome desse ramo foi mudado para “Simla Eclectic
Theosophical Society”. Depois de Simla HPB foi para Lahore e fez uma
extensa viagem pelo norte da Índia, retornando a Bombay apenas no final de
novembro de 1881.

O primeiro livro de Sinnett, O Mundo Oculto, havia sido publicado


em junho de 1881. Nele, ele discorria sobre os fenômenos ocultos que havia
presenciado, a Sociedade Teosófica, a existência dos Adeptos e as primeiras
cartas que recebera do Mestre KH. Então alguns indianos escreveram para
Sinnett e Damodar, querendo também receber tal atenção dos Mestres. O
Mestre M. pediu então que Sinnett desse o seguinte recado aos indianos:

“Os ‘Irmãos’ desejam que eu informe a todos vocês, nativos, que a


menos que um homem esteja preparado para tornar-se um
verdadeiro teósofo, i.e., fazer como fez D. Mavalankar, – renunciar
completamente à casta, às suas velhas superstições e demonstrar
ser um autêntico reformador (especialmente no caso de casamentos
infantis), ele permanecerá simplesmente como um membro da
Sociedade, sem esperança alguma de receber uma comunicação
nossa. (...) É inútil para um membro argumentar: ‘Tenho uma vida
pura, me abstenho de álcool, carne e vícios. Todas as minhas
aspirações são para o bem etc.’, enquanto que constrói com seus
atos uma barreira intransponível no caminho entre ele mesmo e nós.”
(MLcr., 95)

(p. 165)
Capítulo 11

Swami Subba Row

Subba Row divide com Damodar a honra de ter sido um dos mais
destacados membros indianos dos primeiros tempos da ST. Por seu intelecto
brilhante e seus conhecimentos ocultos, ele era carinhosa e respeitosamente
chamado de Swami (Instrutor) Subba Row.

Tallapragada Subba Row nasceu em 6 de julho de 1856 no distrito de


Godavari, na região de Coromandel, na costa oriental do sul da Índia. Sua
família era de brâmanes Advaitas, que falavam o Telugu e eram influentes na
região. Seu pai morreu quando ele tinha 6 meses de idade, ficando seu avô e
tio maternos responsáveis por sua educação.

Em 1876 casou-se com Sundaramma, filha de sua tia materna. Estudou


Direito na Universidade de Madras e logo tornou-se um destacado advogado.
Poderia ter ganho muito dinheiro nessa profissão, se não fosse a irresistível
atração que sentia pela filosofia oculta, à qual dedicou a maior parte de sua
atenção até o final de sua curta vida, em 1890.

Subba Row adotava como sistema filosófico espiritual a Taraka Raja


Yoga, um sistema brâmane de Yoga. Nas palavras de Subba Row:

“Taraka Raja Yoga é, como se fosse, o centro e o coração da filosofia


Vedanta, uma vez que, em seus aspectos mais elevados, é
decididamente a parte mais importante da antiga Religião-Sabedoria.
Atualmente, se conhece muito pouco dele na Índia. O que usualmente
se vê nos livros comumente lidos, dá apenas uma ideia muito
inadequada de seu alcance ou de sua importância. Na verdade,
entretanto, é um dos sete principais ramos nos quais toda a ciência
oculta é dividida, e é derivado, de acordo com todas as narrativas, dos
“filhos da chama” da misteriosa terra de Shamballa.” (Row, 364)

Primeiro Encontro de HPB com Subba Row (abril 1882)

Em setembro de 1881 Subba Row escreveu um artigo para o The


Theosophist sobre os doze signos do zodíaco e suas antigas raízes hindus,
apresentando o significado esotérico de cada signo, seus correspondentes
(p. 166)
ocidentais e suas relações com as forças na natureza. (Row, 319) O artigo deu
início a uma correspondência de HPB e de Damodar com Subba Row. Em 3
de fevereiro de 1882 ele escreveu para HPB:

“Penso que é altamente recomendável que você venha aqui, se as


circunstâncias permitirem, quando o coronel Olcott vier para cá de
Calcutá. Sem dúvida estou, individualmente, muito ansioso para vê-la;
mas essa não é a razão importante para lhe pedir que venha. Embora
nenhum ramo da Associação Teosófica tenha sido estabelecido aqui
ainda, há um bom número de cavalheiros que sinceramente
simpatizam com seus propósitos e objetivos, e que ficariam muito
felizes de vê-la. Eles conhecem muito pouco do coronel Olcott, exceto
o que captaram de suas palestras públicas. Mas sua Ísis Sem Véu
deixou uma impressão muito forte em suas mentes.” (LBS, 316)

Olcott relata que quando perguntou à mãe de Subba Row sobre o


desenvolvimento dos conhecimentos místicos de seu filho, ela lhe disse que a
primeira vez que ele falou sobre metafísica foi após o contato com HPB, em
1882. A partir desse encontro novas portas de percepção oculta se abriram
para ele:

“Foi como se um depósito de experiência oculta, há muito esquecida,


tivesse sido subitamente aberto para ele; vieram lembranças de seu
último nascimento; reconheceu seu Guru e daí por diante manteve
contato com Ele e com outros Mahatmas; com alguns, pessoalmente,
em nossa Sede, com outros, em outros lugares e por correspondência.
Ele disse a sua mãe que HPB era uma grande logue e que havia visto
muitos fenômenos estranhos em sua presença. (...)
“Seu conhecimento armazenado de literatura sânscrita lhe
voltou, e seu cunhado me disse que se você recitasse qualquer verso
do Gita, Brahma-Sutras ou Upanishads, ele podia imediatamente lhe
dizer de onde havia sido retirado e em que contexto empregado.” (Eek
1978, 663)

Entretanto, na época da criação da biblioteca de Adyar, em 1886,


Subba Row contou a Olcott que “um terço de sua vida é passada num
mundo do qual sua própria mãe não tem a menor ideia.” (ODL III, 394).
Isso nos indica que Olcott pode ter se enganado nas suas conclusões. Ainda
em fevereiro de 1882, antes de encontrar-se pessoalmente com HPB, Subba
Row lhe escreve:

(p. 167)
“Para lhe falar a verdade, minha “sincera crença” é que a Índia ainda
não perdeu seus adeptos e seu “NOME INEFÁVEL” – a Palavra
perdida! A Índia ainda não está espiritualmente morta embora esteja
rapidamente morrendo. Ainda temos homens serenos entre nós (...)
aqueles que quase alcançaram as praias do oceano do Nirvana. (...) É
apenas para os que crêem sinceramente na Yoga Vidya e na
existência de Adeptos, que esses austeros místicos estão acessíveis.
Mesmo se um teosofista inglês como o Sr. Hume, por acidente, se
encontrasse com um desses homens, ele logo colocaria sua filosofia
em prova. Sua aparência externa seria revoltante para o refinado gosto
de um cavalheiro inglês. Aparentemente – seu comportamento seria
aquele de um louco ou de um e idiota, e ele falaria bobagens
ininteligíveis de propósito, para afastar o visitante.” (LBS, 316)

Numa carta para HPB, em agosto de 1882, apenas quatro meses após
conhecê-la, falando de seus próprios conhecimentos, Subba Raw escreve:

“Quanto ao adeptado, sei muito bem o quão distante estou dele.


Até agora não ouvi falar de ninguém em minha posição que tivesse tido
sucesso em se tornar um Adepto. Mesmo na prática conheço muito
pouco de nossa Antiga Ciência Arcana.” (LBS, 321)
Porém a frase em itálico foi sublinhada pelo Mestre KH, que
acrescentou o seguinte comentário: “Isso não é bem assim. Ele conhece
muito para qualquer um de vocês.” (LBS, 321)

Subba Row filiou-se à ST em 25 de abril de 1882, poucos dias após


encontrar-se com HPB e Olcott em Madras, “sozinho, privadamente, por
alguma insondável razão de mistério”. (ODL II, 343) Talvez essa
“insondável razão de mistério” esteja justamente relacionada com o fato de
que ele já não era uma pessoa comum, mas um chela.

Adyar: Os Jardins de Huddlestone (maio de 1882)

No início de maio de 1882 HPB e Olcott partiram de Madras para


Nellore, numa viagem que levava dois dias de barco. No primeiro barco iam
apenas os dois com Babula e a tripulação e, num outro, alguns dos melhores
amigos de Madras. Olcott diz que, em todos os anos
(p. 168)
de relacionamento com HPB, é dessa viagem que guarda os momentos mais
tranquilos que tiveram juntos, principalmente porque ela estava de bom humor
e gozando de boa saúde. Ele escreve:

“Querida, saudosa amiga, companheira, colega, instrutora, camarada:


ninguém podia ser mais exasperante em seus piores momentos,
ninguém era mais adorável e admirável em seus melhores. (...) Essa
página aberta de meu diário (...) me traz de volta à memória (...) uma
imagem de HPB em seu roupão surrado, sentada em seu
compartimento em frente ao meu, fumando cigarros, sua enorme
cabeça com seus cabelos marrons, crespos, caindo sobre a página que
estava escrevendo, sua testa cheia de rugas, um olhar de pensamento
introspectivo em seus olhos azuis claros, sua mão aristocrática
deslizando a caneta rapidamente sobre as linhas e não se ouvindo
nenhum ruído, a não ser a música líquida das pequenas ondas contra
as laterais do barco”. (ODL II, 349-350)

Em 31 de maio, já de volta a Madras, HPB e Olcott foram levados pelos


filhos do juiz Muttuswamy para ver uma propriedade que estava à venda, nas
margens do rio Adyar. Essa propriedade, conhecida como os “Jardins de
Huddlestone”, tinha 11 hectares e estava sendo vendida por um preço muito
barato, devido à recente abertura da estrada de ferro de Madras até a base
das montanhas Nilgiri, encurtando muito a viagem de Madras até Ootacamund.
Os oficiais ingleses que no verão fugiam do intenso calor de Madras
compraram propriedades nas montanhas, deixando seus grandes bangalôs
nos arredores de Madras vazios e sem compradores.

Com a ajuda de P. Iyaloo Naidu que adiantou parte do dinheiro, e do


juiz Muttuswamy Chetty que assumiu um empréstimo para pagar o restante, a
compra da propriedade foi efetuada. Com as doações recebidas, em um ano
os empréstimos haviam sido pagos. (ODL II, 361)

HPB e Olcott ficaram em Madras até 6 de junho de 1882 quando


voltaram para Bombay, deixando Subba Row como secretário do recém
formado ramo da ST em Madras. Olcott revela que um dos fatores que pesou
na escolha de Madras como Sede da Sociedade foi a presença de Subba Row
nessa cidade. (ODL II, 362) A importância que Subba Row dava a essa região
fica clara numa carta de fevereiro de 1882 para HPB, onde ele escreve:

(p. 169)
“O pouco de Ocultismo que ainda subsiste na Índia está centrado nessa
região de Madras (...). O grande reviver da Yoga Vydia na época de
nosso grande Sankaracharia teve sua origem nessa parte da Índia; e
desde aquela época até os dias de hoje, o sul da Índia nunca teve o
infortúnio de ser desertado por todos os seus iniciados.” (LBS, 31)

O Ocultismo Exige Tudo ou Nada

Subba Row recusava-se a ministrar treinamento espiritual a qualquer


um que não estivesse adequadamente preparado. Ele até mesmo recusou-se
a treinar S. Iyer, seu amigo e colega de tribunal, porque esse não realizava as
observâncias religiosas diárias prescritas. (Ramanujachary, 22)

Além disso, como um brâmane ortodoxo, acreditava que ensinar a


ocidentais era um sacrilégio. Porém, HPB queria que Sinnett recebesse
ensinamentos de Subba Row. Para tanto, começou uma verdadeira
campanha, tanto com pedidos ao próprio Subba Row, quanto ao Guru de
ambos, o Mestre M. O Mestre KH escreve para Sinnett a esse respeito:

“Pobre Subba Row está “num dilema” – e é por isso que ele não lhe
responde. Por um lado ele tem a indomável HPB que atormenta a vida
de Morya para lhe recompensar e o próprio M. que, se pudesse,
gratificaria suas aspirações; de outro lado ele encontra a intransponível
muralha da China das regras e da Lei.” (MLcr., 156)

Como Sinnett não conseguia compreender nem mesmo os primeiros


princípios do treinamento de um chela, o Mestre lhe aconselha a não assumir:

“... uma tarefa além de suas forças e capacidades; pois uma vez
compromissado se quebrar sua promessa, isso o afastaria por anos,
se não para sempre, de qualquer progresso futuro. Eu disse desde o
início para Rishi “M” que sua intenção era boa, mas seu projeto
precipitado. Como pode você, em sua posição, empreender qualquer
trabalho desse tipo? O Ocultismo não deve ser tomado sem a devida
seriedade. Ele exige tudo ou nada.” (MLcr., 155)

O Mestre KH também lhe diz que Subba Row nunca consentiria em ir


para Simla. Mas:

(p. 170)
“... se ordenado por Morya ele ensinará de Madras, i.e., corrigirá os
manuscritos, como M. fez, comentará sobre eles, responderá
perguntas e será muito, muito útil. Ele tem uma perfeita reverência e
adoração por HPB.” (MLcr., 158)

Esses sentimentos ficam claros numa carta que Subba Row escreveu
para HPB, quando ela estava na Europa:

“A Sociedade não pode se dar ao luxo de perdê-la. Quanto a mim, sinto-


me muito sozinho e desconfortável em sua ausência e espero que,
assim que for possível, você nos faça saber a data de sua partida. Após
receber as ordens de nosso Mestre, penso que seria recomendável
enviar para cá o Coronel Olcott alguns dias antes.” (LBS, 322)

Talvez diante da insistência de HPB, o Mestre M. acabou ordenando a


Subba Row que desse instruções a Sinnett. Assim, em maio de 1882, Subba
Row lhe escreve:

“Várias vezes me foi solicitado nos últimos três meses, por Madame
Blavatsky, que lhe desse tais instruções práticas em nossa Ciência
Oculta, conforme me seja permitido dar para alguém em sua posição;
e agora sou ordenado por ... [M] a ajudá-lo, até certo ponto, a erguer
uma parte do primeiro véu de mistério.” (MLcr., 154)

E continua dizendo que, para tanto, era preciso que Sinnett


concordasse com algumas condições. Subba Row lhe pede sua palavra de
honra de que nunca revelaria a ninguém os segredos que lhe fossem
comunicados, a menos que recebesse autorização prévia para tanto. E lhe
adverte que:

“... qualquer coisa como um estado de mente oscilante com relação à


realidade da Ciência Oculta e a eficácia do processo prescrito
provavelmente impedirá a produção do resultado desejado.” (MLcr.,
154)

Subba Row também diz que era necessário que Sinnett agisse
estritamente de acordo com essas instruções e alterasse seu modo de vida
para estar em conformidade com as mesmas. Esse era um ponto onde Subba
Row via grandes dificuldades, pois considerava que Sinnett não estava
preparado para esse compromisso. Ele escreve para HPB sobre essa questão,
revelando nessa carta sua apreensão bem como seu enorme conhecimento
de Ocultismo prático:

“Sem dúvida lhe causaria considerável transtorno se ele fosse obrigado


a mudar completamente seu modo de vida. Você verá pelas
(p. 171)
cartas que ele está muito ansioso em conhecer de antemão a natureza
dos Siddhis, ou poderes de realizar prodígios, que se espera que ele
obtenha pelo processo ou ritual que eu pretendo lhe prescrever.
“O poder ao qual ele será introduzido pelo processo em questão
sem dúvida lhe desenvolverá maravilhosos poderes clarividentes, tanto
em relação à visão quanto ao som em algumas de suas mais elevadas
correlações”. (MLcr., 155)

O ponto de vista de Subba Row acabou prevalecendo sobre a vontade


de HPB. Em 26 de junho de 1882, ele escreve para Sinnett que após “uma
consulta aos Irmãos, para suas opiniões e ordens”, eles concluíram que
não seria possível qualquer instrução prática na Ciência Oculta, pois:

“Até onde vai meu conhecimento, nenhum estudante de Filosofia


Oculta jamais teve sucesso em desenvolver seus poderes psíquicos
sem levar a vida prescrita para tais estudantes; e não está dentro do
poder do instrutor fazer uma exceção no caso de qualquer estudante.
As regras estabelecidas pelos antigos instrutores de Ciência Oculta são
inflexíveis (...) Se você acha impraticável mudar seu atual modo de
vida, não pode senão esperar por instruções práticas até que esteja
numa posição de fazer tais sacrifícios como os que a Ciência Oculta
requer; e, pelo momento, deve se satisfazer com as instruções teóricas
que for possível lhe dar.
“Quase não é necessário, agora, lhe informar se as instruções
prometidas em minha primeira carta, sob as condições ali
estabelecidas, iriam desenvolver em você tais poderes que lhe
permitiriam tanto ver os Irmãos quanto conversar com eles
clarividentemente. O treinamento oculto, seja como for que comece, irá
no devido tempo necessariamente desenvolver tais poderes. Você
estará adotando uma visão muito vulgar da Ciência Oculta se fizer a
suposição de que a mera aquisição de poderes psíquicos é o mais
elevado ou o único resultado desejado do treinamento oculto.” (MLcr.,
164)

HPB Encontra o Mestre M. no Sikkim (setembro de 1882)

Em agosto de 1882, Damodar foi passar um mês em Poona, para


descansar e se recuperar, pois estava com a saúde muito debilitada, devido
às perseguições e ao excesso de trabalho. (CW IV, xxv) HPB
(p. 172)
também passava por um período muito delicado de saúde. Ainda em março de
1881, o Mestre KH havia escrito:

“Nossa infeliz “Velha Senhora” está doente. Fígado, rins, cabeça,


cérebro, pernas, cada órgão e membro manifesta um duelo e estala os
dedos ao esforço dela em ignorá-los. Um de nós terá que “ajustá-la”
como nosso leal Sr. Olcott diz, ou teremos que lhe dizer adeus.” (MLcr.,
56)

Em setembro de 1882 HPB vai ao Sikkim encontrar-se com o Mestre


KH e com seu Guru, para se recuperar. O Mestre KH descreve o encontro:

“Não creio que jamais tenha sido tão profundamente tocado, em toda
minha vida, por algo que testemunhei, como com o arroubo em êxtase
da pobre velha criatura, quando nos encontrou recentemente, ambos
em nossos corpos naturais (...) Mesmo nosso fleumático M. foi tirado
de seu equilíbrio, por uma tal exibição – da qual ele era o principal herói.
Ele teve que usar seu poder, e mergulhá-la num sono profundo, pois
de outro modo ela teria rompido algum vaso sanguíneo, incluindo rins,
fígado e seus “interiores” (...) em suas tentativas delirantes de achatar
seu nariz contra sua capa de montaria suja com a lama do Sikkim! Nós
dois rimos, mas como poderíamos deixar de nos sentir tocados? É
claro, ela é completamente inadequada para um verdadeiro adepto:
sua natureza é por demais apaixonadamente afetuosa e nós não temos
o direito de condescender em apegos e sentimentos pessoais.” (MLcr.,
297)

Em outubro o Mestre KH escreve para Sinnett que “HPB foi


emendada, se não completamente, pelo menos por algum tempo.” (MLcr.,
304), e que:

“Ela está melhor e nós a deixamos perto de Darjeeling. Ela não está a
salvo no Sikkim. A oposição dos Dugpas é tremenda e a menos que
nós devotemos todo o nosso tempo cuidando dela, a “Velha Senhora”
poderá ser prejudicada, uma vez que ela agora está incapaz de cuidar
de si mesma.” (MLcr., 286)

HPB ficou em Darjeeling até novembro 1882, quando retornou a


Bombay. Em 17 de dezembro de 1882 HPB, Olcott, Damodar, Babajee, os
Coulombs e alguns servos indianos partiram de trem para Madras, de
mudança para a nova sede da Sociedade Teosófica em Adyar. (ODL II, 391)

(p. 173)
O Santuário (janeiro de 1883)

Na nova sede Emma Coulomb continuou exercendo suas funções de


governanta da casa. HPB ocupava o andar de cima do prédio principal, onde
havia sido construído um novo quarto. Sinnett e sua esposa passaram por lá
antes de irem para Londres, e ele descreve:

“O novo quarto, recém acabado, teve sua construção apressada para


que pudéssemos vê-lo pronto; ele foi destinado pela Madame para ser
seu ‘quarto oculto’, seu próprio sanctum, especialmente privado, onde
ela seria visitada tão somente por seus amigos mais íntimos. Ele veio
a ser tristemente profanado por seus piores inimigos um ou dois anos
depois. No seu ardor de afeição por tudo que dizia respeito aos
‘Mestres’, ela havia especialmente se dedicado em decorar um certo
pequeno armário suspenso, que seria mantido sagrado,
exclusivamente para as comunicações ocorrendo entre esses Mestres
e ela mesma, e já tinha lhe dado a designação, sob a qual ele mais
tarde se tornou tão tristemente a célebre – o santuário [shrine]. Aqui
ela havia colocado alguns pequenos tesouros ocultos – relíquias de sua
estadia no Tibet – dois pequenos retratos que ela possuía dos
Mahatmas e algumas outras pequenas coisas associadas a eles em
sua imaginação.” (Sinnett 1886, 258)

O santuário ficava cercado por cortinas, no quarto oculto, vizinho ao


dormitório de HPB. Ele foi desenhado pelo próprio Alexis Coulomb, e
construído em partes desmontáveis, para que a Madame pudesse levá-lo em
sua bagagem quando fosse passar algum tempo fora de Adyar. (CW VI, 415)
Funcionava como um local para comunicação com os Mestres – as cartas a
Eles endereçadas eram ali colocadas e as a respostas lá apareciam
materializadas. Esse é um fenômeno oculto:

“... tão rigidamente sujeito a leis naturais quanto o comportamento do


vapor ou da eletricidade. Um local mantido puro de todo ‘magnetismo’,
a não ser aquele conectado com o trabalho de integrar e desintegrar
cartas, facilitaria o processo, e o ‘santuário’ foi usado dezenas de vezes
para a comunicação de questões entre os Mestres e os chelas ligados
à Sociedade”. (Sinnett 1886, 258)

(p. 174)
Olcott Encontra com Mestre KH em Lahore (novembro de 1883)

Em novembro de 1883 Olcott e Damodar viajaram para Lahore. Essa


viagem estava sendo feita sob ordens do Mestre KH, para que Olcott o
encontrasse. Apesar de Olcott já estar a vários anos numa convivência estreita
com HPB, muitas vezes sua mente racional ainda pedia por provas. Esse
comportamento precisava mudar e por isso o Mestre KH foi encontrá-lo
fisicamente, em Lahore. De acordo com HPB:

“Parece que Maha Sahib (o grande) é que insistiu com o Chohan para
que Olcott tivesse a permissão de encontrar pessoalmente dois ou três
dos adeptos além de seu guru M. Tanto melhor. Eu não serei, quem
sabe, a única a ser chamada de mentirosa, quando afirmar a realidade
de suas existências.” (LBS, 62)

Na noite de 17 de novembro de 1883, quando estavam no trem,


Damodar estava deitado em sua cama e não parecia estar fisicamente
dormindo pois, de tempos em tempos, mexia-se. Daqui a pouco ele perguntou
a Olcott que horas eram:

“Eu lhe disse que faltavam poucos minutos para as seis da tarde. Ele
disse: “Eu recém estive na Sede” – querendo dizer no duplo [astral]
– “e aconteceu um acidente com Madame Blavatsky”. E lhe
perguntei se havia sido algo sério. Ele disse que não podia me dizer,
mas achava que ela havia tropeçado no tapete e caído pesadamente
sobre seu joelho direito.” (SPR Appendix I)

Na estação seguinte, Olcott enviou um telegrama para HPB


perguntando: “Que acidente ocorreu na Sede, em torno das 6h? Responda
para Lahore.” No dia seguinte, ele recebeu a resposta: “Quase quebrei a
perna direita, caindo da cadeira do Bispo, arrastando Coulomb,
atemorizando Morgans. Damodoss [Damodar] nos assustou.” (SPR
Appendix I)

No momento em que Damodar apareceu em seu duplo astral, HPB


estava em cima de uma cadeira, limpando os retratos dos Mestres. Quando
Emma Coulomb, que era psíquica, o viu, levou um tremendo susto e largou a
cadeira, o que fez com que HPB se desequilibrasse e caísse, machucando o
joelho direito.

Ao chegarem em Lahore Olcott, Damodar e a comitiva acamparam em


tendas em frente ao Forte. Na madrugada do dia 20 de novembro, Olcott
percebeu alguém entrando em sua tenda e tocando-o.
(p. 175)
Com medo, ele agarrou o intruso pelos braços e perguntou quem era e o que
queria. Então ouviu uma voz suave e gentil lhe perguntando: “Você não me
conhece? Não se lembra de mim?” (ODL III, 37)

Era o Mestre KH. Olcott imediatamente o largou, juntou as mãos em


saudação e tentou sair da cama, em sinal de respeito, mas o Mestre o impediu.
Após lhe falar algumas frases, pegou sua mão esquerda e colocando os dedos
de sua mão direita na palma da mão de Olcott, fez surgir um papel embrulhado
num pano de seda. Depois o abençoou e saiu da tenda. (ODL III, 38) O bilhete
precipitado na mão de Olcott dizia:

“Desde o início de seu período de provação na América, você esteve


muito relacionado comigo, embora seu desenvolvimento imperfeito
frequentemente o fez confundir-me com Atrya (...) o objetivo que
tínhamos em vista, ao empreender minha viagem do Ashrum para
Lahore, era lhe dar essa última prova substancial. Você não apenas me
viu e conversou comigo, mas me tocou, minha mão apertou a sua e o
KH da imaginação tornou-se o KH da realidade. Sua conduta céptica,
frequentemente caindo num conservadorismo extremo tem séria e
constantemente impedido seu desenvolvimento interno. Ela lhe fez
suspeitar – às vezes cruelmente – de Upasika, de Borg, de Djual-K, e
até mesmo de Damodar e D. Nath [Babajee], a quem você ama como
filhos. Esse nosso encontro deve mudar radicalmente o estado de sua
mente. Se não mudar, tanto pior para seu futuro; a verdade nunca vem
como um arrombador, através de janelas gradeadas e portas blindadas
com ferro.” (LMW 1st Series, 40)

O Mestre KH voltou ao acampamento às 22h, quando conversou com


Damodar e depois com Olcott, num local um pouco afastado, para evitar
intromissões. (ODL III, 44) No dia 21 eles partiram para Jammu, hospedando-
se numa casa do marajá do Kashmir. Durante o dia Olcott ia ao palácio para
dar passes mesméricos no marajá e conversar sobre Vedanta.

Na manhã do dia 25, quando Olcott acordou, percebeu que Damodar


não estava em seu quarto. Após procurá-lo sem sucesso, um servo lhe
informou que o vira saindo da casa, sozinho. Ao voltar para quarto, Olcott
encontrou um bilhete do Mestre lhe dizendo para não se preocupar, pois
Damodar estava sob sua proteção. (ODL III, 54) HPB escreve para Sinnett
sobre Damodar:

(p. 176)
“Desapareceu! Fiquei pensando e também tive medo, é estranho pois
faz apenas quatro anos que ele é um chela. KH é esperado por aqui
ou pela redondeza por dois chelas que vieram de Mysore para O
encontrar. Ele está indo para algum lugar, relacionado aos Budistas da
Igreja do Sul. Será que nós o veremos? Eu não sei. Mas aqui há uma
comoção entre os chelas. Bem, coisas estranhas andam acontecendo.
Terremotos, e sol azul e verde; Damodar raptado pelos Mestres e o
Mahatma vindo. E agora o que faremos no escritório sem Damodar!
Oh deuses e poderes do Céu e do Inferno, não tínhamos trabalho e
problemas suficientes! Bem, bem, SUAS vontades sejam feitas, não a
minha. Sua, sempre na água fervendo, HPB”. (LBS, 72)

HPB telegrafou para Olcott dizendo-lhe que não deixasse ninguém


mexer na cama ou nas bagagens de Damodar e que ele logo retornaria. Na
noite do dia 27 Damodar voltou, trazendo para Olcott “uma mensagem de um
outro Mestre, que conheço bem”. (ODL III, 57) Em seu diário, ele escreveu:

“Damodar voltou parecendo exausto, mas mais firme e resistente que


antes. Ele agora é realmente um novo homem. Me trouxe uma
mensagem de Hilarion.” (LMW 2nd Series, 189)

Chamamos a atenção para o fato que Olcott se refere ao Mestre


Hillarion como um Mestre “que conheço bem”.
Condessa Constance Wachtmeister.

(p. 177)
Capítulo 12

Anna Kingsford

Anna Kingsford foi uma grande pioneira em sua época. Dotada de


faculdades psíquicas e de um intelecto brilhante, foi defensora incansável do
vegetarianismo e uma militante contra a vivissecção de animais. Foi porta-voz
dos direitos das mulheres, da doutrina da reencarnação e uma nova
interpretação simbólica (e não histórica) das Escrituras cristãs. Escrevendo
sobre Anna Kingsford, por ocasião de sua morte, HPB reconhece suas
imensas capacidades e o valor de seu trabalho, assim se expressando:

“Poucas mulheres trabalharam mais intensamente do que ela, ou em


causas mais nobres; nenhuma com mais sucesso na causa do
humanitarismo. (...) Poucas mulheres escreveram de forma mais
gráfica, mais cativante, ou possuíram um estilo mais fascinante.
“O campo de atividades da Sra. Kingsford, entretanto, não
estava limitado ao plano puramente físico, ou mundano, da vida. Ela
era uma teósofa, uma verdadeira teósofa de coração; uma líder de
pensamento espiritual e filosófico, dotada com os mais excepcionais
atributos psíquicos. (...) embora suas ideias religiosas diferissem
grandemente em alguns pontos da filosofia oriental, permaneceu um
membro fiel da Sociedade Teosófica e uma amiga leal de seus líderes.
Foi alguém cujas aspirações da vida inteira estiveram sempre voltadas
para o eterno e o verdadeiro. Uma mística por natureza – das mais
ardentes, para aqueles que a conheceram bem – ela era, ao mesmo
tempo, mesmo na opinião de materialistas e descrentes, uma mulher
extraordinária.” (CW IX, 89-90)

Edward Maitland: seu Grande Colaborador (1874)


Anna Bonus Kingsford nasceu em 16 de setembro de 1846, na
Inglaterra. Em 1867 casou-se com o reverendo anglicano Algernon Godfrey
Kingsford, com quem teve uma filha. Para desgosto do marido, em 1870 entrou
para a Igreja Católica. Entre 1872 e 1873 editou um jornal ligado aos direitos
femininos. (CW IX, 439)

(p. 178)
Em 1873 conheceu Edward Maitland o qual veio a ser, com o
consentimento do reverendo Algernon, o acompanhante de Anna durante o
tempo que estudou Medicina em Paris, a partir de 1874. Para evitar falatórios
os dois se apresentavam como tio e sobrinha.

Anna tornou-se vegetariana nesse período e sua tese de conclusão do


curso foi sobre a alimentação vegetariana para o ser humano. Posteriormente,
ela foi revisada e publicada sob o título de The Perfect Way in Diet (O
Caminho Perfeito em Dieta). O vegetarianismo e a luta contra a vivissecção se
tornaram causas que defendeu publicamente pelo resto de sua vida. (Godwin
1994b, 335).

Edward Maitland foi seu grande companheiro de trabalho desde essa


época até o fim de sua vida. Maitland era dotado de um psiquismo totalmente
consciente, como um “datilografar automático”. (Godwin 1994b, 337)

As Iluminações de Anna Kingsford (1874-1888)

Anna Kingsford tinha faculdades psíquicas desde a infância. Na época


do curso de Medicina, começou a ter experiências contendo mensagens
inspiradoras, às quais deu o nome de “Iluminações”. Embora algumas fossem
transmitidas por meio de um ditado quando ela estava em transe, a maioria
era recebida por visões durante o sono natural, que ela descrevia assim que
acordava.

Kingsford chamava aquele que a inspirava de seu “gênio” e o descreve


como um “anjo”, cujo trabalho era “guiar, advertir e iluminar”. (Kingsford
1993, 36) Embora seu gênio conhecesse seu futuro, nada lhe dizia, exceto que
podia ter certeza que teria problemas, pois “nenhum homem jamais
alcançou a Terra Prometida sem ter atravessado o deserto”. (Kingsford
1993, 37) Ela diz:

Meu gênio se parece com Dante e, como ele, está sempre de vermelho.
E tem um cáctus em sua mão, o qual ele diz que é meu emblema. Ele me pede
para dizer que a melhor arma contra os astrais [seres, entidades astrais] é a
oração. Oração significa o intenso direcionar da vontade e do desejo em
direção ao Alto; um propósito imutável de conhecer tão somente o mais
Elevado. (...)

(p. 179)
“Devo informar-lhes que o gênio nunca “controla” o seu cliente,
nunca tolera que a alma saia do corpo para permitir a entrada de um
outro espírito. A pessoa controlada por um astral ou elemental, ao
contrário, não fala em seu próprio nome, mas naquele do espírito que
a controla (...).
“Outro sintoma, diz ele, por meio do qual distinguir espíritos
estranhos do seu próprio gênio, é o seguinte: – o gênio nunca está
ausente. Desde que a mente se encontre em condições de ver, ele está
sempre presente.” (Kingsford 1993, 36-37)

Maitland diz que essas Iluminações não eram o produto de qualquer


estimulação artificial de suas faculdades, ou da indução a qualquer estado
anormal seja por meio de drogas, mesmerismo ou hipnotismo. Kingsford nunca
disse ser uma médium ou uma clarividente no sentido comum dessas palavras.
Ela se intitulava uma profetisa e assim explicava seu dom:

“Não tenho quaisquer poderes ocultos, e nunca aleguei possuí-los.


Nem sou, no sentido comum da palavra, uma clarividente. Sou apenas
uma “profetisa” – alguém que vê e sabe intuitivamente, e não pela
utilização de qualquer faculdade treinada. Tudo que recebo vem a mim
por “iluminação”, como para Proclus, para Jâmblico, para todos aqueles
que seguem o método platônico. Esse “dom” nasceu comigo, e foi
desenvolvido por uma regra e uma conduta especiais de vida. Ele é,
me foi dito, o resultado de uma iniciação anterior num nascimento
passado (...) Minha iniciação foi greco-egípcia e, assim sendo, recordo
a verdade primariamente na linguagem e segundo o método dos
mistérios de Baco, que são de fato a fonte e o padrão imediatamente
precedentes dos mistérios da Igreja Católica Cristã.” (Kingsford 1993,
xxii)

Essas Iluminações, recebidas ao longo de 14 anos, foram publicadas


por Edward Maitland após a morte de Anna Kingsford, com o título de Vestida
com o Sol [Clothed With the Sun] em referência à alegoria da alma iluminada,
que é representada no Apocalipse como “uma mulher vestida com o sol,
tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas em sua
cabeça.” (Apoc., 12: 1) Para eles a mulher, na Bíblia, era o símbolo da alma
e da intuição – o princípio feminino no homem.

Kingsford e Maitland eram profundamente cristãos, mas incapazes de


aceitar uma interpretação literal da Bíblia, ou o dogmatismo
(p. 180)
das igrejas. Para eles o Cristianismo era apenas uma das religiões da
Antiguidade, cujos mistérios ensinavam as mesmas verdades sobre o destino
da alma. As Iluminações confirmaram suas hipóteses, pois nelas os
Evangelhos eram quase totalmente alegóricos, uma descrição do destino da
alma.

Cristo não é visto como uma pessoa, mas como o estado de um homem
regenerado no qual a alma se tornou “una com o Espírito Divino”. (Godwin
1994b, 338) E Jesus era um homem que havia realmente vivido e realizado
esse estado de união. Um iniciado cujo nome ela só conseguia ver a primeira
letra – a letra “M”. (Kingsford 1993, 85)

A Doutrina da Reencarnação (julho de 1881)

Pouco antes de deixar Paris, Kingsford e Maitland descobriram Ísis


Sem Véu e souberam da existência da Sociedade Teosófica. Embora
achassem Ísis desorganizada e desnecessariamente agressiva, estavam
encantados por encontrar outras pessoas realizando um trabalho paralelo ao
deles.
Indo a Londres, entraram em contato com espíritas, com
pesquisadores psíquicos e com membros da Sociedade Teosófica Britânica.
Em meados de 1881, proferiram várias palestras, que foram publicadas no
início de 1882 como The Perfect Way; or, The Finding of Christ (O Caminho
Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo). (Godwin 1994b, 339)

Esse livro causou grande polêmica no meio espírita principalmente por


sua defesa da reencarnação. Mesmo nos meios espíritas da época não havia
um consenso e a questão gerava um debate quase permanente. Seus
defensores mais fortes eram os médiuns da escola francesa de Allan Kardec
e, na Inglaterra, Lady Caithness, Anna Blackwell, Francesca Arundale, Isabel
de Steiger e o espírito Ski, que costumava falar através da Sra. Hollis-Billing.
Contra eles estava a maioria dos médiuns ingleses e americanos, como P.B.
Randolph, Stainton Moses e Emma Hardinge Britten.

