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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rafaela Ferreira da Silva

Reforma Ultramontana e
“il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas”:
Os Carmelitas Descalços na Diocese de Pouso Alegre-MG
(1911-1922)

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Rafaela Ferreira da Silva

Reforma Ultramontana e
“il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas”:
Os Carmelitas Descalços na Diocese de Pouso Alegre-MG
(1911-1922)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP), como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em História Social, sob orientação da Profa.
Dra. Yvone Dias Avelino.

SÃO PAULO
2015
BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________
DEDICATÓRIA

À Maria Imaculada e
José Antônio Ferreira da Silva (in memoriam)
AGRADECIMENTOS

A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas


pessoas e instituições que, ao longo dos últimos anos, me proporcionaram as justas condições
para poder cursar o Mestrado e desenvolver este estudo.
Agradeço primeiramente à minha orientadora, Profa. Dra. Yvone Dias Avelino que,
desde o curso de especialização “História, Sociedade e Cultura”, teve sensibilidade e carinho
em me orientar e conduzir em todas as etapas deste processo, até a conclusão da presente
pesquisa.
Registro também meu sincero agradecimento e reconhecimento ao corpo docente do
Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) pela atenção a mim concedida durante o curso de Mestrado. No mesmo
sentido, agradeço a Elisabete Neves Oliveira (Betinha) pela solicitude com que sempre me
auxiliou nos assuntos burocráticos do Programa.
Minha gratidão aos professores Doutores Ênio José da Costa Brito, Fernando Torres
Londoño, Edgar Silva Gomes e Maria Odila Leite da Silva Dias, pelas valiosas contribuições
dadas à pesquisa por ocasião do meu Exame de Qualificação e durante o curso.
Na Província São José dos Carmelitas Descalços (Sudeste do Brasil), manifesto meu
reconhecimento a todos os religiosos dos conventos de São Roque, São Paulo, Belo Horizonte
e Rio de Janeiro que, em ocasiões diversas, me receberam com fraternal acolhida, e me
proporcionaram o apoio e acesso necessários para pesquisar nesses arquivos. De modo
especial, agradeço aos Freis Patrício Sciadini, Rafael Gomes, Mariano Júnior, César Cardoso,
Leandro Alcides Pereira e Alzinir Debastiani.
Agradeço à Arquidiocese de Pouso Alegre pela atenção com que sempre me acolheu
em suas dependências e arquivo. Com destaque, agradeço ao chanceler e arquivista, Mons.
José Dimas de Lima e aos Padres Sebastião Márcio e Jésus Andrade Guimarães pela
cooperação na pesquisa. Agradeço ainda ao Padre Júlio Perlatto (in memoriam) a tradução
latina de alguns dos documentos utilizados nesse trabalho.
À Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços, agradeço pelo suporte a
mim concedido, especialmente aos Freis Onorio di Ruzza e Pancrazio Recchia.
À Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços, sou grata pelo grande
interesse nesta obra. Manifesto meus agradecimentos aos religiosos Frei Oscar Ahedo e Frei
Julio Almansa que, desde o primeiro contato, demonstraram verdadeira amizade na busca de
documentos sobre a fundação de casas em Minas Gerais. Agradeço também a confiança
depositada em meu trabalho, o que me possibilitou em ocasiões privilegiadas e através desta
intermediação, estabelecer uma integração com membros das congregações europeias e sul-
americanas da Ordem.
A Carlos Danilo Oliveira Lopes, Arlindo Gomes, Luiza Maria de Faria, Maria
Aparecida Chiaradia Finamor, Guido Finamor e Silva, Elza Valladão, Márcio Martins
Finamor, Sandra Portuense, Gustavo Dell’Agnolo, Alcides Dell’Agnolo, Padre Nando Dormi,
Giuseppe Cassio, Elva Milardi, Paolo Pellegrini, Paloma Campanhola, Antônio Augusto de
Assis, Marcos Ayres Barboza, Adalberto Freire, Tânia Maria Moreno, Celeste Dias, Padre
Maurizio de Narni, Carlos Augusto Rezende, Gisele Maria Melo Resende, Hosana Ortiz e
Diego Almeida, agradeço pelo apoio e cooperação em diversas etapas desse trabalho.
Aos professores e amigos Dr. Silvano Giordano, ao Ms. Diego Omar da Silveira e
Dra. Mabel Salgado Pereira, agradeço o carinho, amizade e orientação sobre assuntos tratados
neste trabalho no decorrer dos últimos anos.
Registro ainda minha gratidão pelo apoio que recebi da Prefeitura Municipal de
Extrema através do Gabinete e das Gerências de Turismo e de Cultura, respectivamente nas
pessoas do Prefeito Municipal, Dr. Luiz Carlos Bergamin, do Vice-Prefeito, Sr. João Batista
da Silva, Ana Paula Odoni e Pablo Farina. Sem este apoio, cursar o Mestrado teria sido
impossível.
Agradeço a toda a minha família, da qual me sinto honrada de fazer parte. À minha
mãe, Maria Imaculada, agradeço pelo exemplo de amor e dedicação, pelo incentivo e pelo
suporte. A meu pai, José Antônio Ferreira da Silva (in memoriam), que não pôde ver a
conclusão desta pesquisa, deixo meu sentimento de admiração pela sua inteligência, que
norteou minha vida acadêmica. Aos meus avós, Ditinha e Onofre (in memoriam), e às minhas
tias Maria do Carmo, Maria Alzira, Maria José, Maria Benedita e Maria Lúcia agradeço pelos
momentos agradáveis em família, fonte de segurança, refúgio e bem estar. A Aparecido
Garcia da Silva, agradeço pelo apoio, solicitude e suporte em muitas das etapas do
desenvolvimento deste trabalho.
E, finalmente, agradeço a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior) que, por meio da Comissão de Bolsas do Programa de Estudos Pós-
Graduados em História da PUC-SP, me concedeu uma bolsa de pesquisa, sem a qual, a
realização do Mestrado teria sido muito difícil.
Arpa d'or dei fatidici vati,
perché muta dal salice pendi?
Le memorie nel petto raccendi
ci favella del tempo che fu!

Nabucco. GIUSEPPE VERDI


RESUMO

A presente pesquisa estuda o processo de Reforma Ultramontana do catolicismo brasileiro,


através da atuação da Ordem dos Carmelitas Descalços da Província Romana, nas paróquias
sul mineiras de Cambuí e do Senhor Bom Jesus do Córrego no período de 1911 até 1922. O
recorte temporal desta pesquisa inicia-se em 1911, quando são fundadas as casas de Córrego
do Bom Jesus e de Cambuí e se estende até 1922, quando a fundação de Cambuí é fechada e
os teresianos se retiram do sul de Minas Gerais. Nesse período de pouco mais de uma década,
diversas intervenções dos Carmelitas Descalços são percebidas nessas duas comunidades, e
estão relacionadas à tentativa de implantação das diretrizes da Reforma Ultramontana da
Igreja no Brasil, tendo por base o projeto reformador presente na então Diocese de Pouso
Alegre. Inseridos nesta nova configuração do catolicismo brasileiro, os teresianos dedicam-se
à tentativa de substituição gradual de uma prática religiosa pouco austera, festiva, social,
familiar e, em grande medida, leiga, pelo catolicismo romano e reformado. Propomo-nos a
estudar a presença dos teresianos nessas paróquias, refletindo como se elaboraram as relações
entre as formas impostas do catolicismo ultramontano e as identidades sempre reafirmadas
pelos leigos, presentes nos ritos e práticas da religiosidade local. As principais fontes
utilizadas nesse estudo foram o periódico ilustrado da Ordem dos Carmelitas Descalços, Il
Carmelo, o Livro do Tombo n° 1 de Córrego do Bom Jesus, o Livro do Tombo n° 3 de
Cambuí, o manuscrito intitulado Appunti Storici della nostra missione nel Brasile, o jornal
católico Tribuna Sul Mineira, as Pastorais Coletivas de 1911 e de 1915, as Actas y Decretos
del Concilio Plenario de la América Latina, além de documentos avulsos encontrados na
Cúria Metropolitana da Arquidiocese de Pouso Alegre, no Arquivo da Província São José dos
Carmelitas Descalços (em São Paulo), na Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas
Descalços e no Arquivo da Província Romana dos Carmelitas Descalços, ambos em Roma.
Apontamos que este projeto reformador, iniciado muito antes da chegada da Ordem ao sul de
Minas Gerais, elaborou uma série de intervenções com o objetivo de controlar e disciplinar as
práticas culturais locais consideradas profanas, projeto, contudo, que ficou longe de conseguir
atingir a totalidade de seus objetivos.

Palavras-chave: Carmelitas Descalços, Reforma Ultramontana, Diocese de Pouso Alegre.


ABSTRACT

The present dissertation studies the process of ultramontane reform of the Brazilian
Catholicism through the acting of the Discalced Carmelites of the Roman Province in the
South of Minas Gerais State, specifically in the parishes of Cambui and Córrego do Bom
Jesus, both belonging to the Diocese of Pouso Alegre, in the period from 1911 until 1922. The
cutout temporal adopted is justified by the foundation of this mission in Córrego do Bom
Jesus and Cambui in 1911 and goes until 1922 when the house of Cambuí is closed and the
teresianos left the south of the Minas Gerais State. In this period of more than a decade,
several interventions of the Discalced Carmelites are realized in these two communities and
they are associated with the attempt of introduction of the directives of the ultramontane
reform of the Church in Brazil, taking the present reformative project as a base in the new
Diocese of PousoAlegre. Inserted in this new configuration of the Brazilian Catholicism, the
teresianos will devote themselves the attempt of gradual substitution of a not much austere,
festive, social, familiar religious practice and in a large extent lay for the Roman and reformed
Catholicism which emphasis falls back on the sacraments. We intend to study the presence of
the teresianos in these parishes considering as the relations between the imposed forms of the
ultramontane Catholicism and the identities always reaffirmed by the present laymen in the
rites and experts of the local religiosity. The main used fountains were extracted of the
illustrated magazine of the Order of the Discalced Carmelites, Il Carmelo, of the book of
conservation of these parishes, of the manuscript Appunti Storici della nostra missione nel
Brasile, of the catholic newspaper Tribuna Sul Mineira, of the Collective Pastorals of 1911
and 1915, the book Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina and other
documents found in the Archdiocese of Pouso Alegre, in the archive of the Province São José
of the Discalced Carmelites (at São Paulo), in the Curia Generalizia of the Order and in the
archive of the Roman Province, both in Rome. We point that this reformative project begun
before the arrival of the Order, prepared series of interventions with the objective to control
and to discipline the local cultural practices considered profane that intensified in the period
comprised by the current inquiry, project that stayed far from achieving all its goals.

Key-words: Discalced Carmelites, Ultramontane Reform, Diocesis of Pouso Alegre.


i

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. iii

LISTA DE GRÁFICOS ............................................................................................... iv

LISTA DE QUADROS ................................................................................................. v

LISTA DE ABREVIATURAS ..................................................................................... vi

CAPÍTULO I - A DIOCESE DE POUSO ALEGRE E OS TERESIANOS: PERCURSOS E


DESCAMINHOS DE UMA REFORMA ....................................................................... 14

1.1 - Dom Assis e a Reforma Ultramontana .................................................... 14

1.2 - O Projeto da Província Romana ............................................................. 25

1.3 - O Construir-se de Povoados Devotos...................................................... 40

CAPÍTULO II - DE OLHO NO “VANGLORIADO CATOLICISMO DESSES


BRASILEIROS DO SUL DE MINAS” .......................................................................... 56

2.1- A Visita Pastoral como Diagnóstico dos “abusos” e Prognóstico de


Estratégias: As Indulgências de Pio X à “caldaia d´inferno” .......................................... 62

2.2- Ainda as Associações ............................................................................ 74

2.3 - Devoções Pias e Reformadas ................................................................. 79

2.4- Por uma Reforma das Festas Religiosas Locais? ....................................... 87

2.5- Finalmente, o Mandamento Diocesano de 1913 ........................................ 96

2.6- As Táticas Festivas do Laicato .............................................................. 102

CAPÍTULO III- RUMO AO CATOLICISMO ULTRAMONTANO? ............................. 111

3.1- Entendendo a Missa Ideal e a “Missa relativamente litúrgica” .................. 113

3.2-Ao Lado da Missa: A Pregação e o Catecismo......................................... 128

3.3- Ações de Instrução e Ensino Religioso na “língua portuguesa repleta de


termos bastardos da ignorância popular (...) e da hereditariedade da língua indígena” .... 134

3.4- Santas Missões de 1912 ....................................................................... 141


ii

3.5- Entre o Preceito e a Prática: a Ação Pelos Sacramentos ........................... 156

3.6- Por Um Balanço dos Sacramentos ......................................................... 163

3.7 - Os Religiosos e Sua Dinâmica em Minas e no Brasil .............................. 176

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 195

1- Fontes................................................................................................... 195

2- Bibliografia Historiográfica .................................................................... 198

3- Teses .................................................................................................... 206

4- Dissertações .......................................................................................... 208

5- Artigos e artigos online........................................................................... 209

ANEXOS .................................................................................................................. 210


iii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Localização das paróquias de Córrego e Cambuí, no atual Estado de Minas Gerais.............17
Figura 2- Fundações dos mosteiros teresianos na Espanha no século XVI ..........................................31
Figura 3. Dom Antônio Augusto de Assis, segundo bispo de Pouso Alegre (sem data) ...................210
Figura 4 Dom Octávio Chagas de Miranda, terceiro bispo de Pouso Alegre (sem data) ....................210
Figura 5. Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego – década de 1910 ..........................................211
Figura 6. Imagem do Senhor Bom Jesus do Córrego – 1953 ...........................................................211
Figura 7. Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego 1911 .............................................................212
Figura 8. Santuário do Senhor Bom Jesus em 1911, depois da missa dominical. ..............................212
Figura 9. Santuário do Senhor Bom Jesus e Praça Matriz - década de 1920......................................213
Figura 10. Livro de Obrigações e Satisfações de Córrego ................................................................213
Figura 11 Frei Gerolamo e time de “football” Correguense - 1918 ...................................................214
Figura 12. Frei Gerolamo e time de “football” Correguense - 1918 ..................................................214
Figura 13. Vista posterior da antiga igreja paroquial de Cambuí - 1912 ...........................................215
Figura 14. Imagem de Nossa Senhora do Carmo – Igreja Matriz de Cambuí - 1911 ........................215
Figura 15. Partida dos Padres Redentoristas de Cambuí após a realização da Missão de 1912 ..........216
Figura 16. Colocação da primeira pedra fundamental da nova Matriz de Cambuí - 1912 .................216
Figura 17. Igreja Matriz de Cambuí em construção – 1 de junho de 1913........................................217
Figura 18. “Colonos brasileiros” 1911 .............................................................................................217
Figura 19. Grupo Escolar de Cambuí – 1912 (sem autoria) .............................................................218
Figura 20. Costumes brasileiros – Matador a céu aberto – 1911 .......................................................218
Figura 21. A despedida do Vigário Marcellino Dorelli e as meninas de Cambuí em 1913 ...............219
Figura 22. Vista de Cambu no início do século XX. (sem autoria e sem data) .................................219
Figura 23. Banda Musical Carlos Gomes (sem data) ........................................................................220
Figura 24. Banda Musical VII de Setembro – 1914..........................................................................220
Figura 25. Carmelitas Descalços ....................................................................................................221
Figura 26. Missionários em partida para o Brasil – Grupo de 1912 – Roma. ....................................221
Figura 27. Foto de religioso teresiano encontrado na Casa Paroquial de São Bento do Sapucaí – SP 222
Figura 28. Frei Mauro de São José ..................................................................................................222
Figura 29. Vista topográfica do antigo Estado Pontifício com os conventos dos Carmelitas Descalços.
.......................................................................................................................................................223
iv

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Batismos realizados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921 164
Gráfico 2- Óbitos e extremas-unções registrados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de
1913 até 1921 .................................................................................................................................166
Gráfico 3- Matrimônios realizados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921
.......................................................................................................................................................168
Gráfico 4- Crismas administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921
.......................................................................................................................................................170
Gráfico 5- Comunhões administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até
1921 ...............................................................................................................................................171
v

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Comunhões administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até
1922 ...............................................................................................................................................125
Quadro 2- Registros sobre a instrução e ensino religioso em Córrego no período de 1913 até 1922 ..131
vi

LISTA DE ABREVIATURAS

APCBJ – Arquivo Paroquial de Córrego do Bom Jesus

APC – Arquivo Paroquial de Cambuí

ACMPA – Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre

APSJOCD – Arquivo da Província São José da Ordem dos Carmelitas Descalços - São Paulo

CTE – Centro Teresiano de Espiritualidade - São Roque - São Paulo

APCO – Arquivo Paroquial de Costacciaro - Itália

APROCD – Arquivo da Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

ACGOCD – Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma


INTRODUÇÃO

A presente pesquisa estuda o processo de Reforma Ultramontana do catolicismo


brasileiro através de uma análise da atuação da Ordem dos Carmelitas Descalços da Província
Romana, nas paróquias sul mineiras de Cambuí e do Senhor Bom Jesus do Córrego, no
período de 1911 até 1922. Tal recorte temporal justifica-se pela fundação das primeiras
instalações dos teresianos no Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego e em Cambuí em
1911, e se estende até 1922, quando a casa de Cambuí é fechada e os membros da Ordem se
retiram do sul de Minas Gerais, sendo que em todo o período estudado essas são as duas
principais paróquias da Ordem em Minas Gerais.
Neste período de pouco mais de uma década, diversas intervenções dos Carmelitas
Descalços são percebidas nestas duas comunidades. Algumas de influência mais duradoura,
outras, de caráter mais pontual e efêmero. Em geral, as ações da Ordem estão relacionadas à
tentativa de implantação das diretrizes da Reforma Ultramontana da Igreja no Brasil, tendo
por base o projeto reformador presente na nova Diocese de Pouso Alegre. Inseridos nesta
nova configuração do catolicismo brasileiro, os teresianos dedicaram-se à tentativa de
substituição gradual de uma prática religiosa pouco austera, festiva e, como já apontou
Riolando Azzi, social, familiar e em grande medida leiga 1 , pelo catolicismo romano e
reformado, cuja ênfase recai sobre uma espiritualidade mais individualista, na frequência aos
sacramentos e na presença marcante do clero (regular e secular) como guia da comunidade 2.
Propomo-nos, deste modo, a estudar a presença dos Carmelitas Descalços nestas
paróquias, refletindo como se elaboraram as relações entre as formas impostas do catolicismo
ultramontano e as identidades sempre reafirmadas pelos leigos presentes nos ritos e práticas
da religiosidade local3.
Ressaltamos neste ponto que, por Reforma Ultramontana, entendemos o movimento
reacionário que nasceu na Igreja na França após a Revolução Francesa, e que caracterizou-se

1
AZZI. R. Elementos para a História do Catolicismo Popular, In: Revista Eclesiástica Brasileira. Rio de
Janeiro: Vozes, vol. 36, fasc. 141, março 1976, p. 96.
2
OLIVEIRA, P. R. de. Catolicismo Popular e Romanização do Catolicismo Brasileiro, In: Revista Eclesiástica
Brasileira. Petrópolis: Vozes, vol. 36, fasc. 141, março 1976, p. 141. Ver também AZZI. R. Elementos para a
História do Catolicismo Popular, In: Revista Eclesiástica Brasileira. Rio de Janeiro: Vozes, vol. 36, fasc. 141,
março 1976, p. 103-107.
3
CHARTIER. R. Cultura Popular. Revisando um conceito historiográfico, In: Estudos Históricos. Rio de
Janeiro: UFRJ, vol. 8, n. 16, 1995, p.181.
2

pelo combate ao processo de secularização das sociedades modernas 4 , cujas diretrizes


englobaram a promoção de uma forte centralização institucional sob o comando do sumo
pontífice, a busca pela recuperação do monopólio intelectual da Igreja e pela pretensão que
esta instituição tinha de obter autonomia frente aos estados modernos em assuntos de
jurisdição eclesiástica5.
Esta orientação expandiu-se mundialmente a partir do papado de Gregório XVI (1832-
1846), período no qual promulgou a encíclica Mirari Vos (1832), documento onde o pontífice
definiu e condenou os erros da modernidade 6 , discurso reafirmado em diversos outros
documentos emanados por Roma no decorrer dos próximos decênios, como a encíclica Qui
Pluribus (1846), na qual seu sucessor Pio IX (1846-1878) rejeitou a primazia da razão sobre a
fé; a encíclica Notis et Nobiscum (1849), onde o mesmo pontífice atribui aquilo que
considerava de “desvios” da sociedade ao protestantismo; a encíclica Quanta Cura (1864) e
seu catálogo Syllabus Errorum, que relacionou o que a hierarquia entendia pelos principais
erros dos tempos então correntes7.
A Reforma Ultramontana tornou-se ainda mais forte depois da promulgação do
Dogma da Imaculada Conceição de Maria (1854)8 e do anúncio da Infalibilidade Papal, ao
fim do Concílio Vaticano I, em 1870, que deu a Pio IX amplos poderes em jurisdição
eclesiástica 9 . Dando continuidade ao que haviam proposto os papas do século anterior, a
encíclica Pascendi Dominici Gregis, de Pio X (1907), sobre as doutrinas modernistas,
reafirmou os conteúdos da Mirari Vos e da encíclica Quanta Cura e a encíclica Spiritus
Paralictus de Bento XV (1920), a política antimoderna sustentada pela Igreja ao longo das
décadas anteriores10.
Tal reforma desenvolveu-se, de acordo com Augustin Wernet, a partir de um plano de
ações marcado por uma “tendência a reconhecer no Papa da Igreja uma autoridade espiritual
total, e a reivindicação para a Igreja da independência a respeito do poder civil, e mesmo um

4
BENCOSTTA, M. L. A Igreja e Poder em São Paulo: D. João Batista Corrêa Nery e a romanização do
catolicismo brasileiro (1908-1920). Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo,
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1999, p. 14-15.
5
GAETA, M. A. J. V. Os Percursos do Ultramontanismo em São Paulo no Episcopado de D. Lino Deodato
Rodrigues de Carvalho (1873-1894). Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo,
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1991, p. 33.
6
BENCOSTTA, M. L. Op. Cit., p. 14-15.
7
Ibidem, p. 17-18.
8
MARCHI, E. A Igreja e a Questão Social: O discurso e práxis do catolicismo social no Brasil (1850-1915).
Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, 1989, p. 55.
9
WERNET, A. A Igreja Paulista no Século XIX: A reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851-1861). São
Paulo: Ática, 1987, p. 180.
10
BENCOSTTA, M. L. Op. Cit., p. 15-18.
3

certo poder ao menos indireto sobre o Estado”11 , e ganhou fôlego na Igreja no Brasil na
primeira metade do século XIX, quando parte do episcopado formada na Europa iniciava um
conjunto de ações visando consolidar as normas da Igreja romana no Império, enfrentando a
formação pouco ortodoxa do clero12, as celebrações do catolicismo leigo e as formas diversas
de celebrar a fé dos brasileiros13.
Fortalecido ao longo das décadas que sucederam à Questão Religiosa, esse processo
ganharia ainda mais força a partir da proclamação da República. Libertos do Regime do
Padroado Régio e das amarras que atrelavam as ações do episcopado aos diferentes órgãos do
Estado, os bispos, a partir de então, detém suficiente vigor para reafirmar este projeto eclesial,
no qual os novos objetivos traçados diziam respeito à consolidação do alinhamento do
episcopado brasileiro com a Sé Apostólica, à instrução religiosa da população e à formação de
uma cultura clerical sólida, uma vez que, na base do novo modelo de espiritualidade, estava a
consolidação dos seminários tridentinos que enfatizavam a ortodoxia, a obediência
hierárquica e o rigor intelectual e espiritual14.
Nesta fase foi intensificada a vinda para o Brasil de diversas congregações masculinas
e femininas, que já experimentavam em seus lugares de origem a mentalidade eclesiástica
tridentina, vigente na Europa, em alguns casos desde o século XVI, com o Concílio de Trento
e reorganizada, com o acréscimo de novos elementos, durante o século XIX. A fixação de
tais institutos e congregações em solo brasileiro, assim, é associada às ações de cunho
reformador que muitos bispos no país estavam implementando, projeto para o qual contaram
com o auxílio de Ordens europeias que para o Novo Mundo disponibilizaram um contingente
qualificado de religiosos e religiosas, para atuar especialmente na educação, assistência social
e sobre as práticas da religiosidade então vigentes15.
É neste contexto que se insere a atuação dos Carmelitas Descalços na Diocese de
Pouso Alegre, como uma tentativa de consolidar esse novo modelo ultramontano na nova
diocese criada no sul de Minas. Esse desejo aparece expresso, como pretendemos demonstrar,
na entrega por parte de Dom Assis, então bispo de Pouso Alegre, aos padres italianos, de duas

11
WERNET, A. Op. Cit., p. 178.
12
HAUCK, J.F. A Igreja Instituição, In: HAUCK, J. F. (et. al.) História da Igreja no Brasil: Ensaio de
interpretação a partir do povo. Segunda época: século XIX. 4º ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 85-90.
13
HAUCK, J. F. A Manifestação Espiritual e Evangélica no Povo e nos Pobres, In: HAUCK, J. F. (et. al.). Op.
Cit., p. 112.
14
FRAGOSO, H. A Igreja-Instituição, In: HAUCK, J. F. (et. al.). Op. Cit., p. 185.
15
MARCHI, E. A Igreja e a Questão Social: O discurso e práxis do catolicismo social no Brasil (1850 -1915).
1989. Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, 1989, p. 141-143.
4

paróquias então estratégicas para o bispado: a paróquia de Cambuí e o Santuário do Senhor


Bom Jesus do Córrego.
Pertencentes até 1900 ao Bispado de São Paulo, as referidas paróquias passaram a
integrar a Diocese de Pouso Alegre, instituída pela Bula Papal Regio Latissime Patens16, em
04 de Agosto desse mesmo ano, pelo papa Leão XIII. Ao longo da primeira metade do século
XX, três bispos conduziram o bispado de Pouso Alegre: Dom João Batista Nery (1901-1909),
Dom Antônio Augusto Assis (1909-1916) e Dom Otávio Chagas de Miranda (1916-1954). Os
dois últimos podem ser considerados, de forma geral, continuadores do processo reformador
implantado por Dom Nery.
A opção por analisar as duas paróquias simultaneamente se deu mediante a
constatação de que as mesmas apresentam características peculiares e de grande relevo para o
estudo da Reforma Ultramontana em uma região ainda pouco estudada. Cabe-nos esclarecer
que, Cambuí, em 1911, era um município com uma população estimada em torno de 16.000
habitantes, encerrados em uma área geográfica de cerca de 300 quilômetros quadrados, o que
faz dessa localidade um município de porte considerável em termos de área e população,
dentro da ainda nova Diocese de Pouso Alegre. Córrego, por sua vez, é um povoado com
cerca de “3.500 almas”, pertencente à Cambuí, de onde dista cerca de quinze quilômetros em
precárias estradas de terra. Esse local é tratado pelas autoridades diocesanas e pela imprensa
leiga e católica da época como sede do Santuário do Senhor Bom Jesus e centro regional de
peregrinações que, desde 1872, atrai grande quantidade de devotos, em especial durante a
Festa do Senhor Bom Jesus.
Portanto, a escolha dessas duas paróquias para o presente estudo representou uma
possibilidade de estudar um santuário popular e a sede administrativa de um município que
abriga autoridades civis e judiciárias, cujas ações são importantes para se compreender, do
ponto de vista social, religioso e político, a atuação dos teresianos e suas relações com o
movimento de Reforma Ultramontana ali operada. Essas localidades situam-se na região da
Mantiqueira, no extremo-sul do atual Estado de Minas Gerais, a uma distância de 420
quilômetros da capital Belo Horizonte e 150 da cidade de São Paulo. Trata-se de uma região
montanhosa, onde as altitudes variam entre 890 e 2.050 metros, e onde o clima tropical de
altitude predomina e proporciona temperaturas amenas.
Privilegiamos o âmbito paroquial para o estudo das relações entre catolicismo
ultramontano e a religiosidade local porque concordamos com José Manuel Sanz Del
16
PERLATTO, J. (org.). Pouso Alegre, Diocese Centenária: 1900 – 4 de agosto – 2000. Pouso Alegre:
Grafcenter, 2000, p. 07-09.
5

Castillo 17, quando este nos sugere que, durante o movimento de reforma da Igreja Católica na
segunda metade do século XIX, a paróquia assume importância central como um lugar
privilegiado para se observar as transformações complexas que são verificadas nas relações
religiosas e sociais entre a instituição paroquial e a comunidade. É na paróquia que se
verificou uma tentativa de se efetuar a adequação de muitas das tradições e práticas do
catolicismo brasileiro à ortodoxia romana 18 , tomada agora como forma universal de se
vivenciar a fé cristã.
Com efeito, nada parece mais adequado para regrar a religiosidade da população local
do que a vinda de padres europeus, no caso por nós estudado, de Carmelitas Descalços
italianos. Nesse sentido, a presença dos teresianos na Diocese de Pouso Alegre constituiu-se,
no período de 1911 até 1922, pela vinda de quatro grupos de religiosos, chegados
respectivamente em 1911, 1912, 1914 e 1915.
Porém, o que pudemos observar é que a atuação dessa Ordem apresentou percursos
próprios, nem sempre correspondentes ao das outras ordens religiosas, e pontuados por
inúmeras dificuldades surgidas no contexto de atuação, em clivagens internas e em
inconstâncias no relacionamento com as autoridades diocesanas que passaram por esta
diocese no período aqui abarcado. Ainda assim, é clara uma tentativa de reforma, que foi de
encontro com a religiosidade local alicerçada, sobretudo, em tradições luso-brasileiras, em
que se destacam a devoção aos santos, a crença nos milagres e nas almas, as procissões, as
romarias e as festas religiosas, práticas amplamente experimentadas por diversos grupos
sociais (ainda que de modos diferentes) e que se mantiveram dinâmicas e abertas às inovações
do tempo e à influência de culturas diversas em um constante processo de significação e
renovação.
Por conseguinte, nesta análise não adotamos os categorias dicotômicas de catolicismo
popular e/ou catolicismo tradicional 19 versus catolicismo ultramontano e/ou oficial e/ou
romanizado, amplamente utilizadas pela historiografia religiosa para pensar o catolicismo no
Brasil em tempos de Reforma Ultramontana. Não nos referimos somente à dificuldade de
estabelecer o que é “popular” e, em contrapartida, o que é “oficial” no catolicismo – questões

17
CASTILLO, J. M. S. del. O Movimento da Reforma e a “Paroquialização” do Espaço Eclesial do Século XIX
ao XX, In: LONDOÑO. F. T. (Org.). Paróquia e Comunidade no Brasil: Perspectiva histórica. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 91-92.
18
CASTILLO, J. M. S. del., Op. Cit. p. 92.
19
CHARTIER, R.. A História Cultural: entre práticas e representações. 2º ed. Lisboa: Difel, 2002. p. 134.
Neste ponto destacamos especialmente a contribuição de Roger Chartier para o qual não podemos “pretender
estabelecer correspondências estreitas entre clivagens culturais e hierarquias sociais, relacionamentos simples
entre objetos ou formas culturais particulares e grupos sociais específicos. Pelo contrário, o que é necessário
reconhecer são as circulações fluidas, as práticas partilhadas que atravessam os horizontes culturais’’.
6

sobre as quais existe ampla bibliografia –, mas também às dificuldades em aceitar que essas
categorias (popular x oficial) sejam válidas para a análise de um período em que na região
estudada se sobrepõem várias correntes de pensamento, várias tendências no interior da
Igreja, e quando se mesclam (embora com choques) a consciência dos fiéis e suas práticas
tradicionais e as novas tendências almejadas pela instituição.
Desse modo, utilizamos os termos “religiosidade local” e “catolicismo local” para nos
referirmos às especificidades das práticas religiosas verificadas nas paróquias sul mineiras de
Cambuí e de Córrego do Bom Jesus, no período de 1911 até 1922. Já “catolicismo
ultramontano” designa aqui as representações e práticas impostas por orientação da hierarquia
da Igreja e pelas mãos dos teresianos.
Com tais termos, porém, não tencionamos estabelecer uma unidade dentro de cada
uma destas categorias, o que não acreditamos ter existido devido a grande variedade de
sujeitos e grupos presentes nas sociedades locais e a grande diferenciação de posturas e
condutas adotadas pelos religiosos teresianos, pelo próprio clero, e pelas autoridades
diocesanas presentes na Diocese de Pouso Alegre.
O interesse pela problemática apresentada nesta dissertação teve como motivação
diversos fatores. Primeiramente, é preciso pontuarmos que este trabalho nasceu a partir das
insuficiências e também sobre as possibilidades abertas pela pesquisa de Iniciação Cientifica
intitulada “Catolicismo Popular e Romanização: a Festa do Senhor Bom Jesus como território
de disputas e poder em Córrego do Bom Jesus –MG (1911-1923)”, desenvolvida no curso de
Turismo da Universidade do Vale do Sapucaí (Pouso Alegre, Minas Gerais), entre 2007 e
2009. Nesta pesquisa, chamou nossa atenção uma forte intervenção do clero local,
identificado como pertencente à Ordem dos Carmelitas Descalços, sobre algumas das práticas
da religiosidade local, principalmente quando analisadas através da Festa do padroeiro,
Senhor Bom Jesus do Córrego.
A par das constatações dessa pesquisa, que nos permitiu entender como se construíram
as relações de poder dentro do festejo e dimensionar até que ponto os mecanismos de controle
– notadamente ultramontanos – contribuíram para ressignificar algumas práticas dentro da
Festa do Senhor Bom Jesus, foi também evidenciada a riqueza dos documentos existentes no
arquivo da paróquia e de textos de autoria dos padres dessa congregação, que revelavam
muito da vitalidade e diversidade do catolicismo local neste período, bem como da tentativa
dos teresianos de reformar muitas das práticas religiosas então vigentes.
7

Nascia ali um grande interesse em conhecer mais sobre os membros dessa Ordem, que
haviam produzido aqueles documentos e que, em 1921, deixaram a localidade sem enunciar
rastro de seu paradeiro. Com efeito, sua saída de Córrego deixara como legado no âmbito da
oralidade e, portanto, da memória 20 , um boato ainda hoje evocado pelos habitantes mais
idosos do lugar, segundo os quais, no dia de sua partida, os frades teriam “rogado uma praga”
sobre o povoado, que encontraria a partir de então dificuldades com seus padres e que não
deveria prosperar nem crescer.
Movidos pelo desejo de conhecer mais sobre a presença e atuação dos teresianos em
Córrego do Bom Jesus e também sobre seu impacto sobre a vivência religiosa local ( que se
enunciava de modo matreiro em relatórios paroquiais e entre proibições, mandamentos
diocesanos e estatutos localizados junto ao Livro do Tombo dessa paróquia), iniciamos (ainda
no período em que frequentei o curso de Especialização “História, Sociedade e Cultura”, junto
à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), entre os anos de 2010 e 2012)
uma longa busca por informações sobre aqueles primeiros Carmelitas Descalços presentes no
sul de Minas.
Tais pesquisas, que visaram estabelecer contato com conventos da Ordem em diversas
regiões do Brasil a fim de obter informações sobre a comunidade de teresianos que se
estebeleceu em Córrego em 1911, revelaram-se totalmente infrutíferas até março de 2010,
quando foi localizada a publicação de uma nota 21 da Província São José dos Carmelitas
Descalços 22 na rede mundial de computadores, que tornava público um programa para a
celebração do centenário da chegada dos Carmelitas ao sudeste brasileiro. As comemorações
aconteceriam em Córrego do Bom Jesus, Minas Gerais, e na cidade de São Paulo, incluindo
também celebrações religiosas em várias paróquias do sudeste brasileiro, com atividades
itinerantes.
Juntamente com tal programação, figurava um breve histórico, de autoria do
memorialista Frei Mariano Júnior, construído a partir de pesquisas em livros e revistas da
Ordem. Esse texto nos possibilitou reconhecer alguns dos nomes dos religiosos que atuaram
em Córrego do Bom Jesus, e também nos apontou para o fato de que a ação teresiana no

20
NORA, P. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Tradução Yara Aun Khoury. In: Projeto
História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-
SP. São Paulo: Educ, 1993.
21
A existência dessa nota foi constatada pela Sra. Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva, membro do
Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Córrego do Bom Jesus, em março de 2010.
22
A Província Brasileira São José dos Carmelitas Descalços foi criada em 1978, a partir da reunião dos
conventos fundados na região sudeste do Brasil pelas Províncias Romana, Toscana e Holandesa. PROVINCIA
SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, ed. dez. 2010, p.
22.
8

início do século XX não se restringiu à paróquia de Córrego, mas foi observada nas paróquias
sul mineiras de Cambuí, Camanducaia, Consolação, na paróquia paulista de São Bento do
Sapucaí (Diocese de Taubaté) e, posteriormente, nas cidades do Rio de Janeiro e de São
Paulo.
Tínhamos a sensação de que após oitenta e nove anos, aquela era a primeira vez que
alguém da região obtinha informações sobre a Ordem, e nosso interesse sobre a mesma só
aumentou, na medida em que o texto citado nos afirmava que o campo de atuação dos
teresianos na então Diocese de Pouso Alegre e no sudeste brasileiro foi maior do que
havíamos suposto anteriormente.
Foi na função de Gestora Municipal de Turismo e Cultura de Córrego do Bom Jesus,
onde atuava desde 2006, que pude tomar parte nos preparativos para o encontro entre a
comunidade local e os religiosos da Ordem dos Carmelitas Descalços, que seria realizado no
dia 18 de julho de 2010, ocasião em que foi celebrada uma missa no Santuário do Senhor
Bom Jesus do Córrego, como parte integrante das atividades em comemoração ao centenário,
que se cumpriria em abril de 2011. Nesse período, tiveram lugar diversas atividades, como a
reinauguração da placa que dava nome à Rua dos Carmelitas Descalços, a realização de
visitas dos teresianos às casas de muitas famílias locais e, finalmente, uma celebração
religiosa. No conjunto, essas ocasiões configuraram-se como momentos privilegiados para
sondarmos mais sobre aquela Ordem e para estabelecer contato com membros de diversos
conventos no Brasil.
De fato, a grande quantidade de registros efetuados pelos frades sobre as práticas
religiosas em Córrego do Bom Jesus, vistas em documentos que reportam com minuciosidade
estratégias 23 da Reforma Ultramontana da Igreja Católica naquela localidade, muito nos
instigou a empreender uma pesquisa sobre tal temática. Havia, além disso, a persistência de
uma rua que levava o nome dos Carmelitas Descalços, a aproximação do ano de 2011, que
marcaria o centenário da chegada dos teresianos à região e o mistério que envolvia sua saída
do sul de Minas Gerais em 1922. Tudo isso nos chamou a atenção para a necessidade de que
aqueles elementos, enquanto “lugares de memória”, precisavam ser capturados pelas lentes da
História e não apenas pelo esforço (coletivo) de memória 24, que também nesta localidade
havia envelhecido com as gerações e estava, agora, em fase de desaparecimento.

23
CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 99-100.
24
NORA, P. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Tradução: Yara Aun Khoury, In: Projeto
História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-
SP. São Paulo: Educ, 1993.
9

Como um quebra-cabeça, cujas peças deveriam ser montadas, foi preciso inicialmente
visitarmos os arquivos da Paróquia de Santa Teresinha, em Higienópolis, São Paulo
(Província São José da Ordem dos Carmelitas Descalços), onde encontravam-se os
documentos da época da presença teresiana em Córrego do Bom Jesus e também revisitar o
Arquivo da Cúria Metropolitana da Arquidiocese de Pouso Alegre, e os arquivos de algumas
paróquias do sul de Minas, a fim de começar a reconstruir os passos dos Carmelitas Descalços
nesta região. Concomitantemente, decidimos estabelecer os primeiros contatos com arquivos
italianos, dentre os quais destacam-se a Cúria da Diocese de Terni, Narni e Amélia (na região
da Úmbria), o Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços e o Arquivo
da Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços, ambos em Roma. Nesses acervos
conseguimos localizar, no decorrer dos meses seguintes, uma vasta gama de documentações
sobre os religiosos que atuaram no Brasil, relatos sobre o projeto da Ordem e seu cotidiano no
sul de Minas Gerais, bem como o registro sobre aspectos do catolicismo local neste período.
Com efeito, a consulta aos arquivos da Cúria Generalícia dos Carmelitas Descalços e
das Províncias Romana (Região italiana do Lázio) e São José (Sudeste do Brasil) fizeram-nos
notar a ausência de uma pesquisa mais sistemática sobre a missão fundada pelos freis da
Província Romana no Brasil a partir de 1911, e o interesse que o tema desperta tanto entre os
estudiosos, quanto entre as comunidades religiosas que, muitas vezes, redigiram apenas
parcialmente suas histórias, através de registros memorialísticos.
Finalmente, o interesse pelo assunto deveu-se também à relevância desta temática para
a história regional e a ausência de pesquisas acadêmicas que retratam essa região nos estudos
sobre a Reforma Ultramontana no Brasil.
Ao tomar contato com a documentação e com textos historiográficos sobre o
catolicismo brasileiro a partir de meados do século XIX, foram se tornando mais claras
também as motivações dos teresianos nos trópicos, e as impressões que manifestavam sobre il
tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas25 (o tão vangloriado catolicismo do sul de Minas),
uma clara expressão de estranhamento entre os modos de professar a fé dos brasileiros e as
formas religiosas e espirituais vigentes na Itália.

25
DORELLI, E. Noterelle Brasiliane. Il Carmelo, Milano, dez. 1911, pp. 80-85. A expressão que acima citamos
foi retirada da crônica Noterelle Brasiliane, de autoria de Frei Enrico Dorelli, vigário de Cambuí no período de
abril de 1911 até junho de 1913, e que nesta crônica afirma que, depois de oito meses transcorridos de sua
chegada, ainda não conseguia compreender no que consiste o “vantato cattolicismo di questi Brasiliani del Sul
de Minas.”
10

Pudemos compreender, assim, que, o que se vivia em Cambuí e em Córrego do Bom


Jesus nas primeiras décadas do século XX, era uma das faces da Reforma Ultramontana do
catolicismo brasileiro, levada a cabo nesses locais pela Província Romana da Ordem dos
Carmelitas Descalços.
A partir de então, pudemos delimitar melhor o tempo e o espaço onde aconteceram as
principais intervenções dos teresianos em Minas: as paróquias de Cambuí e de Córrego do
Bom Jesus, no período de 1911 até 1922.
Tendo em vista as questões acima apontadas, esta pesquisa enquadra-se como um
estudo sobre a História da Igreja Católica no Brasil em interlocução com a História Cultural, o
que ocorre pelo fato de vermos a Reforma Ultramontana como um movimento cujas
representações tentaram impor certo consenso acerca do mundo social ao urbi et orbi católico.
No caso dessa pesquisa, esse caráter universalizante pode ser visto especialmente a partir da
tentativa de adequação de muitas das práticas culturais locais à doutrina católica posterior ao
Concílio de Trento, e reafirmada no Concílio Vaticano I26. Assim, a partir do que os agentes
da Igreja enunciam e registram, buscamos compreender como alguns dos discursos e das
estratégias do movimento reformador foram apropriados pelos leigos presentes nessas
comunidades durante o período estudado27.
A metodologia aqui utilizada para compreender a Reforma Ultramontana da Igreja no
Brasil em interface com a religiosidade local através da atuação dos Carmelitas Descalços no
sul de Minas Gerais constituiu-se por um permanente diálogo entre bibliografia específica e as
fontes, que são, em grande parte, documentos inéditos por nós encontrados e coletados em
arquivos dispersos na Itália e no Brasil.
Deste modo, dialogamos com autores que nos ofereceram subsídio para empreender a
análise sobre a atuação dos teresianos em terras sul mineiras e o relacionamento entre o
catolicismo local e o catolicismo reformado, tais como Michel de Certeau (e suas leituras das
táticas e estratégicas), Jacques Ranciére (e sua abordagem dos processos de recepção) e Roger
Chartier (que nos forneceu os conceitos de representação, apropriação e práticas sociais para o

26
CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. 2º ed. Lisboa: Difel, 2002. p. 17.
Entendemos por representação as “classificações, divisões e delimitações que organizam a apreensão do mundo
social como categorias fundamentais de percepção e de apreciação do real. Variáveis consoantes às classes
sociais ou aos meios intelectuais, são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São
estes esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras, graças às quais o presente pode adquirir sentido, o
outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado”.
27
CHARTIER, R., Loc. Cit. “As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as
forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os
utiliza”.
11

estudo da cultura). No campo dos estudos sobre a Igreja Católica, nos embasamos em autores
engajados no projeto do CEHILA-Brasil (como Riolando Azzi, Hugo Fragoso, Oscar Beozzo,
Pedro Ribeiro de Oliveira), mas também em textos mais acadêmicos, que têm lançado desde a
década de 1980 novos olhares sobre a Igreja no Brasil, como Sérgio Miceli, Augustin Wernet,
Mabel Salgado Pereira, Hiansen Franco, entre outros. Procuramos ainda considerar artigos,
Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado, que abordaram nos últimos anos questões
ligadas à Reforma Ultramontana no Brasil, além de livros (em grande medida escritos por
memorialistas) sobre a história local e regional. São exemplos dessa produção os trabalhos de
Levindo Furquim Lambert e dos Freis Onorio di Ruzza e Edmondo Fusciardi.
Para compreender de maneira mais complexa o processo de Reforma operado nestas
duas paróquias por meio dos teresianos, foi necessário levantar diferentes fontes documentais.
O pensamento e ação dos membros da Ordem dos Carmelitas Descalços são analisados a
partir de relatórios anuais e dos livros de administração encontrados nas duas paróquias e na
Província São José dos Carmelitas Descalços, bem como crônicas contidas no periódico
ilustrado da Ordem dos Carmelitas Descalços, Il Carmelo.
Ainda no mesmo sentido, consultamos os Atti del Definitorio Provinciale della
Provincia Romana, do período de 1891 a 1924, que nos informam os assuntos do cotidiano
dos teresianos em Minas. Outras fontes importantes foram o Catalogus Fratum Nostrorum
Provincia Romanae a die 01 Ianuarii 1901 e o livro Hierarchia in N. Carmelit. Ordine A. D.
MCMXXIV Prov. Rom., que contém dados biográficos dos frades que aqui atuaram neste
período. Essas fontes foram encontradas nos arquivos da Província Romana dos Carmelitas
Descalços e da Cúria Generalícia dos Carmelitas Descalços, ambos com sede em Roma.
As relações dos teresianos e a hierarquia católica da Diocese de Pouso Alegre foram
apreendidas através de relatórios anuais, por meio de termos de visitas pastorais,
mandamentos diocesanos e outros registros. Outras fontes documentais ligadas à política
reformista da diocese podem ainda ser citadas, como ofícios e prescrições diversas.
Reconhecemos também a imprensa católica sul mineira como importante instrumento para se
compreender o direcionamento político do novo bispado e sua relação com os teresianos.
Assim, analisamos alguns exemplares do jornal Tribuna Sul Mineira, órgão das associações
católicas de Pouso Alegre. Esses impressos, além de conter instruções diocesanas sobre a
Reforma Ultramontana, ainda acolhem artigos de freis teresianos que retratam alguns aspectos
das referidas paróquias. Estes jornais encontram-se na Cúria Metropolitana de Pouso Alegre.
Analisamos também as Pastorais Coletivas de 1911 e de 1915 como fontes imprescindíveis
12

para se compreender os projetos do episcopado e para se efetuar uma análise pontual do nível
de consonância/discordância das ações de cunho reformista implementadas nas duas
paróquias que agora analisamos, com relação ao que previam os documentos elaborados pelo
conjunto do episcopado nacional.
Igualmente importante nesse âmbito, são as Actas y Decretos del Concilio Plenario de
la América Latina, que contém as resoluções tiradas pela Igreja para a América Latina durante
o Concílio Plenário, realizado em Roma em 1899. Tal livro nos ajudou a entender muitas das
medidas adotadas pelos teresianos no sul de Minas Gerais. O original consultado encontra-se
no arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre.
Visto que a documentação utilizada nesta pesquisa na sua grande maioria constitui-se
por documentos da Igreja Católica, cuja funcionalidade é atender a burocracia eclesiástica,
ressaltamos que se fez necessário, a fim de entendermos os movimentos da cultura local,
realizar uma leitura destas fontes a contrapelo 28, buscando extrair de relatórios, mandamentos
e estatutos, as resistências e dificuldades, enfim, as táticas 29 usadas pela população para
resistir e se reinventar.
Para melhor exposição do tema abordado, esta pesquisa foi estruturada em três
capítulos, que visam apresentar ao leitor primeiramente os projetos para a fundação de casas
teresianas no sul de Minas Gerais, bem como mostrar a formação das duas comunidades. Isso
nos permitiu lançar luzes sobre as práticas da religiosidade presentes nestas duas
comunidades, para assim compreendermos o embate entre os sujeitos envolvidos, com a
finalidade de compreender como se dá o conflito-negociação-apropriação entre catolicismo
local e o catolicismo ultramontano.
No primeiro capítulo, abordamos as relações dos freis teresianos e as autoridades
diocesanas de Pouso Alegre, a fim de entender o projeto da Ordem dos Carmelitas Descalços
e o projeto de Dom Assis – segundo bispo de Pouso Alegre – para as fundações de casas
carmelitanas em Cambuí e Córrego. Criada a partir do movimento de reorganização da Igreja
Católica no Brasil, a nova Diocese de Pouso Alegre é um dos primeiros bispados erigidos
durante os primeiros anos da República e sua criação (em 4 de Agosto de 1900) já sinalizava a
implantação de um projeto ultramontano, o que pôde ser confirmado pela ação de seus
primeiros bispos. Finalmente, analisamos a formação das duas localidades estudadas (Cambuí

28
BENJAMIN, W. Sobre o Conceito de História, In: Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaio sobre literatura e
história da cultura. Obras Escolhidas, v. 1. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
29
CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 99-100.
13

e Córrego do Bom Jesus), o que tem por objetivo possibilitar um melhor entendimento sobre
as práticas religiosas ali vivenciadas.
No segundo capítulo, analisamos como interagiram as expectativas da Ordem e da
autoridade diocesana durante a gestão teresiana dos paroquiatos acima mencionados. Por
conseguinte, construímos uma narrativa que permitiu compreender, a partir da documentação,
como se efetivou a atuação dos Carmelitas Descalços nestas paróquias frente às práticas
religiosas locais. Tratamos, assim, de como as populações destas paróquias receberam a
tentativa dos frades italianos de implantar novos modelos de associações religiosas, de
introduzir novas devoções e a tentativa de se proceder a uma reforma das festas religiosas
locais.
No terceiro capítulo, aprofundamos o estudo de algumas estratégias utilizadas pelos
carmelitas descalços para tentar implantar a reforma das práticas do catolicismo local em
Cambuí e no Santuário de Córrego. Estruturamos tal capítulo em quatro partes:
primeiramente, nos detemos na análise da missa, da instrução e ensino religioso; num
segundo momento, estudamos a realização das Santas Missões; posteriormente, a ação dos
teresianos para difundir a frequência aos sacramentos entre as populações locais; finalmente,
analisamos tal quadro à luz dos principais acontecimentos verificados durante esses anos de
presença da Ordem em Minas Gerais e no Brasil.
Nos anexos, organizamos algumas fotos deste período, a fim de possibilitar ao leitor
um reconhecimento das localidades onde se efetuou a ação dos teresianos no período de 1911
até1922.
CAPÍTULO I - A DIOCESE DE POUSO ALEGRE E OS TERESIANOS:
PERCURSOS E DESCAMINHOS DE UMA REFORMA

1.1 - Dom Assis e a Reforma Ultramontana

Por portaria da Câmara Eclesiástica da Diocese de Pouso Alegre, datada de 01 de abril


de 1911, frei Arcangelo Bindi 30 , carmelita descalço, foi encarregado da administração da
paróquia do Senhor Bom Jesus do Córrego, um importante centro de peregrinação do bispado
sul mineiro. Este documento recomenda ao frei teresiano que nesta função “procure attender
as necessidades espirituaes dos fieis residentes n’aquella freguesia; pregando-lhes a Palavra
de Deus, administrando-lhes os sacramentos, providenciando sobre o ensino religioso das
crianças e fazendo o mais que lhe inspirar o seu zelo”31. Apresentando idêntico conteúdo,
encontra-se transcrita no Livro do Tombo da paróquia de Cambuí32 uma portaria que confia a
administração desta paróquia ao frei teresiano Marcellino Dorelli 33.
As recomendações presentes nestes documentos dizem respeito a alguns dos pilares
mais importantes da Reforma Ultramontana, que se intensifica no Brasil no período de 1880
até 1920: a doutrinação da população 34 por meio do ensino religioso e o incentivo à prática
dos sacramentos, com a finalidade última de adequar muitas práticas do catolicismo vigente
ao modelo ultramontano.
Não diferente do que acontecia em muitas outras dioceses brasileiras, também a
estratégia adotada pelo prelado ratificava um instrumento então amplamente utilizado pelo
episcopado: a entrega da gestão paroquial a uma ordem religiosa europeia 35 . De fato, a
nomeação de freis teresianos para assumir o paroquiato de Cambuí e o Santuário do Senhor
Bom Jesus, em 1911, coroou com êxito a iniciativa de Dom Antônio Augusto de Assis,

30
Cf. Arquivo Paroquial de Córrego do Bom Jesus – Livro do Tombo da Paróquia. – Frei Arcangelo de São
Pedro foi vigário da referida paróquia de 1911 até 1919. A partir deste ano até 1922, passou a ter residência fixa
em Cambuí, de onde exercia a função de encarregado de Córrego. p. 11-53v.
31
Ibidem, p. 08.
32
Cf. Arquivo Paroquial de Cambuí – Livro do Tombo da Paróquia, p. 54v.
33
Ibidem. Marcellino di Santa Teresa foi pároco de Cambuí de 1911 até 1913. p. 54v-64.
34
EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.
Roma: Tip. Vaticana, 1906. Nas atas e decretos do Concílio Plenário Latino Americano, diversas vezes
encontramos referência à importância da doutrinação da população por meio do ensino religioso e da prática dos
sacramentos.
35
Ibidem, p. 175.
15

segundo bispo da Diocese de Pouso Alegre, de convidar a Província Romana dos Carmelitas
Descalços para atuar em sua diocese.
Após ter sido sagrado bispo pelo Cardeal Dom Joaquim Arcoverde, arcebispo do Rio
de Janeiro, em 1907, Dom Assis logo se dirigiu a Pouso Alegre, onde passou a atuar como
bispo auxiliar de Dom João Batista Corrêa Nery, em uma realidade não muito distante
daquela onde havia nascido. Antônio Augusto Assis nasceu em Lagoa Dourada, também em
Minas Gerais, em 05 de dezembro de 1863, filho de Pedro Augusto de Assis e de Maria
Francisca de Assis. Aos vinte anos de idade ingressou no Seminário de Mariana, onde recebeu
sua ordenação sacerdotal pelas mãos de Dom Silvério Gomes Pimenta em 1892. Antes de ser
chamado para atuar na Diocese de Pouso Alegre, foi pároco em Tiradentes, Borda da Mata,
Brasópolis e Pouso Alto, e coajuntor em Juiz de Fora. No Bispado de Pouso Alegre, atuou
como visitador diocesano, reitor do seminário, arcipreste e vigário geral. Com a nomeação de
Dom Nery para assumir a nova Diocese de Campinas em 1909, Dom Assis tornou-se bispo
diocesano de Pouso Alegre, onde permaneceu até 191636.
Em larga medida, suas ações no episcopado dão continuidade à política reformadora
implantada no novo bispado já pelo seu primeiro bispo, Dom João Batista Corrêa Nery,37 que
esteve à frente da diocese de 1901 a 1909, e que neste período foi o responsável pela
edificação do aparato burocrático característico das hierarquias reformadoras na nova
diocese38.
Instituída em 4 de agosto de 1900 pelo Papa Leão XIII, através do Decreto Regio
Latissime Patens da Sagrada Congregação Consistorial39, a Diocese de Pouso Alegre foi uma
das primeiras a ser criada após o fim do Padroado, e são vários os autores que dispensam
atenção a ela no estudo sobre o processo de expansão organizacional da Igreja na Primeira
República, e sobre a Reforma Ultramontana no Brasil.

