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Dacia Viejo Rose Marie Huber Lilia Schwarcz Ariel

Sophia Bardi Alice Procter Elizabeth Buettner Amita


Património é sinónimo de posse e ambos são uma convenção,
histórica e social. Por maioria de razão, património cultural é também
resultado de um entendimento, de um pacto de reconhecimento

Kanekar Jason Keith Fernandes Paulo Peixoto Luís


coletivo de valores culturais num determinado bem. Qualquer
alteração na leitura desses valores implica, assim, a renegociação
desse reconhecimento. Tal processo torna-se mais complexo quando

Raposo Bárbara Reis Dacia Viejo Rose Marie HuberLilia


decorre da entrada de novos grupos no coletivo de reconhecimento,
pois conduz à atribuição de novos valores, significando, por vezes, a
contestação dos anteriores.

Patrimónios Contestados
Schwarcz Ariel Sophia Bardi Alice Procter Elizabeth
Meio século depois da conclusão das descolonizações políticas,
multiplicam-se argumentos a favor de uma descolonização
cultural, o que gera processos de contestação sobre as formas de

Buettner Amita Kanekar Jason Keith Fernandes Paulo


reconhecimento do valor cultural de uma miríade de bens, do seu
significado, propriedade e tutela, das aspirações e regras para a sua
partilha e usufruto. Não está apenas em causa a natureza patrimonial

Peixoto Luís Raposo Bárbara Reis Dacia Viejo Rose


desses bens, mas todo o sistema internacional do património
cultural. É, assim, um dos debates políticos com maior potencial
transformador das sociedades contemporâneas.

Marie Huber Lilia Schwarcz Ariel Sophia Bardi Alice


Este livro e o curso que lhe está associado nasceram em diálogo com
estas transformações. Oferecendo pontos de vista muito variados,

Procter Elizabeth Buettner Amita Kanekar Jason


especialistas internacionais e nacionais abordam casos e tópicos de
grande pertinência contemporânea – de Mostar e Tombuctu a Goa e
São Paulo, da Palestina à Etiópia, de Gandhi à questão das histórias
coloniais dos museus e às dimensões internacionais dos debates e

Keith Fernandes Paulo Peixoto Luís Raposo Bárbara


políticas de patrimonialização – envolvendo reflexões valiosas sobre

Patrimónios
Portugal e sobre espaços e culturas com influência portuguesa.

Reis Dacia Viejo Rose Marie HuberLilia Schwarcz Ariel


Miguel Bandeira Jerónimo | Walter Rossa | Dacia Viejo Rose | Lilia

Contestados
Sophia Bardi Alice Procter Elizabeth Buettner Amita
Schwarcz | Marie Huber | Ariel Sophia Bardi | Alice Procter | Elizabeth
Buettner | Amita Kanekar | Jason Keith Fernandes | Paulo Peixoto |
Luís Raposo | Bárbara Reis

Kanekar Jason Keith Fernandes Paulo Peixoto Luís Coordenação: Miguel Bandeira Jerónimo | Walter Rossa

Raposo Bárbara Reis Dacia Viejo Rose Marie HuberLilia


Patrimónios
Contestados
Ficha Técnica
Autores Miguel Bandeira Jerónimo, Walter Rossa, Dacia Viejo Rose, Lilia
Schwarcz, Marie Huber, Ariel Sophia Bardi, Alice Procter, Elizabeth Buettner,
Amita Kanekar, Jason Keith Fernandes, Paulo Peixoto, Luís Raposo e Bárbara Reis
Coordenação Científica Miguel Bandeira Jerónimo e Walter Rossa
Coordenação Executiva Alexandrina Sofia Carvalho
Design e paginação Marco Neves Ferreira
Traduções e revisões Giovanna Imbernon e Nádia Ochoa Rodrigues
Apoios Cátedra UNESCO em Diálogo Intercultural em Patrimónios de
Influência Portuguesa, Instituto de Investigação Interdisciplinar e Centro de
Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Camões IP.
Impressão SIG - Sociedade Industrial Gráfica, Lda.
Depósito Legal nº 481811/21
Edição Público — Comunicação Social S.A.
Abril de 2021

www.publico.pt | www.loja.publico.pt

Imagem de capa
Shailesh Dabholkar, Auto retrato Azulejo, 2019
aguarela, 35x35(cm), coleção particular