E importante notar que a ideia da reencarnação não era uma ideia


corrente na Sociedade Teosófica dos primeiros tempos. A própria HPB,
durante a primeira parte de sua carreira pública, como em Ísis Sem Véu,
parecia negar a doutrina da reencarnação. Somente mais tarde,
(p. 181)
quando já morava na Índia, é que ela passou a se declarar publicamente a
favor dessa doutrina. Olcott afirma que ele, pelo menos, não conhecia a
doutrina da reencarnação:

“Naturalmente, não é da minha conta porque ela não nos foi ensinada
(...) Não acredito que o mistério da incongruência dos ensinamentos de
Nova Iorque de 1875, e os posteriores na Índia possa ser explicado,
pelo menos a ponto de satisfazer àqueles que atacam o problema do
ponto de vista da crítica literária: para aqueles que têm o poder de
levantar o véu e estudar a questão a partir do interno, essa dificuldade
desaparece. Mas não se pode esperar que estudantes limitados ao
plano físico recebam como sendo conclusivas as explicações de alunos
avançados da Loja Branca. A conclusão que cheguei há muito tempo é
a de que essa questão deve simplesmente ser deixada como um
mistério.” (ODL V, 38)

Não há dúvidas de que Olcott realmente não havia sido ensinado sobre
a reencarnação. Mas, e com relação à Madame Blavatsky? William Judge
afirma que, embora ela realmente não ensinasse ao público a doutrina da
reencarnação durante essa época em Nova Iorque:

“... ela de fato a ensinou para mim e para outros, naquela época como
agora. (...) HPB me falou muitas vezes, pessoalmente, da real doutrina
da reencarnação, compelida pelo caso da morte de minha própria filha;
portanto, eu sei o que ela conhecia e acreditava”. (Judge 1989, 119)

Numa carta de março de 1875 HPB se posiciona contra a reencarnação


da maneira como os kardecistas a concebiam. (Corson). Eugene Corson, que
publicou as cartas de HPB para seu pai, comenta sobre as razões da
reencarnação não ser então ensinada por HPB:

“Ela [a reencarnação] era a ideia dominante em todo o Oriente. Era


quase a nota tônica da filosofia de Platão. O neoplatonismo de Plotino
e Proclus está repleto dela. (...)
“A única explicação que me vem à mente é que ela ficou em
silêncio, como o fez em tantas outras coisas naquela época. Ela deveria
estar consciente de que isso seria repugnante aos espíritas
americanos, e eu não sei se mesmo hoje é aceita por eles. Também
não acredito que seja aceita na Inglaterra. A maioria dos espíritas não
são filosoficamente inclinados e não se preocupam em olhar
(p. 182)
além do mero fato da inter-relação entre os dois mundos. (...) Minha
opinião é que ela permaneceu em silêncio, do mesmo modo como
silenciou em outras questões, que foram extensamente elaboradas em
seus escritos posteriores.” (Corson)

Sinnett chegou em Londres, vindo da Índia, para publicar seu livro O


Mundo Oculto em fins de março ou começo de abril de 1881. O livro foi
publicado em junho desse ano e ele retornou para a Índia em 4 de julho.
Durante esse período que esteve em Londres, encontrou-se com Anna
Kingsford e Edward Maitland. Os três ficaram até tarde da noite discutindo a
questão da reencarnação – eles a favor e Sinnett contra. (Kingsford 1916, 5)

Porém, em maio de 1882, Sinnett publicou no The Theosophist uma


crítica literária sobre O Caminho Perfeito, onde demonstrava ter passado a
aceitar a doutrina da reencarnação. Isso, é claro, causou surpresa a Kingsford
e Maitland, ao lembrarem do quanto ele havia sido enfático em negá-la, no ano
anterior. Escreve Kingsford numa carta para Lady Caithness:

“O próprio crítico literário – o Sr. Sinnett – que escreve com tanta


pseudo autoridade no The Theosophist, no intervalo de um ano
alterou completamente suas visões em pelo menos uma questão
importante – me refiro à reencarnação. Quando veio nos ver a um ano
atrás, em Londres, ele veementemente negou aquela doutrina e
afirmou, com imensa convicção, que eu estava completamente
enganada em meu ensinamento referente a ela. Leu uma mensagem
de Ísis Sem Véu para me contestar e discutiu longamente sobre a
questão. Ele não havia então recebido quaisquer instruções de seu
Guru indiano sobre ela. Agora ele foi assim instruído, e escreveu uma
longa carta ao Sr. Maitland reconhecendo a verdade da doutrina que,
depois que nos encontrou, foi ensinado.” (Shirley, 15)

Para Kingsford o fato dela ter exposto a doutrina da reencarnação em


O Caminho Perfeito é que havia “provocado” uma reação dos Adeptos, que
decidiram expor essa doutrina. Em janeiro de 1883 o Mestre KH aconselha
Sinnett a escrever para Massey dizendo que isso não era verdade, uma vez
que ele já havia sido ensinado sobre a reencarnação a partir de julho de 1881,
vários meses antes do livro de Kingsford ser publicado.
(p. 183)
Entretanto, o fato é que isso ocorreu após sua longa discussão com Kingsford
e Maitland. O Mestre KH diz:

“Apenas permita-me dar-lhe um aviso. Um incidente agora tão trivial,


que parece ser apenas a inocente expressão de vaidade feminina,
pode, se não for corrigido de uma vez, produzir consequências muito
maléficas. Numa carta da Sra. Kingsford para o Sr. Massey,
condicionalmente aceitando a presidência da S.T. Britânica, ela
expressa sua crença – ou melhor, o aponta como um fato inegável –
que, antes da aparição de O Caminho Perfeito, ninguém “sabia o que
a escola oriental realmente sustentava quanto à reencarnação”; e
acrescenta que “vendo o quanto foi exposto naquele livro, os adeptos
estão se apressando em abrir seus próprios tesouros” (...) Então
escreva, meu bom amigo, a verdade ao Sr. Massey. Diga-lhe que você
possuía a visão oriental da reencarnação vários meses antes que o
trabalho em questão tivesse aparecido – uma vez que foi em julho (18
meses atrás) que você começou a ser ensinado sobre a diferença entre
a reencarnação à la Allan Kardec, ou renascimento pessoal – e a da
mônada espiritual.” (MLcr., 342-343)

Além da crítica literária de Sinnett, um artigo de Hume, sob o título de


Fragmentos de Verdade Oculta, e um editorial de HPB (CW lV, 119),
começaram a mostrar que os Adeptos, afinal, também estavam ensinando a
reencarnação. Essa mudança de atitude causou polêmica na Loja de Londres,
levando Massey a pedir a HPB que explicasse e esclarecesse a questão.

Madame Blavatsky, então, argumentou que, na verdade, há duas


maneiras de falar sobre o destino de um indivíduo. Do ponto de vista mais
exotérico [externo], dado em Ísis Sem Véu, estava correto dizer que uma
pessoa nunca reencarna. Porém, desde um ponto de vista mais elevado, uma
individualidade o faz. Para ilustrar isso ela apresentou o esquema esotérico
[interno] dos sete princípios do ser humano.

Segundo esse esquema os três princípios inferiores que compõem o


Corpo, ou o “Ego terreno”, sempre morrem. Os dois princípios seguintes
compõem a Alma, ou o “Ego pessoal”. Eles são destruídos após algum tempo
e só reencarnam sob circunstâncias especiais, conforme escrito em Ísis Sem
Véu. Finalmente, os dois princípios restantes que constituem o Espírito, ou
“Mônada Espiritual” são eternos e indestrutíveis. Esse esquema pode ser
melhor compreendido observando-se o quadro abaixo: (p.184)

Anna Kingsford Presidente da Loja de Londres (janeiro de 1883)

Em 1882, a Sociedade Teosófica Britânica estava em crise. Alguns de


seus membros, ainda fervorosos espíritas, não aceitavam as críticas de HPB
ao movimento espírita, e outros queriam provas da existência dos Mestres.
Seu presidente, Wyld, havia renunciado. Pensando em ter mais seções dentro
da ST, entre elas uma seção católica, Massey convidou Kingsford para juntar-
se a eles. Entretanto ela não aceitou o convite, pois tinha uma imagem
bastante negativa da ST, conforme podemos ler nas palavras de Maitland:

“... nós já sabíamos o bastante da ST, sua origem, motivos e métodos


para não acreditar nela. Seus prospectos originais cometiam a flagrante
inconsistência de declarar absoluta tolerância da Sociedade a todas as
formas de religião e, depois, afirmar que um objetivo principal era a
destruição do Cristianismo. Seus fundadores também a
comprometeram com a rejeição da ideia de um
(p. 185)
Deus, pessoal ou impessoal, e isso ao mesmo tempo em que a
chamaram Teo-sófica.” (Kingsford 1916, 11)

Realmente, numa circular feita para divulgação da ST, em maio de


1878, quando seus objetivos ainda não tinham a formulação atual, se lia:

“A Sociedade ensina e espera que seus membros exemplifiquem


pessoalmente a mais elevada moralidade e aspiração religiosa;
oponham-se ao materialismo da ciência e a toda forma de teologia
dogmática, especialmente a cristã, que os Chefes da Sociedade
consideram como particularmente perniciosa; tornar conhecido nas
nações ocidentais, os fatos há muito suprimidos sobre as filosofias
religiosas orientais, sua ética, cronologia, esoterismo, simbolismo;
contrapor-se, tanto quanto possível, aos esforços dos missionários de
iludir aos assim chamados “Infiéis” e “Pagãos” com relação à real
origem e dogmas do Cristianismo e aos efeitos práticos dos últimos
sobre o caráter público e privado nos assim à chamados países
civilizados”. (CW I, 376-377)

Maitland diz que essa questão não foi adiante nesta época, mas depois
eles ficaram surpresos ao saber que Kingsford havia sido reconhecida pelos
misteriosos chefes da ST como “a maior mística natural de nossos dias, e
com incontáveis idades adiante da grande maioria da humanidade”.
(Kingsford 1916, 11-12)

Anna Kingsford acabou aceitando sua indicação para presidente da


Sociedade Teosófica Britânica, sob a condição de que “nenhuma forma de
obediência aos Mahatmas, a HPB ou a qualquer outra pessoa, real ou
não, me seria exigida, mas apenas aos Princípios e Objetivos da ST”.
(Kingsford 1916, 19)

Sob indicação de Massey, ela foi eleita presidente da ST Britânica, em


7 de janeiro de 1883, com Maitland e Wyld como vices. Como nessa ocasião
ela ainda estava na França, somente assumiu suas funções após 20 de maio,
quando retornou a Londres. Um dia antes da posse de Kingsford, Sinnett
recebeu uma carta do Mestre KH, onde lhe advertia:

“Quatro europeus foram colocados em provação há doze meses; dos


quatro – apenas um, você, se mostrou merecedor de nossa confiança.
Esse ano as Sociedades, ao invés de indivíduos, que serão testadas.
O resultado dependerá de seu trabalho coletivo e o Sr. Massey engana-
se ao esperar que eu esteja preparado para me juntar à heterogênea
multidão de “inspiradores” da Sra. K. Deixe-os
(p. 186)
permanecer sob suas máscaras de São João Batista e aristocratas
bíblicos semelhantes. Desde que esses últimos ensinem nossas
doutrinas – por mais que misturadas com adições alheias – um grande
ponto terá sido ganho.” (MLcr., 342)

Para que a Loja de Londres saísse da crise em que se encontrava,


Anna Kingsford acreditava que um de seus objetivos especiais, a
“reconstrução da religião numa base científica, e da ciência numa base
religiosa” (Ransom, 196) também deveria ser aplicado ao Cristianismo e não
apenas ao Hinduísmo e ao Budismo. Ela escreve, em maio:
“Farei o máximo ao meu alcance para tornar nossa Loja de Londres um
corpo realmente influente e científico. ... Além disso, nós não queremos
nos comprometer apenas com o Orientalismo, mas com o estudo de
todas as religiões esotericamente, e especialmente àquele da nossa
Igreja Católica ocidental. Teosofia é igualmente aplicável a tal estudo;
mas o Orientalismo só pode se relacionar ao Bramanismo e ao
Budismo. (...)
“Tenho um plano que sinceramente espero ter, de algum modo,
os meios para colocá-lo em prática na próxima primavera. Trata-se de
dar palestras em um dos auditórios em Londres sobre “Cristianismo
Esotérico”. Eu explicarei o significado verdadeiro e oculto das doutrinas
católicas – tanto quanto isso for possível, é claro – e o significado
interno de todos os mitos sagrados. Já elaborei um esboço a partir de
um pequeno esquema que, se puder se realizado, irá, estou segura,
fazer mais pela nossa Teosofia do que qualquer quantidade de livros
publicados.” (Kingsford 1916, 14)

Em junho, a pedido de Anna Kingsford, os membros decidiram alterar


o nome de Sociedade Teosófica na Grã-Bretanha, para Loja de Londres da
Sociedade Teosófica, a exemplo dos movimentos maçônicos que eram um
corpo único com várias subdivisões em Lojas.

A “Divina Anna”

Entretanto, o desejo de Anna Kingsford de transformar a Loja de


Londres num “corpo realmente influente”, não comprometido “apenas com
o Orientalismo”, dando especial ênfase ao estudo “da nossa Igreja
(p. 187)
Católica ocidental” (Kingsford 1916, 14), era algo que não agradava HPB
que tinha uma conhecida implicância com o Cristianismo dogmático, tendo
uma preferência particular pela filosofia oriental.

Mas havia ainda outros pontos de atrito. Anna Kingsford era uma
pioneira na luta pelo vegetarianismo e pela defesa dos animais, enquanto
Madame Blavatsky não era nem mesmo vegetariana. Além disso, Kingsford se
considerava uma profetisa, porta-voz de uma nova era e de um novo
evangelho, e com um conhecimento que ela dizia ser superior àquele que HPB
recebia, uma vez que era obtido diretamente, sem intermediários, em suas
Iluminações, enquanto a Sociedade Teosófica:

“... afirmava que suas doutrinas eram derivadas de fontes que, mesmo
que tivessem existência real – uma questão da qual não tínhamos
nenhuma prova – não podiam ser comparadas com aquelas das quais
as nossas eram derivadas, enquanto que a doutrina em si mesma era
palpavelmente inferior, até o ponto em que havia sido revelada, e isso
tanto no conteúdo quanto na forma.” (Kingsford 1916, 11)

Talvez essa seja a origem do apelido irônico com que HPB se referia a
ela em suas cartas particulares para Sinnett: a “divina Anna”. (LBS, 44)
Embora publicamente Madame Blavatsky não demonstrasse seus sentimentos
em relação a Anna Kingsford, em suas cartas para Sinnett ela os extravasava
livremente, revelando suas críticas:
“Eu era, desde o começo, contra sua nomeação, mas tive que segurar
minha língua, uma vez que é a escolha de KH e que Ele percebe
sementes tão maravilhosas nela, que Ele até mesmo desconsidera
suas críticas pessoais arrogantes acerca Dele.” (LBS, 60).

Ou, referindo-se à escolha dela para a presidência da Loja de Londres


por Massey:

“... não foi ele, e somente ele que propôs e a elegeu como a única
possível Salvadora da Sociedade Teos. Britânica? Bem, agora
agradeça a ele e fique com ela para que os transforme todos numa
geleia [um grupo amorfo, sem identidade]. É claro que ela irá lhe adular
mais do que nunca. Eu sei que isso irá acabar com um escândalo.”
(LBS, 22)

O fato é que a “divina Anna” também incomodava HPB em outros


aspectos bem mais pessoais. Anna Kingsford era uma mulher de
(p. 188)
rara beleza. Maitland descreve a primeira vez que a encontrou com as
seguintes palavras:

“Alta, esbelta e de formas graciosas. De aparência agradável e


requintada. Brilhante e jovial em expressão. O cabelo longo e dourado,
mas as sobrancelhas e os cílios escuros, e os olhos fundos e de cor
castanho-claro, ora sonhadores, ora penetrantes. A boca harmoniosa,
carnuda e perfeitamente formada. A larga sobrancelha proeminente e
precisamente talhada. O nariz delicado, ligeiramente curvado e
proeminente apenas o suficiente para dar personalidade à face. E o
vestido um tanto excêntrico, como se tornava sua aparência. Anna
Kingsford parecia, à primeira vista, mais como uma fada do que
humana, mais criança do que mulher. Pois embora na verdade tivesse
vinte e sete anos, ela mal aparentava dezessete, e parecia
particularmente feita para ser cuidada, mimada e satisfeita, e de modo
algum para ser tomada seriamente.” (Shirley, 12)

Tamanha beleza também parecia incomodar Madame Blavatsky que


nessa época já tinha a saúde comprometida e estava bastante obesa. Ela
deixa isso claro pela maneira como descreve a aparência física e o modo de
vestir de Anna Kingsford. HPB havia pedido a Sinnett um retrato dela, pois não
a conhecia pessoalmente, mas, pouco depois lhe escrevia dizendo que
Kingsford lhe havia sido mostrada:

“Diga, por que ela estava usando um vestido que parecia com “o pelo
preto e amarelo das zebras da criação do Rajá do Kashmir?” E é
verdade que usava rosas em seu cabelo “o qual é como um pôr de sol
flamejante, amarelo dourado”? E por que – piedade! Por que ela tinha
“suas mãos e braços pintados de preto, bem preto – até os cotovelos?”
Ou eram luvas? E mais, é verdade que naquela noite ela trazia uma
bolsa de metal brilhante a sua frente, com fivelas e guizos e mais
alguma coisa, e “tilintantes brincos de lua crescente” – simbólicos do
crescente brilho da “Loja de Londres”? Essa lua tomou luz emprestada
do Satélite. Mas por que – por que ela, a “mística do século” tinha que
usar tantas joias! Como pode confabular com os deuses invisíveis
quando se parece “com uma vitrine de uma joalheria inglesa em Delhi”?
Bem, eu penso também tê-la visto, e gostaria de ter o seu retrato para
comparar. Pois ela me foi mostrada. Não é alta, fina na cintura
(p. 189)
mas larga nos ombros, e muito bonita, bochechas ligeiramente rosadas
e com lábios bem vermelhos, e um nariz que fica mais largo quando ela
fala, do que quando está em repouso? Seus olhos são azul claro. Ela
é fascinante; mas então, por que fazer seu lindo cabelo ficar parecido
com “a mitra de um Dugpa Dashata-Lama”? Bem, tudo isso é besteira.
Estou extremamente triste, e não tenho ânimo para brincar.” (LBS, 51-
52)

Sinnett e a Autoridade do “Budismo Esotérico” (julho de 1883)

Em julho de 1883, Anna Kingsford fez sua primeira aparição pública


como presidente da Loja de Londres, numa reunião para recepcionar Sinnett,
que havia recém chegado da Índia e publicado seu segundo livro – Budismo
Esotérico. Sua chegada e a publicação do livro modificaram completamente
a Loja de Londres, pois ele chegava com o status de alguém que estava em
contato com os Mestres.

À volta do casal Sinnett reuniu-se um grupo de pessoas para estudar


o livro, e a Loja passou uma resolução de que deveria se devotar
“principalmente ao estudo da filosofia oculta como ensinada pelos
Adeptos da Índia com quem o Sr. Sinnett tem estado em comunicação”.
(Ransom, 187)

Kingsford e Maitland também se dedicaram ao estudo da obra


Budismo Esotérico. O principal ponto criticado por eles era o de terem que
aceitar uma autoridade, independentemente da compreensão, pois, desse
modo, estariam criando um novo “sacerdotalismo” em relação a esses homens
divinizados denominados “Mahatmas”. (Kingsford 1916, 17) Na verdade, eles
não negavam a possibilidade da existência de tais Seres evoluídos, mas
questionavam o método de como verificar se eles eram realmente Seres dessa
estatura. Maitland escreveu a esse respeito:

“Pois, assim como somente aqueles que possuem o espírito de Cristo,


em alguma medida, podem reconhecer o Cristo, do mesmo modo
apenas aqueles que são, eles mesmos, em alguma medida adeptos,
podem reconhecer os Adeptos. E mesmo que o ensinamento em
questão tenha vindo da fonte alegada, qual a garantia de que ele não
tenha passado, na transmissão, por uma mudança suficiente para o
deturpar?” (Kingsford 1916, 16)

(p. 190)
Essas diferenças de postura começaram a criar uma situação difícil
dentro da Loja de Londres. Sinnett reclamava com HPB, a qual não podia
compreender como os Mestres tinham Kingsford em tão alta consideração,
uma vez que “a Sra. K. não acredita e, se acredita, não se importa nem um
pouco com os Irmãos.” (LBS, 48) Porém, Madame Blavatsky logo começou
a suspeitar que por detrás da escolha da “divina Anna” não estava apenas o
Mestre KH, mas também seu Superior, o Grande Chohan:

“Por que o Mahatma KH teria imposto sobre a sua Sociedade um tal


emplastro como parece ser a Sra. K., uma criatura arrogante, fútil e
opiniática, um monte de presunção ocidental – “Deus” sabe, eu não. Eu
acredito que o Chohan interferiu subitamente, como ele não raro faz. E
agora vai haver uma bela confusão.” (LBS, 64)

O Protesto de Anna Kingsford e a Eclosão da Crise (outubro de


1883)

Até então, o conflito na Loja de Londres estava restrito aos seus


bastidores. Entretanto, em outubro de 1883, Maitland leu na Loja um discurso
de Kingsford contendo duras críticas. O conflito interno começava a se
exteriorizar, e surgiu um movimento pedindo que ela saísse da presidência.

Anna Kingsford então escreveu uma longa carta a HPB, expondo seus
pontos de vista, e pedindo que os submetesse ao Mestre KH. Na carta ela se
posiciona contra o sentimento de idolatria e submissão sem questionamento,
que os membros, liderados por Sinnett, estavam nutrindo pelos Mestres. Ela
achava que esse tipo de sentimento estava criando para a Sociedade uma
aparência de seita, o que era prejudicial para um movimento que pretendia
atrair a atenção de líderes de pensamento:

“Isso é “insensato” porque num país “onde o olhar da crítica e da


ridicularização hostil permanece fixo sobre qualquer novo movimento”,
é “manifestamente imprudente nossa Sociedade apresentar-se diante
do mundo sob a aparência de uma Seita, tendo chefes a quem se
conferem poderes super humanos de grandeza”. Tudo isso levou o
Standard a nos chamar de “uma Sociedade fundada sobre os
alegados feitos de certos impostores indianos”. “Esse
(p. 191)
incidente e outros episódios similares têm aborrecido e preocupado a
ela. Por mais que estime o Sr. Sinnett, ela pensa que “ele está
cometendo um erro em aplicar nesse país uma política idêntica à que
está sendo seguida pela Sociedade na Índia. Ela será fatalmente
destruidora de todas as nossas esperanças de atrair a atenção dos
líderes de pensamento (...) e ciência, cuja cooperação seria inestimável
para nós” etc., etc., etc.” (LBS, 70)

Para Kingsford a base da Sociedade deveria ser a de uma escola


filosófica “constituída sobre as bases herméticas antigas, seguindo
métodos científicos e processos exatos de razão, independentes de
qualquer autoridade absoluta de um tipo exterior, embora aceitando com
reverência ensinamentos de fontes competentes”. (LBS, 70) Na Índia,
onde o conhecimento sobre os Adeptos era algo comum, tal política poderia
estar bem, mas em Londres essa conduta levaria a Sociedade:

“... a ser considerada, por um lado, como demonstrando uma


credulidade e uma ignorância fora do comum acerca dos métodos
científicos; e, por outro, como um sistema que apresenta para a mente
protestante – uma impressionante semelhança ao sistema católico de
mentores e confessores, com a requerida submissão do catecúmeno
em relação a seu guru ou Mahatmas.” (LBS, 70)

Para HPB e outros chelas, como Subba Row, uma tal posição era um
desrespeito inaceitável em relação aos Mestres, que lhes causava indignação:
“Ontem recebi uma carta de três jardas de comprimento da Sra. K. com
sua comunicação confidencial; primeiro fruto da bondade de KH! Bem,
isso é Carma do Chohan. Seja lá como for, de Subba Row até Brown,
todos aqui estão indescritivelmente chocados com esse panfleto ou
essa crítica tão insolente e impertinente de Maitland. Ela pede que KH
a torne “o apóstolo na Europa da Filosofia Esotérica Oriental e
Ocidental” !!!!!” (LBS, 63)

HPB continua sua carta dizendo que, de acordo com o Mestre esse já
havia avisado a Sinnett que, a menos que ele criasse uma Seção secreta e
também a presidisse, “enquanto que a Sra. K seria o lindo e cintilante
cartaz da “Loja”, representando o Cristianismo Esotérico ou qualquer
outra tolice – eles (os Mahatmas) não teriam mais nada a ver membros
ingleses.” (LBS, 64) E que, sob ordens do Mestre M.,
(p. 192)
Subba Row estava se encarregando de escrever uma resposta às críticas de
Kingsford. Essa resposta, entretanto, só foi publicada três meses depois, no
final de janeiro de 1884. Enquanto isso, HPB não continha suas críticas e
continuava a reclamar junto a Sinnett e a seu Mestre, até que Ele ordenou que
ela ficasse quieta. HPB escreve para Sinnett, em novembro 1883:

“... pois eu sabia todo o tempo que fêmea esnobe insuportável em “a


divina Anna”. Eu sabia, e o repeti e continuei protestando do início ao
fim, até que meu PATRÃO M. me chamou de “chata” e uma “fêmea de
visão curta” (...) e me ordenou a “calar a boca”, uma elegante expressão
que ele pegou, eu creio, do estoque de palavras ianques de Olcott.
Ainda assim, ele nunca disse que eu estava errada, mas simplesmente
que a Kingsford vestida de zebra havia sido escolhida pelo teu protetor
e guia KH, e que ELE sabia o que estava fazendo – apesar de tudo.
Bem, eu supus que fosse uma de suas costumeiras sinuosas
experiências com a natureza humana, e assim calei a boca. Mas agora
minha língua está mais uma vez livre. Ótimos acontecimentos!” (LBS,
65-66)

Mas poucos dias depois, ela escreve para Sinnett: “Estamos fritos,
tanto você quanto eu. (...) Estamos fritos além de qualquer redenção”.
(LBS, 69) Seu plano de tirar de cena a “divina Anna” – “uma criatura
egoísta, fútil e mediunística, que gosta demais de adulação, vestidos e
jóias cintilantes para ser do tipo certo” (LBS, 69) – havia falhado
completamente, pois os Mestres haviam decidido que ela era necessária para
o movimento e deveria permanecer. Com esses sentimentos em relação à
“divina Anna”, HPB lhe respondeu com uma “longa, polida e, pelo que eu
imaginava, diplomática carta”. (LBS, 71) Porém, para sua tristeza:

“... eu mal havia acabado de copiar minha carta (inglês corrigido por
Mohini), uma operação realizada no meu melhor papel e com minha
caneta nova, que me tomou toda uma manhã, em detrimento de, e
negligenciando outros trabalhos, quando o seguinte ocorreu. Minha
carta de 8 páginas – foi silenciosamente rasgada, uma página após a
outra, por meu PATRÃO!! Sua grande mão aparecendo na mesa
debaixo do nariz de Subba Row (que queria que eu escrevesse de um
modo bem diferente) e Sua voz dizendo um cumprimento em Telugú, o
qual não devo traduzir, embora Subba Row parecesse me traduzir com
grande júbilo.
(p. 193)
“KH quer que eu escreva de um modo diferente” – era a ordem. Eles
(os Patrões) confabularam e decidiram que a “divina Anna” deve ser
agradada. Ela é necessária para eles; ela é um maravilhoso paliativo
(seja lá o que for nesse mundo que essa palavra signifique nesse caso!)
e eles pretendem usá-la. Ela deve ser levada a permanecer como a
presidente auréola, e você o presidente núcleo e (ou nucleático?).
Vocês devem ver um ao outro como os dois pólos, oportunidade guiada
por Mestres, traçando finalmente o verdadeiro meridiano entre vocês
dois, para [o bem da] a Sociedade. Agora, não imagine que eu ri ou
caçoei. Estou num estado de mudo e impotente desespero – pois dessa
vez estou perdida, se entendi o que eles pretendem!” (LBS, 71)

Como entender que uma mulher que se referia com pouca veneração
ao Mestre KH pudesse receber esse tratamento? A essas reclamações de
HPB, Djual Khool simplesmente lhe respondeu:

“As palavras de uma mulher ferida em sua vaidade física, brava por não
chamar a atenção do Mestre (KH) são menos que uma brisa
passageira. Ela pode dizer o que quiser. Os membros cumpriram seu
dever protestando, como fizeram, ela saberá melhor agora, mas ela
deve permanecer, e o Sr. Sinnett deve se tornar o líder e presidente do
círculo interno.” (LBS, 71)

Então Madame Blavatsky teve que “lhe escrever; e dizer para ela
todos os tipos de piedosas e mentirosas congratulações que não sinto”.
(LBS, 72) E, se o fez, foi apenas porque devia obediência a seu Mestre, pois
ela própria era claramente contrária, como escreve:

“Deixe o Carma disso cair sobre meu PATRÃO (“Boss”) – pois eu


tenho sido única e exclusivamente seu instrumento e agente sem
responsabilidade em tudo isso. E suponho que Mahatma KH atuou em
primeiro plano e meu Patrão, em segundo, como de costume. E como
você diz, eu tenho apenas que obedecer.” (LBS, 72)

E, abaixo dessa frase o Mestre M. precipitou o seguinte comentário:


“Exatamente, pois essa é a melhor política.” (LBS, 72) No final da carta,
para tranquilizar Sinnett, o Mestre M. também precipitou a mensagem abaixo:

“Sinnett Sahib – você não deve estranhar. Nós temos o bem de todo o
Movimento e da Sociedade no coração. Mesmo os desejos da maioria
não devem prevalecer – os sentimentos da minoria
(p. 194)
menos iluminada também têm que ser consultados. Deve chegar o dia
em que tudo será melhor compreendido. Enquanto isso a akhu tenta
fascinar KH com seu retrato!” (LBS, 73) [Akhu: Inteligência, entre os
egípcios. (Glossário Teosófico, 27)]
Anna B. Kingsford.

(p. 195)
Capítulo 13

O Caso Kiddle (setembro de 1883)

Em setembro de 1883, logo após a publicação do segundo livro de


Sinnett, Esoteric Buddhism (Budismo Esotérico), um espírita americano
chamado Henry Kiddle escreveu um artigo no jornal espírita Light onde ele
comentava que quando lera o primeiro livro de Sinnett, The Occult World (O
Mundo Oculto), um ano antes, ficara muito surpreso ao encontrar:

“... em uma das cartas apresentadas pelo Sr. Sinnett como tendo sido
transmitidas a ele por Koot Hoomi, na misteriosa maneira descrita, uma
passagem tirada quase que verbatim de um discurso sobre Espiritismo
feito por mim no Lago Pleasant, em agosto de 1880, e publicada no
mesmo mês pelo Banner of Light. Como o livro do Sr. Sinnett não
apareceu senão após um tempo considerável (cerca de um ano, eu
penso), é certo que não citei, consciente ou inconscientemente, de
suas páginas. Como, então, ela foi parar na misteriosa carta de Koot
Hoomi?” (Kiddle)

Ele diz que havia escrito para Sinnett pedindo explicações e incluindo
uma cópia de seu discurso com as partes usadas por KH marcadas.
Entretanto, como não recebeu resposta, Kiddle questionava: KH não seria, na
verdade, apenas uma ilusão? Será que existia mesmo uma fraternidade oculta
de adeptos? Se KH era de fato um adepto poderoso, por que precisaria “tomar
emprestado” qualquer coisa de um humilde estudante das questões
espirituais?

Essa suspeita de plágio, que ficou conhecida como o “caso Kiddle”,


gerou não apenas uma discussão que durou meses, mas um clima
desconfiança e suspeita com relação a Madame Blavatsky e todos os
fenômenos associados aos Mestres.

O Texto de Kiddle e o da Carta do Mestre KH

Kiddle argumentava que era importante questionar a existência do


adepto KH porque o conteúdo apresentado nos livros de Sinnett era de uma
tal natureza que só poderia ser verificado através do uso de faculdades
transcendentais. Como a grande maioria das pessoas não possui essas
faculdades, a
(p. 196)
validade desse conteúdo estava na dependência de que KH fosse realmente
um verdadeiro adepto. Assim sendo, ele argumentava que seria importante
que sua existência fosse comprovada. E termina seu artigo mostrando as duas
passagens – a usada por ele em seu discurso e a usada na carta de KH para
Sinnett:

Extrato do Discurso de Kiddle: Extrato da Carta do Mestre KH:

“Ideias regem o mundo; e à medida que as


“Meus amigos, ideias regem o mundo; e à mentes dos homens recebem novas ideias,
medida que as mentes dos homens deixando de lado as velhas e estéreis, o
recebem novas ideias, deixando de lado as mundo avançará, revoluções poderosas
velhas e estéreis, o mundo avança. A surgirão delas; credos e mesmo poderes
sociedade baseia-se nelas; revoluções desmoronarão ante sua marcha à frente,
poderosas surgem delas; instituições esmagados por sua força irresistível. Será
desmoronam ante sua marcha à frente. É tão impossível resistir à sua influência,
tão impossível resistir ao seu empuxo, quando chegar a hora, quanto deter o
quando chegar a hora, quanto deter o avanço da maré. Mas tudo isso virá
avanço da maré.” gradualmente e, antes que venha, temos
um dever colocado ante nós: aquele de
varrer para tão longe quanto possível a
escória que nos foi deixada por nossos
piedosos antepassados.”
“E o instrumento chamado Espiritismo está “Novas ideias têm que ser plantadas em
trazendo um novo conjunto de ideias para locais limpos, pois essas ideias tocam os
o mundo – ideias sobre os mais assuntos mais importantes. Não são os
importantes assuntos, que estão fenômenos físicos, mas essas ideias
relacionadas com a verdadeira posição do universais que estudamos; e para
homem no universo; sua origem e destino; compreender os primeiros, temos que
a relação do mortal com o imortal; do antes compreender as últimas. Elas estão
temporário com o Eterno; do finito com o relacionadas com a verdadeira posição do
infinito; da alma imortal do homem com o homem no universo com relação a seus
universo material no qual ela agora habita nascimentos pretéritos e futuros, sua
– ideias maiores, mais gerais, mais origem e seu destino final; a relação do
abrangentes, reconhecendo mais mortal com o imortal, do temporário com o
completamente o reino universal da lei Eterno, do finito com o infinito; ideias mais
como a expressão da vontade Divina, amplas, mais grandiosas, mais
permanente e inalterável, com relação à abrangentes, reconhecendo o reino eterno
qual existe apenas um Eterno Agora, da lei imutável, permanente e inalterável,
enquanto que para os mortais o tempo é em relação ao qual existe apenas um
passado ou futuro, estando relacionado ETERNO AGORA: enquanto que para os
com suas existências finitas nesse plano mortais não iniciados o tempo é passado
material; etc.” ou futuro, estando relacionado com suas
existências finitas nesse grão de poeira
material etc.” (Kiddle)

(p. 197)
A semelhança é óbvia e a suspeita estava lançada. Sinnett lhe
respondeu por meio de um artigo no mesmo jornal, dizendo que não se
lembrava de ter recebido sua carta anterior, o que lastimava, pois se ainda
estivesse na Índia seria bem mais fácil tratar a questão do aparente plágio de
seu Mestre Adepto. E uma vez que ainda levaria algum tempo para obter uma
explicação para o mistério, enquanto isso, ele apenas poderia salientar que:

“... o caminho que leva a relações pessoais com os adeptos sempre se


encontra coberto de provocações para desacreditá-los, (...) sua política
atual é mais de repelir do que de atrair a confiança europeia. Nós, que
estamos ardentemente desejosos de avançar na compreensão de sua
filosofia, devemos estar preparados para a cada momento encontrar
armadilhas colocadas para levantar nossas suspeitas; com relação à
questão que tratamos nesse momento me parece, de qualquer modo,
que dificilmente merece ser considerada como uma armadilha.”
(Sinnett 1999)

Sinnett ainda dizia que qualquer um que conseguisse compreender a


grandeza do ensinamento esotérico apresentado “não estará inclinado a dar
importância à questão relativamente trivial agora levantada”, e também
que essa já era uma questão antiga e ultrapassada. É claro que sua resposta
só aumentou a desconfiança e outras manifestações surgiram, alimentando
uma discussão que durou vários meses.

Outras questões sobre Madame Blavatsky também acabaram sendo


levantadas. Por exemplo, W.H. Harrison, passou a questionar a evolução
pública dos fenômenos relacionados a HPB. Harrison que após estudar o livro
de Sinnett havia chegado à conclusão de que HPB era tão somente uma
poderosa médium e que os poderes relacionados a ela eram apenas:

“... os costumeiros ‘John’ e ‘Katie Kings’ seja lá quem eles possam e


ser, e seja lá o que ela e seus amigos acreditem acerca do que essas
inteligências invisíveis afirmam quanto às suas identidades. (...) quando
ela estava na América, um de seus espíritos que na época atendia
regularmente às suas sessões, de fato deu seu nome como sendo
‘John King’. Agora que Koot Hoomi está em cena, será que o John King,
mais humilde, dos primeiros dias desapareceu?” (Harrison)

(p. 198)
Como já vimos John King, embora conhecido no mundo espírita da
época como um espírito desencarnado, no caso de HPB, era um disfarce do
Adepto que estava exercendo o papel de seu instrutor: o Irmão Hillarion.
Harrison também argumenta que havia uma falta de coerência nos teosofistas:
“Dizem para os teosofistas que desejam entrar em comunicação com
os Irmãos dos Himalaias e entrar em sua fraternidade, que eles
precisam levar uma vida de severos ascetas, abstendo-se de vinho,
bebidas alcoólicas, carne e fumo, que eles devem purificar seus
pensamentos, e assim por diante, mas após muitos anos de uma tal
vida, não é garantido que irão obter o que desejam. Como é, então, que
Madame Blavatsky, que não é uma asceta, tem sido bem sucedida
quando aqueles que seguem as instruções, que ela não segue, podem
falhar?” (Harrison)

Convém lembrar que a abstenção do uso de fumo e de carne nunca


foram requisitos para qualquer pessoa se tornar um membro da ST. Mesmo
para o ingresso na Seção Esotérica, quando criada por HPB em 1888, não
havia tais requisitos. As regras 14 e 15 dessa Seção, na época, estabeleciam
que nem uso moderado de tabaco, nem o consumo de carne eram proibidos,
muito embora se recomendasse uma dieta vegetariana ou o uso de peixe, uma
vez que a carne reforça a natureza passional. (CW XII, 496)

Madame Blavatsky, de fato, não era uma asceta no que diz respeito a
seus hábitos alimentares e ao fumo. Como já vimos, ela não ingeria bebidas
alcoólicas, mas apreciava a carne e fumava regularmente. A tentativa de
justificar esses hábitos de HPB alegando que ela precisava “densificar” seus
veículos não se sustenta diante de sua predileção por eles.

Tais explicações servem apenas para tentar encobrir as contradições


humanas de quem era apenas um discípulo. Elas criam uma fantasia ilusória
que dificulta ainda mais a compreensão dos mistérios que são inerentes à vida
daqueles que servem diretamente aos Mestres.

Por outro lado, sua completa dedicação e obediência aos Mestres; bem
como a renúncia voluntária de uma vida familiar comum, abrindo mão de sua
posição social, e abraçando uma vida de sacrifícios físicos e psicológicos,
certamente constituem elementos que caracterizam uma verdadeira ascese,
ou disciplina ascética (i.e., conducente à verdadeira edificação espiritual).