36
ASSIS, P. F. de.; ASSIS, A. A. de. Os Assis de São Fidélis. Maringá: Mimeografado, 2003.
37
BRITO. E. M. A Romanização no Espírito Santo: D. João Nery. 1896-1901. 2007. Tese de Doutorado em
História. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2007, p.
15-17. Dom Nery, cujo nome civil era João Batista Correa, nasceu em Campinas a 6 de outubro de 1863, filho de
Benedito Correa de Morais e Maria do Carmo Neves. Foi ordenado por Dom Lino Deodato Rodrigues Carvalho
em 1886 e foi sagrado bispo em Roma em 1896.
38
São várias as Teses e Dissertações que estudam a ação reformadora do Bispo Dom Nery, como a Tese de
autoria de Marcus Levy Albino Bencostta, Igreja e Poder em São Paulo: D. João Batista Corrêa Nery e a
romanização do catolicismo brasileiro (1908-1920), concluída em 1999; a Tese de Eliane Maria Brito, A
Romanização no Espírito Santo: D. João Nery (1896-1901), concluída em 2007; e a Dissertação de Pedro
Rigolo Filho, A Romanização como Cultura Religiosa: As práticas sociais de D. João Batista Corrêa Nery,
Bispo de Campinas (1908-1920), concluída em 2006.
39
Decreto da Sagrada Congregação Consistorial de Desmembramento e ereção do novo Bispado de Pouso
Alegre, na República Brasileira, In: PERLATTO, J. (Org.). Pouso Alegre, Diocese Centenária: 1900 - 4 de
agosto – 2000. Pouso Alegre: Grafcenter, 2000.
16

Sérgio Miceli, referindo-se à expansão organizacional da Igreja durante a República,


dispensa grande atenção ao sul de Minas. De acordo com este autor, nesse processo, o sul do
Estado destacou-se devido a diversos fatores que adquiriram importância na disputa com
outras regiões para sediar novos bispados, tais como população, poderio econômico e político,
a existência de boas rotas de transportes e, finalmente, o fato de ser o sul a região que mais
atraiu imigrantes italianos no Estado40.
Edgar da Silva Gomes, ao estudar a reorganização da Igreja Católica no Brasil no
período que se seguiu ao fim do Padroado, nos coloca que, no que diz respeito à criação da
Diocese de Pouso Alegre, o interesse da Igreja pela referida fundação vinculou-se ao
“progresso da região com a construção da estrada de ferro e uma fervorosa campanha da
cidade e da região’’, que foi vista através de debates travados na imprensa desta cidade 41 e
que contou com o apoio do poder civil42.
A criação deste bispado e a nomeação de Dom João Batista Corrêa Nery, integrante da
alta hierarquia católica do país, para ocupar o sólio episcopal da nova diocese, inseriram a
região de Pouso Alegre em uma posição de destaque dentro do projeto de Reforma
Ultramontana no país. Em relação às ordens religiosas, quando em 1911 os teresianos
chegaram a Pouso Alegre, ali já encontraram membros de congregações europeias: as Irmãs
Dorotéias, que se estabeleceram na cidade para dirigir a Escola Normal; as Irmãs da
Visitação, que se encarregaram de um colégio para meninas, entre outros43.
A função dos teresianos distingue-se destas congregações, pois são destinados à
administração de dois paroquiatos distantes da sede do bispado, cerca de 55 quilômetros: a
paróquia de Nossa Senhora do Carmo de Cambuí, e o Santuário do Senhor Bom Jesus do
Córrego.

40
MICELI, S. A Elite Eclesiástica Brasileira (1980-1930). São Paulo: Cia das Letras, 2009, p. 65.
41
GOMES, E. da S. O Catolicismo nas Tramas do Poder: A estadualização diocesana na Primeira República
(1889-1930). Tese de Doutorado em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Faculdade de Ciências Sociais, 2012. p. 102.
42
Ibidem, p. 150.
43
CARVALHO. A. J. de. Polianteia Centenário de nascimento de Dom Octavio Chagas de Miranda.
Terceiro Bispo Diocesano de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Tipolitografia Escola Profissional, 1981, p. 81.
17

Figura 1- Localização das paróquias de Córrego e Cambuí, no atual Estado de Minas Gerais

As tratativas de Dom Assis para que isso se efetivasse tiveram início em 1910, quando
então empreende uma viagem à Europa, cujo principal objetivo foi o de convidar ordens
religiosas para atuar na sua diocese 44. No caso dos teresianos, Rafael Mejia Maya nos afirma
que, por ocasião da passagem de Dom Assis por Roma, este se dirigiu ao Cardeal Gaetano de
Loi45, a quem expressou seu desejo de ter padres regulares na sua diocese e a quem pediu a
intervenção do provincial dos teresianos, Rodrigo di San Francesco di Paola 46, para que este
concedesse apoio à sua iniciativa.
A ata do Definitório Ordinário da Província Romana dos Carmelitas Descalços,
celebrado em Roma, no convento de Santa Maria della Vittoria em 23 de maio de 1910,
evidencia-nos que, nesta ocasião, esta província estudava três propostas de bispos brasileiros

44
CARVALHO. A. J., Loc. Cit.
45
MAYA, R. M. Los Carmelitas Teresianos en América Latina – Notícias Históricas. Bogotá: Editorial
Kimpress, 2003, p. 127.
46
De acordo com Onorio di Ruzza, Silvestro Santacroce foi um religioso que destacou-se no âmbito da Ordem.
Dentre as funções que exerceu na Província, evidenciamos as seguintes: Prior de Santa Maria della Vittoria em
1885, 1897 e em 1906; conselheiro provincial em 1894, 1915, 1919, 1924, 1927; superior provincial em 1909,
procurador geral da Ordem em 1901 e em 1907, e postulador geral para as causas dos Santos de 1906 até 1931.
Recebeu em 1893 a nomeação de consultor da Sagrada Congregação das Indulgências. Morreu em 1931 em
Roma. DI RUZZA, O. Quattro Secoli di Cultura – Profili Bio-Bibliografici degli scrittori e artisti dela
Provincia Romana dei Carmelitani Scalzi (1597-1997). Roma: 1996, p. 218.
18

para a fundação de casas no Brasil: a primeira, do bispo Dom Assis de Pouso Alegre; a
segunda, do bispo de Mariana, Dom Silvério e; a última, do bispo de Campinas, Dom Nery47.
O convite por parte de bispos brasileiros às ordens e congregações religiosas
estrangeiras para atuarem em suas dioceses não era fato recente. Desde a atuação de Dom
Antônio Ferreira Viçoso, bispo de Mariana (1844-1875) e Dom Joaquim de Melo, bispo de
São Paulo (1852-1861), podemos observar esta tendência na Igreja no Brasil. Neste sentido,
diversos são os documentos do episcopado brasileiro do período da Reforma Ultramontana
onde encontramos esta orientação referenciada.
Um dos documentos mais importantes foi escrito por Dom Macedo Costa, líder do
episcopado brasileiro que, em 1890, redigiu uma carta denominada “Pontos para a Reforma
da Igreja” 48 . Considerado por Pedro Ribeiro de Oliveira como “a súmula do processo de
romanização” no Brasil, este documento, conforme retratado pelo mesmo autor, está
estruturado em nove capítulos, onde Dom Macedo trata das atividades a serem realizadas para
se proceder a uma reorganização da Igreja no país. Os pontos abordados neste documento
dizem respeito às ações relacionadas com a reforma do clero, à adoção de medidas visando
atingir uma crescente uniformidade entre os membros do episcopado, à criação e manutenção
de seminários tridentinos onde impere o rigor de ensino e ortodoxia, à realização de missões
ao “povo” e aos povos não cristãos, ao cuidado com os colonos imigrantes, ao trato com as
confrarias que, com frequência possuíam em seus quadros elementos maçons, à criação de
novas dioceses em território nacional e também ao incentivo à vinda de ordens religiosas
estrangeiras para atuar nas dioceses brasileiras.49
Mas foi a partir do Concílio Plenário Latino Americano 50, convocado em 1898 por
Leão XIII para tratar de estabelecer as medidas para que “se mantenha incólume a unidade da
eclesiástica disciplina, resplandeça a moral católica e floresça publicamente a Igreja’’51, que
tal orientação de se utilizar a cooperação das ordens religiosas é sacramentada. Através das
Atas e Decretos do Concílio Plenário Latino Americano, podemos perceber que grande

47
Cf. Arquivo da Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços. Acta Definitorii Provincialis
Provinciae Rom.ª a die 12 Junii 1911 ad diem 19 Aprilis 1923. Definitorium ordinarium celebratum Romae apud
S. M. De Victoria.Sessio 1, 23 Maji 1910, p. 23.
48
OLIVEIRA, P. A. R. de. Religião e Dominação de classe: Gênese, estruturação e função do catolicismo
romanizado no Brasil. Petropólis: Vozes, 1985, p. 279-282.
49
Ibidem, p. 280-282.
50
EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.
Roma: Tip. Vaticana, 1906, p. XXI-XXII. O desejo de promover um Concílio para a América Latina era antigo.
Leão o remete ao quarto centenário de descoberta da América, quando a Santa Sé começou a meditar “no melhor
modo de olhar pelos interesses comuns da raça latina, a quem pertence mais da metade do Novo Mundo”. Para
isso, seria apropriado que se reunissem todos os bispos destas nações sob a autoridade da Santa Sé.
51
Ibidem, p. XXII .
19

atenção é dispensada a esta estratégia dentro da política ultramontana. Ao referir-se à


cooperação de ordens religiosas para com os bispos das repúblicas latino americanas no
capítulo XIV, assim se expressa tal documento:

Ellas existen y nacen de la Iglesia como el árbol de la raíz, y son


como las tropas auxiliares, muy necesarias en nuestros días, cuya
actividad y trabajos, tanto en el desempeño de los ministerios sagrados,
como en las obras de caridad, deberán utilizar los Obispos. 52

Outra importante medida advinda deste Concílio, conforme nos é apontado por F. B.
Pike, foi o incentivo à realização de concílios nacionais, sendo que a Venezuela foi o primeiro
país a realizar tal medida, em 190453. No Brasil, tendo em vista a impossibilidade imediata de
se realizar um concilio nacional, optou-se, de acordo com o que fora estabelecido no Concílio
Plenário Latino Americano e ordenado novamente por Leão XIII em 1900, por se realizarem
conferências episcopais trienais. De acordo com esta orientação da Santa Sé, “De três em três
annos ou mais frequentemente, segundo fôr necessário ou opportuno, se reúnam todos os
Bispos de cada Provincia Ecclesiastica para tratarem juntos dos negócios communs de suas
Dioceses”54.
Estas conferências episcopais foram promovidas nas províncias eclesiásticas
setentrional e meridional do Brasil. No caso do Estado de Minas Gerais, este pertence à
província meridional e nesta região, as conferências aconteceram em 1901, 1904, 1907, 1910
e 1915, e deram origem a alguns dos mais importantes documentos publicados pelo
episcopado brasileiro, fontes indispensáveis para entender a Reforma Ultramontana no Brasil:
as Pastorais Coletivas da Província Meridional, documentos resultantes da compilação das
resoluções adotadas pelo episcopado nas conferências episcopais e que tinham por objetivo
servir de orientação ao clero e população sobre os conteúdos e medidas ali discutidos e
adotados pela hierarquia católica. Estas pastorais eram posteriormente impressas e enviadas às
paróquias das dioceses, para que o clero e paroquianos tomassem conhecimento de suas

52
Ibidem, p. 175. “Elas existem e nascem da Igreja como a árvore da raiz, e são como tropas auxiliares, muito
necessárias em nossos dias, cuja atividade e trabalhos, tanto no desempenho dos ministérios sagrados, como
nas obras de caridade, deverão utilizar os Bispos.” (tradução nossa).
53
PIKE, F. B. O Catolicismo na América Latina de 1848 aos nossos dias, In: AUBERT, R. A Nova História da
Igreja: A Igreja na sociedade liberal e no mundo moderno II. (Tomo II). Petrópolis: Vozes, 1976, p. 144.
54
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realizadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911, p. IX-X.
20

resoluções. No que se refere à Pastoral Coletiva de 1911, podemos observar o entendimento


que o episcopado tinha das conferências eclesiásticas e sua finalidade:

A ellas, principalmente, deve-se attribuir o movimento


restaurador da disciplina ecclesiastica e dos bons costumes no clero; a
frequência dos retiros espirituais ecclesiásticos e o desdobramento das
obras catholicas de zelo, propaganda, de ensino: o catecismo, as escholas
parochiaes, a imprensa, a obra das vocações eclesiásticas, os collegios, os
seminários; as associações de caridade, círculos catholicos etc.: tudo isso
tem recebido vida, estimulo, impulso, mediato ou imediato, destas
Conferências, que vimos celebrando desde 3 de Novembro de 1901 até a
presente data. 55

A partir da realização da conferência episcopal da província meridional de 1901 56,


encontramos a orientação sobre as ordens religiosas presentes de modo constante nas
posteriores pastorais acima citadas. De modo especial, é importante lembramos que, por
ocasião da realização da conferência episcopal de 1910, realizada em São Paulo no período de
setembro a outubro do referido ano, Dom Antônio Augusto de Assis ali estava na condição de
bispo de Pouso Alegre. Assim, pôde tomar parte nas discussões correntes, entre as quais mais
uma vez encontramos a recomendação aos bispos para que se empenhassem em conseguir a
colaboração de ordens e congregações religiosas estrangeiras. A Pastoral Coletiva de 1911,
compilação da conferência realizada em 1910, assim se expressa sobre o assunto:

132- É de maximo proveito para o progresso espiritual das


dioceses, no clero e no povo, a existência de Ordens e Congregações
Religiosas, principalmente das que se dedicam às missões urbanas e
rurais; por conseguinte Nós procuraremos os meios praticos de ter em
Nossas dioceses residencias desses Religiosos, e lhes prestaremos todo o
auxilio moral de que hajam mister para bem se dedicarem ao santo
ministério. 57

55
Ibidem, p. XII.
56
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Bispos da Província Eclesiástica
Meridional do Brasil communicando ao clero secular e regular o resultado das Conferencias realisadas em
São Paulo de 3 a 12 de Novembro de 1901. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1901, p. 70-71.
57
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
21

A importância da Pastoral Coletiva de 1911 só foi ultrapassada pela Pastoral Coletiva


de 1915, que é considerada o resultado da revisão das resoluções adotadas em todas as
conferências anteriores, material também chamado de constituições eclesiásticas 58. Através
desta pesquisa, constata-se que todos estes elementos, ou seja, a orientação vigente no
episcopado de então, a formação ultramontana de Dom Assis obtida junto ao Seminário de
Mariana e sua atuação junto a Dom Nery, contribuíram para a decisão de Dom Assis de trazer
religiosos teresianos para atuar na sua diocese.
Porém, é interessante notarmos que a leitura da ata do Definitório Provincial da
Província Romana dos Carmelitas Descalços de 23 de maio de 1910 nos mostra que a
primeira proposta de Dom Assis aos superiores teresianos dizia respeito à oferta da
“administração e possivelmente também o ensino do Colégio diocesano, perto do qual, os
religiosos poderiam instalar um convento; ou mesmo a mais grande paróquia chamada de
São Sebastião do Paraíso” 59 . Estas ideias, ao que tudo indica, foram abandonadas e,
finalmente, em ata de 9 de dezembro de 1910, na primeira sessão, o Definitório, depois de ter
validado a oferta do bispo de Pouso Alegre, aprovou por unanimidade a fundação de Cambuí,
autorizando as despesas necessárias para tal ato60.
Diante desse parecer afirmativo, Dom Assis pôde finalmente selar o acordo desejado.
Em uma carta endereçada a Rodrigo di San Francesco, Padre Geral dos teresianos, datada de
30 de novembro de 1910, assim se expressa o bispo brasileiro: “Il Vescovo di Pouso Alegre
accetta volentieri i buoni sacerdote di questa Congregazione nella sua Diocesi, per la
direzione spirituale e temporale del Santuario del Buon Gesù do Corrego e della Parrocchia
di Cambuhy”61.
É esta a primeira vez que o bispo utiliza o termo santuário para referir-se à paróquia de
Córrego e, após informar sua aceitação em receber os teresianos, o bispo brasileiro também
busca apresentar um pouco os ambientes da fundação e o apoio que será concedido a esses

Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 302.
58
OLIVEIRA, P. A. R. de. Religião e Dominação de classe: Gênese, estruturação e função do catolicismo
romanizado no Brasil. Petropólis: Vozes, 1985, p. 297.
59
Cf. Arquivo da Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços. Acta Definitorii Provincialis
Provinciae Rom.ª a die 12 Junii 1911 ad diem 19 Aprilis 1923. Definitorium ordinarium celebratum Romae apud
S. M. De Victoria.Sessio 1, 23 Maji 1910, p. 23.
60
RECCHIA, P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma: Mimeografado, 2011.
61
Cf. Arquivo da Província São José dos Carmelitas Descalços. Livro Documenti che riguardano la fondazione
del Convento di Rio, 1919, p. 2. “O Bispo de Pouso Alegre aceita de boa vontade os bons sacerdotes desta
Congregação na sua Diocese, para a direção espiritual e temporal do Santuário do Bom Jesus do Córrego e da
Paróquia de Cambuí.” (tradução nossa)
22

religiosos em sua diocese, o que nos evidencia alguns pontos de seu projeto para tal fundação.
Referindo-se inicialmente a Cambuí, assim se coloca:

Questa città conta circa quattordici o quindici mila anime, e il


Vescovo, conoscendo l´ambiente preferirebbe sacerdoti che
s´intendessero di oratori festivi e d´agricultura. Nel Santuario esiste una
casa parrocchiale e detti sacerdote potrebbero abitarla. Il suddetto è
luogo di pellegrinaggio e i suoi dipendenti, R. Padre, saranno ritenuti
come i parroci; anche nella Chiesa di Cambuhy e potranno usare delle
rendite parrocchiali.62

Cabe-nos esclarecer que Cambuí, neste período, contava com 23 bairros, distribuídos
em uma área de cerca de 300 quilômetros quadrados, o que faz deste um município com área
e população consideráveis dentro da nova diocese. Córrego, por sua vez, inseria-se no
território do município de Cambuí, de onde distava da sede cerca de 15 quilômetros. Trata-se
de uma área rural situada aos pés da Serra da Mantiqueira, na região extremo sul de Minas
Gerais, localizada a 420 quilômetros da capital Belo Horizonte e 150 da cidade de São Paulo.
No que se refere a Córrego, associamos o desejo de Dom Assis de prover esta
paróquia de religiosos regulares, com outra orientação presente na Pastoral Coletiva de 1911,
de acordo com a qual, a nomeação de religiosos regulares para atuar frente à administração
dos santuários brasileiros constituia-se em uma válida estratégia aos membros do episcopado
brasileiro que, com esta ação, poderiam tentar controlar e retificar “os abusos e excessos” que
se verificavam nesses locais, em especial, em ocasião da realização de peregrinações 63.
De acordo com Pedro Ribeiro de Oliveira, a possibilidade de se instituir nos santuários
uma frente para lutar contra as ditas “superstições”, para atuar na instrução e ensino religioso
e, finalmente, para controlar o dinheiro deixado pelos paroquianos e visitantes na forma de

62
Loc. Cit. “Esta cidade conta com cerca de quatorze mil almas, e o Bispo, conhecendo o ambiente preferiria
sacerdotes que entendessem de oratórios festivos e de agricultura. No Santuário existe uma casa paroquial e os
ditos sacerdotes poderiam habitá-la. O mesmo é lugar de peregrinação e os seus dependentes, R. Padre, serão
tidos como os párocos: também na igreja de Cambuí e poderão usar as rendas paroquiais.” (tradução nossa)
63
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911.p. 305.
23

donativo e oferta, constituíram os motivos pelos quais os bispos desejavam assumir os


santuários e confiá-los a padres de ordens religiosas estrangeiras64.
Neste âmbito, Pedro Ribeiro de Oliveira, ao citar José Oscar Beozzo, apresenta-nos
uma importante consideração sobre o tema. De acordo com Beozzo, tal iniciativa do
episcopado não ensejava somente eliminar das práticas vigentes os considerados “abusos e
superstições” que, com frequência, eram vistos nos santuários brasileiros 65 , mas também
conter e disciplinar as romarias organizadas a esses locais, medida que impôs como condição
para sua realização a obtenção de uma permissão por parte do clero 66.
Na presente pesquisa, tal hipótese ganha relevo e se torna aplicável na medida em que
Córrego apresentava características que o situavam na condição de santuário popular. De fato,
desde fins do século XIX, a imprensa leiga e católica tratava esta localidade como Santuário
do Bom Jesus, centro de peregrinações regionais, que recebia em especial na data da
realização da festa de seu padroeiro, no dia 6 de agosto, milhares de pessoas.
Ainda com relação ao conteúdo da carta de Dom Assis, outro ponto nos chama a
atenção: a preferência do bispo por padres que entendessem de “oratori festivi”. Para
entendermos tal aspecto, é preciso nos remetermos novamente à Pastoral Coletiva de 1911
que, em seu título V, dedica atenção à educação católica. Neste item, podemos observar que
os oratórios festivos figuravam como um dos meios existentes e “corretos” para “auxiliar a
juventude catholica, e desenvolver a educação christã das creanças (...)” 67 . Por oratório
festivo, a referida Pastoral Coletiva define “salas de reuniões uteis aos meninos e moços,
para aprenderem a doutrina christã, exercerem quaisquer deveres de piedade, e também
recrearem honestamente o espirito.”68
Tal definição se aproxima muito do conceito que Riolando Azzi possui dos oratórios
festivos. De acordo com Azzi, o termo designa um local apropriado para reunir aos domingos
e dias festivos, “meninos pobres e abandonados (...), onde pudessem ocupar-se em jogos,
diversões honestas e em seguida aproveitar a oportunidade para ensinar os rudimentos da fé
cristã.”69

64
OLIVEIRA, P. A. R. de., Op. Cit., p. 288-289.
65
Ibidem, p. 289.
66
OLIVEIRA, P. A. R., Loc. Cit.
67
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das
Províncias Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto
Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna
cidade de S. Paulo de 25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia
Leuzinger, 1911. p. 322.
68
Ibidem, p. 323.
69
AZZI, R. Os Salesianos no Brasil: À luz da história. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1982, p. 78.
24

Deste modo, a proposta de criação desses espaços em Córrego e Cambuí pode ser
vinculada ao desejo de possibilitar a oferta de instrução e ensino católico, ação na qual o
ultramontanismo depositava grandes esperanças, partindo da ideia de que o desconhecimento
de Deus era a causa de muitas das “desordens” que acometiam as sociedades modernas70.
A razão de dispensar tanta atenção a estas duas paróquias é fato novo. Isso não
equivale dizer que as paróquias acima citadas tenham entrado em contato com as reformas
tridentinas e ultramontana somente a partir de 1911 com a nomeação dos teresianos para sua
gestão. Ambas nascem como paróquia ainda sob a jurisdição do bispado de São Paulo (1745-
1900), o que já pode em si ser visto como uma ação da reforma visando aumentar o número
de paróquias no país: Cambuí em 1850 e Córrego em 1899 e, embora neste período não tenha
sido possível provê-las de párocos imbuídos do espírito reformador, podemos ainda assim
perceber que, desde o início do século XIX, a atenção dispensada pelos bispos paulistas às
capelas e paróquias do território sul mineiro, no qual se inserem tais paróquias, é crescente e
pode ser vista sobretudo no registro de várias visitas pastorais71.
Devido à frequência e alcance destas orientações frente a um clero de tendências
regalistas 72 , acreditamos que estas ações não surtiram o efeito esperado pela hierarquia
católica. Diante deste quadro, creditamos extrema importância à criação da Diocese de Pouso
Alegre, momento que se intensificam as ações da Reforma Ultramontana em território sul
mineiro, antes pertencente ao Bispado de São Paulo e sob a influência do clero paulista.
Portanto, concluímos que a intenção de Dom Assis de prover de sacerdotes
reformados as referidas paróquias sul mineiras, foi resultado da política ultramontana do novo
bispado, implantada por Dom Nery e consoante com a orientação do episcopado, e de acordo
com a política da Santa Sé no Brasil, fatores que, conjugados, buscarão efetivar a reforma do
clero e dos costumes no sul de Minas Gerais, objeto deste estudo.

70
DAL-GAL. G. Papa Pio X. Padova: Il Messaggero di S. Antonio- Basilica del Santo, 1954, p. 359.
71
FRANCO, H. V. O Clero Paulista no Sul de Minas. 1800-1900. Passos: Gráfica e Editora São Paulo, 2003,
p. 43-65.
72
Entendemos o regalismo como a intervenção do poder civil na esfera do poder da Igreja.
25

1.2 - O Projeto da Província Romana

Neste tópico buscamos entender o projeto da Província Romana para efetivar sua
presença em 1911 no Brasil. Julgamos esta abordagem necessária, na medida em que um
estudo das intervenções dos teresianos sobre as práticas religiosas locais só se faz possível e
confiável se entendermos, antes, as expectativas que a Ordem dos Carmelitas Descalços teve
para tal fundação e sua orientação em termos de carisma.
Na busca de evidências que pudessem esclarecer os motivos que animaram a Província
Romana, com o consentimento do Definitório Geral da Ordem, a enviar em inícios de 1911
freis para o Brasil, é interessante notarmos que a ideia de se fundar um convento no país
aparece pela primeira vez em 1908. De acordo com frei Onorio di Ruzza, no referido ano a
Província Romana não pôde enviar um número maior de religiosos para a sua missão fundada
na Síria, pois esta província estava então “impegnata nella fondazione di nuovi conventi in
Italia e in Brasile”73.
No Brasil, somente em 1910 verificamos a realização de medidas buscando efetivar
esta presença no país. De fato, na ata do Definitório de 23 de maio de 1910, quando são
discutidas as propostas recebidas por parte do episcopado brasileiro, é mencionada a intenção
por parte desta província de fundar um convento no país74.
Tais evidências parecem constituir também a conjectura apresentada por frei Rafael
Mejía Maya, religioso teresiano colombiano que, na sua obra intitulada Los Carmelitas
Teresianos en América Latina – Noticias Históricas, ao referir-se à fundação da Província
Romana no Bispado de Pouso Alegre, defende que a aceitação das casas de Córrego e Cambuí
ocorreu devido a impossibilidade inicial de se fundar nessa região um convento 75.
No entanto, antes de concluirmos tal hipótese, analisamos duas fontes que julgamos
essenciais para nos portar ao fim desta discussão: a primeira é uma nota editorial intitulada I
Primi Carmel. Scalzi Italiani in America, datada de 25 de abril de 1911 e publicada no
periódico mensal ilustrado da Província Lombarda dos Carmelitas Descalços, Il Carmelo; e a
segunda, é o manuscrito intitulado Appunti storici della nostra missione nel Brasile, que foi

73
DI RUZZA. O. Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Car-melitani Scalzi. Roma:
Edizioni O.C.D, 1987, p. 98.
74
APROCD. Acta Definitorii Provincialis Provinciae Rom.ª a die 12 Junii 1911 ad diem 19 Aprilis 1923.
Definitorium ordinarium celebratum Romae apud S. M. De Victoria.Sessio 1, 23 Maji 1910, p. 23.
75
MAYA, R. M. Los Carmelitas Teresianos en América Latina – Notícias Históricas. Bogotá: Editorial
Kimpress, 2003, p. 128.
26

encontrado junto aos livros de administração da Ordem no Arquivo da Província São José dos
Carmelitas Descalços – localizado na cidade de São Paulo.
Para fins de exposição, iniciamos nossa análise pela nota publicada no mencionado
periódico italiano. Antes de nos atermos a seu conteúdo, é preciso, porém, realizar algumas
considerações sobre este órgão. Criado na cidade de Milão em 1902, o periódico Il Carmelo,
de acordo com definição de frei Gerardo Beccaro, (missionário na Índia em 1868 e desde
1894 superior provincial da Lombardia), possui como objetivo “far conoscere vieppiù le
splendide glorie dell’Ordine nostro e promuovere maggiormente in cuor ai fedeli l’amore alla
benignissima nostra Madre Maria SS. e la divozione al santo suo Scapolare”76. Por sua vez,
Andrea Carlo, então Arcebispo de Milão, assim o definiu: “accendere vieppiù nei fedeli la
divozione verso il Santo Scapolare del Carmine che è pegno di salvezza”77.
Na nossa análise deste periódico, é preciso considerar a seu respeito dois aspectos: o
primeiro é reconhecê-lo como parte do que se convencionou chamar de “Boa Imprensa”,
movimento católico que tinha por objetivo principal combater e neutralizar a “Má Imprensa”,
ou seja, as imprensas protestante, liberal, maçônica, repletas de teorias do materialismo,
racionalismo, naturalismo, positivismo e do indiferentismo, a fim de instruir os católicos e
defender a Igreja de seus inimigos78. O segundo aspecto é que tal periódico também deve ser
visto como órgão que pertence a uma província da Ordem, que visava divulgar suas ações
missionárias e angariar fundos para as mesmas. Por isso é necessário aqui termos presente,
conforme nos aponta Bruls, que a representação dos costumes e povos retratados nestes
órgãos podia, com frequência, abusar de um exotismo e de um pessimismo incompatíveis com
a realidade vivida, o que é visto pelo autor como estratégia para atrair o interesse dos leitores,
atitude condenada pelo autor e que aqui nos alerta para tal aspecto na leitura deste órgão 79.
Neste caso específico, ao reportar o embarque do primeiro grupo de teresianos
italianos destinados ao Brasil, a nota transcrita abaixo nos aponta para importantes aspectos
que devem ser considerados, na intenção de se entender o projeto da Ordem para tal fundação
em Minas Gerais:

76
BECCARO, G. Lettera del M. R. P. Gerardo Beccaro. Il Carmelo. dez. 1901, p. 5. “fazer conhecer as
esplendidas glórias da nossa Ordem e promover (...) nos corações dos fiéis o amor a benigníssima nossa Mãe
Maria Santíssima e a devoção ao seu Escapulário”. Por sua vez, Andrea Carlo, Arcebispo de Milão, assim o
define: “acender nos fiéis a devoção ao Sacro Escapulário do Carmo.” (tradução nossa)
77
CARLO, A. Lettera di S. Em. il Card. Ferrari. Il Carmelo. dez. p. 3. “acender nos fiéis a devoção ao Sacro
Escapulário do Carmo.” (tradução nossa)
78
A Pastoral Coletiva de 1911 apresenta as ações que o clero deveria realizar para apoiar a Boa Imprensa e
também aquelas ações recomendadas para frear a dita Má Imprensa.
79
BRULS. J. A Atividade Missionária de 1850 ao Vaticano II, In: AUBERT, Roger. A Nova História da Igreja
– A igreja na sociedade liberal e no mundo moderno II. (Tomo II). Petrópolis: Vozes, 1976, p. 183.
27

Sabato 11 Marzo in Genova si sono imbarcati sul piroscafo


Cordova, per Rio de Janeiro, il P. Arcangelo di S. Pietro, Priore del
nostro Convento di San Valentino in Terni; il P. Marcellino di S. Teresa,
Sotto priore del nostro Convento di S. Maria dela Vittoria in Roma; il P.
Mauro di S. Giuseppe, Sotto maestro dei Novizi dela Provincia Romana,
e Fra Alfolso di S. Martino. Essi si recanoa fondare um nuovo Carmelo
in Cambuhy, nella Diocesi di Porto Alegre, al sud del Brasile.
Auguriamo agli apostoli del bene larga messe e fecondo lavoro. 80

O primeiro aspecto refere-se ao fato de ser esta a primeira presença da Ordem depois
de 71 anos desde a supressão no Brasil do último convento teresiano, que aconteceu na cidade
de Salvador, Bahia, em 1840 81. É também a primeira vez que a Província Romana envia
teresianos para a América82.
O segundo é a menção à elevada preparação da grande maioria dos integrantes da
primeira comitiva destinada a fundar casas no Brasil, sinal da importância que a Ordem
deposita em tal projeto. Destes, merecem destaque, pela sua preparação e formação, frei
Marcellino di Santa Teresa, (Enrico Dorelli 83 ), e frei Arcangelo di San Pietro (Vittorio
Emanuelle Secondo Bindi84).

80
Il Carmelo. 25 de Abril de 1911. p. 128. “Sábado, 11 de Março em Genova embarcaram no navio a vapor
Cordova, para o Rio de Janeiro, o Padre Arcangelo de São Pedro, Prior do nosso Convento de São Valentino
em Terni; o Padre Marcellino de Santa Teresa, Sub prior do nosso Convento de Santa Maria della Vittoria em
Roma; o Padre Mauro de São José, Sub mestre dos noviços da Paróquia Romana, e o irmão laico Alfonso de
São Martin. Estes se destinam a fundar um novo Carmelo em Cambuí, na Diocese de Porto Alegre, no sul do
Brasil. Desejamos aos apóstolos do bem larga colheira e trabalho fecundo.” (tradução nossa)
81
DE JESUS. P. D do C. A Reforma Teresiana em Portugal. Lisboa: Escolas Profissionais Salesianas -
Oficinas de S. José, 1962, p. 94.
82
As fundações na Diocese de Pouso Alegre foram as primeiras da Província Romana na América desde sua
criação, em 1617.
83
Onorio di Ruzza nos apresenta a trajetória deste religioso na Ordem, donde destacamos algumas passagens.
Marcellino Dorelli nasceu em 25 de agosto de 1864, em Roma, filho de Giuseppe e Giovanna Antonelli.
Professou na Ordem em 1883 e em 1889, recebeu a ordenação sacerdotal. Foi professor de Filosofia no Colégio
de Caprarola, e em 1900 foi nomeado missionário apostólico, com decreto da S. C. de Propaganda Fide. Em
1904, integrou a comissão preparatória do Congresso Mariano em Roma. Produziu grande número de obras
sobre a história da Ordem e, em 1921, foi eleito membro efetivo da Arcadia, com o nome acadêmico de Verildo
Milesio. Morreu em 1946, em Roma. DI RUZZA, O. Quattro Secoli di Cultura – Profili Bio-Bibliografici
degli scrittori e artisti dela Provincia Romana dei Carmelitani Scalzi (1597-1997). Roma: 1996, p. 168-169.
84
De acordo com o disposto no Libro dei Battesimi dal 1851/1882, p. 258/1708 encontrado no Arquivo S. Marco
na cidade de Costacciaro, Vittorio Emmanuele Secondo Bindi nasceu em 14 de março de 1871, em Costacciaro,
Úmbria, filho de Lino Bindi e Filomena Marzolini. De acordo com Edmondo Fusciardi, Vittorio professou na
Ordem em 1887 e depois de dez anos se ordenou. Em 1906, foi nomeado prior do grupo de religiosos destinados
a reabrir o convento de São Valentin, em Terni. Neste local foi ainda definidor provincial, leitor de cartas,
predicador e professor de música e de línguas latinas, entre outros. FUSCIARDI, E. Cenni Storici sui Conventi
dei P. Carmelitani Scalzi della Provincia Romana. Roma: Tipografia Pol. Cuore di Maria, 1929, p. 320. Ver
também o Livro Hierarchia in N. Carmelit. Ordine A. D. MCMXXIV Prov. Rom.
28

O terceiro ponto está relacionado ao fato de que os editores deste periódico tornam
público na nota que a intenção da Ordem, ao enviar tais religiosos ao Brasil, é aquela de se
fundar um novo carmelo nesta região.
Finalmente, o quarto aspecto é um curioso erro geográfico que verificamos ao final da
nota, quando esta insere Cambuí na Diocese de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Este engano
nos despertou a curiosidade para entendermos o que poderia tê-lo ocasionado e, ao
pesquisarmos sobre a história da Ordem, foi possível notar que, no mesmo período, outra
fundação teresiana estava em curso no Brasil, essa sob a responsabilidade de teresianos
espanhóis, que aconteceu no Rio Grande do Sul85. No entanto, a fundação em Minas Gerais
foi a primeira a efetivar-se. Esta informação adquire relevância na medida em que a presença
dos teresianos italianos marca também a primeira presença de descalços no Brasil depois da
Restauração da Ordem na Espanha 86.
Cientes de tais aspectos, direcionar-nos-emos à segunda fonte, o manuscrito intitulado
Appunti storici della nostra missione nel Brasile 87. Tal documento possui 18 páginas e foi
encontrado junto aos livros de administração das duas paróquias no Arquivo da Província São
José dos Carmelitas Descalços, em Higienópolis, cidade de São Paulo, e requer apontamentos.
Este material não possui autoria e nem data de sua produção. Escrito em italiano, o
documento narra os principais acontecimentos verificados no decorrer dos anos de 1910 até
1917 no Brasil. O posicionamento de seu autor nos leva a crer que o mesmo não integrou os
grupos que chegaram ao país em 1911, 1912, 1914 e 1915. No entanto, este documento nos
traz grande número de detalhes sobre a presença teresiana verificada no Brasil neste período.
O texto termina de modo abrupto, quando o autor se referia aos fatos verificados no país
durante a Primeira Guerra Mundial, quando acontecem manifestações contra os alemães
sediados no Brasil. Este documento, ao referir-se aos fatos ocorridos no país no ano de 1916,
discorre sobre o que ao autor julga ter sido um dos motivos pelos quais os superiores
desejaram fundar uma casa no Brasil: “Uno dei fini principali per cui i Superiori mandarono i

85
EUCARISTIA, Fr. R. de la. El Monte Carmelo. p. 266-280. De acordo com Frei Redento de la Eucaristia, em
7 de maio de 1911 os carmelitas descalços espanhóis tomaram posse em Uruguaiana. Um mês depois, foram
incumbidos da administração da paróquia de São Borja e, em 20 de agosto do mesmo ano, foram empossados
como gestores da paróquia de Alegrete.
86
MAYA, R. M. Los Carmelitas Teresianos en América Latina – Notícias Históricas. Bogotá: Editorial
Kimpress, 2003, p. 32. Pio XI em 1875 extinguiu a Congregação da Espanha, declarando sua unificação com a
Congregação Italiana de Santo Elia.
87
APSJDC. Appunti Storici della Nostra Missione nel Brasile.
29

nostri nel Brasile, era di fondare quanto prima um Convento formale, in previsione di
qualche suppressione religiosa in Italia.”88
Diante das evidências contidas nestes dois documentos, cujo teor vai de encontro com
o que expomos a este respeito nas páginas anteriores por meio da análise das atas dos
Definitórios da Província Romana e das obras dos freis Rafael Mejia Maya e Onorio di
Ruzza, somos levados a acreditar que o desejo de expansão da Província Romana na América
do Sul estava relacionado com um projeto de se estabelecer um convento fora da jurisdição da
Província Romana, o que vinculamos aqui ao medo de uma nova supressão das entidades
religiosas na Itália.
De fato, se retrocedermos na história da Província Romana durante o século XIX,
percebemos que essa enfrentou grandes perdas de patrimônio na Itália, efeito advindo das
consequências da Revolução Francesa e das leis anticlericais que entraram em vigor nos anos
posteriores a este evento. Frei Onorio di Ruzza, ao referir-se à Itália, nos afirma que, durante
o período de 1809 a 1815, anos marcados pela supressão das ordens religiosas, todos os
conventos desta Ordem foram confiscados pelo governo daquele país 89.
Ainda de acordo com esse autor, a lei de supressão das entidades religiosas vigente no
país desde 1866 foi imposta à Roma e sua província em 1873, e resultou desta vez na perda
dos conventos de Perugia, Urbino, Viterbo, Montecompatri, Caprarola, Montevirginio, Santa
Maria della Scala, Santa Maria della Vittoria, San Pancrazio e Terni. Alguns destes conventos
foram posteriormente readquiridos mediante pagamento. Outros, importantes dentro da
estrutura de formação da Província Romana, foram resgatados somente após alguns anos,
como aconteceu com os conventos de Santa Maria della Scala, Santa Maria della Vittoria, San
Pancrazio e Terni90. Outros imóveis, como os conventos de Sassoferrato, Matelica e Ancona,
todos situados na região do Marche, confiscados no início desse século, não foram
recuperados por essa província.
Porém, não creditamos somente ao medo de uma nova supressão das ordens religiosas
na Itália o projeto de fundação de um convento no Brasil em 1911. Não obstante ao natural
engajamento da Ordem na política ultramontana, apontamos aqui também para a importância
que assumiu a orientação missionária da Congregação Italiana da Ordem dos Carmelitas

88
Ibidem, p. 5. “Um dos fins principais pelo qual os Superiores mandaram os nossos ao Brasil, era de fundar, o
quanto antes um Convento formal, em previsão de qualquer supressão religiosa na Itália.” (tradução nossa)
89
DI RUZZA. O. Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi. Roma:
Edizioni O.C.D, 1987, p. 78.
90
Ibidem, p. 86.
30

Descalços, na qual a Província Romana está inserida, em oposição à corrente conventual


instalada na Congregação Espanhola da Ordem.
Para compreendermos esta orientação missionária e sua relação com as casas fundadas
no sul de Minas Gerais, necessitamos explicar alguns aspectos ligados à institucionalização da
Ordem dos Carmelitas Descalços e à criação da Congregação da Itália, pois isso nos parece
essencial para entendermos como a Província Romana se integrou, no século XIX, ao novo
contexto de colonização religiosa verificada neste período.
Na história de constituição dos Carmelitas Descalços como ordem religiosa
independente da Ordem do Carmo, podemos observar, de acordo com a periodização
estabelecida por frei Silvério de Santa Teresa, historiador da referida Ordem, e reproduzida
por Fernando Antônio Dantas Ponce de Leon, a existência de quatro fases, que se relacionam
a uma conjuntura, marcada pelos conflitos que se originaram da divergência de objetivos
entre os membros da Ordem do Carmo e o novo grupo que se formou na Espanha, em meados
do século XVI, pelo objetivo desse novo grupo de se constituir em uma nova e diversa
entidade religiosa e pela obstinação deste novo grupo de obter para seu projeto a proteção do
rei espanhol Felipe II91.
A primeira destas fases inicia-se no ano de 1568 e se estende até 1580, e foi
caracterizada pela fundação na Espanha de conventos e mosteiros, onde os carmelitas Teresa
de Ahumada (1515-1582), Juan de la Cruz, Antônio de Jesus e Ambrósio Mariano
reintroduziram a regra primitiva92 da Ordem do Carmo, em que destacam-se como elementos
centrais a penitência, o trabalho manual e a oração, diferentemente da regra mitigada, de rigor
atenuado, seguida então pela Ordem do Carmo93.
A primeira fundação nesse modelo foi o Monastério de Ávila, que ocorreu em 1562 e
que abriu caminho para uma série de novas casas94. A intervenção de Teresa de Ahumada

91
PONCE DE LEON, F. A. D. Carmelitas Descalços no Pernambuco Colonial. Tese de Doutorado em
História. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 2002, p. 16.
92
A Regra do Carmelo foi elaborada pelo patriarca de Jerusalém Alberto e dada aos carmelitas entre os anos
1206 e 1214. Esta, foi aprovada por Honório III, em 30 de janeiro de 1226, e por Gregório IX três anos mais
tarde. Finalmente, Inocêncio IV lhe deu sua aprovação em 8 de junho de 1245, ato reafirmado em 1 de outubro
de 1247. GIRARDELLO. R. Le Origini e la Regola del Carmelo. Roma: Edizioni O.C.D., 1989, p. 5.
93
PONCE DE LEON, F. A. D. Op. Cit., p. 18-25.
94
No período de 1562 até 1582, foram fundados 17 mosteiros, sendo estes o de Ávila em 1562, de Medina del
Campo – Valladolid, em 1567, de Malagon em 1568, Valladolid em 1568, de Toledo em 1569, de Pastrana em
1569, de Salamanca em 1570, de Alba de Torme em 1571, de Segóvia em 1574, de Beas de Segura em 1575, de
Sevilha em 1575, de Caravaca em 1576, de Villanueva de la Jara em 1580, de Palência em 1580, de Sória em
1581, de Granada em 1582, e em Burgos em 1582. Não citamos aqui as fundações de conventos masculinos
empreendidos por Teresa de Ahumada ou sob sua orientação. SCIADINI. P. As Fundações de Santa Teresa.
Aquiraz: Edições Shalom, 2011, p. 25.
31

continuou nas fundações que se seguiram e foi vista, principalmente, no apoio às tramitações
realizadas junto ao rei católico e em Roma, para se obter autorização para novas casas 95.