A imagem foi selecionada de entre as que nos chegaram dos diversos autores.
Jason Keith Fernandes propôs esta aguarela da sua coleção particular que tem, per
si, uma extraordinária força polissémica, ainda maior se levarmos em conta que
é o autorretrato de um jovem artista hindu goês, que sobre a mesma nos enviou
a declaração seguinte: “The image features a poetic conversation between the
man and nature around him, with the small bird uplifting the poet's spirit.” O
nosso agradecimento a ambos, bem como a Vivek Menezes pela fotografia.

É expressamente proibido reproduzir esta obra no seu todo ou em parte sob


qualquer suporte ou meio. As transgressões serão passíveis das penalizações
previstas na legislação em vigor.

Os textos respeitam a norma ortográfica escolhida pelos autores ou, no caso dos
traduzidos, pelos coordenadores científicos.
Optou-se por manter o texto da autora Lilia Schwarcz escrito em português do Brasil.
Sumário
05 Miguel Bandeira Jerónimo e Walter Rossa
O bem e o mal do(s) património(s) 10 Dacia
Viejo Rose Património cultural em conflito: da
violência à reparação 26 Lilia Schwarcz Ser
ou não ser patrimônio: bandeirantes e bandei-
ras e outros conjuntos escultóricos contesta-
dos 50 Marie Huber Patrimonialização interna-
cional, desenvolvimento e política nacional da
história: o legado institucional dos programas
de conservação da UNESCO na Etiópia 72 Ariel
Sophia Bardi Doma-cracy planeada: memó-
ria e apagamento na Índia e em Israel 88 Alice
Procter Desconforto, disfunção: quem se sen-
te em casa no museu? 104 Elizabeth Buettner
Gandhi@150: O “Mahatma” como um ícone glo-
bal celebrado e contestado 124 Amita Kanekar
Brahmin ou Bahujan, património ou constran-
gimento? A identidade conflituosa do templo
goês 146 Jason Keith Fernandes Para que os
subalternos não falem: a oclusão do património
português entre os goeses 170 Paulo Peixoto,
Luís Raposo e Bárbara Reis Patrimónios con-
testados em Portugal: problemas, casos, deba-
tes 190 Biografias dos autores
5

Miguel Bandeira Jerónimo


Walter Rossa

Apresentação
O bem e o mal do(s)
património(s)

Nem sempre utilizamos com precisão a palavra património, espe-


rando que o contexto de comunicação clarifique o sentido em que
o fazemos. Também já estamos bem longe da sua estreita signifi-
cação etimológica. E assim se vão sedimentando ambiguidades
e confusões que emergem, e florescem, em momentos de maior
tensão social. Na abertura deste livro não pode ser assim, pois
se nos propomos abordar situações em que património (qual?)
está sob contestação, o rigor impõe-se. Importa, ainda que de for-
ma breve, colocar o leitor perante diversas vertentes da utilização
do termo e, assim, de aplicação do conceito. Património cultural
e património histórico são neste contexto as variantes chave, dis-
pensando-nos de abordar muitas outras, como património natu-
ral, património industrial ou património arqueológico.
6 PATRIMÓNIOS CONTESTADOS