(p. 199)
A Explicação do Mestre KH

Um clima de controvérsia, discussão e desconfiança foi sendo criado


através da publicação dessas discussões. Em novembro Madame Blavatsky
escreve para Sinnett:

“Massey está com sua fé abalada, pobre, querido e suscetível


companheiro. O plágio insolente achou nele um crente fácil. KH
plagiou de Kiddle! É claro que eles, os sutis metafísicos, não
acreditarão na verdadeira versão da história como eu a conheço.
Tanto pior para os tolos e os saduceus. (...) KH me repreende por falar
demais – diz que Ele não precisa de defesa e para eu não me
preocupar. (...) É claro que se Ele não te disse, nem te explicou, deve
ter boas razões para isso. Mas desde que Subba Row nos trouxe o
rascunho original (...) compreendi o que significava. Porque aquela
carta é apenas um terço da carta ditada e que nunca a foi publicada,
pois você não a recebeu.” (LBS, 66-67)
O Mestre KH precipitou o seguinte comentário logo abaixo:
“Verdadeira prova da discrição dela! Eu mesmo lhe contarei tudo assim
tiver uma hora de folga.” (LBS, 67) No final de dezembro de 1883, Sinnett
recebeu a carta explicando o “plágio”. Entretanto ele não podia revelar a
explicação aos demais, pois o Mestre lhe pediu um juramento de segredo:

“Meu bom e fiel amigo – as explicações aqui contidas nunca teriam sido
feitas se não fosse pelo fato de ter ultimamente percebido como você
esteve em apuros, durante suas conversas sobre o assunto do ‘plágio’
com alguns amigos – particularmente com C.C.M. [Massey]. (...) negar
a você a verdade – seria crueldade; entretanto, dá-la ao mundo de
espíritas preconceituosos e maldosamente predispostos seria pura
insensatez. Assim sendo, precisamos firmar um compromisso: preciso
colocar tanto você quanto o Sr. Ware, que goza de minha confiança,
sob um juramento de nunca explicar a ninguém, sem permissão
especial de minha parte, os fatos daqui por diante expostos – nem
mesmo ao Sr. M.A. Oxon [Stainton Moses] e C.C. Massey (...). Se
pressionado por qualquer um deles, você pode simplesmente
responder que o ‘mistério psicológico’ foi esclarecido para você e
alguns outros; e – SE satisfeitos – você pode acrescentar que as
‘passagens paralelas’ não
(p. 200)
podem ser chamadas de plágio ou palavras com esse sentido.” (MLcr.,
396)

O Mestre continua a carta dizendo: “A solução é tão simples e as


circunstâncias tão engraçadas, que confesso que ri quando minha
atenção foi chamada para elas, desde algum tempo. Não somente isso,
elas ainda me fariam sorrir mesmo agora, não fosse o conhecimento da
dor que causam a alguns verdadeiros amigos.” (MLcr., 398) E passa à
explicação:

“A carta em questão foi por mim estruturada enquanto estava numa


viagem, e à cavalo. Foi ditada mentalmente na direção de um jovem
chela e ‘precipitada’ por ele, que ainda não domina esse ramo da
química psíquica, e que teve que transcrevê-la da impressão que
estava pouco legível. Metade dela, assim, foi omitida e a outra metade
mais ou menos distorcida pelo ‘artista’. Quando na época ele me
perguntou se eu gostaria de examiná-la cuidadosamente e corrigi-la,
eu confesso que respondi imprudentemente – ‘de qualquer modo
servirá, meu rapaz – não tem grande importância se você pular
algumas palavras.’ Eu estava fisicamente muito cansado por uma
cavalgada de 48 horas consecutivas, e (de novo fisicamente) – meio
dormindo. Além disso, tinha questões muito importantes para atender
psiquicamente e assim restou pouco de mim para devotar àquela
carta. Estava predestinada, eu suponho. Quando acordei, descobri que
já havia sido enviada e como na época não estava prevendo sua
publicação, desde então nunca mais lhe dei atenção.” (MLcr., 398)

O Mestre KH conta a Sinnett que, devido à correspondência entre eles,


se interessara pelo progresso intelectual dos espíritas que estavam mais
ligados a fenômenos e, por isso, dirigiu sua atenção para várias de suas
reuniões, entre elas a do Lago Pleasant:
“Algumas das ideias e frases curiosas representando as esperanças e
aspirações gerais dos espíritas americanos ficaram impressas em
minha memória, e lembrei apenas dessas ideias e frases, de forma
bastante separada das personalidades que as elaboraram ou as
pronunciaram. Por isso minha completa ignorância do palestrante a
quem eu inocentemente defraudei, como poderia parecer, e que agora
levanta o clamor do público. Contudo, se tivesse ditado minha carta na
forma que agora aparece publicada, ela certamente pareceria suspeita
e, por distante que seja do que geralmente
(p. 201)
é chamado de plágio, ainda assim, na ausência de quaisquer aspas,
ela daria um fundamento para censura. Mas eu não fiz nada disso,
como o original agora à minha frente claramente mostra.” (MLcr., 398)

A Precipitação ou “Telégrafo” Mental

Antes de continuar com a explicação do que ocorrera, o Mestre KH


descreve que duas condições são necessárias para uma perfeita e instantânea
“telegrafia” mental:

“... uma intensa concentração no operador e uma completa passividade


receptiva no ‘leitor’. Dada uma perturbação em qualquer condição, o
resultado será proporcionalmente imperfeito. O ‘leitor’ não vê a imagem
como no cérebro do ‘telegrafista’, mas como surgindo de seu próprio
cérebro. Quando o pensamento do último se dispersa, a corrente
psíquica se torna quebrada, a comunicação desconexa e incoerente.
No presente caso, foi como se o chela tivesse que recuperar o que lhe
foi possível da corrente que eu estava lhe enviando e, como observado
acima, juntar os pedaços quebrados da melhor maneira que ele
pudesse.” (MLcr., 399)

Ainda nas primeiras cartas entre Sinnett e o Mestre KH, esse havia
compreendido mal a caligrafia de Sinnett, trocando “out of tune” (fora de
sintonia) por “out of time” (fora de hora). Quando Sinnett percebeu a troca e
lhe falou a respeito, o Mestre respondeu:

“Você escreveu ‘tune’? Bem, bem; eu preciso lhe pedir que me compre
um par de óculos em Londres. (...) Mas você deveria adotar o meu
hábito antiquado de ‘pequenas linhas’ sobre os “m”. Aquelas barras são
úteis, muito embora estejam ‘fora de sintonia e fora de hora’ [out of
tune and time] com relação à caligrafia moderna. Além disso, tenha
em mente que essas minhas cartas não são escritas, mas impressas,
ou precipitadas, e depois é que todos os erros são corrigidos.” (MLcr.,
26)

Quando Sinnett lhe perguntou mais sobre esse processo de


precipitação e se o Mestre tinha que ler as cartas que Ele lhe escrevia, ou
conseguia lê-las por meio de algum processo oculto, no qual o significado lhe
aparecesse rapidamente, Ele respondeu:

(p. 202)
“É claro que eu tenho que ler cada palavra que você escreve; de outro
modo faria uma bela confusão com elas. E seja através de meus olhos
físicos ou espirituais, o tempo requerido para fazer isso é praticamente
igual. O mesmo pode ser dito de minhas respostas. Pois, quer eu as
‘precipite’, as dite ou as escreva eu mesmo, a diferença no tempo
economizado é mínima. Eu tenho que refletir sobre elas, fotografar
cada palavra e sentença cuidadosamente em meu cérebro, antes que
elas possam ser repetidas por meio da ‘precipitação’. Assim como a
fixação das imagens formadas pela câmara, sobre superfícies
quimicamente preparadas requer uma preparação prévia dentro do
foco do objeto a ser representado, pois do mesmo modo – como
frequentemente acontece em fotografias ruins – as pernas do modelo
podem parecer fora de proporção com relação à sua cabeça e assim
por diante – temos que primeiro arrumar nossas sentenças e imprimir
cada letra que irá aparecer no papel em nossas mentes, antes que elas
fiquem prontas para serem lidas. No presente, isso é tudo que posso
lhe contar.” (MLcr., 37)

É curioso observar que justamente nessa carta acima citada, em que


o Mestre oferece uma explicação de como ocorre o processo de precipitação
ou “telégrafo” mental é que, coincidentemente, se encontra o trecho que Kiddle
acusa de ter sido plagiado pelo Mestre KH. Num artigo sobre essa questão da
precipitação, HPB nos fala um pouco mais sobre esse processo:

“O trabalho de escrever as cartas em questão é realizado por meio de


um tipo de telegrafia psicológica; os Mahatmas muito raramente
escrevem suas cartas pela maneira usual. Uma conexão
eletromagnética, por assim dizer, existe no plano psicológico entre um
Mahatma e seus chelas, um dos quais age como seu escrevente.
Quando o Mestre quer que uma carta seja escrita desse modo, ele atrai
a atenção do chela a quem selecionou para a tarefa, fazendo com que
um sino astral (escutado por tantos de nossos membros e outras
pessoas) seja tocado perto dele, assim como o escritório de telégrafo
que está despachando a mensagem envia um sinal para o que está
recebendo, antes da mensagem ser enviada. Os pensamentos que
surgem na mente do Mahatma são então revestidos com palavras,
pronunciadas mentalmente e forçadas ao longo das correntes astrais
que ele envia em direção ao discípulo
(p. 203)
para penetrar no cérebro do último. Dali elas são transmitidas pelas
correntes nervosas para a palma de suas mãos e as pontas de seus
dedos, que repousam sobre a superfície de um pedaço de papel
magneticamente preparado. À medida que as ondas de pensamento
são assim impressas no fino papel, materiais são atraídos para ele do
oceano de âkas [ou Âkasha] (...) e marcas permanentes são
deixadas.” (CW VI, 120)

O Texto Original da Carta

Examinando os originais o Mestre KH percebeu que Ele era o


responsável pela situação criada, uma vez que muitos caracteres e mesmo
frases inteiras se encontravam ilegíveis ou estavam faltando. Restaurando o
texto, o Mestre mostra a Sinnett que, na verdade, Ele estava citando o discurso
de Kiddle. Segue o texto completo, com as frases que faltam na primeira carta
em negrito-itálico:
“Elementos fenomênicos previamente nunca imaginados, ... finalmente
revelarão os segredos de seus processos misteriosos. Platão estava
certo em readmitir cada elemento de especulação que Sócrates
descartou. Os problemas do ser universal não são inacessíveis e
não são destituídos de valor se forem alcançados. Mas esses
últimos só podem ser resolvidos pelo domínio daqueles
elementos que agora mal começam a se esboçar no horizonte dos
profanos. Mesmo os espíritas, com suas visões e noções
equivocadas e grotescamente pervertidas, estão vagamente
compreendendo a nova situação. Eles profetizam e suas profecias
nem sempre deixam de conter um pouco de verdade, de prévisão
intuitiva, por assim dizer. Ouça alguns deles reafirmando o antigo,
muito antigo axioma de que ‘Ideias regem o mundo’, e, à medida que
as mentes dos homens recebem novas ideias, deixando de lado as
velhas e estéreis, o mundo avançará; revoluções poderosas surgirão
delas; instituições (sim, e até mesmo credos e poderes, eles podem
acrescentar) desmoronarão ante sua marcha à frente, esmagados por
sua própria força inerente, não a força irresistível das ‘novas ideias’
oferecidas pelos espíritas! Sim; eles estão ao mesmo tempo
certos e errados. Será tão impossível resistir à sua influência, quando
chegar a hora, quanto deter o avanço da maré – pode estar certo. Mas
o que eu vejo que os
(p. 204)
espíritas falham em perceber, e seus ‘espíritos’ em explicar (os
últimos não sabendo mais do que o que eles podem encontrar nos
cérebros dos primeiros) é que tudo isso virá gradualmente; e que
antes que venha, eles tanto quanto nós, temos todos um dever a
executar, uma tarefa colocada ante nós: aquela de varrer tão longe
quanto possível os detritos deixados para nós por nossos piedosos
antepassados. Novas ideias têm que ser plantadas em locais limpos,
pois essas ideias tocam nos assuntos mais importantes. Não são os
fenômenos físicos ou o instrumento chamado Espiritismo, mas
essas ideias universais que nós temos exatamente que estudar; o
númeno e não o fenômeno pois, para compreender os ÚLTIMOS,
temos que antes compreender os PRIMEIROS. Elas de fato dizem
respeito à verdadeira posição do homem no universo, pode estar certo
– mas apenas com relação a seus nascimentos FUTUROS não os
PRETÉRITOS. Não são os fenômenos físicos, por mais
maravilhosos que sejam, que poderão jamais explicar ao homem
sua origem, que dirá seu destino final, ou, como um deles o expressa
– a relação do mortal com o imortal, do temporário com o Eterno; do
finito com o infinito etc. etc. Eles falam muito fluentemente do que
consideram como novas ideias ‘mais amplas, mais gerais, mais
grandiosas, mais abrangentes’ e ao mesmo tempo eles reconhecem,
ao invés do reino eterno da lei imutável, o reino universal da lei como
a expressão de uma vontade divina (!). Esquecidos de suas
crenças anteriores, e que ‘arrependeu-se o Senhor de ter feito o
Homem’ [Gen. 6, 6], esses pseudo filósofos e reformadores
pretendem inculcar sobre seus ouvintes que a expressão dessa
Vontade divina é ‘permanente, inalterável – em presença da qual
existe apenas um ETERNO AGORA: enquanto que para os mortais
(não iniciados?) o tempo é passado ou futuro, estando relacionado com
suas existências finitas nesse plano material’ – das quais eles
conhecem tão pouco quanto de suas esferas espirituais.
Transformaram essas últimas num grão de poeira à semelhança de
nossa própria terra, uma vida futura que o verdadeiro filósofo
antes evitaria do que buscaria. Mas eu sonho com meus olhos
abertos ... Em todo caso, esse não é um ensinamento que seja
privilégio deles. A maioria dessas ideias são tomadas, em partes,
de Platão e dos filósofos da Alexandria. É o que todos nós
estudamos e o que muitos de nós solucionaram ... etc. etc.” (MLcr.,
400)

(p. 205)
Poucos meses após o recebimento dessa carta Sinnett foi dispensado
do segredo e, caso se sentisse preparado para “enfrentar o fogo das
negações furiosas e críticas adversas”, ele estava autorizado a publicar a
carta com as explicações. (MLcr., 420) Ele assim fez, aproveitando o
lançamento da 4ª edição de seu livro, O Mundo Oculto.

As críticas adversas não tardaram a aparecer. Além de não


entenderem as explicações, agora os espíritas estavam furiosos porque o
discurso de Kiddle, realçando a importância do papel do Espiritismo na
formação de uma nova era para a humanidade, havia sido transformado numa
denúncia contra o próprio Espiritismo.

T. Subba Row, HPB e Babajee.


(p. 206)
Capítulo 14
Carta do Mestre KH para a Loja de Londres

As desconfianças geradas pelo caso Kiddle, questionando a própria


existência e estatura dos Mahatmas, apenas tornaram mais agudos os
conflitos já existentes na Loja de Londres. Aproximadamente em 9 de
dezembro de 1883, Anna Kingsford e Edward Maitland publicam um panfleto
com severas críticas ao livro de Sinnett, Budismo Esotérico. Logo após essa
publicação, Kingsford recebeu um telegrama do Mestre KH dizendo:
“Permaneça presidente.” (CW VI, xxiv)

O Mestre KH também mandou um telegrama com o mesmo teor para


Sinnett e uma carta que, embora escrita no dia 7 de dezembro, ele declara ter
recebido em janeiro de 1884. Nela, o Mestre diz que havia chegado a hora de
Sinnett provar sua boa vontade, seguindo seus conselhos, pois era o desejo
de seu Superior, o Grande Chohan, que Anna Kingsford permanecesse como
presidente. Escreve o Mestre KH:

“Em uma de suas cartas recentes para a “V.S.” [Velha Senhora, isto é,
HPB], você expressa sua prontidão em seguir meu conselho em quase
tudo que eu pudesse lhe pedir. Bem – o tempo chegou para você provar
sua boa vontade. E como, nesse caso específico, estou simplesmente
executando a vontade de meu Chohan, espero que você não
experimente demasiada dificuldade em compartilhar de meu destino,
agindo – como eu estou agindo. A “fascinante” Sra. K. tem que
permanecer como presidente – jusqu’au nouvel ordre [até nova
ordem]. Explicações detalhadas seriam uma tarefa por demais longa e
tediosa. É suficiente que você saiba que sua luta contra a vivissecção
e sua dieta estritamente vegetariana conquistaram completamente,
para o lado dela, nosso austero Mestre. Ele liga menos do que nós para
qualquer expressão ou sentimento de desrespeito externo – ou mesmo
interno – aos “Mahatmas”. Deixe-a cumprir seu dever para com a
Sociedade, ser verdadeira aos seus princípios e todo o resto virá no
seu devido tempo. Ela é muito jovem, e sua vaidade pessoal e outras
falhas femininas devem ser deixadas para o Sr. Maitland e o coro grego
de seus admiradores.” (MLcr., 406)

(p. 207)
E o Mestre anexa a essa uma outra carta, para ser lida numa o geral
reunião da Loja de Londres, a respeito da qual comenta Virginia Hanson: “É
uma das cartas mais importantes do livro, no que diz respeito à
Sociedade Teosófica – especialmente no Ocidente”. (MLcr., 409) O Mestre
começa dizendo que o fato de Kingsford permanecer como presidente não era
apenas o desejo dele e do Mestre M., mas a vontade expressa do próprio Maha
Chohan:

“A eleição da Sra. Kingsford não é uma questão de sentimentos


pessoais entre nós e aquela Senhora, mas baseia-se inteiramente na
conveniência de ter na direção da ST, num local como Londres, uma
pessoa bem adaptada para o padrão e aspirações de um público (por
enquanto) ignorante (das verdades esotéricas) e, portanto, malicioso.
Também não é questão que tenha a menor importância se a dotada
presidente da “Loja de Londres” da Soc. Teos. nutre sentimentos de
reverência ou desrespeito para com os humildes e desconhecidos
indivíduos que estão na direção da Boa Lei Tibetana – ou para com o
autor da presente, ou qualquer de seus Irmãos – mas antes uma
questão de se a mencionada Senhora está capacitada para o propósito
que todos nós temos em nossos corações, a saber, a disseminação da
VERDADE através de doutrinas esotéricas, transmitidas por qualquer
canal religioso, e a atenuação do materialismo crasso e dos
preconceitos e ceticismo cegos.” (MLcr., 409)

O Mestre KH continua a carta dizendo que concordava com a Sra.


Kingsford, quando essa dizia que o público ocidental deveria ver a ST como
uma Escola Filosófica constituída sobre uma base Hermética, uma a vez que
esse público, nunca tendo ouvido falar do Sistema Tibetano, tinha uma noção
muito pervertida acerca do Sistema Budista Esotérico, e que:

“Desse modo, e até esse ponto, nós concordamos com as observações


contidas na carta escrita pela Sra. K. para Madame B. [Blavatsky], com
o pedido a essa última para “submeter a KH”; e lembraríamos a nossos
membros da “LL”, com referência a isso, que a Filosofia Hermética é
universal e não sectária, enquanto que a Escola Tibetana sempre será
considerada, por aqueles que conhecem pouco, ou nada, sobre ela,
como mais ou menos marcada pelo sectarismo. Uma vez que a
primeira não está ligada a nenhuma
(p. 208)
casta, cor ou credo, nenhum amante da sabedoria Esotérica pode ter
qualquer objeção ao nome o que, de outro modo, poderia sentir se a
Sociedade à qual ele pertence fosse rotulada com uma denominação
específica pertencente a uma dada religião. Filosofia Hermética
adapta-se a qualquer crença e filosofia e não colide com nenhuma. Ela
é o oceano sem limites da Verdade, o ponto central para onde fluem e
onde se encontram todos os rios, assim como todos os riachos –
estejam suas fontes no Oriente, Ocidente, Norte ou Sul. Assim como o
curso do rio depende da natureza de sua bacia, assim o canal para a
comunicação do Conhecimento precisa adaptar-se às circunstâncias à
sua volta. (...)
Portanto é evidente que os métodos do Ocultismo, embora no
principal sejam imutáveis, ainda assim têm que se conformar às
diferentes épocas e circunstâncias. O estado da sociedade inglesa
como um todo – muito diferente daquela da Índia, onde nossa
existência é um assunto de crença comum e, por assim dizer, inerente
na população, e em vários casos de positivo conhecimento – requer
uma política muito diferente na apresentação das Ciências Ocultas. O
único objetivo pelo qual esforçar-nos é o melhoramento da condição do
HOMEM por meio da difusão da verdade adaptada aos vários estágios
de seu desenvolvimento e àquele do país em que ele habita e pertence.
A VERDADE não tem marca de propriedade e não sofre por causa do
nome sob o qual ela é promulgada – desde que o referido objetivo seja
alcançado.” (MLcr., 409)

A Discórdia é a Harmonia do Universo

Para o Grande Chohan, os dois – Sinnett e Kingsford – eram


necessários, justamente por serem desiguais, por serem como “os dois pólos
calculados para manter todo o corpo em harmonia magnética, uma vez
que o criterioso emprego de ambos criará um excelente campo
intermediário, que não seria obtido por qualquer outro meio; um
corrigindo e equilibrando o outro”. (MLcr., 411)

E o Mestre KH continua falando da importância da diversidade de


opiniões, da liberdade de pensamento, da “harmoniosa discordância”,
(p. 209)
pois a discórdia é a “verdadeira harmonia do universo”, e que esse era o
segredo do sucesso da ST na Índia:

“Eu quase não precisaria salientar como o arranjo proposto está


calculado para conduzir a um harmonioso progresso da “L.L. ST.”. É
um fato universalmente aceito que o maravilhoso sucesso da
Sociedade Teosófica na Índia é devido inteiramente ao seu princípio de
sábia e respeitosa tolerância às crenças e opiniões dos outros. Nem
mesmo o Presidente Fundador tem o direito de, direta ou indiretamente,
interferir com a liberdade de pensamento do mais humilde dos
membros, e menos ainda procurar influenciar sua opinião pessoal. É
apenas na ausência dessa generosa consideração que até mesmo a
mais pálida sombra de diferença arma buscadores da mesma verdade,
de outro modo sérios e sinceros, com o ferrão de escorpião do ódio
contra seus irmãos, igualmente sinceros e sérios. Vítimas iludidas da
verdade distorcida, eles esquecem, ou nunca souberam, que a
discórdia é a harmonia do universo. Assim, na Sociedade Teosófica, do
mesmo modo que nas gloriosas fugas do imortal Mozart, cada parte
vai incessantemente ao encalço da outra, em harmoniosa discordância,
nos caminhos do progresso Eterno, para encontrar e finalmente se
fundir, no limiar do objetivo perseguido, em um harmonioso todo, que é
a linha mestra na natureza. A Justiça Absoluta não diferencia entre
os muitos e os poucos.” (MLcr., 412)

Assim sendo, embora agradecendo à maioria dos teosofistas da Loja


de Londres pela lealdade a eles, Instrutores invisíveis, era preciso lembrar que
a Sra. Kingsford:

“... também é leal e verdadeira – àquilo que ela acredita ser a Verdade.
E como ela é assim leal e verdadeira às suas convicções, por menor
que seja a minoria que a apoie no presente momento, a maioria,
liderada pelo Sr. Sinnett, nosso representante em Londres, não pode,
com justiça, atribuir-lhe a culpa, a qual (...) assim o é apenas aos olhos
daqueles que forem por demais severos. Todo teosofista ocidental
deveria aprender e recordar, especialmente aqueles que pretendam ser
nossos seguidores – que em nossa Fraternidade todas as
personalidades submergem numa ideia – direito abstrato e absoluta
justiça prática para todos. E que, embora não possamos dizer como os
cristãos
(p. 210)
“retribua o mal com o bem” – repetimos com Confúcio “retribua o bem
com o bem; para o mal – JUSTIÇA”. Assim os teosofistas que pensam
do mesmo modo que a Sra. K. – mesmo que se opusessem, sem
tréguas, a algum de nós pessoalmente – são merecedores de tanto
respeito e consideração de nossa parte e de seus membros
companheiros com visões opostas (enquanto forem sinceros), quanto
aqueles que estão prontos, junto com o Sr. Sinnett, a seguir
incondicionalmente apenas nossos ensinamentos especiais.” (MLcr.,
412)
No início de fevereiro o telegrama foi mostrado à Loja e Anna Kingsford
confirmada na presidência. Como as duas facções não estavam conseguindo
chegar à harmonia pedida na carta, os membros decidiram postergar a eleição,
esperando a vinda de Olcott e Mohini a Londres, para ajudar a resolver a
questão, sobre a qual, o Mestre KH afirmou que, embora:

“... dolorosa para alguns, e cansativa para outros, ainda assim é melhor
isso do que se a velha calma paralítica tivesse continuado”. (MLcr.,
413)

O Chohan Quer Anna Kingsford Dentro da ST (fevereiro de 1884)

Tentando achar uma solução que permitisse que ela continuasse seu
trabalho na Loja de Londres, Anna Kingsford propôs a criação de duas Seções.
Uma seria formada pelos membros que quisessem seguir os ensinamentos
dos Mahatmas, e também reconhecê-los como seus Mestres, com Sinnett
como presidente. A outra encorajaria o estudo do Cristianismo Esotérico e
também do Ocultismo ocidental, do qual ele surgiu. Essa última seria
conhecida como Seção Católica, e seria presidida por ela. Nessa proposta, os
membros poderiam atender livremente às reuniões das duas Seções.
(Ransom, 197)

Essa ideia era próxima ao que os Mestres queriam, com a criação de


dois grupos dentro da Loja de Londres, uma vez que o Grande Chohan “que
nunca interfere em nada teosófico, menos ainda europeu” (LBS, 90)
desejava que Kingsford ficasse dentro da Sociedade, tendo seu espaço de
trabalho preservado. HPB escreve a respeito para Sinnett:

(p. 211)
“Não sei o que é que o Mestre ordenou Olcott a fazer. Ele guardou
segredo sobre sua instrução e não diz nada. Mas estou certa de que
nem mesmo o Chohan a imporia à Sociedade contra a vontade da
maioria. Deixe que funde uma sociedade separada da sua (...). Agora
meu Patrão quer que ela permaneça como presidente – uma vez que
o Velho Chohan está apaixonado pelo seu vegetarianismo e seu amor
pelos animais – mas não necessariamente da sua Sociedade. O
Chohan a quer dentro da Sociedade, mas não consentiria em forçar a
opinião ou voto de um único membro da LL. Ele não influenciará o
último deles, pois então ele não seria melhor que o Papa, que pensa
que pode obrigar a uma obediência inquestionável e depois evitar que
caia sobre si mesmo os carmas da pessoa. Isso é o que o Patrão
acabou de me dizer para lhe escrever. Portanto, é melhor você se
preparar e buscar o conselho e a opinião de cada membro que pensa
como você, e estar pronto para se dividirem em duas Sociedades, pois
isso é o que o Coronel tem que fazer – me foi dito.” (LBS, 81-83)

Armadilhas em Adyar (fevereiro/maio de 1884)

Em dezembro de 1883, quando o príncipe Harisinghji compareceu à


convenção anual em Adyar, Emma Coulomb lhe pediu um “empréstimo” de
2.000 rúpias para que ela pudesse montar um pequeno hotel e sair de Adyar.
O príncipe, sem saber o que fazer, lhe prometeu que numa outra ocasião
emprestaria. HPB e Olcott não eram ricos e o dinheiro que eles entregavam
para Emma Coulomb dava apenas para as despesas da casa, não sobrando
dinheiro para ela própria. Quando havia necessidade de mais recursos, esses
eram conseguidos por doações – de membros ou dos próprios Mestres. Um
exemplo disso ocorreu nessa primeira convenção em Adyar, no ano de 1883.

O juiz P. Sreenivas havia arcado com quase todas as despesas da


convenção, cerca de 500 rúpias, embora esse gasto fosse demasiado para
ele. Quando HPB soube da preocupação de Olcott com essa despesa, ela
“refletiu por um momento” – provavelmente comunicando-se mentalmente
com o Mestre – chamou Damodar e lhe pediu para ir até o santuário trazer um
pacote que lá encontraria. Em menos de 5 minutos ele voltou
(p. 212)
trazendo uma carta fechada endereçada para “P. Sreenivas Row”. Ao abri-la,
o juiz encontrou uma afetuosa carta do Mestre KH agradecendo seus serviços
e anexando notas promissórias do governo, nas costas das quais estava
escrito, em lápis azul, as iniciais “K.H.” e que somavam 500 rúpias! (ODL III,
66)

Em fevereiro de 1884 – acompanhada de Mohini, Franz Hartmann,


Emma Coulomb e Babula – HPB partiu em viagem para o norte da Índia. Ao
visitarem o príncipe Harisinghji em Varel, Emma Coulomb lhe cobrou a
promessa do empréstimo. Porém, o príncipe consultou HPB que, sabendo do
pedido, proibiu que qualquer empréstimo fosse feito. Isso naturalmente
desgostou muito Emma Coulomb, que contava com esse dinheiro para
conseguir sua independência financeira.

Em 20 de fevereiro de 1884 HPB e Olcott, acompanhados por Mohini,


Babajee, Babula e Padash partiram de Bombay para a Europa, para ajudar a
resolver o caso da Loja de Londres. (ODL III, 73) Ao se despedir de Babula,
Emma Coulomb lhe disse: “Me vingarei de sua patroa por me impedir de
pegar minhas 2.000 rúpias.” (Ryan)

Olcott havia criado um comitê, chamado de Conselho de Controle, para


cuidar da administração da Sede em Adyar na sua ausência. Seu presidente
era Franz Hartmann e faziam parte dele S.G. Lane-Fox, W.T. Brown, R.
Raghunath Row, G. Mutuswamy Chetty, Sreenivas Row e T. Subba Row.

Os aposentos de HPB ficaram aos cuidados do casal Coulomb, que


haviam ficado com as chaves dos aposentos de HPB. Em 3 de março o
Conselho tentou usar os aposentos para fazer sua reunião, mas Alexis
Coulomb não permitiu que ninguém entrasse. Poucos dias depois Damodar
pediu a Emma Coulomb para usar o quarto de HPB. Ela não apenas negou,
mas lhe contou que HPB havia pedido para seu marido fazer portas falsas em
seus aposentos.

Esse fato fez com que Hartmann e Lane-Fox resolvessem investigar a


questão num clima nada amistoso entre o Conselho e os Coulombs. (CW VI,
xxvi) Damodar então recebeu uma nota do Mestre KH dizendo-lhe para ser
mais caridoso com Emma Coulomb. (Hastings, 77) Hartmann também
recebeu uma carta nesse sentido:

“Enquanto alguém não tiver desenvolvido um perfeito senso de justiça,


ele antes deveria preferir errar pelo lado da misericórdia
(p. 213)
do que cometer o menor ato de injustiça. Mad. Coulomb é uma médium
e, como tal, irresponsável por muitas coisas que ela possa dizer ou
fazer. (...) Ela tem suas próprias fraquezas, mas seus maus efeitos
podem ser minimizados exercendo sobre sua mente uma influência
moral através de um sentimento gentil e amigável. Sua natureza
mediúnica é um auxílio nessa direção, se for tirado proveito adequado
dessa vantagem. É meu desejo, portanto, que ela continue tomando
conta das coisas da casa, com o Conselho de Controle naturalmente
exercendo um apropriado controle e supervisão e vendo, junto com ela,
que nenhum gasto desnecessário seja feito. Uma boa reforma é
necessária e pode melhor ser feita com a ajuda do que o antagonismo
de Mad. Coulomb. Damodar teria lhe contado isso, mas sua mente foi
obscurecida de propósito, sem que ele soubesse, para testar suas
intuições.” (LMW 2nd Series, 131)

Em 13 de maio o Conselho de Controle reuniu-se e julgou doze


acusações de má conduta da Sra. Coulomb que incluíam injúrias, mentiras,
furto de cartas, bisbilhotice e tentativa de extorsão, apoiados por grande
número de testemunhos. Emma Coulomb não admitiu nem negou as
acusações e após considerável resistência ela e o marido foram expulsos de
Adyar.

Embora HPB e Olcott não pudessem suspeitar do que estava


acontecendo em Adyar, os Mestres o sabiam, pois numa carta em 5 de abril
de 1884, que foi precipitada do teto de um trem, enquanto Olcott e Mohini iam
de Paris para Londres, o Mestre KH lhe escreve:

“Não se surpreenda com nada que você possa ouvir de Adyar. Nem se
desencoraje. É possível – embora tentemos evitar isso, dentro dos
limites do carma – que vocês tenham que passar por grandes
aborrecimentos domésticos. Vocês abrigaram sob seu teto um traidor
e um inimigo por anos, e o grupo dos missionários está mais que
disposto a se aproveitar de qualquer auxílio que ela possa ser induzida
a prestar. Uma completa conspiração está a caminho. Ela está furiosa
com o aparecimento do Sr. Lane-Fox e com os poderes que você deu
ao Conselho de Controle.” (LMW 1st Series, 43)

Quando o Conselho de Controle conseguiu entrar nos aposentos de


HPB percebeu que, enquanto estavam lá trancados, Alexis Coulomb havia
construído buracos e painéis deslizantes. Mais tarde, o casal
(p. 214)
afirmaria tratar-se de artimanhas mecânicas utilizadas por HPB para a
produção de seus fenômenos. (Ryan)

A Distância Aumenta Minha Beleza (março de 1884)

HPB e Olcott chegaram a Marselha em 13 de março. A viagem estava


sendo feita contra a vontade de Madame Blavatsky. Em janeiro de 1884, ela
escreveu para Sinnett dizendo que só concordara em viajar para a Europa com
a seguinte condição:

“Não preciso, não devo e não irei a Londres. Faça o que quiser. Nem
mesmo vou me aproximar de lá. Mesmo que meu Patrão tivesse me
ordenado isso – penso que preferiria enfrentar seu desagrado – e
desobedecê-lo.” (LBS, 74)

Na França, em março, HPB recebeu tantos convites insistentes para


que fosse a Londres, que acabou respondendo-os na forma de uma circular,
agradecendo aos convites, mas recusando-os, pois sua saúde não permitiria
que ela fosse a Londres. Além disso, HPB escreve nessa circular:

“E qual seria a utilidade de minha ida a Londres? Que bem poderia eu


fazer a vocês em meio a seus fogs misturados com as venenosas
evaporações da “civilização superior”? Estou eu adequada para tais
pessoas civilizadas como todos vocês? Em apenas sete minutos e um
quarto, me tornaria perfeitamente insuportável para vocês, ingleses, se
eu tivesse que transportar para Londres minha enorme e feia pessoa.
Eu lhes asseguro que a distância aumenta minha beleza, a qual eu logo
perderia se estivesse próxima.” (Letters of H.P. Blavatsky, VI)

Para Sinnett HPB também escreveu que Olcott e Mohini, com as


instruções que tinham dos Mestres M. e KH, respectivamente, eram as
pessoas adequadas para resolver a questão, pois:

“Eu faria o oposto. Eu não poderia (especialmente em meu atual estado


de nervos) ficar por lá e ouvir calmamente as espantosas novidades de
que Sankara Charya era um teísta e que Subba Row não sabe do que
está falando, sem que isso me mande de uma vez para a morte; (...).
De fato eu não tenho mesmo vontade de ir para a Inglaterra. Eu amo
todos vocês de longe, eu poderia
(p. 215)
odiar alguns de vocês da L.L. se tivesse que ir até lá. Você não entende
por que? Você não pode compreender, com tudo o que sabe a meu
respeito e da verdade (essa última é ignorada apenas pelos que não
querem vê-la), que seria para mim um indizível sofrimento ver como os
Mestres e sua filosofia são ambos mal interpretados?” (LBS, 78)

Em 5 de abril de 1884, pela manhã, Olcott partiu de Paris para Londres,


deixando HPB que declarava não ter a menor condição ou desejo de ir a
Londres, pois estava com seus nervos fragilizados pela tensão acumulada nos
meses em que o caso Kingsford-Sinnett vinha se arrastando:

“Como posso encarar uma Sociedade onde alguns de seus membros


nutrem tais pensamentos insultantes e os expressam por escrito? É por
isso que não posso ir a Londres. Se fosse seguir os ditames da minha
afeição por vocês dois, e o meu desejo de me relacionar pessoalmente
com membros tão encantadores como a Sra. e a Srta. Arundale, o Sr.
Finch, o Sr. Wade e outros, eu conheço os resultados. Ou eu iria
saltar, rasgando o céu e o inferno na primeira oportunidade, ou teria
que explodir como uma granada. Não posso manter a calma. Secretei
e acumulei bílis por mais de seis meses durante esse embroglio
Kingsford-Sinnett; segurei minha língua e fui forçada a escrever cartas
civilizadas que são agora vistas como “correspondência simpática e
encorajadora”. Eu – não importa o que tenha acontecido, e o quanto
sofri dessa coléres rentrés [raiva reprimida]; minha doença atual é
mais do que parcialmente devida a eles. Bem, não nasci para uma
carreira diplomática. Eu entornaria o caldo – e não faria bem algum –
de qualquer modo, não até que toda a coisa seja decidida e o equilibre
théosophique est retabli [o equilíbrio teosófico seja restabelecido].”
(LBS, 81)

HPB Chega Inesperadamente a Londres (abril de 1884)

Nessa época William Judge estava com Madame Blavatsky em Paris,


para ajudá-la com a Doutrina Secreta. Ele descreve que na noite de 5 de abril,
quando estavam conversando, sentiu “o velho sinal de uma mensagem do
Mestre, e vi que ela estava escutando.” (Caldwell 1991, 172)
(p. 216)
HPB então lhe disse que o Mestre acabara de lhe ordenar que fosse para
Londres pelo expresso das 7:45 h da noite seguinte. Que ficasse por lá apenas
um dia, retornando no seguinte. Assim, inesperadamente, obedecendo a
ordens, embora confessando que não estava entendendo, ela partiu para
Londres no dia 6 de abril, ficando hospedada com os Sinnett.

No dia marcado para a eleição, 7 de abril, Maitland propôs a reeleição


de Anna Kingsford, mas apenas um ou dois membros apoiaram a proposta.
Sinnett então propôs Finch, que foi eleito pela maioria. Olcott sugeriu ao grupo
de Kingsford que formassem uma nova Loja, que seria chamada de
“Sociedade Teosófica Hermética” – o que foi aceito. (ODL III, 97)

Depois de resolvido o ponto mais delicado, eles passaram para a


discussão da noite. Olcott tentou harmonizar as diferenças de opinião, mas
sem muito sucesso, e o clima tornou-se tenso. Então HPB entrou
inesperadamente na reunião, sentando-se no fundo da sala, ao lado de
Archibald Keightley, que era um membro novo e ainda não a conhecia
pessoalmente. Ele descreve que, no momento em que alguém lá na frente
aludiu a alguma ação de Madame Blavatsky, a robusta senhora a seu lado
confirmou, dizendo em voz alta: “É isso mesmo.” Nesse ponto, a reunião
virou uma confusão e Mohini correu para jogar-se aos pés de HPB. (Caldwell
1991, 175)

C.W. Leadbeater, que também era um membro novo e estava presente


nessa reunião, descreve que uma robusta senhora, vestida de preto, havia
entrado e sentado no fundo da sala. Após alguns minutos, demonstrando
impaciência com a falta de progresso das discussões, ela pulou de seu assento
e gritou num tom de comando militar: “Mohini!”, saindo para o corredor.
Então:

“O altivo e sério Mohini veio correndo por aquela longa sala, na maior
velocidade e, assim que alcançou o corredor, jogou-se incontinente,
com sua face no chão, aos pés da senhora de preto.” (Leadbeater, 36)

Muitas pessoas levantaram-se, confusas, não sabendo o que estava


acontecendo. Mas logo depois Sinnett, que também havia ido até o fundo,
voltou e anunciou:

“Permitam-me apresentar à Loja de Londres como um todo – Madame


Blavatsky!
(p. 217)
“A cena que se seguiu era indescritível; os membros
freneticamente alegres e, contudo, ao mesmo tempo, meio
amedrontados, se juntaram à volta de nossa grande fundadora, alguns
beijando suas mãos, vários ajoelhando-se diante dela, e dois ou três
soluçando histericamente.” (Leadbeater, 37)

Ela então foi conduzida à plataforma onde, após ouvir explicações


sobre o caráter insatisfatório da reunião, a encerrou e reuniu-se com os
dirigentes. Após ouvir explicações de Kingsford e Sinnett, ralhou com ambos,
como se fossem dois estudantes e fez com que dessem as mãos, numa
demonstração de que suas diferenças haviam se encerrado! (Leadbeater, 37)

Como já vimos extensamente, os sentimentos de HPB estavam longe


de imparciais e isentos, como aparentam ser na narrativa de Leadbeater. Após
a reunião, Madame Blavatsky voltou para a casa dos Sinnett, e ficou em
Londres por uma semana, antes de voltar a Paris.