Figura 2- Fundações dos mosteiros teresianos na Espanha no século XVI

Nesta fase, foi observada a intensificação dos conflitos que se instauraram entre os
calçados, seguidores da regra atenuada e os descalços, observantes da regra primitiva adotada
nas novas fundações. Tal situação teve fim com a intervenção de Felipe II na querela, o que
resultou na decisão de se estabelecer uma divisão entre as partes litigantes, ato confirmado por
Roma através de um breve papal de 1580 96.
A segunda fase, por sua vez, inicia-se em 1581 e vai até 1587, e foi marcada pela
realização de dois eventos que concederam ao novo grupo graduais concessões; o primeiro
ocorreu em 1581 e diz respeito à realização do Capítulo de Alcalá, momento no qual é
concedido aos teresianos o direito de se estabelecer como província, e o segundo foi uma
concessão do Papa Sixto V, em 1587, que elevou a referida província à condição de
congregação97.
Neste período, é interessante notarmos que, de acordo com Ponce de Leon, o
estabelecimento de conventos descalços em Portugal (1581 e 1584-85), no vice-reino do
México (1585-86) e na Itália (1584)98, excedeu em muito o objetivo inicial daquele grupo, que
foi o de fundar casas em Portugal, território que, desde 1580, havia sido anexado à Espanha, e

95
PONCE DE LEON, F. A. D. Op. Cit., p. 18.
96
Ibidem. p. 19-21.
97
Ibidem. p. 25.
98
Ibidem p. 26.
32

onde o projeto de Teresa de Ahumada era estimado pelo arcebispo de Évora 99 . Nesta
expansão, conforme nos é apresentado por Ponce de Leon, teve grande peso o apoio que
Felipe II concedeu a esse grupo, atitude 100 que demandou em troca o engajamento dos
descalços na política de colonização do rei católico101.
A terceira fase vai de 1587 até 1593, e marca o período no qual ocorreu a elevação da
então província à condição de congregação, o que deu-se a partir da divisão da então
província em diversas outras jurisdições. Nesse período, a Congregação passou a ser
composta pelas províncias de Castela de Vieja, Castela la Nueva, Andaluzia, Portugal e
Aragão, que totalizaram 500 membros entre monjas e religiosos. De acordo com Ponce de
Leon, também esse episódio foi resultado da intervenção de Felipe II junto à Roma102.
Finalmente, a quarta fase compreende o ano de 1593 e vai até 1612, periodização que
mais uma vez considera dois marcos institucionais ligados à existência dessa entidade. Neste
caso, enquanto o primeiro assinala a celebração em Cremona, na Itália, de um capítulo que
confirmou a separação entre os Carmelitas e os Carmelitas Descalços, o segundo marca o ano
que foi criada a Província portuguesa de São Felipe103.
No que se refere à Congregação Italiana, esta foi criada sete anos após a
institucionalização da Ordem dos Carmelitas Descalços, mas guarda considerável distância no
que se refere à orientação do grupo que se estabeleceu na Espanha. De fato, a criação da
Congregação Italiana deu-se por intervenção do Papa Clemente VIII que, através da
Constituição «In apostolicae dignitatis culmine» de 13 de Novembro de 1600, instituiu a
Congregação de Santo Elia independente da espanhola e lhe concedeu “la facoltà di fondare
conventi e monasteri ovunque, fuorché in Spagna e nei suoi possedimenti” 104. Quando da
emissão desta constituição, eram três os conventos teresianos na Itália. Um em Genova
(1584), e dois em Roma, fundados respectivamente em 1597 e em 1598.
Para Onorio di Ruzza, o nascimento da Congregação Italiana teria se efetivado por
imposição pontifícia, após a recusa por parte da Ordem de transplantar a reforma teresiana da

99
Ibidem, p. 27.
100
Ibidem, p. 30.
101
Ibidem, p. 31.
102
Ibidem, p. 40-42.
103
Ibidem, p. 54- 55.
104
Conventi della Provincia. Alcune notizie stiriche sulla Provincia Romana. Disponível em:
<http://www.carmelitaniroma.it/Il%20Carmelo%20Romano/Conventi.aspx>. Acesso em: 20 maio 2013. “a
faculdade de fundar conventos e monastérios onde quer que seja exceto na Espanha e nas suas posses.”
(Tradução nossa)
33

Espanha para a Itália105. Neste período, é preciso lembrar, conforme reiterado por Roggero
Anastasio, que um contexto bem específico marcou a existência da Ordem. Por um lado, a
existência do Padroado na Espanha e a reforma das ordens religiosas empreendida por Felipe
II impôs a estas a adoção da modalidade ativa. De outro lado, é preciso pontuar que tal
posicionamento do rei católico não foi aprovado pelo Concílio de Trento que, por sua vez, no
que se refere à reforma das ordens religiosas, optou pela conventualidade106. Deste modo, é
interessante notarmos que, conforme nos foi apontado por Anastasio, a reforma teresiana na
Espanha esteve fortemente vinculada à orientação de Felipe II, relegando a Roma uma
importância secundária107.
Com relação à ereção de uma congregação da Itália independente da espanhola,
Elisabetta Marchetti nos coloca que a razão que levou Clemente VIII a esse ato foi “quello di
assicurare il carisma della riforma teresiana;(...) e, quindi, la difesa dell’indipendenza di un
ramo dell’ordine dalle mire e dalle influenze della Corona spagnola” 108 . Isso se faz
compreensível na medida em que a institucionalização da Ordem deu-se por intervenção e
proteção do rei católico perante a Santa Sé.
Ademais, uma importante conjuntura permeia tais fases, e é essencial para
entendermos a orientação missionária da Congregação Italiana em oposição à orientação
vigente na congregação Espanhola, local de nascimento da Ordem dos teresianos. Esta
conjuntura está relacionada com os governos de Padre Gracian, primeiro provincial teresiano
(1581-1584) e seu sucessor, Nicolò Doria (1585-1594). Utilizamo-nos aqui de Pastor para nos
explicar tal quadro. De acordo com este autor, Padre Gracian (1581-1584), durante o período
em que foi provincial, teve o cuidado de seguir a orientação de Teresa de Ahumada, a qual
soube conciliar a observância da regra primitiva em um contexto marcado pelo regime do
Padroado na Espanha de Felipe II, ao contrário do genovês Nicolò Doria, que a partir de 1585
o sucede no governo da Ordem. Ainda de acordo com Pastor, este último: “(...) richiamò i
missionari dal Congo, limito al minimo la cura di anime, combattè um ulteriore estendersi

105
DI RUZZA. O. Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi. Roma:
Edizioni O.C.D, 1987, p. 13.
106
ROGGERO, A. Genova e gli inizi della Riforma Teresiana in Italia (1584-1597). Genova: Sagep Editrice,
1984, p. 23.
107
Ibidem, p. 10.
108
MARCHETTI, E. La reforma del Carmelo scalzo tra Spagna e Italia. Disponível em:
<http://dev.dsmc.uniroma1.it/dprs/sites/default/files/412.html>. Acesso em: 10 ago. 2013. “aquele de garantir o
carisma da Reforma teresiana e portanto, a defesa da independência de um ramo da Ordem das miras e das
influencias da Coroa Espanhola.” (tradução nossa)
34

dell´Ordine oltre la Spagna, aumento l’austerità nella forma esteriore della vita come nel
Governo dell’Ordine”109.
Tal postura é explicada por Ildefonso Moriones pela formação que frei Doria teve no
convento de Los Remedios, em Sevilha, onde professou em 25 de março de 1578 e onde de
acordo com o mesmo autor, se praticava, neste período a regra primitiva, os votos religiosos e
o “estar sempre encerrado em casa e nunca sair”110.
Segundo Pastor, portanto, a postura instaurada no governo de frei Doria visou incutir
nos Carmelitas Descalços na Espanha a observância rígida do modelo contemplativo. Por sua
vez, ao referir-se ao desenvolvimento dos teresianos na Itália, assim se coloca Pastor:

Sul suolo italiano l’Ordine Carmelitano si sviluppò allora


totalmente sulle vie tracciate da Teresa; essa da allora prese uma nuova
impronta, e raggiunse uma nuova e grande prosperità. I Carmelitani
che presero il nome di Teresa hanno fato molto nelle missioni tra gli
infedeli; nella fondazione di Propaganda, come nel Seminario dele
Missioni di Parigi, la più influente società missionaria dell’evo moderno,
è stata spiccatamente quella dei Carmelitani (Pastor Storia dei Papi, Vol
IX p. 118).111

Conforme foi-nos apresentado por Pastor, Silvano Giordano também acredita que o
espírito missionário parece ser predominante na Congregação Italiana neste período, enquanto
entre os teresianos espanhóis, foi forte a corrente que optou pela conventualidade, elemento
que pode ter sido motivado, de acordo com o mesmo autor, pela “acentuação dos aspectos
eremíticos da regra”112.
Ainda que não seja aqui nossa intenção aprofundar esta discussão, é oportuno dizer
que a contradição de correntes existentes entre as duas congregações chegou ao século XIX
sem alterações consideráveis. De acordo com Moriones, com as consequências advindas da

109
PASTOR. Storia dei Papi. Vol. X. p 118. In: ROGGERO, A. Genova e gli inizi dela Riforma Teresiana in
Italia (1584-1597). Genova: Sagep Editrice, 1984, p. 9. “chamou de volta os missionários do Congo, limitou ao
mínimo o cuidado com as almas, combateu uma ulterior estender-se da Ordem além dos domínios da Espanha,
aumentou a austeridade na forma exterior na vida e no Governo da Ordem.”
110
MORIONES, I. Il Carmelo Teresiano. Pagine di Storia. Roma: Edizioni del Terezianum, 1981, p. 147-150.
111
PASTOR. Storia dei Papi. Vol. X. p 118. Op. Cit., p. 9. “No solo italiano a Ordem Carmelitana se
desenvolveu totalmente sob as vias traçadas por Teresa; essa desde então imprimiu uma nova marca e atingiu
uma nova e grande prosperidade. Os carmelitas que tomaram o nome de Teresa fizeram muito nas missões entre
os infiéis, na fundação da Propaganda, como no Seminário das missões de Paris, a mais influente sociedade da
idade moderna foi marcadamente aquela dos Carmelitanos.”
112
GIORDANO, S. I Carmelitani Scalzi e le Missioni. Disponível em:
<http://www.ocd.pcn.net/mission/mis_hIt.htm>. Acesso em: 9 ago. 2013.
35

Revolução Francesa e as leis anticlericais que entraram em vigor no período que seguiu-se a
tal evento, a Congregação Espanhola assistiu lentamente a sua desintegração, e os seus
sobreviventes foram obrigados a se integrar à Congregação Italiana. A sobrevivência desta
segunda, deveu-se, segundo o mesmo autor, à sua política missionária, que a levou a
estabelecer uma expansão geográfica, que compreendia as casas no estrangeiro, enquanto a
Congregação Espanhola, dividida entre conflitos internos e sem esta perspectiva, diluiu-se sob
as perseguições recorrentes que assolaram a Igreja Católica no século XIX113.
É neste contexto que se insere a Província Romana, responsável pela fundação de
casas no sul de Minas Gerais em 1911. Esta província foi criada em 14 de maio de 1617 no V
capítulo geral da Congregação Italiana de Santo Elia, celebrado no convento de Santa Maria
della Scala (Roma). Neste capítulo, foram eretas também as províncias Genovesa, Polaca,
Lombarda, Avenio-aquitania e a Flandro-Belga, todas sob a jurisdição da Congregação
Italiana114.
É importante notarmos que, no período de 1617, ano de criação da Província Romana,
até 1911, data em que foram fundadas casas teresianas no Brasil, esta província possuiu
apenas quatro missões, sendo estas a do Iraque (1623) 115, a da Síria (1627) 116 , a da Índia
(1656)117 e as casas fundadas na Síria em 1858 e em 1908118.
Poucas são as informações que encontramos sobre estas missões que, de acordo com a
obra de frei Onorio di Ruzza, parecem ter tido duração efêmera. Em relação às duas últimas,
ambas fundadas na Síria, sabemos que foram confiadas à Província Romana por determinação
da Propaganda Fide, o que não acontece no caso da fundação em Minas Gerais.
De fato, não obstante à orientação missionária presente na Congregação italiana,
devemos aqui dispensar grande atenção à política ultramontana vigente. Acreditamos, pois,
que a penetração dos teresianos em 1911 deve ser vista, acima de tudo, como parte da
Reforma Ultramontana, a qual vincula-se o crescimento das missões verificado no século
XIX.
De acordo com Roger Aubert, o difícil período que se verificou para a Igreja Católica
após a Revolução Francesa, com a gradual adoção de leis anticlericais em muitos países da
Europa e da América Latina, não foi capaz de anular um prodigioso crescimento e renovação

113
MORIONES, I. Il Carmelo Teresiano. Pagine di Storia. Roma: Edizioni del Terezianum, 1981.
114
DI RUZZA. O. Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi. Roma:
Edizioni O.C.D, 1987, p. 27.
115
Ibidem, p. 31.
116
Ibidem, p. 36.
117
Ibidem, p. 54.
118
Ibidem, p. 98.
36

das ordens e congregações religiosas, que se intensificou a partir da segunda metade do século
XIX119. Os beneditinos que, em 1850 contavam com um efetivo de 1600 membros, passaram
para cerca de 6000 em 1900; os jesuítas que, em 1852 tinham 4652 integrantes, viram seu
efetivo subir para 16894 em 1914; os redentoristas que, em 1850 contavam com 1238
membros, passam para 4069 em 1910; os capuchinos ultrapassaram 10000 membros a partir
do ano de 1908, entre outros120.
Ainda de acordo com o mesmo autor, para as instituições religiosas recentes, este
crescimento foi ainda mais intenso. Os salesianos, instituídos em 1857, atingiram em menos
de cinquenta anos 3526 membros; os missionários de Steyl, que em 1875 contavam com 4
integrantes, atingiram em 1910 o número de 1370; os padres brancos da África, em 1908, ou
seja, quarenta anos depois de sua fundação, já contava com 600 padres e 400 irmãos, entre
outros. As congregações femininas, por sua vez, acompanharam tal tendência: as irmãs do
Bom Pastor de Angers, que em 1868 tinham 2.067 integrantes, passaram a contar com um
efetivo de 7.044 em 1901; as franciscanas de Salzkotten, que somavam em 1862 30 membros,
chegaram a 2.000 integrantes em cinquenta e dois anos; as franciscanas de Heythuisen, que
em 1846 possuiam um efetivo formado por dezenas de religiosas, passa a apresentar em 1917
um quadro de 2700 integrantes, entre outras121.
O crescimento de ordens e congregações religiosas neste período, de acordo com
Euclides Marchi, pode ser visto como um verdadeiro “surto de religiosidade clerical”, que
juntamente com a difusão de novas devoções reformadas na segunda metade do século XIX,
contribuiu para a propagação e defesa da Igreja ultramontana centralizada e militante 122.
Bruls, ao deter-se sobre o fenômeno do revigoramento da vida cristã, defende que esse
foi favorecido por condições internas e exteriores à Igreja, e relaciona-se no primeiro caso e
de modo especial à “multiplicação extraordinária dos efetivos disponíveis para a ação
missionária”. No entanto, tal fenômeno se beneficiou da melhoria das condições dos
transportes terrestres e marítimos, que permitiu aos religiosos facilidades de deslocamento
nunca vistas antes. Estes, a partir de então, também se aproveitaram das condições de
segurança e de ordem proporcionados e implantados a nível mundial pela expansão

119
AUBERT, R. Nova História da Igreja: A Igreja na sociedade liberal e no mundo moderno. (Tomo I). p. 108-
109.
120
Ibidem, p.109.
121
Ibidem, p. 110-111.
122
MARCHI, E. A Igreja e a Questão Social: O discurso e práxis do catolicismo social no Brasil (1850 -1915).
Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, 1989, p. 135-136.
37

imperialista europeia durante o século XIX e o fim de embargos à entrada de missionários em


muitos países da Ásia123.
Ao referir-se ao final do século XX, este autor afirma que grande parte do mundo
havia sido, ao menos teoricamente, cristianizado e, neste processo, colonização e missão
andavam juntos. De acordo com Bruls:

Missão e colonização caminhavam juntas, a primeira dando boa


consciência à segunda e recebendo dela apoio e proteção. As missões
cristãs “levavam às ambições civilizadoras da Europa o suplemento de
alma que radicalmente lhes faltava.124

Augustin Wernet nos afirma que este laço existiu, apesar do antagonismo aparente
entre o discurso antiliberal assumido pela Igreja ultramontana e o capitalismo 125. Para Marchi,
esse movimento missionário permitiu a muitas ordens e congregações religiosas europeias se
fixarem em outras nações como o Brasil, onde estas trouxeram novos padrões de
comportamento e práticas do catolicismo ultramontano, visando a transformação das práticas
religiosas dos povos locais126.
No Brasil, ainda durante o período imperial, pôde-se observar a atuação de religiosos
estrangeiros que, como já foi dito, foram introduzidos no país a partir da ação dos chamados
bispos reformadores, que se utilizaram deste efetivo para iniciar a reforma do clero no Brasil.
Mas foi a partir do fim do Padroado e aproveitando-se também do progresso capitalista, que a
Igreja passou a gozar de uma maior liberdade de ação para intensificar esta estratégia 127.
No que se refere às ordens tradicionais, verificadas no Brasil desde o período colonial,
ainda durante o Império iniciou-se o processo de sua decadência. Neste período, Hugo
Fragoso considera como tais instituições religiosas, na ala feminina, a Ordem das Clarissas, a
Ordem de Santa Úrsula, a Ordem da Imaculada Conceição e as Carmelitas Descalças, e na ala
masculina, a Ordem de São Bento, a Ordem dos Carmo, a Ordem de São Francisco, a Ordem

123
BRULS, J. A Atividade Missionária de 1850 ao Vaticano II, In: AUBERT, R. A Nova História da Igreja –
A Igreja na sociedade liberal e no mundo moderno II. (Tomo II). Petrópolis: Vozes, 1976, p. 181.
124
Ibidem, p. 185.
125
WERNET, A. A Igreja Paulista no século XIX: A reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851-1861).
São Paulo: Ática, 1987, p. 184.
126
MARCHI, E., Op. Cit., p. 139.
127
MARCHI, E., Loc. Cit.
38

de Nossa Senhora das Mercês e a Ordem dos Capuchos 128. De acordo com esse autor, as
principais particularidades dessas instituições religiosas eram:

(...) viviam, sobretudo, como rotina de vida, voltadas quase


exclusivamente para dentro dos conventos. Suas atividades apostólicas
estavam também dentro dos critérios “rotineiros”, restringindo-se
demasiadamente aos moldes tradicionais. No tocante às ordens
femininas tradicionais, sua característica principal continuava sendo a
vida de recolhimento.129

Assim de acordo com Fragoso, com esse cotidiano, marcado de modo geral pela
ausência de atividades apostólicas, eram recorrentes, neste período, denúncias que chegavam
às Assembleias Legislativas sobre a inatividade destas ordens e a falta de utilidade das
mesmas130.
Como as tentativas para se reformar estas ordens haviam resultado anteriormente em
fracasso, a ação para assumir seus patrimônios tornou-se uma prioridade para os bispos e
também para o Império. Ao abordar as principais razões de decadência das ditas ordens
tradicionais, Hugo Fragoso acredita que estas foram a ausência de rigor para se admitir
aspirantes à vida monástica, o desleixo na formação dos admitidos, a existência de desavenças
entre os religiosos e, finalmente, a falta de punição por parte dos superiores das
irregularidades cometidas pelos membros das comunidades religiosas 131.
Desenvolveu-se neste período uma política de animosidade por parte do Império com
relação às antigas ordens religiosas, o que, segundo o autor, deu-se em consequência do
interesse pelos bens destas ordens. Concomitantemente, o governo incentivava a vinda de
ordens estrangeiras, o que se justificou, segundo Fragoso, por motivos políticos e econômicos.
Em termos políticos, a vinda de ordens europeias ao Brasil constituía um interesse do Império
que objetivava, naquele momento, europeizar a nação, estratégia que constituía-se em um
instrumento valioso para os bispos que buscaram neste período um maior alinhamento com a
Santa Sé, como visto no item anterior. Economicamente, podemos observar, conforme nos
fora apontado por Fragoso, que a entrada das novas ordens europeias ocorria sob rígido

128
FRAGOSO, H. A Igreja na Formação do Estado Liberal, In: BEOZZO, J. O. (et. al.) História da Igreja no
Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo. Segunda época: século XIX. 4º ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p.
200.
129
FRAGOSO, H., Loc. Cit.
130
FRAGOSO, H., Loc. Cit.
131
Ibidem, p. 202.
39

controle do Império, que estava empenhado em impossibilitar a essas instituições adquirir


bens de modo desregrado, como já acontecera no passado com as ordens brasileiras. Estas,
por sua vez, neste período, definhavam sob o peso de medidas restritivas que lhes eram
importas pelo governo e que visavam sua extinção 132.
No caso dos Carmelitas Descalços, se retroagirmos na história da sua presença no
Brasil, vemos que a Província de São Felipe de Portugal foi a primeira a mandar teresianos ao
país133. De acordo com Ponde de Leon, o envio de teresianos portugueses ao Brasil-Colônia
pode ser visto como parte do pacto que as ordens religiosas deveriam executar no regime de
Padroado134. Neste período, observamos a instalação dos Descalços em Salvador (1665)135,
Olinda (1686)136 e Recife (1742)137. Ainda no século XVIII, efetuaram uma breve presença na
cidade do Rio de Janeiro, que durou de 1714 até 1716, quando retornam à Bahia depois de
terem desistido de ali manter residência 138.
Posteriormente, em 1741, quando o carmelita descalço Dom Frei João da Cruz
administrava na qualidade de bispo a Diocese do Rio de Janeiro, os teresianos conseguiram
voltar para essa região, onde realizaram breves passagens às margens dos Rios Jacuhy, Sinos,
Cahy e Guahyba e de onde, finalmente destinaram-se ao Rio Grande do Sul139.
Em 1808, outro episódio desta presença teve início. Com a fuga da Família Real
portuguesa para o Rio de Janeiro, vieram com a Corte dois carmelitas descalços: os padres
João dos Santos e Nicoló de Jesus Maria, que permanecem na cidade até 1822. Nesse período,
vemos a atuação destes religiosos junto à Corte, e após o retorno de Dom João VI à Lisboa,
em 1821, junto à Igreja de Santo Antônio dos Pobres, na Rua dos Inválidos, centro da cidade
do Rio de Janeiro e na Igreja de Nosso Senhor dos Passos, situada na rua de mesmo nome. A
Independência do Brasil obrigou estes religiosos a se desvincularem da Província portuguesa
de sua Ordem, e não concordando com tal exigência do Império, os frades retiram-se
novamente para a Europa140.

132
Ibidem, p. 200-205.
133
JESUS, P. D. do C. de. A Reforma Teresiana em Portugal. Lisboa: Escolas Profissionais Salesianas-
Oficinas de S. José, 1962, p. 91.
134
PONCE DE LEON, F. A. D. Carmelitas Descalços no Pernambuco Colonial. Tese de Doutorado em
História. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 2002, p. 31-33.
135
JESUS, P. D. do C. de. Op. Cit., p. 92.
136
Ibidem, p. 99-100.
137
Ibidem, p. 102.
138
Ibidem, p. 101-102.
139
JESUS, P. D. do C. de. Loc. Cit.
140
FUSCIARDI, E. Cenni Storici sui Conventi dei P. Carmelitani Scalzi della Provincia Romana. Roma:
Tipografia Pol. Cuore di Maria, 1929, p. 308.
40

Mas foi a partir da década de 1820, com o acirramento das medidas anti-clericais, que
podemos observar a expulsão definitiva dos teresianos de suas antigas fundações. Com efeito,
em 1823, os teresianos foram expulsos de seu convento de Olinda, Estado de Pernambuco,
onde a Ordem foi suprimida em 1831 141. Na Bahia, a supressão ocorreu em 1840142, findando
a presença dos Carmelitas Descalços no Brasil.
No Estado de Minas Gerais, em 1911, ao aceitar a administração das paróquias sul
mineiras, os teresianos se dedicam à “vida ativa”, conforme exige a atividade missionária, e
de acordo com a orientação da Congregação Italiana e da política expansionista da Igreja, que
dedica grande atenção à pastoral entre as populações, e é a partir deste contexto que podemos
observar com mais propriedade sua atuação em terras sul mineiras.
Deste modo, o que expusemos nas páginas anteriores conduz-nos a algumas questões
importantes para a compreensão da atuação teresiana nesta diocese. Primeiramente, podemos
apreender que o desejo de fundação de casas teresianas no sul de Minas acontece movido por
expectativas diferentes. Se de um lado esta é uma recomendação que integra a política
reformista seguida então pelo episcopado brasileiro e executada por Dom Assis, é por sua vez
inicialmente o desejo da fundação de um carmelo ou casa de formação no Brasil, que move a
Província Romana a aceitar a administração das paróquias sul mineiras com o aval do
Definitório Geral da Ordem.
Neste contexto, resta-nos analisar como se articulam tais expectativas e projetos, e
como se dá a atuação da Ordem nas referidas paróquias, com o objetivo de entender o
confronto, apropriações e negociações entre catolicismo local e o ultramontano. Com efeito,
esta análise partirá do estudo do ambiente da missão, palco dos episódios verificados no
período de 1911 até 1922.

1.3 - O Construir-se de Povoados Devotos

Giunsi alla città sopra di una mula bianca fornitami gentilmente


da uno de’ primi Signori di Corrego, ed entrai a Cambuhy tra due fitte
ali di popolo recante magnifiche palme di banano ed acclamante senza

141
JESUS, P. D. do C. de. Op, Cit., p. 101.
142
Ibidem, p. 94.
41

posa. Uno stuolo di fanciulle mi precedeva lungo la via tutta decorata,


per la circostanza, di piante ornamentali. 143

O trecho acima transcrito foi extraído de uma crônica publicada no periódico mensal
ilustrado da Ordem dos Carmelitas Descalços Il Carmelo, datada de 25 de abril de 1911, de
autoria de frei Marcellino Dorelli. Nele podemos visualizar uma das primeiras impressões
registradas por este frei sobre Cambuí, por ocasião da cerimônia de sua tomada de posse
como pároco de Cambuí, ato que se verificou em 9 de abril de 1911.
Com efeito, nesta ocasião percebemos pela primeira vez um traço que será uma
constante nas descrições deste missionário: o aspecto festivo observado nas práticas da
religiosidade local. Podemos observar também o inicial apoio concedido pelas autoridades
locais, neste caso específico, por autoridades do bairro de Córrego ao novo pároco de Cambuí,
apoio reiterado, ainda na mesma crônica, por outras autoridades locais de Cambuí, como o
Juiz de Instrução e Juiz de Direito desta comarca.
A partir destas iniciais observações, julgamos que uma importante questão deve ser
feita. De fato, em 1911, quais eram, nesta localidade, os poderes estabelecidos, e quais as
relações que estes mantinham com a Igreja Católica e a população local? A resposta a esta
interrogação nos parece, neste ponto, fundamental para compreendermos como se configura
neste período o território de Cambuí que, a partir de abril do referido ano, se torna palco das
relações verificadas entre leigos e religiosos, entre as práticas do catolicismo local e os rituais
do catolicismo reformado.
Com o objetivo de responder tal questão, nos debruçamos sobre a configuração sócio-
política, econômica e cultural de Cambuí quando da chegada dos teresianos, buscando
também refletir sobre o processo de formação destas duas localidades sul mineiras.
Depois de quinze dias de viagem a bordo do vapor Cordova, o pequeno grupo de
teresianos destinados a atuar no sul de Minas Gerais desembarcou na cidade do Rio de
Janeiro, de onde seguiu rumo ao bispado sul mineiro 144. Já neste Estado, esta comitiva se
encaminhou para a cidade de Pouso Alegre, sede episcopal onde teve lugar o primeiro

143
DORELLI, E. I Carmelitani Scalzi al Brasile. Il Carmelo. Milano: 1911, p. 174-175. “Cheguei à cidade em
cima de uma mula branca que me foi oferecida gentilmente por um dos primeiros Senhores de Córrego, e entrei
em Cambuí entre duas fileiras de povo trazendo magnificas folhas de bananeira e aclamando sem pausa. Uma
multidão de meninos e meninas me precedeva ao longo da via, para a circunstância, de plantas ornamentais.”
(tradução nossa)
144
Ibidem, p. 174.
42

encontro com Dom Assis e de onde o grupo partiu para assumir a administração das duas
paróquias145.
Quando da chegada dos teresianos ao sul de Minas em 1911, é interessante notarmos
que Cambuí era um jovem município que havia conseguido sua emancipação político-
administrativa de Camanducaia em 1889. O município fora criado com uma área de
considerável extensão geográfica, constituída por três paróquias 146. Uma destas, e a de maior
representatividade para a sede da municipalidade em termos econômicos e de relações sócio-
políticas, foi a de Córrego do Bom Jesus, que distava da sede cerca de 15 quilômetros.
Durante as últimas décadas do século XIX e a primeira década do século XX, a
interação sócio-política e econômica entre a sede da municipalidade e este bairro tornou-se
evidente, e pode ser observada em três situações: primeiramente no âmbito político, uma vez
que a composição da Câmara Municipal de Cambuí congregava, em seus cargos mais
elevados, elementos provenientes também da localidade de Córrego, configuração que parecia
refletir o poder detido pelos mais altos postos do 64º Batalhão da Guarda Nacional de
Cambuí147. A aliança entre estes elementos foi selada por uniões matrimoniais das principais
famílias detentoras do poder nestas localidades: a família Lambert de Cambuí e a família
Quintino da Fonseca de Córrego 148 . A força desta composição era tal, que não alterou a
liderança local exercida desde 1861 pelo Coronel Francisco Cândido de Brito Lambert,
quando da Proclamação da República. Nesta ocasião, o Partido Republicano Mineiro
consentiu na manutenção deste chefe à frente da administração política local149. Do mesmo
modo, também percebemos já no século XX a integração de uma das máximas autoridades
locais, o funcionário nomeado pelo governo, Dr. Carlos Cavalcanti, (Juiz de Direito de
Cambuí no período de 1900 até 1922), à estrutura coronelista, o que foi selado também por
meio de matrimônio com uma integrante da família Quintino da Fonseca150.
Maria Isaura Pereira de Queiroz, em sua obra O Mandonismo Local na Vida Política
Brasileira e Outros Ensaios, fornece elementos que nos ajudam a compreender tais fatos. De
acordo com a autora, a permanência do coronelismo (após o fim do sistema monárquico e a

145
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,
ed. dez., 2010, p. 12.
146
Composto pelas paróquias de São Sebastião, São Roque do Bom Retiro e da capela do Senhor Bom Jesus do
Córrego, que fica elevada à categoria de freguesia.
147
LAMBERT, L. F. Biogeografia de Uma Cidade Mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Comissão Mineira de Folclore, 1973, p. 53.
148
FINAMOR, M. A. C. F. Pesquisa sobre Capitão Quintino da Fonseca. Córrego do Bom Jesus:
Mimeografado, 2009.
149
LAMBERT, L. F. Op. Cit., p. 94.
150
Ibidem, p. 96.
43

introdução do novo sistema eleitoral na Constituição de 1891, que concedeu a todo brasileiro
ou naturalizado o direto de voto), constituiu-se em grande motivo de espanto para os adeptos
do regime republicano 151. Entendido aqui como forma de poder político que derivou-se da
influência e poder exercido pelos detentores das mais altas patentes da Guarda Nacional 152 a
nível local, o coronelismo perdurou ao fim da monarquia e entrou no período republicano com
força, o que também foi visto na região que ora analisamos 153.
A referida autora ainda afirma que, nas primeiras eleições realizadas após a
proclamação da República, foram verificadas dificuldades para se encontrar republicanos para
ocupar os cargos até então exercidos pelos antigos políticos, que continuaram a ser eleitos em
muitos estados do país, e mesmo naqueles onde o Partido Republicano não era novidade,
como é o caso de Minas Gerais154.
Neste ponto reside um importante aspecto. Se a República significou o fim do
Padroado e inaugurou o Estado laico, período no qual a Igreja ganha força para se reestruturar
internamente, visando um alinhamento com a Santa Sé, a nível local, percebemos que tal
momento não significou um corte nas relações políticas locais. Ao referir-se à força dos
senhores rurais no período colonial e imperial, Maria Isaura apresenta a instituição de
diversos cargos, como juiz de foro, ainda no período colonial, e as funções de chefes,
delegados e subdelegados da Polícia em 1841, como tentativas de controlar o poder dos
senhores rurais. Este mecanismo consistia em empossar em tais funções indivíduos cuja
nomeação era realizada pelo governo central e provincial, o que acontecia visando introduzir
na região um elemento estranho, que agiria no sentido de desmantelar o poder exercido pelos
senhores rurais no interior, o que segundo a autora, não aconteceu, pois “perdidos no fundo do
sertão, não dispondo de forças para efetuar prisões, isolados pela distância dos centros
provinciais e muito mais ainda da capital do Império, só puderam viver acolhendo-se à
sombra do mandão local, auxiliando-o e partilhando-lhe a sorte.” 155 E isso nos ajuda a
compreender a situação de Cambuí.

151
QUEIROZ, M. I. P. de. O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira e Outros Ensaios. São Paulo:
Alfa-Omega, 1976, p. 163.
152
De acordo com Maria Isaura, a Guarda Nacional foi instituída no Brasil em 1831 com a proposta de “defender
a Constituição, para auxiliar na manutenção da ordem prevenindo revoltas, para promover o policiamento
regional e local.” O engajamento neste órgão dos seus servidores dava-se de acordo com critérios de renda, que
serviam para delegar aos mesmos as patentes para militares, que serviram no decorrer de sua existência para
hierarquizar as relações sociais a nível local. Em Cambuí, a Guarda Nacional foi criada, como já dissemos, em
1851.
153
QUEIROZ, M. I. P., Op. Cit.
154
Ibidem, p. 113-114.
155
Ibidem, p. 55-70.
44

Em segundo lugar, percebemos que a integração entre ambas localidades se faz


presente em prol de interesses econômicos comuns. Através das edições de 1874 e 1884 do
Almanach Sul Mineiro, podemos ver que muitos dos nomes que aparecem relacionados como
capitalistas, proprietários de engenho e fazendeiros nestes documentos, constam em um
decreto de nomeação para a Guarda Nacional já no período republicano, em 1899 156, como
capitães e coronéis da Guarda Nacional, e é fundamentalmente o mesmo grupo de famílias
que se congrega em 1904, sob a direção do Juiz de Direito, Carlos Cavalcanti, para formar a
Sociedade Agrícola, Comercial e Industrial de Cambuí, órgão que tinha por objetivo trabalhar
pelos interesses da lavoura, comércio e indústria, e também propagandear pelo assentamento
dos trilhos de uma estrada de ferro que passasse por Cambuí, projeto do capitalista paulista
Abílio Soares e cuja execução nesta região não chegou a concretizar-se157.
Tal reivindicação era apregoada pela elite rural local como necessária ao
desenvolvimento do município e à escoação da “representativa” produção agropecuária local.
Algumas fontes deste período nos ajudam a entender tal economia. De acordo com a edição
do Jornal A Propaganda de setembro de 1904, Cambuí neste período possuiu como principal
atividade econômica a agricultura, “que tem tido crescente desenvolvimento, consistindo na
cultura do café, fumo, cana de açúcar e cereais. A criação do gado vacum, cavalar, muar e
sobretudo suíno tem tido também grande incremento”158.
A presença da lavoura de café, contudo, parece ser recente. De acordo com o
Almanach Sul Mineiro de 1874, neste ano em Cambuí “a principal cultura é a do fumo, cuja
producção se avalia em mais de vinte mil arrobas. Também exporta algum gado e
ultimamente inicia-se a plantação do café.”159
Somente dez anos mais tarde é que percebemos o aumento desta produção. Assim,
podemos notar no Almanach Sul Mineiro para 1884 que neste ano a população é estimada
entre seis e sete mil habitantes. No que se refere à economia, temos notícia do cultivo da cana
de açúcar, fumo e finalmente café, item cuja produção é estimada em cinco mil arrobas.
Outras atividades também são listadas, como a exportação de “gado e porcos para S. Paulo e
para a côrte, grande quantidade de polvilho para diversos lugares e tratando-se também da
indústria da cera”.160

156
Cf. Diário Official República dos Estados Unidos do Brasil. 11 jun., 1899.
157
JORNAL A PROPAGANDA. Cambuí, MG: Ed. 22 set., 1904.
158
Idem.
159
VEIGA, B. S. da. Almanach Sul-Mineiro. Campanha: Typ. do Monitor Sul Mineiro, 1874, p. 265.
160
Idem,1884, p. 400.
45

Córrego, por sua vez, apresenta um reflexo desta economia. Ao findar o século XIX,
Alfredo da Costa Guimarães, secretário e membro da Comissão encarregada pelo Conselho
Distrital da Freguesia de Bom Jesus do Córrego, reporta a presença da lavoura cafeeira que,
de acordo com o parecer da Comissão, colhe perto de dez mil arrobas de café 161. Estes dados
nos indicam, assim como o constatado por Marcel Pereira da Silva em sua dissertação De
Gado a Café: As ferrovias no sul de Minas Gerais (1874-1910), que a cultura do café nesta
região ainda era pouco representativa durante as últimas décadas do século XIX 162. Por isso,
acreditamos que os poderes locais constituídos assentavam-se sobre uma economia
diversificada e não de grandes propriedades, e cujos poder econômico não atingiu grande
representatividade.
Neste ponto necessitamos estar atentos à finalidade dos órgãos que utilizamos aqui
para nos informar destes dados, ou seja, o Almanach Sul Mineiro e o Jornal A Propaganda de
Cambuí. De fato, no que se refere ao Almanach Sul Mineiro, percebemos que este órgão é de
propriedade da família Veiga de Campanha, família ligada por gerações a um projeto de
criação de uma província sul mineira independente e cuja sede seria em Campanha. Este
projeto encontrou difusão na imprensa local de propriedade da mesma família e através do
Almanach Sul Mineiro, veículo utilizado para fazer “um levantamento do sul do estado” para
posteriormente reivindicar sua separação político-administrativa163. Já em relação ao segundo
veículo de comunicação, o Jornal A Propaganda de Cambuí, é interessante notarmos que a
única edição encontrada deste órgão é de 1904, ano em que o mesmo elabora uma edição
especial dedicada à Cambuí, ocasião em que seu editor deixa claro que esta edição do jornal
era um “Trabalho que tentamos fazer para também entrarmos na collisão daqueles que
sonham com a felicidade desta parte sul mineira e reclamam para ella um vehiculo de
progresso, um elemento de prosperidade”. ou seja, fazer propaganda do jovem município para
sua inclusão no percurso do sonhado assentamento de uma linha férrea que contemplasse
Cambuí.

161
Cf. Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo. Pastas avulsas – Paróquia de Bom Jesus do Córrego.
Alfredo da Costa Guimarães, secretário e membro da Comissão encarregada pelo Conselho Distrital da
Freguesia de Bom Jesus do Córrego. 22 de Dezembro de 1898.
162
SILVA, M. P. da. De Gado a Café: As ferrovias no sul de Minas Gerais (1874-1910). Dissertação de
Mestrado em História Econômica. Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, 2012, p. 85.
163
CASTRO, P. M. G. E. Minas do Sul: Visão corográfica e política regional no século XIX. Dissertação de
Mestrado em História. Mariana: Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
2012, p. 224.
46

Ambos, deste modo, parecem querer exaltar as peculiaridades do território sul mineiro
e de Cambuí, com destaque para os números que representam sua população 164 e economia,
para reivindicar à elite rural local apoio a seus projetos e ações por parte do governo da
Província e depois do Estado.
Porém, um aspecto comum nestes dois órgãos, a referência à queixa dos líderes locais
sobre a ausência de assistência por parte do governo da Província e posteriormente do Estado,
nos fornece importante evidência para imaginarmos que a força econômica desta região não
era muito forte, por conseguinte, a consideração a ela dispensada por parte do governo de
Minas Gerais foi deficiente em vários momentos. Corrobora para isso o fato de que foi
somente na década de 1870 que o governo da Província abriu uma via de comunicação entre
Cambuí e a sede da municipalidade a que então pertencia, Jaguary, hoje Camanducaia 165 ,
principal via de escoação da produção local para a cidade de São Paulo.
O fato mais representativo que nos evidencia esta situação é o ocorrido em 1854,
quando verificamos que Cambuí integra a lista de localidades sul mineiras que se reuniram
para encaminhar a primeira de várias solicitações à Assembleia Geral, requerendo a anexação
do território sul mineiro à Província paulista. As razões alegadas pelas povoações e
municípios mineiros, além do indiferentismo do governo da Provínvia de Minas Gerais para
com esta região, foram a proximidade com a capital de São Paulo e, principalmente, a força
das relações econômicas e religiosas que uniam o sul de Minas à capital de São Paulo, onde
localizava-se também a sede episcopal 166 . Diante disto, percebemos que a criação da
Sociedade Agrícola, Comercial e Industrial de Cambuí em 1904 significou mais uma tentativa
política de reivindicar atenção para o atendimento dos interesses de sua elite rural.
A interação entre as duas localidades não se assenta somente em termos políticos e
econômicos, mas é sentida, sobretudo, na integração de elementos das duas localidades em
associações de finalidade cultural, como é o caso das irmandades de Nossa Senhora do Carmo
de Cambuhy e do Senhor Bom Jesus do Córrego, onde merece destaque a presença de um
clero paulista não reformado, político e muitas vezes maçon. Estas estruturas, de fato, tiveram
um papel decisivo na fundação destas localidades e na constituição de sua vida política e
social.

164
JORNAL A PROPAGANDA. Cambuí, MG: Ed. 22 set., 1904. É assim que encontramos no Jornal a
Propaganda um questionamento, sobre o número da população de Cambuí neste período. De acordo com o
jornal, o recenseamento de 1890 não retratou a realidade, pois o recenseador, ao cobrar dos analfabetos uma taxa
para realizar seu recenseamento, impeliu muitos de não cadastrarem-se mediante a taxa a ser paga.
165
VEIGA, B. S. da. Almanach Sul-Mineiro. Campanha: Typ. do Monitor Sul Mineiro, 1884, p. 399.
166
LAMBERT, L. F. Biogeografia de Uma Cidade Mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Comissão Mineira de Folclore, 1973, p. 26.
47

A partir deste quadro, podemos ter uma ideia da situação encontrada pelos teresianos
em 1911. Uma área rural, separada das capitais por grandes distâncias, e que então contava
com vias de comunicação e uma assistência dos cofres do Estado precárias, uma política
organizada ao redor dos senhores rurais que compunham, ao lado do clero paulista, a estrutura
básica desta sociedade, onde havia destaque a presença de irmandades religiosas que
gerenciavam grande parte das atividades da paróquia. É esta região que ainda durante fins do
XIX assistira a chegada de uma pequena leva de imigrantes, principalmente portugueses e
italianos167.
Com efeito, ao olharmos para o processo de fundação de tais comunidades, vemos que
estas guardam estreita relação com devoções de origem portuguesa, que são para esta região
transplantadas por elementos de abastadas camadas sociais, alguns destes identificados como
provenientes da cidade de Campanha, também no sul de Minas Gerais. Dispondo de recursos
e influência política consideráveis, são estes leigos que irão dedicar-se à doação de terrenos
para edificação das capelas, obra que recebeu de suas mãos intervenção e proteção.
Tal constatação encontra eco no que Hiansen Franco, que estudou a presença do clero
paulista no sul de Minas Gerais no período de 1801 até 1900, nos apresenta sobre o processo
de ocupação desta área e o papel do leigo na constituição das práticas religiosas locais neste
contexto. De acordo com este autor, no que diz respeito ao sul de Minas, podemos observar
ciclos econômicos que nos ajudam a entender o processo de ocupação desta região entre os
séculos XVIII e XIX. De acordo com Franco, após o fim do ciclo do ouro a partir da segunda
metade do século XVIII, instaurou-se nessa região o ciclo pastoril, que levou para o extremo
sul de Minas Gerais contingentes de populações das esgotadas áreas auríferas 168. Findado este
ciclo, por volta da década de 20 do século XIX, deu-se a passagem para o ciclo agrícola, o que
de acordo com o autor, possibilitou nos próximos decênios o crescimento de povoações e a
criação de novas paróquias nesta região onde Cambuí está inserida 169.
A constatação de Franco parece estar apoiada, em grande medida, no que John Wirth
nos apresenta em sua obra Minas Gerais na Federação Brasileira 1889-1937 - O fiel da
Balança, onde o autor, ao referir-se ao povoamento e à economia da região sul durante o
século XIX, afirma a importância da pecuária, (implantada nessa região a partir da importação
de gado da região oeste do Estado), e de modo especial da agricultura, (crescentemente

167
SILVA, M. P. da. Op. Cit., p.103.
168
FRANCO, H. V. O Clero Paulista no Sul de Minas. 1800-1900. Passos: Gráfica e Editora São Paulo, 2003,
p. 27.
169
Ibidem, p. 30.
48

marcada pela ascensão do café), essa última, um fator de relevância para a atração de muitas
famílias que haviam ocupado lugar de destaque junto às elites das regiões mineradoras
decadentes de Minas Gerais170.
No caso de Cambuí, observamos que algumas das famílias que ali se instalaram no
início do século XIX, são provenientes de Campanha, município minerador localizado no sul
de Minas Gerais. Estas famílias se transferem para o extremo sul do estado movidas pelo
desejo de fixar comércio e atividades econômicas nas proximidades de São Paulo e são em
sua grande maioria estes leigos que irão empenhar-se para constituir o patrimônio destas
capelas e promover a vida religiosa nestas localidades.
Tal papel desempenhado pelo laicato é verificado em Cambuí e Córrego, e deve ser
entendido no contexto do Padroado onde, de acordo com Franco, cabia ao chefe monárquico e
não ao Papa o poder de manter o culto e o clero e evangelizar. A realização destas ações por
parte do poder civil encontrava recursos financeiros previstos a partir do recolhimento do
dízimo, pago pelos fiéis para essa finalidade, mas sua aplicação dificilmente acontecia, pois
como colocado pelo referido autor, não existia por parte do governo interesse na
evangelização, de modo que eram poucos os parócos concursados que realmente recebiam do
governo as côngruas reais, ou seja, um estipêndio pelos serviços do clero171. Os leigos, em sua
grande maioria proprietários de terras, passaram a edificar por conta própria pequenas
capelas, em suas propriedades. Da mesma forma, instituíam irmandades, das quais eles
mesmos faziam parte ou em muitas vezes presidiam, para organizar e realizar festas em
homenagem a seu santo de devoção.
No que se refere às duas localidades aqui analisadas, embora ambas as povoações
tenham nascido através da intervenção de leigos que decidem doar terrenos para a construção
de capelas, em torno das quais vão se formando povoados, é importante salientar que a
formação e constituição dos dois povoados diferem-se no que se refere a três aspectos.
Primeiramente, a formação de ambos distancia-se por um período de cinquenta anos, que vai
da década de 1810, quando se verifica a edificação da capela de Nossa Senhora do Carmo de
Cambuí, até início da década de 1860, quando ocorre a reunião de esforços das autoridades
locais para tratar da edificação da capela ao Senhor Bom Jesus do bairro do Córrego.
Em segundo lugar, a intervenção destes leigos se diferencia no que se refere à sua
estrutura. Se em Córrego verificamos desde os primeiros momentos a atuação de um grupo

170
WIRTH, J. O Fiel da Balança: Minas Gerais na federação brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e
terra, 1982, p. 43.
171
FRANCO, H. V. Op. Cit., p. 91.
49

que congrega os principais senhores desta região, empenhados em reunir recursos para fundar
e prover uma capela dos utensílios necessários ao culto, em Cambuí não podemos observar tal
prática. Neste local, a ereção da capela que dá origem ao povoado, na década de 1810, está
associada ao projeto de dois capitães que decidem doar um terreno para a ereção da capela.
Neste local não identificamos quando da fundação da capela, a presença de grupo ou
irmandade. A primeira referência a uma irmandade que encontramos data de 1874, no
Almanach Sul Mineiro. Não conseguimos, no entanto, encontrar os estatutos desta entidade
junto aos arquivos da Cúria Metropolitana da Arquidiocese de São Paulo, o que tornou
impossível a identificação do ano de sua criação.
Em terceiro lugar, no caso de Córrego do Bom Jesus, desde a realização da primeira
festa, em 1872, a localidade passou a ser conhecida como centro de peregrinações, e também
a atrair milhares de peregrinos e visitantes anualmente, que eram movidos sobretudo pela
divulgação de milagres atribuídos à imagem do Senhor Bom Jesus. Neste ponto, expressamos
a necessidade de abordarmos algumas das especificidades que distinguem a formação destas
duas comunidades.
Segundo Levindo Furquim Lambert, Cambuí tem sua história vinculada aos
movimentos de bandeirantes e aventureiros que, a partir do século XVII, iniciaram a ocupação
da região que atualmente constitui o Estado de Minas Gerais. Inserida às margens da estrada
cujo limite era de Atibaia ao sertão das Gerais, a localidade parece ter nascido como ponto de
parada de bandeirantes e sertanistas que, partindo de São Paulo, se dirigiam ao interior do
território mineiro em busca de índios, ouro e metais preciosos172.
De acordo com a documentação pesquisada pelo Cônego João Aristides de Oliveira, a
primeira referência ao nome “Cambuy” data de 1789 e aparece em um registro de batizado de
moradores de Jaguary, hoje Camanducaia 173, mas foi por volta de 1810 que registrou-se a
iniciativa de construção de uma capela dedicada à Nossa Senhora do Carmo no lugar
denominado “Camboi”, projeto atribuído ao Capitão Francisco Soares de Figueiredo, de
nacionalidade portuguesa174, e ao Capitão Joaquim José de Moraes, natural de Pitangui175.
A região escolhida para a fundação encontrava-se em área de litígio, sendo uma área
contestada pelos bispados de São Paulo e Mariana e os governos (das capitanias e,

172
LAMBERT, L. F. Biogeografia de Uma Cidade Mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Comissão Mineira de Folclore, 1973, p. 21-27.
173
OLIVEIRA, J. A. de (Org.). A Diocese de Pouso Alegre no Ano Jubilar de 1950. Pouso Alegre:
Tipolitografia da Escola Profissional, 1950, p. 118.
174
VEIGA, B. S. da. Almanach Sul-Mineiro. Campanha: Typ. do Monitor Sul Mineiro, 1874, p. 264.
175
LAMBERT, L. F. Op. Cit., p. 28-29.
50

posteriormente, províncias) de Minas Gerais e São Paulo, durante considerável espaço de


tempo. Por isso, devemos estar atentos ao fato de que no plano civil, a instabilidade das
fronteiras entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais só chegou ao fim quando, em 1936,
foi assinado pelos dois governos um acordo que ratificava, com poucas alterações, o antigo
Acordo de Rubim de 1749, e que situou de modo definitivo Cambuí na região pertencente a
Minas Gerais176. Neste ponto, lembramos dois importantes aspectos que devem ser observados
e que dizem respeito à jurisdição mineira sobre este território. Nesta capitania, como já vimos,
durante o período colonial, não foi permitida pela Coroa Portuguesa a presença de ordens
religiosas. Com relação ao período imperial, de acordo com Franco, percebemos que as
perseguições de políticos liberais que foram verificadas nesta província contra instituições
regulares, não conseguiram impedir que alguns religiosos capucinos, jesuítas e lazaristas
percorressem algumas paróquias do sul da província no decorrer do século XIX177. Por sua
vez, é possível observarmos outra dinâmica no que se refere à jurisdição eclesiástica na qual
esta região está situada, e que é importante para entendermos a reforma católica no período
que antecede a presença dos Carmelitas Descalços.
No âmbito religioso, esta região pertenceu ao Bispado do Rio de Janeiro até 1745,
quando foram criadas as dioceses de Mariana e São Paulo 178. A partir deste ano e até 1775, a
região de Cambuí esteve inserida na área objeto de litígio entre as duas dioceses, fruto da vaga
delimitação das divisas entre as duas circuncisões eclesiásticas, processo que se arrastou até
1775, quando uma decisão da Mesa do Desembargo do Paço colocou fim à questão,
determinando como limite entre os dois bispados os rios Grande, Sapucaí e Lourenço Velho.
A partir de então, a área onde insere-se Cambuí, bem como as paróquias a oeste do Rio
Sapucaí, se submeteram à jurisdição do Bispado de São Paulo, ao qual estiveram ligadas até
1900, quando foi criada a Diocese de Pouso Alegre, no sul de Minas Gerais179.
É, portanto, a partir do Bispado de São Paulo e da ação de seu clero não reformado,
que estas localidades cresceram durante o século XIX. Em fins do referido século, este clero
eminentemente político ocupa posições de liderança na cena política local, com destaque para
padre José Figueiredo Caramuru, Presidente da Câmara de Cambuí nos anos de 1895/1896-
1898 e Vice-Presidente nos anos de 1900, 1901 e de 1902 até 1905.