Atentemos nos três factos seguintes: património é algo que


existe, não é passado; nada surge ou é produzido como patrimó-
nio cultural ou histórico, apenas eventualmente como patrimó-
nio; património é sinónimo de posse estável de bens, o que resulta
de convenções, históricas e sociais. Se assim é, podemos afirmar
que património cultural é o resultado de um entendimento, de um
pacto de reconhecimento coletivo de valores culturais próprios,
identitários, obedecendo naturalmente a lógicas de poder especí-
ficas, num determinado conjunto de bens. Podemos ainda admi-
tir que qualquer alteração significativa na perceção desses valores,
ou nas relações de poder que os consolidou, implica a renegocia-
ção daquele pacto. É um processo que se torna complexo e po-
tencialmente conflituoso quando, por exemplo, decorre da entra-
da de novos grupos no coletivo com soberania sobre os bens, pois
conduz à atribuição de novos valores, à recalibragem dos existen-
tes e, por vezes, ao seu questionamento. A situação extrema ocor-
re quando apenas a última dessas três hipóteses fica sobre a mesa,
pois o estatuto desses bens enquanto património cultural fica sob
contestação e, se tiver expressão material, a sua integridade físi-
ca em risco. Com as necessárias adaptações, poderíamos fazer um
raciocínio paralelo em relação ao património histórico e concluir
que, além das virtualidades cândidas propaladas em diversas con-
venções e cartas internacionais, a partilha de património tem sem-
pre implícito um potencial de ignição de conflitos.
Por regra, os processos de contestação desencadeiam o ex-
tremar de posições. Torna-se muito difícil encontrar pontos para
compromisso e as condições para a afirmação de posições mode-
radas, que procuram ver a questão segundo as suas mais diversas
facetas, estreitam-se. A sobrevivência face ao ruído do simplismo
comprometido é difícil. Uma das reflexões obrigatórias será espe-
cular sobre que significado terá uma qualquer decisão no futuro.
Qual o legado, os novos valores que então se juntam ao conheci-
mento dos bens? No fundo, a decisão mais radical, a da destrui-
ção, é, também ela, um ato cultural com valores. É ainda um re-
gisto, uma indicação para memória futura de quando o que era
considerado bem, foi num outro contexto entendido como des-
cartável ou mesmo um mal exigindo supressão. Sabemos pou-
co de muitos edifícios, potencialmente notáveis, destruídos nas
MIGUEL BANDEIRA JERÓNIMO E WALTER ROSSA 7

invasões bárbaras do Império Romano do Ocidente, ou até pela


conquista turca de Bizâncio, mas temos conhecimento do facto
em si. Hoje é, contudo, muito provável que o que seja levado a de-
saparecer venha a ser virtualmente conhecido no futuro, pois o
registo documental, sob os mais diversos suportes e meios, é cada
vez mais uma obsessão coletiva. O facto é de tal modo evidente,
que hipotéticas versões modernas de autos de fé terão, por certo,
a sua eficácia condenada ao fracasso. E se parece certo que para
os romanos e bizantinos esses bens destruídos tinham, entre ou-
tros, valores culturais, estava-se ainda muito longe da construção
do edifício conceptual que o último século e meio ergueu em tor-
no da expressão património cultural.
Continuamente alimentado com conhecimento cumulati-
vo, mas disputado, o conceito foi-se alargando, e aprimorando
de modo por vezes equívoco. A sua polissemia cresceu, a clare-
za semântica diminuiu, apesar de ter sido enriquecida, e a sua
utilização multiplicou-se, por vezes sem critério e propriedade.
Exemplificando: Será todo o património, designadamente o histó-
rico, património cultural? Serão todos os monumentos patrimó-
nio cultural? Em tese é óbvio que não, o que não é demérito para
qualquer uma dessas categorias, tão só uma forma expedita de
evidenciar um dos problemas, fonte de equívocos e, por vezes,
contradições, subjacentes aos debates atuais, que os leitores tam-
bém encontrarão ao longo deste livro.
À partida, se não dissesse respeito a momentos do passado
que a História valoriza pelo seu significado e relevância contem-
porâneos, património histórico poderia insinuar-se como uma
expressão redundante, pouco útil. Nessa asserção não só é útil
como carece de representações que exponenciem essa valoriza-
ção de momentos, factos, figuras, o que alinha o património his-
tórico com o conceito de monumento, ou seja, com o papel es-
sencialmente representativo de algo. Há objetos criados com essa
função de evocar, representar algo ou alguém, como é o caso das
estátuas ou obeliscos. Também outros – objetos já existentes, cria-
dos, desenvolvidos e usados para outros fins – a dado momento
passaram a estar investidos com essa função adicional de repre-
sentação, que, com frequência, acaba por ser a principal. Mas a
História muda em função das solicitações do presente. Por isso o
8 PATRIMÓNIOS CONTESTADOS