O episódio acima narrado, em que Mohini atira-se aos pés da Madame


Blavatsky, é muito interessante. Ele apresenta aspectos que dificilmente
podemos entender completamente, pois estão na alçada da vida do Ocultismo,
e não da vida comum. Isso porque, ainda em outubro de 1883, quando o
Mestre decidiu que no ano seguinte Mohini iria Londres com Olcott para ajudar
a resolver a questão da Loja de Londres, HPB escreveu a Sinnett, alertando-o
para o fato de que não deveria considerar o Mohini que ele havia conhecido
como o mesmo que estaria em Londres:

“Em 17 de fevereiro Olcott provavelmente partirá para a Inglaterra para


tratar de vários assuntos, e Mahatma KH envia seu chela, sob o
disfarce de Mohini Mohun Chatterjee (...). Não cometa o erro, meu
querido patrão, de tornar o Mohini que você conheceu pelo Mohini
que irá. Há mais de uma Maya nesse mundo, da qual nem você, nem
seus amigos e o crítico Maitland são sabedores. O embaixador será
investido de uma vestimenta interna, bem como de uma vestimenta
externa. Dixit.” (LBS, 65)

Do mesmo modo que HPB havia alertado Sinnett de que não


considerasse Mohini como sendo o Mohini usual, o Mestre KH manda uma
carta ao próprio Mohini, em março de 1884, lhe dizendo algo semelhante com
relação à Madame Blavatsky e lhe orientando como deveria se comportar. Ele
lhe diz que como as aparências eram importantes, especialmente entre os
europeus, era necessário impressioná-los externamente antes
(p. 218)
que uma impressão interna, regular e duradoura, ocorresse. Por essa razão, o
Mestre orienta Mohini que quando HPB chegasse a Paris:

“... você irá encontrá-la e recebê-la como se estivesse na Índia e ela


fosse sua própria mãe. Você não deve ligar para a multidão de
franceses e outros. Você tem que impressioná-los; e, se o Coronel lhe
perguntar por que, você lhe responderá que é o homem interior, o
ocupante interno que você está saudando, não HPB, pois você foi
avisado por nós nesse sentido. E saiba, para sua própria edificação,
que Alguém muito superior a mim gentilmente concordou em
inspecionar toda a situação, sob o disfarce dela, e então visitar, através
do mesmo canal, ocasionalmente, Paris e outros locais onde membros
estrangeiros possam residir. Você irá saudá-la desse modo ao vê-la e
ao despedir-se dela, durante todo o tempo em que estiver em Paris –
independente de comentários e de sua própria surpresa. Isso é um
teste.” (LMW 2nd Series, 111)
Como vimos, HPB acabou inesperadamente indo a Londres e Mohini
encontrou-a lá, e não em Paris, mas obedeceu literalmente às instruções de
seu Mestre, jogando-se aos seus pés para saudá-la, como faria com sua mãe
na Índia. Ou, quem sabe, para saudar ao “Ocupante” interno que ali poderia
estar.

A Sociedade Hermética (abril de 1884)

Em 9 de abril a Loja Hermética foi organizada, com Olcott e Mohini


presentes. (Ransom, 198) Entretanto, o problema não ficou resolvido pois
poucos dias após a criação da Loja Olcott resolveu editar uma nova regra pela
qual as filiações múltiplas ficavam proibidas. Isso significava, na prática, que
os membros da Loja Hermética não poderiam frequentar as reuniões da Loja
de Londres, e assim se beneficiar das instruções lá oferecidas e vice-versa.
Essa decisão transtornou os planos para a Loja Hermética e, em 22 de abril, o
grupo de Kingsford decidiu devolver a carta constitutiva e formar uma
sociedade independente da Sociedade Teosófica (a Sociedade Hermética).
(Ransom, 198)

Maitland diz que Olcott teria feito essa regra, que proibia a filiação
múltipla, seguindo conselhos de Sinnett. (Kingsford 1916, 24) Talvez
(p. 219)
seja a isso que o Mestre KH esteja se referindo nesta passagem abaixo, onde
repreende Sinnett:

“Então você nega que jamais tenha havido qualquer rancor em você
contra K. [Kingsford]. Muito bem; chame-o de qualquer outro nome que
quiser; ainda assim foi um sentimento que interferiu com a estrita
justiça, e fez O. [Olcott] cometer um erro ainda pior do que o que ele já
havia cometido – mas que foi permitido seguir seu curso, pois se
adequava aos nossos propósitos, e não causou nenhum grande mal, a
não ser para ele o mesmo – que foi tão mesquinhamente desdenhado
por isso.” (MLcr., 424)

A Sociedade Hermética foi fundada em 9 de maio e logo se provou um


grande sucesso, com as palestras de Anna Kingsford enchendo grandes
salões. No final de 1884, Kingsford e Maitland saíram da Loja de Londres, mas
não abandonaram a ST, permanecendo ligados à Sede da ST em Adyar.

A Sociedade Hermética funcionou regularmente, sobretudo com


palestras de Anna Kingsford e Maitland, até o início de 1887, quando o estado
de saúde dela já estava muito debilitado. Ela tinha problemas pulmonares
crônicos e acabou morrendo de tuberculose, aos 42 anos, em 22 de fevereiro
de 1888. (Godwin 1994b, 335)

Após sua morte, Maitland publicou dois livros em nome de Anna


Kingsford. O primeiro, “O Credo da Cristandade, e Outros Discursos e
Ensaios sobre Cristianismo Esotérico” é composto de várias de suas
palestras na Sociedade Hermética. O outro é uma compilação de suas
Iluminações obtidas durante quase 14 anos, e que recebeu o título de “Vestida
com o Sol, o Livro das Iluminações de Anna (Bonus) Kingsford”.
Podemos agora avaliar melhor porque a Sociedade Teosófica perdeu
uma grande oportunidade de se transformar naquilo que os Mestres tanto
almejavam: um centro onde diferentes tradições pudessem conviver
harmoniosamente, colocando em prática a tolerância que é a base do seu 1°
Objetivo. Não há dúvidas de que, caso Anna Kingsford tivesse permanecido
ativa dentro da Loja de Londres, como queria o Grande Chohan, isso teria
marcado o início de uma abertura inédita na ST. Pois, como o Mestre KH
escreveu:

“... a Filosofia Hermética é universal e não sectária, enquanto que a


Escola Tibetana sempre será considerada (...) como mais
(p. 220)
ou menos marcada pelo sectarismo. (...) Filosofia Hermética adapta-se
a qualquer crença e filosofia”. (MLcr., 409)

No entanto, a Sociedade Teosófica seguiu outro caminho, muito menos


universal, e acabou desenvolvendo uma doutrina própria, com um perfil e uma
terminologia bastante orientais, que passou a ser denominada de “Teosofia”.
Assim sendo, não é estranho que o próprio Mestre KH – que seguindo a
vontade do Chohan interferiu na crise da Loja de Londres – tenha feito um
severo alerta quanto aos caminhos que estavam sendo seguidos pela ST
escrevendo, em 1900, na última carta conhecida com a caligrafia dos Mestres:

“A ST e seus membros estão lentamente manufaturando um credo. Diz


um provérbio tibetano: ‘credulidade gera credulidade e termina em
hipocrisia’.” (LMW 1st Series, 99)

Não há dúvidas, portanto, de que a Sociedade Teosófica perdeu uma


grande oportunidade de se transformar naquele centro de vanguarda do
pensamento que os Mestres tanto almejavam, especialmente no Ocidente. Um
centro onde essas duas facções pudessem conviver harmoniosamente,
demonstrando, na prática, a tolerância pregada no 1° Objetivo. Como bem
notou P. Washington:

“O conflito entre Blavatsky e Kingsford era tanto pessoal quanto


doutrinário. Duas mulheres fortes (...) estavam fadadas a entrar em
conflito. (...)
“Essa foi uma oportunidade perdida. As duas mulheres tinham
forças diferentes que poderiam ter sido complementares. Se Anna tinha
vantagem sobre HPB na aparência, posses e posição social, HPB tinha
o controle de uma organização internacional. Mas as diferenças foram
longe demais. Elas são descritas pela própria Anna em termos de
ocultistas orientais versus místicos ocidentais, e esse conflito ainda
causaria frequentes divisões dentro da Sociedade nos anos seguintes.
Enquanto HPB rejeitava Kingsford como sendo uma médium comum,
no livro de Anna sua rival era uma ocultista – e ocultistas estão bem
abaixo na escala religiosa, em contato com o mundo dos espíritos
apenas indiretamente.
“Pouco antes de sua própria morte, Anna K. afirmou ter sonhado
que encontrou HPB no céu budista. Blavatsky ainda estava fumando
seus desagradáveis cigarros, mas assim o fez somente
(p. 221)
após pedir humildemente permissão para o próprio patrão de Anna,
Hermes (...). A cena é apropriadamente simbólica: a divisão entre as
crenças ocidentais e orientais; a primeira, mas de modo algum a última
rebelião daqueles que sentiam que a Teosofia estava se inclinando
demais em direção ao Oriente e abandonando a tradicional fé cristã.
Esse não era, de acordo com seus críticos, um sinal de universalidade
religiosa, mas de uma ardorosa adoção de um credo estrangeiro.”
(Washington, 77-78)

Também não resta dúvida de que essa atmosfera de tolerância mútua,


de discordância de opiniões e crenças dentro de uma harmonia maior, bem
como de real liberdade de expressão, não só no discurso, mas também na
prática, era o que os Mestres estavam almejando para a Sociedade Teosófica.

No episódio narrado acima, da crise na Loja de Londres, envolvendo


Kingsford, Maitland, Sinnett, Olcott, a própria HPB e tantos outros, quando
Anna Kingsford e Edward Maitland protestaram contra a maneira submissa e
a idolatria que os membros, liderados por Sinnett, estavam desenvolvendo
com relação aos Mestres, T. Subba Row foi encarregado por seu Mestre de
escrever uma resposta aos dois, publicada em janeiro de 1884. Nessa carta
ele ressalta a liberdade que deveria existir dentro da Sociedade Teosófica:

“Mas a nenhum membro é permitido, pelas regras da Associação,


forçar suas próprias opiniões ou crenças individuais sobre seus
companheiros, ou insistir que elas sejam aceitas por eles. A Sociedade
não constitui um corpo de instrutores religiosos, mas simplesmente
uma associação de investigadores e buscadores.
“Esses são os princípios que estão definitivamente
estabelecidos para a orientação da Sociedade Teosófica, com a
aprovação e beneplácito de grandes Iniciados dos Himalaias, os quais
são seus reais fundadores. (...) Se o Sr. Sinnett positivamente proibiu
qualquer expressão de discordância ou de crítica a seu livro, ou “de sua
suprema autoridade”, como se alega na carta sob exame, ele está, sem
dúvida, agindo contra as Regras da Sociedade. (...) O Sr. Sinnett tem
tanto direito a explicar seu Budismo Esotérico aos membros da Loja
de Londres, quanto a Sra. Kingsford e o Sr. Maitland têm de explicar o
seu significado esotérico da simbologia cristã.” (Row, 394-395)

(p. 222)
Capítulo 15

A SPR Examina Olcott (maio de 1884)

A Sociedade para Pesquisas Psíquicas (SPR, de “Society for


Psychical Research”) foi fundada em fevereiro de 1882 por H. Sidgwick, W.F.
Barrett, B. Stewart, Stainton Moses, E. Gurney e G. Wyld. Alguns de seus
principais objetivos nessa época eram examinar os fenômenos paranormais,
hipnotismo, transe mesmérico e clarividência e pesquisar os fenômenos físicos
chamados de espíritas, tentando reunir dados a respeito e descobrir suas
causas e leis gerais.

A SPR pretendia aproximar-se dessas questões sem preconceitos ou


prevenções de qualquer tipo, num espírito científico de investigação. Foi a
primeira sociedade desse tipo a ser fundada no mundo. Logo após sua
fundação, HPB escreveu no The Theosophist, elogiando a iniciativa e
realçando sua importância:
“Tinha-se como propósito ao fundar a Sociedade Teosófica Britânica,
nossa seção em Londres, cobrir exatamente esse campo, adicionando
a ele a esperança de poder trabalhar sob o contato pessoal direto com
aqueles ‘Grandes Mestres da Cadeia Nevada do Himavat’, cuja
existência tem sido amplamente provada por alguns de nossos
membros (...). Enquanto, certamente, algo foi feito nessa direção, ainda
assim, por falta do auxílio de cientistas como aqueles que agora se
reuniram para fundar essa nova Sociedade, o progresso tem sido
relativamente lento. Em todas as nossas seções há mais uma
tendência de devotar tempo para ler livros e artigos e propor teorias, do
que para pesquisa experimental nos departamentos de mesmerismo,
psicometria, Odyle (a nova força de Reichenbach) e mediunismo. Isso
deveria ser modificado, pois os temas acima mencionados são as
chaves para todo o mundo da ciência psicológica desde a mais remota
antiguidade até nossos dias. A nova Sociedade de Pesquisas
Psíquicas, então, tem nossos melhores votos”. (CW IV, 131)

Como a SPR estava interessada em investigar os fenômenos


relacionados à Madame Blavatsky e às aparições dos Mestres, quando HPB e
Olcott estiveram em Londres foram procurados por eles. Em 11 de maio de
1884 Olcott foi entrevistado por Myers e Stack. Ele discorreu,
(p. 223)
entusiasmado, sobre a visita astral de seu Guru em Nova Iorque, as viagens
astrais de Damodar, a visita do Mestre KH à sua tenda em Lahore, e a recente
carta que havia caído do teto do vagão de trem enquanto viajava entre Paris e
Calais.

No dia 27 de maio Olcott foi novamente examinado e dessa vez, além


de Myers e Stack, também participaram Gurney e Podmore, que também
faziam parte do comitê. Frank Podmore era extremamente cético e partia
sempre do princípio que, numa investigação de fenômenos paranormais,
sempre se deveria presumir desonestidade ao invés poderes psíquicos
anormais.

Nessa segunda ocasião, Olcott foi examinado principalmente sobre as


cartas dos Mestres, suas caligrafias, os fenômenos do santuário os poderes
telepáticos dos Adeptos. (Murphet 1972, 187) Ele também falou sobre o
transporte e materialização de objetos, o som de sinos que tocavam no ar, a
aparição de Adeptos ofertando flores etc. (ODL III, 104)

Porém Olcott, em seu imenso entusiasmo pela ST e pelos Mestres e


em sua simplicidade intelectual, passou uma impressão muito crédula e pouco
científica para o comitê da SPR. Suas respostas por vezes imprecisas com
relação a detalhes foram posteriormente usadas contra ele. Mohini e Sinnett
também foram examinados pelo comitê, em maio e em junho. (Ransom, 200)
No dia 30 de junho Olcott, HPB e Sinnett foram a uma reunião da SPR, na qual
Olcott resolveu fazer um discurso inesperado que causou uma impressão
desfavorável em todos. Sinnett relata:

“No decorrer da reunião, coronel Olcott, sem qualquer convite,


levantou-se e fez um discurso extraordinariamente sem tato. Os líderes
da Sociedade de Pesquisas Psíquicas eram extremamente cuidadosos
em manter todas as suas reuniões num nível de cultura da classe mais
elevada. Agora, o coronel Olcott, com toda a sua bondade e devoção à
causa, não estava em sintonia com o gosto dos europeus requintados.
O registro em meu diário mostra: ‘Coronel Ol. fez o papel de um tolo
desagradável, e fez com que a V.S. ficasse furiosa e envergonhada.
(V.S., é claro, significa ‘Velha Senhora’, nome pelo qual nós sempre
falamos com Madame Blavatsky e a ela nos referimos.)
(p. 224)
“Embora hospedada com as Arundale, a V.S. insistiu em voltar
para a nossa casa após o encontro para desabafar sua fúria. Sua face
estava branca pela intensidade de sua emoção; ela falou tão alto que
eu estava com medo que ela pudesse perturbar os vizinhos, e ela
xingou o desafortunado Coronel até que ele foi levado a lhe perguntar
se ela queria que ele cometesse suicídio. É claro que a demonstração
de fúria era inútil e absurda, por um lado, mas ela compreendeu, sem
prever os detalhes, que algo terrível havia acontecido. E realmente
havia ocorrido. Os problemas posteriores, que por um período
sacudiram a Sociedade na Europa, todos remontam àquela noite
horrível que descrevi. Os líderes da Sociedade Psíquica ficaram
completamente arrepiados com a infeliz intervenção do Coronel. Até
aquela época, eles tinham estado ansiosos por ter um contato próximo
com o movimento teosófico. Frederic Myers e Gurney estavam
entrando no círculo de nossos amigos íntimos. Mas a Sociedade
Teosófica era jovem demais para suportar o choque das
consequências que foram geradas pela indiscrição do Coronel.
Antecipando registros futuros que tratarei mais tarde, posso dizer aqui
que o envio de Richard Hodgson para a Índia para investigar os
fenômenos de Madame Blavatsky, seu relatório desfavorável, e o
colapso de nossa jovem sociedade, da qual quase todo mundo foi
embora, quando parecia como se Mad. Blavatsky tivesse sido
desmascarada e desacreditada – todos foram frutos daquela noite
infeliz de 30 de junho de 1884.” (Sinnett 1886, 27)

Madame Blavatsky, comentando esse episódio em uma carta para


Sinnett, nos oferece uma confirmação do caráter desafortunado desse
episódio:

“Sim; foi Olcott atulhando os Psíquicos de Cambridge com suas


experiências; e sua deplorável apresentação insolente (...) naquele
encontro da SPR – que trouxe toda a miséria sobre nós. Porém ele o
nega. Ele até mesmo sustenta na Índia, e na minha cara, que eu sou a
única causa disso; de que foi a minha visita à Europa que causou tudo
isso! Bem – que assim seja.” (LBS, 113)

Olcott, em sua simplicidade, não aceitava a crítica de HPB de que


deveria ter sido mais cauteloso e falado menos, dizendo que não eram os
membros da SPR que a estavam julgando, mas sim os “Dons”
(p. 225)
(reverendos) da Igreja. (LBS, 102) Ele estava de boa fé, abrindo seu coração,
expondo suas experiências pessoais mais íntimas e sagradas, pensando que
esse testemunho poderia ajudar na causa da ciência espiritual e dar conforto
e esperança para aqueles que não eram tão afortunados quanto eles que
passaram por tais experiências. (ODL III, 104) No entanto, diz HPB que após
a publicação do relatório final da SPR, “quando seu julgamento teve um tal
fim glorioso para nós, ele [Olcott] ficou extremamente assustado, ao
ponto de transformar-se num brâmane, um perfeito Subba Row quanto à
secretividade.” (LBS, 102)
A Renúncia de C.C. Massey (julho de 1884)

Charles Carleton Massey foi um dos fundadores da ST Britânica e o


seu primeiro presidente. Era advogado, mas acabou largando sua profissão
para dedicar-se ao estudo de filosofia, psicologia e, especialmente, à
investigação de fenômenos psíquicos. (CW I, 498) Massey foi o responsável
pelo convite para Anna Kingsford presidir a ST Britânica, e permaneceu
apoiando-a quando ela criou a Sociedade Hermética.

Sinnett, Hume, Fern e ele foram os quatro europeus colocados em


provação. Deles, em janeiro de 1883, apenas Sinnett continuava merecendo a
confiança dos Mahatmas. (MLcr., 341)

Em 26 de julho de 1884, o jornal Light publicou um artigo de C.C.


Massey, onde ele relata sua dificuldade em aceitar as explicações do Mestre
KH sobre a acusação de plágio no caso Kiddle. Embora aceitasse a existência
dos Adeptos, ainda assim, Massey via:

“... em seus métodos, ou melhor, nas coisas que são ditas e feitas em
nome deles, um tal desvio de nosso senso prosaico de verdade e honra
de modo a nos assegurar que algo está muito errado em algum lugar.
Pois isso não é de modo algum um caso isolado. A repetida
necessidade de explicações – que são sempre mais formidáveis do que
as coisas a serem explicadas – deve com o tempo extenuar a fé mais
paciente, exceto a fé que supera toda a inteligência, o credo quia
impossibile.
“Tenho apenas que acrescentar que, enquanto preservando
todos os interesses e muito da crença que me atraiu para a Sociedade
Teosófica, e que me mantiveram nela até agora, apesar de
(p. 226)
muitos e crescentes constrangimentos, eu não creio que a publicação
das conclusões acima expressas seja consistente com a filiação leal. A
constituição da Sociedade, sem dúvida, é ampla o suficiente para incluir
mentes mais céticas que a minha própria com relação às suas
pretensas fontes de vitalidade e influência. Mas deixe qualquer um
tentar exercer essa liberdade nominal, e ele se descobrirá, não apenas
um elemento destoante, mas numa atitude de controvérsia com seus
líderes ostensivos, com as forças motrizes da Sociedade.” (Massey)

Alguns historiadores têm associado sua saída da ST com o ataque feito


pela SPR à Madame. Porém, nessa época a SPR ainda não havia feito
nenhuma condenação. Seu comitê estava no início das investigações e Myers
e outros ainda pareciam estar a favor de HPB.

Contudo, além do caso Kiddle há ainda um outro episódio que foi muito
importante na decisão de Massey. Ele é conhecido como “a carta britânica” e
acabou fazendo parte do relatório preliminar da SPR, como uma suspeita de
fraude de HPB.

A Carta Britânica
Em 1879, C.C. Massey havia achado uma carta de um Irmão dentro do
livro de atas da ST Britânica. Uma vez que os membros estavam desejosos de
que houvesse alguma manifestação dos Mahatmas para eles, a carta foi aceita
como tal. Porém, alguns anos mais tarde, o marido da Sra. Hollis Billing, uma
médium cujo “guia” era conhecido como Ski, mostrou a Massey uma carta de
HPB para sua esposa, onde a Madame lhe pedia que, através de Ski, ela
enviasse uma outra carta para Massey:

“Por favor, peça a ele para pegar a carta anexa e colocá-la em seu
bolso, ou em algum lugar ainda mais misterioso. Mas ele não deve
saber que é de Ski. Deixe-o pensar o que quiser, mas ele não deve
suspeitar que você esteve perto dele com Ski às suas ordens. Ele não
suspeita de você, mas sim de Ski. (Também seria bom se ele pudesse
dar à L.L. alguma prova de afeição oriental, mas nenhum deles deve
suspeitar que é de Ski, portanto será mais difícil para fazê-lo do que
seria se fosse produzido em uma de suas seancés.)” (Price 1985a, 58)

(p. 227)
Para Massey, o fato de HPB ter pedido à Sra. Hollis Billing para enviar
a carta de “um modo misterioso”, dando a impressão de que o próprio autor da
carta é que a havia enviado ocultamente era algo que, além de não ter
resposta, lançava suspeita de fraude sobre HPB. Essa suspeita foi ainda
reforçada pelo fato de que, numa das cartas atribuídas a Madame Blavatsky e
publicadas no Christian College Magazine, ela teria escrito a Emma Coulomb
algo semelhante: “Eu lhe imploro que envie essa carta (aqui anexa) para
Damodar de um modo miraculoso. É muito importante.” (CW VI, 301)

Sobre essa carta para Massey, o Mestre KH escreve para Sinnett, em


janeiro de 1883, que havia sido realmente “Ski” que colocara a carta dentro do
livro de atas da L.L., e que:

“Me é suficiente dizer que “Ski” por mais de uma vez tem servido como
portador e até mesmo porta-voz para vários de nós; e que no caso a
que o Sr. Massey se refere, a carta de um ‘Irmão Escocês’, havia
alguém genuíno para entregá-la, o que misteriosamente para ele, nós
terminantemente nos recusávamos a fazer – inclusive o irmão
‘Escocês’ – uma vez que, não obstante os pedidos exaltados de
Upasika de que fizéssemos umas poucas exceções em favor de C.C.
Massey, seu ‘melhor e mais querido amigo’, (...) não estávamos
autorizados a desperdiçar nossos poderes tão insensivelmente.
Madame B., portanto, foi deixada para despachá-la pelo correio ou, se
ela o preferisse, por meio de ‘Ski’ – tendo M. a proibido de exercer seus
próprios meios ocultos.” (MLcr., 352)

E em julho de 1883, o Mestre KH volta ao assunto da carta para


Massey, e dessa vez também esclarece que a carta não havia sido escrita por
um ‘Irmão escocês’, mas pelo “nosso Irmão H. – então na Escócia, e
enviada indiretamente através de ‘Ski’.” (MLcr., 382)

Numa carta anterior, ainda em outubro de 1882, o Mestre KH já alertara


Sinnett sobre a mudança de atitude de Massey [CCM] em relação a HPB,
dizendo que todo o episódio estava ligado às provações que alguém que
quisesse se aproximar Dele, estaria inevitavelmente submetido:
“Agora, quais são os fatos e quais as acusações contra HPB? Muitos
são os pontos sombrios contra ela na mente de CCM e a cada dia eles
se tornam mais negros e mais feios. (...) devo lembrar-lhe (...)
(p. 228)
que ninguém entra em contato conosco, ninguém mostra um desejo de
nos conhecer mais, a não ser que se submeta a ser colocado por nós
em provação. Assim CCM, tanto quanto qualquer outro, não poderia
escapar de seu destino. Ele tem sido tentado e se permitiu que fosse
enganado pelas aparências, e com facilidade caiu como uma presa de
sua própria fraqueza – suspeita e falta de auto confiança. Em resumo,
lhe falta o primeiro elemento para o sucesso num candidato – fé
inabalável, uma vez que sua convicção se baseia, e tem suas raízes
em conhecimento, não numa simples crença em certos fatos. Agora,
CCM sabe que certos fenômenos dela são inquestionavelmente
genuínos; (...) Após alimentar, pelo período de três anos uma fé cega
nela, chegando quase ao sentimento de veneração, no primeiro sopro
de uma calúnia bem sucedida ele, um amigo dedicado e um excelente
advogado, cai vítima de um complô perverso e sua consideração por
ela mudou para um positivo desdém e uma convicção de sua culpa!”
(MLcr., 29)

Para Sidgwick, em carta de novembro de 1884, expondo o caso,


Massey diz que HPB lhe garantira que a carta realmente era de um “Irmão”, e
que fora entregue a ela sem qualquer instrução de como enviá-la. Entretanto
Massey confidencia a Sidgwick não acreditar que tivesse realmente recebido
uma carta genuína. (Price 1985a, 56) Como Massey era importante na SPR,
suas dúvidas e sua perda de confiança em HPB, ao achar que ela o havia
enganado, naturalmente influenciaram as conclusões da SPR. (Price 1986,
112)

O Círculo Interno da Loja de Londres (abril de 1884)

Outro fator que influenciou Massey foi a criação, dentro da Loja de


Londres, de um grupo denominado “Círculo Interno”. O grupo estava sob a
direção de Sinnett e destinava-se somente àqueles que estavam dispostos a
seguir os ensinamentos dos Mahatmas sem desconfianças. A primeira reunião
ocorreu em 17 de abril de 1884. Esse “Círculo Interno” não teve vida longa,
mas é importante historicamente falando por ser considerado como a primeira
tentativa de criação de uma Seção Esotérica dentro da Sociedade Teosófica.
(CW VI, 251) Os integrantes do “Círculo Interno” declararam:

(p. 229)
“Em vista da recente renúncia do Sr. Massey e da razão dada para ela,
a saber, suspeita dos Mahatmas, e a inclinação que tem sido
demonstrada por alguns outros membros da Loja de Londres, de
desacreditar nos ensinamentos orientais e desconfiar de seus
Instrutores nós, os abaixo assinado membros da Loja de Londres,
estando convencidos de que nenhuma educação espiritual é possível
sem absoluta e simpática união entre os estudantes companheiros,
desejam formar um grupo interno. (...)
“O princípio fundamental do Novo Grupo é a confiança implícita
nos Mahatmas e em seus ensinamentos e uma resoluta obediência a
seus desejos em todas as questões relacionadas com o progresso
espiritual.
“Finalmente, submetendo essa súplica a nossos reverenciados
Mestres, nós sinceramente lhes pedimos, se ela tiver sua aprovação,
para confirmá-la com suas assinaturas e consentir em continuar seus
ensinamentos daqui por diante, enquanto permanecer um membro fiel
nesse grupo.” (CW VI, 255)

O Mestre M. precipitou no documento: “Aprovado.” E o Mestre KH:


“Aprovado. O pacto é mútuo. Ele será válido enquanto as ações dos
abaixo assinados estiverem de acordo com as promessas implícitas no
‘princípio fundamental do grupo’, e por eles aceitas.” E HPB acrescentou
uma nota abaixo das assinaturas, dizendo que se algum membro
conscientemente chegasse à sincera conclusão de que não poderia exercer a
“resoluta obediência” requerida, esse poderia retirar-se do grupo, sem que
por isso lhe fosse imputada conduta desonrosa. A isso Mestre KH acrescentou:
“desde que ele ou ela não torne pública qualquer parte dos
ensinamentos, pela palavra ou pela letra, sem a permissão especial do
abaixo assinado. K.H.” (CW VI, 256)

Os Retratos dos Mestres (junho/julho de 1884)

Quando as aparições dos Mestres eram apresentadas como sendo


resultado de truques realizados com o auxílio dos Coulombs, Madame
Blavatsky costumava argumentar que ainda que isso pudesse explicar as
aparições em Adyar, como explicaria suas aparições a milhares de milhas dos
Coulombs? E como é que um bem conhecido artista havia
(p. 230)
pintado em Londres os retratos dos Mahatmas, sem jamais tê-los visto,
reproduzindo-os com uma tal semelhança que permitiu que Eles fossem
imediatamente reconhecidos por ingleses e indianos que os haviam
encontrado na Índia? (CW VI, 311) O relatório da SPR assim se manifesta
sobre o quadro do Mestre M.:

“... a produção do retrato do Mestre do coronel Olcott, Mahatma M., é


interessante porque esse é o retrato a partir do qual (...) outras pessoas
reconheceram o Mahatma M. quando o viram ou a sua suposta
aparição. Entretanto, mal podemos considerar isso como uma
evidência sem conhecer mais a respeito do cavalheiro que dizem tê-lo
pintado.” (SPR Report, Ap. I)

Porém Olcott não revelou à SPR o nome do pintor, justificando que ele
ocupava um cargo oficial e que não era recomendável que fosse divulgado que
ele era um teosofista e, assim sendo, essa evidência não foi mais investigada.
Vejamos, então, como é que esses retratos foram feitos.

Em fevereiro de 1878, ainda em Nova Iorque, Olcott havia


insistentemente pedido a HPB que ela lhe fizesse um retrato do Mestre M. Ela
sempre lhe respondia que não tinha autorização para fazê-lo, mas que eles
poderiam tentar um outro método, isto é, fazer com que alguém que não o
conhecesse, nem fosse um médium ou um ocultista, o desenhasse.

Uma tarde, quando da visita de um amigo francês, Harisse, o qual tinha


alguns dons artísticos, e a conversa versava sobre a Índia, e a coragem dos
Rajput (habitantes do Rajastão), HPB sussurrou a Olcott que, se ele fosse
comprar o material necessário, ela tentaria fazer com que Harisse desenhasse
o retrato do Mestre M.

Ele foi a uma loja próxima e comprou uma folha de papel e crayons
nas cores preto e branco, pagando-os com uma moeda de meio dólar. Ao
chegar em casa e abrir o pacote caíram no chão duas moedas de prata de um
quarto de dólar! Para Olcott foi um sinal de que o Mestre queria que o desenho
ficasse como um presente para ele. (ODL 1, 371)

HPB então pediu a Harisse que desenhasse a cabeça de um líder


hindu, da maneira que ele a imaginasse. Ele disse que não tinha nenhuma
ideia clara a respeito e queria desenhar alguma outra coisa. Mas com a
insistência de Olcott, concordou em tentar desenhar a cabeça de um hindu.
HPB pediu a Olcott que ficasse quieto e fosse para o outro lado da sala e ela:

(p. 231)
“... foi e sentou-se perto do artista e ficou quieta fumando. De tempos
em tempos ia vagarosamente atrás dele, como se estivesse
observando o progresso de seu trabalho, mas não falou até que
estivesse concluído, digamos uma hora mais tarde. Eu o recebi
agradecido, o emoldurei e o pendurei em meu pequeno dormitório. Mas
uma estranha coisa havia acontecido. Após termos dado uma última
olhada na imagem, enquanto ela estava à frente do artista, e enquanto
HPB a pegava para me entregar, a assinatura em forma de criptograma
de meu Guru apareceu no papel; assim fixando sobre ela, como se
fosse, seu imprimatur [permissão oficial para impressão], e
grandemente aumentando o valor de seu presente. Mas naquela época
eu não sabia se a imagem se parecia com o Guru ou não, pois ainda
não o havia visto. Quando o vi, mais tarde, descobri uma verdadeira
semelhança e, mais ainda, fui presenteado por ele com o turbante que
o artista amador havia desenhado na imagem cobrindo sua cabeça.”
(ODL I, 371)

Anos mais tarde, em junho de 1884, quando Olcott e HPB estavam em


Londres, o coronel querendo ter um retrato melhor de seu Guru, lançou uma
competição amigável entre os membros que eram artistas. Cinco aceitaram
fazer uma tentativa, e cada um deles recebeu uma cópia fotográfica do
desenho feito em crayon por Harisse. Mas nenhum resultado apresentou uma
semelhança melhor do que no esboço de Harisse.

Antes que a competição tivesse acabado, Hermann Schmiechen, um


conhecido retratista alemão, que morava em Londres, entrou para a ST e
aceitou o convite de Olcott de fazer uma tentativa.

“A fotografia lhe foi entregue sem nenhuma sugestão de como o tema


deveria ser tratado. Ele começou a trabalhar em 19 de junho e terminou
em 9 de julho. Nesse período visitei seu estúdio quatro vezes sozinho
e uma com HPB, e fiquei encantado com o gradual desenvolvimento da
imagem mental que havia sido nitidamente impressa em seu cérebro,
e que resultou num retrato tão perfeito de meu Guru quanto poderia ter
sido pintado do natural. Diferentemente dos outros que haviam todos
copiado a ideia de perfil, conforme feito por Harisse, Schmiechen fez o
rosto completamente de frente e colocou nos olhos um tal fluxo de vida
e senso da alma neles habitando de modo a verdadeiramente
(p. 232)
surpreender o observador. Era tão claramente um trabalho de gênio e
uma prova do fato da transferência de pensamento quanto eu poderia
imaginar. Na imagem ele havia captado tudo – rosto, tipo de pele,
tamanho, forma e expressão dos olhos, postura natural da cabeça, aura
brilhante e caráter majestoso. Isso também é verdade no caso do outro
retrato, que forma um par com esse, que Schmiechen pintou de nosso
outro Chefe Guru, e a pessoa sente como se os grandes olhos
estivessem buscando o seu próprio coração.” (ODL III, 163)

Com relação à pintura desse outro quadro bastante conhecido – o do


Mestre KH – Laura Holloway fez uma breve descrição do início de sua
produção. Havia várias pessoas bem conhecidas no estúdio interessadas em
acompanhar a experiência. HPB, fumando tranquilamente, sentara-se numa
poltrona em frente à plataforma onde estava o cavalete do pintor, numa
posição que não podia ver o quadro. Outras mulheres sentadas na plataforma
também fumavam:

“Ela [HPB] havia ‘ordenado’ a uma dessas mulheres [a própria Laura


Holloway] que fizesse um cigarro e o fumasse, e a ordem foi seguida,
embora com grande hesitação, pois era a primeira vez que fumava, e
supunha que mesmo o suave tabaco egípcio usado pudesse lhe causar
náuseas. HPB prometeu que isso não aconteceria e, encorajada pela
Sra. Sinnett, que também estava fumando, o cigarro foi aceso. O
resultado foi um curioso aquietar dos nervos, e ela logo perdeu todo o
interesse pelo grupo de pessoas na sala, e apenas o cavalete e mão
do artista absorveram sua atenção.
“É estranho relatar que embora a fumante amadora se
considerasse como uma espectadora foi a sua voz que pronunciou as
palavras ‘comece-o’, e o artista rapidamente começou a delinear uma
cabeça. Logo os olhos de todos os presentes estavam sobre ele, pois
trabalhava com extrema rapidez. Enquanto a calma reinava no estúdio
e todos estavam avidamente interessados no trabalho do Sr.
Schmiechen, a fumante amadora na plataforma viu a figura de um
homem se delinear ao lado do cavalete e, enquanto o artista com a
cabeça debruçada sobre seu trabalho continuava o esboçando, ele
ficou de pé ao seu lado sem um sinal ou movimento. Ela inclinou-se
para sua amiga e sussurrou: ‘É o Mestre KH, ele está sendo
desenhado. Ele está de pé perto do Sr. Schmiechen.’
(p. 233)
“ ‘Descreva sua aparência e roupas’ desafiou HPB. E enquanto
aqueles na sala se espantavam com a exclamação de Madame
Blavatsky, a mulher respondeu: ‘Ele é quase da altura de Mohini,
compleição delgada, maravilhoso rosto cheio de luz e vivacidade,
cabelo preto cacheado que cai com graça e delicadeza e sobre o qual
usa um barrete mole. Ele é uma sinfonia em cinzas e azuis. Sua roupa
é a de um hindu – embora seja muito mais fina e rica do que qualquer
uma que eu jamais tenha visto – e há pele ornamentando seu traje. É
o seu retrato que está sendo feito ...”. (Caldwell 1991, 185)

Ela também relata que, embora HPB não pudesse ver o quadro no
cavalete, fazia algumas observações ao artista, como: “Cuidado
Schmiechen; não faça o rosto redondo demais, alongue o perfil e preste
atenção na grande distância entre o nariz e as orelhas.” (Caldwell 1991,
185) Numa carta para Sinnett, o Mestre KH comenta sobre seu quadro:
“Acredito que agora você esteja tão satisfeito com meu retrato pintado
por Herr Schmiechien, quanto descontente com o que você tem?
Entretanto todos possuem, a seu modo, semelhanças. Apenas
enquanto os outros são produções de chelas, o último foi pintado com
a mão de M. na mente do artista, e muitas vezes usando seu braço.”
(MLcr., 430)

Schmiechen fez duas ou mais cópias dos retratos, mas nenhuma delas
apresentava a mesma vida que a primeira. Olcott descreve a força que
emanava dos quadros:

“... por algum truque do pincel do artista, a aura brilhante ao redor das
duas cabeças parecia realmente estar num movimento trêmulo, bem
como ela é na natureza. Não surpreende que o visitante de mente
religiosa se sinta, como se fosse, tocado por um senso da sacralidade
da sala onde estão os dois retratos e a introspecção meditativa é mais
fácil lá do que em outro local. Embora grandiosos de dia, os quadros
são ainda mais impressionantes à noite, quando adequadamente
iluminados, e as imagens parecem como se prontas para sair de suas
molduras e se aproximar da pessoa.” (ODL III, 164)

Os dois quadros originais pintados por Schmiechen estão em Adyar.