176
FRANCO, H. V. Op. Cit., p. 18-19.
177
Ibidem, p. 58.
178
Ibidem, p. 19.
179
Ibidem, p. 25-26.
51

Por sua vez, no que se refere ao processo de fundação do bairro de Córrego do Bom
Jesus, é interessante observarmos que foi na década de 1860 que verificamos um movimento
para a edificação da capela, quando em 3 de março de 1865 o Sr. Joaquim Bueno de Morais,
fazendeiro local, e sua esposa, doam um terreno de sua propriedade para a ereção de uma
capela em honra ao Bom Jesus. Segundo registros efetuados no Livro de Atas da paróquia de
Córrego, o Sr. Joaquim Bueno de Morais tentou levantar a primeira capela no terreno que
havia ele mesmo doado para este fim, entretanto, sua tentativa não se concretizou, segundo
consta em ata por falta de apoio financeiro 180.
Ainda de acordo com o Livro de Atas da Paróquia, encontramos o registro da
realização da primeira festividade no dia 6 de agosto de 1872, quando uma festa do Senhor
Bom Jesus foi realizada com uma “concurrencia de povo superior a toda expectativa, (...)”181.
Esta festa ocorreu sem a presença de festeiros, e sem uma capela. Porém, caracterizou-se por
se tornar um evento que contou com um fluxo significativo de pessoas, estas provenientes
também de outras localidades, segundo aponta a documentação pesquisada, o que nos
forneceu pressupostos para imaginarmos que tal culto ao Senhor Bom Jesus era uma
manifestação religiosa importante nesta região.
Embora popularmente conhecida como Festa do Senhor Bom Jesus, o calendário
católico emprega a esta festividade o nome de Festa da Transfiguração do Senhor182. Tendo
em vista o fato de neste período a festa vir atraindo uma grande concorrência de pessoas, no
dia 25 de agosto de 1872, apenas alguns dias após a realização do festejo, reuniram-se na
sacristia da Igreja Matriz da Freguesia de Cambuí as principais figuras políticas de Cambuí e
de Córrego, para tratarem da construção e administração da capela 183.
No caso de Córrego, a construção da capela do Senhor Bom Jesus esteve atrelada a
uma mesa administrativa desde 1872. Embora haja grande variação quanto às denominações
das associações de leigos, a criação de uma irmandade do Senhor Bom Jesus ocorreu em
1879. Neste ano, segundo consta em ata, houve uma reunião dos membros da mesa e nesta
ocasião concluiu-se pela conveniência de se criar uma irmandade que, de acordo com o
Presidente, “não só concorre para aumentar o culto e devoção de todos fieis devotos, mas

180
APCBJ. Livro de Atas. p. 1.
181
APCBJ. Loc. Cit.
182
NEOTTI, F. C. Ministério da Palavra: Comentários aos evangelhos dominicais e festivos. Petrópolis:
Vozes, 2001, p. 239-240.
183
APCBJ. Op. Cit., p. 1.
52

também para generalizar mais as romarias do Senhor Bom Jesus, o que sem duvida
aumentara a concorrência de fieis”184.
Sobre este tema, Fritz Teixeira de Salles em sua obra Associações Religiosas no Ciclo
do Ouro, nos dá uma importante contribuição para entendermos a função social das
irmandades no século XVIII em Minas Gerais, e que nos ajuda a pensar também o caso das
associações observadas nas paróquias que ora analisamos. De acordo com o autor, neste
período, em Minas Gerais, o incentivo à criação de irmandades religiosas constituiu-se em
uma hábil estratégia da Coroa Portuguesa que, por meio destas associações, pretendia
transferir à população sua própria incumbência de propagar e manter o culto católico185.
Ao debruçar-se sobre o cotidiano de tais organismos, no entanto, este autor nos revela
que as atividades destas instituições extrapolavam as funções de constituir patrimônios e
garantir a seus afiliados a realização das funções sacras e outros serviços, conforme desejava a
Coroa. Fritz nos afirma que estas se constituíram de modo especial, em um meio para a
população e grupos poderem realizar reivindicações e lutar por interesses em comum, dados
que adquirem importância na medida em que nos ajudam a pensar a situação das associações
aqui implantadas186.
Tais dados nos ajudam a pensar no modo como efetuou-se a fundação do povoado de
Córrego do Bom Jesus a partir da congregação de senhores rurais de considerável poder
econômico e politico e de um clero não reformado, que então ocupava posições de destaque
na cena da vida política local. Nesta localidade, através do Livro de Atas, foi possível
constatar que, após as primeiras iniciativas, foi de consenso entre os membros da Comissão de
Obras encarregada da edificação da capela, a necessidade de aquisição de uma imagem do
Padroeiro Senhor Bom Jesus. Tal imagem foi confeccionada na cidade do Porto, em Portugal,
no ano de 1872 e chegou à localidade um ano depois.
Ao observarmos a forma como surge o povoado e a veneração à imagem do Bom
Jesus do Córrego, a forma improvisada com a qual os moradores encontraram para dar
continuidade à sua religiosidade, a teoria de Luís Mott corrobora para se pensar o contexto
religioso e social sul-mineiro neste período. Este autor sustenta a teoria de que a ausência de
espaços públicos destinados ao culto na colônia teria favorecido a criação de capelas e

184
Ibidem, p. 8.
185
SALLES, F. T. Associações Religiosas no Ciclo do Ouro: Introdução ao estudo do comportamento social das
Irmandades de Minas no século XVIII. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 59.
186
SALLES, F. T., Loc. Cit.
53

oratórios em espaços particulares. Esta forma de catolicismo privado teria produzido, segundo
Mott, uma grande familiaridade com as imagens187.
Diferindo-se no que se refere ao inicial esforço coletivo em prol da construção de uma
capela em Cambuí, para dar cabo ao projeto de edificação de um templo dedicado à Nossa
Senhora do Carmo, o Capitão Joaquim José de Moraes adquiriu um montante de terras e
procedeu à doação dessas à Nossa Senhora do Monte do Carmo, conforme escritura redigida
em maio de 1813 em Campanha e reproduzida por Levindo Lambert a partir de obras do
historiador José Guimarães e do cônego João Aristides de Oliveira 188.
O mesmo autor, ao reproduzir o termo de provisão da capela assinado por Dom João
VI, então príncipe regente, em 12 de novembro de 1812, nos evidencia que nesta ocasião, a
capela já estava construída, pois o mesmo documento obtido através dos capitães Soares e
Moraes revalidou a nulidade com que a capela se achava ereta. Os referidos capitães se
ocuparam pessoalmente de providenciar junto à Cúria de São Paulo as licenças necessárias à
realização de atos religiosos e instalação de um cemitério paroquial, recebendo deste bispado
as últimas autorizações requeridas em 1814 189.
Já em Córrego, percebemos que a reunião dos senhores locais em 1872 elegeu uma
mesa composta pela elite local, onde saíram eleitos nove membros, entre os quais um padre,
pequenos e médios proprietários de terras e escravos da região, e muitos deles detentores de
patentes da Guarda Nacional. Para presidente da mesa administrativa, foi eleito o Vigário José
da Silva Figueiredo Caramurú; vice-presidente, o Coronel Francisco Cândido de Brito
Lambert, influente chefe local; tesoureiro, Alferes João Correa da Silva; procurador, Capitão
Joaquim Bueno de Moraes; secretário, Sr. José Guilherme Christiano. Estes serviriam à mesa
juntamente com os membros Joaquim Vicente da Silva Paranhos, Capitão José Quintino da
Fonseca, Alferes Manoel d’Almeida Carneiro e Alferes Alexandre José de Moraes190.
O grupo se autodenominou corporação deliberativa 191 , cujo objetivo principal seria
tratar da incumbência de tomar as providências para a edificação, manutenção e administração
da capela do Senhor Bom Jesus. A comissão passou a reunir-se com regular frequência desde
então. Em fins do século XIX, esta agremiação havia conseguido não somente a construção da
capela e a aquisição da imagem do Senhor Bom Jesus, mas também a construção de um

187
MOTT, L. Cotidiano e Vivencia Religiosa: Entre a capela e o calundu, In: NOVAIS, F. A. (Org.). História
da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 156-217.
188
LAMBERT, L. F. Biogeografia de Uma Cidade Mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Comissão Mineira de Folclore, 1973, p. 29.
189
LAMBERT, L. F., Loc. Cit.
190
APCBJ. Livro de Atas, p. 2.
191
Ibidem, p. 2v.
54

cemitério, a construção de uma casa grande destinada a abrigar um religioso e ainda mais
cinco pequenas casas, que seriam alugadas aos romeiros.
Diante do aumento dos fluxos de pessoas, em especial por ocasião da festa,
percebemos em fins do século o esforço desta elite rural para conseguir a elevação da capela à
condição de paróquia, o que foi conseguido após negociação junto ao Bispado de São Paulo,
processo que pode ser acompanhado através do conteúdo de correspondências trocadas entre
estes senhores locais, liderados por Emiliano da Fonseca e o bispado.
No caso de Cambuí, as aprovações régias e canônicas colocaram fim às exigências
para a legalização da capela. Sobre os anos seguintes, nos faltam documentos que lancem luz
sobre o cotidiano da povoação. Porém, em 1834, verifica-se um acontecimento de grande
relevância para esta localidade. Neste ano, de acordo com Levindo Furquim Lambert, foi dada
permissão pelo bispo de São Paulo para que o povoado e a capela fossem transferidos para
outra localidade 192. De fato, segundo documentação transcrita por Lambert, em agosto de
1834 foi dirigida à Cúria Diocesana de São Paulo uma solicitação assinada por 45 homens, os
quais requeriam permissão diocesana para realizar a mudança da capela e do povoado para
um terreno mais plano 193 . Os motivos alegados nesta petição foram a dificuldade que os
habitantes então encontravam para ter acesso à capela, uma vez que essa se encontrava no
cume de um monte acentuadamente íngreme, onde iam “cumprir com seus deveres
religiosos”, e o fato de estar a dita capela danificada194.
Não conseguimos localizar a existência de um projeto urbanístico em tal processo.
Antes, a solicitação para a transferência do povoado parece ter nascido, de acordo com
Lambert, de uma recomendação efetuada por Antônio Marques Rodrigues, visitador
diocesano do Bispado de São Paulo, que em 1818, ao visitar a capela de Cambuí, deixou
registrado em Jaguary, então sede da municipalidade, uma advertência sobre a necessidade de
se reformar ou mesmo reedificar a capela e as casas da povoação, devido ao material
empregado nessas construções e ao desgaste destas estruturas pelo tempo 195.
Em vista dessa recomendação, alguns anos mais tarde, já em 1834, foi enviado à Cúria
Diocesana tal pedido, que ainda neste mesmo ano recebeu despacho favorável. Embora nos
faltem dados sobre este período, no qual, de acordo com Lambert, aconteceu um movimento
para a construção de uma nova igreja matriz e as casas de seus moradores, podemos apontar

192
LAMBERT, L. F. Op. Cit., p. 37.
193
LAMBERT, L. F., Loc. Cit.
194
Ibidem, p. 36.
195
Ibidem, p. 35.
55

mais uma vez a liderança leiga do Capitão Soares. O lugar escolhido para a instalação do
povoado distava apenas alguns quilômetros do antigo e se encontrava no cume de uma
pequena colina, situada próxima a uma várzea onde destacavam-se os Rios Itaim e das Antas.
De acordo com Lambert, após a finalização das obras da nova matriz, foram trasladados os
objetos sacros para o novo templo e o antigo povoado foi abandonado. Em 15 de outubro de
1834, por meio de uma provisão assinada em Pouso Alegre, o Padre José Bento, senador e
visitador diocesano da Diocese de São Paulo em Minas Gerais, declarou finalmente curada a
Capela de Nossa Senhora do Carmo de Cambuí196.
A partir de 1850, no entanto, abriu-se uma nova fase para Cambuí. Neste ano, através
da lei nº 471 de 01 de junho, o curato de Cambuí foi elevado à condição de Freguesia. Esta,
em menos de um ano, viu a criação do 64º Batalhão da Guarda Nacional. Em 1889, o
município foi criado através da Lei nº 3712, de 27 de julho e a instalação da vila deu-se em 19
de janeiro de 1890. Dois anos mais tarde, por meio da Lei Estadual nº 23, de 24 de maio de
1892, art. 1º, a localidade foi elevada à categoria de cidade 197.

196
Ibidem, p. 39-40.
197
LAMBERT, L. F., Loc. Cit. Ver também PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMBUÍ. Dossiê de
Tombamento CP Quadro III. Praça Coronel Justiano, 2012.
CAPÍTULO II - DE OLHO NO “VANGLORIADO CATOLICISMO
DESSES BRASILEIROS DO SUL DE MINAS”198

Se no primeiro capítulo buscamos estudar o processo de Reforma Ultramontana da


Igreja através da análise dos projetos de Dom Assis e da Ordem para a fundação dos
carmelitas descalços nas paróquias de Cambuí e Córrego do Bom Jesus, localidades cujas
configurações sócio-políticas, culturais e econômicas também foram analisadas, neste
segundo, começamos a vislumbrar como se interagem tais expectativas durante a gestão
teresiana dos paroquiatos acima mencionados. Por conseguinte, nosso objetivo é apreender
como se dá o início da atuação dos carmelitas descalços nestas paróquias frente às práticas
religiosas locais. Tratamos, assim, de como as populações destas paróquias receberam a
tentativa dos frades italianos de implantar novos modelos de associações religiosas, de
introduzir novas devoções e a tentativa de se promover uma reforma das festas religiosas
locais.
Para nos aproximarmos de nosso objetivo, utilizamos majoritariamente fontes oriundas
da Igreja Católica, como relatórios anuais e registros diversos encontrados nos Livros de
Tombo das referidas paróquias, crônicas publicadas na revista mensal ilustrada Il Carmelo,
termos de visitas pastorais elaborados durante o episcopado de Dom Assis (1909-1916) e
Dom Chagas de Miranda (1916-1922), mandamentos diocesanos, as Pastorais Coletivas de
1911 e de 1915 e as Atas do Concílio Plenário Latino Americano.
Devido à natureza desta documentação, foi imprescindível realizarmos uma leitura a
contrapelo 199 dos instrumentos-documentos-monumentos 200 pelos quais a Igreja (e em
ocasiões diversas, o Estado) pretendeu reformar a cultura local. É, portanto, por meio do
estudo de proibições, advertências, recomendações e anotações burocráticas da autoridade
diocesana e dos carmelitas descalços que conheceremos a vitalidade da cultura local e como
esta reage em movimentos de negociação, resistência e assimilação com a cultura
ultramontana.

198
DORELLI, E. Noterelle Brasiliane. Il Carmelo, Milano, dez. 1911, p. 80-85. A expressão que acima citamos
foi retirada da crônica Noterelle Brasiliane, de autoria de Frei Enrico Dorelli, vigário de Cambuí no período de
abril de 1911 até junho de 1913, e que nesta crônica afirma que, depois de oito meses transcorridos de sua
chegada, ainda não conseguia compreender no que consiste o “vantato cattolicismo di questi Brasiliani del Sul
de Minas.”
199
BENJAMIN, W. Sobre o Conceito de História, In: Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaio sobre literatura
e história da cultura. Obras Escolhidas, v. 1, 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
200
LE GOFF, J. (Org.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
57

Iniciamos nosso percurso a partir de um dos dados que mais chamou nossa atenção no
primeiro Relatório Anual da Paróquia de Bom Jesus do Córrego de 1911, de autoria de frei
Arcangelo Bindi, pároco e superior da missão: a tentativa de fundar nesta localidade novos
modelos de associações para leigos.
De fato, dentre os diversos dados e acontecimentos relacionadas neste relatório, cujo
objetivo é aquele de reportar à autoridade diocesana os principais fatos verificados nesta
paróquia no período de 2 de abril de 1911 até 31 de dezembro do mesmo ano, destacamos
inicialmente, o seguinte:

Relativamente a instituição das Conferencias de S. Vicente, das


Senhoras da Caridade, da Congregação da Doutrina Cristã da
Confederacao do Espirito Santo, do S. Coração de Jesus nada houve
porque Corrego sendo pequeno, pobre, atrasado é um lugar que ainda
não presta e, quando estiver mais desenvolvido poderá realizar-se o
Provimento da Visita Episcopal. 201

A elaboração anual de um relatório 202 que informasse a autoridade diocesana das


principais ocorrências passadas na paróquia foi uma ação recomendada por deliberação
contida na Pastoral Coletiva de 1911 que, ao dispor sobre as obrigações inerentes ao ofício do
pároco, sustenta como um grave dever do mesmo, aquele de reportar à diocese, ao final de
cada ano, uma vasta gama de informações sobre a paróquia e sobre as ações ali empreendidas
durante este período pelo seu responsável.
Essa deliberação da Pastoral Coletiva de 1911, no entanto, ao determinar que tais
relatórios contivessem estimativa sobre população, número de sacramentos administrados,
dados sobre a realização de instrução e ensino religioso, sobre a regularidade de celebração de
atos religiosos e pregações, sobre a celebração de devoções reformadas e das festas de santos
locais, sobre a instituição e existência de associações para leigos, bem como número de
religiosos que habitavam na paróquia, fornecem-nos abundância de dados para nossa análise
sobre o cotidiano da paróquia, sobre muitas das práticas culturais ali vivenciadas e sobre a

201
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 11-11v.
202
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realizadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911, p. 271 e 272.
58

atuação dos teresianos, dados que, juntamente com outras fontes, nos ajudam a questionar esta
atuação.
No caso do trecho que reproduzimos, esse nos informa, através de uma perspectiva
eurocêntrica de progresso e desenvolvimento, não simplesmente sobre o fracasso de uma ação
empreendida pelo teresiano em Córrego, mas também nos evidencia que a execução de tal
medida pelos religiosos italianos é uma exigência da autoridade diocesana.
A recomendação de Dom Assis para se fundar novos modelos de associações para
leigos foi também encontrada em Cambuí, onde tal orientação é registrada no Livro do
Tombo da paróquia desde 1911203. No entanto, as reações que se seguem a tal iniciativa nestas
localidades não foram as mesmas.
É assim que podemos observar que, no caso de Córrego, em 1913, no Relatório Anual
da Paróquia, frei Bindi elabora interessante registro sobre esta ação naquele período:

Durante o anno foi fundada a Confederação do Divino, mas


somente foram inscriptas cinco pessoas de maneira que alem de muito
trabalho e esforço do R. Vigario, tudo ficou parado. Como também
ficou parada a Comissão de Guarda de honra do SSmo. Sacramento,
estabelecida conforme o Mandamento Diocesano para promover com a
devida honra e esplendor as festas religiosas das parochias do Bispado,
por falta de recurso e por pobresa e estreiteza do lugar. 204

Diferentemente do registro de dois anos antes, desta vez, frei Bindi informou o
fracasso da tentativa de se desenvolver somente uma das cinco associações tentadas
anteriormente em 1911, o que nos sugere um recuo e uma tentativa de negociar a execução de
tal mandamento diocesano que recomendava a fundação imediata de diversas associações,
postura que pode ter sido assumida após a constatação da força da religiosidade local e a
impossibilidade de se chocar com os promotores dessas práticas de modo impositivo e
absoluto.
Neste mesmo relato, é conveniente notarmos que o religioso ainda informa a
impossibilidade de criar outra instituição, a Comissão de Guarda de Honra do Santíssimo,
igualmente recomendada por ato diocesano, mas servindo esta para regular as festas religiosas
no bispado. Desta vez, o religioso atribui tal fracasso à falta de recurso e de compreensão da

203
APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 59.
204
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 19v.
59

população sobre tais associações, opinião que não compartilhamos, partindo do fato de que tal
viés eurocêntrico não leva em conta as especificidades da cultura local, que buscamos aqui
constantemente conhecer.
No que se refere à paróquia de Cambuí, nenhum registro sobre a instauração de
associações religiosas foi encontrado nos anos de 1911, 1912 e 1913, sendo que, em junho de
1914, diante do não cumprimento desta ação, encontramos uma repreensão do então visitador
diocesano Theophilo Guimarães ao então pároco de Cambuí, frei Mauro 205, quando em visita
pastoral à paróquia em 16 junho de 1914, o representante da autoridade diocesana recomenda
“Funde-se quanto antes o Apostolado da Oração nesta parochia.”206
Tal repreensão do visitador diocesano também pôde ser encontrada em Córrego do
Bom Jesus, poucos dias depois do ocorrido, quando em 20 de junho, o mesmo visitador
registra “Cumpra-se quanto antes, o mandamento do Exmo. Snr. Bispo relativamente a
fundação do Apostolado da Oração nesta Parochia e ao mais que não foi ainda
cumprido.”207
Estas constatações nos fazem levantar algumas questões. Num primeiro momento, é
preciso que perguntemos no que se constituíam tais associações e qual a finalidade de se
instituir uma Comissão de Guarda de Honra do Santíssimo. A seguir, é necessário que
questionemos por que as autoridades diocesanas empregaram tamanho investimento em tal
ação, e por que as populações das duas paróquias infligem tanta resistência a este ato.
Sabemos que a Pastoral Coletiva de 1911 recomendou aos párocos que se
empenhassem na fundação e desenvolvimento do Apostolado da Oração, Associação da
Sagrada Família, Pia União das Filhas de Maria, Guarda de Honra do Sagrado Coração,
Congregações Marianas, Conferências de São Vicente de Paulo, Associação das Senhoras da
Caridade, das Mães Cristãs208 e da associação da Congregação da Doutrina Cristã209, e se nos
inteirarmos um pouco mais sobre as especificidades destes novos modelos, entenderemos
melhor a religiosidade praticada então pelas populações das duas paróquias.
Com base no que dispõe a própria Pastoral Coletiva de 1911 sobre estes modelos de
associações para leigos, e tomando como referência os estatutos da Congregação da Doutrina

205
Frei Mauro de São José foi pároco teresiano de Cambuí no período de 1913 até 1914.
206
APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 69.
207
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 20v.
208
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 28.
209
Ibidem, p. 7.
60

Cristã210, associação paroquial que, subordinada a um Conselho Central sediado nas cidades
episcopais, tem por finalidade incrementar a promoção do catecismo nas matrizes, podemos
afirmar que nesses novos modelos de associações religiosas, a gestão ou presidência era
assumida sempre pelo pároco que, ajudado por uma mesa composta por pessoas “idôneas”,
centralizava o poder de decisão sobre os negócios e sobre os objetivos específicos de cada
associação.
No caso das paróquias que ora analisamos, este mecanismo é visto como estratégia 211
que delineia uma clara tentativa de enfraquecer o poder dos leigos locais, muitos destes
congregados em irmandades e confrarias que, conforme vimos no primeiro capítulo, eram os
responsáveis, em grande medida, pela vida religiosa e social local.
Tal percepção parece estar de acordo com o que nos apresenta Mabel Salgado Pereira
em sua obra Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora, quando
ao referir-se à criação de novas associações religiosas, corrobora com Pedro Ribeiro de
Oliveira, Edênio Valle e Alberto Antoniazzi, ao afirmar como principal característica dessas
entidades a centralidade do pároco, ao qual é assegurado pelos regimentos a função de
comando. De acordo com a mesma autora, a partir desta centralização de poder nas mãos do
clero, a Igreja pretendeu deter o controle sobre as atividades empreendidas na paróquia, o que
não podia acontecer nas antigas agremiações, onde o leigo detinha os postos de maior poder e
prestígio 212.
Pedro Ribeiro de Oliveiira, por conseguinte, ao discorrer sobre a instituição de
associações reformadas, onde tinha destaque a figura do pároco como presidente ou diretor,
nos assevera que tal mecanismo estava presente em associações não somente de cunho
devocional, mas também naquelas de finalidade beneficente, sendo este um ponto central do
projeto de Reforma da Igreja, uma vez que visava retirar do leigo o poder detido por ele até
então213.
O mesmo autor, ao corroborar com Della Cava em estudo sobre o processo de reforma
do catolicismo brasileiro, afirma que as datas de instituição do Apostolado da Oração, uma
das associações citadas por frei Bindi em Córrego e que, de acordo com a Pastoral Coletiva de

210
Ibidem, p. 389-396.
211
CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994, pp 99-100.
212
PEREIRA, M. S. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora (1890-1924).
Juiz de Fora: Irmãos Justiniano, 2004, p. 111.
213
OLIVEIRA, P. A. R. de. Religião e Dominação de Classe. Gênese, estruturação e função do catolicismo
romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 286.
61

1911 tinha finalidade devocional214, podem ser consideradas como importante indicativo do
andamento e desenvolvimento da Reforma Ultramontana215.
Se concordássemos com estes autores, então deveríamos supor que, nas localidades
aqui analisadas durante os primeiros três anos de gestão teresiana, a implantação de tal
reforma, não obteve sucesso. Porém, julgamos que a existência de tal instituição não pode por
si só ser um indicador da eficiência e eficácia da Reforma Ultramontana, sendo, pois, preciso
analisar outros elementos e ações empreendidas no mesmo período antes de podermos arriscar
uma conclusão.
Neste contexto, sinalizamos para a necessidade de sondarmos os motivos de se fundar
também a chamada Guarda de Honra citada por frei Bindi em seu Relatório Anual da
Paróquia de Córrego de 1913. Sobre tal iniciativa, encontramos transcrito no Livro do Tombo
de Córrego 216 e publicado no Jornal Tribuna Sul Mineira, órgão oficial das associações
católicas da Diocese de Pouso Alegre,217 um mandamento diocesano que objetiva “instituir
em todas as parochias deste Bispado (...) uma associação que, por meio de regulamento, se
propõe executar as festas parochiaes nesta diocese, de accordo com as leis da Igreja”.
A respeito desta estratégia, cujo conteúdo delineia uma tentativa de impor medidas
universalizantes e civilizadoras sobre as festas de santos, um dos elementos mais
representativos do catolicismo local e sobre o qual iremos nos deter mais à frente, é
interessante notarmos que frei Bindi relata que a criação desta comissão ficou parada em
Córrego.
Na paróquia de Cambuí, por sua vez, encontramos no Livro do Tombo um registro de
frei Mauro, (religioso teresiano que sucede frei Dorelli na administração dessa paróquia) que
nos informa que, aos 30 de junho de 1913, conseguiu obter do representante da autoridade
diocesana, Cônego Theophilo Guimarães, uma licença de um ano de prazo para poder
executar tal mandamento218. Tal licença, certamente foi concedida mediante a impossibilidade
alegada por frei Mauro de executar o regulamento de modo imediato após sua publicação, que
se realizou em 20 de fevereiro de 1913219.

214
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 140.
215
OLIVEIRA, P. A. R. de. Op. Cit., p. 286.
216
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 13v -16v.
217
JORNAL TRIBUNA SUL MINEIRA. Pouso Alegre: Anno IV, n. 9, 13 mar. 1913.
218
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 68v.
219
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p.16v e JORNAL TRIBUNA SUL MINEIRA. Pouso Alegre: Anno
IV, n. 9, 13 mar. 1913.
62

Frei Mauro, cujo nome civil é Paolo Suischi, nasceu na Alemanha em 1882, entrou na
Ordem em 1901 e ordenou-se em janeiro de 1908220. De abril de 1911 até junho de 1913,
permaneceu em Córrego do Bom Jesus, de onde saiu para assumir a paróquia de Cambuí, em
substituição a frei Dorelli, que deixou Cambuí em 12 de junho para retornar à Roma221.
Tendo frei Mauro tomado posse de Cambuí em 15 de junho de 1913, é interessante
notarmos a rapidez com que este obtém tal licença da Diocese, numa tentativa de mediar a
implantação de tal regulamento. No entanto, tendo residido em Córrego e visitado
periodicamente Cambuí, acreditamos que frei Mauro foi levado a solicitar tal licença, pois a
esta altura já conhecia bem as práticas do catolicismo local.
O conjunto de dados até aqui apresentados nos evidencia importantes constatações. Se
de um lado observamos uma grande resistência imposta pelos leigos à criação de novos
modelos de associações religiosas e à reforma das festas religiosas locais, de outro, podemos
perceber um esforço por parte dos teresianos em achar um meio termo entre a imposição
diocesana e a resistência dos leigos locais.
Diante deste quadro, julgamos que, antes de nos inteirarmos se a execução destas
medidas chegou a efetivar-se, faz-se necessário começarmos a entender no que se constituía a
prática religiosa local quando da chegada dos teresianos e, para nos aproximarmos desta
questão, recorremos a dois dos principais documentos de nossa pesquisa; os termos da visita
pastoral realizada por Dom Assis às duas paróquias em agosto de 1911, documentos que nos
servem para entender não só a orientação dos teresianos e suas ações, mas também a
vitalidade da prática religiosa destas populações neste período.

2.1- A Visita Pastoral como Diagnóstico dos “abusos” e Prognóstico de


Estratégias: As Indulgências de Pio X à “caldaia d´inferno”

Resultante das observações feitas pela autoridade diocesana sobre o estado temporal e
espiritual das duas paróquias, durante a realização da primeira visita pastoral de Dom Assis
após a chegada dos teresianos, os termos da visita pastoral de Dom Assis a Cambuí e a
Córrego de 1911, assumem importância na medida em que as informações neles registradas
nos revelam diversos aspectos do catolicismo local como então era praticado, nos mostram as

220
APR. Catalogus Fratrum Carmelitarum Discalceatorum. Provinciae Romanae. Roma: Ex Tipographia
Aureliana Gulielmi Bracony, 1913.
221
DORELLI, E. Ricordi d’um viaggio terraqueo. Il Carmelo, Milano: 1913, p. 242-244.
63

diretrizes diocesanas (estruturais e normativas) que deveriam ser executadas pelos religiosos
italianos nestas paróquias e as estratégias pretendidas pela autoridade diocesana para
promover uma reforma dos costumes, especialmente por meio da ação dos teresianos. Não
obstante, durante nossa pesquisa, recorremos aos demais termos de visitas pastorais realizadas
no período de 1911 até 1922, para acompanharmos os encaminhamentos e problemas
detectados nestas paróquias pela autoridade diocesana em relação aos teresianos e aos leigos.
Antes de nos lançarmos na análise destes documentos, é preciso nos inteirarmos de sua
funcionalidade e estrutura. De acordo com Marcus Levy Albino Bencostta, ao longo da
história da Igreja, diversos foram os concílios onde são encontradas referências à realização
por parte de bispos de visitas pastorais às paróquias de uma jurisdição eclesiástica. Alguns
exemplos são o Concílio de Terragona, realizado no ano de 506; o segundo Concílio de
Braga, que ocorreu em 572; o quarto Concílio Toletano, em 632222; os Concílios de Tours e o
de Chalons, ambos realizados em 813; o Concílio de Latrão, que ocorreu em 1123; e o
Concilio de Trento (1543-1563)223.
No caso deste último, é interessante observarmos que o capítulo terceiro do Decreto
sobre a Reforma (Bispos e Cardeais) da Sessão XXIV determina aos bispos visitar
pessoalmente o território de suas dioceses anualmente ou, mediante justa alegação, fazê-lo por
meio de um representante. O mesmo documento ainda esclarece ao episcopado que, na
impossibilidade de realizar tal obrigação, diante das vastas dimensões que então
caracterizavam as dioceses existentes, estes deveriam se empenhar para ao menos “visitar a
maior parte delas, de modo que se complete toda a visita por si ou por seus Visitadores em
todos os anos.”224
Já em fins do século XIX, o Concílio Plenário Latino Americano a este respeito parece
fazer eco das determinações tridentinas, ao estabelecer como ato de extrema necessidade a
realização de visitas pessoais dos bispos às paróquias de sua diocese, ou através de um
representante reconhecido por suas qualidades, no caso de estar a autoridade diocesana
impossibilitada. Reconhecendo ainda os imensos territórios que então caracterizavam as
dioceses latino americanas, recomenda que o bispo realize visitas aos lugares já percorridos

222
BENCOSTTA, M. L. A. A Igreja e Poder em São Paulo: D. João Batista Corrêa Nery e a romanização do
catolicismo brasileiro (1908-1920). Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1999, p. 53.
223
Ibidem, p. 53-54.
224 O Sacrossanto e Ecumênico Concílio de Trento, 1543-1563. Seção XXIV, cap. III. Disponível em:
< http://www. http://agnusdei.50webs.com/trento29.htm>. Acesso em: 5 nov. 2013.
64

por seus representantes, a fim de possibilitar que, em alguns anos, toda diocese seja
visitada225.
Os objetivos destas visitas pastorais, de acordo com o Concílio Plenário Latino
Americano, que também aqui faz eco às determinações quinhentistas de Trento, são aqueles
de “introducir la doctrina sana y ortodoxa, desterrando las herejias; conservar lãs buenas
costumbres, corrigir las malas; exhortar al pueblo com sermones y pláticas á la religiosidad,
paz é inocência, y determinar todo ló demas que convenga para el provecho de los fieles
(...).”226
Para isso, a visita contém diversas etapas que buscam conhecer a realidade local antes
de apontar para as medidas a serem tomadas, visando atingir um estado específico. De acordo
com Augustin Wernet, ao referir-se às etapas de uma visita pastoral no Brasil do século XIX,
estas consistiam em realizar uma vistoria que objetivava verificar as condições de manutenção
e higiene do patrimônio edificado da matriz, suas dependências, e seus bens móveis, dos quais
destacam-se os objetos empregados nas funções religiosas e os livros de registro paroquiais,
que passavam por rigorosa análise 227 . Nesta ocasião, a autoridade diocesana ou seu
representante também administrava a crisma, realizava atos religiosos, e deixava ao final de
sua visita um termo, no qual apontava para eventuais medidas e orientações ao clero para se
mudar o que se fizesse necessário a seu ver228.
No que concerne às localidades aqui estudadas, no período em que os carmelitas
descalços permanecem à frente das duas paróquias, foram realizadas quatro visitas pastorais,
sendo que a primeira foi realizada em agosto de 1911 por Dom Assis, a segunda em junho de
1914, pelo visitador Theophilo Guimarães, a terceira em agosto de 1915 pelo mesmo visitador
e a última em setembro de 1919, por Dom Chagas, terceiro bispo diocesano de Pouso
Alegre229.
Se nos anos de administração teresiana este índice nos parece baixo, no período de
1900 até 1911 esta frequência o foi ainda mais, dado que nestes anos, registram-se apenas três
visitas que aconteceram em abril e em agosto de 1902, tendo sido realizadas ambas

225
EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.
Roma: Tip. Vaticana, 1906, p.130.
226
Ibidem, p.131. “Introduzir a Doutrina sã e ortodoxa, desenraizando as heresias; conservar os bons costumes,
corrigir os maus; exortar ao povo com sermões e práticas à religiosidade, paz e inocência, e determinar tudo o
mais que convenha para o proveito dos fieis.” (tradução nossa)
227
WERNET. A. A Igreja Paulista no Século XIX: A reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851-1861).
São Paulo: Ática, 1987, p. 133.
228
WERNET. A., Loc.Cit.
229
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 8v-57.
65

pessoalmente por Dom Nery, e em agosto de 1908 pelo Monsenhor Joaquim Mamede da
Silva Leite230.
Porém, se voltarmos ao recorte temporal da nossa pesquisa, veremos que Dom Assis,
assim como recomendado pelo Concílio Plenário Latino Americano, estava ciente da
importância de se realizar uma visita pessoal às paróquias de sua diocese, para acompanhar o
trabalho do clero, vigiar os costumes das populações, instruindo sobre a doutrina católica e
indicando os meios mais eficazes para se mudar o quadro de desconhecimento do povo em
relação ao catolicismo ultramontano, tomado agora como forma universal de se vivenciar a fé
cristã.
A primeira visita pastoral de Dom Assis realizada em Córrego após a chegada dos
Carmelitas Descalços aconteceu pouco mais de quatro meses depois da instalação dos
teresianos, e seu termo se apresenta como um dos mais importantes documentos deste período
para analisarmos a religiosidade então praticada.
A importância de tal documento é que ele não só instituiu e impôs uma postura aos
teresianos por parte da autoridade diocesana, mas incidiu também sobre a organização das
práticas que compunham a religiosidade local. Deste modo, ao apontar para o que deve ser
mudado, medida cuja execução cabe aos teresianos, ele ainda nos permite ver e conhecer a
prática religiosa então praticada por estas populações. É neste documento também que vemos
algumas das principais estratégias utilizadas pela Igreja para pretender moldar as práticas
religiosas de então ao catolicismo ultramontano.
A primeira destas estratégias encontra-se no período escolhido por Dom Assis para
realizar a visita pastoral, que ocorre nos dias 6 e 7 de agosto de 1911. O bispo, conhecedor da
grande ocorrência de pessoas que se verifica nesta localidade por ocasião da festa do
padroeiro Senhor Bom Jesus, que acontece anualmente em 6 de agosto, decide neste ano se
utilizar de uma valiosa estratégia, já usada anteriormente por Dom Nery para impor sua
presença, como um meio para tentar frear muitos dos ditos “abusos” da religiosidade local: a
realização de uma visita em plena festa do Bom Jesus no Santuário de Córrego.
Porém o que vemos ao longo deste termo é que este não foi seu único objetivo. Assim,
ao iniciarmos a sua leitura podemos observar que:

Parando em casa dos Revdos. Padres Carmelitas dahi fomos


acompanhados pelo clero irmandades e fiéis até a igreja Matriz, onde

230
Ibidem, p. 2-8v.
66

fizemos a entrada solemne e abrimos a visita pastoral. Annunciamos aos


fieis as indulgências plenárias e parciais que o Ilmo. Padre Papa Pio X
concedeu a este Sanctuario (...)231

Estas primeiras informações nos apontam para a grande adesão dos leigos à cerimônia
católica da entrada solene. Com efeito, neste dia, milhares de pessoas acorriam ao santuário e
entre estes leigos faziam-se sentir paroquianos, reunidos em associações ou não, sujeitos que
vinham da sede da municipalidade e de outros bairros e também peregrinos e indivíduos
vindos de outros municípios e de outras localidades de Minas Gerais e do Estado de São
Paulo.
Embora não nos tenha sido possível encontrar informações sobre as irmandades
existentes nesse ano em Córrego do Bom Jesus, sabemos pelo próprio Dom Assis que essas,
até este período, encontravam-se em atividade, a despeito das medidas impostas pela Igreja,
que buscavam cercear o poder destas instituições 232.
No que se refere à recepção do bispo, interessa-nos observar que, por detrás da
ritualística romana, que via na cerimônia de entrada grande solenidade e um momento
privilegiado para a afirmação da autoridade diocesana 233, verificamos que tamanha audiência
constituiu-se em um momento privilegiado para Dom Assis tentar mais uma de suas
estratégias. É que nesse momento o bispo anunciou, com grande destaque, a concessão por
parte de Pio X das indulgências plenárias e parciais aos fieis do Santuário do Senhor Bom
Jesus.
Essa concessão assume grande importância, na medida em que nos inteiramos do que
constitui uma indulgência, e para isso, primeiramente nos remetemos à Pastoral Coletiva de
1911, que define indulgência como:

(...) a remissão da pena temporal devida a Deus pelos pecados


perdoados quanto á culpa, remissão outorgada pelo ministro legítimo,

231
Ibidem, p. 8v.
232
. EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 365-380. Além de
incentivar a criação de novos modelos de associações para leigos, a Igreja neste período também estabeleceu
normas que deveriam ser seguidas por irmandades e confrarias. Tais normas encontram-se na Pastoral Coletiva
de 1911, e dizem respeito, sobretudo, à exigência de que estas entidades submetessem uma prestação de contas
anual à Diocese, sujeitassem seus patrimônios à autoridade diocesana e adequassem seus critérios para a escolha
de novos membros.
233
Ibidem, p. 645-659.
67

fora do sacramento da Penitencia, em virtude da aplicação do tesouro


dos superabundantes méritos satisfactorios de Jesus Christo, de Maria
Santissima e dos Santos, geralmente chamado tesouro da Egreja 234.

O mesmo documento ainda explica que tal dádiva pode ser total ou parcial, “pessoal,
local ou real”, sendo temporal ou perpétua 235 . Considerando que esta graça é alcançada
mediante a realização de alguns pré-requisitos, é necessário que:

Estimulem, pois, os Sacerdotes, Parochos e pregadores, aos fieis a


ganhar indulgencias, ensinem-lhes as condições requeridas para por este
meio satisfatório as dividas contrahidas com a Justiça Divina; e a seu
tempo, notifiquem ao povo as indulgencias plenárias e também parciais
mais solemnes, e os jubileus que ocorrerem, para que os possam
lucrar. 236

Diante do exposto, vemos na ação de Dom Assis uma nítida tentativa de cooptação da
população que, apesar de ser tratada cerimonialmente como católica, é portadora, de acordo
com a postura diocesana, de práticas que merecem e justificam o emprego de uma estratégia,
visando a cooptação com o fim último de promover uma mudança de costumes para o
“verdadeiro catolicismo”.
Antes de concluirmos tal fato, iremos observar o que a respeito da concessão de
indulgência nos apresenta Jacques Le Goff e Dalila Zanon. De acordo com o que Le Goff nos
apresenta em sua obra O Nascimento do Purgatório 237 , é interessante observarmos que a
concessão de indulgências tem relação direta com a existência do Purgatório, com a culpa e a
pena238.
Segundo o autor, a criação do Purgatório pela Igreja Católica aconteceu no século XII
e representou a ampliação dos horizontes para os fieis que, até então após a morte, tinham
somente duas opções de destinos para a alma: o céu, reservados aos imaculados; ou o inferno,
local onde a alma sofreria eternamente os tormentos do fogo. A reorganização deste cenário,
com a introdução de um terceiro lugar, o Purgatório, como opção para aqueles que possuíam
comportamento que variava entre esses dois extremos, de acordo com o referido autor, deu-se

234
Ibidem, p. 116-117.
235
Ibidem, p. 117.
236
Ibidem, p. 118.
237
LE GOFF, J. O Nascimento do Purgatório. São Paulo: Estampa, 1995.
238
Ibidem, p. 256.
68

motivada pela reorganização social verificada no século XII na Europa, quando assistiu-se a
modificação nas relações sociais, marcada entre outros pelo desaparecimento da escravidão, a
afirmação do feudalismo, e principalmente, a ascensão dos comerciantes e artesão como
terceira classe239.
Desde então, o Purgatório passou a ter duas funções: lá, deveriam ser purgados os
pecados quotidianos; mesmo destino teriam aqueles que haviam se arrependido, mas que não
puderam cumprir a penitência 240. Sobre isso, o mesmo autor nos esclarece que a condenação,
que advém de uma culpa, pode ser perdoada através do arrependimento e confissão, ao passo
que a pena é anulada pela realização de uma penitência. Se o fiel arrependeu-se e confessou-
se, mas não pôde terminar a penitência, a pena deveria ser cumprida no Purgatório241.
A indulgência nesse sentido significava “a completa remissão dos pecados”, ou um
meio para se diminuir estes242. No mesmo sentido, é interessante notarmos que Dalila Zanon,
em sua Dissertação A Ação dos Bispos e a Orientação Tridentina em São Paulo (1745-1796),
ao abordar a utilização de indulgências por parte dos bispos que estiveram à frente do bispado
paulista no seu período de pesquisa, aponta importantes aspectos ligados à funcionalidade
deste instrumento, conforme vemos a seguir 243.
Segundo a autora, esta funcionaria como mecanismo que proporcionaria ao fiel que
encontrava-se em pecado poder redimir parte ou todos eles 244 . De acordo com Zanon, a
concessão de tais dádivas por parte do Sumo Pontífice não acontecia despretensiosamente. As
condições para seu recebimento eram basicamente o acesso aos sacramentos da comunhão e
confissão, e a realização de visitas à determinadas igrejas, onde o fiel deveria fazer orações,
isso de modo a completar o primeiro ato245. Sobre isto, conclui a autora que:

Nesse caso, a indulgência funcionava como um incentivo ao


sacramento da confissão, na medida em que condicionava a indulgência
ao mesmo, e garantia ao fiel o perdão completo de todos os pecados
cometidos: dos confessados e dos que infalivelmente foram esquecidos,
tratando-se, nesse último caso, dos pecados veniais. Por outro lado,

239
Ibidem, p. 159.
240
Ibidem, p. 261.
241
Ibidem, p. 256.
242
Ibidem, p. 384-385.
243
ZANON, D. A Ação dos Bispos e a Orientação Tridentina em São Paulo (1745-1796). Dissertação de
Mestrado em História Cultural. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, 1999, p. 113.
244
Ibidem, p. 114-115.
245
Ibidem, p. 118.
69

incentivava a prática das orações e as visitas às igrejas (...) Vê-se


portanto, que através das indulgências objetivava-se criar nos fiéis
práticas visíveis de devoção.246

Diante do exposto, podemos finalmente afirmar que Dom Assis visou naquele
momento promover uma mudança de comportamento dos leigos em relação às práticas
religiosas locais então vivenciadas. Para isso, a indulgência funcionaria como um prêmio
alcançado por aquele leigo que cumprisse com os sacramentos e condições acima citados.
De fato, no que se refere à frequência dos sacramentos entre as populações das duas
paróquias mineiras, é interessante observarmos que Edmondo Fusciardi em sua obra Cenni
Storici sui Conventi Carmelitani, afirma que, durante a primeira visita pastoral de Dom Assis
a estas localidades, a autoridade diocesana teria utilizado o termo caldaia d’inferno (caldeirão
do inferno) para referir-se à pouca frequência aos sacramentos nesta região 247.
A compreensão do termo “caldeirão do inferno’’ como sinônimo de distanciamento do
catolicismo ultramontano e sacramental só ganha sentido se tivermos presente que, para a
Igreja, neste período, a contabilização do número de sacramentos aponta para um índice capaz
de medir o sucesso ou não da Reforma e a mudança de comportamento da população, que
deveria centrar-se nos sacramentos, opinião que questionaremos de modo mais demorado no
terceiro capítulo.
Por ora, no entanto, é preciso registrarmos que, na leitura de nossas fontes, que
englobam os livros de atas e livros de administração, não encontramos este termo em língua
portuguesa, nem tampouco em italiana.
Sobre o número de sacramentos administrados e registrados por ocasião da visita
pastoral, é o próprio termo da visita que nos informa que foram 160 comunhões, 2
matrimônios e 230 crismas, números pouco representativos diante da estimativa da população
que, de acordo com frei Bindi, nesse ano, girava em torno de 3.500 habitantes.
Mas Dom Assis teria realmente muitos motivos para usar desta estratégia de cooptação
dos leigos através da concessão de indulgências naquele momento? Se analisarmos
atentamente a situação religiosa daquela época, entendemos melhor sua intenção.
Dando continuidade à análise de nosso documento, chegamos a um ponto central do
registro da visita pastoral: as recomendações realizadas após a visita às dependências da

246
ZANON, D., Loc. Cit.
247
FUSCIARDI, E. Cenni Storici sui Conventi dei P. Carmelitani Scalzi della Provincia Romana. Roma:
Tipografia Pol. Cuore di Maria, 1929, p. 312.
70

paróquia de Córrego do Bom Jesus e depois de examinado o estado da paróquia e do “povo”.


Assim, é forçoso observarmos o que a este respeito registra Dom Assis:

1) Haja uma pedra d`ara no altar-mor. 2) Seja observado


inteiramente o Provimento lançado neste livro de tombo à pagina 2 pelo
Exmo. eRevmoSr Bispo D. João Baptista Corrêa Nery. 3) Sejam
desenvolvidas nesta parochia o Apostolado do S. Coração de Jesus,
Confederação do Divino (obras das vocações ecclesiasticas) Catecismo,
Escola Parochial, obra da “Boa Imprensa”, etc, (...) 5) Tome
conhecimento da Pastoral Collectiva o Revmo Parocho. 6) Prestem-se
annualmente, logo depois da festa do Padroeiro, as contas a Secretaria
do Bispado... como todos os rendimentos da Fabrica e do Patrimonio. 7)
Organize-se já a junta parochial para dirigir a Administração da
Fábrica. 8) Ficam terminantemente prohibidas por nós as folias e
bandeiras, como meios indecentes de adquerir esmolas p festas
248
religiosas.