que hoje é património histórico poderá não continuar a sê-lo ama-


nhã. Que problemas decorrem disso? É grave? Haverá perda? Para
quem? Porquê?
Não querendo continuar a forçar uma separação que a reali-
dade raramente admite, seria porventura útil desenvolver, de um
modo analítico, o mesmo raciocínio sobre património cultural.
Desde logo, tal exercício remeter-nos-ia para o conceito de cultu-
ra e para a sua relação com a História, problemática sobre a qual
aqui não nos podemos deter. Podemos, porém, afirmar que o pa-
trimónio cultural tem no sistema de valores culturais reconheci-
dos num conjunto de bens, o mesmo que o património histórico
tem da História. Mas terão os valores culturais uma transitorieda-
de idêntica à da História ou vão-se acumulando e sedimentando?
E serão os valores culturais de um bem apenas representações de
algo, ou parte da sua essência ou aura, seja ela de origem ou resul-
tante da patine desenvolvida pelo tempo?
Da resposta que cada um de nós der às questões colocadas nos
três parágrafos anteriores, resultarão luzes sobre a posição que as-
sumiremos, caso a caso, em processos de património contestado,
seja ele histórico ou cultural, ou ambos, como é mais frequnte.

Meio século depois da conclusão das descolonizações políticas,


começaram a multiplicar-se os argumentos para uma descoloni-
zação cultural, o que gera processos de contestação sobre a His-
tória e sobre formas de reconhecimento do valor cultural de uma
miríade de bens, acerca do seu significado, propriedade e tutela,
sobre as aspirações e regras para a sua partilha e usufruto. Não
está apenas em causa a soberania sobre esses bens, mas todo o
sistema internacional do património cultural. É, assim, um dos
debates políticos com maior potencial transformador das socie-
dades contemporâneas. Chegou a Portugal de forma geralmente
tímida e enviesada. Mais que a um debate, plural e informado,
dialogante e reflexivo, assiste-se à afirmação de posições já exis-
tentes, óbvias e pouco criativas, imunes à diversidade de contex-
tos, de casos, de problemas associados.
Tendo, na Universidade de Coimbra, a responsabilidade de
coordenação da Cátedra UNESCO em Diálogo Intercultural em
MIGUEL BANDEIRA JERÓNIMO E WALTER ROSSA 9

Patrimónios de Influência Portuguesa e do curso de doutoramen-


to homónimo, estas matérias estão naturalmente no centro das
nossas preocupações, bem como dos colegas e estudantes com
quem quotidianamente interagimos. E o que mais nos tem preo-
cupado é, precisamente, a falta de condições para um bom de-
bate. Talvez mais importante que os resultados e decisões, seja o
processo: os métodos mobilizados, as dinâmicas de conhecimen-
to que gera e o grau de participação alcançado. Numa palavra, ci-
dadania. São necessários informação e conhecimento para a to-
mada responsável e coletiva de decisões.
Em parceria com o jornal Público, desenhámos um projeto
que tem como objetivo central contribuir para esse fim. Projeto
que articula três componentes autónomas: um curso em linha, um
conjunto de textos no suplemento P2 do jornal e este livro. Em to-
dos elas contamos com o contributo de onze personalidades com
especializações e percursos muito diversificados, composto segun-
do uma visão poliédrica de conceitos, problemas e casos diver-
sos na temática, geografia e contextos de património contestado:
de Mostar e Tombuctu a Goa e São Paulo, da Palestina à Etiópia,
de Gandhi à questão das histórias coloniais dos museus e às di-
mensões internacionais dos debates e políticas de patrimonializa-
ção, incluindo abordagens ao papel da UNESCO e reflexões sobre
Portugal e sobre espaços e culturas com influência portuguesa.
O livro encerra, precisamente, com um conjunto de três tex-
tos breves dedicados aos Patrimónios contestados em Portugal.
Textos que, como na sua introdução explicamos, tiveram como
mote mais três perguntas que, desde logo e após a leitura crítica
do conjunto, convidamos os leitores a responder. Estão em causa
bens e males comuns.

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