Contra a vontade de Olcott, foram feitas fotografias das cópias “tão inferiores
aos originais em Adyar quanto uma vela para a luz elétrica”
(p. 234)
as quais, para sua tristeza, foram posteriormente publicadas por Franz
Hartmann. (ODL III, 164)

HPB em Cambridge (agosto de 1884)

Em 8 de agosto, HPB, Mohini e mais alguns teosofistas estiveram em


Cambridge, para uma reunião da SPR. Myers e Sidgwick fizeram então uma
série de perguntas à Madame Blavatsky e a Mohini. A entrevista durou
algumas horas e, no geral, eles ficaram favoravelmente impressionados com
as respostas de HPB. Descreve Sidgwick:

“Não há dúvida de que o material de suas respostas lembrava Ísis


Sem Véu em algumas de suas piores características; mas sua maneira
era certamente franca e direta – era difícil imaginá-la como a elaborada
impostora que ela deve ser se toda a coisa for um truque ... (Em 10 de
agosto) nós todos fomos a um almoço teosófico com Myers ... Nossa
impressão favorável de Mad. B. foi mantida; se podemos acreditar em
nossas sensibilidades pessoais ela é um ser genuíno, com uma
vigorosa natureza tanto intelectual quanto emocional, e um desejo real
pelo bem da humanidade. Essa impressão é ainda mais digna de nota
na medida em que ela não é atraente externamente – com seus
babados cheios de cinzas de cigarros – e não é cativante em suas
maneiras. Certamente gostamos dela, tanto Nora (Sra. Sidgwick)
quanto eu. Se ela é uma impostora, é uma impostora consumada: pois
suas observações têm o ar não apenas de espontaneidade e
aleatoriedade, mas algumas vezes de uma divertida indiscrição. Assim,
no meio de relato sobre os Mahatmas no Tibet, visando nos passar uma
visão elevada desses personagens, deixou escapar sua sincera
impressão de que o Mahatma chefe de todos era a múmia velha mais
seca que ela jamais vira ...” (Caldwell 1991, 186)

O “Colapso de Koot Hoomi” (setembro de 1884)

Na edição de 11 de setembro de 1884 do Christian College Magazine


apareceu a primeira parte do artigo entitulado “O Colapso de
(p. 235)
Koot Hoomi”, escrito por seu editor, o reverendo George Patterson, com base
em 15 cartas que os Coulombs alegavam terem sido escritas para eles por
HPB. Algumas estavam em francês, outras em inglês e nelas HPB estaria lhes
dando instruções de como produzir fenômenos ocultos de forma fraudulenta.
Na edição de outubro mais um conjunto de cartas foi publicado. (CW VI, 295)

Uma das primeiras reações de HPB à publicação das cartas foi


renunciar ao cargo de Secretária Correspondente da ST, em 27 de setembro,
comunicando sua decisão através de uma carta que pretendia publicar no
jornal Light. Sua intenção era desvincular-se da ST, para que essa não fosse
prejudicada e pudesse prosperar, uma vez que ela, HPB, era “o principal,
senão o único alvo para as críticas venenosas de nossos muitos
inimigos”. (CW VI, 283) Assim sendo:

“... deixo de ocupar a posição oficial de Secretária Correspondente em


nossa Sociedade e estou até mesmo desejando, se possível, que fosse
esquecido que algum dia fui um de seus dois fundadores ativos. Eu
rompo – por um longo período, de qualquer maneira – toda conexão
com a Sede, com a Sociedade Mãe como um corpo e com seus
duzentos Ramos. Não retornarei a Adyar antes de ter inocentado a
Sociedade de todas as perversas difamações sobre seu caráter, e
que a pureza de suas intenções tenha sido melhor reconhecida.” (CW
VI, 283)

Entretanto, Madame Blavatsky voltou atrás em sua decisão, atendendo


pedidos e a carta não chegou nem mesmo a ser publicada. Nessa carta ela
lembra que “seja lá o que eu aparente ser, ou o que eu possa realmente
ser, meus erros e deficiências são meus e não têm nada a ver com a
Sociedade Teosófica.” (CW VI, 284)

Embora muitos associem o Madras Christian College a padres


jesuítas dogmáticos, ela era uma escola cristã ecumênica de presbiterianos
escoceses. Em 27 de setembro, a convite do general Morgan, Patterson
acompanhado dos reverendos Alexander e Padfield foram a Adyar, onde
tiveram acesso ao santuário, a cartas e a documentos na caligrafia de HPB.
Eles mostraram a Hartmann, Subba Row, Judge e Morgan algumas das cartas
publicadas. Dois dias depois Patterson publicou suas conclusões:

“O resultado de uma comparação muito cuidadosa desses documentos


foi o fortalecimento de nossa convicção de que as cartas publicadas
são indubitavelmente genuínas. (...) Posso ainda acrescentar,
(p. 236)
em resposta às muitas perguntas que têm aparecido na imprensa, que
‘toda precaução’ tomada para determinar a genuinidade das cartas
antes da publicação de fato incluiu seu exame pelos melhores
especialistas em caligrafia disponíveis na Índia.” (Patterson)
Os Comentários de HPB sobre as Cartas Publicadas

Em outubro o Conselho da Loja de Londres editou um panfleto sob o


título “O Mais Recente Ataque à Sociedade Teosófica” onde HPB escreveu
alguns comentários sobre 13 das 15 cartas publicadas na edição de setembro.
Para ela apenas uma carta era realmente genuína. Quatro eram cartas com
trechos adicionados ou adulteradas e as restantes eram falsificadas.

Ela chama a atenção para detalhes que evidenciavam as falsificações


como, por exemplo, que jamais trocaria o nome do amigo, N.D. Khandalawala
por “H. Khandalawalla”, nem mencionaria o “Marajá de Lahore”, uma vez que
esse personagem não existe. Também não falaria para a Sra. Coulomb a
respeito de Ragoonath Rao – um dos membros do Conselho de Controle em
Adyar, com quem a Sra. Coulomb se encontrava todos os dias – como se o
estivesse apresentado: “Ragoonath Rao, o Presidente da Sociedade”, mas
usaria apenas o título “Dewan Babadur”. (CW VI, 295-297)

Embora Hodgson tivesse as cartas em seu bolso quando foi conversar


com HPB em Adyar, ele nunca permitiu que ela as examinasse. Para Sinnett,
em agosto de 1885, ela escreve:

“É claro que sem ver as cartas não posso ajudá-lo com nenhuma pista
para o mistério. Eu sei como foi feito, mas uma vez que não posso
prová-lo (...) de que adianta falar nisso? A caligrafia naquele cartão não
era idêntica à minha? Entretanto você sabe que não foi feito por mim.
A letra de Alexis Coulomb é naturalmente parecida com a minha. Todos
nós sabemos como Damodar foi certa vez enganado por uma ordem
escrita na minha caligrafia para subir ao andar de cima e me procurar
em meu quarto em Bombay, quando eu estava em Allahabad. Era um
truque do Coulomb, que pensou que seria um bom divertimento
enganar a
(p. 237)
ele, ‘um chela’ – preparou um disfarce parecido comigo deitado na
minha cama e, tendo surpreendido Damodar – riu dele por três dias.
Infelizmente aquele pedaço de nota não foi preservado. Não pretendia
parecer nenhum fenômeno, mas apenas ser uma ‘boa farsa’ (une
bonne farce) da parte de Coulomb, que preparou muitas. E se ele
podia imitar tão bem minha letra numa nota, por que não poderia ter
copiado (teve 4 anos para estudar e fazer isso) cada fragmento e nota
minha para Mad. Coulomb num papel idêntico e fazer as interpolações
que quisesse? Vi Coulomb copiando uma dessas minhas notas, em sua
mesa, numa cena que me foi mostrada pelo Mestre na luz astral.” (LBS,
115-116)

Lane-Fox e a SPR (setembro/outubro de 1884)

Outra pessoa que influenciou a SPR contra HPB foi o Sr. St. George
Lane-Fox, membro do Conselho de Controle em Adyar. Em 24 de setembro de
1884 ele voltou da Índia para passar o verão na Europa. Logo entrou em
contato com a SPR, da qual era membro, para expor seus pontos de vista com
relação ao que estava acontecendo em Adyar. Massey escreve para Myers,
em 17 de outubro de 1884:
“Tive uma longa conversa esta noite com Lane-Fox e, do que ele disse,
não há dúvidas de que Damodar é muito pouco confiável. L.F. estava
muito ansioso em fazer justiça às boas qualidades de Damodar, mas
deixou claro (em linguagem direta) que ele é um mentiroso, e do relato
geral sobre ele, não tenho dúvidas de que ele tem sido usado. Isso,
para minha mente, é bastante consistente com que ele tenha sido, por
sua vez, enganado, pois ele parece ser um jovem vaidoso e
convencido, usado devido à sua faculdade mediunística, e que lhe
fizeram acreditar que era um favorito dos Mahatmas.
“Lane-Fox diz que Mad. Coulomb fez alguns fenômenos
espúrios, os quais Mad. Blavatsky não teve a ‘coragem moral’ de
impedir! É claro que ele argumentou contra minha visão em geral, mas
seus fatos a apoiam. (...)
“Do relato de Lane-Fox eu inferi que a mentira e a fraude são
abundantes e habituais na Sede. O que mais, realmente, podemos
deduzir dos favores por longo tempo gozados pelos Coulombs? (...)
(p. 238)
“Você faria bem em mostrar essa carta para Sidgwick ou
Hodgson, se algum deles já não estiver a par dos fatos. Mas faça como
quiser.” (Price 1985b, 75)

E no alto da carta também estava escrita a seguinte nota: “Lane-Fox


está voltando quase imediatamente, assim encontrará Hodgson.” (Price
1985b, 76) Sua opinião certamente contribuiu para que Hodgson fosse para a
Índia predisposto contra HPB.

O Memorando Stack (outubro de 1884)

Como já mencionamos, os membros que inicialmente compunham o


comitê da SPR para investigar os fenômenos relacionados a HPB eram
Gurney, Myers, Podmore, Sidgwick e Stack. J. Herbert Stack, um jornalista
amigo de Sinnett, ficou responsável por fazer revisão no relatório preliminar.
Suas anotações com sugestões e comentários são conhecidos como o
“Memorando Stack”.

Na carta para Sidgwick, de 17 de outubro de 1884, que acompanhou


suas anotações, fica bastante claro que ele não estava imparcial, mas sim
propenso a julgar Madame Blavatsky como uma impostora, influenciado pelas
cartas dos Coulomb, pela carta britânica de Massey e pelo caso Kiddle. Seu
receio em tomar uma tal posição publicamente devia-se ao respeito e grande
amizade que tinha por Sinnett. Ele escreve:

“Tentei persuadir Myers e Gurney ontem: receio que meus argumentos


não tenham tido muito efeito: eles ainda estão sob o feitiço de Madame
Blavatsky. (...) Uma das maiores dificuldades de qualquer veredicto
claro ou decisivo na Teosofia surge da relutância que todos nós
sentimos em falar sem rodeios. Por exemplo, se você toca nas cartas
Coulomb você deve, com franqueza, apontar que Madame Blavatsky já
foi pega numa fraude que se parece muito com aquelas que lhes são
atribuídas pelos Coulombs. Ela escreveu à Sra. Billing: ‘Entregue essa
carta para o Sr. Massey de modo fenomênico’. Ela escreveu (ou é
dito que escreveu) para Madame Coulomb: ‘Entregue isso para
Damodar de um modo miraculoso.’ Então devemos ter em mente
que seus próprios amigos e discípulos admitem que ela não é
‘verdadeira’ e ‘confiável’. Depois temos Koot Hoomi condenado não
apenas por plágio, mas
(p. 239)
por uma deliberada ordem de falsificação para se livrar da acusação.
Acrescente os Coulombs, trapaceiros confessos – e teremos a
fundadora da Sociedade, o Mahatma líder e os guardiões do sagrado
‘santuário’, todos maculados.
“Agora, mostrar tudo isso claramente no seu relatório seria
justo, mas doloroso e rude. Não gostaria de escrever um tal relatório
público pois pessoalmente tenho um grande respeito por Sinnett. Mas
se você fala de caráter, você não pode, com justiça, omitir esses fatos.
Minha saída num caso desses seria o silêncio ou uma grande reserva.
“Quanto ao fenômeno favorito deles, a precipitação de cartas,
não há nada tão dentro do alcance de um mágico, e nenhum outro que,
se quisessem, poderia ser tão irrefutavelmente testemunhado por
pessoas de fora. Homens que estão uma vez por semana, ou coisa
assim, enviando por meios ocultos cartas a milhares de milhas de
distância, poderiam certamente enviar uma única vez uma carta
exibindo em seu exterior os carimbos postais de Londres e de Calcutá
do mesmo dia. Eles não farão isso, dizem eles: eles não concederão
tanto. Então, por que todas essas publicações, palestras e esforços
particulares de propaganda? Por que tentar converter o ocidente se
eles estão resolvidos a manter-se envoltos numa dignidade oriental?”
(Price 1985, 11-12)

Stack recomenda que Sidgwick reduza o tamanho do relatório, pois:


“Parecerá que a Teosofia é um assunto sério e importante se denotarmos
a ela um documento tão volumoso.” (Price 1985, 6) Ele também sugere que
um fenômeno claramente a favor de HPB – o tilintar de sinos que havia
ocorrido na presença de dois membros do comitê, Myers e Gurney – fosse
omitido do relatório pois era “um fato muito pequeno para ser registrado de
forma tão elaborada e solene”. Mesmo que essa não fosse uma evidência
forte, deveria ter sido incluída no relatório, se fosse realmente imparcial. (Price
1985, 5-6) As sugestões foram acatadas por Sidgwick que apenas escreveu
no relatório:

“Também se diz ocorrer a produção de sons sem meios físicos, e


alguns desses casos encontram-se nos apêndices, mas esse
fenômeno, mesmo que genuíno, pode possivelmente ser devido a
alucinação auditiva, telepaticamente provocada.” (SPR Report)

(p. 240)
O Relatório Preliminar da SPR (dezembro de 1884)

O comitê de investigação da SPR publicou, em dezembro de 1884, um


relatório preliminar e provisório, que continha 42 apêndices com as descrições
das testemunhas sobre os fenômenos. Era apenas para circulação privada
entre seus membros, por duas razões: a primeira era que algumas
testemunhas, especialmente Damodar e a Sra. “X” (Sra. Billing) poderiam não
gostar das evidências que estavam sendo publicadas.

A segunda razão era que o comitê ainda estava “num estado de


deixar em suspenso o julgamento quanto à genuinidade e à importância
dos fenômenos alegados.” Assim, qualquer opinião dada nesse relatório
deveria ser considerada como provisória e hipotética e não uma conclusão
definitiva. (SPR Report)

Embora o comitê considerasse que, em princípio, as testemunhas


teosóficas eram confiáveis, reconhecia que algum tipo de fraude havia sido
praticado por pessoas ligadas à ST:

“Pois mesmo supondo que seja provado que as cartas que os


Coulombs alegam terem sido escritas por Madame Blavatsky tenham
sido por eles falsificadas, ainda permanecerá como certo que os
próprios Coulombs, que residiram por longo tempo na Sociedade
Teosófica ocupando cargos de confiança, são trapaceiros, e que
Madame Blavatsky, se não sua cúmplice, tem sido pelo menos
enganada por eles, a ponto de, pelo menos, depositar confiança em
pessoas extremamente indignas. Mais ainda, do que é conhecido como
o incidente Kiddle – e algumas outras evidências que nos foram
trazidas privadamente pelo Sr. C.C. Massey – sugerem, pelo menos
para a mente ocidental, que nenhuma precaução pode ser excessiva
ao lidar com evidências desse tipo.” (SPR Report)

Em seguida o comitê conclui não achar possível a afirmação dos


Coulombs de que todos os fenômenos eram realizados por HPB, apenas com
o auxílio deles e de alguns servos indianos, sendo todos os outros teosofistas
enganados. Assim, só havia duas alternativas: ou os fenômenos eram
genuínos, ou outras pessoas de boa posição na sociedade e consideradas de
bom caráter, também haviam tomado parte deliberada na fraude. Decidiram
então investigar as chamadas “projeções do
(p. 241)
duplo ou da forma astral” de pessoas vivas, o transporte ou duplicação de
objetos e a precipitação de cartas, sobre as quais os Coulombs haviam
lançado tantas suspeitas.

Havia testemunhos da ocorrência de projeções astrais de Damodar e


dos Mestres KH e M. Porém, a própria existência física dos Mahatmas já era
um ponto controverso e suas aparições poderiam ser devidas a ilusões ou
alucinações. Do ponto de vista da investigação científica, para estabelecer se
realmente houvera a projeção astral, era preciso primeiro comprovar a
existência física das pessoas e, em segundo lugar, era necessário certificar-
se que a forma aparecendo era o próprio homem real, ou algum outro se
passando por ele, ou se não eram ilusões produzidas por aparatos ópticos, ou
alucinações geradas pela expectativa ou por processos mesméricos.

Assim, se a existência física dos Mestres não fosse comprovada, os


fenômenos de suas aparições não poderiam ser aceitos. O “caso Kiddle” havia
deixado um clima de suspeitas. Além das explicações de KH não terem sido
satisfatórias, deixando dúvidas, o Sr. Kiddle havia publicado um outro artigo
mostrando outros trechos que apresentavam o mesmo problema de um
aparente plágio, sobre os quais KH não havia se manifestado. Assim, o
relatório conclui que as evidências acerca dos “fenômenos teosóficos” eram
de um tipo:

“... particularmente difícil tanto de esclarecer quanto de avaliar. As


pretensões são tão grandes e as linhas de testemunhos convergem e
se fundem de um modo tão surpreendente, que é quase tão difícil dizer
quais declarações devem ser aceitas, quanto o que deve ser inferido
da aceitação de outras declarações. No todo, entretanto (embora com
algumas sérias reservas), parece inegável que há um caso prima
facie, pois pelo menos algumas partes das reivindicações feitas, no
ponto em que se encontram as investigações da SPR, não podem, com
coerência, ser ignoradas. E parece também evidente que uma
verdadeira residência na Índia, por alguns meses, de algum observador
de confiança (...) é quase que um pré-requisito necessário para
qualquer julgamento mais definitivo.” (SPR Report)

(p. 242)
Capítulo 16

Volta para Adyar (novembro de 1884)

No final de setembro de 1884 Franz Hartmann, presidente do Conselho


de Controle da Sede, telegrafou pedindo que Olcott voltasse para Adyar. Ele
partiu em 20 de outubro, de Marselha para Bombay, acompanhado de Rudolf
Gebhard e chegou em Adyar em 15 de novembro. (CW VI, xxxvii) No dia 17
dissolveu o Conselho de Controle e reassumiu suas funções administrativas.

Em 31 de outubro HPB partiu de Londres para a Índia, via Egito,


acompanhada de Isabel Cooper-Oakley e seu marido A.J. Oskley. Um dia
antes, Charles Webster Leadbeater (CWL) foi visitá-la em Londres e lhe falou
de seu grande desejo de ser um discípulo do Mestre KH. Ele havia até mesmo
escrito uma carta ao Mestre, mas não obtivera resposta. HPB lhe disse que a
resposta chegaria no dia seguinte em sua casa, o que de fato aconteceu. Entre
outras questões, Mestre KH lhe explicava que aceitar alguém como um chela
(discípulo) não dependia de sua vontade pessoal, mas que:

“Isso só pode ser o resultado de méritos e esforços nessa direção.


Force qualquer um dos ‘Mestres’ que você possa ter escolhido; faça
bons trabalhos em seu nome e por amor à humanidade; seja puro e
resoluto no caminho da retidão (como estabelecido em nossas regras);
seja honesto e altruísta; esqueça seu Eu para lembrar apenas do bem
de outras pessoas – e você terá forçado aquele ‘Mestre’ a aceitá-lo.”
(Jinarajadasa 1941, 12)

Advertiu-lhe que como sacerdote da Igreja Cristã ele compartilhava do


carma desse grupo, inclusive quanto aos ataques que a ST sofria na época.
Sugeriu-lhe que fosse para Adyar por alguns meses e predisse que isso seria
um sacrifício, mas que somente sacrifícios poderiam encurtar seus anos de
provação. Mas quanto ao que Leadbeater deveria fazer a seguir, ele escreve:

“Se eu fosse exigir que você fizesse uma ou outra coisa, ao invés de
simplesmente aconselhá-lo, seria responsável por cada efeito que
pudesse brotar desse passo e você adquiriria apenas um mérito
secundário. (...) O discipulado é um estágio tanto educacional quanto
probacionário (...). Chelas com uma ideia errada de nosso
(p. 243)
sistema muito freqüentemente ficam na expectativa e esperam por
ordens, desperdiçando um tempo precioso que deveria ser utilizado
com esforço pessoal. Nossa causa necessita missionários, devotos,
agentes, talvez até mesmo mártires. Mas ela não pode exigir de
nenhum homem que ele se torne qualquer dessas coisas.”
(Jinarajadasa 1941, 13)

Em Questões Ocultas, Ouvir É Obedecer

Leadbeater correu de volta a Londres para que HPB transmitisse sua


resposta: – estava pronto para dedicar sua vida ao serviço do Mestre. Ela lhe
pediu que aguardasse, sem sair de perto dela. Após a meia noite, em meio a
uma animada conversa com os presentes, HPB subitamente fez um
movimento brusco com a mão direita e os presentes viram “bastante
claramente um tipo de névoa esbranquiçada formar-se na palma de sua
mão e então se condensar num pedaço de papel dobrado, que ela logo
me passou dizendo: ‘Eis aqui sua resposta’.” (Leadbeater, 53) A nota dizia:

“Uma vez que sua intuição o conduziu na direção certa e o fez


compreender que era meu desejo que fosse para Adyar imediatamente,
eu posso dizer mais. Quanto antes você for, melhor. Não perca nenhum
dia a mais do que o necessário. Embarque dia 5, se possível. Junte-se
a Upasika em Alexandria. (...) Saudações, meu novo chela.”
(Jinarajadasa 1941, 52)

É interessante notarmos a diferença de tratamento do Mestre entre a


primeira e a segunda mensagem recebida por Leadbeater. Enquanto na
primeira o Mestre diz que não poderia exigir que ele fizesse isso ou aquilo,
mas apenas poderia aconselhá-lo, na segunda, tendo-o recebido como chela,
passa a lhe dar orientações específicas, as quais CWL apressou-se em
cumprir, pois como ele mesmo dizia: “Em questões ocultas ouvir é
obedecer.” (Leadbeater, 53). Jinarajadasa comenta sobre isso:

“Veremos, na segunda carta do Mestre, quando o Sr. Leadbeater


decidiu sobre o rumo de suas ações e o Mestre o aceitou como um
chela, que o Mestre então de fato especifica quais são as ações que
ele requer de seu novo chela. Certamente um Mestre dá orientações a
um discípulo e, às vezes, como veremos na segunda
(p. 244)
carta recebida pelo Sr. Leadbeater, orientações muito precisas.”
(Jinarajadasa 1941, 41-43)

Há outros exemplos de orientações específicas na literatura. Numa


carta escrita para um discípulo em provação o Mestre prescreve, em detalhes,
o comportamento a ser adotado e lhe diz que em caso de desobediência de
suas ordens deixaria de ser seu discípulo. Vejamos o trecho:

“Os adúlteros destilam um aura venenosa que inflama toda paixão ruim
e enlouquece seus ardentes desejos. O único caminho para o sucesso
é a separação absoluta: não permitirei nem um encontro, uma olhada
à distância, uma palavra ou carta. No momento em que quebrar
qualquer uma dessas uma dessas ordens você terá deixado de ser meu
chela.” (LMW 2nd Series, 151)

Podemos constatar que quanto mais profunda se torna a ligação entre


Mestre e discípulo, isto é, quanto mais o discípulo avança no Caminho, mais
usuais se tornam as ordens. Para HPB, uma discípula mais avançada, as
ordens eram tão frequentes que ela afirmava sobre seu Mestre: “Ele sabe que
eu sou apenas uma ESCRAVA e que Ele tem o direito de me ordenar a
respeito de qualquer coisa sem consultar meu gosto ou desejo.” (LBS,
13) E exatamente por estar sempre obedecendo ordens, diz ela, é que as
pessoas pensavam que ela estava sempre mudando de ideia:

“Ordens não são brincadeira, assim eu obedeço, e não posso fazer


nada melhor que isso. (...) Tudo depende dos caprichos de meu Patrão;
(...) Você pensa que nunca sou capaz de me decidir; você está me
considerando como quase insana. E o que posso fazer? Como posso
dizer que vou para lá ou para outro lugar quando, na undécima hora,
Ele geralmente faz uma aparição e muda todos os meus planos”. (LBS,
10)

“... é por eu confiar cegamente Nele, mesmo quando não entendo Sua
política e quando para todos os fins e propósitos Ele é o primeiro a me
sacrificar e a permitir que as coisas mais cruéis aconteçam comigo, que
eu sou o que sou: na visão dos cegos apenas uma velha mulher
caprichosa e ‘lamuriosa’, mas aos olhos daqueles ‘que sabem’, sempre
uma Upasika agindo sob ‘ordens’ e, por isso, sempre tão pouco
constante.” (HPB to Judge, 2)

(p. 245)
C.W. Leadbeater Encontra-se com HPB no Cairo

Leadbeater conseguiu arrumar suas coisas e encontrar-se com HPB


em Porto Said. Lá chegando ela o recebeu dizendo: “Bem, Leadbeater, então
você realmente veio, apesar de todas as dificuldades.” Ao lhe responder
que sempre fazia questão de honrar com suas promessas, ela apenas
retrucou: “Melhor para você.” CWL sentiu que HPB estava satisfeita com sua
presença, pois estava voltando com um sacerdote cristão, que havia
abandonado sua posição para se tornar seu seguidor fervoroso, num momento
em que era atacada por missionários cristãos. (Leadbeater, 57)

HPB, CWL e o casal Oakley foram para um hotel em Porto Said, onde
esperavam aguardar tranquilamente a chegada de um novo vapor. Porém,
quando se preparavam para dormir, HPB:

“... teve um daqueles súbitos lampejos de inspiração que tão


frequentemente lhe vinham do lado interno das coisas. Ela geralmente
os atribuía a um ou outro daqueles a quem chamava de os Irmãos –
um termo sob o qual ela incluía não apenas alguns dos Mestres, mas
também vários de Seus discípulos. Nesse caso a orientação que ela
recebeu perturbou completamente todos os nossos planos, pois ela foi
instruída que, ao invés de esperarmos calmamente por nosso vapor,
devíamos ir imediatamente para o Cairo”. (Leadbeater, 58)

Naquela época não havia trens de Porto Said para o Cairo e a única
forma de lá chegar era descer pelo canal de Suez até Ismailia, onde havia um
trem para a capital. À meia noite eles embarcaram no único transporte
disponível: um pequeno, sujo e desconfortável vapor que mais parecia um
rebocador. A descrição que Leadbeater faz desse trajeto nos oferece um
vislumbre das dificuldades que HPB e seus companheiros passavam em suas
viagens.
Na popa do vapor ficava uma pequena cabana de cerca de 10 m2 que
era chamada de cabine geral. E junto dela, nos fundos, havia um
compartimento sem janelas, denominado “quarto das senhoras”, onde HPB
acomodou-se. O Sr. Oakley, exausto e algo aborrecido pela súbita alteração
dos planos, jogou-se num duro assento de madeira num canto, enquanto
Leadbeater e a Sra. Oakley, considerando o enorme exército de baratas que
tomava conta de ambas as peças, preferiram passar a
(p. 246)
noite andando – limitados pelo espaço de seis passos para cada lado do
convés – e parando ocasionalmente para olhar o Sr. Oakley que “dormia
calmamente, embora absolutamente coberto pelas repugnantes criaturas
já mencionadas – e outras.” (Leadbeater, 60)

Subitamente a monotonia da noite foi quebrada por gritos de dar pena,


vindos do “quarto das senhoras”. A Sra. Oakley correu para lá corajosamente
“enfrentando o flagelo dos insetos com apenas um estremecimento
momentâneo; mas ela encontrou Madame Blavatsky muito doente e em
grande dor e veementemente exigindo instalações sanitárias que,
naquele pequeno e esquálido rebocador, simplesmente não existiam.”
(Leadbeater, 60) Após convencer o capitão a esperá-los um pouco na próxima
parada, Leadbeater e o Sr. Oakley tiveram que carregar HPB – que na época
pesava 111 kg – até a terra, por uma estreita tábua de talvez 30 cm de largura:

“Vocês podem imaginar que foi um trabalho nervoso, e a linguagem de


Madame Blavatsky na ocasião se distinguia mais pela força do que pela
suavidade. Mas de um jeito ou de outro o feito foi realizado; nós a
levamos a salvo para terra, e de novo bordo um pouco depois – o que
foi uma façanha ainda mais séria, devido à pronunciada inclinação para
cima da tábua. Ela foi devolvida ao seu cubículo e a heroica Sra. Oakley
sentou-se ao seu lado até que ela caísse no sono. Acredito que o Sr.
Oakley foi dormir novamente; mas sua esposa, assim que pode deixar
nossa líder, veio e caminhou comigo pelo convés até que no pálido
dourado da manhã egípcia atracamos no cais em Ismailia.”
(Leadbeater, 61)

Após passar algumas horas em Ismailia, onde ocorreram outras


confusões, o grupo partiu para o Cairo. Depois da terrível noite HPB não estava
no melhor de seus humores e, já no trem, começou a discursar sobre as
dificuldades que os europeus enfrentavam no caminho do Ocultismo, fazendo
prognósticos terríveis do que eles ainda teriam que passar. Seus ouvintes, por
reverência, não ousavam mudar de assunto. CWL descreve: “o Sr. Oakley
sentava-se em frente a ela, com a expressão resignada de um primitivo
mártir cristão; enquanto a Sra. Oakley, soluçando profusamente com
crescente horror no rosto, sentava-se à minha freten. Quanto a mim, tinha
uma espécie de sentimento como de colocar um guarda-chuva contra
uma forte chuva”. (Leadbeater, 63)

(p. 247)
Foi então que eles viram uma espécie de bola de névoa branca se
formando num buraco do teto e se condensando num pedaço de papel
dobrado que caiu no chão do compartimento do trem. Leadbeater pegou-o e
entregou-o a HPB. Ao lê-lo ela ficou com a face vermelha e disse: “Umph!
Isso é o que ganho por tentar lhes avisar sobre os problemas que estão
à frente de vocês!” e passou o papel para CWL, que lhe perguntou se poderia
lê-lo. Ela respondeu: “Por que você pensa que lhe dei?”
Lendo-o, descobriu tratar-se de uma nota do Mestre KH sugerindo, de
um modo gentil, porém firme, que era uma pena que ela, tendo consigo
candidatos tão sérios e entusiastas, “lhes desse uma visão tão sombria de
um caminho que, por mais difícil que pudesse ser, estava destinado a
conduzi-los finalmente a uma alegria indizível. E a mensagem concluía
com algumas palavras de gentis elogios endereçados nominalmente a
cada um de nós.” (Leadbeater, 65)

Chegando ao Cairo dirigiram-se ao Hotel Shepeard. HPB sentou-se em


cima das numerosas bagagens, no meio do salão, enquanto o Sr. Oakley
lutava para passar pelas 30 ou 40 pessoas que se apinhavam no saguão de
entrada, para conseguir quartos. Ele mal havia conseguido as acomodações
quando HPB saltou de cima das bagagens e começou a chamá-lo
excitadamente dizendo que iriam para o Hotel d’Orient, onde os Coulomb
trabalharam, pois lá conseguiriam provas contra eles, e: “É claro que isso
causou a costumeira confusão; o pobre Sr. Oakley teve que voltar e
cancelar os quartos que havia contratado”. (Leadbeater, 67)

Método Drástico e Desagradável, Mas Muito Eficaz

É interessante o depoimento de Leadbeater com relação ao efeito


produzido por essas primeiras semanas com HPB onde o inesperado e o não
usual – muitas vezes expondo-os a confusões, dificuldades e ao ridículo –
eram coisas mais frequentes do que o normal, ou do que se poderia esperar
dentro de padrões convencionais. Eram por vezes situações tão difíceis que
CWL comenta:

“Tenho algumas vezes imaginado, contudo, quantos dos atuais


membros seriam capazes de suportar o treinamento algo severo, mas
notavelmente eficaz, a que ela submetia seus discípulos; posso
testemunhar certas mudanças radicais que seus métodos drásticos
(p. 248)
produziram em mim num espaço de tempo muito curto – e também o
fato de que elas tem sido permanentes!” (Leadbeater, 76)

Naturalmente, é um equívoco atribuir esses métodos não usuais


apenas ao estilo de HPB, pois estaríamos desprezando o fato de que sua
ligação e estrita obediência aos Mestres dominavam amplamente o curso de
suas ações, não raro nos mínimos detalhes. Portanto, são os métodos de
treinamento Deles que são “não usuais”. Leadbeater relata que quando
conheceu HPB era apenas um sacerdote comum, bem intencionado e
consciencioso, mas muito tímido e retraído e, como quase todo inglês
mediano, com horror a estar em qualquer posição ridícula:

“Após umas poucas semanas de seu tratamento alcancei estágio em


que estava absolutamente acostumado ao ridículo e não ligava a
mínima para o que qualquer pessoa pensasse de mim. Digo isso de
uma forma bem literal; não é que houvesse aprendido a suportar a
desaprovação estoicamente apesar da interna, mas que realmente eu
não ligava para o que as pessoas pensavam ou diziam de mim. Admito
que seus métodos eram drásticos e indubitavelmente desagradáveis
na época, mas não há dúvidas quanto à sua eficácia.” (Leadbeater, 76)
O grupo ficou alguns dias no Cairo, onde foram a várias recepções.
HPB jantou com o primeiro-ministro do Egito e foi a uma recepção do vice-rei.
Ela estava bastante esperançosa com as informações obtidas sobre os
Coulombs. O Sr. Oakley ficou no Egito para conseguir mais alguns registros
policiais sobre eles. De Suez, HPB enviou um telegrama para Olcott dizendo:
“COMPLETO SUCESSO. PROSCRITOS. PROVAS LEGAIS. ZARPO
COLOMBO. NAVARINO.” Para sua irmã, antes da partida, ela escreveu sobre
suas expectativas:

“O correspondente do Daily Telegraph veio pessoalmente me


entrevistar e pediu minha permissão para deixar seus leitores saberem
sobre minhas descobertas com relação aos antecedentes do Sr. e da
Sra. Coulomb, e sobre meus próprios ‘movimentos’. Nos telegramas,
como você vê, eles são tratados como sendo ‘chantagistas’ e ‘falidos
fraudulentos’, se escondendo de várias ordres d’arret [mandados de
prisão]. (...)
“Bem, agora estou partindo para Madras para lutar com os
missionários pseudo cristãos. Seja feita a vontade de Deus (...). Adeus
minha querida, meus amados: talvez para sempre, mas até
(p. 249)
mesmo isso não importaria. A felicidade não é para ser ganha na terra.
Aqui temos apenas o escuro hall de entrada, e somente abrindo a porta
para o local onde verdadeiramente se vive, para a sala de estar da vida,
onde poderemos ver a luz. Seja no Céu, no Nirvana, no Swarga, é tudo
a mesma coisa: o nome não importa. Mas quanto ao Princípio divino,
ele é Um, e há apenas uma Luz, por mais diferentes que sejam as
maneiras que ela possa ser compreendida pelas várias escuridões
terrenas. Esperemos pacientemente pelo dia de nosso real, nosso
melhor nascimento. Sua, até aquele dia, até o Nirvana e para sempre.”
(Letters of H.P. Blavatsky, VIII)

Em 17 de dezembro de 1884 HPB e seus companheiros chegaram ao


Ceilão, onde se encontraram com Olcott e Hartmann. A chegada foi marcada
por uma recepção tumultuada, com a presença membros da ST e centenas de
estudantes que foram recebê-la no porto com guirlandas de flores e a
escoltaram em procissão até o salão onde se encontravam seus
simpatizantes.

Olcott descreve que quando HPB entrou no salão, eles se inclinavam


a seus pés e gritavam vivas à medida que ela caminhava até a plataforma.
Seus olhos estavam cheios de luz e quase derramavam lágrimas de alegria.
Para os estudantes e indianos em geral, ela representava o renascimento de
sua própria religião, a antiga crença nos poderes da Ioga e na existência dos
Mahatmas. (Murphet 1972, 196)

Durante essa estadia no Ceilão, Leadbeater passou pela cerimônia


pública de aceitação do Budismo, celebrada por Sumangala. O fato causou
grande impacto, pois era “uma visão até então raramente vista, de um
ministro cristão sentando aos pés dos sacerdotes seguidores de
Buddha, vestidos com mantas amarelos, e solenemente repetindo após
eles: ‘Eu tomo meu refúgio em Buddha! Eu tomo meu refúgio na Lei! Eu
tomo meu refúgio na ordem!’” (Perera)

HPB É Impedida de Processar os Coulombs (dezembro de 1884)


Uma grande multidão recebeu HPB no cais de Madras com flores e
manifestações de apoio e de lá foram para um salão onde várias pessoas
discursaram em sua homenagem. Animada com as provas obtidas
(p. 250)
no Cairo, Madame Blavatsky estava decidida a processar os Coulombs.