Estas primeiras recomendações dizem muito do estado da paróquia naquele período. A


inexistência de uma pedra d’ara significa, de acordo com a Pastoral Coletiva de 1911, a
ausência de um elemento essencial no altar. Porém, é a partir do segundo item que nos
focamos249.
O não cumprimento das recomendações exigidas por Dom Nery na visita pastoral em
1902 sinaliza não somente a predominância do leigo à frente da paróquia, mas também a falta
de meios pelos quais a Igreja pudesse efetivar uma maior vigilância, o que torna-se claro se
recordarmos que, conforme vimos no primeiro capítulo, estas paróquias permaneceram por
anos sem contar com a presença de padres residentes.
Se observarmos que o Concílio Plenário Latino Americano enfatiza a responsabilidade
do pároco ou sacerdote que detenha a direção de uma igreja ou paróquia de executar as
recomendações diocesanas anotadas em visitas pastorais dentro do prazo de um ano 250 ,
podemos supor que, nesta paróquia, não se verificaram as condições necessárias,

248
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 9-9v.
249
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 194-195.
250
EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.
Roma: Tip. Vaticana, 1906, p. 131-132.
71

principalmente por meio da presença de um clero reformado e residente, para executar tais
medidas.
Mas é o terceiro ponto um dos que mais chamaram nossa atenção, pois este sinaliza
para diversos elementos de destaque do projeto reformador conquanto incidem diretamente
sobre a organização do catolicismo local, ao prescrever a fundação de novos modelos de
associações religiosas, a instituição e reforço da instrução religiosa, a criação de uma escola
paroquial para ensino local e o incentivo à participação dos fieis como leitores e assinantes da
Boa Imprensa. Destarte, deduzimos que a recomendação para que tais ações fossem
realizadas, sinaliza que naquele momento os mesmos elementos ali não existiam.
Não se restringindo a isso, são as recomendações seguintes também marcadas por uma
clara orientação ultramontana, que se torna evidente quando a autoridade diocesana impõe o
conhecimento da Pastoral Coletiva de 1911 aos religiosos italianos, a fim de que estes
pudessem se inteirar do “programa brasileiro de reforma”, que embora tenha pretendido ser
um fac símile das diretrizes da Igreja romana, possui algumas características próprias, como
concessões dadas à América Latina e à própria Diocese de Pouso Alegre, como veremos.
Acima de tudo, tal orientação reformadora torna-se evidente quando observamos a
grande preocupação do bispo com a prestação de contas da grande festa do Senhor Bom
Jesus, e quando este recomenda a criação de uma junta paroquial para se assumir a gestão da
paróquia, o que evidencia mais uma vez a posição até então detida pelos leigos à frente da
vida paroquial.
Também por meio de uma proibição que se refere ao oitavo item, a autoridade
diocesana nos informa da existência de folias e bandeiras, atividade empreendida pelo festeiro
e que acontecia para angariar recursos financeiros para as festas religiosas, cuja finalidade
seria a compra de alimentos e bebidas a serem distribuídos no dia da festa, ato que de agora
em diante deveria ser coibido. Não obstante, ainda algumas importantes orientações fazem-se
sentir, conforme podemos observar a seguir:

Terminando, pois, recommendamos que se persuada com avisos


aos fiéis para que se aproximem com a máxima freqüência do
Sacramento da Communhão, sobretudo no dia da festa do Padroeiro
promovendo uma grande communhão geral para lucrarem-se as
indulgencias concedidas pelo S. Padre o Papa Pio X. 251

251
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 9v.
72

De fato, verificamos que, no trecho acima citado, é reafirmada a importância de se


estimular os “fiéis” a adotarem a frequência aos sacramentos como condição sine qua non
para se alcançar as indulgências de Pio X e, finalmente, fechando o registro do termo,
percebemos a preocupação da autoridade diocesana com as festas religiosas locais, com
ênfase na principal festa regional do Senhor Bom Jesus do Córrego:

Muito louvável, também, será organizar-se um sábio e edificante


programma para uma festa tão santa comodeve ser a do Senhor Bom
Jesus nesta parochia; Por exemplo, buscar música com mais sacro
sermão apropriado ao evangelho e um outro para Procissão terminando-
se tudo com a benção do SSmo e fazendo as irmandades do Coração de
Jesus e do Divino guarda de honra em todos estes actos.252 (grifo nosso)

Sobre a festa propriamente, este documento ainda nos indica importantes aspectos. A
inexistência de um tríduo, mínimo exigível para uma festividade religiosa, a inexistência de
um espaço “ideal”, onde as irmandades locais pudessem se encontrar para celebrar tal
solenidade de modo adequado e, finalmente, a inexistência de um programa sacro, que nos
indica a presença de elementos considerados profanos. Finalmente, a autoridade diocesana
recomenda que tudo seja encerrado com uma bênção, como perdão, e numa clara tentativa de
cooptação, indica a possibilidade de se transformar as irmandades do Divino e do Coração de
Jesus, em “guardas de honra” em todos estes atos, reforçando a orientação da nova postura de
submissão à autoridade diocesana, que de ora em diante deveria ser assumida pelas
irmandades locais.
Embora tal assunto, ou seja, a introdução de devoções reformadas seja objeto de nossa
análise nos próximos itens deste capítulo, por ora devemos observar que, ao nomear as duas
irmandades, Dom Assis nos mostra curiosamente que uma delas tem o nome de uma devoção
reformada, pois a nomenclatura Coração de Jesus parece querer travestir o nome da antiga
irmandade do Senhor Bom Jesus, criada em 1874 e presente através de uma mesa
administrativa nos termos de visitas pastorais da primeira década de 1910253.
Conforme nos é apresentado pela Pastoral Coletiva de 1911, uma forte campanha foi
realizada durante a Reforma Ultramontana para submeter as antigas irmandades à gestão
diocesana, com medidas que exigiam a aprovação de seus estatutos por autoridade diocesana,

252
Ibidem, p. 9v-10.
253
Ibidem, p. 1-11.
73

o cumprimento rigoroso de seus estatutos, a proibição destas entidades de angariar esmolas


sem autorização do vigário ou bispo, a apresentação anual de prestação de contas à autoridade
diocesana, a observância de critérios que incidem sobre a admissão de novos membros e a
submissão dos patrimônios das irmandades à gestão diocesana 254, mas sobre esta iniciativa em
Córrego, nada pudemos encontrar no Livro do Tombo da paróquia, quando procuramos por
possíveis intervenções nos anos de 1900 até 1911. Este dado nos indica que, Córrego do Bom
Jesus em 1911 não se encontrava totalmente alheio à tentativa de imposição de certos critérios
ultramontanos e nos expõe também uma tática da dita irmandade que, apesar de aceitar sua
nova nomenclatura Coração de Jesus, promove atos não condizentes com tal “terminologia”
de devoção reformada.
Já na paróquia de Cambuí, a análise do termo da visita de Dom Assis, realizada entre 4
a 5 de agosto do referido ano, nos revela dados não muito diferentes daqueles que analisamos
em Córrego do Bom Jesus. No que se refere ao número de sacramentos, percebemos que estes
foram ainda mais escassos, pois: “Chrismaram-se 184, Casaram-se 0, Comungaram 9 fiéis”,
diante de uma população estimada de 16 mil habitantes255.
Detendo-nos nas recomendações diocesanas, percebemos que, nesta localidade, o
bispo registra cinco observações, que dizem respeito respectivamente à necessidade de se
executar as recomendações de Dom Nery, fruto da visita realizada por ele em 1902 (e que
foram reafirmadas na visita de 1908); a necessidade de se constituir também nessa paróquia
um conselho para “dirigir os negócios da fábrica como determina a Pastoral Collectiva” de
1911; a necessidade que o pároco tem de se inteirar das determinações da referida Pastoral
Coletiva; a necessidade de se “continuar” a devoção do Menino Jesus no dia 25 de todos os
meses e finalmente; a necessidade de se “restaurar” as devoções do Coração de Jesus, do
Divino, Almas, Via Sacra e do Santíssimo Sacramento, entre outros256.
Tais recomendações, ainda que muito similares àquelas encontradas em Córrego do
Bom Jesus, se distinguem por dois motivos: a utilização do termo “restaurar” frente às
diversas nomenclaturas de associações e o estímulo para se “continuar” a devoção do Menino
Jesus chamou nossa atenção para sabermos se tais ações já haviam sido tentadas
anteriormente (o que muito pode nos ajudar a entender como a população recebe essas

254
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 365-380.
255
APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 58-58v.
256
APC. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit.
74

mesmas ações já no período de gestão paroquial dos teresianos), e por isso também nos
debruçamos sobre o Livro do Tombo da paróquia, a fim de tentar esclarecer tal assunto.
De todas estas, no entanto, só pudemos encontrar referência à devoção do Sagrado
Coração de Jesus, mas é esta que nos mostra um importante dado. Com efeito, a leitura de um
inventário da paróquia de Cambuí realizado em 1888, pelo então maçon e político Padre José
Figueiredo Caramurú, nos mostra que, nesse ano, tal devoção já era conhecida na paróquia,
fato que deduzimos a partir da existência de um quadro do Sagrado Coração de Jesus. Tal
informação nos ajudará no próximo item a nos aprofundarmos sobre como atuavam os
carmelitas descalços ao tentar fundar novamente tais devoções.
Por ora, é preciso admitir que o quadro geral que nos foi apresentado pelos termos da
visita nos informa da existência de irmandades religiosas que continuavam a desafiar as
autoridades diocesanas, de uma festa regional de proporções consideráveis, onde muitas das
atividades presentes na festa não estavam sob controle do clero local e sim do laicato, da
existência de poucos sacramentos, do não cumprimento de antigas orientações diocesanas, da
não existência da Boa Imprensa e seus assinantes entre outros.
Esta situação deveria ser mudada, e algumas das estratégias empregadas foram a
realização de visitas pastorais, a tentativa de criação de associações europeias, a reforma das
festas religiosas, a concessão de indulgências como um modo de reforçar e persuadir sobre a
importância dos sacramentos, a organização de um conselho paroquial leigo mais
comprometido com os interesses da Igreja, entre outros.
Diante destas estratégias, estruturamos o final deste capítulo de modo a proporcionar
ao leitor continuar a visualizar a atuação teresiana frente às duas referidas paróquias.

2.2- Ainda as Associações

No item anterior vimos que o insucesso inicial das tentativas de se implantar novos
modelos de associações religiosas europeias em Cambuí e em Córrego do Bom Jesus até 1914
e de se executar o mandamento diocesano de 1913 sobre a reforma das festas religiosas do
bispado deveu-se, em grande parte, ao poder que até então os leigos detinham nestas
paróquias.
Isso nos ficou evidente nas observações que Dom Assis registra no termo das visitas
pastorais realizadas a estas paróquias em agosto de 1911, e que nos permitem, de um lado,
75

conhecer um pouco da prática religiosa então praticada por estas populações e de outro,
visualizar a tentativa, por parte de Dom Assis, de se utilizar de diversas estratégias a fim de
cooptar tal público.
Para entendermos melhor a incumbência do leigo nesta prática, retomamos alguns
elementos que guiaram nossa discussão no item anterior, que são as tentativas de implantação
de associações religiosas e da Comissão de Guarda de Honra do Santíssimo, o que nos
permitirá dar continuidade à nossa análise.
Com efeito, como vimos anteriormente, até 1914 não se efetivou pelas mãos dos
carmelitas descalços a fundação de tais modelos em Córrego do Bom Jesus e em Cambuí. É
nesse ano, no entanto, que podemos observar uma novidade neste quadro. No Relatório da
Parochia do Sr. Bom Jesus de Córrego de 1914, curiosamente encontramos uma referência de
frei Bindi à existência do Apostolado da Oração do Sagrado Coração 257. Esta anotação, no
entanto, não possui mais detalhes, o que tornou impossível saber quando e como esta teria
sido criada. Já no caso da sede da municipalidade, é interessante observarmos o que sobre a
fundação do Apostolado da Oração nos registrou no Livro do Tombo, frei Brocardo então
vigário de Cambuí.
Intitulado Ereção do novo Centro do Apostolado da Oração, esse registro, de acordo
com o vigário, ocupou a “página mais gloriosa do presente livro”, o que nos sinaliza grande
contento diante do “êxito”, e discorre sobre a cerimônia de inauguração do novo centro, ainda
que não nos seja explicado o porquê do adjetivo “novo”, já que ao lermos o Livro do Tombo
da paróquia, não encontramos anteriormente outra fundação de tal agremiação. Contudo, é
neste registro que frei Brocardo nos apresenta como teria ocorrido a cerimônia de tal
fundação. Assim, prosseguindo, podemos verificar que:

O povo religioso d´esta Cidade não fez o surdo ás vozes d’um Deus
Arrartigimo, e foi justamente no dia 25 do mez de Outubro de 1914, que
o povo Cambuhyense protestou publicamente ao Divinissino Coração de
Jesus a sua dedicação, o seu amor. Nesse dia é que foi inaugurado o
novo Centro do Apostolado da Oração: foi uma festa exclusivamente
religiosa. 258

257
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 22v.
258
APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 71.
76

No trecho acima transcrito, é interessante observarmos a grande atenção dada pelo


religioso italiano a esta cerimônia, a qual segundo o mesmo, contou com missa cantada pelo
frei Anselmo e por algumas “dedicadas cantoras” da matriz, e também com a benção do
estandarte pelo vigário frei Brocardo, que estimulou os paroquianos a se juntarem ao grupo
recém formado, associando-se ao mesmo. Nesta ocasião, registra o mesmo religioso, uma
cerimônia que conferiu a 8 homens e 9 senhoras o distintivo de zeladores do Apostolado e
reconheceu a inscrição de 203 paroquianos como membros da dita entidade 259 , o que nos
mostra aqui hábil recurso do clero para se aproximar dos paroquianos. Ainda mereceu
destaque neste registro a nomeação de uma diretoria, assumida por frei Brocardo Colonelli.
Na tarde deste mesmo dia, uma procissão solene foi realizada. Neste ato, o andor da
devoção ao Sagrado Coração “enfeitado com esmero pelo Sr. João Baptista Corrêa, foi
carregado pelos Exmos. Zeladores”, cerimônia que contou ainda com a presença das bandas
musicais Nossa Senhora do Carmo e Carlos Gomes, as quais, de acordo com o religioso,
abrilhantaram este ato. Finalmente, após o retorno da procissão à igreja, frei Anselmo pregou
um sermão e finalizou a solenidade com a bênção do Santíssimo e consagração. 260
Ora, teria mesmo conseguido frei Brocardo executar um programa tão perfeito pouco
tempo depois da concessão de um ano para se executar o mandamento sobre as festas
religiosas locais? Sobre tal reflexão, apontamos para o fato de que a presença das duas bandas
nos deixa receosos, quanto a isso, e a fim de entendermos melhor a finalidade de tal
associação, decidimos consultar o que a este respeito nos é apresentado pela Pastoral Coletiva
de 1911 que, ao referir-se às práticas e objetivos desta associação, nos afirma que tal
agremiação é “uma pia associação de orações e práticas christãs”, que teve sua origem no
ano de 1844 na França e cuja finalidade é a de “promover os interesses do S. Coração de
Jesus” 261 , devoção que, de acordo com disposições da mesma Pastoral Coletiva, detém
“primazia” entre as demais, e que cresceu consideravelmente durante os papados de Pio IX,
Leão XIII e Pio X262.
No caso das referidas paróquias, em todo o período de gestão teresiana, esta é a única
associação que foi instituída em ambas localidades. Mas ao tentarmos entender como sucedeu

259
APC. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit.
260
Ibidem, p. 71.
261
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911.p. 140.
262
Ibidem, p. 135.
77

o funcionamento desta agremiação em Cambuí e em Córrego do Bom Jesus, não pudemos


encontrar muitos dados que contribuíssem para tal conhecimento.
Referindo-nos a Córrego, a menção à existência desta instituição se repete unicamente
nos Relatórios Anuais de 1915263 e de 1916264, também estes sem pormenores. Curiosamente,
nos anos anteriores e seguintes, até 1922, não encontramos registro da existência desta
associação265. Em Cambuí, por sua vez, os registros são escassos e nos sinalizam, por vezes,
somente para a existência desta entidade, sem pormenores sobre sua atuação.
Por isso nos remetemos mais uma vez à leitura dos termos de visitas pastorais
realizadas durante os paroquiatos teresianos, na busca de informações que porventura
pudessem ter sido observadas sobre esta associação pelas autoridades diocesanas.
Se a leitura dos termos das visitas pastorais à Córrego em 1914, 1915 e em 1919 nada
nos revelaram sobre a existência do Apostolado da Oração, é interessante notarmos o que
sobre esta associação encontramos no termo da visita pastoral realizada a Cambuí em 1915
pelo visitador diocesano, Monsenhor Theophilo Guimaraes, que nos informa que nesse
referido ano, tal instituição encontrava-se ativa, pois conforme foi registrado por este, “No dia
9 a tarde presidi a reunião do Apostolado da Oração, animando, por esta occasião, os
zeladores e zeladoras e convidando-os a trabalharem sempre com grande empenho para o
maior desenvolvimento dessa tão pia e util associação.”266
Finalmente, o último dado sobre as novas agremiações para leigos foi encontrado no
termo da visita pastoral de 1919, de Dom Otávio Chagas de Miranda, então bispo da Diocese
de Pouso Alegre, que registrou a presença do Apostolado “na procissão que teve lugar na
cerimonia da entrada solene.” Ainda neste mesmo termo e na parte das recomendações,
registra Dom Otavio ao pároco: “recommendamos que mantenha e desenvolva a
Confederação do Divino Espírito Santo, por nós restaurada, bem como se interesse sempre
para que na parochia haja um bom numero de assistentes, digo, assignantes do orgam
catholico da Diocese.”267 No próximo triênio, até 1922, quando tem fim a presença teresiana,
nada mais foi encontrado.
Diante do quadro que expusemos anteriormente, tudo indica que, em Córrego, a única
associação fundada em onze anos de presença teresiana foi o Apostolado que, todavia, parece

263
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 26.
264
Ibidem, p. 41.
265
Ibidem, p. 42-53v.
266
APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 72.
267
Ibidem, p. 85v.
78

ter tido existência efêmera de 1914 até 1916. Já em Cambuí, podemos notar que a existência
desta associação parece ter alcançado maior espaço de tempo, tendo durado de 1914 até 1919.
No entanto, refletindo sobre o período em que estiveram “ativas”, a simples existência
destas instituições nos assegura que as mesmas conseguiram executar os objetivos a que se
propunham? Acreditando, pois, conforme apregoado por Roger Chartier que “a força com a
qual os modelos culturais impõem sentido não anula o espaço próprio da sua recepção, que
pode ser resistente, matreira ou rebelde” 268 , interessa-nos, pois, entender se a instituição
destes novos modelos de associações para leigos nestas paróquias responderam aos anseios de
carmelitas descalços e bispos que, com elas, visavam a disseminação do catolicismo
ultramontano e o enfraquecimento do catolicismo local.
Embora nossos dados não nos permitam entender como os leigos se apropriaram das
práticas reformadas nestas instituições, cabe-nos fazer algumas considerações sobre este
processo. De fato, considerando a grande resistência dos leigos locais frente a esta ação,
levando-se em conta ainda o inexpressivo número de pessoas abarcadas por tal iniciativa,
considerando que estes modelos não tiveram uma existência longeva e considerando
finalmente, a presença de algumas práticas características das festividades religiosas
tradicionais locais quando da criação desta associação em Cambuí em 1914, acreditamos que,
apesar da criação destas entidades, elas não obtiveram o sucesso esperado.
Porém essa nossa percepção está assentada em escassos dados que, como vimos, não
nos permitem entender como tal fundação se desenvolveu em meio à população local, nem
nos permite discutir a recepção desta proposta entre os leigos locais, certamente também estes
herdeiros de muitas das práticas do catolicismo local.
E para tentar nos ajudar a entender como a introdução de modelos europeus se deu,
decidimos dispensar atenção à outra ação que acompanhou a tentativa de se introduzir novos
modelos de associações religiosas; a introdução de novas devoções que, concomitantemente à
introdução de novos modelos de associações, visou a substituição de devoções locais
consagradas da religiosidade local por devoções reformadas, que deveriam ser introduzidas
por ação do clero, também reformado.

268
CHARTIER, R. Cultura Popular. Revisando um conceito historiográfico, In: Estudos Históricos. v. 8, n. 16.
Rio de Janeiro: UFRJ, 1995, p. 181-182. CHARTIER, Roger. A História ou a Leitura do Tempo. 2ª ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2010, p. 46-47. “A força dos modelos culturais dominantes não anula o espaço
próprio de sua recepção. Sempre existe uma brecha entre a norma e o vivido, o dogma e a crença, as normas e
as condutas. Nessa brecha se insinuam as reformulações e as resistências, os desvios, as apropriações e as
resistências.”
79

2.3 - Devoções Pias e Reformadas

Pedro Ribeiro de Oliveira, ao referir-se ao período de Reforma Ultramontana, nos


afirma que muitas das devoções reformadas implantadas no Brasil neste período foram para
cá trazidas pela iniciativa dos membros de ordens religiosas, que aqui tentaram instituir a
devoção de santos ligados à fundação e existência de seus institutos religiosos. Exemplo disso
foi o incentivo por parte dos salesianos das devoções de Nossa Senhora Auxiliadora e São
João Bosco, o apoio dos redentoristas a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Santo Afonso
de Liguori, e a promoção de São Luiz Gonzaga por parte dos jesuitas 269.
Por conseguinte, para este autor, uma consequência da implantação de novas devoções
foi a criação de novos modelos de agremiações leigas, ligadas a cada um destes santos de
devoção. É assim que a associação do Apostolado da Oração reunia paroquianos ao redor da
devoção do Sagrado Coração de Jesus; a Liga de Jesus, Maria e José congregava devotos
entorno da devoção da Sagrada Família; a Pia União de Orações e Culto Perpétuo a São José
reuniam fiéis devotos de São José; e a Pia Associação das Filhas de Maria e a Congregação
Mariana reuniam ambas fiéis afeiçoados à devoção da Imaculada Conceição 270.
Estas observações ganham relevância na medida em que podemos verificar tais
fenômenos também em nossas paróquias. Em Córrego, através dos relatórios de Frei Bindi,
sabemos que em 1912 foram celebradas as festas de Nossa Senhora do Carmo e de Santa
Teresa, festividades estas que se repetem unicamente no ano seguinte. Também em 1913
podemos observar o registro da celebração das Festas Constantinianas em 15 de junho 271 e a
festa de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em 8 de dezembro272.
Outras presenças de devoções reformadas foram encontradas nos relatórios de Bindi,
como o Mês de Outubro, que acontece pela primeira vez em 1911, e se repete nos anos de
1912, 1914, 1915, 1916, 1917, 1918 e 1919. Sobre esta devoção, é interessante notarmos que,
a partir de 1915, frei Bindi quebrou o total silêncio que pairava sobre tais festividades, quando
nos afirmou que, deste ano até 1919, tal evento ocorreu conforme mandamento da Pastoral
Coletiva, dado porém que sinaliza para o fato de que nos anos anteriores, esse objetivo não foi

269
OLIVEIRA, P. A. R. de. Religião e Dominação de Classe. Gênese, estruturação e função do catolicismo
romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 286.
270
OLIVEIRA, P. A. R. de., Loc. Cit.
271
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 19v.
272
Ibidem, p. 19-19v.
80

alcançado. Finalmente, foi nesta localidade também registrada a celebração do Mês de Maria,
que aconteceu em 1911 e em 1913273.
Em Cambuí, os registros efetuados pelos padres teresianos que passaram pela gestão
paroquial não são tão abundantes e regulares quanto àqueles encontrados em Córrego do Bom
Jesus, no que concerne à celebração de devoções e festas reformadas. Foi através de uma
crônica de frei Dorelli, publicada no Il Carmelo, em 1911, que tivemos notícia da organização
da primeira devoção reformada incentivada pelos religiosos italianos ali presentes: o Mês de
Maio, em 1911. Sobre essa festividade, no Livro do Tombo nada foi encontrado, mas é neste
local que dois anos mais tarde encontramos um registro de frei Mauro, que afirma ter ocorrido
em junho deste ano a celebração das Festas Constantinianas. Três anos mais tarde, em 1916,
foi a vez de frei Brocardo registrar a realização das festas do Sagrado Coração de Jesus, do
Mês de Outubro e do Mês de Junho 274. O último registro sobre estas devoções foi efetuado em
1918, quando frei Nicolò aponta a ocorrência no Mês de Maio, da festa do Sagrado Coração
de Jesus, do Mês de Junho e os exercícios do Mês do Rosário 275.
As informações que aqui expusemos nos mostram o esforço empreendido pelos
religiosos italianos em tentar introduzir e desenvolver devoções aprovadas pela Igreja e
devoções dos santos da própria Ordem. Mas no que consistiam tais devoções, e como estas
foram vivenciadas pelas populações dessas duas paróquias?
A fim de respondermos tais questões, dirigimos nossa atenção inicialmente à
organização da festa de Nossa Senhora do Carmo e de Santa Teresa, em Córrego, realizadas
em 1912 e 1913, pois de todas as demais, essas possuem especial significado para os
teresianos. Sendo Nossa Senhora do Carmo reconhecida como “mãe” do Carmelo e Teresa de
Ávila uma das fundadoras do Carmelo Descalço, nos parece natural que, entre as primeiras
festas que foram incentivadas pelos teresianos em Córrego, sede da missão em Minas Gerais,
figurassem essas duas, festividades que, no entanto, não parecem ter agradado muito à
população local, conforme vimos anteriormente.
No caso das Festas Constantinianas, através do jornal católico Tribuna Sul Mineira e
anotaçãoes encontradas junto ao Livro do Tombo destas paróquias, tomamos conhecimento
que tais festividades estavam destinadas a acontecer somente em 1913, por ocasião da
comemoração do décimo sexto centenário da proclamação de liberdade de culto, concedida
aos cristãos pelo imperador Constantino, no ano de 313, através do Édito de Milão. No caso

273
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit.
274
APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 83v.
275
Ibidem, p. 84.
81

da Diocese de Pouso Alegre, por meio da divulgação de um programa para esta festa feita em
jornais e por recomendações diocesanas, podemos perceber que grande investimento foi
realizado, no sentido de incentivar cada paróquia a organizar igualmente um programa e a
estimular os paroquianos a tomar parte, também, nas celebrações organizadas na cidade
episcopal276. O programa desta festividade, repleto de celebrações religiosas com novenas,
bênçãos, administração de sacramentos e coleta de dinheiro para a Santa Sé, nos afirma sua
inserção entre aquelas festas onde deveria predominar o “correto” catolicismo, com forte
ênfase nos sacramentos e uniformização de ações e costumes.
Neste ponto, cabe-nos ainda tecer alguns comentários sobre as devoções do Mês de
Rosário-Outubro, da Imaculada Conceição e do Mês de Maio, todas devoções marianas.
Ao nos determos inicialmente no Mês de Rosário, é interessante notarmos que, embora
frei Bindi empregue o termo festa, a Pastoral Coletiva de 1911, através do Regulamento para
a recitação do SS. Rosário nos explica que esta devoção mariana consiste principalmente na
recitação de “pelo menos a terça parte do Rosário, que por isso se chama terço, constante de
cinco décadas vulgarmente chamadas mysterios”, procedimento que é seguido pela recitação
de ladainhas em honra à Nossa Senhora, pela realização de uma prece a São José, por uma
benção aos fieis que participam deste ato e, finalmente, pela realização de uma procissão com
irmandades do Rosário e com a população, conforme vontade de Pio X.277
Tais atividades devem acontecer no período de 1 de outubro até 2 de novembro 278 e
para aqueles que delas aderirem, estão previstas a concessão de indulgências de sete anos e
sete quarentenas, e indulgência plenária, esta última, vinculada a obrigatoriedade do leigo de
se confessar, comungar, realizar uma oração “segundo a intenção do Santo Padre” em igreja
ou orátorio, e também realizar o terço no dia da festa desta devoção e nos sete dias que se
seguirem a esta data279, o que vemos aqui mais uma vez como tentativa de cooptação dos
leigos, visando uma mudança de costumes. Ainda a respeito desta devoção, o Concílio
Plenário Latino Americano recomenda, com energia, que seja frequente a propagação desta
devoção mariana entre religiosos e leigos para:

276
JORNAL TRIBUNA SUL MINEIRA. Pouso Alegre: n. 19, 31 maio, 1913.
277
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 609-612.
278
Ibidem, p. 609.
279
Ibidem, p. 610.
82

(...) dar á conoscer á aquella que con sus poderosas oraciones,


prepara camino segurísimo para la vida eterna en favor de los que, con
la palabra y con el ejemplo suelen promover su culto, y excitar a los
fieles á tenerle amor y confianza. 280

Tal recomendação nos aponta para a grande importância que assumiu a propaganda de
práticas pias de devoção, aspecto que pode ser observado também sobre a festa da Imaculada
Conceição, que foi realizada pelos teresianos em Córrego, em 8 de dezembro de 1912.
Sobre esta última, o Concílio Plenário Latino Americano apresenta, do mesmo modo,
uma recomendação para que os leigos “celebren solemnemente la fiesta de dicha Immaculada
Concepción, y practiquen ejercicios de piedad aprobados, en honor de tan sublime
misterio.”281
No caso do Mês de Maio, através da referida Pastoral Coletiva, percebemos que, ao
lado da devoção ao Rosário figura uma recomendação para que os párocos “egualmente
celebrem, em suas parochias, os piedosos exercícios do mez de Maria com a devoção,
respeito e solemnidade que exige esta pia instituição.”282 O mesmo documento ainda nos
mostra interessante estratégia para divulgar tal devoção:

(...) as pessoas que, no mez de Maio, em publico ou em particular,


honrarem a Santissima Virgem com especiaes obsequios e devotas
praticas de oração e actos de virtude, podem lucrar uma indulgencia de
300 dias em cada dia, e indulgencia plenaria uma vez no mez ou nos
primeiros oito dias do mez seguinte. Condições: confissão, communhão e
oração segundo a intenção do Summo Pontifice. Raccolta de 1898, n.
136.283

Finalmente, abordamos o que encontramos a respeito da devoção ao Sagrado Coração,


definida de acordo com a Pastoral Coletiva de 1911, conforme já vimos, como aquela que

280
EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.
Roma: Tip. Vaticana, 1906, p. 229-230. “Fazer conhecer aquela que com suas poderosas orações, prepara
caminho seguríssimo para a vida eterna em favor dos que, com a palavra e com o exemplo podem promover seu
culto, e estimular os fieis a ter por ela amor e confiança.” (tradução nossa)
281
Ibidem. p. 228.
282
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 148.
283
Ibidem, p. 149.
83

sobre as demais devoções detém supremacia 284. A seu respeito, tal documento recomenda aos
párocos “procurem estabelecer em suas parochias os exercícios em honra do SS. Coração de
Jesus durante o mez de Junho, com a maior solemnidade possível.”285 A referida Pastoral nos
explica que as atividades que integram o programa destes exercícios incluem a recitação de
“fervorosas orações” e de ladainhas autorizadas pela Santa Sé, e também a celebração de uma
missa votiva desta devoção, isto é, uma missa que contém aspecto e conteúdo pedagógico.286
Também aqui, mais uma vez, são concedidas aos leigos que aderirem a esta devoção,
realizando publicamente ou em particular as atividades propostas, indulgências de sete anos e
sete quarentenas, ou indulgência plenária, dádiva que é concedida, no segundo caso, mediante
a realização de confissão, comunhão e visita a uma igreja, onde o leigo deve recitar uma
prece, também aqui “segundo as intenções do Summo Pontífice”.287
De fato, as informações que conseguimos levantar sobre estas festas nos mostram que
tais devoções tinham em comum grande apoio por parte da hierarquia católica ultramontana,
que buscou difundir com elas a ênfase na prática de devoções pias e na frequência
sacramental, ainda que para isso se utilize de estratégias como a concessão de indulgências.
Mas no caso das referidas paróquias, o que nos registraram os religiosos que as incentivaram
e as promoveram? Neste ponto, interessa-nos saber como estas populações vivenciaram tais
festividades nas duas localidades. Embora tenhamos encontrado somente dois registros sobre
isso, são eles fundamentais para nos levar a cabo de tal discussão. Trata-se do que frei Dorelli
registrou sobre o Mês Mariano de 1911 em Cambuí, e o que a respeito das Festas
Constantinianas anotou frei Mauro em 1913, no mesmo local.
Num primeiro momento, nos detemos sobre o que a respeito do Mês Mariano nos foi
relacionado por frei Dorelli em 1911. Ao objetivar apresentar ao leitor italiano do Il Carmelo
algumas especificidades do “exótico” catolicismo ali praticado, frei Dorelli, em uma crônica
datada de junho 1911, realizou muitas observações sobre algumas das festas mais populares
da região e, curiosamente nesta lista, também figura o Mês Mariano, conforme nos evidencia
o religioso:

E vengo al Mese Mariano. Esso fu celebrato a tutte


spese della divozione popolare. Caratteristico il leilão (incanto), a suon
di concerto, per vendere ciò che la pietà brasiliana aveva donato a

284
Ibidem, p. 135.
285
Ibidem, p. 138.
286
Ibidem, p. 136.
287
Ibidem, p. 138-139.
84

Maria Santissima. Bellissima l’incoronazione della Vergine, fatta ogni


giorno, da due fanciulle minori di dodici anni, com stupende corone
fabbricate con arte mirabile, le quali poi servirono ad abbellire la chiesa
per la solennità di chiusura del Mese Mariano, nel giorno di
Pentecoste288.

É por esta descrição que podemos ver que, mesmo querendo dar ênfase à pouca
frequência aos sacramentos, traço típico da prática religiosa local, e também à parte social da
festividade, visto por ele como profano, o missionário revela o cumprimento litúrgico
“correto” do que para tal festividade fora estipulado. Esta percepção nos leva a crer que, mais
importante que a realização de tais festejos, era o modo como esses eventos foram celebrados
e apropriados por estas populações 289 . Neste caso específico, a presença de elementos
“mistos” sinaliza não só a tensão e a negociação verificada entre a tentativa de impor normas
reformadoras e a resistência em manter as práticas locais, mas também aponta para a
importância de nos aprofundarmos sobre o modo como tal recepção e apropriação foi
efetivada.
Finalmente, a anotação de frei Mauro dois anos mais tarde, já em 1913, nos mostra o
que a respeito das Festas Constantinianas teria acontecido. De acordo com este religioso, tais
festividades em Cambuí ocorreram em 15 de junho de 1913, conforme determinado pela
Igreja para tal celebração, e contaram com um “tríduo com explicação das mesmas festas”,
sermões, benção do Santíssimo, comunhão, preces pelo pontífice Pio X, visitas, missa solene,
procissão que contou com a presença das duas bandas musicais locais e “andores
capriciosamente enfeitados” sendo que, finalmente à noite deste mesmo dia, a cidade contou
com iluminação, e foi realizada uma coleta de doações em dinheiro para ser enviada para a
Comissão das Festas Constantinianas de Pouso Alegre. 290
Ao contrário de frei Dorelli, podemos notar que esse religioso muito se esforçou por
registrar o cumprimento “correto e exato” do programa proposto para tal festa, mas ele
também nos apontou, involuntariamente, para aspectos que nos fazem desconfiar mais uma
vez do sucesso integral de tal festa. Se por um lado, a festa aconteceu no dia próprio, se

288
DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo, Milano: jun. 1911, p. 216-218. “E chego ao Mês Mariano.
Este foi celebrado por conta da devoção popular. Característico o leilão, ao som de concerto, para vender
aquilo que a piedade brasileira havia doado a Maria Santíssima. Belíssima a coroação da Virgem, feita em
cada dia, por duas meninas com menos de doze anos de idade, com coroas estupendas fabricadas com arte
admirável, as quais depois serviam para enfeitar a igreja para a solenidade de encerramento do Mês Mariano,
no dia de Pentecoste.” (tradução nossa)
289
CHARTIER, R. A História Cultural: Entre práticas e representações. 2 ed. Lisboa: Difel, 2002.
290
APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 65v.
85

contou com um tríduo, oração pelo Papa, sermão, comunhão e coleta de esmolas, de outro,
podemos notar a presença das bandas na procissão e na missa, a explicação de tais festas à
população (que necessitava de conhecimento sobre estas) e a permanência de enfeites
caprichosamente adornados, elementos que, juntos, não nos convencem do fato de que tal
evento foi realizado e vivenciado conforme as pretenções da Igreja e seus agentes.
Neste ponto, é interessante notarmos que, ainda que com intenções bem distintas,
ambos os registros nos apontam para a convivência de elementos do catolicismo
ultramontano, visto nas cerimônias, nos tríduos, sacramentos e, de outro lado, elementos que
são encontrados com frequência nas manifestações do catolicismo local, como a presença de
bandas, a pouca frequência aos sacramentos, a preocupação com os enfeites das imagens
religiosas nas procissões, entre outros.
Sobre o final da década, não conseguimos localizar nenhum registro que pudesse nos
informar sobre como estas cerimônias aconteceram no final do período de gestão teresiana,
mas é interessante notarmos que, no período de 1918 até 1922, o número de tais festividades
cai drasticamente.
Ora, teriam tais devoções sido rejeitadas pelas populações, nestes anos? Tal questão
nos colocou também outra indagação. De fato, foram tais devoções reformadas introduzidas
nestas localidades por meio da ação teresiana, ou estas, quando de sua chegada, já eram
conhecidas entre as duas populações? Julgamos que tais apontamentos poderiam nos ajudar a
entender melhor a relação entre as práticas que, juntas, tendem a querer formar uma forma
híbrida de religiosidade e, na tentativa de entender tal assunto, nos remetemos mais uma vez à
leitura dos Livros do Tombo das duas paróquias, na busca de indícios que possam lançar luz
sobre tal questão.
Em Córrego, sobre estas novas devoções, no período que antecedeu a chegada dos
teresianos, nada foi registrado no Livro do Tombo, a não ser a nomenclatura Sagrado Coração
de Jesus, que Dom Assis utiliza em 1911 para referir-se ao que acreditamos ser a antiga
irmandade do Senhor Bom Jesus, criada em 1874 e presente através de uma mesa
administrativa nos termos de visitas pastorais da primeira década de 1910 291.
Acreditamos que, ao nomear a antiga irmandade do Senhor Bom Jesus de Sagrado
Coração de Jesus, Dom Assis procurou incentivar a propagação de uma devoção reformada e
sacramental através de um dos instrumentos mais poderosos da religiosidade local que, ao que

291
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 2-7v.
86

tudo indica, apesar de ter aceito tal denominação, não procurou adequar suas práticas àquelas
pretendidas.
Já na sede da municipalidade, a leitura do Livro do Tombo nos revelou que, em um
inventário de 1888, foi registrado pelo então padre, político e maçon José da Silva Caramurú,
a existência de um quadro que representa o Sagrado Coração, artefato que pode indicar então
que tal devoção já era conhecida na paróquia. Se nos registros do século XIX nada mais
encontramos sobre esta devoção, com grande surpresa encontramos já em 1908 uma anotação
do padre Agostinho Martell, então pároco de Cambuí que, ao pretender registrar um
agradecimento ao Sr. João Correia, cidadão autodidata cambuiense que neste ano esculpiu e
doou uma imagem do Sagrado Coração de Jesus à igreja matriz de Cambuí, nos presenteia
com dados preciosíssimos para pensarmos a atuação dos teresianos e neste caso específico,
dados para pensar o modo como as populações locais experimentaram, ao seu modo, as
imposições a elas apresentadas pelos teresianos.
É que nesse ano de 1908 a igreja matriz de Cambuí ganhou sua primeira estátua do
Sagrado Coração de Jesus, obra atribuída ao “genial escultor” autodidata cambuiense, Sr.
Correia, que durante três meses dedicou-se à sua realização. Conforme apresentado pelo
próprio pároco, a execução de tal obra não contou com modelos, fato este que aumentou a
admiração do pároco e da população em janeiro daquele ano, quando durante a festa de São
Sebastião, tal escultura foi apresentada à matriz. Ora, a apresentação da escultura à população
durante a festa de São Sebastião e a ausência de modelos e de informações sobre tal devoção
reformada conduzem-nos à hipótese de que, até então, tal devoção era quase desconhecida
entre a população, apesar da existência do quadro desta devoção constar no inventário de
1888.
Mais importante que estas observações, é o que se seguiu no mesmo registro, pois é o
próprio vigário de Cambuí, padre Agostinho Martel que, ao descrever com muita pompa,
emoção e apoio a cerimônia de benzimento de tal imagem, ocorrida durante a festa de São
Sebastião de 1908, nos evidencia que a forma como a população se apropriou e acolheu tal
escultura se aproximou muito mais das devoções de santos locais (com repicar de sinos,
procissões, bandas e outros elementos festivos e sociais) do que da austeridade pretendida
para as devoções reformadas. Este quadro nos reafirma que, mais importante que o fato de
encontrarmos nesta paróquia tal devoção, é a forma como a população se relaciona com a
mesma, considerações estas que nos ajudam a pensar na atuação dos teresianos.
87

De fato, estes dados nos possibilitam arriscar algumas hipóteses. Não podemos crer
que o simples registro destas poucas festividades signifique que tais cerimônias ocorreram de
acordo com o estipulado pela hierarquia católica e como alguns religiosos quiseram nos fazer
crer. Tal percepção fica clara quando nos detemos sobre a descrição de frei Dorelli, que
mesmo querendo pôr em evidência os aspectos “exóticos” do catolicismo local, nos sinaliza
para o cumprimento da liturgia ultramontana e quando frei Brocardo, querendo ressaltar os
aspectos “corretos” situa em meio a estes, outros elementos característicos de festividades
locais.
Assim, ainda que não tenha sido possível a obtenção de descrições de festas
reformadas no final da gestão teresiana, a percepção de elementos do catolicismo local em
cerimônias pretendidamente ortodoxas, somada à dificuldade imposta pelos leigos de se
engajarem em novos modelos de asssociações e um balanço dos números que representam a
realização destas festas, nos leva a crer que as festas e devoções reformadas não se
disseminaram pelas referidas paróquias, tendo as mesmas permanecido restritas a um pequeno
grupo de pessoas.
Não obstante, acreditamos também que só poderemos compreender realmente a
atitude dos leigos diante destas iniciativas, como a introdução de festas ultramontanas e
associações congêneres, se entendermos a vitalidade que neste período dava cor às práticas do
catolicismo local, vistas aqui não como ignorância, mas como amálgamas de saberes de fontes
diversas. É portanto na ação sobre as festas religiosas locais que iremos nos deter no próximo
tópico.

2.4- Por uma Reforma das Festas Religiosas Locais?

A análise da intervenção clerical sobre as festas religiosas em devoção aos santos


tradicionais durante a gestão teresiana das referidas paróquias constitui-se em um importante
pilar desta pesquisa, uma vez que esta nos revela, (por meio da percepção dos teresianos e das
autoridades diocesanas e ainda por meio das diretrizes da política seguida então pelo
episcopado), importantes aspectos de nossas sociedades, além de nos apontar para facetas da
dinâmica da presença teresiana no Brasil neste período. Ademais, acreditamos constituir esta
ação também uma chave preciosa para entendermos o “relativismo” com que estas populações
se apropriaram e vivenciaram algumas das festas reformadas introduzidas nestas localidades
88

pelos teresianos, conforme vimos no item anterior. Para tanto, nesta análise nos valemos,
conforme já citado anteriormente, de fontes diversas, como termos de visitas pastorais,
crônicas publicadas no periódico mensal Il Carmelo, registros diversos efetuados junto aos
Livros do Tombo das duas referidas paróquias, notícias do jornal católico Tribuna Sul mineira
e as Pastorais Coletivas de 1910 e de 1915.
Primeiramente, devemos observar como os teresianos se posicionam ainda nos
primeiros meses após sua instalação, diante das festividades ditas tradicionais, por eles
vivenciadas nessas paróquias. Através da leitura de quatro crônicas do Il Carmelo de 1911, de
autoria de frei Dorelli, tomamos conhecimento que, em Cambuí, no período de abril até
dezembro do referido ano, ocorreram e foram vivenciadas por este missionário a festa de
Nossa Senhora do Carmo em 16 de julho, a festa do Divino em 27 de agosto 292 e as festas de
São Sebastião e São Bento, que se celebraram entre 19 e 20 de abril, no bairro dos Campos293.
Ao contrário de muitas das devoções reformadas, cuja introdução nessas paróquias ao
que tudo indica foi realizada pelos próprios teresianos, muitas das devoções citadas por frei
Dorelli chegaram a estas localidades através dos leigos, que tiveram papel ativo na fundação
dessas comunidades. O dado mais antigo que temos sobre estas devoções “locais” é a relação
de imagens dos santos pertencentes ao acervo da matriz de Cambuí, feita em 1888 pelo padre
Caramurú, e que nos ajuda a pensar a grande diversidade de santos conhecidos e
provavelmente cultuados nestas localidades, neste período.
Na referida relação, ao lado do já citado quadro do Sagrado Coração de Jesus,
figuravam, pois, nada menos que doze imagens representantes de Nossa Senhora do Carmo,
do Senhor dos Passos, de São José, de São Francisco, de Nossa Senhora do Rosário, de Nossa
Senhora das Dores, de São Sebastião, de Santo Antônio, de São Bento, de São João, do
Menino Deus, muitos dos quais são, de acordo com Rodolfo Guttila, “santos tradicionais do
catolicismo luso-brasileiro”294, que no Brasil também tiveram ampla difusão entre indígenas e
africanos, desde os primórdios da colonização.295
Mas se nos voltarmos para o nosso recorte temporal, perceberemos que naquilo que
frei Dorelli registrou sobre algumas das festas por ele vivenciadas em 1911, nenhuma ação de

292
DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo. Milano, p. 79-86.
293
Ibidem, p. 216-218.
294
GUTTILA, R. W. A Casa do Santo e o Santo de Casa: Um estudo sobre a devoção a São Judas Tadeu, do
Jabaquara. São Paulo: Landy, 2006, p. 22. Ver também FRAGOSO, H. A Manifestação Espiritual e Evangélica
no Povo e nos Pobres,. In: BEOZZO, J. O. (et. al.) História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir
do povo. Segunda época: século XIX. 4º ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 113-114.
295
Ibidem, p. 12.
89

intervenção foi citada, tendo o mesmo missionário se limitado a observar e descrever a força e
popularidade das manifestações religiosas locais.
Neste ano, ao debruçar-se sobre alguns dos principais aspectos do “vangloriado
catolicismo” praticado então por essas populações, frei Dorelli nos descreve algumas das
principais festas locais, entre estas a festa do Divino, conforme nos apresenta o missionário
apostólico, que afirma ver nesta festividade muitos dos elementos encontrados também em
outras populares festas locais:

Una divozione caratteristica (sempre ben inteso, con l`astensione


dai Sacramenti) è quella allo Spirito Santo. Bisogna vedere, per credere,
l`entusiasmo che hanno per il Divino, come essi senza più lo chiamano!
A Cambuhy se ne celebrò la festa chiassona il 27 del passato Agosto, e a
Capivary ai primi di Settembre. Mi passo dal descrivere queste due feste
simili a quella del Carmine in Cambuhy, descritta in altra mia non
lontana data. E fuochi, e concerti, e leilões (incanti all’asta pubblica), e
visite gastronomiche al festeiro, e copiose libazioni di pinga: molta gente
in chiesa ad ammirare l’apparato, la luminaria, a udir la musica ed
anche a pregare al suo talento; ma al confessionario ninguém (nessuno),
e la Mensa eucaristica deserta. 296

Nesta sua descrição destacam-se alguns elementos, como o vigor da organização leiga,
que pode ser visto na flexibilização da data de realização desta festa; na pouca ou nula
importância dos sacramentos; na presença central dos fogos de artifício e dos concertos das
bandas locais, muitas vezes executando em atos religiosos um repertório não muito adequado
a estas ocasiões; na promoção dos leilões, comumente realizados na Câmara Municipal; na
distribuição de comidas e bebidas; na pomposidade da decoração das festas e na pouca
preocupação com a austeridade ao culto.
Não possuindo, pois, estes elementos uma unidade e uniformidade, mas antes, sendo
estas partes fragmentadas de um todo, não é nossa intenção tentar reconstruí-los e analisá-los

296
DORELLI, E. Op. Cit., p. 79-85. “Uma devoção característica (sempre bem entendido, com a abtenção dos
Sacramentos) é aquela ao Espírito Santo. É preciso ver para crer o entusiasmo que têm pelo Divino, como estes
a todo o tempo o chamam. Em Cambuí a festa em sua homenagem foi celebrada em 27 do mês de Agosto, e em
Capivari no início de Setembro. Me passo a descrever estas duas festas similares àquela do Carmo em Cambuí,
descrita em outra não distante data. E fogos de artificio, e concertos musicais, e leilões e visitas gastronomicas
à casa do festeiro e copiosas libações de pinga; muita gente na igreja para admirar o aparato, a luminária,
para escutar a música e também para rezar do seu jeito, mas no confessionário ninguém e o banquete
eucarístico deserto.” (tradução nossa)
90

isoladamente, o que julgamos imcompatível com a delimitação do tema desta pesquisa e com
o nosso recorte temporal. Cabe-nos, contudo, neste ponto, apontar para o fato de que este
conjunto nos evidencia a existência de uma religiosidade onde, ao leigo, parece desnecessária
a intervenção do clero, dada a facilidade de estabelecimento de uma relação direta entre fiel e
santo, que atuava como intercessor junto a Deus297, conforme nos é lembrado por Guttila, e
onde os sacramentos e a austeridade ao culto parecem ter pouca ou nenhuma importância.
Dada a relevância destes entes, é em sua homenagem que os leigos parecem querer celebrar
suas festas e reverênciá-los em todas as esferas da vida.
Ora, seriam estas práticas também verificadas em Córrego? Nesta localidade, é
interessante notarmos que, no Relatório Anual de 1911, sobre as festas religiosas locais, frei
Bindi nada registra. No caso de Córrego, devemos lembrar que entre as recomendações
anotadas por Dom Assis em visita pastoral realizada em agosto de 1911, diversas apontam
para medidas que tinham por objetivo tentar cercear o grande poder dos leigos nas festas do
Senhor Bom Jesus que, aconteciam anualmente em 6 de agosto.
Dom Assis nos informa, ainda que involuntariamente, da ocorrência de muitos dos
elementos que a Igreja tentava coibir, como as folias e bandeiras, a música “profana” nos atos
religiosos, a ausência de prestação de contas da festa, a ausência de um programa religioso
condizente com tal festejo e a pouca frequência aos sacramentos.
Constituindo-se tal festa a de maior expressão regional, não seriam estes mesmos
elementos encontrados também em outras festividades locais? E por outro lado, não deveria
frei Bindi tentar aplicar as mesmas recomendações de Dom Assis às demais festividades?
Com efeito, a importância da festa do Bom Jesus é incontestável desde 1872, e sobre esta,
diversas medidas já haviam sido tentadas por bispos anteriormente. Neste ponto, nos cabe
notar que a orientação para que a nível paroquial, fosse realizada nas festas religiosas uma
operação visando “expurgar” destas o muito que de “profano e pagão” nelas existia, é uma
vertente do projeto reformador da Igreja no Brasil, reafirmado durante a Reforma
Ultramontana. Trata-se de uma ação que objetivava “dar às festividades religiosas o seu
proprio caráter, eliminando os abusos, como sejam as folias, danças, etc,; e impeçam o
desvio das esmolas recolhidas, a titulo de festas, para profanidades, ou qualquer emprego
alheio ao seu proprio destino.”298 A reincidencia desta orientação nas Pastorais Coletivas de

297
GUTTILA, R. W. Op. Cit., p. 53.
298
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre. Op. Cit., p.
261. E Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias Ecclesiasticas de S. Sebastião
do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero e aos fieis o
91

1911 e de 1915, além de sinalizar para o grande investimento feito pelo episcopado em tal
matéria, ainda nos mostra o enorme campo de disputas de poder e de controle social que se
formou ao redor de tais práticas, como veremos adiante.
A despeito disso, frei Bindi nada registra sobre as festas que antecederam a do Bom
Jesus nem sobre as verificadas de agosto até dezembro daquele ano. Ora, por que tamanho
silêncio envolve o superior e pároco do Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego?
Considerando que este foi seu primeiro relatório como pároco, cientes de sua
experiência anterior, cientes de que muitos dos promotores destas festas eram fazendeiros e
detentores de altas patentes da antiga Guarda Nacional, cientes da popularidade de tais
eventos (que eram vivenciados por diversos grupos sociais, ainda que de modos distintos) e
cientes de que a omissão de frei Bindi não volta a se repetir nos anos vindouros, somos
levados a crer que tal silêncio inicial pode ter sido causado por espanto diante daquilo que se
punha pela primeira vez diante de seus olhos. Se revisitarmos algumas notícias genealógicas
sobre frei Bindi, vemos que, ao que tudo indica, também sua experiência anterior parece ter
influído neste caso. De fato, frei Bindi, na Província Romana atuou como professor de música
sacra, tendo ainda exercido as funções de definitor provincial, leitor de cartas, predicator e
tendo participado ainda, na qualidade de sócio, do Capítulo Provincial de 1906, e dos
Capítulos Gerais de 1907 e 1909.299
Não obstante, em 1901 foi eleito prior do Eremo de Montevirginio, função que
manteve até ser destinado pela Ordem à cidade umbra de Terni, para reabrir, como vigário, o
convento de San Valentino em 1906. A partir então, neste lugar se distinguiu pelo empenho
na construção de um novo convento e também na revitalização da basílica. Em 1909 foi eleito
prior daquela comunidade, tendo nesta condição permanecido até 1911, ano em que parte para
o Brasil. 300
Estes dados evidenciam-nos que sua experiência não o colocou em ocasiões anteriores
em contato com regiões de “missão”, o que nos aponta para a possibilidade de que seu
silêncio pode ter sido causado por espanto.
Antes de concluir tal assunto, pensamos ser conveniente nos atentarmos para aquilo
que, a respeito das festividades religiosas, registrou frei Dorelli em Cambuí. Trata-se de uma

resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de Nova Friburgo de 12 a 17 de 1915. Rio de Janeiro:
Typographia Martins de Araújo & C., 1915, p. 295.
299
CASSIO, G. Padre Arcangelo Bindi da Terni al Brasile. Terni: Mimeografado, 2010.
300
RECCHIA. P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma :Mimeo, 2011.
92

tentativa nossa de buscar ver na abundância de descrições sobre estes eventos feitas por frei
Dorelli aquilo que frei Bindi pode ter querido nos esconder.
Tendo frei Dorelli se distinguido no âmbito da Província Romana e da Ordem pelo seu
amor às letras e à pesquisa, publicou este religioso também durante o tempo que permaneceu
no Brasil, uma grande série de crônicas, onde pôde abordar muitos aspectos de nossa cultura e
ambiente, sendo esse material fonte preciosa para sondarmos as festas religiosas nesse
período, resguardados os cuidados necessários para analisarmos tal registro sob sua ótica
eurocêntrica.
É assim que, no caso das referidas paróquias, se continuarmos a acompanhar o que frei
Dorelli afirma em crônica datada de 13 de dezembro de 1911, onde abordou a festa do
Divino, conforme vimos anteriormente, chegamos a um ponto central nesta discussão. É
quando este, após comentar muitas das festividades locais, emite finalmente um parecer sobre
o panorama e o horizonte da missão:

A vero dire, noi poveri religiosi venuti dall’Italia, restiamo


meravigliati del concetto che della religione cattolica hanno questi
Brasiliani, i quali pensano potersi unir ela divozione esteriore, spinta
fino all’entusiasmo, o anche al fanatismo, col trascurare gli obblighi più
sacrosanti del Cristiano. Se ci trovassimo tra gl’infedeli, forse sarebbe
meno ostacolata l’opera mostra. Insegneremmo loro i precetti della vita
Cristiana e diremmo francamente:<<Questa è la fede cattolica: questa è
la via della salvezza eterna: (...) Ma aqui, tra gente che si proclama
fervente cattolica, che fa consistere la sua fede in una spettacolosa
celebrazione delle feste religiose, e non vuole udire i saggi ammonimenti
dei parroci, e anzi col fato li misconosce, noi ci sentiamo oltremodo
avvilitti, e può essere che non stia lontano il giorno nel quale volgiamo
altrove i nostri passi.301

301
DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo. Milano, p. 79-86. “Para dizer a verdade, nós pobres
religiosos vindos da Itália, permanecemos maravilhados do conceito que os brasileiros têm da religião católica,
os quais pensam poder unir a devoção exterior, manifestada pelo entusiasmo, ou também o fanatismo, com o
descuido das obrigações mais sacrossantas do cristão. Se nos encontrássemos entre os infiéis, talvez nosso
trabalho fosse menos dificultado. Ensinaríamos a eles os preceitos da religião católica e diríamos francamente:
esta é fé católica, esta é a via da salvação. Mas aqui, entre gente que se proclama fervorosamente católica, que
faz consistir sua fé em uma espetaculosa celebração das festas religiosas, e não quer escutar as sábias
advertências dos párocos, e ainda não os reconhecem, nós nos sentimos ruins, e pode ser que não esteja longe o
dia que voltaremos nossos passos para outro lugar.” (tradução nossa)
93

Ao olharmos para esta descrição, apontamos três importantes pontos que emolduram a
visão do catolicismo local através dos olhos deste teresiano: a percepção de que o aspecto
exterior caracteriza a essência desta prática religiosa; que as festas religiosas constituem sua
maior expressão e; a percepção de que é difusa e notória a falta de doutrinação da população
local sobre os rudimentos mais elementares do catolicismo ultramontano, fatos que parecem
constituir o motivo pelo qual é cogitada a possibilidade de abandonar esta região.
Ainda nesta mesma crônica, tal intenção de deixar as casas sul mineiras é reafirmada
quando este nos coloca que “Dopo tutto lo ha detto Gesù Cristo medesimo ai suoi Apostoli:
“Se non vi riceveranno in uma città, andate in un’altra; e scuotete contro i ribelli alla grazia
fin pur la polvere de’ vostri calzari.”302
Nestes escritos, muito chamou nossa atenção o modo como o missionário explicita a
possibilidade de abandono das paróquias e a facilidade com que este associa tal projeto com a
forma pela qual essas populações vivenciavam sua fé, especialmente por ocasião das festas
religiosas locais. Mais que apenas cogitações, tais pretensões parecem ter ganhado relevo,
pois a este respeito, é interessante observarmos o conteúdo de uma carta encontrada no
Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre, que trata de uma resposta da Sagrada
Congregação dos Religiosos de Roma 303 ao bispo Dom Assis, de Pouso Alegre. Esta
correspondência é datada de 8 de janeiro de 1912, e nela podemos ver que:

Esta Sagrada Congregação examinou cuidadosamente a petição


dos Padres da Ordem Carmelita, pela qual seroga a faculdade de
deixarem as paróquias de Córregoe de Cambuí e regressarem a Itália. No
Congresso do dia 5 de janeiro de 1912, atentos a tudo o que diz respeito
a questão, consentiu responder, por certo, conforme se manifestará. O
Revmo. Bispo procure encontrar outros homens religiosos, em lugar dos
Reverendíssimos Padres Carmelitanos, aos quais se dá a permissão de se
retirarem. 304 (grifo nosso)

A menção à realização de um congresso em 5 de janeiro de 1912, quando este assunto


foi discutido, demonstra que a carta de solicitação, que não temos em mãos, provavelmente
foi enviada ainda em fins de 1911, portanto, pouco tempo depois da publicação da crônica de
302
DORELLI, E., Loc. Cit. “Depois de tudo, disse Jesus Cristo aos seus apóstolos: Se não vos recebeis em uma
cidade, andeis a uma outra e agitais contra os rebeldes à graça o pó dos vossos calçados.” (tradução nossa)
303
Instituição que tem por função ocupar-se de tudo o que diz respeito às Ordens e Congregações Religiosas.
304
Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre. Carta Ex Secretaria Sacrae Congregationis de Religiosis Nº
6283 In responsione hic numera refereatur. Roma: 08 de Janeiro de 1912. Tradução do Padre Júlio Perlatto.
94

frei Dorelli, da qual nos utilizamos anteriormente. Isso nos leva a crer que a possibilidade de
abandonar a missão já era cogitada a nível local entre os membros da comunidade teresiana,
ainda nos primeiros meses após sua chegada ao sul de Minas Gerais.
Sobre este assunto, nada encontramos nas atas dos Definitórios da Província Romana
que pudessem apontar para mais detalhes deste projeto. No que se refere à resposta por parte
da Congregação dos Religiosos, apesar do deferimento ao pedido feito, não pudemos
encontrar nada que nos fornecesse subsídios para saber por que a permissão não foi cumprida.
De fato, os descalços permanecem nas referidas localidades até 1922.
Acreditamos, pois, que a alternativa de abandonar a missão apontada por frei Dorelli e
a solicitação enviada à Sagrada Congregação dos Religiosos para que a retirada do grupo se
efetivasse, devem ser vistos como sinais da insatisfação do primeiro grupo de religiosos com
a realidade das duas paróquias e, neste caso, a razão para tal parece residir em grande medida,
no modo como essas populações vivenciavam sua fé, principalmente vistas no culto aos
santos tradicionais e suas festas religiosas, ação que demonstra também a insegurança e
fraqueza do grupo de teresianos frente à força do catolicismo local, que continuamos a
conhecer.
Ao pretendermos afirmar esta percepção, lembramos o que a este respeito nos
apresenta Alexandre José Gonçalves Costa, quando em seu trabalho intitulado Frades na
Cidade de Papel: A Ação Social Católica em São João del Rei (1905-1925), analisa as
tensões e os conflitos gerados a partir da chegada dos frades “reformadores” da Ordem
Franciscana holandesa a São João Del Rey, em 1904. Ao abordar o posicionamento de um
religioso desta Ordem, manifestando-se na imprensa local sobre as práticas religiosas da elite
e da população de São João del Rei, Costa nos mostra o grande distanciamento entre as
práticas católicas locais e aquelas portadas por tais religiosos, o que nos ajuda também a
pensar nos teresianos que aqui atuaram:

A religião consistia quase só em festas, que eram celebradas com


muita pompa, abrilhantadas por música não litúrgica, porém bem
executada. (...) É lógico que, pela pouca recepção dos Sacramentos, a
moral e os costumes haviam piorado.305

305
COSTA. A. J. G. Frades na Cidade de Papel: A ação social católica em São João del Rei (1905-1925).
Dissertação de Mestrado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, 2000.
95

João Fagundes Hauck, ao comentar o choque cultural que muitas vezes era verificado
entre os portadores do “catolicismo institucionalizado” e o de “devoção pessoal”, nos afirma
que este estranhamento aconteceu pois:

As numerosas festas religiosas eram um meio eficaz de amalgamar


crenças provenientes de fontes muito diversas: tradições portuguesas
carregadas de folclore peninsular medieval, práticas animistas e
fetichistas de índios e africanos, tudo se misturava numa religiosidade
que os estrangeiros mais benévolos não conseguiam entender. Na Igreja
brasileira não há o que possa causar espanto: está fora de todas as
regras.306

A força, a diversidade e a popularidade das práticas religiosas aqui vivenciadas e


apontadas por frei Dorelli e a vinculação destas ao desejo de abandonar esta região, a resposta
positiva para os teresianos poderem executar tal projeto, aliados à experiência de frei Bindi,
parecem mesmo querer apontar para uma estupefação deste religioso com as práticas
religiosas vivenciadas por estas populações em 1911. Mas passado o primeiro choque e
abandonada a intenção de deixar as referidas paróquias, como passam os teresianos a lidar
com estas manifestações religiosas? Se avançarmos nos anos, entenderemos melhor esta força
do culto aos santos tradicionais e como se inicia o esboço de uma tentativa de intervenção dos
teresianos sobre muitas das festas religiosas locais.
Já em 1912, frei Bindi, em Córrego do Bom Jesus, registra que as festas do Bom Jesus
(6 de agosto) e de São Sebastião (realizada em 10 de janeiro), ocorreram com novena. Embora
a introdução de uma novena possa à primeira vista parecer um avanço dos teresianos, é
preciso, pois, nos aprofundarmos naquilo que frei Bindi sobre isso registra.307
Ao frisar a realização da festa de São Sebastião fora de sua data oficial, que a situa em
20 de Fevereiro, conforme estipulado pela Pastoral Coletiva de 1911308, frei Bindi nos oferece
motivos para desconfiar do controle clerical integral sobre tal folia. No caso da festa do
Senhor Bom Jesus, sabemos que esta, no ano anterior, aconteceu sem contar nem mesmo com
um tríduo, fato que faz a introdução da novena ser muito valorizada pelo superior Bindi.

306
HAUCK, J. F. A Igreja na Emancipação, In: BEOZZO, J. O. (et. al.) Op. Cit., p. 17.
307
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 13.
308
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 184.
96

Não podemos, contudo, acreditar que a simples introdução de novenas significou uma
alteração substancial no modo como essas populações então vivenciavam as festas religiosas
locais, pois já em 1907, através de registros efetuados no Livro do Tombo de Cambuí,
observamos que, embora a festa de São Sebastião nesse ano tenha sido celebrada com novena,
e na data “correta”, contou com muitos traços típicos da religiosidade festiva e social de
então, com alvorada, salva de tiros, procissão, missa cantada ao som de uma “grande
orchestra”, sermão e sorteio dos festeiros para o próximo ano, sendo que todos os atos foram
acompanhados de grande pompa.309
Ora, tal exemplo não parece constituir um caso isolado nestes anos, pois é interessante
notarmos que, no âmbito da diocese, somente a prescrição aos párocos de orientações para
tentar “santificar” as festas religiosas locais não surtiu o efeito esperado, pois em 1913, no
quarto ano do episcopado de Dom Assis, o bispo promulga um mandamento diocesano cujo
objetivo é aquele de, por meio da criação de uma comissão paroquial, reformar as festas
religiosas no âmbito do bispado.

2.5- Finalmente, o Mandamento Diocesano de 1913

Ao nos determos na justificativa apregoada pela autoridade diocesana para pretender


instituir em cada paróquia do bispado uma comissão destinada a reformar as festas religiosas
locais, percebemos que esta iniciativa teve várias motivações, conforme vemos a seguir:

Impondo-se a uniformidade de acção e considerando a urgencia


que ha em se promover, o quanto possivel, a honra e o esplendor das
festas religiosas neste Bispado; considerando a importancia que delas
resulta para o augmento da fé e piedade dos fieis que assistem a essas
manifestações do culto divino; considerando quanto, ainda, de animação
e encorajamento ha nellas para perpetuar-se a tradição catholica nas
parochias e conservarem-se no meio do povo a sã doutrina e os bellos
costumes christãos, e quanto de gloria finalmente nella se tributa a
Deus:310

309
APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 37v.
310
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 13v.
97

Tais colocações diocesanas nos confessam que o quadro até então observado nessa
região, no que diz respeito ao modo como as festas religiosas eram organizadas e vivenciadas,
não estava próximo daquela situação ideal reivindicada pela Igreja romana, e também nos
apontam para o reconhecimento do bispo sobre a importância destes eventos como ocasiões
privilegiadas para se afirmar a força da religião católica, afirmação esta que se fazia
necessária à Igreja Católica frente ao avanço de outras religiões e frente ao Estado laico.
Neste ponto, é interessante observarmos que Martha Abreu, em seu estudo Império do
Divino, ao abordar a influência da reforma da Igreja sobre as festas religiosas no Rio de
Janeiro no século XIX, nos assevera que a política reformadora, em um contexto marcado
pela luta contra o protestantismo, a maçonaria, o liberalismo e o anticlericalismo, se
posicionou com cautela em relação às festividades do catolicismo leigo. Deste modo, o
episcopado brasileiro passou a reconhecer a importância da realização das festas populares
como expressão do culto católico no país, admitindo que essas festas constituíam-se em uma
expressão do catolicismo local, e constante reafirmação da identidade católica brasileira, além
de constituírem-se em importantes veículos pedagógicos. Porém, a hierarquia pregava a
necessidade de sacralizar essas festas, pois estas deveriam ser “purificadas” dos elementos
profanos e pagãos, e principalmente dos distúrbios advindos do excesso de bebidas e jogos, o
que se daria através de um processo de controle de sua realização. 311 Segundo a mesma
autora:

A possibilidade de só se condenarem alguns aspectos das festas


religiosas e do culto exterior, valorizando outros, como as autenticas
atitudes do sentimento religioso e da devoção popular, manifestadas na
grande concorrência do publico às festas, às visitas às igrejas, às
romarias e às esmolas, permitia espaço para uma expressiva tolerância
em relação às grandes manifestações de Fé populares. Abrindo um
enorme manto sobre elas, garantia a presença de um numero expressivo
de fieis nas ruas em determinadas ocasiões de festa, um oportuno
momento para demonstrar a força do catolicismo. 312

311
ABREU, M. O Império do Divino. Festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. (Col.
Histórias do Brasil). Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: FAPESP, 1999, p. 328-329.
312
Ibidem, p. 329.
98

É sob esta ótica que também podemos ver o projeto deste mandamento diocesano de
1913, e se nos detivermos sobre este regulamento, poderemos compreender mais sobre o
catolicismo local e a atuação teresiana.
Tal projeto diocesano propunha a criação de uma associação destinada a católicos de
ambos os sexos, e cuja filiação se daria a partir da inscrição, por parte do leigo, de seu nome
em um livro de alistamento, que devia conter a relação daqueles que iriam concorrer à
incumbência de promover as festividades religiosas da paróquia durante o ano, sob a
presidência do vigário, a quem é assegurado o posto de Presidente Paroquial. 313
Deste modo, propunha a autoridade diocesana, em verdade, criar em cada paróquia,
uma associação composta por doze provedores designados para tais funções pelo vigário
(número que aqui nos lembra o número dos Apóstolos), grupo este que compunha a mesa
administrativa desta entidade. Estes, no entanto, não agiriam sozinhos, pois o mesmo
regulamento estipula como tarefa de cada provedor aquela de indicar doze cooperadores, que
por sua vez, e com consentimento da mesa, deveriam buscar, individualmente, o auxílio de
trinta contribuintes, mecanismo este que nos revela a grande ambição deste instrumento de
estender a influência da Igreja na paróquia.314
Notamos que a estratégia da autoridade diocesana é alcançar por meio da cooptação,
um grande número de aliados que, uma vez engajados na associação, deveriam trabalhar para
que o regulamento fosse executado e, por conseguinte, para efetivar um controle do clero
local sobre a organização das festividades religiosas locais.
Essa estratégia se revela ainda mais audaciosa ao pretender submeter todas as
festividades à aprovação do clero local e da autoridade diocesana, ação esta que deveria
limitar, em grande medida, a ação de irmandades e leigos, como veremos.
Com efeito, pregavam os mencionados estatutos que o vigário, na função de presidente
desta entidade, deveria organizar “com antecedência de um mês, antes de cada festa”, uma
reunião dos provedores, cujo objetivo principal é aquele de realizar o sorteio de dois membros
responsáveis pela execução da referida festa.315
Para cada festa, pois, deveriam ser sorteados dois provedores, aos quais cumpriam
fazer o orçamento, organizar o programa e prestar contas, submetendo tudo à aprovação do
vigário. Neste ponto, torna-se claro também que os provedores escolhidos só poderiam sair do
grupo já instituído do mandamento, portanto, pessoas escolhidas a dedo pelo clero local, o

313
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p.14.
314
Ibidem, p. 13v-16v.
315
Ibidem, p. 14v.
99

que denota uma óbvia tentativa de centralizar o poder de decisão nas mãos do vigário e
relegar ao leigo um papel secundário.316
Embora este estatuto não limite o número de festividades religiosas, estabelece que a
realização das festas paroquiais estaria vinculada a duas autorizações eclesiásticas. Declara
este regulamento que, anualmente, devia ser apresentado pelo vigário à autoridade diocesana
um requerimento informando o número de festividades que deveriam ser realizadas na sua
paróquia no decorrer do ano. A relação destes festejos deveria considerar as “necessidades
espirituaes e tradição religiosa, afim de que se dê approvação diocesana”.317
Porém, antes da aprovação diocesana, tornava-se necessário que estas festas tivessem
o consentimento do vigário, que iria avaliar o orçamento e a programação de cada festividade.
Se aprovadas, estas seriam celebradas com recurso próprio de cada comunidade, após obter
uma licença diocesana para cada uma delas. 318
Ao observarmos as funções do vigário nesta comissão, entendemos que a hierarquia
buscava, mais uma vez, centralizar o poder nas mãos do clero, o que pode ser evidenciado
através da descrição das funções reservadas ao vigário e leigos nas funções de zeladores,
cooperadores e contribuintes.
De fato, entre as principais atribuições do pároco estão as tarefas de requerer uma
autorização diocesana para realizar cada festa, avaliar e aprovar o orçamento e a programação
destes festejos elaborado pelos provedores leigos, tornar público aos paroquianos os nomes
dos provedores sorteados para promover cada festa e também a programação de cada
festividade, requerer dos provedores, no prazo estabelecido a prestação de contas de cada uma
das festas, e distribuir no fim de cada ano aqueles paroquianos que possuírem os requisitos
prescritos pelo regulamento, os títulos de provedores e contribuintes para o próximo ano.
Além disso deve o pároco congratular publicamente na igreja aqueles fieis que estão
engajados nesta entidade pelos serviços realizados, pelos quais deve ainda celebrar uma missa
e, finalmente, lembrar ao tesoureiro desta entidade seu dever de repassar à matriz o percentual
que lhe é devido, mecanismos vistos aqui como estratégias de cooptação dos fieis, como meio
de controlar os recursos financeiros movimentados pelas festas paroquiais, e ainda de
melhorar as condições das matrizes e da diocese.319

316
Ibidem, p. 13v-14.
317
Ibidem, p. 14.
318
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit.
319
Ibidem, p. 15-15v.
100

Ao mesmo tempo, este documento reserva aos leigos funções de pouca importância,
ou atividades rigidamente controladas pelo clero, uma vez que os zeladores têm como função
principal aquela de “garantir, o mais que lhe fôr possível, o patrimônio certo e anual das
festividades” além de escrever as atas das reuniões, zelar pelos livros da provedoria, guardar o
dinheiro das festividades agora devidamente registrado, e encaminhar a prestação de contas,
entre outras.320
Por sua vez, aos cooperadores cabe arrecadar dos contribuintes e repassar ao seu
provedor a quantia que estes tiverem coletado. Por conseguinte, podemos perceber que aos
contribuintes cabe simplesmente a tarefa de auxiliar financeiramente esta associação.
Convém ainda estarmos atentos ao fato de que ao discorrer sobre os direitos que as
pessoas adquiriam ao servir a associação, tal documento prevê a concessão de “títulos
especiais” aos leigos que atuarem como provedores, aos quais pelo mesmo motivo, serão
garantidos lugares distintos na igreja durante celebrações e atos religiosos, quando usam de
capa e do símbolo do Santíssimo Sacramento. Estes ainda detêm a prerrogativa de levar
durante as procissões as varas do pálio. Aos cooperadores, por sua vez, também foram
previstos títulos e a utilização durante os atos religiosos de capas de seda vermelha com o
símbolo da Custódia.321 Os benefícios aos aliados não se limitavam a estes. O estatuto ainda
previa a utilização de recursos financeiros que poderiam ser pagos aos cooperadores como
bonificação, e que poderiam por isso receber até 10% da quantia angariada dos trinta
contribuintes.322
Sobre este projeto, observamos ainda que os títulos deviam ser entregues ao leigo em
novembro e devolvidos por estes à direção da associação ao fim do mês de dezembro.323 Não
obstante à criação de todos estes privilégios, a Igreja parecia estar ciente da dificuldade que
representaria pôr em movimento tal mecanismo. Assim, concedia ao pároco a possibilidade de
instituir tal comissão com 6 membros, diante da dificuldade de criá-la com 12.324
Não se limitando a este fato, observamos importantes determinações. Dentre estas, a
preocupação com a utilização dos recursos recolhidos por festeiros ou associações religiosas
para as devoções e a forma como estes eram angariados ganham relevo no estatuto, que prevê
a obtenção de licença para se poder arrecadar recursos financeiros em nome das “corretas
festividades”, sendo que, de acordo com o disposto no Artigo XXIV, “Ficam d’ora avante,

320
Ibidem, p. 15v-16v.
321
Ibidem, p. 16-16v.
322
Ibidem, p. 16v.
323
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit.
324
Ibidem, p. 16v.
101

absolutamente prohibidas as chamadas folias, bem como o uso de bandeiras ou symbolos


religiosos para angariar donativos.”325
Consideramos que tal proibição pretendia cercear o poder e influência dos leigos que
controlavam os recursos financeiros, movimentados por ocasião das festas de santos, e ainda
coibir a prática então corrente entre os leigos de beijar as bandeiras, ato visto pela Igreja como
pouco higiênico e que deveria ser evitado.
No que se refere à renda obtida com tais festejos, deveria permanecer na matriz a sexta
parte dos recursos gerados.326 Não obstante, ao tratar da utilização dos recursos financeiros
movimentados durante as festividades religiosas, o mesmo regulamento recomenda aos
párocos atenção e moderação no gasto destes saldos, o que deveria acontecer a fim de
melhorar as condições da “Fábrica da Matriz”, sendo que de agora em diante: “Art. XXIII –
Fica absolutamente phohibido empregar o dinheiro angariado para festa em usos profanos,
como sejam: banquetes, bailes, bebidas para o povo, congados, etc.”327
Estas práticas já sinalizadas por Dom Assis por ocasião da festa do Senhor Bom Jesus
de 1911, figuravam como hábitos comuns nas descrições de frei Dorelli sobre algumas das
principais festas locais realizadas em Cambuí em 1911. Mais que sinalizar para o “desperdício
de dinheiro” que poderia ser gasto com a Igreja, tal recomendação visava inibir os excessos
causados principalmente pelo consumo imoderado de bebidas, tratado por frei Dorelli em
Cambuí como “libações de pinga”, que comumente podiam ocasionar brigas e outros
distúrbios. Não se limitando a estas deliberações, veremos ainda adiante que outro artigo
incide sobre aspectos primordiais do catolicismo local, ao estipular que, de agora em diante,
“as festas dos santos ou commemorativas de qualquer mysterio devem ser celebradas no dia
próprio, salvo impedimento ou motivo grave, o que deve ser exposto na petição feita ao Bispo
Diocesano.”328
A existência de outros elementos considerados profanos também chama nossa atenção.
Importante parte destas festividades, os leilões recebem menção especial, pois estes “não
poderão ser feitos durante as ceremonias religiosas e nem dentro da Igreja, em hypothese
alguma.”329

325
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 15.
326
Ibidem, p. 14v.
327
Ibidem, p. 15.
328
Ibidem, p.14v.
329
Ibidem, p. 15.
102

Finalmente, elemento de suma importância dessas práticas religiosas, a música figura


neste estatuto como ato merecedor de atenção e cuidados reformadores. Assim, ao referir-se à
música, o documento nos apresenta que:

Art. XIX – Apezar das faculdades que tem esta Diocese de não pôr
já em pratica o Motu Proprio de SS. O Papa Pio X sobre musica sacra,
mandamos aos Rvdos. Vigarios e sua Provedoria que procurem eliminar
as musicas inconvenientes e melhorem, por todos os meios á seu alcance,
a parte musical das festas religiosas, havendo caracter mais sacro. 330

De fato, o trecho que reproduzimos acima nos evidencia que a Diocese de Pouso
Alegre dispôs, também ela, de concessões perante a Santa Sé, e mais uma vez, os motivos de
tais atos são a constatação da força dos leigos e a dificuldade de se universalizar medidas em
contextos tão diversos como o sul mineiro.
A execução de tais disposições, como estas se enunciam no mandamento diocesano
como acabamos de ver e em grande medida, no Motu Proprio Tra Le Sollicitude de Pio X
sobre a música sacra (que visou entre outros reestabelecer o canto gregoriano em atos
religiosos, proibindo nestes o canto em “língua vulgar”, a presença de bandas musicais e de
“instrumentos fragorosos” em templos religiosos, conforme veremos melhor no terceiro
capítulo)331, teriam atingido muitas das práticas da religiosidade dos leigos, tais como estas
eram praticadas também em nossas paróquias, mas são os próprios religiosos italianos e
autoridades diocesanas que nos informam que tal não se deu conforme previsto.

2.6- As Táticas332 Festivas do Laicato

Com efeito, focando-nos nos dados que nos permitem continuar a acompanhar o modo
pelo qual as festas locais foram realizadas a partir da promulgação do mandamento diocesano
de 1913 até o final da gestão teresiana dessas paróquias, é interessante notarmos que, longe de

330
Ibidem, p. 14v.
331
PIO X. Motu ProprioTra Le Sollicitude do Sumo Pontífice Pio X sobre a Música Sacra. Disponível em:
<http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/motu_proprio/documents/hf_p-
x_motuproprio_19031122_sollecitudini_po.html>. Acesso em: 12 set. 2013.
332
CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994, pp. 99-100.
103

ter sido observado integralmente, a execução de muitas das orientações presentes neste
estatuto nem mesmo sucedeu por meio da criação de uma associação.
Em referência à Cambuí, um registro anotado no Livro do Tombo por frei Mauro,
(sucessor de frei Dorelli, que assume a paróquia dia 15 de junho de 1913), nos informa que,
aos 30 de junho de 1913, este religioso conseguiu obter da autoridade diocesana uma licença
de um ano de prazo para poder executar tal mandamento. Ora, se lembrarmos que tal estatuto
concedeu ao pároco a possibilidade de instituir tal comissão com apenas 6 membros diante da
dificuldade de criá-la com 12, então podemos crer que a razão da petição de tal licença foi,
como mencionado no próprio estatuto, “motivo de força maior.”333
Em Córrego, a este respeito, frei Bindi, conforme já sinalizamos, nos informa no
Relatório Anual de 1913 que:

(...) também ficou parada a Comissão de Guarda de honra do


SSmo. Sacramento, estabelecida conforme o Mandamento Diocesano
para promover com a devida honra e esplendor as festas religiosas das
parochias do Bispado, por falta de recurso e por pobresa e estreiteza do
lugar. 334

Nos anos conseguintes, até 1922, nas duas localidades não encontramos nada que nos
levasse a crer que a fundação de uma comissão de provedores, cooperadores e contribuintes se
efetivou, pois a criação desta agremiação não foi registrada pelos teresianos em ambas as
localidades. Nem mesmo a criação de tal comissão com seis provedores foi possível. Porém,
estamos cientes de que a não constituição de uma comissão por si só não significa que as
disposições neste regulamento contidas não foram trabalhadas pelos religiosos.
As anotações da autoridade diocesana no período de gestão teresiana e os dados que
encontramos nos Livros do Tombo nos evidenciam que, no decorrer da referida gestão,
acirraram-se as disputas em torno da organização das festas religiosas locais.
Com efeito, apesar da orientação diocesana e da publicação do mandamento
diocesano, o laicato, organizado ou não em associações religiosas, continuou a desafiar as
autoridades diocesanas. Este embate ora deu-se de modo velado e ora de forma aberta,
conforme veremos.

333
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 16v.
334
Ibidem, p. 19v.
104

Em Córrego, em 1913, de acordo com frei Bindi, as festas do Senhor Bom Jesus e de
São Sebastião ocorreram com novena 335 , enquanto a festa de São José aconteceu com
“relativo tríduo”336, e a festa do Espírito Santo com “relativa novena”337. Se tal relatório neste
ano não nos fornece mais informações sobre tais eventos, ou seja, data de realização destas
festas e modo de organização e de experimentação por parte da população destes eventos, e
ainda, se o emprego do termo relativo parece não diferir do emprego que este teve ao ser
utilizado para apontar a forma mista e negociada pela qual algumas das festas reformadas
foram celebradas nesta localidade, é no ano posterior que podemos descortinar tal panorama.
No relatório anual de 1914, frei Bindi compartilha conosco dados importantes para
podermos pensar como aconteceu em Córrego do Bom Jesus a intervenção teresiana sobre as
festas religiosas. Assim, neste ano, já não fazendo questão de esconder o que via, o italiano
aponta para a existência de um calendário peculiar:

1 Os Actos da Semana Santa


2 A Festa de S. Sebastião (10 de Janeiro)
3 A do Padroeiro Sr. Bom Jesus ( 6 de Agosto)
4 A de S. José (8 de Agosto)
5 A do Divino Espírito Santo ( 7 de Agosto )
6 A de S. Benedito ( 27 de Julho )
7 A do Mez de Outubro 338

A facilidade de associar diferentes denominações religiosas, além de nos evidenciar a


predominância de devoções do catolicismo local, ainda nos aponta para a existência de festas
em datas alheias àquelas reservadas a estas pela Igreja, o que contraria importante
determinação do mandamento diocesano de 1913, conforme tivemos oportunidade de analisar
anteriormente.
É assim que observamos a festa de São Sebastião, realizada não em 20 de janeiro 339,
mas em 10 deste mês; a festa de São José, que acontece de acordo com a Igreja, em 19 de
março, e que em Córrego, foi realizada nesse ano, em 7 de agosto; a festa do Divino Espírito

335
Ibidem, p. 19.
336
Ibidem, p. 19v.
337
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit.
338
Ibidem, p. 22.
339
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 184.
105

Santo, celebrada pela Igreja em 1914 em maio, e que em Córrego aconteceu em 7 de agosto e;
a de São Benedito, realizada em 13 de maio, e celebrada em Córrego em 27 de Julho340.
À luz do mandamento diocesano do ano anterior, podemos supor que tais festividades
fora de suas datas oficiais não obtiveram a apregoada autorização do vigário e da autoridade
diocesana, donde somos levados a crer que muitas destas foram organizadas de acordo com as
necessidades dos leigos locais. Isso se torna claro quando percebemos que muitas das
referidas festividades orbitam ao redor da grande Festa do Senhor Bom Jesus, o que nos
parece como uma tentativa de prolongar a festa principal e de destaque regional.
De modo similar, no ano seguinte, em 1915, o Relatório Anual de frei Bindi registra
com poucas variações tal calendário festivo, onde podemos notar mais uma vez a flexibilidade
e mobilidade das datas e a facilidade dos leigos ao organizar e manipular suas festas, o que é
atestado pela realização da festa de São José, em 7 de agosto, e a do Divino, em 8 deste
mesmo mês341. Curiosamente, nesta anotação, de todos os seis eventos relacionados, somente
o Mês de Outubro contém uma menção de como tal festa teria ocorrido, na ótica de frei Bindi.
Ao nos afirmar que esta teria ocorrido conforme mandamento diocesano, no entanto, é o
próprio frei Bindi que nos confessa que as outras festas tradicionais não o foram, tendo estas
continuado sob o controle dos leigos e longe do modelo de festividade religiosa da Igreja.
No próximo ano, tal cenário nos evidencia um fato de grande importância: a
organização de duas festas do Divino, uma ao gosto dos leigos, em 7 de agosto, logo após a
festa do Bom Jesus, e outra “oficial”, que contou com novena e aconteceu de acordo com frei
Bindi, no dia de Pentecostes, segundo a Pastoral Coletiva de 1911.342
Já em 1917, foi registrada a persistência dos leigos em promover a festa de São
Sebastião em 10 de janeiro, enquanto a realização da festa do Divino aconteceu no dia de
Pentecostes, com novena, ação que aponta para a disputa e para o momentâneo avanço dos
teresianos sobre essa festividade.343
Tal posição não duraria muito, pois no ano seguinte, em 1918, a festa do Divino volta
a acontecer fora do dia de Pentecostes, que naquele ano caiu em 19 de maio, o que faz com
que o registro de sua realização em 27 de maio a situe fora do calendário oficial da Igreja. 344
Não obstante, a festa de São Sebastião permaneceu no dia 10 de janeiro, contrariando mais
uma vez o mandamento diocesano de 1913 e a Pastoral Coletiva de 1911. De caráter inédito

340
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 22.
341
Ibidem, p. 26.
342
Ibidem, p. 41.
343
Ibidem, p. 43.
344
Ibidem, p. 45.
106

até então, é nesse ano que temos pela primeira vez menção à festa de São Benedito em 13 de
maio. Já no que se refere à grande festa do Senhor Bom Jesus, em 1918, frei Bindi reporta
pela primeira vez outra situação conflituosa verificada neste evento: o jogo de azar, que
acontece durante as novenas da festa. Trata-se da ocorrência “de jogo livre e franco de toda
qualidade”, que acontece “num rancho situado no centro da freguesia, terreno do patrimônio,
contra as ordens da autoridade diocesana e os protestos do Rev. Vigário.” De acordo com
frei Bindi, tal prática deve sua organização ao “chefe político local, que tem seu lucro e
interesse.”345
Não é novidade que muitas das festas religiosas ali realizadas estavam sob a proteção e
eram promovidas por muitos fazendeiros e detentores de altas patentes da antiga Guarda
Nacional, cujos títulos de maior prestígio também nesta região, assim como o apontado por
Maria Isaura Queiroz, continuaram a ser usados como forma de tratamento e diferenciação
social, muito tempo depois da extinção do regime monárquico.346
Esta “profanidade” do jogo não encontrou solução tão cedo e, se voltarmos a
acompanhar o movimento das festas, entenderemos como isso aconteceu. Com efeito, em
1919 a festa do Divino Espírito Santo realizou-se no dia de Pentecostes, isto é, 8 de junho,
ano em que verificamos novamente a festa de São Benedito em 13 de maio. 347
Finalmente, de 1920 até 1921, os relatórios de frei Bindi perdem vigor e não reportam
mais com o mesmo número de detalhes os acontecimentos da paróquia. Em 1919, o
paroquiato de Córrego foi suspenso e os religiosos que até então habitavam ali passaram a
viver na matriz de Cambuí.
A transferência dos frades diminui, naturalmente o alcance das medidas
disciplinadoras destes sobre muitas das práticas verificadas nas festas de santos locais, e na
tentativa de sondarmos esses últimos anos, mais uma vez recorremos à leitura dos termos de
visitas pastorais, na esperança de nelas encontrar alguma informação sobre as festas religiosas
nesse período, observadas pela autoridade diocesana.
De fato, no termo deixado por Theophilo Guimarães, visitador diocesano, em visita
finalizada em 7 de agosto de 1915, ocasião da festa, encontramos novamente orientações que
visavam impor aos teresianos a execução de medidas cujo teor era de controlar a festa, dados,

345
Ibidem, p. 45v.
346
QUEIROZ, M. I. P. de. O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira e Outros Ensaios. São Paulo:
Alfa-Omega, 1976, p. 164.
347
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 50v.
107

contudo, que atestam também a persistência do leigo em gerir essa festividade com suas
práticas consideradas nem sempre corretas pela Igreja.
É assim que, ao referir-se a essa festa, mas também querendo estender tal orientação às
demais festividades, o visitador registra que compete ao vigário esforçar-se para que “o
dinheiro dado pelo povo para as festas religiosas não seja gasto em comidas, bebidas e
outras coisas inúteis” e ainda estimular constantemente os leigos à prática da comunhão. No
mesmo sentido, anota ainda o visitador diocesano que devia chamar o “Revmo. Vigario a
attenção dos seus parochianos para a pobreza desta Egreja e para o esbanjamento de
dinheiro que aqui se faz nas festividades religiosas em prejuízo da mesma.”348
Tal repreensão do representante da autoridade diocesana nos sinaliza para o
descumprimento de duas determinações centrais do mandamento diocesano de 1913, cuja
persistência continua a se manifestar não obstante as tentativas e estratégias de cercear o
poder leigo: a organização de banquetes e o esbanjamento com os recursos angariados para a
celebração das festas religiosas, dinheiro que a partir de agora deveria ser destinado para
melhorar as condições da fábrica e da Diocese de Pouso Alegre, conforme já vimos.
No caso da visita pastoral de 1919, nenhum dos registros efetuados pelo então bispo
Dom Chagas de Miranda mencionou a presença da distribuição de comida, mas nos revela
que a autoridade diocesana, no dia 10 de setembro, conclamou os principais senhores desta
região para se reunirem a fim de tratar da inconveniência do jogo de azar. Nesta ocasião, foi
registrada a presença do Dr. Carlos Cavalcanti, juiz de direito de Cambuí e nesta reunião “(...)
ficou resolvido, de acordo com todos, abolir a jogatina nas festas do Bom Jesus, combinado-
se as medidas necessárias para isso, especialmente a demolição do rancho que era occupado
pelas bancas do jogo.”349
Apesar desta cooperação, é interessante notarmos que o fim do jogo só se efetuou em
1923, um ano após a saída dos teresianos do sul de Minas Gerais. É o que nos apresenta uma
matéria intitulada “Festa sem jogo”, publicada no Jornal Semana Religiosa, órgão oficial da
Diocese de Pouso Alegre, em 25 de Agosto de 1923, e que nos assevera que, em 1921 e em
1922, durante a festa do Senhor Bom Jesus do Córrego tal prática do jogo foi suprimida a
partir da intervenção policial.
Neste ponto, podemos ver novamente que a guiar a iniciativa teresiana de buscar
auxílio político, está a orientação diocesana, e não só isso. Em 1919, é interessante notarmos o
estabelecimento de uma cooperação entre os religiosos italianos e a máxima autoridade da
348
Ibidem, p. 24v-25.
349
Ibidem, p. 47.
108

Comarca de Cambuí, na pessoa do Dr. Carlos Cavalcanti, contra uma prática sustentada nessa
localidade por “coronéis”.
Ainda que não seja nosso objetivo nos aprofundarmos sobre tal relação, é ela que nos
relembra que, por detrás da promoção de algumas das práticas religiosas locais, estavam os
maiores senhores rurais do lugar, e até os primeiros anos da década de 1910, o próprio Juiz de
Direito, Dr. Carlos Cavalcanti, que, contudo, teve carreira interrompida por disputas políticas
com os coronéis de então, a quem se atribui seu assassinato em 1922.350
Já no caso de Cambuí, não pudemos encontrar com a mesma regularidade o registro de
dados que nos informam as tensões verificadas em torno da organização das festas religiosas.
Esta paróquia foi administrada no período de 1911 até 1922 por cinco religiosos que, cada um
a seu modo, e contando com ajudantes ou sozinhos, imprimiram sua marca nas atividades ali
realizadas e nos registros efetuados junto aos livros paroquiais.
É assim que nesta paróquia, não podemos observar a transcrição no Livro do Tombo
de relatórios anuais regulares, que nos permitam acompanhar durante o decorrer da década o
movimento das festas em devoção aos santos tradicionais nesta localidade. De fato, se nos
abundam dados sobre o primeiro ano, quando eram frequentes as descrições de frei Dorelli
sobre as festas religiosas, a partir de 1912 estes dados se rareiam.
Deste ano até 1922, escassos e pobres são os registros que nos sinalizam algo sobre as
festividades religiosas locais. É, pois, no Movimento Parochial de 1916 que tomamos
conhecimento que, neste ano, a bênção do Santíssimo Sacramento foi feita também no
novenário do Carmo, no setenário do Divino, no novenário e na Festa de S. Sebastião 351 ,
registro que, ainda que austero e desprovido de maiores dados, nos mostra que três das
principais festas locais contaram com o acompanhamento de novenas e um setenário.
Finalmente, o último registro sobre as festas religiosas nesta localidade foi feito por
frei Nicolò, em 30 de abril de 1918, que nesse ano registra no Livro do Tombo um relatório
anual, onde informa que foram celebradas as festas de São Sebastião em 20 de janeiro, a de
Nossa Senhora do Carmo em 16 de julho, e uma novena com terço no dia do Divino Espírito
Santo.352

350
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 91v-92v. Dom Chagas de Miranda, em visita pastoral realizada à
Cambuí em Abril de 1923, noticia e relata como ocorreu na sua visão, o assassinato do Dr. Carlos Cavalcanti,
episódio que aconteceu na Praça Matriz de Cambuí, no dia 5 do referido mês.
351
Ibidem, p. 83v.
352
Ibidem, p. 84.
109

Mas podemos acreditar que o registro austero destes eventos, somente com a menção
do acompanhamento das novenas, constituiu-se em indicativo confiável de uma mudança de
percepção e do modo pelo qual essas populações vivenciavam estas ocasiões?
No termo da visita pastoral de 1914, realizada em Cambuí pelo visitador Theophilo
Guimarães em 20 de junho de 1914, nos deparamos na parte de recomendações com o
seguinte aviso “1) Cumpra-se os mandamentos anteriores na parte que ainda não o
foram.”.353 Ora, estes mandamentos incluem o regulamento sobre as festas?
O certo é que não podemos afirmar tal fato, e os dados dos anos vindouros muito
pouco nos ajudam com tal questão. Procuramos, pois, nos termos das visitas pastorais de 1915
e 1919 por recomendações ou observações que nos informassem das festas ou do regulamento
sobre as festas religiosas, mas em ambas nada foi encontrado.
O que estes dados até aqui vistos nos podem indicar? Teria a reforma das festas
religiosas sido implementada pelos teresianos, ainda que a criação de uma comissão
específica destinada a reformar estes eventos não tenha sido registrada?
Tal ação, contudo, encontra cenários que, ainda que próximos, não são equivalentes. É
assim, pois que, em Córrego, às inúmeras estratégias tentadas pela autoridade diocesana para
impor uma reforma das festas em honra aos santos ali venerados, corresponderam diversas
táticas dos leigos, que conseguiram chegar até o final do período de gestão teresiana
mantendo muitos dos elementos e vitalidade de suas festividades vistas no início da citada
gestão.
Já em Cambuí, os poucos dados e ausência de queixas diocesanas nos situam em
difícil ponto para emitir alguma posição. Porém, se considerarmos o que ao longo deste
capítulo analisamos, especialmente em Córrego do Bom Jesus, podemos tentar emitir uma
consideração sobre a pretendida reforma das festas, empreendida nessas localidades por
orientação diocesana e através dos teresianos neste período.
As dificuldades vistas na afirmação de devoções reformadas, a dificuldade de se
instituir associações pias a partir da prática austera, a diversidade e força das práticas vividas
no início da década e a força demonstrada por seus organizadores, a persistência do
coronelismo e, finalmente, a impossibilidade de se criar uma comissão para atuar na reforma
das festas religiosas locais, nos levam a crer que a tentativa de intervenção teresiana sobre as
devoções locais, longe de ter sido bem sucedida, não obteve o sucesso esperado, tendo se
restringido a mudar alguns elementos isolados.

353
Ibidem, p. 69.
110

Esta percepção se esboça sem que tenha sido possível sondarmos outros aspectos que
acompanharam a tentativa de se reformar muitos dos costumes presentes nas práticas
religiosas vivenciadas pelos leigos presentes nas referidas paróquias neste período, mas que
parecem ter relação direta com a forma com que estas populações então vivenciavam sua fé.
Estas ações são a doutrinação da população por meio da realização de missões, da promoção
da instrução e ensino religioso e, por último, a dinâmica da própria presença teresiana no
Brasil durante o período de 1911 até 1922.
CAPÍTULO III- RUMO AO CATOLICISMO ULTRAMONTANO?

No segundo capítulo desta pesquisa, acompanhamos como a orientação da autoridade


diocesana procurou guiar a atuação dos teresianos em muitas ações empreendidas por esses
nas paróquias de Cambuí e de Córrego do Bom Jesus, no período de 1911 até 1922.
Constatamos que foi sob a orientação de Dom Assis, desde 1911, que os carmelitas descalços
buscaram realizar a reforma das festas religiosas locais, implantar novos modelos de
associações religiosas para leigos e, em grande medida, introduzir novas devoções pias, ações
vistas aqui como estratégias para adequar muitas das práticas religiosas de então ao
catolicismo ultramontano.
No entanto, tais atividades não representaram a totalidade de ações às quais os
teresianos dedicaram-se nestas paróquias que perseguiram este objetivo, pois,
concomitantemente a estas iniciativas, verificamos ainda outras importantes ações, tais como
nos evidencia frei Bindi, já em seu Relatório Anual da Paróquia de Córrego de 1912:

Desde 1 de Janeiro até 31 de Dezembro do anno 1912 a parochia


houve: Baptizados Nº 189, Casamentos Nº 45, Obitos Nº67. Todos os
fallecidos foram encommendados; os grandes receberam o Viatico e a
extrema unção exceptos alguns suicidas que morreram de repente.(...)
Em todos os Domingos e dias santos, houve a explicação do S. Evangelho
nas Missas parochiaes, que sempre foram celebradas às 11 horas, e nas
festas principaes, o sermão sobre os principaes mysterios da S. Religião.
Houve também o catecismo para o povo da roza e da freguezia, para os
meninos e meninas em diverso tempo conforme a comodidade e a
exigencia do lugar (...) As confissões durante o anno foram 1325
confissões assim repartidas: 725 no tempo da S. Missão (pregada pelos
RR. Missionários Redemptoristas PP. Affonso e Carlos desde 6 até 14 de
Augusto) extraordinariamente concorrida pelo povo) e Nº 600 na
Quaresma e em outros tempos. As Comunhões foram 1856 também
repartidas como segue: 1050 na Missão, e 806 nas outras festas do anno.
Os meninos e meninas que fizeram a primeira Comunhão foram 54. 354

354
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 12v-13.
112

O trecho que reproduzimos acima nos aponta para importantes aspectos sobre as ações
de doutrinação desenvolvidas nesse período, termo que utilizamos a fim de apontar ações de
instrução e ensino religioso, vistas neste caso, a partir da promoção da missa, da pregação, do
catecismo, da realização das Santas Missões e finalmente, por meio de uma ação para levar os
leigos destas localidades a se aproximarem da frequência aos sacramentos.
O metodismo de frei Bindi, ao dispor em seu relatório tais dados, nos aponta mais uma
vez para o fato de que esse religioso muito se empenhou em apresentar contas de suas ações à
frente do Santuário à autoridade diocesana. Constatamos que, enquanto as primeiras
anotações (que dizem respeito à contabilização dos sacramentos; à realização do catecismo; à
celebração das missas; à pregação do evangelho; ao número de meninos que fizeram a
primeira comunhão; à pregação por ocasião das festas e à explicação dos mistérios) são ações
que o episcopado recomenda na Pastoral Coletiva de 1911 aparecerem nos Relatórios
Anuais 355, a promoção de missões356 é incentivada pelo mesmo documento, como meio, por
excelência, para “estabelecer os bons costumes”, sendo finalmente que a admoestação dos
leigos, para que esses se aproximem da frequência aos sacramentos, (ato que perpassa grande
parte das atividades acima referidas) constitui-se, de acordo com a referida Pastoral, como
grave dever do clero para promover a pretendida “santificação das almas” 357.
Dada a importância de tais ações para entendermos como sucedeu a atuação dos
teresianos no sul de Minas Gerais frente às práticas do catolicismo local, no terceiro capítulo
detemo-nos sobre este procedimento religioso, que se nos afigura como uma das mais
importantes estratégias utilizadas na tentativa de adequar as práticas religiosas ali vigentes às
práticas sacramentais do catolicismo ultramontano, ou seja, a doutrinação da população.
Para entendermos como tais ações desenrolaram-se, utilizamos relatórios anuais,
movimentos paroquiais (onde destacam-se os registros dos sacramentos administrados nesse
período pelos religiosos teresianos e pela autoridade diocesana) e outros registros encontrados
junto aos Livros do Tombo das duas referidas paróquias, além das Pastorais Coletivas de
1911 e de 1915, das Actas e Decretos do Concílio Plenário Latino Americano, de
recomendações diocesanas, de crônicas dos freis Dorelli e Nicolò, publicadas no periódico Il
Carmelo, de um artigo de frei Bindi publicado junto ao jornal católico Tribuna Sul Mineira,

355
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 271.
356
Ibidem, p. 28.
357
Ibidem, p. 31.
113

dos Atti del Definitorio della Provincia Romana (1891-1924), da edição de dezembro de 2010
da Revista Mensageiro de Santa Teresinha do Menino Jesus, órgão de propriedade da
Província São José dos Carmelitas Descalços, do manuscrito Appunti storici della nostra
missione nel Brasile e do Livro Amministrazione della Parrocchia di Corrego assunta dai
P.P. Carm. Scalzi il 2 Aprile 1911.
Para organizarmos nossa análise, estruturamos o presente capítulo em quatro partes.
Primeiramente, nos detemos na análise da missa, catecismo e pregação, para em um segundo
momento estudarmos a realização das Santas Missões e, posteriormente, a ação dos teresianos
para difundir a frequência aos sacramentos entre os leigos das duas referidas paróquias.
Chegados a este ponto, iremos então analisar tal quadro à luz dos principais acontecimentos
verificados durante esses anos de presença da Província Romana da Ordem dos Carmelitas
Descalços no sul de Minas Gerais e no Brasil.
Ao propormos tal análise, buscamos entender como as populações locais se engajaram
e participaram dessas ações de reeducação desenvolvidas pelos teresianos e se tais estratégias
da Igreja Católica conseguiram modificar as práticas do catolicismo local. Neste sentido,
iniciamos nossa exposição pela primeira destas ações, ou seja, a missa.

3.1- Entendendo a Missa Ideal e a “Missa relativamente litúrgica” 358

Para nos inteirarmos do que frei Bindi aponta em seu Relatório Anual de 1912,
conforme citado anteriormente e em grande parte dos relatórios de sua autoria realizados
durante a gestão teresiana em Córrego, no que concerne à realização da missa, é importante,
antes de tudo, entendermos no que se constituiu tal cerimônia neste período.
A Santa Missa é definida pela Pastoral Coletiva de 1911 como “o mais santo de todos
os sacrifícios (...) que se oferece a Deus não só pelos pecados, penas, satisfações e outras
necessidades dos vivos, mas também para purificar e aliviar as almas dos fieis que faleceram
no Senhor (...)”359. Não obstante, é interessante notarmos que o mesmo documento estabelece
que, cabe ao pároco, entre outros deveres, mostrar aos leigos “os proveitos incalculáveis, que
se logram em offerecel-o e em assistir ao seu oferecimento, e a obrigação grave, que tem todo

358
DORELLI, E. La Festa del Carmine a Cambuhy. Il Carmelo, Milano, p. 277-279.
359
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 125.
114

christão, de ouvir Missa nos domingos e dias santos” 360 , trechos, portanto, que nos
evidenciam que naquele momento, o episcopado, por meio do clero, direcionava esforços para
difundir entre os católicos não só o significado, mas a importância da frequência a tal prática.
Para que tais objetivos lograssem êxito, devemos observar que grande
responsabilidade cabia aos párocos, pois recebiam do episcopado diversas determinações,
dentre as quais destacamos as seguintes:

Envidem todos os esforços para instruir devidamente os fieis


sobre o sacrossanto sacrifício da Missa, e lhes façam compreender a sua
necessidade, excellencia, sublimidade, fim e fructos; excitem e
inflammem os seus parochianos, ao mesmo tempo com a palavra e com
o exemplo, a que assistam frequentemente a Santa Missa, não só nos
dias de preceito mas todos os dias, si fôr possível, com o maior respeito e
devoção(...).361

Esta recomendação nos confirma que o culto não era assistido como o episcopado
desejava, e também nos fornece importantes dados para pensar na celebração deste ato nas
paróquias que analisamos. Cientes do significado de tal ato e da necessidade de se difundir tal
prática, cabe-nos perguntar como tal ação foi vivenciada nas paróquias de Cambuí e Córrego
do Bom Jesus naquele período. Com a finalidade de sondarmos tal assunto, esclarecemos o
que encontramos a respeito das missas realizadas nestas localidades durante os paroquiatos
dos Carmelitas Descalços.
Se frei Bindi em seu Relatório Anual da Paróquia de Bom Jesus do Córrego de 1912
não nos deixa apreender como tais atividades teriam se desenrolado, tendo se limitado a
anotar o que teria ocorrido naquele ano, foi frei Dorelli, pároco de Cambuí, que nos ofereceu
importantes dados para esta análise.
De acordo com o que esse religioso dispôs em crônica publicada no periódico mensal
ilustrado Il Carmelo, em edição de 8 de agosto de 1911, a missa verificada em 16 de julho
daquele ano, dia da festa de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Cambuí, contou com uma
grande audiência de paroquianos, pois nessa cerimônia “la chiesa regurgitava di fedeli”362, e
foi quando ele notou que a banda musical executou uma “Messa relativamente liturgica”363.