As duas calorosas recepções devem ter auxiliado HPB a enfrentar os


duros dias que se seguiram. Pois, logo que chegou a Adyar, ela e Olcott se
desentenderam. Ela queria ir à justiça contra os Coulombs, mas ele não
concordava. Olcott achava que essas provas não eram suficientes e sua
experiência como advogado prático lhe dizia que não tinham chances de
ganhar. Assim, apesar de HPB insistir para que arrumasse um advogado, ele
se recusava. Como ela continuava a insistir, Olcott ameaçou renunciar a seu
cargo e os dois acabaram concordando em deixar a decisão de entrar ou não
na justiça contra os Coulombs nas mãos de um comitê formado por advogados
e juízes, selecionados entre os delegados da Convenção da ST de fins de
1884, que começaria em poucos dias. (ODL III, 197-198)

Muitos membros, especialmente os orientais, não podiam aceitar que


assuntos sagrados como a existência dos Mestres fossem tratados numa corte
de justiça. Para eles, era melhor que HPB fosse sacrificada do os nomes dos
Mestres profanados. Além disso, as cortes de justiça eram formadas por anglo-
indianos que, de um modo geral, alimentavam forte preconceito contra o
trabalho da ST. Olcott, conhecendo o temperamento extremamente excitável
de HPB, também temia vê-la dependo como testemunha. Após discussões, o
comitê decidiu:

“Que as cartas publicadas no Christian College Magazine sob o título


de ‘O Colapso de Koot Hoomi’ são apenas um pretexto para injuriar a
causa da Teosofia. E como essas cartas necessariamente parecem ser
absurdas para aqueles que estão familiarizados com nossa filosofia e
com os fatos, e como aqueles que não estão familiarizados com
aqueles fatos não poderiam ter suas opiniões alteradas mesmo por um
veredicto judicial dado a favor de Madame Blavatsky, assim sendo, é a
opinião unânime desse Comitê que Madame Blavatsky não deve
processar seus difamadores numa Corte de Justiça.” (TS Report)

Madame Blavatsky ficou muito contrariada e desapontada com a


decisão. Para ela “a lealdade e a coragem das Autoridades de Adyar, e
dos poucos europeus que tinham confiado nos Mestres, não se
mostraram à altura da provação quando ela veio.” (CW XII, 162)

(p. 251)
Richard Hodgson em Adyar

Richard Hodgson Jr., mais tarde conhecido “como ‘um dos maiores,
senão o maior pesquisador de fenômenos psíquicos’ entre os
fundadores da moderna parapsicologia” (Eek 1978, 613), nasceu na
Austrália, em 24 de setembro de 1855. Formou-se em Direito na universidade
de Melbourne, em 1871, e foi para Cambridge, onde se bacharelou em
Ciências Morais. Foi aluno Henry Sidgwick e aparece como um membro da
Society for Psychical Research desde sua fundação. (Eek 1978, 613)
Em abril de 1884 Hodgson ganhou prestígio como sendo o primeiro
investigador a desmascarar um caso encaminhado para análise da SPR, o de
uma jovem analfabeta que simulava clarividência.

No início de maio a SPR formou o comitê para análise dos fenômenos


relacionados com HPB e a ST. Em dezembro, quando o relatório preliminar do
comitê foi publicado, a Sra. Sidgwick e Hodgson também integraram o comitê.
Hodgson, com o prestígio recém adquirido por sua revelação de fraude e
também por sua relação de amizade com Sidgwick, foi selecionado para as
investigações na Índia. É interessante observarmos que a composição desse
comitê estava longe de ser imparcial, pois:

“A maioria era de Cambridge, intimamente relacionada. Myers e


Gurney haviam sido ambos alunos de Sidgwick. Isso provavelmente
explica porque eles agiram de um modo tão passivo, permitindo que
seus próprios testemunhos fossem cancelados sob sua orientação; (...)
Um comitê composto por um homem, sua esposa e dois de seus alunos
mal se poderia dizer que consiste de pessoas independentes. Um júri
assim constituído nunca seria tolerado. Se suas origens tivessem sido
mais heterogêneas, teria havido uma maior probabilidade de que pelo
menos um se posicionasse contra os outros e dissesse: Eu tenho uma
opinião diferente.” (Fuller, 174)

Desaparecimento do Santuário

Ao chegar em Madras, em 18 de dezembro de 1884, Richard Hodgson


quis examinar o santuário e o quarto oculto. Entretanto, Damodar, que agora
era o responsável pelas chaves do quarto, não deixou
(p. 252)
que ele lá entrasse, uma vez que tanto Madame Blavatsky, quanto Olcott e
Hartmann estavam no Ceilão.

Lembremo-nos que os Coulombs acusavam HPB de forjar fenômenos,


especialmente aqueles relacionados com o santuário – local onde eram
colocadas mensagens para serem enviadas aos Mestres e onde as respostas
eram encontradas materializadas. O santuário era uma pequeno armário,
pendurado numa fina parede de tijolos que separava o quarto oculto do
dormitório de HPB. O Sr. Coulomb atestou para Hodgson que ele tinha
removido o santuário:

“... logo após ter sido originalmente pendurado na parede, serrou o


painel central em dois e colou um pedaço de couro atrás, de modo que
a parte de cima pudesse ser facilmente levantada. Atrás desse painel
deslizante foi feito um buraco na parede.” (Hodgson)

Coulomb disse também que em novembro de 1883, eles construíram


uma outra fina parede de tijolos para bloquear o acesso do dormitório, paralela
à parede onde o santuário estava pendurado, ficando um espaço vazio de
cerca de 30 cm entre as paredes do dormitório e do quarto oculto. Logo depois
haviam encostado na parede do dormitório uma cômoda, de uns 91 cm de
altura e 86 cm de largura e, nesse ponto da parede:

“... o Sr. Coulomb afirma que os tijolos foram retirados, de modo que
havia uma comunicação através da cômoda (no fundo da qual o Sr.
Coulomb fez uma abertura com dobradiças) com o espaço vazio, e daí,
através do buraco na parede de trás, com o santuário.” (Hodgson)

Alexis Coulomb também afirmava que pouco antes de HPB viajar para
a Europa o fundo do santuário fora substituído por uma peça inteira e o buraco
na parede tampado, pois ela receava “que algum exame pudesse ser feito
no santuário durante sua ausência.” (Hodgson)

Diferentemente do testemunho de Coulomb, W.Q. Judge relata que,


quando o Comitê de Controle da Sede conseguiu entrar nos aposentos de
HPB, eles descobriram um buraco inacabado na parede entre o dormitório e o
quarto oculto. O buraco era tão novo que ainda havia restos de reboco e pontas
de ripas de madeira pelo chão. No dormitório, havia sido colocado um armário
com um painel como fundo falso, cobrindo o buraco na parede:

(p. 253)
“Mas o painel era novo demais para funcionar bem e tinha que ser
violentamente golpeado para poder ser aberto. Tudo estava mal
planejado, sem lubrificação e não estava bem lixado. Ele havia sido
mandado embora antes de ter tido tempo de terminar.” (Cranston, 269)

Quando HPB e Olcott chegaram de viagem, Hodgson logo quis saber


onde estava o santuário. Soube então que ele havia desaparecido! Damodar
relatou que o levara para seu quarto ao meio-dia de 20 de setembro, mas que
na manhã seguinte o santuário havia sumido!

Escrevendo para Judge, em maio de 1885, HPB relata que Hartmann,


inicialmente, havia declarado a Hodgson que o santuário havia sido roubado
do quarto de Damodar, até mesmo lhe mostrando marcas de pés e mãos nas
paredes sob a janela de Damodar. E ainda sugerira que quando fosse
conversar com os Coulombs tentasse ver se o santuário não estava escondido
por lá.

Depois, quando Hodgson já estava claramente contra HPB, Hartmann


e Hume inventaram uma teoria de que havia sido HPB quem havia ordenado
a seu servo Babula, que voltara antes dela da Europa, a “desaparecer com
o santuário comprometedor.” (HPB to Judge, 2) Hodgson já havia aceito
essa versão contra HPB, quando Hartmann:

“... que já havia confessado para a Sra. Oakley que havia sido ele quem
tinha queimado o santuário, ficou com medo e levando Hodgson para
seu quarto lhe mostrou as duas portas de veludo sob seu colchão, onde
as escondera por meses, dizendo que as tinha queimado porque o
santuário havia sido profanado. Ele disse a Hodgson que você [Judge],
ele e Bowajee é que tinham queimado o santuário. Bowajee o nega, e
diz que você entenderá o que isso significa.” (HPB to Judge, 2)

Naturalmente, com essas sucessivas e contraditórias versões, a


credibilidade de Hartmann ficou bastante abalada, bem como a credibilidade
do panfleto que ele havia escrito em defesa de HPB. Como escreveu Madame
Blavatsky para Judge, essas atitudes de Hartmann fizeram com que ele fosse:
“proclamado por Hodgson o maior dos mentirosos e alguém que havia
evidentemente me ajudado em minha fraude!!” (HPB to Judge, 2)
A situação ficou ainda mais complicada porque, além do santuário ter
desaparecido, o próprio quarto oculto também havia sido modificado.
(p. 254)
Logo após chegar em Adyar, em novembro de 1884, Olcott resolvera fazer
uma reforma no quarto oculto. Certamente, os dois fatos contribuíram para
criar mais suspeitas sobre possíveis fraudes nos fenômenos. Damodar
escreve numa circular aos membros, em 9 de janeiro de 1885:

“O Quarto Oculto e o Santuário – onde os quadros de dois Mestres


eram mantidos e onde tantos fenômenos ocultos ocorreram em
presença de testemunhas incontestáveis – foram tão profanados pelos
truques dos Coulombs durante a ausência de Madame Blavatsky na
Europa, que o Presidente demoliu o quarto e o reconstruiu.” (Eek 1978,
512)

Durante a convenção de dezembro de 1884 Hodgson pôde conviver e


conversar livremente com os participantes. HPB escreveu para Sinnett:

“Hodgson veio para Adyar; foi recebido como um amigo; examinou e


interrogou minuciosa e rigorosamente todos que ele quis; (...) Pergunte
a ele – alguma vez ele me confrontou com meus acusadores? Alguma
vez ele tentou saber alguma coisa de mim, ou me deu uma chance de
defesa ou explicação? NUNCA. Desde o primeiro dia ele agiu como se
tivesse sido provada minha culpa sem qualquer sombra de dúvida.
Ele fez o papel de traidor comigo; e não agiu como qualquer
investigador honesto teria feito, mas como um promotor público”.
(LBS, 100)

No início de janeiro de1885 Hodgson tomou o depoimento de HPB e


no dia seguinte foi conversar com os Coulomb. Embora Hodgson carregasse
as cartas consigo enquanto se hospedava em Adyar durante a convenção e
quando foi examiná-la, HPB escreve que:

“Ele nunca me permitiu ver as cartas; nunca me pediu para


explicá-las. Até o dia de hoje, nunca vi a cor de alguma dessas
cartas ‘incriminatórias’. E isso é chamado de pesquisa científica, feita
de um modo imparcial!” (CW VII, 337)

(p. 255)
Capítulo 17

Mestre M. Arrebata HPB das Garras da Morte

Com todos esses problemas HPB caiu gravemente enferma. Olcott e


Leadbeater haviam viajado em 14 de janeiro para a Birmânia a convite do rei
Theebaw III, para conversar sobre o trabalho em prol do Budismo. (ODL III,
208). Em 28 de janeiro Olcott recebeu um telegrama de Damodar que dizia:
“Volte imediatamente. Upasika (HPB) perigosamente doente.” (ODL III,
215) Ele embarcou no dia seguinte, sentindo o coração pesado pela
possibilidade de encontrá-la morta ao voltar. Escreveu em seu diário:

“Minha pobre colega terá terminado sua vida de aventuras, angústia,


violentos contrastes e inabalável devoção à humanidade? Ai de mim,
minha perda será maior do que se você tivesse sido esposa, namorada
ou irmã; pois agora terei que carregar sozinho o imenso fardo dessa
responsabilidade que os Seres Sagrados nos encarregaram.” (ODL III,
216)

Ao chegar em Adyar no dia 5 de fevereiro, Olcott encontrou-a entre a


vida e a morte, com congestão dos rins, gota reumática e uma alarmante perda
de vitalidade. Além disso, o coração também estava enfraquecido. Sua alegria
ao vê-lo era tão grande que ela “colocou seus braços à volta de meu pescoço,
quando cheguei ao lado de sua cama, e chorou em meu peito. Eu estava
indizivelmente feliz de estar lá para, pelo menos, me despedir e lhe assegurar
de minha inabalável lealdade.” (ODL III, 216)

Seus médicos disseram que era um milagre que ela não tivesse
morrido. Como Olcott escreve para Srta. Arundale, isso só ocorreu porque:

Nosso Mestre novamente arrebatou HPB das garras da morte. Poucos


dias atrás ela estava morrendo e eu fui chamado da Birmânia por telegrama,
com quase nenhuma perspectiva de vê-la novamente. Mas quando três
médicos estavam esperando que ela mergulhasse no coma e assim, sem
sentidos, saísse da vida, Ele veio, colocou sua mão sobre ela, e todo o aspecto
do caso mudou.” (Caldwell 1991, 206)

(p. 256)
Isabel Cooper-Oakley ficara cuidando de HPB, numa crescente
ansiedade e preocupação à medida que ela piorava. Ela relata que mesmo
com HPB aparentemente a ponto de morrer, sentia-se sempre segura. Para
ela:

“Isso prova quão maravilhosa era a influência protetora de HPB, doente


ou sã; pois embora eu estivesse completamente sozinha com ela noite
após noite vaguei para cima e baixo [do terraço no topo do prédio], para
respirar o ar entre 3 e 4 horas da manhã, e me perguntava, enquanto
olhava a luz do dia romper sobre a baía de Bengala, por que eu me
sentia tão sem medo, mesmo com ela deitada aparentemente a ponto
de morrer. Eu nunca pude imaginar um sentimento de medo surgindo
perto de HPB. Finalmente veio a angustiosa noite quando os médicos
a desenganaram e disseram que nada poderia ser feito (...) ela estava
em coma (...) os médicos disseram que ela morreria nesse estado e eu
sabia que, humanamente falando, essa seria a última noite de vigília.
Não posso aqui entrar em detalhes do que aconteceu mas –perto das
8h da manhã HPB subitamente abriu os olhos e pediu seu café, a
primeira vez que ela falava naturalmente por dois dias. Fui procurar o
médico, cujo assombro pela mudança era muito grande. HPB disse:
‘Ah! Doutor, você não acredita em nossos grandes Mestres.’ Daí por
diante ela melhorou continuamente.” (Some of Her Pupils, 17)

Mas Madame Blavatsky escreve para Sinnett em 17 de março de 1885


que embora ela tenha sido curada, ainda tinha sérios problemas físicos:

“... apesar dos médicos (que proclamaram meus quatro dias de agonia
e a impossibilidade de minha recuperação) eu subitamente melhorei,
graças à mão protetora do Mestre. Carrego em mim duas doenças
mortais que não estão curadas – coração e rins. A qualquer momento
o primeiro pode ter ruptura e o último pode me levar embora em poucos
dias. Eu não verei mais um ano. E tudo isso é devido a cinco de anos
de constante angústia, preocupação e emoção reprimida.” (MLcr., 444)

(p. 257)
Hodgson e a Teoria da Espiã Russa (março de 1885)

Pouco antes de retornar para a Inglaterra, Hodgson já estava


convencido de que HPB havia realmente escrito as cartas publicadas pelos
missionários. Madame Blavatsky reclamava que Hodgson estava conduzindo
as investigações de modo tendencioso. Ela escreve para Sinnett:

“Eu, junto com mil outros teosofistas, protestamos contra a maneira e


forma como as investigações são realizadas pelo Sr. Hodgson. Ele
interroga apenas nossos maiores inimigos – ladrões como Hurrychund
Chintamon (...) e tendo ele lhe mostrado algumas novas cartas (!! eu
devo ter escrito milhares!) recebidas por ele, como garante a Hodgson,
há 7 anos atrás da América. Hodgson copia alguns parágrafos dessas
cartas, que ele acredita serem os mais prejudiciais, e constrói sobre
isso uma teoria de que sou uma espiã russa, além de ser uma
impostora e de enganar Olcott desde o início.” (LBS, 75)

Hodgson afirmou ao Sr. Oakley que havia visto, numa carta de HPB
para Chintamon, uma frase onde ela lhe pedia: “Encontre-me alguns
membros que não sejam leais, mas desleais” ao governo anglo-hindu.
(LBS, 76) Para ele era uma evidência de que ela era contra o governo. HPB
diz que sempre trabalhou para conciliar os hindus com os ingleses e, se foi ela
que escreveu essas palavras, as escreveu em algum tipo de brincadeira. Ela
lembrava que certa vez Chintamon lhe havia perguntado sobre o governo
russo, se ele era tão cruel quanto o inglês com os povos que conquistava, ao
que ela teria respondido:

“Possam os céus protegê-los e salvá-los do governo russo. É


melhor para cada hindu afogar-se imediatamente do que estar
algum dia sob o governo russo, ou palavras nesse sentido – mas
lembro-me perfeitamente do espírito com que as escrevi. E ainda assim
por causa dessa carta e de um certo papel que me foi roubado por
Madame Coulomb e que os missionários mostraram para ele, um papel
total ou parcialmente escrito numa escrita cifrada, diz ele, o Sr.
Hodgson tem publicamente me proclamado espiã russa.”(LBS, 76)

HPB explica que esse papel só poderia ser um de seus manuscritos


em Senzar, a linguagem secreta utilizada pelos Iniciados. Os Coulombs
(p. 258)
haviam roubado de sua mesa um papel de aparência suspeita, que entregaram
aos missionários garantindo-lhes que era um código usado por espiões russos.
Esses levaram “a prova” para a polícia, que a mandou para análise em Calcutá,
onde por cinco meses os melhores especialistas tentaram descobrir o que
significava, sem resultados. (LBS, 76) Alguns, como Hume, achavam que esse
papel tinha apenas tolices, coisas sem importância. HPB explica:

“É um de meus manuscritos em Senzar. Tenho plena convicção disso,


pois uma das folhas de meu caderno com páginas numeradas está
faltando. Se for isso, eu desafio qualquer um que não um ocultista
tibetano a decifrá-lo. De qualquer modo, os missionários fizeram o
melhor que podiam para provar que eu era uma espiã russa, e falharam
– enquanto que o Sr. Hodgson me proclamou como tal publicamente.
“Será isso justo, ou nobre, ou honesto? Por favor, pergunte ao
Sr. Myers. E agora, pela teoria do Sr. Hume de que não há Mahatmas,
toda a Sede está comprometida. Nós somos todos impostores e
falsificadores da caligrafia do Mahatma KH.” (LBS, 76)

Devido à relação de amizade com HPB, Subba Row também passou a


ser considerado como suspeito por Hodgson. O Mestre KH escreve:

“E agora Hume e Hodgson incitaram Subba Row à fúria lhe dizendo


que, como um amigo e companheiro ocultista de Madame B. o governo
suspeitava que ele também fosse um espião. É a história do “Conde St.
Germain” e Cagliostro contada novamente.” (MLcr., 449)

Essa não era a primeira vez que HPB era acusada de ser uma espiã
russa. Assim que chegaram à Índia ela era constantemente vigiada por um
detetive, que a seguia por todos os lados. (ODL II, 82) Embora nada tenha sido
provado, essas acusações sempre acompanharam a vida de Madame
Blavatsky.

É interessante notarmos que, em julho de 1995, a Dra. Maria Carlson


publicou no Theosophical History uma carta que HPB teria escrito para a
polícia secreta russa, oferecendo seus serviços como espiã. A carta havia sido
originalmente publicada num respeitado jornal de Moscou, por dois
acadêmicos russos. A Dra. Carlson escreve:

(p. 259)
“Apesar de aparecer durante o ano politicamente ambíguo de 1988, a
publicação dessa carta sensacional tem o seu lugar na mitologia que
cresceu à volta de Mad. Blavatsky; ela tem sua própria contribuição à
documentação contraditória e incongruente sobre a extraordinária vida
de Mad. Blavatsky. Tem havido considerável especulação, ao longo
dos anos, sobre o possível papel de espionagem na vida de Mad.
Blavatsky (era ela, ou não, uma espiã russa?), mas nada nunca foi
provado. Essa carta é a primeira indicação de que pode haver, de fato,
algum fundamento para a especulação, embora a oferta de seus
serviços aparentemente não foi aceita pela polícia secreta russa.”
(Carlson, 226)

Ela também ressalta que na publicação da carta não se fala nada sobre
a verificação da caligrafia, apenas que se encontrava nos arquivos da polícia
secreta. E também que há uma frase curta da polícia, datada de 27 de janeiro
de 1873, dizendo: “Nenhuma ação foi tomada com relação ao pedido de
Madame Blavatskaia.” (Carlson, 231)

A carta foi escrita em Odessa, datada 26 de dezembro de 1872. Nela


HPB se apresenta, fala da Societé Spirite que fundara no Cairo, declara seu
amor pela Rússia e oferece seus serviços esclarecendo: “Não estou
motivada por cobiça, mas, mais exatamente, pela proteção e assistência
moral, mais do que material.” (Carlson, 229)

O Senso da Suprema Obrigação de Cumprir com o Meu Dever


Logo que retornou da Birmânia, Olcott e o Sr. Oakley foram conversar
com Hodgson, sobre as suspeitas de que HPB era uma espiã russa. Os dois
saíram com a falsa impressão de que o haviam convencido de que essa
acusação era totalmente sem fundamento. Nessa conversa, Hodgson mostrou
para Olcott uma carta de HPB para H. Chintamon, da Arya Samaj em Bombay,
onde ela afirmava que Olcott: “estava tão sob seu encanto hipnótico que
ela poderia me fazer acreditar no que ela quisesse, simplesmente
olhando-me na face.” (ODL III, 230) Para ele, mais do que o uso que os
oponentes poderiam fazer dessa afirmação:

“... pior do que isso, para meu coração, foi que HPB, de quem tenho
sido amigo leal através de todas as circunstâncias, pudesse
(p. 260)
fazer esse ato de traição comigo; e meramente para satisfazer sua
vaidade, como poderia parecer. Mas essa é a criatura contraditória que
ela era, em seu eu físico, e eram esses traços que na época tornavam
tão intensamente penoso para qualquer pessoa trabalhar com ela por
qualquer período de tempo. Tenho sempre dito que a dificuldade de se
dar bem com ela, como Helena Petrovna, era infinitamente mais difícil
do que superar todos os obstáculos externos, impedimentos e
oposições que se ergueram no caminho do progresso da Sociedade.”
(ODL III, 230)

Madame Blavatsky escreve para Sinnett que não negava que tivesse
escrito a Chintamon algo como:

“Não se preocupe com Olcott e com o que ele diz (sobre a fusão das
duas Sociedades), eu farei com que ele faça isso. Eu posso
‘psicologizar o velho o homem com um olhar’ etc. Alguma coisa do
tipo, de brincadeira, é claro. Isso é utilizado pelo Sr. Hodgson para
mostrar claramente, baseado em minha própria confissão, que desde
o início tenho iludido e psicologizado Olcott e que; portanto, seu
testemunho não tem valor. Pobre Olcott está pronto para cometer
suicídio.” (LBS, 75)

Olcott sentiu-se profundamente traído. Ele afirma jamais algo o afetou


tanto, em toda sua experiência teosófica, quanto esse fato:

“Isso me deixou desesperado e por 24 horas quase a ponto de ir à praia


e me afogar no mar. Mas quando eu me perguntei com que propósito
eu estava trabalhando, se para o louvor dos homens, pela gratidão de
HPB ou de qualquer outra pessoa viva, todo esse desalento foi embora
e minha mente nunca mais voltou a esse estado. O senso da suprema
obrigação de cumprir com o meu dever, de servir aos Mestres na
realização de seus elevados planos – sem agradecimentos, sem
reconhecimento, mal compreendido, caluniado – não importa o que –
veio como o raio de uma grande luz, e houve paz.” (ODL III, 231)

Eu Não Seria Deixado Sozinho

No dia em que retornou Olcott também descobriu que Hartmann e


Lane-Fox haviam convencido HPB a assinar um documento depondo-o da
presidência e criando um Comitê composto por Subba
(p. 261)
Row e mais quatro europeus, que assumiria toda a direção da Sociedade. HPB
havia escrito no documento: “Acreditando que esse novo arranja é
necessário para o bem estar da Sociedade, até onde isso me diz respeito,
eu o aprovo.” (ODL III, 229)

Olcott ficou chocado quando lhe entregaram a resolução e foi lhe


perguntar se ela realmente achava justo que ele, após tantos anos de lutas e
dedicação pela Sociedade, fosse deposto dessa maneira. Ela respondeu:

“... que havia assinado algo que eles lhe trouxeram em seu leito de
morte e que disseram que era muito importante para a Sociedade, mas
que ela nunca havia compreendido tratar-se do que eu lhe descrevi, e
que ela repudiava tal ingratidão. Ela me disse para rasgar os papéis,
mas eu disse que não, que deveria guardá-los como a memória de um
episódio que poderia ser útil para o historiador do futuro.” (ODL III, 218)

Olcott também relata que enquanto eles conversavam, ele recebeu um


bilhete do Mestre M., de modo fenomênico, dizendo que HPB deveria
assegurar a Subba Row e Damodar que com sua morte, o elo entre a ST e o
Mestre permaneceria inalterado. Na carta para Francesca Arundale, Olcott
também descreve o apoio que ele recebeu do Mestre:

“Anteontem as coisas pareciam tão ruins que Subba Row e Damodar


desencorajaram-se, entraram em pânico e disseram que a ST se
arruinaria. Bem, ontem veio aqui um certo Iogue indiano, vestido no
costumeiro manto açafrão e acompanhado de uma asceta – que
suponho ser sua discípula. Fui chamado, vim e me sentei, e ficamos
olhando fixamente um para o outro em silêncio. Então ele fechou os
olhos, se concentrou e me transmitiu psiquicamente sua mensagem.
Ele havia sido enviado pelo Mahatma em Tirivellum (...) para me
garantir que eu não seria deixado sozinho. Ele me lembrou de minha
conversa do dia 7 com ... [Damodar] e ... [Subba Row] E me perguntou
(mentalmente) se eu pude por um momento acreditar que ele, que
sempre havia sido tão verdadeiro comigo, me deixaria continuar sem
auxílio.” (Caldwell 1991, 206)

A recuperação de HPB foi tão rápida que em 10 de fevereiro, quando


chegou telegrama de Leadbeater pedindo que Olcott voltasse para Birmânia,
ela consentiu. Chorando, despediu-se dele,
(p. 262)
que só conteve as lágrimas porque naquele instante de pesar lhe volttou “a
recordação de que não permitiriam que ela morresse antes seu trabalho
estivesse concluído e alguém estivesse pronto para preencher a lacuna que
ela deixaria.” (ODL III, 218)

Damodar Parte de Adyar (fevereiro de 1885)

Em 23 de fevereiro de 1885 Damodar embarcou para Calcutá. De lá foi


para Benares onde ficou até 14 de março com Mâji. Em 19 de abril entrou no
Sikkim e no dia 23 recebeu permissão para segui para Kali, de onde mandou
os servos que o acompanhavam de volta para Darjeeling, com seus pertences
pessoais e com seu diário. Por muitos anos esperou-se que Damodar voltasse
para Adyar e especulou-se se ele estaria vivo ou morto. Olcott escreve:
“Quatro pessoas desse lado dos Himalaias tiveram voz nessa questão,
das quais três eram HPB, T. Subba Row e Mâji de Benares: a principal
autoridade, é claro, era HPB, o Sr. Subba Row tendo apenas algumas
questões para serem respondidas e Mâji algumas informações
clarividentes para dar. Não mencionarei o nome da quarta pessoa, mas
apenas direi que ele é alguém igualmente bem conhecido de ambos os
lados das montanhas, e faz frequentes viagens religiosas entre a Índia
e o Tibet. Damodar esperava ter a permissão de ir com ele em sua volta
a Lhassa, embora sua constituição, naturalmente delicada, estivesse
esgotada pelo excesso de trabalho, com sinais de tuberculose e ele
havia tido algumas hemorragias. Logo após ele ter deixado Darjeeling,
circularam os mais preocupantes rumores sobre o nosso querido rapaz
ter perecido em sua tentativa de cruzar as montanhas.” (ODL III, 270)

Em 4 de janeiro de 1886 HPB escreveu para Sinnett: “Vi Damodar na


noite passada.” Quase que na mesma época ela escrevia Hartmann que
Damodar estava vivo e provavelmente no Tibet: “Feliz Damodar! Ele foi para
a terra da bem-aventurança, para o Tibet, e agora deve estar longe, nas
regiões de nossos Mestres.” (Eek 1940)

Com base em afirmações de peregrinos vindos do Tibet, “Mâji” disse


que Damodar estava lá. No The Theosophist de julho de 1886 foi publicada
uma nota, assinada por Olcott e por Subba Row, relatando
(p. 263)
que em 7 de junho haviam chegado notícias de que Damodar estava a salvo
“sob a proteção de amigos a quem ele buscou”, mas que seu retorno seria
ainda por muito tempo incerto. (Eek 1940)

Numa carta aberta aos membros indianos, em 1890, HPB comenta a


importância da passagem de Damodar pela Sociedade Teosófica e de seu
desenvolvimento espiritual, ao escrever que se a Sociedade Teosófica “nunca
tivesse dado à Índia mais do que aquele futuro Adepto (Damodar), que
agora tem a perspectiva de se tornar um dia um Mahatma, apesar do Kali
Yuga, somente isso seria prova de que ela não foi fundada em Nova
Iorque e transferida para a Índia em vão.” (CW XII, 159)

Hume Tenta “Salvar” a Sociedade (fevereiro de 1885)

Com Olcott novamente na Birmânia, o Comitê Central reassumiu a


administração da sede. Entretanto, no final de fevereiro, Olcott recebe notícias
de Hartmann informando que o Comitê Central havia renunciado e que alguns
ramos ameaçavam se dissolver se não fosse autorizado que HPB entrasse na
Justiça contra os missionários. (ODL III, 223) Olcott escreve:

“HPB, com sua usual incongruência, me reprovou por tê-la impedido –


como ela disse, embora não tivesse sido eu, mas a Convenção que
fizera isso – de instaurar um processo contra eles; e me foram enviadas
cópias do mais recente panfleto dos missionários contra nós. Como
escrevi em meu diário, havia “algo hostil no ar”.” (ODL III, 223)

No dia seguinte chegou telegrama de Adyar, dizendo que HPB tivera


uma recaída e pedindo que ele voltasse urgentemente. Olcott chegou em
Adyar no dia 19 de março, descobrindo que Hume, em 14 de março,
pretendendo “salvar” a ST, convocara uma reunião do Conselho para análise
de uma proposta. HPB conta o que aconteceu numa carta para Sinnett:

“O Sr. Hume quer salvar a Sociedade e encontrou um meio. (...) ele


propôs, para salvar a Sociedade (...) forçar Coronel Olcott, seu
presidente vitalício, Madame Blavatsky (...) etc., ao todo 16 pessoas, a
renunciarem uma vez que todos eram impostores e cúmplices, já
que os Mestres não existiam e muitos deles afirmaram
(p. 264)
que conheciam os Mestres independentemente de mim. A Sede deve
ser vendida e, em seu lugar, erguida uma nova Sociedade Teosófica
Científico-Filosófico-Humanitária. Eu não estava na reunião (...) Mas os
conselheiros vieram em grupo falar comigo após a reunião. Contudo,
ao invés de aceitar a proposta e declarar os fenômenos uma fraude (...)
rejeitaram a proposta, colocando-a de lado com desgosto. Todos eles
acreditam nos Mahatmas e nos fenômenos que testemunharam
pessoalmente, mas não permitirão mais que seus nomes sejam
profanados. Os fenômenos devem ser, daqui por diante proibidos e se
eles realmente ocorrerem independentemente, não se pode falar a
respeito, sob pena de expulsão.” (MLcr., 444)

Na mesma carta HPB comenta uma ironia do destino: os conselheiros


mal terminaram de votar a resolução que não haveria mais fenômenos na
Sede, nem se falaria mais dos Mestres, quando, ainda na sala de reuniões,
Subba Row recebeu uma carta do Mestre M. sua língua nativa, o Telugu, a
qual HPB desconhecia. Não obstante, mantiveram a decisão. Madame
Blavatsky era a única ligação entre os membros europeus e os Mestres, mas
para os hindus isso não importava, pois:

“Dezenas deles são chelas, centenas Os conhecem, mas, como no


caso de Subba Row, eles prefeririam morrer do que falar de seus
Mestres. Hume não tirou nada de Subba Row, embora todos saibam
quem ele é. (...) Embora eles sejam leais a mim e o serão até o final,
me acusam de ter profanado a Verdade e os Mestres, por ter sido o
meio para os livros O Mundo Oculto e Budismo Esotérico.” [escritos
por Sinnett] (MLcr., 447)

Outras notícias ruins continuavam a chegar. No dia 17 de março, um


perito em caligrafia, Netherclift, havia declarado que a letra nas cartas
publicadas pelos missionários era mesmo de HPB. Os missionários
continuavam seu trabalho de difamação, editando e distribuindo pelo país
novos panfletos contra a ST e HPB. Ela escreve: “Eles têm todas as
vantagens sobre nós. Eles (os inimigos) trabalham dia e noite, inundando
o país com literatura contra nós, e nós sentamos, imóveis, e apenas
discutimos dentro da Sede.” (MLcr., 447) Apesar de alguns, como os
Oakleys lhe assegurarem sua amizade, ela estava descrente. HPB escreve
para Sinnett:

(p. 265)
“Apesar de Hume, do amigo deles, Hodgson, e de todas as evidências,
os Oakleys não acreditam que eu seja uma impostora. Eles têm total
confiança nos Mestres; nada, dizem eles, fará com que duvidem da
existência deles (...) e, como eles dizem, são seus melhores amigos.
(...) Como posso acreditar que qualquer um seja meu amigo nesse
momento? É apenas aquele que sabe, da mesma maneira que sabe
que vive e respira, que nossos Mahatmas existem e os fenômenos são
reais, é que pode se solidarizar comigo e olhar para mim como uma
mártir; mas quem o faz?” (MLcr., 447)

HPB Deixa a Índia para Não Mais Voltar (março de 1885)

Diante da acusação pública de espionagem, HPB resolveu renunciar a


seu cargo de Secretária Correspondente, para que a Sociedade não fosse
prejudicada. Ela escreve a Sinnett:

“Embora sejam meus amigos, os Oakleys me aconselham a renunciar,


enquanto que os hindus dizem que sairão todos da Sociedade se eu o
fizer. Eu preciso renunciar, pois sendo considerada uma “Espiã Russa”,
ponho em perigo a Sociedade. Essa é minha vida durante a
convalescência, quando cada emoção, dos o médico, pode se tornar
fatal. Tanto melhor. Eu irei, então, renunciar de facto.” (MLcr., 447)

Hodgson partiu para Londres em 26 de março de 1885. Poucos dias


depois, em 31 de março, gravemente doente, HPB partiu da Índia, para nunca
mais voltar, acompanhada de Bowajee, Mary Flynn e Franz Hartmann. Para
Judge, HPB diz que Hartmann foi junto porque:

“Subba Row disse que a menos que o Dr. H. [Hartmann] deixasse


Adyar ele iria renunciar. Todos os hindus se recusaram unanimemente
a estar no mesmo comitê que ele; e Olcott foi notificado de que a menos
que se fizesse o Doutor ir embora, muitos renunciariam. (...)
“Ainda está para ser visto o que acontecerá com a Doutrina
Oculta – a Sociedade etc., sem mim. Eu não ligo. Estou tão enojada
com suas eternas intrigas, mentiras, conspirações e assim por diante,
que à menor provocação renunciarei até mesmo da minha filiação &
romperei para sempre toda conexão com a Sociedade.
(p. 266)
Olcott prepara, como ele me escreve, para me sacrificar pelo bem &
salvação da Sociedade & firmemente acredita que ele está fazendo o
que é correto. Ele não hesitaria em sacrificar mesmo, isso eu sei. (...)
“Tenha cuidado com Hartmann. (...) Ele acredita (...) que eu
geralmente sou uma “casca” que somente se torna boa para alguma
coisa quando alguém mais entra nela. Acredite no que quiser.” (HPB
to Judge, 2)

Em 1890, numa circular aos membros indianos, ela revela porque fizera
um voto de nunca mais voltar a Adyar, uma vez que a fragilidade de sua saúde
era apenas uma desculpa, pois: “Aqueles que me salvaram da morte em
Adyar, e mais duas vezes desde então, poderiam tão facilmente me
manter viva lá como Eles o fazem aqui.” (CW XII, 157) Ela escreve:

“... em 1884, Coronel Olcott e eu saímos para uma visita à Europa e,


enquanto estávamos longe, ‘caiu o raio’, Padres-Coulombs. (...)
Abalados em suas crenças, os temerosos começaram a se perguntar:
‘Se os Mestres são Mahatmas genuínos, por que Eles permitiram
que tais coisas acontecessem...?’ (...)
“Eu digo, se naquele momento crítico, os membros da
Sociedade, e especialmente seus líderes em Adyar, indianos e
europeus, tivessem permanecido unidos como um só homem, firmes
em suas convicções da realidade e poder dos Mestres, a Teosofia teria
saído mais triunfante do que nunca, e nenhum de seus temores jamais
teria se realizado, por mais ardilosas que fossem as armadilhas legais
preparadas contra mim, e sejam lá quais tenham sido os enganos e
erros de julgamento que eu, sua humilde representante, possa ter
cometido na condução executiva da questão.
“Mas a lealdade e a coragem das Autoridades de Adyar, e dos
poucos europeus que haviam confiado nos Mestres, não esteve à altura
da provação quando ela veio. Apesar de meus protestos, fui impelida a
ir embora da sede.” (CW XII, 160-162)

Olcott criou um comitê executivo experimental para administrar a


Sociedade. Subba Row e A.J. Oakley estavam nesse comitê e Leadbeater era
o secretário. Em 12 de abril de 1885, o comitê aceitou a renúncia de HPB do
cargo de Secretária Correspondente. (ODL III, 233)

(p. 267)
Embora não falasse publicamente sobre o assunto, Subba Row nunca
deixou de reconhecer Madame Blavatsky como uma agente dos Mahatmas.
Contudo, considerava que a própria ST era mais importante do que HPB e,
portanto, tinha que estar acima das suspeitas que recaiam sobre ela. Numa
carta para Sivavadhanulu Garu, em julho de 1885, ele escreve:

“O temperamento de Madame B. é, como você diz, muito ruim em


alguns aspectos. Entretanto, acontece que ela é o único agente que
pode ser empregado pelos Mahatmas para os propósitos da ST. Não
fosse por esse mau temperamento, ela estaria agora em algum outro
lugar. (...) A questão em discussão (...) não é se Madame B. é honesta
ou desonesta, mas se a ciência oculta é uma realidade ou uma ficção.
Mesmo um único fenômeno genuíno deve conseguir um veredicto em
nosso favor. Meu cliente é a Sociedade Teosófica e não Madame B.”
(Row, 565)

Em carta para HPB, de outubro de 1885, Olcott lhe conta que Subba
Row havia declarado que “se HPB continuar com essa agitação (...), ele
não apenas sairá da Sociedade Teosófica, mas levará todos aqueles
sobre quem tiver influência a fazer o mesmo.” (Ransom, 228)

Em maio de 1886, quando Olcott conversou com Subba Row sobre a


possibilidade de HPB retornar à Índia, ele foi positivamente contrário a seu
retorno. Olcott escreve:

“Por alguma razão seus sentimentos com relação a ela haviam mudado
completamente; ele agora estava positivamente hostil, e protestou
dizendo que ela não deveria ser chamada por mais um ou dois anos,
de modo a dar tempo para que a animosidade pública amainasse e
evitar o escândalo que seria causado pelos missionários, incitando
novamente os Coulombs a processá-la por difamação.” (ODL Ill, 372)

É Necessário uma Natureza Justa para Ficar do Lado da Minoria

Hodgson achou HPB “difícil” por perceber que ela não confiava nele.
(Ransom, 217) Suas conversas com Damodar, Subba Row e Bowajee
também foram “difíceis”, pois para eles era degradante ter que responder sobre
assuntos sagrados. Para os três era preferível calar-se,
(p. 268)
não defendendo HPB, pois divulgar qualquer coisa acerca dos Mestres seria
uma vulgar profanação.