360
Ibidem, p. 125.
361
Ibidem, p. 125-126.
362
DORELLI, E., Op. Cit., p. 277-279. “a igreja regurgitava de fiéis”.
363
DORELLI, E., Loc. Cit. “Missa relativamente litúrgica”. (tradução nossa)
115

Ora estas observações colocam-nos algumas questões iniciais: teriam as missas


verificadas em Cambuí e em Córrego, tido sempre, tão grande audiência? Em caso positivo, a
grande audiência significa que os leigos estavam cientes do significado da celebração da
missa, conforme apresentado pela Pastoral Coletiva de 1911?
Ao pensarmos na grande audiência verificada naquela ocasião, lembramo-nos de uma
recomendação do episcopado brasileiro presente nas Pastorais Coletivas de 1911 364 e de
1915365, quando é reafirmado como repreensível o hábito um tanto quanto supersticioso “de
assistirem os fieis certas Missas de devoção em dias da semana dispensando-se, entretanto,
com inexplicável facilidade e sem nenhuma causa, de satisfazer o preceito nos domingos e
dias santos”. Seria esta a realidade da missa celebrada no dia da festa de Nossa Senhora do
Carmo, padroeira de Cambuí?
O mesmo documento não nos deixa saber mais detalhes sobre tal costume, que parece
constituir uma prática recorrente e combatida pelo episcopado, e para esclarecer tal assunto,
nos voltamos para a expressão “relativamente litúrgica”, que tentaremos desvendar, em um
primeiro momento, a partir do conhecimento do “ideal litúrgico” para tal ato.
É importante lembrarmos que a missa, naquele período, obedecia ao ritual da missa
tridentina, que fora estabelecido pelo papa Pio V em 1568, e que se manteve em vigor até o
Concílio Vaticano II, em 1962, quando tal cerimônia era celebrada em língua latina e onde o
sacerdote celebra o ato voltado ao altar366 e, portanto, de costas aos seus paroquianos. Embora
não seja nosso objetivo adentrar minuciosamente nesse ritual, é necessário analisarmos mais
demoradamente o que tal ato pretendia impor aos ouvintes.
Neste sentido, é interessante observarmos que, Dom Leonardo Maria Pompei, em sua
obra La Santa Messa Tridentina, ao invocar o parecer do Concílio de Trento sobre a missa
tridentina, nos apresenta aquele ritual como um sacrifício sacramental no qual:

(...) sotto le apparenze sensibili del pane e del vino si offre dal
sacerdote a Dio sull’Altare, il Corpo e il Sangue di Cristo istituito

364
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 126.
365
Idem, 1915, p.148.
366
POMPEI, D. L. M. La Santa Messa Tridentina. Simbologia, Spiritualità e Teologia. [S.I.: s.n.]. p. 2.
116

nell’Ultima Cena, quando Gesù costituì gli apostoli sacerdoti e con essi i
loro successori e diede loro il potere di offrire questo sacrifício. 367

Devemos observar que tal aspecto sacramental do ritual da missa fazia-se presente aos
leigos através da frequência ao sacramento da Comunhão, este considerado pelas Pastorais
Coletivas de 1911 e de 1915 como o “mais santo e o mais augusto de todos os
sacramentos”368, cuja frequência era considerada então pelo episcopado como o “penhor mais
seguro do zelo do Parocho e da pureza de costumes dos parochianos.”369
Mas antes de nos inteirarmos sobre como nossas populações se relacionam com esse
(e posteriormente, com os demais sacramentos), é necessário que abordemos outros aspectos
presentes na missa. De fato, ciente das dificuldades de compreensão da missa entre a
população quinhentista, Dom Leonardo Maria Pompei nos coloca importantes questões que
nos ajudam a pensar também a realidade das paróquias que analisamos durante os paroquiatos
teresianos. Deste modo, ao analisar o parecer do Concílio de Trento sobre o ritual em latim da
missa, este autor nos afirma que:

I padri del Concilio sapevano perfettamente che la maggior parte


dei fedeli che allora assistevano alla Messa non sapevano il Latino e
neppure potevano leggere la traduzione essendo generalmente
analfabeti ed illetterati. Ma sapevano anche che la Messa contiene molte
parti di istruzioni per i fedeli. (...)Al fine di favorire l’istruzione dei
fedeli, il Concilio ordinò di mantenere ovunque l’antica tradizione
approvata dalla Santa Chiesa Romana, la quale è madre e maestra di
tutte le chiese, di aver cura cioè di spiegare alle anime il mistero centrale
della Messa.370

367
POMPEI, D. L. M., Loc. Cit. “Sobre as aparências sensíveis do pão e do vinho se oferece pelo sacerdote a
Deus sob o altar, o corpo e o sangue de Cristo instituído na Última Ceia, quando Jesus fez dos apóstolos
sacerdotes e seus sucessores e os deu o poder de oferecer este sacrifício”.(tradução nossa).
368
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p 44.
369
Ibidem, p. 47.
370
POMPEI, D. L. M., Op. Cit. p. 3-4.“Os padres do Concílio sabiam perfeitamente que a maior parte dos fieis
que então assistiam a missa não sabiam o latim e nem ao menos podiam ler a tradução sendo geralmente
analfabetos e iletrados. Mas sabiam também que a missa contem muitas partes de instrução aos fieis. (...) Com a
finalidade de favorecera instrução dos fieis, o Concílio ordenou de manter a antiga tradição aprovada pela Santa
Igreja Romana, a qual é mãe e mestre de todas as outras, de ter cura, isto é, de explicar às almas o mistério
central da Missa.” (tradução nossa).
117

Por intermédio desse religioso, podemos supor que, a celebração de tal ato em latim,
ao contrário de dificultar a compreensão da cerimônia por parte dos leigos, era um elemento
necessário a tal ritual, pois a língua latina é “sacra e solenne: aiuta il fedele a comprendere la
grandezza dell’evento che nella Messa si realiza”371, mas é o mesmo autor que apontou para a
importância da explicação em língua vulgar do mistério central da missa, tornando sua
argumentação sobre a eficácia da língua latina um pouco descompassada. De modo a
reafirmar sua posição a respeito do uso da língua latina em tal cerimônia, o mesmo autor nos
afirma que:

Si tratta di un evento straordinario, non comune, che necessita,


per essere espresso, di un linguaggio non comune, straordinario. Il
latino ha questa caratteristica. Il latino, inoltre, quale lingua non
soggetta ad evoluzione, rappresenta una precisa garanzia dell’ortodossia
e della universalità o cattolicità della Chiesa, dell’immutabilità del
dogma (cfr. Eb 13,8-9), compromessa dalle molteplici e non sempre felici
traduzioni, peraltro bisognose di continui aggiornamenti. 372

Tais posicionamentos nos ajudam a pensar no modo pelo qual nossas populações
deveriam participar daquele ato durante a gestão teresiana, mas é preciso, ainda, neste ponto,
lembrarmos que a língua latina não era usada somente no ritual, pois fazia-se presente na
música sacra.
Reconhecendo os “abusos” que eram verificados em matéria de música sacra no “urbi
et orbi’’ católico e a fim de “revestir de adequadas melodias o texto litúrgico proposto à
consideração dos fiéis”, o Papa Pio X, em 1903, promulgou o Motu Proprio Tra le
Sollecitude, documento normativo que pretendeu impor-se como código jurídico sobre a
música sacra, e cujo cumprimento caberia ao clero.

371
Ibidem, p. 25. “uma língua sacra e solene: ajuda os fieis a compreender a grandeza do evento que na Missa se
realiza”.
372
Ibidem, p. 4. “Se trata de um evento extraordinário, não comum, que necessita, para ser expressso, de uma
linguagem não comum, extraordinário. O latim possui esta característica. O latim, além disso, como língua não
sujeita a evolução, representa uma precisa garantia da ortodoxia, e da universalidade ou catolicidade da Igreja, da
imutabilidade do dogma. Comprometida das múltiplas e nem sempre felizes traduções, necessitadas de contínuas
atualizações.” (tradução nossa).
118

De acordo com tal documento, a música sacra deveria contribuir com os objetivos da
liturgia de louvar a Deus e “santificar” 373 os fieis e, para isso, a mesma deveria se afastar de
tudo que a Igreja considerava como profano, principalmente a influência do estilo teatral, o
que vale para sua forma e o modo como era executada. Esta deveria aspirar a uma
universalidade, para que nela se fizesse sentir com proeminência “caracteres gerais da
música sacra”, e não as especificidades das composições religiosas de cada nação 374 .
Finalmente, o mesmo documento afirma que a música sacra deveria ser “arte verdadeira”,
contribuindo assim para incentivar os leigos à piedade e devoção para bem receber os “frutos”
da santa missa375.
Para que tal feito fosse alcançado, entre outras disposições, Pio X, com este código,
reafirmou a primazia da música vocal como música própria da Igreja Católica, proibiu o canto
em língua vulgar durante o culto, estabelecendo a necessidade de se restaurar o canto
gregoriano nestas cerimônias, proibiu a presença de piano, bem como instrumentos fragorosos
e ainda a presença de bandas musicais nas igrejas 376.
Ora, se sabemos que a missa e o canto deveriam acontecer em latim, em grande
medida como condição a facilitar o entendimento e a grandeza da missa por parte dos
ouvintes; que a homilia era o momento em que era explicado em língua vernácula aos leigos o
assunto principal do dia, momento relativamente efêmero; que a frequência aos sacramentos
era o comportamento ideal dos paroquianos que a esta cerimonia acorriam, então o que
podemos apreender da missa realizada em 16 de julho por frei Dorelli em Cambuí?
De fato, recordando o que frei Dorelli nos apresentou sobre a missa celebrada em 1911
na festa do Carmo de Cambuí, podemos acreditar que o significado visado para tal cerimônia
era aquele que estas populações experimentaram em tal ato?
Torna-se evidente que o termo “missa relativamente litúrgica” de Dorelli está
relacionado ao modo como a orchestra, então responsável pela música “sacra”, executou seu
repertório neste ato religioso. Naquele período, é bom nos atentarmos para o fato de que, de
acordo com Levindo Lambert, em Cambuí, tivemos a existência de duas corporações
musicais, a Banda Carlos Gomes e a Banda VII de Setembro 377, e embora não nos tenha sido

373
PIO X. Motu Proprio Tra Le Sollicitude do Sumo Pontífice Pio X sobre a Música Sacra. Disponível em:
<http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/motu_proprio/documents/hf_p-
x_motuproprio_19031122_sollecitudini_po.html>. Acesso em: 12 set. 2013.
374
PIO X, Loc. Cit.
375
PIO X, Loc. Cit.
376
PIO X, Loc. Cit.
377
Nas crônicas de frei Dorelli publicadas no período de abril de 1911 até junho de 1913 são constantes as
referências às duas corporações musicais de Cambuí.
119

possível identificar qual destas foi a executora do repertório relativamente litúrgico naquele
dia de festa, é fundamental dizer que, segundo Lambert, naqueles anos se acirrou a rivalidade
entre tais corporações, que chegaram mesmo a sofrer intervenção da autoridade civil, uma vez
que a disputa pela “hegemonia musical” local deflagrou diversos momentos de separação da
população em torno destas corporações378.
E foi por meio de crônicas dos freis Dorelli e Nicolò que tomamos conhecimento de
algumas das preferências musicais de tais corporações no cotidiano da paróquia, de modo
geral. De acordo com estes religiosos, tais corporações tinham um repertório constituído
frequentemente pelo Hino Nacional Brasileiro, que o cambuiense escutava sem chapéu em
sinal de respeito 379 , por “pezzi di musica, specialmente italiana” 380 e “altre marcie
trionfali”381, dados que não contradizem as nomenclaturas das duas bandas locais, que por si
só já evidenciam uma forte influência italiana por meio de Carlos Gomes e um forte
sentimento nacionalista e que se choca com o estilo de música recomendado no Moto Proprio
de Pio X sobre a música sacra.
Porém, não nos parece que o “relativamente litúrgico” tenha sido somente observado
na música executada em Cambuí e por isso, continuamos nossa análise a respeito das missas
verificadas em ambas as paróquias neste período de gestão teresiana, o que fazemos mais uma
vez a partir de registros efetuados junto aos Livros do Tombo e das crônicas publicadas no
periódico mensal ilustrado Il Carmelo, onde encontramos alguns apontamentos que nos
ajudam nesta análise.
Primeiramente, notemos que, ainda em 1911, frei Dorelli registra que, no dia de
Finados daquele ano, ele pôde celebrar três missas na igreja matriz de Cambuí, todas essas
extremamente concorridas, ocasiões em que o missionário viu leigos nunca vistos antes, o que
comentou não sem humor “Pare che ai morti credano tutti.”382
Tal observação nos aponta para o fato de que essa grande audiência nem sempre
ocorreu, e também sinaliza para o motivo pelo qual naquela data isso foi observado. Foi o
próprio frei Dorelli que nos informou através de suas crônicas publicadas no Il Carmelo que
em sua opinião, um dos pilares do “vangloriado catolicismo” sul mineiro era a grande
preocupação com a boa morte383, vista na crença da população na missa do sétimo dia dos

378
LAMBERT, L. F. Biogeografia de uma cidade mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973. p. 214.
379
DORELLI, E. La Festa del Carmine a Cambuhy. Il Carmelo, Milano, p. 277-279.
380
Idem, Come si viaggia nel Brasile, p.176- 180.
381
Idem, Noterelle brasiliane, p. 277-279.
382
Idem, Noterelle brasiliane, p. 79- 85. “Parece que nos mortos todos acreditam”. (tradução nossa).
383
Idem, Noterelle brasiliane, p. 82.
120

mortos384 e na crença às almas385, esta última, materializada através da presença, à beira das
estradas da região, de uma “multidão de rústicas cruzes”, muitas vezes enfeitadas com tecidos
e flores, frente às quais o transeunte tirava o chapéu e dizia uma prece. Tais costumes, de
acordo com este religioso, eram feitos pela população em memória das almas dos mortos que
haviam perecido em viagem em grande parte, por mão de assassinos e onde não raro as
populações locais afirmavam ver aparições 386.
Os mesmos costumes, de acordo com João José Reis, foram observados por Saint
Hilaire e por Rugendas no início do século XIX, quando estes, passando por Minas Gerais,
puderam registrar o hábito da população local de erguer cruzes à beira de estradas para marcar
o lugar onde aparições haviam sido vistas, e também para sinalizar o local de morte daqueles
que nas estradas haviam sido inesperadamente acometidos por acidente ou assassinato. Estes
hábitos, de uma herança lusitana, estão relacionados segundo Reis com a preocupação com a
boa morte, uma vez que a ereção de cruzes tinha a finalidade de lembrar ao viajante ou
morador que passava pelo local a necessidade de recitar preces pela alma do morto, a fim de
aliviar os sofrimentos a este imposto pela morte advinda sem a preparação necessária e pela
sepultura em terra profana, que estes muitas vezes recebiam nestes locais 387.
No que se refere à missa de finados de Cambuí em 1911, somos levados a crer que a
grande adesão dos leigos pode ter ocorrido também não conforme intenção do episcopado e
dos religiosos italianos, e sim, de acordo com as crenças dos habitantes locais. Mas a fim de
aprofundarmos nossa análise sobre tal aspecto, devemos nos atentar para o que encontramos
sobre outras missas do período de gestão teresiana.
E é o mesmo frei Dorelli que nos ajuda nesta busca, pois em crônica de dezembro de
1911, quando esse religioso abordou os principais acontecimentos do último trimestre em
Cambuí, ganhou destaque a cerimônia de uma missa celebrada após a translação de uma
imagem de Nossa Senhora do Carmo, que se encontrava na igreja de Cambuí, até o Santuário
do Senhor Bom Jesus de Córrego, em agosto de 1911.
A referida imagem foi um presente que frei Dorelli recebeu da madre superiora do
Monastério das Carmelitas Descalças da cidade do Rio de Janeiro, quando de sua passagem
pela capital federal, em março de 1911, e deveu-se à existência de uma carta guardada no
arquivo de tal comunidade, na qual o carmelita descalço frei João dos Santos, em 1829,

384
Idem, Noterelle brasiliane, p. 79- 85.
385
Idem, Come si viaggia nel Brasile, p. 176-180.
386
DORELLI, E. Loc. Cit.
387
REIS. J. J. O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO, Luiz Felipe. História da vida
privada no Brasil. São Paulo: Companhia das letras. 1997.p. 98.
121

endereçou esta imagem às carmelitas descalças deste monastério, que deveriam observar uma
cláusula 388 . É que se “in alcun tempo venissero Carmelitani Scalzi al Brasile” 389 , esta
comunidade deveria “dar detto simulacro ad essi, perchè sia venerato nella loro chiesa.”390
Em face do retorno destes ao Brasil em 1911, frei Dorelli aceitou este presente, mas
esclareceu à referida madre superiora que, se a paróquia de Cambuí possuísse uma imagem de
Nossa Senhora do Carmo, então o presente aceito seria destinado aos padres da igreja de
Córrego391, o que realmente aconteceu, pois de acordo com frei Dorelli, não convinha ter em
Cambuí duas imagens de sua padroeira. Além disso, ficou resolvido entre os membros da
comunidade de religiosos que esta ficaria melhor no Santuário do Senhor Bom Jesus, “onde
faltava de tudo”392, segundo frei Dorelli.
Para proceder à translação da imagem de Cambuí ao Santuário do Bom Jesus do
Córrego, o mesmo missionário organizou para o dia 15 de agosto, dia da Assunção de Nossa
Senhora, uma procissão, sobre a qual nos fornece importantes aspectos para pensarmos na
missa realizada ao fim deste trajeto.
É interessante observarmos que a saída desta procissão de Cambui aconteceu “tra
salve di mortaretti e fuochi artificiali”393 e “al festivo suono dei sacri bronze, accompagnato
dalla banda musicale VII de Setembro e da numerosissimo popolo devoto.”394 A vitalidade de
tal procissão adquire caráter emocionante, que parece ter comovido o experiente religioso, o
que acontece quando o mesmo missionário nos apresenta o encontro desta com outra
procissão vinda de Córrego para acolher a imagem de Nossa Senhora do Carmo, destinada ao
Santuário do Bom Jesus:

Pervenuto il pellegrinaggio alla valle d’Itay. Apparve come visione


di paradiso la solene processione di Corrego, che, guidata dai miei
confratelli di colà, veniva ad incontrare la Beata Vergine del Carmine,
com confraternite, stendardi, statue religiose ed uma moltitudine
grandíssima di fedeli devoti. Era uma vista stupenda, indimenticabile!
(...)Unitosi il pellegrinaggio di Cambuhy alla moltitudine di Corregiani,

388
DORELLI, E. Un dono delle RR. Madri Carm. Sc. di Rio de Janeiro. Il Carmelo, Milano, p. 279, ago. 1911.
389
DORELLI, E., Loc. Cit. “Se no futuro, os Carmelitas Descalços voltarem ao Brasil” (tradução nossa).
390
DORELLI, E., Loc. Cit. “deem a referida imagem para esses, para que seja venerada em suas igrejas”.
(tradução nossa).
391
DORELLI, E., Loc. Cit.
392
Idem, Noterelle brasiliane. p. 80.
393
Ibidem, p. 79- 85.“ entre salvas de tiros e fogos artificiais”. (tradução nossa).
394
Ibidem, p. 80.“e ao festivo som dos sagrados sinos, acompanhado pela banda musical VII de Setembro e por
numerosíssimo povo devoto”. (tradução nossa).
122

la processione riprese la strada del santuário del Buon Gesù, donde


veniva. Si percorsero altri tre chilometri, sempre cantando il S. Rosario,
mentre copiosi fuochi d’artificio venivano incendiati, ad onore di Maria
Santissima, dai fazendeiros attraverso i poderi dei quali passava il
magnifico corteo.395

Sobre a celebração que se verificou após a chegada de tal multidão, é interessante


notarmos que, de acordo com frei Dorelli, o Santuário do Senhor Bom Jesus de Córrego
conseguiu acolher menos de um terço dos leigos que haviam participado da procissão,
composta por cambuienses e “Corregiani”, 396 onde estiveram presentes os maiores senhores
do lugar, a banda de música, irmandades, estandartes e grande multidão de fieis, indício que
mais uma vez nos aponta para o fato de que muitas das práticas do catolicismo local eram
vivenciadas então por todos os grupos sociais da região, ainda que de modos diferentes397.
Aponta ainda o missionário que a cerimônia encerrou-se com o canto das litanias, com
o tantum ergum, com uma bênção eucarística e com a “bela” invocação de Capocci398, termos
que parecem indicar a presença de uma música sacra condizente com o que dela se esperava,
ainda que não nos tenha sido possível identificar, entre os religiosos italianos e os leigos desta
região, o citado sobrenome Capocci.
Por um lado, a presença de bandas, irmandades e procissões ao som de sinos e fogos
de artifícios, e de outro, a presença de cantos litúrgicos adequados e um ritual realizado por
religiosos competentes em tal matéria, nos sugerem mais uma vez para o que frei Dorelli
chama de relativo? A crer no que fora descrito pelo próprio missionário sim, pois embora frei
Dorelli tenha organizado uma procissão num dia de preceito no qual o objetivo era levar uma
imagem santamente para Córrego, a mesma aconteceu ao gosto das festas religiosas em
devoção aos santos locais desse período, com uma grande adesão de toda a comunidade e com
muita pompa e circunstância. Isso nos demonstra que a devoção aos santos locais destacou-se
entre os motores da presença dos leigos em tais atos executados pelos religiosos italianos e
nos mostra mais uma vez o convívio entre práticas do catolicismo local e do ultramontano.
395
DORELLI, E., Loc. Cit. “Chegada a peregrinação ao vale do Rio Itaim, aparece como uma visão do paraíso a
solene procissão de Córrego,que guiada pelos meus irmãos de lá, vinha encontrar a Beata virgem do Carmelo,
com irmandades, estandartes, imagens religiosas e uma multidão enorme de devotos. Era uma vista estupenda,
inesquecível! (...) Unida a peregrinação de Cambuí à multidão de correguenses, a procissão retomou a estrada do
santuário, de onde havia partido. Foram percorridos outros três quilômetros, sempre cantando o Santo Rosário
enquanto muitos fogos de artifício eram incendiados em honra de Maria Santíssima, pelos fazendeiros, em cujas
terras passava o magnifico cortejo”. (tradução nossa).
396
DORELLI, E., Loc. Cit.
397
DORELLI, E., Loc. Cit.
398
Idem, Noterelle brasiliane, p. 81.
123

Não podemos, contudo, entender o relativamente litúrgico somente no repertório


musical, sendo ainda, pois, necessário, sondarmos o modo como essas populações se
aproximavam da eucaristia nesse ato e, embora façamos isso de modo mais acurado no último
item deste capítulo, podemos aqui ver um importante indício de como tal ato ocorreu por
ocasião da missa realizada no dia da festa do Senhor Bom Jesus de Córrego, de 1912,
conforme essa foi registrada por frei Nicolò Magnanelli, em crônica publicada no periódico Il
Carmelo em setembro de 1912.
Ao debruçar-se sobre tal festividade, frei Nicolò nos ajuda a pensar nesse assunto pois,
ao descrever algumas atividades que ocorreram no dia 6 de agosto, dia da festa do Senhor
Bom Jesus, nos assevera que, neste dia, das 06:00 até 11:00 horas aconteceram missas, nas
quais foi possível ver “diversos fieis se aproximarem da mesa eucarística.”399
Tal colocação nos aponta para a pouca adesão dos leigos à esse sacramento, vista no
fato de que somente alguns leigos comungaram. Além disso, o religioso teresiano, nessa
mesma crônica, ainda dá destaque ao grande número de pessoas que começou a chegar a
Córrego, vindo de localidades vizinhas desde o dia 5 de agosto, para venerar a “imagem
taumaturga do Bom Jesus” e também para assistir o espetáculo dos fogos de artifícios
realizado ao fim do dia400, relato que nos evidencia, mais uma vez, a força do culto aos santos
locais e das diversas formas de sociabilidade e entretenimento presentes nas festas religiosas
tradicionais, expressão máxima do catolicismo local.
Um comportamento similar fora observado por frei Dorelli em missa realizada na festa
do Divino Espírito Santo celebrada em Cambuí em 27 de agosto de 1911, quando, segundo o
missionário, foram por ele notadas muitas das atitudes já vistas na festa do Carmo, conforme
nos relata abaixo:

E fuochi, e concerti, e leilões (incanti all’asta pubblica), e


visite gastronomiche al festeiro, e copiose libazioni di pinga: molta
gente in chiesa ad ammirare l‟apparato, la luminaria, a udir la
musica ed anche a pregare al suo talento; ma al confessionario
ninguém (nessuno), e la Mensa eucaristica deserta401.

399
MAGNANELLI, N. Notizie del Brasile. Il Carmelo, Milano, p. 376-378, set. 1912.
400
Ibidem, p. 378.
401
DORELLI, E., Op. Cit. p 82. “E fogos de artifício, concertos, leilões, visitas gastronômicas a casa do
festeiro, e muitas libações de pinga: muita gente na igreja para adminirar o aparato, a luminária, para escutar a
música e também para rezar do seu jeito, mas no confessionário ninguém e o banquete eucarístico
deserto.’’(tradução nossa).
124

É forçoso reconhecermos nestes relatos que em tais cerimônias foram vistos poucos
paroquianos aproximarem-se do sacramento da comunhão, o que nos fornece precioso indício
sobre o modo como essas populações vivenciaram a missa nesse período.
Tais dados nos sinalizam para um cenário bem diverso daquele que deveria ser vivido
pelos leigos, de acordo com as diretrizes da Igreja, o que acreditamos ter ocorrido, uma vez
que as populações das referidas paróquias vivenciaram as missas dos primeiros anos não
como o estipulado nas diretrizes episcopais, mas de acordo com sua carga de conhecimentos e
vivencia anterior.
Para chegarmos a tal constatação, além das fontes locais, destacamos também as
contribuições de dois autores: Roger Chartier e Jacques Ranciere. Roger Chartier, em seu
artigo Cultura Popular: Revisitando um Conceito Historiográfico402 e através de sua obra A
História Cultural: Entre Práticas e Representações 403, tem-nos lembrado incessantemente da
inutilidade de “pretender estabelecer correspondências estritas entre clivagens culturais e
hierarquias sociais, relacionamentos simples entre objetos ou formas culturais particulares e
grupos sociais específicos”, sendo, pois, preciso nos debruçarmos sobre “as circulações
fluídas, as práticas partilhadas que atravessam os horizontes sociais”. Por sua vez, Jacques
Ranciere, a partir de conclusões tiradas de suas obras O Mestre Ignorante, presentes,
sobretudo, em seu artigo O Espectador Emancipado 404 , nos mostra que a condição dos
espectadores ou dos alunos não é de passividade, mas de uma ativa recriação, pois esses, ao
olharem para um ato, dele selecionam certos aspectos e o reinterpretam. Além disso, segundo
este autor, esta recriação dá-se através da comparação daquilo que o espectador vê com seus
conhecimentos anteriormente adquiridos, relação que podemos ver presente quando pensamos
nas posições do sacerdote celebrante da missa e o fiel enquanto espectador.
No caso das paróquias que ora analisamos, teriam estas mesmas condições marcado
todo o período de gestão teresiana de Cambuí e Córrego do Bom Jesus? Com tal indagação
nos referimos à compreensão da missa, à importância da música sacra e a frequência à
eucaristia.

402
CHARTIER, R. ‘Cultura Popular’ Revisando um conceito historiográfico. In: Estudos Históricos. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1995. (v. 8, n. 16).
403
Idem, A História Cultural: entre práticas e representações, p. 134.
404
RANCIERE, J. O Espectador Emancipado. Tradução Daniele Avila. Artigo publicado na Revista Eletrônica
de crítica e estudos teatrais Questão de Crítica originalmente em inglês na Revista ArtForum mar. 2007.
Disponível em <http://questaodecritica.com.br/2008/05/o-espectador-emancipado/>. Acesso em: 11 set. 2012.
125

Para sondarmos tais aspectos, no decorrer da década não dispomos de muitas fontes
diretas. Foi preciso, pois, garimparmos e lermos nas entrelinhas dos registros eclesiásticos e
extrair destes dados, informações que nos possibilitassem pensar em tais pontos.
No caso de Córrego, ao fazermos uma leitura dos relatórios anuais de frei Bindi, no
período de 1911 até 1921, percebemos que este religioso manteve o mesmo metodismo, ao
registrar aspectos relacionados à celebração da missa, registro que não diferiu muito do que
apresentamos no início deste capítulo. Contudo, nesses mesmos relatórios, este teresiano nos
evidenciou que, durante aquela década 405 , o referido frei muito se esforçou para adquirir
objetos destinados ao culto, o que nos sinaliza para o fato de que até então, o Santuário do
Senhor Bom Jesus do Córrego estava desprovido destes objetos necessários ao “correto
culto”.
A partir dos mesmos relatórios de frei Bindi, foi possível sondarmos a frequência da
eucaristia observada em Córrego, no decorrer do período de 1911 até 1921, último ano em
que foram registrados relatórios anuais, e assim pudemos ver que os números gerados neste
período foram respectivamente:

Ano Número de
Eucaristias
1911 160
1912 1856
1913 1680
1914 1170
1915 1815
1916 1887
1917 2166
1918 2261
1919 2420
1920 1400
1921 1108
1922 -

Quadro 1- Comunhões administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1922

405
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia.
126

Se acreditássemos que tais números são índices capazes de qualificar o


comportamento dos fiéis como penhor de pureza e conversão para o “verdadeiro catolicismo”
como sustenta a Pastoral Coletiva de 1911, então deveríamos supor que, frente às 160
comunhões registradas em 1911, o número de 1108 em 1921 significou uma grande conquista
para os teresianos no território do catolicismo sul mineiro. Porém, neste momento, não é
nossa intenção interpretar tais dados desta forma e isso por três motivos.
O primeiro reside no fato de que o movimento das cifras registradas no Livro do
Tombo de Córrego nos aponta para picos elevados e quedas consideráveis que necessitam de
uma análise mais profunda sobre os anos e as condições que estes foram gerados, o que com
certeza nos informará melhor porque tais cifras sofreram esses movimentos, algumas vezes
repentinos.
O segundo é que também reafirmamos a necessidade de não tomarmos tais cifras
como índices capazes de qualificar comportamentos somente a partir do número de
sacramentos administrados.
Finalmente, é preciso lembrar que, em 1922 não existem registros no Livro do Tombo
de Córrego que nos informem da presença ainda que eventual dos teresianos. Interessante
notarmos que, neste ano, a paróquia parece ter permanecido sem pároco, pois a nomeação de
um padre para tal localidade só efetua-se em 1923, quando por decisão de Dom Chagas, o
Santuário do Senhor Bom Jesus, para fins de administração, é anexado à paroquia de Cambuí,
ficando desde então sob os cuidados do pároco padre Joaquim de Oliveira Noronha. Isso nos
leva a crer que, em 1922, os teresianos em Córrego não realizaram nenhuma atividade, o que
nos mostra a descontinuidade de ações e a “falta de cura” desta comunidade.
Por estas razões, e a fim de não nos precipitarmos nessa análise, acreditamos ser
conveniente dedicar atenção especial aos dados que representam a administração da eucaristia
e dos demais sacramentos mais adiante, neste mesmo capítulo, o que nos objetiva revelar mais
detalhes sobre o relacionamento dos leigos com os sacramentos e com os teresianos.
Assim, admitimos que, se não temos condição imediata de saber mais do cenário e
condições em que tais cifras foram geradas e o modo pelo qual estas populações se
aproximaram deste sacramento, sabemos que grande foi o investimento dos teresianos nessa
ação de reeducar a população para que esta se aproximasse daquela prática.
No que se refere ao modo como as populações locais se engajaram na missa no
decorrer da década, é interessante apontarmos para outro dado anotado por frei Bindi em seus
relatórios anuais da paróquia de Córrego do Bom Jesus. Este religioso, no Relatório Anual da
127

Paróquia de 1913, informa-nos pela primeira vez da existência de uma “Schola Cantorum da
Matriz”, escola que, de acordo com o disposto na Pastoral Coletiva de 1911, deveria ser
instituída em cada paróquia por seu responsável e cujo objetivo principal é aquele de ensinar
música sacra aos alunos mais aplicados das turmas de catecismo, para assegurar que haja nas
paróquias a execução de “cânticos apropriados aos diversos ofícios divinos (...)”406.
A menção da presença dessa Schola nos relatórios anuais no período de 1913 até 1920,
quando frei Bindi, ao lado dessa anotação, afirma que toda banda musical foi expulsa do
Santuário, nos leva a crer que também nesse aspecto houve uma ação intensa dos teresianos,
buscando eliminar muitas das práticas consideradas profanas nas missas, ação, contudo, que
não conseguiu se fazer presente em todos os anos desse período.
Já na paróquia de Cambuí, devemos observar que, de abril de 1911 até junho de 1913,
houve um grande empenho de frei Dorelli para aumentar os lugares de culto à disposição da
população da sede e dos bairros, pois nesses anos tiveram início os trabalhos de mobilização
da população para a reforma da matriz, de construção da nova capela do bairro dos Vazes e da
nova capela de São Benedito, no bairro do Rio do Peixe 407, ações que nos levam a crer que era
intenção de seu pároco proporcionar e ampliar os lugares de culto no território da paróquia.
Tal esforço parece ter sido mantido pelos sucessores de frei Dorelli na administração
paroquial de Cambuí, pois, em 1918, por intermédio de registros de frei Nicolò, temos notícia
da realização de vinte missas anuais fora da matriz 408.
No que se refere ao número de eucaristias nesta paróquia, foi possível conhecermos
somente três registros de tal índice efetuados pelos teresianos e que dizem respeito aos anos
de 1915, 1916 e 1918, quando tivemos respectivamente 3983, 4925 e 6897 comunhões 409,
números que apresentam um aumento considerável no decorrer destes anos.
Depois de termos percorrido todas estas fontes, podemos concluir que a missa
celebrada por religiosos reformados foi um hábil instrumento de instrução e doutrinação das
populações locais?
Os fatos que apuramos nos evidenciam que a presença de sacerdotes com formação
ultramontana (condição que nunca fora alcançada pela paróquia de Cambuí, a crer nos nomes
e origem dos padres que por aqui passaram) não foi suficiente para que a celebração da missa

406
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 260-261.
407
APC. Libro do Tombo da Paróquia. p. 59.
408
Ibidem, p. 84.
409
Ibidem, p. 72v-84.
128

pudesse se impor como instrumento de doutrinação capaz de adequar muitas das práticas do
“vangloriado catolicismo” ao sacramental nos primeiros anos. Chegamos a esta percepção,
pois nossas populações, sobretudo nos primeiros tempos, de acordo com os registros
apurados, não participaram de tal ato, conforme desejo do episcopado, mas sim a partir de
suas próprias crenças e experiências anteriores.
Apesar disso, nos anos posteriores foi possível acompanharmos um movimento,
muitas vezes crescente, no número de comunhões registradas pelos teresianos, ao passo que,
também um grande investimento foi feito no sentido de se adequar o repertório de música
sacra aos atos religiosos do culto, para promover o aumento dos lugares de culto na sede e nos
bairros e para adquirir objetos necessários ao “correto” culto.
O crescimento das comunhões, no entanto, sofre queda considerável a partir de fins de
1919, quando a paróquia de Córrego passa a ser administrada por religiosos teresianos
residentes em Cambuí, o que nos demonstra que a aproximação da população a este
sacramento pode ter configurado-se em uma hábil tática de relacionamento com os teresianos.
Além disso, observamos que, em 1922, nenhuma atividade ali é registrada, nem por
teresianos, nem por outro membro do clero secular, o que parece nos apontar para o fato de
que não houve continuidade nos trabalhos empreendidos pelos carmelitas descalços.
Neste cenário, para chegarmos a uma consideração transitória a este respeito, e visto
que a compreensão da missa estava relacionada a atos de instrução e ensino religioso,
devemos prosseguir acompanhando outras importantes ações relacionadas à missa, e que nos
ajudarão a encerrar tal discussão: as ações de instrução e ensino religioso.

3.2-Ao Lado da Missa: A Pregação e o Catecismo

Devemos lembrar que as atividades relacionadas no Relatório Anual de 1912 da


paróquia de Córrego do Bom Jesus, de autoria de frei Bindi, não dizem respeito somente à
promoção do culto, mas também informam sobre o ensino do catecismo e a pregação. Ora nos
detemos sobre estes dois últimos pontos, a fim de entender como tais ações foram
desenvolvidas entre as populações das localidades que analisamos e a fim de complementar
nossa análise sobre a missa.
Referindo-nos a Córrego, e a partir do que frei Bindi nos apresentou em seu Relatório
Anual de 1912, é interessante notarmos que esse religioso nos afirma que naquele ano “Houve
129

também o catecismo para o povo da roza e da freguezia, para os meninos e meninas em


diverso tempo conforme a comodidade e a exigencia do lugar”410, ações essas que, mais uma
vez, ressoam como ecos das determinações da Pastoral Coletiva de 1911, reafirmadas em
1915.
A Pastoral Coletiva de 1911, ao dispor sobre as ações de doutrinação, nos apresenta
como obrigações graves do clero a de lecionar catecismo às crianças da paróquia durante uma
hora, em todos os domingos e dias santos do ano, a de preparar as crianças para receberem a
Penitência e a Confirmação 411 e os jovens para fazerem a primeira Comunhão e, “como, em
nossa época sobretudo, os adultos não menos que as creanças, necessitam de instrução
religiosa”, também deve ser interpretado pelo clero aos leigos o catecismo em linguagem
acessível412. A homilia habitual neste cenário também tem destaque, devendo ser realizada em
todas as missas paroquiais.
Em tais atividades, distinguem-se basicamente o ensino do catecismo ministrado às
crianças e aos adultos, e também atividades de instrução e admoestação, como o sermão.
Enquanto no catecismo o material a ser empregado deveria ser o Segundo Catecismo da
Doutrina Christã ou Catecismo de Pio X, as ações de instrução aconteciam sobre algum ponto
específico da doutrina católica e podiam utilizar-se de sermões.
A este respeito, é interessante notarmos que, diferentemente da missa, realizada em
latim (à exceção da homilia), tais ações de ensino e instrução se utilizavam da língua
portuguesa como instrumento principal de ação, e a fim de entendermos como tais
procedimentos foram realizados por religiosos italianos, nos propomos uma reflexão sobre as
condições que leigos e religiosos teresianos tiveram nessas experiências.
Sobre tal catecismo, cabe-nos primeiramente pontuar que esse estava estruturado em
perguntas e respostas, as quais, por meio de memorização, eram possíveis de serem
decoradas, ainda que esse processo de aprendizagem se desse de modo mecânico. Já no caso
da pregação, devemos estar atentos ao fato de que, conforme nos apresenta a Pastoral Coletiva
de 1911, em seu capítulo segundo, esta era uma grave obrigação do pároco, uma vez que “No
estado de ignorancia em que se acha actualmente o povo em relação ás cousas da Religião,

410
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. 12v.
411
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 7.
412
Ibidem, p. 7- 8.
130

nenhum Sacerdote, em bôa consciência, poderá esquivar-se do cumprimento deste dever”413,


cabendo, portanto, ao clero para dar cabo desta incumbência, pregar em todos domingos e
dias santos do ano, e de modo mais enérgico, durante a Quaresma e o Advento414.
Tal obrigação, de acordo com o episcopado, não deve ser executada com “práticas
mal preparadas”, e pregações magnificentes que não podiam ser compreendidas pelos
leigos415, mas:

A prégação deve ser clara, de maneira que não possa deixar de ser
entendida; instructiva, que ensine as verdades que devemos crer, e nellas
insista, bem como nas obrigações de todos os christãos e nas dos estados
e officios mais communs; efficaz, que seja propria para induzir os
ouvintes ao cumprimento e á observancia dos mandamentos de Deus e
da Egreja e das obrigações particulares, á piedade e frequencia dos
sacramentos; deve ser solida, fundada na S. Escriptura, doutrina dos SS.
Padres, ensino dos theologos, decisões da Egreja, e confirmada com
exemplo dos Santos, e factos authenticos da historia; seria e grave, nunca
tratando de interesses pessoaes, nunca descendo a cousas ridiculas, nem
allusivas a alguma pessôa.416

A importância desse ato para a instrução da população era tal que, a Pastoral Coletiva
de 1911 esclarece que a pregação da palavra poderia ser feita por qualquer padre, uma vez que
todos estes poderiam “anunciar ao povo as verdades do evangelho e instruir os fieis nos
meios necessários para consegirem a propria salvação” 417 , o que nos mostra que esta
atividade pôde ser empreendida por outros religiosos que não os párocos de Cambuí e
Córrego.
Cientes de tais diretrizes, resta-nos saber como essas ações de ensino e instrução
realizaram-se nestas localidades, o que faremos a partir de fontes diversas. No que se refere à
paróquia de Córrego do Bom Jesus, é interessante notarmos que, no período de 1913 até 1921,
o conteúdo dos registros sobre tais atividades se repetiram, exceto naquilo que se refere ao dia

413
Ibidem, p. 5.
414
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 4.
415
EPISCOPADO BRASILEIRO , Loc. Cit.
416
Ibidem, p. 6.
417
Ibidem, p. 4.
131

de realização do catecismo às crianças e à comunidade, que aconteceu também às quintas,


sextas e sábados, e no número da assistência presente em tais atos, conforme vemos abaixo:

Registros sobre a instrução e ensino religioso


em Córrego no período de 1913 até 1922

Ano Crianças Geral


1913 49 fizeram a primeira Não consta
comunhão na festa da
Imaculada Conceição
e 35 na Páscoa
1914 Não consta. 4860 em todo
anno
1915 45 meninos e
meninas 4860

1916 35 entre meninos e 3360


meninas
1917 média de 58 entre 3420
meninos e meninas
1918 40 e tantos entre 3540
meninos e meninas

1919
30 meninos e 40 Não consta
meninas

1920 Movimento mais ou


menos como no anno Não consta
precedente

1921 Homens 45
Mulheres 52 Não consta

1922
- -
Fonte: Livro do Tombo da Paróquia de Bom Jesus do Córrego.
Quadro 2- Registros sobre a instrução e ensino religioso em Córrego no período de 1913 até 1922
132

Por meio destes dados, podemos tomar conhecimento que, durante esse período, o
número de crianças que participaram do catecismo em Córrego do Bom Jesus foi regular, o
que aponta para a manutenção de investimento dos italianos nessa ação, ao passo que a
instrução religiosa alcançou cifras elevadas, se comparadas com a estimativa da população
nestes anos.
Considerando que em 1915 a população de Córrego foi estimada por frei Bindi em
4000 habitantes418, então a cifra de 4860 apresenta uma evidente contradição, ou registros de
presença de uma mesma pessoa em diversos atos no decorrer do ano. O mesmo exercício
podemos fazer a partir dos dados apresentados por frei Bindi nos relatórios de 1917 419 e de
1918420, pois nesses anos, o número de envolvidos nas ações de instrução religiosa teria sido
respectivamente de 3420 e de 3540 pessoas, quando a população fora estimada em 4126 421.
Esse foi o último ano em que pudemos comparar tais dados pois, nos anos posteriores,
frei Bindi não registrou o número de envolvidos em tal ação. Não obstante, em 1920, quando
este religioso afirmou que o movimento destas atividades teria sido “mais ou menos igual”,
ele nos forneceu indícios para desconfiarmos da veracidade destes dados, pois, conforme já
vimos anteriormente, em novembro de 1919, o vicariato de Córrego do Bom Jesus foi
suspenso, passando esta paróquia a ser administrada por religiosos com residência fixa em
Cambuí. Do ano de 1922 não foi registrada em Córrego atividade alguma no Livro do Tombo,
período no qual acreditamos que os teresianos se afastaram desta paróquia, tendo
permanecido em Cambuí.
Mas, se de modo geral, os dados que ora vimos sobre Córrego nos apontam para uma
atividade intensa que pretende nos convencer do sucesso de tal ação entre a população local, o
que a este respeito podemos observar em Cambuí?
Nesta paróquia, foram unicamente três as fontes que encontramos a este respeito,
sendo a primeira uma crônica publicada por frei Dorelli em junho de 1913, a segunda um
registro efetuado no Livro do Tombo por frei Brocardo em 1915, ao passo que a terceira é um
registro efetuado por frei Nicolò em 1918.
Por meio da primeira, tomamos conhecimento de que em junho de 1913, em Cambuí,
havia uma escola paroquial que congregava cerca de 30 meninas e 15 meninos422, mas a falta

418
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p 25v.
419
Ibidem, 42-43v.
420
Ibidem, 44-45v.
421
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. Os Relatórios de 1917 e de 1918 reportam a estimativa da população
em 4126 pessoas.
422
DORELLI, E. Ricordi d’um viaggio terraqueo. Il Carmelo, Milano, p. 242-244, 1913
133

de informações sobre essa entidade nos impossibilitou sondar como tal escola teria
funcionado durante a gestão de frei Dorelli em Cambuí. Após seu retorno a Roma, que
sucedeu em junho de 1913, o próximo dado que encontramos sobre este assunto situa-se no
Movimento Parochial de 1915, de autoria de frei Brocardo, onde esse religioso registra uma
média de 40 alunos e quatro catequistas423.
Finalmente, o próximo registro sobre o assunto encontra-se no Relatório Paroquial de
1918, quando frei Nicolò registrou que o catecismo durante o ano aconteceu aos domingos e
dias santos, período no qual teve uma média de 60 crianças, que foram dirigidas por três
catequistas424. Nesse ano, fizeram a primeira comunhão, de acordo com o mesmo religioso, 68
crianças425.
De modo similar a Córrego do Bom Jesus, através dos dados que apresentamos
anteriormente, podemos perceber que, na referida paróquia, no final da década, houve um
sensível aumento no número de crianças e adultos envolvidos nesta ação. Mas podemos crer
que tais números possam expressar uma cifra fiel de pessoas atingidas pelo ideal ultramontano
através da instrução e ensino religioso?
Ao colocarmos tal questão, pensamos nas condições que, tanto os leigos quanto os
religiosos detinham para destes atos participar, o que nos parece mais importante do que ver
uma pretendida separação entre atingidos pelas ações de reeducação realizadas e
protagonizadas sobretudo pelos teresianos.
De fato, se sabemos que o catecismo consistia na decoração de fórmulas prontas e
acabadas, e que a pregação, feita em português, entre outros, deveria clara e eficaz, resta-nos
saber quais foram as condições dos religiosos italianos para empreender tal ato, e das
populações locais para a ele “assistir”. Será que a condição de estrangeiros colocou os
teresianos em posição de articular-se fluentemente no português, repleto de termos
“bastardos” da língua indígena e da ignorância popular?426Ademais, será que estas populações
estavam habituadas com tais ações quando da chegada dos teresianos em 1911?

423
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 72v.
424
Ibidem, 83v.
425
Ibidem, 84.
426
DORELLI, E. Il Brasile: la sua língua e la sua popolazione . Il Carmelo, Milano, p. 362-366, out. 1911. Nesta
crônica o missionário usa a expressão original ‘’la lingua portoghese imbastardita vuoi dall’ignoranza popolare,
ossia dall’analfabetismo, vuoi dall’eredità della lingua indigena’’ para referir-se à língua falada nas paróquias de
Cambuí e de Córrego do Bom Jesus.
134

3.3- Ações de Instrução e Ensino Religioso na “língua portuguesa repleta de


termos bastardos da ignorância popular (...) e da hereditariedade da língua
indígena”427

O mesmo frei Dorelli, ao debruçar-se sobre as línguas utilizadas no trabalho pastoral


na paróquia de Cambuí em 1911, ou seja, o “incorreto italiano”428 falado por uma dúzia de
imigrantes italianos residentes em Cambuí, e o português “brasileiro” falado pela população
local, nos fornece importantes indícios para pensarmos na utilização desta última língua para
os trabalhos de instrução e ensino religioso nas paróquias que ora analisamos.
Esclarecemos que, ao fazermos esta análise a partir do relato de frei Dorelli,
utilizamos a única fonte a este respeito disponível. Embora tal registro seja uno entre todos os
religiosos que atuaram no sul de Minas, ele adquire grande importância dentro desta análise,
pois devemos lembrar que, pela sua condição de missionário apostólico, pela sua experiência
e pela sua preparação em termos de conhecimentos gerais, era frei Dorelli um dos religiosos
mais treinados neste idioma neste período.
É ainda interessante notarmos que, apesar de sua preparação e experiência de
missionário que chegou ao país aos 47 anos como um dos principais pilares da Ordem no
Brasil, é esse mesmo religioso que nos demonstra algumas das principais dificuldades por ele
encontradas com tal idioma frente aos trabalhos paroquiais. Ao evidenciar ao leitor italiano do
Il Carmelo suas dificuldades com a língua local em crônica datada de outubro de 1911, assim
se manifesta:

Rispondo che per noi Italiani presenta una qualche facilità negli
avverbi, specie terminanti in ente, ma molte difficoltà nei verbi.
L´infinito personale ed il futuro ipotetico, sono due scogli enormi, che a
prima vista sembrano insormontabili; e ci vogliono anni per acquistarne
l’uso spedito429.

427
DORELLI, E., Loc. Cit.
428
DORELLI, E., Loc. Cit. “scorretto italiano”.
429
DORELLI, E., Op. Cit., p. 365. “Respondo que para nós italianos, apresenta uma certa facilidade nos
advérbios terminados em ente, mas muitas dificuldades nos verbos. O infinito pessoal e o futuro hipotético, são
duas barreiras enormes, que à primeira vista parecem intransponíveis: e são necessários anos para adquirir o
sotaque local”. (tradução nossa).
135

Estes não são os únicos obstáculos à primeira vista, intransponíveis ao grupo de


religiosos italianos que ali atuava, pois de acordo com o experiente missionário Dorelli, outra
dificuldade que estes encontravam era a “nasologia, o meglio, il nasologismo”430, ou seja, a
nasalidade presente na língua portuguesa falada pelos habitantes destas localidades, do que
apreendemos o grande distanciamento entre a gramática estudada e a prática na língua vivida
nestes locais. Sobre tal dificuldade de acentuação, o mesmo frei nos assevera que:

I nasiloqui devono trovar facile il portoghese; ma noi, che


parliamo colla bocca e non col naso, incontriamo difficoltà quante volte
la silaba finale porta il segno (~) che si chiama til. Vivendo tra il popolo,
ci andiamo accostumando al difficile accento, mancando il quale, il più
puro portoghese non è compreso431.

Tal trecho nos mostra a difícil fase de adaptação do primeiro grupo de teresianos ao
ambiente sul mineiro e destaca mais uma vez a postura eurocêntrica deste religioso. Este, ao
citar um exemplo da dificuldade de comunicação, que marcou neste período o relacionamento
dos teresianos com as populações destas localidades, nos fornece uma importante fonte para
nossa análise. É que de acordo com este religioso alguns meses antes daquela data, ou seja,
outubro de 1911, ele pronunciou “una frase, schiettamente portoghese, ad una donna del
popolo,”432 a qual levava então seu filho para ser batizado na matriz de Cambuí. Esta, no
entanto, teve grande dificuldade em compreendê-lo pois:

Ella mi rispose che non comprendeva, perchè io le stavo parlando


francese: <<Não entendo: o senhor está fallando francez>>. _Ma che
francese d´Egitto! Parlavo portoghese, solo difettava l´accentazione. Del
resto, la necessità ci diede abbastanza intendimento, e fin dal possesso
delle nostre parrocchie, predichiamo e confessiamo in brasiliano-
portoghese433.