Mesmo com Hartmann, enquanto HPB e Olcott estavam Europa,


Damodar era bastante reticente, o que deu origem a desentendimentos entre
os dois. Hartmann, como presidente do Conselho de Controle da Sede, achava
que tinha direito a saber de tudo que ocorria, com o que Damodar não
concordava. (Eek 1978, 9) Para Hartmann segredo e sigilo eram sinais de
mentira:

“Assim, o Sr. Hodgson veio para Adyar. Hartmann começou colocando-


o contra Subba Row, Bowajee, Damodar etc., dizendo-lhe que todos
eles eram ‘terríveis mentirosos’, desse modo predispondo Hodgson
contra as principais testemunhas.” (HPB to Judge, 2)

De acordo com HPB, o Mestre KH atribuiu a Dharbagiri Nath (Bowajee),


Damodar e Subba Row dois terços das ilusões que afetaram e prejudicaram o
trabalho de Richard Hodgson:

“... Mahatma KH sustenta que ele [Dharbagiri Nath], Damodar e Subba


Row são responsáveis por dois terços das “mayas” [ilusões] do Sr.
Hodgson. Foram eles que, irritados e insultados com sua aparição em
Adyar, considerando sua (de Hodgson) investigação detalhada e sua
conversa sobre os Mestres – degradante para eles e uma blasfêmia
com relação aos Mestres; ao invés de francos com H. [Hodgson] e lhe
dizerem abertamente que havia muitas coisas que eles não poderiam
lhe contar – continuaram trabalhando para aumentar sua perplexidade,
permitindo que ele sugerisse coisas sem as contradizer, fazendo com
que ele perdesse completamente o rumo. Veja bem, Hodgson não
estava entre os seus: não tinha qualquer ideia do caráter de um
verdadeiro hindu – especialmente de um chela – de sua intensa
veneração por coisas sagradas, de sua reserva e privacidade em
questões religiosas; e eles (nossos hindus) de quem nem mesmo eu
jamais ouvi pronunciarem ou mencionarem um dos Mestres pelo nome
– foram incitados à fúria ao ouvir Hodgson fazendo tão pouco daqueles
nomes – falando de forma zombeteira de ‘KH’ e ‘M’ – etc. com os
Oakleys.” (LBS, 122)

Para Subba Row, Madame Blavatsky era culpada por revelar segredos
do Ocultismo e, por isso, seria melhor que as pessoas pensassem que ela não
estava mais relacionada com os Mestres, duvidando
(p. 269)
dela, para que assim ela não divulgasse mais conhecimentos. HPB escreve a
esse respeito para Francesca Arundale e sua mãe, em junho de 1885:

“Brâmanes iniciados intransigentes – tais como Subba Row – nunca


revelarão nem mesmo aquilo que lhes é permitido revelar. Eles odeiam
demais os europeus para isso. Ele não proclamou seriamente para o
Sr. e Sra. C.O. [Cooper-Oakley] que eu era, daqui para frente, ‘uma
casca desertada e abandonada pelos Mestres?’, Quando eu o censurei
por isso, ele respondeu: ‘Você tem sido culpada pelo mais terrível dos
crimes. Você tem revelado os segredos do Ocultismo – os mais
sagrados e os mais ocultos. Antes seja você sacrificada do que aquilo
que jamais deveria ser revelado para mentes europeias. As pessoas
tinham excessiva confiança em você. Era tempo de jogar dúvida em
suas mentes. De outro modo, eles poderiam ter extraído de você tudo
que você sabe.’ E agora ele está agindo sob esse princípio.” (LBS, 95)

A Tentativa de Abrir os Olhos do Mundo Cego Quase Falhou

Em dezembro de 1884 Subba Row, preocupado com a continuidade


da transmissão dos ensinamentos dos Mahatmas, havia proposto a criação de
um comitê que teria a função de receber ensinamentos esotéricos dos Mestres
e transmiti-los para o “Grupo Interno” da Loja de Londres, além de contribuir
com artigos para o The Theosophist.

A proposta foi aceita pelos Mestres e ficou acertado que o material


seria transmitido através de Subba Row e Damodar. Também faziam parte do
comitê Olcott, Isabel Cooper-Oakley, A.J. Oakley e Ramaswanier Iyer.
(Ransom, 206) Porém, os acontecimentos em Adyar impediram que esse
projeto pudesse ser levado adiante. Na primavera de 1885, o Mestre KH
escreve para Sinnett:

“Você deve ter entendido por agora, meu amigo, que a tentativa
centenária feita por nós de abrir os olhos do mundo cego quase falhou:
na Índia – parcialmente; na Europa, com umas poucas exceções –
completamente. Há apenas uma chance de salvação para aqueles que
ainda acreditam: unirem-se e enfrentarem a tempestade bravamente.
(...)
(p. 270)
“Assim, meu amigo, chegamos a um fim forçado para as
projetadas instruções ocultas. Tudo estava arrumado e preparado. O
Comitê secreto apontado para receber nossas cartas e ensinamentos
e transmiti-los ao grupo oriental estava pronto, quando alguns europeus
– por razões que prefiro não mencionar – tomaram a si mesmos a
autoridade de reverter a decisão de todo o Conselho. Eles declinaram
(embora a razão que deram seja uma outra) – a receber nossas
instruções através de Subba Row e Damodar, sendo o último odiado
pelos Srs. Lane-Fox e Hartmann. Subba Row renunciou e Damodar foi
para o Tibet. Deverão os nossos hindus ser censurados por isso?”
(MLcr., 449)

Após o encontro com os Coulombs, Hodgson fez outras visitas


ocasionais a Adyar pedindo a Olcott trechos de seu diário e outras informações
que sempre foram fornecidas de boa vontade. Olcott ainda acreditava que
Hodgson faria um relatório favorável a eles. Mas Isabel Cooper-Oakley
escreve que após umas poucas entrevistas de Hodgson com os Coulombs e
os missionários, era evidente que ele estava se voltando contra HPB:

“É necessário uma cabeça fria e uma natureza justa para ficar do lado
da minoria, e quando o Sr. Hodgson chegou na Índia ele encontrou toda
a comunidade anglo-indiana armada contra Madame Blavatsky, por
dois pontos principais: (1) porque ela era uma espiã russa; (2) porque
ela ficava do lado dos hindus contra os anglo-indianos, se achasse que
eles eram injustamente tratados e, sobretudo, porque tinha a coragem
de dizer isso. Agora, a posição de um jovem homem que queria ao
mesmo tempo fazer a coisa certa e ser popular com a maioria era
necessariamente muito difícil, e uma contínua série de jantares não
tendia a esclarecer suas visões, pois ele tinha incessantemente em
seus ouvidos uma torrente de calúnias contra ela. As investigações do
Sr. Hodgson não foram conduzidas com uma mente imparcial, e de
ouvir todos dizendo que Madame Blavatsky era uma impostora ele
começou a acreditar: após umas poucas entrevistas com Mad.
Coulomb e os missionários, vimos que suas opiniões estavam se
voltando contra a minoria.” (Some of Her Pupils, 16)

(p. 271)
Capítulo 18

HPB na Europa (abril de 1885)

HPB chegou à Europa em abril de 1885 e lá morou até o final de sua


vida em maio de 1891. Embora tenham sido anos de grandes sofrimentos
físicos, foi nesse período difícil que ela produziu seus trabalhos mais
importantes: escreveu A Doutrina Secreta, A Voz do Silêneio e A Chave
Para a Teosofia; criou uma nova revista, Lucifer, para a qual escreveu muitos
artigos; fundou a Blavatsky Lodge em Londres e a Seção Esotérica,
escrevendo as instruções para seus membros.

Todo esse trabalho só pode ser realizado porque HPB contou com a
ajuda de um pequeno grupo de pessoas que, não acreditando nas acusações
do relatório Hodgson, permaneceram a seu lado auxiliando-a com trabalho,
dinheiro e amizade.

Em sua partida da Índia, em 31 de março de 1885, quando se


preparavam para entrar no vapor, Subba Row a incentivou a continuar
escrever A Doutrina, pedindo-lhe que enviasse semanalmente o que tivesse
feito, para que ele fizesse notas e comentários. (Zirkoff, 7) Escrevendo para
Vera Johnston, Hartmann relata que durante a viagem, em mar aberto, HPB
“muito frequentemente recebia, de alguma maneira oculta, muitas
páginas de manuscritos referentes à Doutrina Secreta, cujo material ela
estava coletando na época.” (Zirkoff, 8)

HPB chegou em Torre del Greco, na Itália, em 24 de abril de 1885. Sua


saúde ainda era precária e ela sofreu intensamente de reumatismo durante
esses meses por lá. Hartmann partiu em maio, ficando Bowajee e Mary Flynn
com HPB. Em junho ela escreve para a Sra. Sinnett:

“Aqui estou eu. Para onde irei em seguida, não sei mais do que um
homem no mundo da lua. O único amigo que tenho na vida e na morte
é o pobre pequeno Bowajee D. Nath exilado na Europa; e o pobre
querido Damodar – no Tibet. D. Nath fica ao pé de minha cama,
acordado por noites inteiras, me mesmerizando, como prescrito por seu
Mestre. Por que Eles ainda querem me manter com vida é algo
estranho demais para eu compreender; mas Seus modos são e sempre
têm sido – incompreensíveis.” (LBS, 100)

(p. 272)
No final de julho os três foram para a Alemanha, via Roma e St.
Cergues, na Suíça, de onde Mary Flynn retornou para a Inglaterra. Com a
saúde fragilizada, Madame Blavatsky mudou-se para Würzburg, na Alemanha,
onde chegou em 12 de agosto de 1885, acompanhada de Babajee. Ela
escreve para a Sra. Sinnett:

“Não quero viver em qualquer um dos grandes centros da Europa. Mas


eu preciso ter um quarto seco e aquecido, por mais frio que esteja do
lado de fora, uma vez que nunca deixo meus aposentos (...) Eu gosto
de Würzburg. É perto de Heidelberg e Nürenberg, e de todos os centros
que um dos Mestres viveu, e é Ele quem aconselhou meu Mestre a me
enviar para lá. (...) Então eu viverei para cumprir a vontade e os ditames
do meu Mestre, ou melhor, deverei vegetar durante o dia e viver
apenas durante a noite, e escrever pelo resto de minha vida (não)
natural.” (LBS, 105)

Além do problema de saúde, HPB também estava passando por uma


época de grandes dificuldades financeiras. Seu sustento vinha principalmente
das histórias que escrevia para jornais russos, sob o pseudônimo de Radda
Bai. Felizmente Katkoff, o editor de suas histórias em russo, recém lhe pagara
4.000 francos que estava devendo, e esse dinheiro lhe permitiria viver algum
tempo. HPB escreve para Sinnett, em agosto de 1885:

“Quanto a mim – estou decidida a permanecer sub rosa [no secreto].


Posso fazer muito mais permanecendo na sombra do que me tornando
novamente proeminente no movimento. Deixe-me ficar escondida em
lugares ignorados e escrever, escrever, escrever e ensinar a quem
quiser aprender. Uma vez que o Mestre me força a viver, deixe-me
agora viver e morrer em relativa paz. É evidente que Ele ainda quer que
eu trabalhe pela ST, uma vez que Ele não me permite fazer um contrato
com Katkoff – que colocaria pelo menos 40.000 francos por ano no meu
bolso – para escrever exclusivamente para sua revista e seu jornal. (...)
Quem do público sabe que após ter trabalhado e dado minha vida para
o progresso da Sociedade por mais de dez anos, eu fui forçada a deixar
a Índia – como uma mendiga, literalmente uma mendiga dependendo
da gratificação do The Theosophist – (minha própria revista, fundada
e criada com meu próprio dinheiro!!) para meu sustento diário. Eu –
sendo apresentada como uma impostora mercenária, uma
(p. 273)
trapaceira por amor ao dinheiro, quando nunca pedi ou recebi um
centavo por meus fenômenos, quando muito do meu próprio dinheiro,
ganho com meus artigos russos, foi doado, quando por cinco anos eu
abri mão do ganho com Ísis e da renda do The Theosophist para
sustentar a Sociedade. E agora – generosamente me cedem 200 rúpias
mensais daquela renda para me salvar de passar fome na Europa, e
por isso sou censurada por Olcott em quase que toda carta.” (LBS,
112)

Numa carta para Sinnett em outubro de 1885 ela relata outras


dificuldades com Adyar:

“Você ouviu, eu suponho, do primeiro tapa na cara que eu recebi em


Adyar? Sem me consultar, eles, assim parece, dispuseram de meu
Theosophist e tiraram meu nome até mesmo da página de rosto. (...)
Nunca mais uma linha de minha pena aparecerá na revista,
propriedade de meu sangue da qual fui privada de um modo tão sem
pudor (...) E agora o público e os inimigos dirão – “Mad. B. foi realmente
chutada para fora da Sociedade – até mesmo a edição e propriedade
de sua revista foram tiradas dela. Sua culpa foi completamente
reconhecida em Adyar.” AMEN.” (LBS, 121)

Quando Sinnett foi visitar HPB em setembro ela ainda não conseguira
retomar o trabalho da Doutrina Secreta. Mas em outubro ela lhe escreveu:

“Estou muito ocupada com a D. Secreta. A coisa de Nova Iorque


(querendo dizer as circunstâncias sob as quais Ísis Sem Véu foi
escrita) se repetiu – apenas muito mais nítida e melhor. Começo a
pensar que será ela que provará nossa inocência. Tamanhas imagens,
panoramas, cenas, dramas antidiluvianos, e tudo mais! Nunca vi ou
escutei tão bem.” (Sinnett 1886, 303)

Em outubro de 1885 a Condessa Wachtmeister foi visitar a família


Gebhard, em Elberfeld, na Alemanha e ficou sabendo que HPB estava enferma
e sentindo-se muito só em Würzburg. Por sugestão da Sra. Gebhard, escreveu
para HPB oferecendo-se para ir passar algumas semanas com ela, mas HPB
lhe respondeu agradecendo e recusando a oferta. Porém, quando a condessa
já estava de partida de Elberfeld, chegou um telegrama de HPB pedindo-lhe
que fosse encontrá-la.

(p. 274)
Constance Wachtmeister (outubro de 1885)

Constance Georgina Louise Bourbel de Monpinçon nasceu em 28 de


março de 1838, em Florença, Itália. Em 1863 casou-se com seu primo, o conde
Wachtmeister, com teve um filho, o conde Axel Raoul. Após três anos, o casal
mudou-se para Estocolmo onde, em 1868, o conde foi nomeado Ministro das
Relações Exteriores. Após a morte do marido, em 1871, ela ainda viveu vários
anos na Suécia. Em 1879 a condessa começou a investigar o Espiritismo e em
1881 filiou-se à Sociedade Teosófica. (CW VI, 448)

Quando a condessa chegou em Würzburg, atendendo ao telegrama de


HPB, recebeu uma calorosa recepção. Madame Blavatsky lhe pediu desculpas
pela súbita mudança e explicou que inicialmente não queria que ela fosse para
lá porque tinha apenas um quarto, e também porque:

“Meus hábitos provavelmente não são os seus. Se você viesse para cá,
eu sabia que você teria que suportar muitas coisas que poderiam lhe
parecer desconfortos intoleráveis. É por isso que decidi recusar sua
oferta e lhe escrevi nesse sentido; mas depois que minha carta foi
postada o Mestre falou comigo e disse que era para eu lhe dizer que
viesse. Eu nunca desobedeço uma palavra do Mestre e lhe telegrafei
imediatamente. Desde então estou tentando tornar o quarto mais
habitável. Comprei um grande biombo que dividirá o quarto, de modo
que você ficará com um lado e eu com o outro, e espero que você não
fique desconfortável demais.” (Wachtmeister, 13)

Em carta para Sinnett, a condessa revela que foi ao encontro de HPB


apenas por “um senso de dever e gratidão”, assumindo “a tarefa de aliviar
seus problemas e sofrimentos da melhor forma que pudesse” (Sinnett
1886, 317) a pedido de sua amiga, Mary Gebhard. E lhe confessa que nessa
época estava sinceramente predisposta contra HPB, pois ouvira muitos
comentários ruins a seu respeito e ainda não tivera nenhuma experiência
pessoal com ela:

“Tendo ouvido os rumores absurdos que circulavam contra ela [HPB] e


segundo os quais era acusada de praticar magia negra, fraude e
trapaça, fiquei atenta e a tratava com espírito calmo e tranquilo,
decidida a dela nada receber de natureza oculta sem
(p. 275)
prova suficiente, para me tornar positiva, manter meus olhos abertos e
ser justa e verdadeira em minhas conclusões. O bom senso não me
permitiria acreditar na sua culpa sem prova, mas se essa prova tivesse
sido apresentada, meu sentimento de honra não permitiria que eu
permanecesse numa Sociedade na qual a fundadora praticasse a
trapaça e o embuste. Minha disposição de espírito me inclinava para a
investigação e eu estava ansiosa por descobrir a verdade.
“De um ponto de vista mundano, Madame Blavatsky é uma
mulher infeliz, caluniada, sob suspeita e injuriada; mas examinada de
um ângulo superior, tem dons extraordinários e nenhuma difamação
pode privá-la dos privilégios de que é dotada e que consistem no
conhecimento de muitas coisas só conhecidas de poucos mortais e no
intercâmbio pessoal com certos adeptos orientais.” (Wachtmeister, 21)

Sobre suas conclusões após esse primeiro contato pessoal com HPB,
bastaria dizer que ela morou e colaborou com Madame Blavatsky até sua
morte. Para a condessa HPB foi:

“... uma amiga e instrutora que fez mais por mim do que qualquer outra
pessoa no mundo, que ajudou a me mostrar a verdade, e que me
indicou o caminho para testar e conquistar o eu – com todas suas
pequenas fraquezas – e a viver mais nobremente para ser útil e para o
bem dos demais.” (Wachtmeister, 72)

A presença da condessa em Würzburg foi essencial para que HPB


retomasse o trabalho de escrever a Doutrina Secreta. Como continuavam os
rumores sobre HPB como impostora etc., Sinnett resolveu escrever sua
biografia, como um modo de tentar contrabalançar esses falatórios adversos.
Seu título inicial era Memoirs (Memórias). Entretanto, HPB não aprovava a
ideia. A condessa escreve para Sinnett, em 7 de fevereiro de 1886:

“Estamos tendo terríveis tempestades por aqui nesses dias e no


momento a Madame é firmemente contrária à publicação de suas
Memoirs enquanto ela for viva. Toda sua família é contra isso (...)
eles temem muito que os inimigos dela possam reviver antigos
escândalos de família e brigas e que eles terão que sofrer por isso. (...)
Durante o curto tempo que estou aqui, têm chovido ataques sobre a
Madame de todos os lados. Me parece inacreditável como
(p. 276)
uma pessoa pode ter tantos inimigos rancorosos. Suponho que seja,
em grande medida, porque ela deixa sua língua solta, ferindo as
susceptibilidades das pessoas, sem ter essa intenção ou pensar nas
consequências. É verdade que seu Mestre lhe disse que se ela
consentisse em viver, teria que passar por amargas provações e tudo
se voltaria contra ela; mas, vendo o que vejo e sabendo o que sei,
acredito que haveria um positivo perigo em publicar suas Memoirs
esse ano.” (LBS, 285)
Logo depois a condessa lhe escreve novamente, especificando três
pontos que HPB não queria que fossem incluídos:

“... primeiro a criança adotada, pois há muitas pessoas que podem


trazer à luz desagradáveis segredos de família sobre esse ponto –
também a Madame ter viajado tanto usando roupas de homem (...) e,
por último, nenhuma menção sobre os Mahatmas, Seus nomes já
foram suficientemente profanados.” (LBS, 176)

Ainda em fevereiro surgiu mais uma razão para HPB pedir a Sinnett
que ele pelo menos postergasse a publicação das Memoirs. Um russo
conhecido de sua família, Solovyoff, que nessa época já se voltava contra ela,
começou ameaçá-la com a acusação de bigamia, pois ele dizia que:

“... o Sr. Blavatsky não está morto, mas é um “charmoso centenário”


que achou apropriado se esconder por anos na propriedade de seu
irmão – daí as falsas notícias de sua morte. Imagine o resultado se você
publica as Memoirs e se ele realmente estiver vivo e eu – não for
viúva!! (...) se isso for verdade (...) e nós falando o tempo todo dele,
como se estivesse no Devachan [no Céu, morto] (...) isso nos trará
problemas sem fim.” (LBS, 179-180)

Contudo, em agosto ela já não se opunha à publicação do livro, apenas


ao nome, uma vez que:

“Não é uma autobiografia, nem uma biografia, mas simplesmente fatos


esparsos, coletados e reunidos. Muita coisa estará errada nele (...)
Você É ACONSELHADO a chamá-lo – “Alguns Incidentes na Vida de
Mad. Blavatsky” coletados de várias fontes – algo desse tipo.” (LBS,
216)

O livro foi publicado logo depois com o título sugerido por HPB. Em
maio de 1886, HPB deixou Würzburg planejando ir para Ostende, na Bélgica.
Antes de viajar enviou o que havia escrito da Doutrina Secreta para Subba
Row, em Adyar. No caminho fez uma visita
(p. 277)
aos Gebhards, em Elberfeld, na Alemanha. Lá escorregou no assoalho do
quarto, torcendo o tornozelo e machucando a perna, sendo obrigada a ficar
com os Gebhards.

Ainda em maio, sua irmã Vera e a filha foram encontrá-la em Elberfeld.


Em 8 de julho, as três partiram para Ostende de onde, no dia 14, sua irmã e a
sobrinha voltaram para a Rússia. A condessa, que havia ido à Suécia, só voltou
em agosto para Ostende. HPB escreve para a irmã, logo após sua partida:

“Terei que me compenetrar agora que estou sozinha; e, ao invés de um


inquieto judeu errante, me transformarei num “caranguejo eremita”,
num monstro marinho petrificado, encalhado na praia. Eu irei escrever
e escrever – é o meu único consolo! Ai de mim! Felizes são as pessoas
que podem andar. Que vida, estar sempre doente – e, ainda por cima,
sem pernas...”. (Letters of H.P. Blavatsky, X)

Mary Gebhard
A família Gebhard foi fundamental para o desenvolvimento do trabalho
teosófico na Alemanha. Gustav Gebhard tinha várias atividades: era
banqueiro, tinha uma fábrica de seda e também era cônsul da Pérsia. Sua
esposa, Mary, tinha uma genuína inclinação para o Ocultismo e foi uma
discípula de Eliphas Levi até a morte desse, em 1875. Nessa ocasião, Mary
começou a procurar outras conexões ocultas. Tendo ouvido sobre a Sociedade
Teosófica escreveu para Olcott e, após uma troca de cartas, filiou-se à ST.
(CW VI, 434) O casal Gebhard teve seis filhos e uma filha, e quase todos
entraram para a ST.

Em julho de 1884 quando HPB, Olcott e Mohini estavam na Europa, foi


organizada a Germania Theosophical Society na casa dos Gebhards, sendo
W. Hübbe-Schleiden o presidente, Mary a vice e seu filho mais velho, Franz, o
secretário. Em agosto de 1884, HPB passou algum tempo na casa deles, com
vários teosofistas como Mohini, Bertram Keightley e Francesca Arundale.
Elberfeld se tornou um ponto de encontro para teosofistas.

O terceiro filho, Arthur Gebhard, morou muitos anos em Nova Iorque e


foi muito amigo de W.Q. Judge. Fazia frequentes visitas
(p. 278)
à Europa e, numa dessas, em setembro de 1886, escreveu um “Manifesto”
junto com Mohini, criticando a atuação de Olcott na presidência da ST. HPB
escreveu uma resposta defendendo Olcott, que não foi publicada em vida, mas
apenas em 1931, por Jinarajadasa, sob o título de O Programa Original da
ST.

Rudolf, o quarto filho, acompanhou Olcott em seu retorno à Índia, em


outubro de 1884. Os dois mais novos, os gêmeos Hermann e Walter, tiveram
destinos trágicos. Ambos se suicidaram: Hermann em março de 1881 e Walter
em 10 de abril de 1886. (CW VI, 436) No caso de Walter, HPB responsabilizou
Babajee pelas condições que o induziram a cometer suicídio.

Krishnaswami, ou Babajee, ou Darbhagiri Nath

O verdadeiro nome de Babajee, também conhecido como Bowajee,


Bawajee ou Darbhagiri Nath, era S. Krishnaswami. Ele juntou-se ao pequeno
de grupo de trabalhadores da ST ainda em Bombay, entre 1880 e 1881, a
pedido do Mestre KH, de quem era um discípulo em provação. Nessa época,
ele abandonou seu nome original, denominando-se Babajee. (Eek 1978, 537)

Posteriormente passou a usar o nome Darbhagiri Nath. Ao ser


questionado sobre as mudanças de nome, Babajee explicou que era um
costume entre seu povo mudar o nome quando se tornavam sannyases ou
místicos, ou mesmo alunos de místicos. (LBS, 340)

Há uma certa confusão em torno do nome Darbhagiri Nath porque esse


era o “nome místico” de um outro chela do Mestre KH, chamado Gwala K.
Deb. Em 1882, o Mestre KH queria que Deb e K. Pillai, um chela em provação,
fossem encontrar Sinnett em Simla. Entretanto, Deb nessa ocasião estava no
Tibet e não podia ir em seu corpo físico. Babajee então consentiu que seu
corpo físico fosse usado por Deb nessa missão. Após o término da experiência
oculta, Babajee continuou a usar o “nome místico” de Deb, ou seja, Darbhagiri
Nath. (Eek 1978, 538)
Babajee trabalhava como assistente de Damodar e também mudou-se
para Adyar quando a Sede foi transferida para lá. Juntamente com Subba Row
e Damodar, ele divide a responsabilidade por “dois terços dos “mayas” do
Sr. Hodgson” durante sua investigação em Adyar. Quando HPB
(p. 279)
deixou a Índia, em março de 1885, C.W. Leadbeater se oferecera para
acompanhá-la. Entretanto Babajee insistiu em vir para a Europa com ela, e foi
seu devotado auxiliar e companheiro por vários meses.

O Relatório Final da SPR

Nos últimos dias de dezembro de 1885 o relatório final da SPR foi


publicado. Nas conclusões desse relatório os Mahatmas eram uma invenção
de HPB, realizada com o auxílio de cúmplices como os próprios Coulombs. Os
fenômenos paranormais seriam tão somente truques realizados por meio de
prestidigitação ou outras formas de trapaça. O relatório conclui:

“De nossa parte, nós não a consideramos como o arauto de sábios


ocultos, nem como uma aventureira vulgar; pensamos que ela atingiu
um título, para nos lembrarmos permanentemente, de uma das mais
perfeitas, engenhosas e interessantes impostoras na história.”
(Ransom, 214)

Em carta para Sinnett, HPB comenta sobre o relatório, revelando seu


estado de espírito:

“Bem – eu positivamente não encontrei nada de novo no que se refere


ao meu humilde ser. Mas muito a seu respeito e de outros. Mais do que
nunca, eu reconheci a mão – que guia a coisa toda; aquela mão que,
tendo agarrado firmemente os eruditos membros de Cambridge pelos
seus narizes, os conduz – para onde? (...) Eu sou um velho limão
espremido, física e moralmente, que serve apenas para limpar as
unhas do velho Nick e, talvez, para escrever 12 ou 13 horas por dia a
Doutrina Secreta sob ditado, para assumir a paternidade, quando (se)
publicada, de sua autoria e suas ideias nas quais meu estilo literário e
galicismos serão detectados. Que sou chamada nele “publicamente e
por escrito” falsificadora umas 25 vezes, trapaceira, impostora etc. e,
ainda por cima, uma espiã russa – tudo isso c’est de l’histoire
ancienne [é a velha história]. Mas há aspectos bem novos nele.” (LBS,
134)

Entre as novidades estava a de que Babula, seu fiel servo, que não
conhecia uma única letra em inglês, era apontado como o autor das cartas do
Mestre de HPB. Outra era que Mohini, Babajee, Bawani Row,
(p. 280)
Damodar etc., eram todos apresentados como sendo seus cúmplices e
mentirosos. Para HPB a acusação foi um duro golpe. Ainda com a saúde
fragilizada, ela escreve para sua irmã que teria que voltar à Índia, para
defender-se:

“Tudo mudou. Um vento hostil está soprando sobre nós. Que cura, que
saúde será possível para mim? Terei que voltar rapidamente para o
clima que é fatal para mim. Não há como evitar. Ainda que eu pagasse
por isso com a morte, preciso esclarecer esses esquemas e calúnias
porque não é apenas a mim que eles prejudicam: eles abalam a
confiança das pessoas em nosso trabalho e na Sociedade, à qual eu
dei toda a minha alma. Então, como posso ligar para a minha vida?
Eles nos escrevem que em Madras, Bombay e Calcutá os muros das
ruas estão cobertos com milhares de cartazes: ‘Queda de Madame
Blavatsky; suas Intrigas e Fraudes Descobertas’ – e assim por diante.”
(Letters of H.P. Blavatsky, VII)

Quando Sinnett lhe questionava se os Mestres, com todo o poder que


possuíam, não haviam interferido e alterado o resultado porque queriam que
ela fosse julgada culpada, HPB lhe respondeu:

“Não; você está errado, se pensa que são os Mestres que querem que
as pessoas acreditem que sou culpada. Ao contrário; embora
incapazes de me ajudar diretamente, pois não ousam interferir com
meu carma, eles são justos demais para não desejar me ver defendida
por todos aqueles que honestamente sentem que sou inocente.
Aqueles que o fazem, apenas ajudam os seus carmas, aqueles que
não – colocam uma mancha nele. O que Eles querem é apenas mostrar
que fenômenos sem a compreensão das condições filosóficas e lógicas
que os produzem – são fatais e sempre se tornarão desastrosos.” (LBS,
113)

Em 8 de maio de 1986, aniversário de 105 anos da morte de HPB, a


SPR publicou uma nota anunciando um estudo feito pelo Dr. Vernon Harrison,
um perito em falsificações. Sua conclusão é que Madame Blavatsky foi
injustamente condenada pelo relatório de 1885. Na introdução ao artigo, o
editor observa que Harrison é um membro da SPR, mas não da ST, e que,
quer os leitores concordem ou não com as conclusões de Harrison, a SPR
espera que:

“... daqui em diante, os teosofistas e, na verdade, todos aqueles que se


preocupam com a reputação de Helena Petrovna Blavatsky, passem
(p. 281)
a nos olhar sob uma luz mais complacente.” (Harrison, 286)

Em seu estudo, Dr. Vernon Harrison reexaminou o relatório escrito por


Richard Hodgson principalmente quanto ao aspecto da caligrafia, e concluiu:

“À medida que o exame detalhado desse relatório avança, ficamos


cada vez mais conscientes que, enquanto Hodgson estava preparado
para usar qualquer evidência, por mais trivial ou questionável que
fosse, para comprometer H.P.B., ele ignorava toda evidência que
poderia ser usada em favor dela. Seu relatório está permeado de
afirmações tendenciosas, conjecturas expostas como realidades ou
fatos prováveis, depoimentos sem corroboração de testemunhas que
não são nomeadas, seleção de evidências e inequívoca falsidade.
“Como um investigador, Hodgson é tendencioso e deficiente.
Seu caso contra Madame H.P. Blavatsky não está provado.” (Harrison,
309)

Harrison continua suas conclusões dizendo que não poderia exonerar


o comitê da SPR da responsabilidade de publicar um relatório tão ruim, sem
checar as conclusões de Hodgson ou mesmo fazer uma leitura crítica de seu
relatório. Analogamente, o Conselho da ST tinha responsabilidade, pois se
tivesse permitido que HPB se defendesse, tanto Hodgson quanto a SPR
estariam em apuros.

Na opinião de Harrison, “Madame H. P. Blavatsky foi a ocultista mais


importante que apareceu diante da SPR para ser investigada; e nunca
uma oportunidade foi tão desperdiçada.” (Harrison, 309) Na conclusão de
seu artigo, Harrison cita Madame Blavatsky afirmando:

“Que as elaboradas, mas mal orientadas buscas de informações do Sr.


Hodgson, sua precisão simulada, que consome uma infinita paciência
sobre trivialidades e é cega para os fatos de importância, seu raciocínio
contraditório e sua múltipla incapacidade de lidar com problemas tais
como os que ele se empenha em resolver, serão expostos por outros
escritores no devido tempo – eu não tenho dúvidas.” (Harrison, 310)

E Harrison encerra o artigo dizendo: “Eu peço desculpas a ela por


termos levado um século para demonstrar que ela escreveu a verdade.”
(Harrison, 310)

(p. 282)
O Pequeno Homem Falhou

A publicação do relatório pode ter sido um dos motivos que fez com
que Babajee alterasse sua conduta em relação a HPB. Quando a condessa foi
morar com HPB, ela encontrou Babajee muito infeliz, pensando em ir embora.
Ela percebeu que ele estava se sentindo ferido e com inveja de Mohini, que
estava em Londres fazendo vários trabalhos, enquanto ele estava isolado com
HPB. (LBS, 278) Então, por sugestão da condessa e com o consentimento de
HPB, Babajee foi passar algum tempo em Elberfeld, com os Gebhards.

Entretanto, Babajee passou a exercer uma influência sobre os


Gebhards no sentido de desacreditar HPB, sugerindo-lhes que as cartas dos
Mestres por eles recebidas eram falsas e lhes dizendo que ela “não conhecia
nada dos ensinamentos esotéricos; Ísis estava cheia de erros ridículos;
e do mesmo modo meus [de HPB] artigos do The Theosophist.” (CW VII,
50)

Além disso, ele começou a escrever cartas para HPB insultando-a. A


condessa, que cuidava da correspondência, lhe escreveu pedindo que parasse
com isso, e avisando que não mais entregaria a HPB cartas desse teor. Então
Babajee lhe escreveu, implorando que ela viesse imediatamente a Elberfeld
ou ele estaria perdido, pois “o Guardião do Umbral havia vindo a ele, e que
eu e somente eu poderia salvá-lo, que todos os Gehhards não poderiam
fazer nada por ele; que eu, devida a meus poderes psíquicos, poderia
ajudá-lo”. (LBS, 278)

Assustada, a condessa telegrafou para Mary Gebhard, perguntando se


era realmente necessário que ela fosse a Elberfeld. A resposta veio: “Sim”, e
a condessa partiu imediatamente. Ao chegar, a Sra. Gebhard lhe disse que
Babajee estava bem, e que ele só queria “forçá-la a vir aqui, porque ele
disse que Mad. B. [Blavatsky] quer psicologizá-la.” (LBS, 278) Na
conversa particular com a condessa, Babajee comportou-se como um louco,
gritando, batendo na mobília, dizendo que detestava HPB, que queria destruí-
la e à ST.

Quando a condessa lhe perguntou o porquê desse sentimento com


relação a HPB, ele respondeu: “em primeiro lugar porque ela havia
profanado os Mestres ao associá-los com os fenômenos, e em segundo
lugar porque ela o havia insultado diversas vezes (e, eu diria, ferido sua
vaidade).” (LBS, 279) Ele também disse que nunca mais voltaria para HPB e
que tentaria impedir que Mohini o fizesse.

(p. 283)
A condessa retornou a Würzburg, preocupada com a influência que
Babajee estava exercendo sobre os Gebhards e com a confusão que estava
ameaçando fazer. Após alguns dias ele escreveu para HPB, mostrando
arrependimento, chamando-a de “Querida e respeitada Mãe”. (LBS, 336)

Uma explicação para o episódio é dada pela condessa a Sinnett,


escrevendo que a atitude de lunático de Babajee, devia ter sido causada por
uma magia que sua avó, uma feiticeira, havia jogado nele. (LBS, 282) E que
HPB havia achado, entre os livros dela que Babajee cuidava:

“... um manuscrito sobre magia negra escrito numa caligrafia


desconhecida – não a dele, contendo com muita precisão todas as
fórmulas e os diferentes mantras a serem usados. Esse ela confiscou
por ser muito perigoso para ser deixado em suas mãos. Madame B. diz
que a ética de Babajee vem de seus livros em Tamil, que alguns são
bons, mas outros completamente falsos e em oposição aos
ensinamentos dos Mestres”. (LBS, 283)

Com toda essa confusão envolvendo Babajee, Sinnett, que o havia


conhecido em 1882, quando o outro chela, Gwala Deb, havia usado o corpo
de Babajee para visitá-lo em Simla, e que pensava que Babajee era o outro
Darbhagiri Nath, começou a questionar a validade da duplicidade do nome.
HPB então lhe explica que realmente existia “um verdadeiro Db. Nath, um
chela, que está com o Mestre KH pelos últimos 13 ou 14 anos”. (LBS, 170)
E que a fraude de Babajee:

“... não está no fato dele assumir o nome, pois era o nome de mistério
escolhido por ele quando se tornou chela do Mestre; mas em se
aproveitar de que meus lábios estavam fechados; das concepções
errôneas das pessoas sobre ele, de que ele, esse atual Babajee, era
um ELEVADO chela, quando era apenas um chela em provação (...)
Você fala de “fraudes” mistérios e ocultamentos nos quais você
“nunca deveria estar envolvido”. Muito fácil de falar por alguém que
não está sob o compromisso de qualquer juramento ou voto. Eu
gostaria que você, com suas noções europeias de veracidade e
“código de honra”, e mais isso e aquilo, fosse submetido à provação
por uma quinzena.” (LBS, 170)

Portanto, explica HPB a Sinnett, Babajee tinha o direito de usar o nome


Dharbagiri Nath, mas não de abusar da posição e tomar atitudes que apenas
o verdadeiro D. Nath poderia assumir, pois ele era apenas
(p. 284)
um reflexo desse verdadeiro D. Nath. E lhe revela acerca dela mesma que:
“Eu também me tornei um reflexo muitas vezes e durante meses; mas
nunca abusei disso, tentando impingir meus esquemas pessoais sobre
aqueles que confundiam HPB da Rússia com o elevado Iniciado de
“xxx” para quem às vezes ela era como um telefone. E é por isso que
os MESTRES nunca retiraram Sua confiança em mim, enquanto que
todos os outros (com a exceção de muito poucos) assim o fizeram.
Minha posição é simplesmente infernal, HORRÍVEL – porque eu, como
uma europeia e tendo sido educada, tanto quanto qualquer outra
pessoa, com as noções mundanas de verdade e honra – tenho que
aguentar as aparências de completa fraude e enganação em relação
aos meus melhores amigos – aqueles a quem eu mais amo e honro.
Mas esse é o resultado de servir ao Oculto e ter que viver no mundo
profano e público.” (LBS, 174)

Babajee continuava com os Gebhards, exercendo grande influência


especialmente sobre Mary e seu filho mais velho, Franz, colocando-os contra
HPB. Em 10 de abril Walter Gebhard foi encontrado morto em sua cama, com
um tiro, aparentemente sem qualquer razão. HPB escreve a Babajee:

“Os demônios da fúria, da vingança, rancor e ódio deixados por você


na casa deles se fixaram no pobre rapaz que você se gabou de
influenciar tão eficazmente, e fizeram seu trabalho. Não foi seu irmão
gêmeo, que cometeu suicídio há cinco anos atrás, que o influenciou.
(...)
“Uma carta dos Mestres teria lhes aconselhado a manter Walter
longe de sua casa, sem dar qualquer razão para isso – e os Gebhards
teriam obedecido ao conselho, se eles não tivessem sido levados a
acreditar, por alguém que eles consideravam e reverenciavam como
um chela do Mahatma KH., e que viveu dez anos com ele – como
eu descobri tarde demais – que “nenhum Mahatma se importaria
com os filhos de teosofistas, pouco ligando se eles viveram ou
morreram” etc.; e que quase sem nenhuma exceção – todas as notas
e cartas recebidas por eles dos Mestres eram – na melhor das
hipóteses – produzidas por elementais e, ocasionalmente, fraude de
HPB.” (LBS, 300)

(p. 285)
Logo após a morte de Walter, Babajee voltou para a Índia, sem
aparecer mais na história teosófica. O Mestre KH comenta a respeito dele para
Leadbeater: “O pequeno homem falhou e colherá sua recompensa.” (LMW
1st Series, 82)
George R. S. Mead.

(p. 286)
Capítulo 19

A Doutrina Secreta e os Keightley (março de 1887)

Archibald Keightley nasceu em Westmorland, Inglaterra, em 19 de abril


de 1859. Foi estudar em Cambridge, onde formou-se em Medicina. Foi nessa
época que começou a se interessar pelos fenômenos do Espiritismo. Fez
experiências em alquimia e estudou os trabalhos filosóficos e místicos, bem
como os neoplatônicos que pode encontrar na biblioteca de Cambridge.

Archibald era quase um ano mais velho que o irmão de seu pai,
Bertram, que nasceu em Birkenhead, Inglaterra, em 4 de abril de 1860.
Bertram foi educado dentro do Cristianismo místico de Swedenborg e também
estudou em Cambridge, onde formou-se em Matemática. Ele sentia grande
atração por filosofia e ciência e, na época de Cambridge, estudou
mesmerismo, Eliphas Levi, os místicos medievais e os escritores
neoplatônicos. (CW IX, 427)

Em 1884, Archibald e seu tio Bertram entraram para a ST em Londres,


juntamente com o casal Oakley. A primeira vez que os dois encontraram com
HPB foi na reunião da Loja de Londres convocada para discutir a eleição entre
Sinnett e Anna Kingsford. Durante a estadia de HPB na Europa em 1884,
Archibald quase não pode conviver com ela, pois estava ocupado com seus
estudos, mas Bertram passou muito tempo com HPB, em Paris, Londres e
Elberfeld, na casa dos Gebhards.

A partir de agosto de 1886 HPB passou uma temporada em Ostende,


trabalhando na Doutrina Secreta com o auxílio da condessa. Em março de
1887, Archibald Keightley, foi a Ostende para aconselhar-se com HPB sobre o
futuro do trabalho em Londres, que sofria as consequências do relatório da
SPR. Ela já havia lhe escrito que o trabalho necessitava de um líder com
determinação e vontade firme. Archibald escreve que “na opinião de um de
seus amigos ocultos a quem ela havia consultado, era possível que eu
pudesse ser tal líder e pudesse fazer o trabalho.” (Keightley)

Ao chegar em Ostende, em março de 1887, HPB logo lhe passou uma


parte dos manuscritos da Doutrina Secreta, pedindo-lhe para “corrigir,
cortar, alterar o inglês, pontuar; de fato, tratei-o como se fosse meu
(p. 287)
mesmo”. (Wachtmeister, 83) Os poucos dias que passou em Ostende foram
ocupados nessa leitura e no esforço de compreender a intenção do livro, que
naquele momento:

“... era uma série de ensaios com informações do maior interesse mas,
a meu ver, não tinha nenhum plano concatenado. Era um caos de
possibilidades, mas de nenhum modo um vazio, ainda que estivesse
sem forma. (...) eu começava a trabalhar nos manuscritos, enquanto
Mad. Blavatsky trabalhava em seu próprio quarto e ficava invisível até
o fim da tarde. Ela poderia aparecer para o seu jantar, mas suas
refeições eram o desespero da empregada que as preparava, pois
eram banquetes cujo horário era muito mutável. À noite ela emergia e
então conversávamos sobre a sua planejada visita à Inglaterra, o
trabalho a ser feito lá, a Doutrina Secreta e assuntos gerais. Na maior
parte da noite, enquanto conversávamos, ela jogava sua “paciência”,
conversando enquanto arrumava as cartas.” (Keightley)

Após a morte de HPB, Archibald diz ter aprendido que enquanto a


“paciência” ocupava o cérebro:

“... HPB estava ocupada em trabalhos muitos diferentes, e que


Madame Blavatsky podia jogar paciência, tomar parte da conversa
entre nós, que continuava à volta dela, dar atenção ao que nós
costumávamos chamar de “o andar de cima” e também ver o que
estava acontecendo em seu próprio quarto e outras peças na casa e
fora dela, tudo ao mesmo tempo.” (Keightley)

HPB prometeu a Archibald que iria a Londres, mas que ainda não podia
fixar a data. Após dois ou três dias ele voltou à Inglaterra e começou a procurar
um local onde pudesse hospedá-la. Porém, dez dias após seu retorno,
chegaram notícias de que ela estava muito doente, com infecção nos rins. Dr.
Ellis, um médico que fazia parte do grupo de teosofistas de Londres, foi para
Ostende.

Enquanto Mary Gebhard não chegava para auxiliar a condessa, essa


contratou uma irmã de caridade para ajudar a cuidar de HPB, com resultados
desastrosos. Assim que a condessa virava as costas, a freira segurava o
crucifixo diante de HPB, implorando que se convertesse e entrasse para a
igreja, antes que fosse tarde demais. Isso deixava HPB furiosa e não restou
outra alternativa para a condessa senão mandar a ajudante embora.
(Wachtmeister, 59)

(p. 288)
Como os médicos acharam que dificilmente ela escaparia da morte,
HPB chegou a fazer um testamento, deixando suas poucas posses para a
condessa. Entretanto, após uma noite em que parecia que HPB iria morrer, ela
recuperou-se como por milagre. Madame Blavatsky contou à condessa que a
cura se dera novamente por intervenção de seu Mestre, que lhe permitiu
escolher seu destino:

“... eu poderia morrer e ficar livre se quisesse, ou poderia viver e


concluir A Doutrina Secreta; Ele me disse quão grandes seriam meus
sofrimentos e que período terrível eu teria diante de mim na Inglaterra
(pois eu estou para ir para lá); mas quando pensei naqueles estudantes
a quem eu poderei ter a permissão de ensinar umas poucas coisas e
na Sociedade Teosófica em geral, para a qual já dei o sangue de meu
coração, aceitei o sacrifício, e agora, para torná-lo completo, traga-me
um pouco de café e algo para comer, e me dê minha caixa de tabaco.”
(Wachtmeister, 62)

Assim que HPB recuperou-se um pouco, a condessa deixou-a com a


Sra. Gebhard e foi para a Suécia, para vender a propriedade que lá possuía,
pois pretendia viver dali por diante ao lado de HPB, cuidando dela. (Letters of
H.P. Blavatsky, X)

Blavatsky Lodge (maio de 1887)

Para que HPB pudesse ir para Londres, Mabel Collins emprestou


Maycot, sua casa em Upper Norwood, arredores de Londres. (Sinnett 1986,
34) Archibald e Bertram foram buscá-la em Ostende. Como ela ainda estava
bastante doente e tinha dificuldades de se locomover, a viagem foi bastante
difícil.

Os três chegaram a Maycot em 1° de maio de 1887 e, apesar de seu


estado físico debilitado, HPB logo pediu que seu material para escrever fosse
todo arrumado, a fim de que pudesse recomeçar a trabalhar na manhã
seguinte. No horário costumeiro ela estava em sua escrivaninha, escrevendo.

Os Keightley foram morar com ela em Maycot. Um ou dois dias após a


chegada, HPB entregou a eles os manuscritos da Doutrina Secreta para eles
lerem e corrigirem. Esse material formava uma pilha de papéis de quase um
metro de altura. Após uma leitura cuidadosa,
(p. 289)
eles concluíram que a obra: “precisava ser rearrumada com um plano
definido, pois como estava, o livro era outra “Isis Sem Véu”, apenas ainda
pior, no que diz respeito a uma ausência de plano e sequência lógica.”
(Wachtmeister, 78)

HPB, então, lhes disse que ela lavava as mãos, e que eles tentassem
organizá-la o melhor que pudessem. Os dois estudaram os manuscritos e lhe
apresentaram uma organização com base no caráter do assunto, sugerindo
que o trabalho fosse feito em quatro volumes, cada qual dividido em três
partes: (1) as Stanzas e os Comentários; (2) Simbolismo e (3) Ciência.
Também sugeriram que, ao invés de começar o primeiro volume com
a história de alguns grandes ocultistas, ela seguisse a ordem natural de
exposição, começando com a evolução do Cosmos, passando depois para a
evolução do homem, para então lidar com a vida de grandes ocultistas. E
finalmente, num quarto volume, falaria de Ocultismo Prático. (Wachtmeister,
79) O plano foi aprovado, dotando a Doutrina Secreta de um ordenamento
lógico definido.

Durante todo aquele verão, Bertram e Archibald trabalharam lendo,


relendo, copiando e corrigindo os manuscritos da Doutrina. Archibald relata
que passava os dias no grande esforço de sugerir um melhor arranjo e a
correção de expressões de linguagem e, ao mesmo tempo, tentando preservar
o estilo literário de Madame Blavatsky.

A tarefa tornava-se ainda mais difícil pelo fato de que HPB lhe dizia
para fazer como quisesse, enquanto que outros, que também haviam sido
chamados para ajudar, insistiam que a linguagem original devia ser mantida,
de modo que aqueles que fossem ler o livro pudessem ter a sua escolha sobre
o que a autora queria dizer. Enquanto isso:

“... a referida autora me ameaçava com as mais horríveis dores e


penalidades se o texto não fosse colocado num “inglês correto”.
Naturalmente eu preferi a “obscura e profunda” boa vontade de
Madame Blavatsky. Vivendo no estrangeiro, como ela viveu, seu
cérebro estava cheio de expressões idiomáticas que não eram do
inglês, e o fato dela estar escrevendo o livro em inglês, implicava numa
tradução literal de expressões “estrangeiras”, com os mais
surpreendentes resultados.” (Keightley)

No dia 19 de maio de 1887 a Blavatsky Lodge foi fundada, sendo a


reunião inaugural realizada nos aposentos de HPB em Maycot.
(p. 290)
Ela escreve para a irmã que mudara-se para Londres, diante da insistência de
membros ingleses que lhe diziam:

“ ‘Apenas você pode nos iluminar e dar vida à Sociedade em Londres,


que está hibernando e inativa.’ Bem, agora eles têm o que queriam; eu
vim e joguei mais lenha na fogueira – espero que eles não se
arrependam. Sento em minha mesa e escrevo, enquanto todos eles
pulam à volta e dançam a minha música. Ontem tivemos uma reunião
na qual foi formado um novo ramo da ST e imagine só – unanimemente
a chamaram ‘A Loja Blavatsky da Soc. Teosófica’! (...) Isso é o que
chamo de bater direto na face da Psychical Research Society; que
eles saibam de que material nós somos feitos!” (Letters of H.P.
Blavatsky, XI)

Ela também escreve para a condessa, que ainda estava na Suécia,


sobre a fundação da Blavatsky Lodge e lhe pedindo que viesse logo, pois
havia tanto trabalho teosófico para fazer que:

“... tenho que desistir de minha Doutrina Secreta ou deixar o trabalho


teosófico sem ser feito. É por isso que sua presença é necessária mais
do que qualquer outra coisa. Se perdermos as boas oportunidades,
nunca teremos outras melhores. Você sabe, eu suponho, que uma
Blavatsky Lodge foi organizada e legalizada por Sinnett e os demais.
“Até agora ela está composta por quatorze pessoas. Você
também sabe que uma Theosophical Publishing Company foi
formada pelas mesmas pessoas e que nós não apenas começamos
uma nova revista teosófica, mas que eles mesmos insistem em publicar
a Doutrina Secreta. Tenho reuniões regulares às quintas-feiras,
quando dez ou onze pessoas têm que se apertar em meus dois quartos,
e sentar em minha escrivaninha e sofá. Eu durmo no meu sofá de
Würzburg, pois não há espaço para uma cama. Você, se vier, terá um
quarto no andar de cima.” (Wachtmeister, 65)

Logo a presença de HPB começou a ser sentida, e Maycot tornou-se


um local de peregrinação de pessoas que queriam falar com ela, que algumas
vezes eram recebidas, outras não. HPB ficava trabalhando em seus aposentos
durante quase todo o dia. Archibald Keightley relembra que após o jantar,
durante o qual todos da casa se reuniam, a mesa era limpa e:

(p. 291)
“... vinha tabaco e conversa, especialmente o primeiro, embora
houvesse bastante da segunda. Eu gostaria de ter a memória e o poder
para relatar aquelas conversas. Todas as coisas sob do sol, e algumas
outras também, eram discutidas. Com uma coisa Madame Blavatsky
era intolerante – simulação, falsidade e hipocrisia. Com esses ela não
tinha piedade; mas com o esforço genuíno, por mais que estivesse
errado, ela não poupava trabalho para dar conselho e reorientação. Eu
nunca soube dela afirmar o que não era verdade, mas soube que ela
algumas vezes teve que manter silêncio, porque aqueles que a
interrogavam não tinham direito à informação. Nesses casos, eu depois
soube, ela foi acusada de deliberada inverdade. Uma de suas tristezas
vem à minha mente enquanto escrevo: “pois então você saberá que
eu nunca, nunca enganei ninguém, embora tenha sido
frequentemente compelida a deixar que eles enganassem a si
mesmos.””(Keightley)

A Doutrina Secreta e Subba Row

Em setembro de 1886 HPB havia mandado para Adyar mais uma parte
do manuscrito da Doutrina Secreta através da Sra. Gebhard, que fora visitá-
la. Os manuscritos só chegaram no início de dezembro de 1886. Por essa
época, Subba Row estava se posicionando cada vez mais contra a abertura
de ensinamentos esotéricos aos ocidentais e recusou-se a “fazer mais do que
lê-la, dizendo que estava tão cheia de erros que se ele a tocasse teria que
reescrevê-la completamente!” (ODL III, 398)

HPB ficou muito aborrecida com sua atitude, mas recomeçou a


escrever todo o texto, pois tinha grande consideração e respeito por Subba
Row. Ela escreve para Olcott, em janeiro de 1887:

“Deixe S.R. [Subba Row] fazer o que ele quiser. Eu dou a ele carte
blanche. Confio em sua sabedoria muito mais do que na minha, pois
eu posso, em vários pontos, ter compreendido mal tanto o Mestre
quanto o Velho C. [Cavalheiro, ou o Mestre Narayan]. Eles me dão
apenas fatos e raramente ditam em sequência.” (Zirkoff, 38)
Subba Row não colaborou mais com a trabalho da Doutrina Secreta.
Em setembro de 1887, escrevendo para Subiah Chetty, HPB lhe diz:

(p. 292)
“Subba Row até mesmo se recusou, através de C. Oakley, a ler ou ter
qualquer coisa a ver com minha Doutrina Secreta. Eu gastei aqui 30
libras para datilografá-la, com o propósito de lhe enviar e agora, quando
tudo está pronto, ele se recusa a examiná-la. É claro que será um novo
pretexto para ele pichar e criticar quando ela de fato for editada. Por
esse motivo, eu retardarei sua publicação.” (Zirkoff, 45)

Em fevereiro de 1888, HPB escreve a Olcott que recebera uma carta


de um aluno pessoal de Subba Row, Tookaram Tatya, onde ele contava que
Subba Row estava pronto para:

“... me ajudar e corrigir minha D.S. desde que eu tirasse dela todas as
referências aos Mestres! Agora, o que é isso? Será que ele quer dizer
que eu deveria negar os Mestres, ou que eu não Os compreendo e
mutilo os fatos que Eles me dão, ou que ele, S.R., conhece as doutrinas
do Mestre melhor que eu? Pois pode significar tudo isso.” (Zirkoff, 48)

A recusa de Subba Row em ajudar na Doutrina Secreta repercutiu por


toda Sociedade Teosófica. Tookaram Tatya, diz que ele:

“... declinou de empreender o trabalho porque acreditava que o mundo


ainda não estava preparado para aceitar a divulgação daqueles
segredos que ficaram, por boas razões, até então mantidos restritos ao
conhecimento daqueles poucos consagrados.” (Row, vi)

Subba Row saiu da ST em 1887, mas continuou como assinante de


Lucifer e de The Theosophist e mantendo relações cordiais com Olcott e
HPB. Ele morreu em 24 de junho de 1890, aos 34 anos de idade. Olcott relata
que foi visitar Subba Row no dia 3 de junho, atendendo a seu pedido, para que
lhe desse passes mesméricos com o intuito de tentar aliviar suas dores. Ele
tinha o corpo todo coberto de furúnculos e pústulas, resultado de algum
envenenamento do sangue. Olcott descreve:

“Conhecendo-o como o instruído ocultista que era, uma pessoa


altamente apreciada por HPB (...) eu estava inexprimivelmente
chocado ao vê-lo num tal estado físico. (...) Ao meio-dia do dia 24 ele
disse àqueles a sua volta que seu Guru o havia chamado, que ele iria
morrer, e que ele estava agora começando suas tapas (invocações
místicas) e não queria ser perturbado. A partir daquele momento não
falou com mais ninguém.” (ODL IV, 241)

(p. 293)
HPB noticiou a morte de Subba Row, na edição de agosto de 1890 de
Lucifer, dizendo que poucos membros da ST ou leitores da Doutrina não
conheciam o nome de Subba Row, o grande sábio vedantino. E acrescenta:

“O carma tem misteriosos caminhos de executar seus fins, os quais


para o profano devem permanecer para sempre insondáveis. Somente
podemos sentir profundo pesar que um tal carma tenha atingido a
alguém com cuja morte Madras foi privada de um intelecto gigantesco,
e a Índia perdeu um de seus melhores eruditos.” (Ramajunachary, 45)

Lansdowne Road (agosto de 1887)

A condessa Wachtmeister chegou da Suécia em agosto de 1887,


reunindo-se a HPB e os Keightleys em Maycot. Como a casa era pequena e
distante do centro de Londres, eles decidiram mudar-se para um local mais
central. A condessa fala da mudança:

“Eu vim para a Inglaterra em agosto de 1887, encontrei HPB em


Norwood, e logo depois nos mudamos para Lansdowne Road, 17,
Holland Park, e então começou uma nova, difícil e frequentemente
dolorosa vida. As provações seguiam-se umas às outras em rápida
sucessão, mas o próprio resultado de todas essas provações e
preocupações foi o desenvolvimento da Sociedade e a disseminação
das verdades teosóficas.” (Some of Her Pupils, 20)

A casa na Lansdowne Road era bem maior e HPB pode ocupar todo o
andar de baixo. Tinha um pequeno dormitório que ligava-se a um escritório
grande, onde ela escrevia. Os Keightleys se preocupavam com pequenos
detalhes que pudessem contribuir com o bem-estar de HPB. Assim, no
escritório a mobília foi arrumada à volta de HPB de modo que ela pudesse
alcançar seus livros e papéis sem dificuldades. (Wachtmeister, 67)

O primeiro volume da Doutrina Secreta foi publicado em 20 de outubro


de 1888 e o segundo volume no final de dezembro, ou em janeiro de 1889.
Archibald, a pedido de HPB, havia ido para a 1° Convenção da Seção
Americana, em Chicago. Assim que ele voltou, em fevereiro de 1889, HPB lhe
deu os dois volumes publicados, escrevendo no segundo volume:

(p. 294)
“Para Archibald Keightley, meu verdadeiramente amado amigo e irmão,
e um dos zelosos editores desse trabalho; e possam esses volumes,
quando a autora estiver morta e partido, lembrá-lo daquela cujo nome
na presente encarnação é H.P. Blavatsky. Meus dias são meus
Pralayas [períodos de dissolução, obscurecimento ou repouso],
minhas noites – meus Manvantaras. [o oposto de Pralaya, i.e.,
períodos de atividade] HPB.” (CW IX, 431)

A mudança para a casa na Lansdowne Road propiciou que outras


pessoas integrassem à equipe de ajudantes, como G.R.S. Mead e D.E.
Fawcett. Archibald escreve que quando retornou da América mais
trabalhadores haviam se incorporado à casa, e havia trabalho para todos. E na
casa:

“A vida prosseguia com crescente pressão, cada um de nós tendo uma


relação especial com HPB, cada um recebendo um tratamento
diferente. Tot homines, quot sententiae, e as variações da rotina
diária e da vida eram todas adaptadas para testar e para a fortalecedora
reparação de qualquer defeito de caráter que pudesse afetar o trabalho
que estávamos fazendo.” (Keightley)
Mesmo com a Doutrina Secreta publicada, HPB continuava com uma
intensa atividade literária. Além de seus artigos para Lucifer e das instruções
para a Seção Esotérica, ela escreveu e publicou: A Chave para a Teosofia,
em julho de 1889; A Voz do Silêncio, em setembro e Gemas do Oriente, um
livrinho com pensamentos diários, em junho de 1890.

“Lucifer” (setembro de 1887)

Numa dessas conversas noturnas, HPB manifestou que estava tendo


cada vez mais dificuldade de que seus pontos de vista fossem expressos no
The Theosophist, que era editado na Índia, por Olcott. Então decidiram lançar
uma nova revista. Mas houve muita discussão quanto ao seu nome:

“Verdade”, “Tocha” e vários outros foram oferecidos como sugestões e


foram rejeitados. Então veio o “Portador da Luz” e finalmente “Lúcifer”
como uma abreviação. Mas alguns se opuseram com a maior
veemência a isso, por ser diabólico demais e ser muito contrário a “les
convenances” [às convenções]. Pereça o mundo!” (Keightley)

(p. 295)
HPB escreve para sua irmã:

“Estamos para fundar uma revista nossa, Lucifer. Não se deixe


assustar: não é o diabo, no qual os católicos falsificaram o nome da
Estrela da Manhã, sagrada para todo o mundo antigo (...) e não está
dito no Apocalipse de S. João, ‘Eu, Jesus, a estrela da manhã’? Eu
gostaria que as pessoas pelo menos tivessem isso em mente. É
possível que o anjo rebelde tenha sido chamado Lúcifer antes de sua
queda, mas após sua transformação ele não deve ser chamado
assim... É simplesmente assustadora a quantidade de trabalho que
tenho. Mas como poderei ter tempo para tudo – revistas, lições em
Ocultismo, a Doutrina Secreta, cuja primeira parte ainda não está
pronta – eu mesma não sei!” (Letters of H.P. Blavatsky, Xl)

No primeiro número da revista, editado em 15 de setembro de 1887,


aparecem os nomes de H.P. Blavatsky e Mabel Collins como editoras. O
primeiro artigo da revista explicava a escolha de seu polêmico nome:

“Ora, o primeiro e mais importante, senão o único objetivo da revista,


(...) é mostrar em seu verdadeiro aspecto e real significado original
coisas e nomes, homens e suas ações e costumes; é, finalmente,
combater o preconceito, a hipocrisia e a falsidade em todas as nações,
em todas as classes da sociedade e em todos os departamentos da
vida. A tarefa é laboriosa, mas não impraticável, nem inútil, mesmo
como uma experiência.” (CW VIII, 5)

Annie Wood Besant

Annie Wood nasceu em 1 de Outubro de 1847, em Londres, sendo


descendente de irlandeses. Aos 20 anos casou-se com o Reverendo Frank
Besant, com quem teve dois filhos. Diante de crescentes dúvidas com relação
ao Cristianismo, seu marido obrigou-a a escolher entre a submissão e
fingimento ou a separação. Apesar do escândalo e da perda da guarda dos
filhos, Annie escolheu a separação. Depois da separação, Annie Besant
passou a buscar resposta para as questões religiosas e filosóficas que a
angustiavam. Suas reflexões levaram-na
(p. 296)
para o ateísmo e para uma ética fundada no dever da correção pela correção
e não, como acontece na postura religiosa comum, na esperança de qualquer
prêmio ou no receio de qualquer castigo.

Também veio o interesse pela política e questões sociais, tornando-se


uma destacada militante socialista, pelos direitos das mulheres e pelo
reconhecimento pleno das liberdades de expressão em geral. Na luta dessas
causas começou a se manifestar seu notável talento oratório e literário.

No início de 1889, trabalhando como jornalista, lhe pediram para fazer


uma crítica literária da obra A Doutrina Secreta. Annie Besant levou os dois
pesados volumes para ler em casa. Seu assombro foi enorme, pois o assunto
lhe parecia extremamente familiar. (Caldwell, 268)

Após redigir a crítica foi visitar HPB, que a recebeu com um veemente
aperto de mãos, exclamando: “Minha querida Senhora Besant! Há quanto
tempo eu desejava conhecê-la”. (Caldwell, 268) Esse primeiro encontro
deixou uma forte impressão em Annie. Numa segunda visita, Besant
novamente lhe perguntou sobre a Sociedade Teosófica, “com desejo de
ingressar, mas lutando contra esse sentimento” (Caldwell, 268), pois essa
atitude implicaria numa completa mudança em sua vida. Ela estaria voltando-
se contra o Materialismo que até então defendera, e publicamente
confessando que estivera errada.

Essa profunda luta interna não se resolvia, e Besant mais uma vez foi
a Lansdowne Road para ter mais informações sobre a ST. Então Madame
Blavatsky olhou-a penetrantemente e lhe deu o relatório da SPR, dizendo
apenas: “Vá e leia-o; e se, após sua leitura, você voltar – muito bem.”
(Caldwell, 269) Annie leu o relatório e, no dia seguinte, formulou o pedido de
ingresso na Sociedade Teosófica. Ao receber seu diploma de membro, dirigiu-
se para Lansdowne Road, onde encontrou HPB sozinha. Ela relata o encontro:

“... aproximei-me dela, inclinei-me e beijei-a mas sem falar nada. “Você
ingressou na Sociedade?” “Sim.” “Leu o relatório?” “Sim” – “E então?”
Caí de joelhos diante dela e apertei suas mãos entre as minhas,
olhando direto em seus olhos. “Minha resposta é: você me aceitaria
como sua discípula e me daria a honra de proclamá-la ao mundo como
minha instrutora?” O seu austero semblante se suavizou e lágrimas
irreprimíveis lhe brotaram dos olhos;
(p. 297)
depois, com dignidade mais régia, colocou a sua mão sobre a minha
cabeça, dizendo: “Você é uma nobre mulher! Que o Mestre a
abençoe!”.” (Caldwell, 269)

George R.S. Mead (agosto de 1889)

George Robert Stowe Mead nasceu em 22 de março de 1863, em


Nuneaton, Inglaterra. Iniciou seus estudos em Matemática, mas logo depois
mudou para línguas e literatura clássicas, obtendo um conhecimento de Grego
e Latim que lhe seria de grande valor nos anos seguintes. Logo após sua
graduação em Cambridge, em 1884, entrou para a Sociedade Teosófica. Por
essa época leu o livro de Sinnett, Budismo Esotérico e associou-se a Bertram
Keightley e Mohini Chatterji. (CW XIII, 393)

Mead se encontrou com HPB pela primeira vez em 1887. Foi trabalhar
como seu secretário em agosto de 1889, cargo que ocupou até o final da vida
de HPB. Na ocasião ainda havia uma grande suspeita pública pairando no ar,
pois “o público em geral daquela época, acreditando na impossibilidade
de todos os fenômenos psíquicos, naturalmente condenou HPB sem
qualquer questionamento.” (Mead, 7) Entretanto, sua convivência com HPB
logo lhe mostrou uma imagem que contradizia completamente aquela que o
relatório da SPR apresentava. Mead relata que foi trabalhar com ela:

“... com um conhecimento acurado do Relatório e de todas as suas


elaboradas hipóteses em minha mente; e não poderia ter sido de outro
modo. Mas poucos meses de relações pessoais com HPB me
convenceram de que as próprias falhas de sua personalidade eram tais
que ela não poderia, de modo algum, ter levado adiante uma fraude
cuidadosamente planejada, mesmo que ela o quisesse fazer, e muito
menos um esquema elaborado de trapaça, dependendo da
manipulação de dispositivos mecânicos e da ajuda de cúmplices
astutos.
“Ela frequentemente era muitíssimo imprudente em suas
declarações, e se estivesse brava falaria sem pensar qualquer coisa
que pudesse vir em sua cabeça, não importando quem estivesse
presente. Ela não parecia se importar com o que qualquer pessoa
pudesse pensar, e algumas vezes iria se incriminar de todo tipo de
(p. 298)
coisas – defeitos e fracassos – mas nunca, sob quaisquer
circunstâncias, mesmo em seus mais exaltados estados de espírito, ela
pronunciou uma sílaba que de qualquer modo pudesse confirmar as
especulações e acusações do Dr. Hodgson. Eu estou convencido de
que se ela fosse realmente culpada das coisas que lhe acusavam a
esse respeito, ela não poderia ter deixado escapar, em uma ou outra
de suas frequentes explosões ou confidências, alguma palavra ou
indicação de uma natureza incriminatória.” (Mead, 7)

Outro aspecto que para Mead demonstrou a inocência de HPB foi como
ela o recebeu, pois quando foi trabalhar como seu secretário particular, ela mal
o conhecia. Se fosse uma impostora, seria arriscado empregar alguém assim,
pois muitas vezes ela era espionada pelos inimigos. Entretanto, ela não
apenas o admitiu à sua íntima convivência, mas o recebeu com total confiança:

“Ela me deixou responsável por todas as suas chaves, seus


manuscritos, sua escrivaninha e suas várias gavetas nas quais ela
mantinha seus papéis mais particulares; não apenas isso, mas ainda
mais, sob a alegação de que precisava ser deixada em paz para seus
escritos, ela absolutamente se recusou a ser incomodada com suas
cartas, e me fez assumir sua volumosa correspondência, e isso sem
nem mesmo primeiro abri-la pessoalmente. Não apenas
metaforicamente, mas algumas vezes verdadeiramente arremessava
as missivas ofensivas em minha cabeça!” (Mead, 8)

Mead não somente tinha que ler toda a correspondência, mas também
responder às cartas, da melhor maneira que pudesse. HPB era muito lacônica
em suas orientações quanto a como responder às cartas, e gradualmente foi
ficando ainda mais silenciosa, de modo que:

“... frequentemente eu tinha que correr o risco de desagradá-la,


insistindo por uma resposta ou tentando persuadi-la para que ela
mesma respondesse alguma carta que fosse de grande importância.
Era comparativamente fácil manter a salvo a correspondência que
chegava pela manhã, mas as cartas chegando nas entregas
posteriores eram uma dificuldade; pois HPB severamente negava todo
acesso a seu quarto e, para compensar isso, costumava guardar
cuidadosamente as cartas importantes em esconderijos, de modo a me
entregá-las mais tarde, enquanto as demais eram deixadas à sua
própria sorte. O plano não era bom, pois ela quase
(p. 299)
sempre esquecia de seus esconderijos e frequentemente eu não podia
resgatar o resto das cartas perdidas e extraviadas entre seus
manuscritos, pois ela não deixaria ninguém tocar no trabalho que
estava ocupada no momento, e assim elas tinham que ficar, para serem
respondidas quando finalmente fossem desenterradas numa data
distante. Mas, gradualmente também nós encontramos nossos
melhores métodos, e por último não tínhamos que jogar tantos jogos
de esconde-esconde.” (Some of Her Pupils, 33)

Quando Mead começou a trabalhar com HPB, ela estava em Jérsei, e


ele foi encontrá-la. Logo após sua chegada, HPB entrou inesperadamente em
seu quarto, com um manuscrito, pedindo-lhe que lesse e desse sua opinião.
Era a terceira parte de Voz do Silêncio. Enquanto ele lia, ela:

“... sentou-se e fumou seus cigarros, batendo com o pé no chão, como


frequentemente era seu hábito. Eu continuei lendo, esquecendo sua
presença diante da beleza e sublimidade do tema, até que ela quebrou
meu silêncio com “Então?” Eu lhe disse que era a coisa mais grandiosa
de toda a nossa literatura teosófica e tentei, contrariamente ao meu
costume, transmitir em palavras algo do entusiasmo que sentia. Mas
mesmo assim HPB não estava satisfeita com seu trabalho e expressou
sua grande apreensão de que tivesse falhado em fazer justiça ao
original em sua tradução, e mal pode ser persuadida de que havia feito
um bom trabalho. Essa era uma de suas principais características. Ela
nunca estava confiante em seu próprio trabalho literário e ouvia
alegremente todas as críticas, mesmo de pessoas que deveriam ter
ficado quietas. Estranhamente, sempre estava muito receosa de seus
melhores artigos e trabalhos e muito confiante em seus escritos
polêmicos.” (Some of Her Pupils, 32)

Quando eles voltaram para Lansdowne Road, “uma daquelas


mudanças, tão familiares para aqueles que trabalharam com HPB,
ocorreu” (Same of Her Pupils, 32) e os dois Keightleys foram viajar para o
exterior. Assim, a maior parte do trabalho dos dois recaiu sobre Mead, que
gradualmente passou a compartilhar mais da companhia de HPB. Mead
começou então uma carreira de escritor, que manteve até o final de sua vida.
Ele foi um dos grandes eruditos que a ST teve na época, e um dos únicos que
dedicou-se ao estudo das origens do Cristianismo.

(p. 300)
Sete de seus livros tratam especificamente do Gnosticismo ou textos
Gnósticos, começando com Simon Magus (“Simão Mago”) em 1892.
(Goodrick-Clarke, 138) Em 1890 Mead traduziu para o Inglês o texto Pistis-
Sophia, a partir da versão em Latim de M.G. Schwartze, que fora feita
diretamente do manuscrito copta original, no Museu Britânico. Após a morte
de HPB, Mead e Besant ficaram como editores de Lucifer. Em 1898, Mead
mudou o nome da revista para The Theosophical Review, passando a ser
seu único editor. Em 1899 ele casou-se com Laura Cooper, irmã de Isabel
Cooper-Oakley.

Besant e Mead publicaram em junho de 1897 o chamado volume III da


Doutrina Secreta, que na edição brasileira, de 6 volumes, corresponde aos
dois últimos. Nesse 3° volume eles incluíram escritos não publicados e
ensinamentos esotéricos que HPB havia escrito para os membros da Seção
Esotérica. Há muitos estudiosos que consideram que esse material publicado
não fazia parte da Doutrina Secreta, e que o “verdadeiro” terceiro volume que
HPB prometera escrever teria se perdido, nunca tendo sido publicado.
(Caldwell 1999)

Aparentemente, parte do material publicado era o que na


reorganização feita pelos Keightleys, ficou de fora dos dois primeiros volumes.
Um exemplo disso é o material que diz respeito à vida de grandes Adeptos,
como Simão Mago, São Paulo, Pedro, Apolônio de Tiana, São Cipriano de
Antioquia, Gautama Buddha e Tsong-kha-pa. Bertram Keightley, que conhecia
bem o material da Doutrina, desde seu primeiro manuscrito afirmou, quanto
ao que HPB pretendia para o terceiro volume, que: “todo esse material foi
publicado no terceiro volume, o qual contém absolutamente tudo que
HPB deixou em manuscritos.” (Caldwell 1999)

Mead foi também o responsável pelos preparativos e pelo discurso na


cerimônia da cremação de HPB, em 11 de maio de 1891, onde disse: “H.P.
Blavatsky está morta, mas HPB, nossa instrutora e amiga está viva, e
viverá para sempre em nossos corações e memórias.” (Some of Her
Pupils, 8)

Num artigo de 1904, ele demonstra o quanto ela ainda estava viva
dentro dele, ao escrever:

“H.P.B. era uma guerreira, não uma sacerdotisa, era uma profetisa
mais do que uma vidente; ela era, além disso, muitas coisas que você
não esperaria como um instrumento para trazer de volta
(p. 301)
o conhecimento de muito do que havia de mais sagrado e sábio na
antiguidade. Ela era verdadeiramente como o símbolo vivo da aparente
insensatez desse mundo, pela qual a sabedoria é prenunciada. Nessa
vida, estou convencido, nunca sentirei novamente tanta consideração
por alguém quanto por ela; somente ela me deu um sentimento de estar
em contato com alguém colossal, titânico, às vezes quase cósmico.
Algumas vezes tenho me perguntado se esse estranho ser de fato
pertencia à nossa humanidade – e contudo ela era tão humana, tão
cativante. Teria ela fugido de algum outro planeta, por assim dizer?
Será que ela normalmente pertencia à evolução deles? Quien sabe?
“Para todas essas questões, nenhum de nós que a conheceu e
a amou pode dar qualquer resposta segura; ela permanece nossa
esfinge, nosso mistério, nossa ternamente amada Velha Senhora.”
(Mead, 19)

(p. 302)
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