430
DORELLI, E., Loc. Cit. “ou melhor, o nasologismo’’ (tradução nossa).
431
DORELLI, E., Loc. Cit. “Os nasilóquis devem achar fácil o português: mas nós, que falamos com a boca e
não com o nariz, encontramos dificuldade todas as vezes que a sílaba final traz o sinal (~) que se chama til.
Vivendo entre o povo, vamos nos acostumando ao difícil sotaque, sem o qual, o mais puro português não é
compreendido’’. (tradução nossa).
432
DORELLI, E., Loc.Cit. “Uma frase, puramente portuguesa, à uma mulher do povo’’. (tradução nossa).
433
DORELLI, E., Loc. Cit. “Ela me respondeu que não compreendia, porque eu lhe estava falando francês.’’Não
entendo: o senhor está falando francês’’. _Mas que francês do Egito! Eu falava português, só era diferente o
sotaque. De resto, a necessidade nos deu bastante entendimento, e desde a posse de nossas paróquias, pregamos e
confessamos em brasileiro-português’’ (tradução nossa).
136

Essas colocações nos reafirmam a desqualificação que o missionário realiza das


línguas faladas em regiões que foram colônias de estados europeus, como é o caso do Brasil,
mas isso não é tudo. Por meio do próprio missionário apostólico, sabemos que, apesar de ter
estudado a língua portuguesa, e de se dizer ciente das especificidades dessa “língua mosaico”,
foi justamente esse idioma que trouxe dificuldades ao religioso experiente e ao grupo ali
instalado.
Se a língua nos primeiros tempos foi um empecilho à comunicação “clara” entre leigos
e religiosos italianos, resta-nos ainda saber como as sociedades locais se relacionavam com a
educação pública e religiosa. Tais respostas nos parecem fundamentais para nossa análise
sobre as ações de doutrinação.
No que se refere ao ensino religioso, através do Livro do Tombo de Cambuí, tomamos
conhecimento de que uma escola paroquial ali foi inaugurada em 1907 e, se nos inteirarmos
dos dados apresentados em tal registro, conheceremos algumas peculiaridades dessa escola,
do ensino religioso e da relação existente entre os poderes civil e religioso nesta localidade.
Antes, é conveniente notarmos que as Pastorais Coletivas de 1911 e de 1915
relembram aos párocos que a fundação de escolas paroquiais era uma tarefa de grande
relevância, pois diante do ensino leigo, ou seja, da laicização do ensino ministrado em órgãos
públicos, confirmada pela Constituição Federal de 1891 434 , era imprescindível para o
episcopado brasileiro que houvesse em cada paróquia “escolas primárias católicas, a que
chamam paroquiais, nas quais a mocidade nascente encontre o pasto espiritual da doutrina
cristã e de outros conhecimentos uteis para a vida prática”435, e é neste contexto que se torna
interessante observarmos alguns aspectos da escola paroquial de Cambuí, que fora fundada
pouco tempo antes da chegada dos teresianos.
De acordo com o então vigário de Cambuí em 1907, padre Agostinho Martell, em 15
de agosto daquele ano aconteceu com muito “brilhantismo e solenidade” a inauguração da
Escola Parochial de Nossa Senhora do Carmo da Cidade de Cambuhy. Segundo o disposto
nesse registro, tal instituição fora criada pelo referido sacerdote em conjunto com o Dr. Carlos
Cavalcanti, Juiz de Direito, que contaram nesta empreita com a contribuição de um “brilhante

434
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.(24 de Fevereiro de 1891)
435
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 334.
137

corpo de professores”436, dos quais seis eram leigos, sendo estes o Dr. Carlos Cavalcanti, o
Dr. Malheiros, Maximiano José de Brito Lambert, Sr. Magalhães, Alexandre de Moraes e
Procópio Brandão 437 . Ressaltamos neste ponto que, de acordo com o mesmo registro, a
direção de tal instituição a partir de então ficava a cargo de seus dois fundadores.
Ora, sabemos que tal iniciativa contou com uma ávida colaboração do representante
do poder público, cooperação difícil de realizar-se no contexto nacional e que nos faz
questionar as relações entre Igreja e Estado nesta localidade. É ainda preciso estarmos atentos
a outro dado que nos foi apresentado pelo mesmo padre neste registro, quando esse nos afirma
que esta instituição funcionou com normas austeras, congregando os “principaes meninos da
cidade” 438 , o que nos sinaliza para a limitação de abrangência desta ação no âmbito do
território da paróquia.
Tendo em vista que padre Agostinho Martell entregou a referida paróquia ao padre
Isidoro em 17 de fevereiro de 1908, nada mais pudemos saber a respeito dessa instituição até
a chegada dos teresianos em 1911. Mas são estes dados que nos colocam uma importante
questão: se no âmbito do ensino religioso temos notícia da existência de tal escola que, ao que
tudo indica, funcionava a partir de uma grande cooperação do poder público e de famílias
coronelistas da região, presentes como professores e do clero não reformado na pessoa do
mesmo padre Agostinho, o que podemos observar no âmbito do ensino público? Será que este
atendia uma parcela maior da população que a escola paroquial?
Quando os teresianos chegaram às referidas paróquias em 1911, havia um ano que a
municipalidade havia instituído pelo Decreto Nº 2.813 de 24 de abril de 1910 um Grupo
Escolar. Este, porém, só foi instalado dois anos mais tarde, no início de fevereiro de 1912.
Este formato fora instituído no Brasil inicialmente no Estado de São Paulo em 1893 439,
e em Minas Gerais fora introduzido treze anos mais tarde, através da Lei Nº 439 de 29 de
setembro de 1906, quando o então presidente do Estado, João Pinheiro, promulgou uma
reforma em todas as esferas de ensino no Estado 440 . Neste Estado, de acordo com Karina
Klinke, os grupos escolares nascem como uma proposta republicana para ampliar e
democratizar o acesso da educação básica a um maior contingente da população, até então

436
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 40v- 41.
437
Ibidem, p. 40v.
438
APC, Loc. Cit.
439
ARAÚJO, J. C. S. Os Grupos Escolares como expressão republicana: as especificidades no Triângulo
Mineiro e Alto Paranaíba. Disponível em:
<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario6/Ensino%20Fundamental/GRUPOS%20
ESCOLARES.doc>. Acesso em: 10 maio 2013.
440
KINKLE. K. A leitura nos Grupos Escolares de Minas Gerais 1906 1907. In: I Congresso Brasileiro de
História da Educação, 2000. Rio de Janeiro. Educação no Brasil: história e historiografia, 2000.
138

excluída deste direito. Tal projeto, deste modo, visou implantar uma uniformização de
estruturas, conteúdos, utensílios e métodos para que o ensino e a aprendizagem ocorressem de
modo mais igualitário entre os alunos441.
O ensino público em Cambuí, contudo, de acordo com Levindo Lambert, era anterior a
tal iniciativa, sendo que a primeira escola desta localidade funcionou no período de 1850 a
1889, quando se observa a existência de uma instituição dedicada exclusivamente à educação
de meninos 442 . No que se refere à existência de turmas femininas, o mesmo autor nos
apresenta que a primeira classe iniciou suas atividades em dezembro de 1892, ano da
emancipação politico-administrativa de Cambuí.
Ainda por meio desse memorialista, podemos ver que o ensino público em Cambuí,
que a princípio funcionou nas instalações da Câmara Municipal e sem a estrutura necessária à
sua finalidade educacional, estava ativo quando da chegada dos teresianos. E é curioso
notarmos que, ao referir-se a “tal instituição” no início do século, o autor nos afirma que não
raro se podia escutar na dita “escola” a Marselhesa, cantada pelos alunos em francês 443.
Apesar da menção à Marselhesa, podemos ver que, ao que tudo indica, existiu nos
anos que antecederam a chegada dos teresianos a Cambuí uma grande cooperação entre os
poderes civil e religioso, através de um clero não reformado, famílias coronelistas da região, e
funcionários públicos, dado que adquire importância na medida em que nos esclarece muito
sobre a comunidade e sobre o modo como essa se relacionava com as ações de educação
nesse período e com a Reforma Ultramontana.
A partir destes dados, devemos observar que nos anos que antecederam a fundação de
casas teresianas nas referidas paróquias, as ações de ensino público e religioso conseguiam
atingir pequena parcela da população da sede da municipalidade, dado importante para
pensarmos no trabalho desenvolvido pelos teresianos no período de 1911 até 1922.
Se a compreensão das dificuldades com a língua portuguêsa e a grande dificuldade de
acesso ao ensino público e religioso nos ajuda a pensar os primeiros anos de atuação dos
teresianos, não podemos, contudo, nos fiar que este quadro tenha se tornado estático no
decorrer da década. Por isso, faz-se necessário sondarmos o que a respeito destas ações
conseguimos apreender durante os anos que se seguem à fundação de casas teresianas nessas
localidades.

441
Ibidem. p. 1.
442
LAMBERT, L. F. Biogeografia de uma cidade mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973. p. 110.
443
Ibidem, p.112.
139

Para isso, nos utilizamos inicialmente de frei Bindi, quando este religioso, em seu
Relatório Anual de 1912, após comentar a realização de algumas festas reformadas, registra
que, no fim do ano houve “relativo sermão para dar graças a Deus de todos benefícios
recebidos durante o mesmo”444. Ora, neste trecho, esse registro deixa transparecer a existência
de um ato de admoestação em português, que fora realizado de modo relativo. Mas se o
sermão era de sua responsabilidade, com que finalidade esse religioso apontou para a
existência de um sermão relativo? Estaria este sermão relativo destinado a tentar atrair a
atenção de seu público?
Sobre a referência a este sermão, é forçoso dizer que a mesma expressão foi também
encontrada nos relatórios445 de frei Bindi de 1914, 1915, 1916, 1917 e em 1918 com o termo
“prática relativa”, que se repetiu em 1919, para finalmente em 1920 e em 1921 aparecer
somente “A respeito das pregações, do Catecismo das creanças, do horário das Missas
paroquiais, das festas durante o anno, o movimento da parochia foi mais ou menos como no
anno precedente”446.
A este respeito, a primeira observação a ser pontuada refere-se ao fato de que, ao crer
em frei Bindi, tal sermão relativo foi uma constante durante esses anos, o que nos aponta para
a possibilidade de ter sido essa uma estratégia do teresiano para atrair a atenção de seu
público com um ato menos austero, hipótese que, contudo, não nos foi possível confirmar
visto a falta de dados sobre isso.
Com relação ao que tal religioso dispõe em seu último relatório, quando afirmou que
as atividades de 1920 e 1921 foram iguais àquelas vistas nos anos anteriores, não podemos
creditar verdade, uma vez que sabemos que, a partir de novembro de 1919, a paróquia de
Córrego passou a ser administrada por freis residentes em Cambuí, o que certamente
impactou os trabalhos desenvolvidos ali, sendo impossível que o trabalho feito por religiosos
que se dirigiam a esta localidade somente alguns dias por mês, surtisse resultado idêntico
àqueles verificados quando a Ordem manteve naquela paróquia um efetivo residente. No
mesmo sentido, lembramos aqui que a ausência total de registros sobre 1922 nos leva a crer
que a paróquia de Córrego neste ano não contou com a presença de um padre.
Depois de nos inteirarmos sobre as atividades desenvolvidas pelos teresianos nestas
paróquias e entendermos o que era esperado dessas, e depois de analisarmos as condições dos

444
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 13.
445
Ibidem, p. 11- 53.
446
Ibidem, p. 53.
140

teresianos e as condições do ensino público e religioso dessas paróquias no período que


antecedeu a chegada dos teresianos, devemos apontar algumas constatações.
No caso de Córrego, as cifras reportadas por frei Bindi nos levam a crer que as ações
de educação de crianças mantiveram-se regulares durante a década, ainda que estas cifras
sejam pouco representativas frente à população da paróquia. Uma exceção deve ser feita a
1922, quando não podemos observar a presença de religiosos e do clero secular nesta
localidade, o que, com certeza, paralisou estas atividades. No que diz respeito à instrução de
jovens e adultos, vemos que estas ações, a crer no que nos reporta frei Bindi, atingiram
parcela considerável da população, que também parece ter sido paralisada pela ausência de
clero em 1922.
Na paróquia de Cambuí, os dados que conseguimos obter dizem respeito aos anos de
1913, 1915 e de 1918 (quando tivemos respectivamente 45, 40 e 60 crianças presentes no
ensino religioso), e nos evidenciam que frente à população paroquial, tais cifras foram
irrisórias.
Quando nos desvencilhamos destes índices, no entanto, buscando apreender as
condições que os religiosos italianos e os leigos de nossas paróquias dispuseram para
participar destas ações, outra perspectiva nos é aberta. De fato, desse contexto apreendemos
que, no período que antecede a chegada dos teresianos, os ensinos público e religioso foram
amálgamas de influências diversas advindas de professores leigos, alguns provenientes das
mais poderosas famílias locais, padres não reformados e funcionários federais. No mesmo
sentido, também vimos que essas atividades eram privilégios de poucos, o que nos leva a crer
que tratava-se de uma sociedade na qual ainda era forte a oralidade como fonte de transmissão
de saberes, e onde muitas das práticas da religiosidade local se perpetuavam.
Neste cenário, e nos referindo ao período de gestão teresiana e às atividades que esses
aqui desenvolveram a fim de reeducar as referidas populações, é necessário considerarmos
(para além dos números obtidos) que as dificuldades com a língua portuguesa “brasileira” e o
método de perguntas e respostas do catecismo de Pio X formaram também barreiras, que se
fizeram presentes no processo de ensino e instrução dessas populações.
A primeira foi vista na dificuldade de entender e ser entendido entre ambas as partes, a
segunda dificuldade diz respeito ao método de fórmulas que deveriam ser decoradas para se
atestar a capacidade do aluno em matéria religiosa.
Nestas condições, acreditamos que, pelas dificuldades com a língua portuguêsa; pelo
método de ensino do catecismo; pelo esmorecimento das atividades de instrução e ensino
141

religioso desenvolvidas ao final da década em Córrego (1920-1922); pelos baixos índices que
representam os envolvidos em ações de instrução e ensino religioso em Cambuí; pelo
insucesso das tentativas de introduzir novas devoções reformadas, de reformar as festas e de
se fundar modelos de associações para leigos nestas localidades; acreditamos que estas ações
de ensino e instrução ficaram longe de atingir seu objetivo de envolver toda a população
destas paróquias e de adequar muitas das práticas do catolicismo local ao catolicismo
ultramontano.

3.4- Santas Missões de 1912

Para prosseguirmos em nossa análise, nos dedicamos agora a outro instrumento


igualmente importante de doutrinação, a realização de missões. Com efeito, no ano de 1912,
entre os registros efetuados pelos teresianos sobre ações que visaram reeducar as populações
de Córrego e de Cambuí, destacam-se as realizações de Santas Missões pregadas por dois
redentoristas holandeses, entre os meses de agosto e setembro.
Nesse ano, diversos foram os documentos que nos colocaram frente à promoção de
Santas Missões em ambas as paróquias, registradas em Córrego por frei Bindi em seu
Relatório Anual de 1912 e em um artigo publicado no Jornal católico Tribuna Sul Mineira em
setembro de 1912, e por frei Nicolò, em uma crônica publicada no periódico ilustrado Il
Carmelo, datada de setembro de 1912, ao passo que, em Cambuí, este evento foi registrado
por frei Dorelli no Livro do Tombo e também em uma crônica datada de outubro daquele ano
e publicada no periódico Il Carmelo.
Mas do que nos informam tais fontes, e por que as consideramos como uma ação de
doutrinação? Neste ponto, cabe ressaltar que, a primeira vez que encontramos o registro desse
evento, foi quando frei Bindi apontou em seu Relatório Anual da Paróquia do Bom Jesus do
Córrego de 1912 que, naquele ano, fora registrado por ele um número bastante diverso de
alguns sacramentos, conforme podemos ver abaixo:

As confissões durante o anno foram 1325, assim repartidas: 725


no tempo da S. Missão (pregada pelos RR. Missionários Redemptoristas
PP. Affonso e Carlos desde 6 até 14 de Augusto) extraordinariamente
concorrida pelo povo) e Nº 600 na Quaresma e em outros tempos. As
142

Comunhões foram 1856 também repartidas como segue: 1050 na


Missão, e 806 nas outras festas do anno 447.

Diante da escassez de sacramentos verificados durante a primeira visita pastoral de


Dom Assis um ano antes, tais cifras anotadas por frei Bindi chamaram muito nossa atenção,
pois diante de uma população de 3000 habitantes, a contabilização de tais números parece
querer nos apontar para uma alteração comportamental substancial e repentina. Porém, nesse
caso, é o próprio frei Bindi que nos informa que, desses totais, grande parcela foi
administrada durante um evento extraordinário ocorrido no Santuário: a realização das Santas
Missões de 1912.
O registro de tais cifras, bem como a menção a este evento, nos obrigou a um
aprofundamento neste ponto. Quem eram os cooperadores dos teresianos e como os
carmelitas descalços conseguiram a intervenção dos redentoristas? Qual a dinâmica da missão
para conseguir um número tão elevado de sacramentos e o que podemos deduzir de suas
atividades e resultados como instrumento de doutrinação da população?
Se frei Bindi nos informou simplesmente que esses eram missionários redentoristas,
foi frei Dorelli que nos esclareceu que esses eram holandeses, residentes em Juiz de Fora e
que sua vinda ao extremo sul de Minas Gerais foi promovida “por mandado do Senhor
Bispo”448, e após uma demonstração de interesse por parte de frei Dorelli de receber em sua
paróquia as santas missões, uma vez que, para este religioso, “A rinnovare um popolo, e a
risvegliare in esso il più vivo sentimento religioso, non v´è meglio che uma frutuosa
Missione;”449
É bom pontuarmos que, ambos os interesses, aquele da autoridade diocesana e o do
pároco de Cambuí, não estavam desvinculados da política seguida então pela Igreja naquele
período, pois, embora as missões sejam bem mais antigas do que o movimento de Reforma da
Igreja no Brasil no século XIX, se nos voltamos mais uma vez para a Pastoral Coletiva de
1911, que em seu capítulo VII versa sobre “os meios de conservar os bons costumes e
corrigir os maus”, perceberemos que a missão era tida como um agente muito eficaz para
adequar diversos comportamentos:

447
Ibidem, p. 12v-13.
448
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 63.
449
DORELLI, E. Tre consolante avvenimenti nella mostra Missione brasiliana. Il Carmelo. p. 119. “A renovar
um povo, e a despertar nesse, o mais vivo sentimento religioso, não existe coisa melhor que uma frutuosa
missão”.
143

Para remediar os males públicos e particulares, extirpar os vícios


e abusos, extinguir os ódios e inimizades, acabar com os concubinatos e
outros escândalos em uma parochia, chamar o povo á observância dos
mandamentos da lei de Deus e da Egreja, e estabelecer os bons
costumes, não há meio tão eficaz como as missões, quando pregadas por
Sacerdotes abrazados de zelo da gloria de Deus e da salvação das
almas.450

Tais missões não seriam úteis somente nestes casos. É que, se retrocedermos aos
decretos do Concílio Plenário Latino Americano, vemos que bem mais ampla foi a atribuição
concedida a estes eventos por este documento451.
Diferentemente das missões aos “infiéis”, apresentadas no terceiro capítulo como uma
séria obrigação das autoridades religiosa e civil, que devem levar, no caso da América,
sobretudo aos povos indígenas a “civilização 452 por meio do apostolado, a utilidade das
missões ao “povo”, de acordo com tal documento, reside no fato de que com estas:

(...) no sólo se confortan los fieles que caminan por el recto


sendero de la virtude y de la piedad, y se mueven à llevar á cabo más
arduos propósitos, sino que también los vacilantes se sostienen para que
no caigan, y los caídos se despiertan del sueño del pecado y se
encaminan á la enmienda.453

Ao discorrer sobre a utilidade de promover tais eventos, este documento nos aponta
para o dever que os padres e religiosos tinham de buscar promover missões e exercícios
espirituais ao “povo” 454 . Com efeito, de acordo com tal documento, diversos foram os
pontífices que incentivaram os bispos para que estes promovessem missões em suas dioceses.

450
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 28.
451
EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.
Roma: Tip. Vaticana, 1906. p. 406.
452
Ibidem, p. 435.
453
EPISCOPADO LATINO AMERICANO, Loc. Cit. “Não só se confortam os fieis que caminham pelo reto
camino da virtude e da piedade, e querem levar a cabo os mais árduos propósitos, mas também os vacilantes se
sustentam para que não caiam e os caídos se despertam do sono do pecado e se encaminham à uma
reparação.”(tradução nossa).
454
Ibidem, p.406.
144

Por isso é recomendável que o clero colabore com as missões, apoiando e dando suporte em
todos os trabalhos nelas realizados455.
Dom Assis e frei Dorelli parecem ter seguido tais recomendações à risca, mas
interessa-nos saber como e se tais mudanças de comportamento foram alcançadas por meio
das missões. Com este objetivo, nos atentamos para a dinâmica verificada nestes eventos
extraordinários.
Para tanto, o primeiro ponto sobre o qual devemos nos debruçar é sobre os
protagonistas das missões. A respeito do assunto, Mabel Pereira, em sua obra Romanização e
Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora, ao discorrer sobre as congregações
religiosas europeias que se fixaram na cidade de Juiz de Fora no contexto da Reforma
Ultramontana, nos afirmou que os padres redentoristas holandeses eram provenientes da
Congregação do Santíssimo Redentor, que chegaram àquela cidade em 1894 456.
Sobre essa comunidade, Luciano Dutra Neto afirmou em sua Tese intitulada Das
Terras Baixas da Holanda, Uma Contribuição à História das Missões Redentoristas, durante
os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais 457, que tal congregação desenvolvia seu
apostolado junto aos habitantes das cidades e do campo, não fazendo distinção entre grupos
ou segmentos sociais458. O mesmo autor, ao abordar a obra Origenes de la Congrégation du
Trés-Rédempteur, de autoria de M. de Meulemeester, nos esclarece que o objetivo principal
desta instituição era pregar a palavra de Deus especialmente aos mais pobres, que
necessitavam de mais cuidados459.
Tais informações vão de encontro ao que nos foi registrado por frei Dorelli em crônica
datada de 25 de outubro de 1912, quando o missionário, apresentando tal comunidade
religiosa aos leitores do Il Carmelo, afirmou que esses missionários tinham a finalidade de
executar o objetivo de sua regra de “evangelizzare le turbe, specie plebee, delle città e
campagne”460, projeto para o qual a comunidade elegeu três religiosos para pregar missões
durante grande parte do ano461.

455
Ibidem, p. 407.
456
PEREIRA, M. S. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora (1890-1924). Juiz
de Fora: Irmãos Justiniano, 2004. p. 88.
457
NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma contribuição à história das
missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais. Tese de Doutorado em
Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências Humanas. Juiz de Fora: 2006.
458
Ibidem, p. 43.
459
Ibidem, p. 64.
460
DORELLI. E. Tre consolante avvenimenti nella nostra Missione brasiliana. Il Carmelo. p. 119-121.
“evangelizar as turbas, do tipo plebeus, da cidade e campo”(tradução nossa).
461
DORELLI, E. Loc. Cit. “Três deles, que exercitassem, durante todo o ano, exceto nos meses de maiores
chuvas, o ministério apostólico’’.(tradução nossa).
145

Sobre a realização de missões nas paróquias de Cambuí e de Córrego, nos esclareceu o


referido missionário que isso deveu-se ao fato de que naquele ano, após aprovação diocesana,
oito paróquias da Diocese de Pouso Alegre foram escolhidas para receber tal missão (entre
estas figuravam as referidas localidades)462. Por isso, uma comitiva de redentoristas formada
pelos padres Gualtier, Affonso e Carlos deixou Juiz de Fora em junho daquele ano rumo às
belas paisagens do sul do Estado. Neste ponto, é interessante notarmos que, de acordo com
este religioso, antes do grupo atingir o Bispado de Pouso Alegre, sofreu uma baixa, pois padre
Gualtier contraiu pneumonia e teve de retornar à sede da Congregação 463, dado que assume
importância na medida em que nos demonstra que o retorno desse missionário reduziu o
efetivo da missão, destinado a atuar nas duas paróquias que analisamos.
Ainda no que diz respeito às missões pregadas pelos redentoristas, Fábio José Garcia
dos Reis, em sua Tese intitulada Os Redentoristas de Aparecida e a Regeneração do Brasil:
1916-1931 sustenta que, essas se configuraram como um dos “instrumentos mais eficazes da
ação direta, na luta contra a ignorância religiosa e no combate contra os erros modernos
(...)”464.
Dutra Neto, por sua vez, ao referir-se à realização de missões pelos redentoristas em
pequenas localidades do interior de Minas Gerais no início do século XX, afirma que tal
trabalho obteve êxito, não obstante os problemas enfrentados pelos religiosos, que diziam
respeito, sobretudo, às diferenças dos costumes entre missionários e a população, e à
dificuldade destes religiosos com o idioma português465.
Se estes autores nos afirmam a eficácia das missões, o mesmo parece figurar como
certo para Mabel Pereira. Esta acredita que as missões, ao colocarem frente a frente
missionários e as populações locais, promoveram o aprimoramento da instituição paroquial. A
mesma autora, ao corroborar com João Batista Libânio, sustenta que as missões foram as
responsáveis por fazer com que a Reforma Ultramontana acontecesse em áreas urbanas e
rurais466, o que dava-se pois:

462
Ibidem, p. 119.
463
DORELLI, E., Loc. Cit. “Se reduziram a dois, pois que pego pela pneumonia, o Padre Gualtier, ainda que
escapado do perigo mortal, foi obrigado a retornar a Juiz de Fora’’. (tradução nossa).
464
REIS. F. J. G. dos R. Os Redentoristas de Aparecida e a Regeneração do Brasil: 1916-1931. Tese de
Doutorado. FFLCH, USP 1998. São Paulo. p. 316.
465
NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma contribuição à história das
missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais. Tese de Doutorado em
Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências Humanas. Juiz de Fora: 2006.
p. 219.
466
PEREIRA, M. S. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora (1890-1924).
Juiz de Fora: Irmãos Justiniano, 2004. p. 111.
146

A comunidade vivia nos dias de missão em função dela: os


horários, temas, maneira de falar eram sugeridos nos manuais de
missão. O objetivo era alcançar todos os grupos humanos, desde os
homens adultos até as crianças, ensinando-lhes as orações básicas,
introduzindo o hábito da oração da manhã e da noite, o costume do
exame de consciência à luz das verdades eternas, inculcando o medo
salutar do pecado, do inferno, do purgatório, do juízo de Deus e levando
o fiel à confissão geral467.

No entanto, não podemos concordar com tais pareceres, que reafirmam a eficácia e
eficiência de tal instrumento na luta contra o desconhecimento da doutrina ultramontana e
contra muitas das práticas religiosas dos leigos deste período.
Por esta razão, nos voltamos para as paróquias que ora analisamos, a fim de
sondarmos como tais eventos foram vivenciados pelos religiosos e pelos leigos nestas
localidades. E o primeiro fato a sondarmos é o período no qual estas foram realizadas. Os
registros de frei Bindi efetuados no Livro do Tombo nos afirmam que as missões em Córrego
duraram de 6 de agosto até 14 deste mês 468, ao passo que, em Cambuí, tiveram início em 23
de agosto e duraram até 15 de setembro, período no qual os missionários percorreram além da
sede, os bairros de São Sebastião da Lagoa Grande, São Benedito do Rio do Peixe e de Nossa
Senhora da Conceição dos Vazes469.
Neste ponto, é forçoso recordarmos que em alguns anos, frei Bindi registrou a
realização de outras festas religiosas após o dia 6 de agosto, dia da Festa do Senhor Bom
Jesus, o que nos faz crer que a organização de missões em Córrego, a partir deste dia, foi mais
uma estratégia, ou seja, uma tentativa de intervenção sobre muitas das práticas do catolicismo
local.
Com o objetivo de entendermos o que ocorreu neste período nessas localidades,
retomamos o que nos foi possível apreender a respeito das missões ainda em Córrego, onde é
o próprio frei Bindi que, por meio do artigo Festa do Bom Jesus do Córrego – Missões,
publicado no jornal Tribunal Sul Mineira, órgão integrante da Boa Imprensa, em edição de 8
de setembro de 1912, nos apresentou importantes dados omitidos em seu relatório anual470.

467
PEREIRA, M. S. Loc. Cit.
468
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 13.
469
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 63.
470
JORNAL TRIBUNA SUL MINEIRA. Pouso Alegre: Anno III, 8 set. 1912.
147

De acordo com o religioso, no dia 6 de agosto de 1912 chegaram ao Santuário, vindos


de Gonçalves, os missionários redentoristas padre Carlos e padre Afonso, para realizar uma
missão de oito dias, ato este que nos lembra muito a organização da visita pastoral de Dom
Assis no dia 6 de agosto de 1911, que configurou-se, conforme já vimos, como uma nítida
tentativa de frear muitos “abusos” verificados durante a festa. Mas no que se refere à missão
dos redentoristas, o que pretendiam e o que realizaram os missionários quando de sua
chegada?
Frei Bindi, ao abordar algumas atividades que fizeram parte da programação da festa
no dia 6 de agosto daquele ano, como procissão, apresentação das bandas, entre outros, nos
assevera que, nesse dia, o redentorista padre Carlos realizou um sermão sobre o amor do Bom
Jesus no fechamento da procissão, ocasião que reconhecemos como um dos momentos
máximos da festa, ato, portanto, que parece apontar para a utilização de hábil estratégia para
tentar se aproximar da grande audiência vinda para o evento.
Finalmente, como desfecho de sua matéria, frei Bindi apresentou de modo orgulhoso o
balancete conseguido pela missão em Córrego, no qual registra os mesmos números que já
vimos anteriormente em seu Relatório Anual de 1912. Tudo isso de modo a querer coroar a
“exata e correta” programação da grande festa do Bom Jesus, fato que não acreditamos,
partindo do pressuposto que a própria convocação da missão naquele período teve por
objetivo adequar muitas das práticas do catolicismo local ao catolicismo sacramental e
ultramontano.
Felizmente, frei Bindi não foi o único que pôde registrar tal evento, uma vez que
naquele ano, outro teresiano, o frei Nicolò Magnanelli, teve possibilidade de presenciar o dia
da festa e, sobre a dita procissão e o sermão de padre Carlos que ocorreu ao fim da procissão,
pôde notar que:

(...) un’imponente processione sfilò per le vie principali del paese.


Precedevano le fanciulle col próprio stendardo, seguivano bambini
parati da angioletti, il concerto, i RR. PP. Carmelitani in cappa bianca, e
fra suoni, spari, cantici, procedeva majestosa la bella statua del Buon
Gesù, sostenuta dalle persone più notabili del luogo, cui seguiva
numerosa moltitudine di devoti. Nel retorno alla chiesa, uno dei Padri
venuti per le Missioni a Corrego, proferì um breve discorso di
148

circostanza, facendo risaltare la fede viva di questo popolo, che esterna


con così magnifica pompa il culto della religione. 471

Pela sua descrição (que nos chama a atenção por um tom de afeto às manifestações de
exteriorização de fé dessas populações), podemos perceber que o discurso do padre
redentorista, que valorizou muitas atitudes presentes nas formas de religiosidade local,
aconteceu no meio de uma manifestação viva de tal religiosidade, com a presença de
irmandades, leigos, a banda, sons, disparos e cânticos em meio à imponente procissão do Bom
Jesus, e objetivou atingir o grande público então presente.
Ainda referindo-nos a este mesmo trecho, somos levados a crer que os missionários
redentoristas estavam cientes da força do catolicismo local, e até mesmo dele se utilizavam,
com a finalidade de tentar promover novas atitudes nos leigos. Só isso nos explica o fato
desses, no dia de sua chegada, terem tomado parte na procissão e nela terem proferido um
discurso que, ao que tudo indica, valorizou muitas atitudes presentes nas formas de
religiosidade local.
Ao objetivarmos continuar a vislumbrar como tais eventos ocorreram, é interessante
notarmos que o mesmo frei Nicolò Magnanelli nos informa ainda de importantes aspectos das
missões em Córrego:

Fin dalla prima sera il concorso dei fedeli fu straordinario, e


aumentarono quindi sempre più, attrati dalla parola facile e persuasiva
dei due ottimi Missionari. Era edificante vedere quella folla di popolo
ascoltare com religioso silenzio le grandi verità dela mostra santa Fede;
e queste, a loro volta, corroborate dalla grazia divina, destavano negli
animi dell´uditorio um salutare e profondo timore. Difatti tutta la
popolazione há corrisposto fedelmente alla grazia del Signore,
accostandosi ai SS. Sacramenti com vera pietà Cristiana. Dopo sete
giorni i RR. PP. Missionari, accompagnati da alcuni maggiorenti del

471
MAGNANELLI, N. Notizie dal Brasile. Il Carmelo. p. 376-378. “Uma imponente procissão desfilou pelas
vias principais do lugar. ‘’Precediam meninas com próprio estandarte, seguiam meninos vestidos de anjinhos, a
banda musical, os reverendissiomos padres Carmelitanos em capa branca, e entre som, disparo e cantos, andava
majestosa a imagem do Senhor Bom Jesus, carregada pelas pessoas mais notáveis do lugar, a qual seguia
numerosa multidão de devotos. No retorno até a igreja, um dos padres vindos para as Missões em Córrego,
proferiu um breve discurso de circunstância, fazendo ressaltar a fé viva deste povo, que exterioriza com
magnífica pompa, o culto da religião.” (tradução nossa).
149

paese, ripartirono soddisfatti dell´abbondante frutto raccolto nel campo


místico del Signore472.

Se tal registro nos afirma que foi grande a adesão da população, e que esse ato contou
com o apoio dos maiores senhores locais, também nos aponta para o fato de que esta
atratividade teria sido causada pela “palavra fácil e persuasiva” dos missionários, quadro que
iremos analisar adiante, mas que por ora, nos mostra que algumas das atividades principais da
missão foram a instrução sobre pontos da doutrina católica e a administração de sacramentos,
que para isso, utilizou-se de uma pedagogia que incutia medo, conforme nos apontou frei
Nicolò.
Ao referir-se a tais eventos em Cambuí, frei Dorelli nos coloca que, nesta localidade, a
entrada dos missionários foi “un vero trionfo”473. Nessa ocasião, estiveram presentes quatro
teresianos, o Dr. Paiva, Juiz de Instrução e o padre redentorista Afonso, e foi quando
aconteceu uma procissão (acompanhada pela banda musical) da entrada da cidade até a matriz
do Carmo, onde o referido redentorista respondeu aos discursos a ele proferidos e onde
informou aos paroquianos da programação das atividades da missão 474.
Ainda em Cambui, é forçoso notarmos que o mesmo missionário nos assevera que “Il
clou delle sante Missioni si ebbe, in città, ai 30 d’Agosto, a motivo della prima communione e
dell’innalzamento <<do cruziero>> (della s. Croce) innanzi alla chiesa Matrice”475. Uma
vez que a ereção de cruzeiros não foi registrada em Córrego, aqui a dedicamos atenção, pois é
interessante a seu respeito notarmos o que frei Dorelli nos apresenta a seguir:

Alle ore 17 dello stesso 30 d´Agosto, con grande solennità e


straordinario concorso di fedeli, dopo una divota processione
penitenziale, ebbe luogo l´innalzamento d´un <<cruzeiro>> (d’una

472
Ibidem, p. 378. “Desde a primeira tarde, o concurso de fieis foi extraordinário, e aumentou sempre mais ,
atraídos pela palavra fácil e persuasiva dos dois ótimos Missionários. Era edificante ver aquela multidão de povo
escutar com religioso silêncio as grandes verdades da nossa Santa fé; e estes, por sua vez, corroborados da graça
divina, despertavam no ânimo do auditório um salutar e profundo temor. De fato, toda a população correspondeu
fielmente à graça do Senhor, aproximando-se dos Santos Sacramentos com verdadeira piedade cristã. Depois de
sete dias, os reverendos padres Missionários, acompanhados por alguns dos principais senhores da região,
partiram satisfeitos pelo abundante fruto colhido no campo místico do Senhor.” (tradução nossa).
473
DORELLI, E. Tre consolante avvenimenti nella nostra Missione brasiliana. Il Carmelo, p. 119-120. “um
verdadeiro triunfo’’.(tradução nossa).
474
DORELLI, E. Loc. Cit.
475
Ibidem, p. 120. “O ponto alto das Missões aconteceu na cidade no dia 30 de agosto por causa da primeira
comunhão e do levantamento de um cruzeiro em frente a igreja matriz.” (tradução nossa).
150

croce), destinato a ricordare ai Cambuhyiensi i propositi da loro fatti


durante le sante Missioni del 1912.476

Pelo mesmo missionário tomamos conhecimento de que tal atividade não se restringiu
a acontecer exclusivamente na sede, pois, no Livro do Tombo, frei Dorelli afirma que, ao final
das Santas Missões, foram levantados quatro cruzeiros: um no largo da Matriz de Cambuí (30
de Agosto); outro diante da capela de São Sebastião no bairro dos Campos (6 de Setembro);
o terceiro frente à capela de São Benedito no bairro do Rio do Peixe no mesmo dia e,
finalmente; o último cruzeiro foi erguido diante da capela do bairro dos Vazes, no dia 14 deste
mês477. No que se refere à execução das missões em Cambuí, é interessante observarmos mais
algumas constatações feitas por frei Dorelli quando de sua realização.

Particolarità di questo consolante religioso avvenimento in


Cambuhy, furono il numerosissimo uditorio accorso, tantochè, più sere,
la vecchia ma grande Matrice fu incapace di contenere la moltitudine
venuta anche dai più eccentrici quartieri della parrocchia, dove si
sapeva che per manco di cappelle filiali non avrebbe avuto luogo la
predicazione; una straordinaria e neppur da me sognata frequenza ai
Santi Sacramenti; una memorabile prima Comunione di più che 100, tra
fanciulli e fanciulle; la rimozione di molti scandali pubblici, e l´erezione
della santa croce-ricordo(1)478.

Neste trecho, frei Dorelli afirma novamente que tais eventos tiveram grande
participação da população, que aderiu de forma notável aos sacramentos, comportamento
diverso daquele que anteriormente havíamos registrado nas duas paróquias. A fim de entender
melhor o que este religioso nos afirma, retomamos aqui os registros do número de
sacramentos administrados durante as missões. Como já tivemos oportunidade de observar, a
realização da missão em Córrego resultou em 725 confissões e 1050 comunhões. Em
476
Ibidem, p. 120-121. “Às 17 horas do mesmo dia 30 de agosto, com grande solenidade e extraordinário
concurso de fiéis, depois de uma devota procissão penitencial, aconteceu o levantamento de um cruzeiro (de uma
cruz) destinado a recordar aos cambuienses os propósitos destes durante as Santas Missões de 1912”. (tradução
nossa).
477
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 63.
478
DORELLI, E., Op. Cit. p. 120. “Particularidade deste consolante religioso acontecimento, em Cambuí foram:
o numerosíssimo auditório acorrido, tanto que em diversas tardes, a velha mas grande matriz foi incapaz de
abrigar a multidão vinda também dos ecêntricos bairros da paróquia, onde se sabia que por falta de capelas
filiais, não aconteceria a pregação; uma extraordinária e nem mesmo por mim sonhada frequência aos Santos
Sacramentos; uma memorável primeira comunhão com mais de 100, entre meninos e meninas; a remoção de
muitos escândalos públicos, e a ereção do cruzeiro.” (tradução nossa).
151

Cambui, por sua vez, foram 1295 confissões, 1800 comunhões e 10 casamentos legitimados;
ao passo que, no bairro da Lagoa Grande, foram registrados 405 confissões, 700 comunhões e
3 casamentos legitimados; no Bairro de São Benedito do Rio do Peixe 415 confissões, 760
comunhões e 1 casamento e; finalmente, no Bairro de Nossa Senhora da Conceição dos
Vazes, foram computados 660 confissões, 1214 comunhões e 3 casamentos479.
Mas depois de conhecermos os registros sobre as missões em nossas paróquias, o que
podemos concluir da realização destas como instrumento de doutrinação e reeducação da
população? Seriam tais resultados índices capazes de atestar que a missão cumpriu seu
objetivo de atingir todos os segmentos de tais comunidades, rural e urbana? E, finalmente, tais
resultados significam que houve nestas localidades uma mudança de comportamento rumo ao
catolicismo ultramontano, mais individualista e sacramental?
Para responder a tais perguntas, devemos pontuar uma primeira questão. De fato,
através de nossas fontes, foi possível sabermos que, nessas duas paróquias, a realização das
missões congregou multidões que, contudo, parecem ter participado de atos relativamente
severos e austeros, ao crer na utilização do sermão ao amor do Bom Jesus, na presença de
bandas e procissões, além de enfeites e muita pompa. Tal observação também foi feita por
Marcelo Camurça que, ao analisar as missões redentoristas em Minas Gerais, nos afirma que:

Se observarmos o estilo das ‘Santas Missões’ no território do


catolicismo tradicional mineiro, vamos nos surpreender com o caráter
‘exterior’ de suas pregações, ao contrário das preocupações expressas
em fomentar um estado de ‘interioridade’ nos assistentes. 480

É interessante observarmos que este caráter exterior pôde ser observado também em
muitas das atividades das missões pregadas nas paróquias de Cambuí e Córrego, o que nos
leva a crer que tal postura flexível dos redentoristas frente a muitas práticas do catolicismo
local, pode ter sido assumida em face da constatação da força das práticas da religiosidade
local e para tentar se aproximar deste público, o que nos indica que as missões não
conseguiram se impor com rigor e austeridade, e que configuraram-se como um momento de

479
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 63.
CAMURÇA, M. A “artilharia pesada” espiritual. (O embate das “Santas Missões” redentoristas com
480

o catolicismo tradicional mineiro em contexto de romanização no final do século XIX). São Paulo:
Paulinas, 2004. p. 227. In: NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma
contribuição à história das missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais.
Tese de Doutorado em Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências
Humanas. Juiz de Fora: 2006. p. 43.
152

trocas mútuas e não unicamente como imposição de príncipios e práticas austeras do


catolicismo ultramontano. Antes de concluirmos tal hipótese, contudo, devemos entender
como a missão estava estruturada.
Neste sentido, torna-se fundamental nos determos no que nos apresenta Luciano Dutra
Neto, em sua referida Tese, quando ao abordar os sermões missionários utilizados nas
missões pelos redentoristas no início do século XX, nos deixa apreender muito da dinâmica e
estrutura da missão. Com efeito, ao analisar os sermões missionários contidos no Guia do
Missionário Redentorista, manual reeditado em 1948 pelo Padre Veerger, então vice
provincial (e que contém textos de alguns dos religiosos mais antigos estabelecidos em Minas
Gerais, todos baseados em escritos de Santo Afonso de Liguori), Dutra Neto nos informa que
a missão estava estruturada em diversas etapas, que iniciavam-se com uma calorosa recepção
dos religiosos quando de sua aproximação da cidade. De acordo com o autor, o primeiro
contato entre religiosos e população acontecia neste momento. Estes então seguiam em
procissão rumo à igreja, onde pronunciavam à população a programação das atividades das
missões481.
Se o modo como tal ato fora observado em Cambuí e em Córrego nos reafirma a
impressão de cooperação e negociação com muitas práticas do catolicismo local, devemos
ainda ver que, no sermão de abertura, segundo Luciano Dutra Neto, os missionários
empenhavam-se para despertar o interesse dos leigos pela missão e esclarecer aos mesmos
sobre a estrutura e finalidade deste evento. Para isso, os religiosos comunicavam e
enfatizavam aos paroquianos os benefícios que aqueles que se integrassem às atividades da
missão poderiam usufruir, bem como as penas que estes poderiam sofrer, se não
aproveitassem convenientemente tal evento para obter a salvação 482.
Prosseguindo em sua análise, o referido autor nos apresenta que o programa da missão
reservava ao segundo dia a pregação de um sermão, cujo objeto central era a salvação. Nesse
momento, o religioso ao citar uma recomendação de Santo Afonso, enfatizava o grave dever
que todos tinham de buscar a salvação da alma 483.
Já no terceiro dia, os missionários abordavam o pecado mortal. É interessante
notarmos que, ao transcrever um trecho do discurso citado neste guia para o terceiro dia de

481
NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma contribuição à história das
missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais. Tese de Doutorado em
Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências Humanas. Juiz de Fora: 2006.
p. 205.
482
Ibidem, p, 210.
483
NETO, L. D. Loc. Cit.
153

missão, Dutra Neto nos deixa apreender que, os religiosos, ao abordarem este tema,
primeiramente lembravam aos ouvintes da conveniência de conversão daqueles que cometiam
pecados mortais, que muito sofrimento poderiam causar ao leigo em vida e no inferno, após a
morte. Finalmente, era lembrada à audiência do fato de que à morte não escaparia ninguém484.
No quarto dia, o sermão era realizado à noite e objetivava levar a audiência a meditar
sobre o juízo final. Neste momento, o missionário recordava aos paroquianos como deve
ocorrer este evento. Finalmente, após listar os comportamentos condenados à perdição, o
sermão incentivava o paroquiano a fazer um exame de consciência que devia levá-lo a
concluir sobre seu destino e a se emendar em caso de necessidade. De acordo com Camurça,
ao ser citado por Luciano Dutra Neto, o objetivo final deste sermão era levar o paroquiano a
confessar-se, o que acontecia depois de incutir medo nos ouvintes485.
O próximo sermão constituía-se em uma pregação sobre o Inferno, na qual o
missionário afirmava a existência deste cenário, para em seguida abordar alguns dos
tormentos que ali sofria o pecador486. Como a apontar uma luz ao final do túnel, tal sermão
tinha fecho apresentando a este pecador que também a ele era reservado uma remissão, caso
este se mostrasse arrependido, realizasse uma confissão e se convertesse, atitude que nos
lembra a concessão de indulgências que abordamos no segundo capítulo 487.
Finalmente, os missionários redentoristas visavam oferecer aos leigos as condições
necessárias para que estes pudessem obter a salvação. Para isso, eram enfatizadas as
vantagens da proteção de Nossa Senhora, bem como as condições necessárias para ser
merecedor desta proteção488.
O programa das missões abrangia também outras atividades que não somente os
sermões. De acordo com Dutra Neto, durante os dias em que tal evento era promovido, os
missionários realizavam normalmente na manhã, junto à população, catecismo às crianças,
aos jovens e aos adultos, através do qual os redentoristas instruíam a população sobre um
ponto da doutrina e sobre o perigo de outras religiões. Além disso, os missionários também
aproveitavam estas ocasiões para tentar desarraigar superstições 489.

484
Ibidem, p. 210-211.
485
CAMURÇA M., 2004 apud NETO, L. D., 2006 p. 213.
486
NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma contribuição à história das
missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais. Tese de Doutorado em
Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências Humanas. Juiz de Fora: 2006.
p. 213.
487
NETO, L. D. Loc. Cit.
488
Ibidem, p. 214.
489
Ibidem, p. 218
154

A promoção de procissões e a realização de confissões e comunhões gerais também


constituíam-se em atividades centrais que, de acordo com o referido autor, tinham o poder de
envolver grande percentagem da população. Ainda em referência ao que diz Dutra Neto, o
objetivo da confissão era levar o paroquiano à conversão, ou seja, à mudança de hábitos, e por
isso, o número de confissões era visto como resultado importante490.
Ao término da missão, Dutra Neto nos afirma que era colocada na entrada da igreja
local pelos redentoristas uma cruz de madeira, pintada de preto. Ali, os missionários, além da
data de realização das missões, gravavam “Salva tua alma” 491, ato que consideramos como um
instrumento da dita pedagogia “do medo” que, neste caso, era incutido para lembrar mais uma
vez a necessidade que os leigos tinham de adequar muitos de seus costumes.
Embasados no que este autor nos apresenta, podemos crer que, com referência à
promoção da missão, os principais instrumentos utilizados pelos redentoristas foram o
incentivo à aproximação da confissão e da comunhão, a promoção de procissões e a instrução
religiosa sendo que, em muitos dos discursos veiculados pelos missionários, era utilizada uma
pedagogia “do medo” que, ao mesmo tempo em que buscava apresentar provas da existência
do inferno, apresentava caminhos de salvação que percorriam passos, em certo sentido já
conhecidos pelos leigos, como a devoção à Nossa Senhora, crença de grande força nesta
região, fato que nos aponta para o emprego de estratégias que buscavam também modificar a
relação do leigo com seus santos de devoção, visando promover mudança de atitudes e
costumes.
No que se refere à pregação, embora já tenhamos realizado algumas considerações
sobre esse tema no item anterior, pontuamos ainda outras dificuldades que, segundo Luciano
Dutra Neto, podiam se fazer sentir quando o missionário redentorista se dirigia ao público
alvo das missões. Essas, dizem respeito às dificuldades dos missionário em falar à alta voz, de
serem ouvidos por todos, à presença de pessoas desinteressadas e, finalmente, à própria
dificuldade dos missionários com a língua portuguesa 492.
Tais considerações nos ajudam a pensar a recepção dos discursos proferidos nas
missões pelos missionários aos leigos, porém, não se aplicam de modo integral ao caso das
paróquias que aqui analisamos. Embora não tenhamos podido identificar todos os religiosos
redentoristas que participaram da missão em nossa região, através da tese de Luciano Dutra
Neto foi possível identificarmos um religioso de nome Affonso Mathissen, que nos parece ser

490
NETO, L. D. Loc. Cit.
491
Ibidem, p. 210.
492
Ibidem, p. 217.
155

o padre que, em 1912, atuou em Córrego e em Cambuí. Tal missionário, de acordo com Dutra
Neto, foi um pioneiro do primeiro grupo que fixou-se em Juiz de Fora em 1894, e que
portanto, em 1911, já era experiente em missões e com a língua portuguesa.
Cientes das especificidades e dinâmica da missão, o que pode nos representar o
número de sacramentos contabilizados ao fim das missões? Nesta análise, primeiramente
consideraremos o que o próprio frei Dorelli nos esclarece sobre o método de contabilização
dos sacramentos como indicador do sucesso da missão:

Avendo i due reverendi Missionari il costume di contare, con una


specie di rosario movibile, il numero delle confessioni, e di far contare
dal sagrestano le particole consacrate, fu facile stabilire il preciso delle
sante Missioni. In se non fu un gran che; ma relativamente alla vita di
questo popolo, da me abbastanza descritta in antecedenti mie relazioni
al Carmelo, fu molto, anzi moltissimo, ed è da ringraziarne Dio
benedetto con la fronte a terra493.

Através dessa exposição, podemos perceber que os instrumentos usados na


contabilização dos sacramentos eram imprecisos e inseguros, e tal percepção, sem dúvida, nos
ajuda a melhor analisar os números gerados ao final das missões em ambas as paróquias. De
fato, se os números obtidos em Córrego podem, à primeira vista, parecer surpreendentes, o
mesmo não acontece em Cambuí, paróquia que nesse período havia uma população estimada
em 16.000 habitantes.
Mas podemos creditar a tais cifras a faculdade de qualificar comportamentos dos
adeptos do catolicismo ultramontano e sacramental? Após nossa análise, podemos concluir
que essa missão alcançou seu objetivo de mudar costumes?
Se considerarmos que essa foi a única missão pregada em todo o período de gestão
teresiana (1911-1922), que devia acontecer, de acordo com a Pastotal Coletiva de 1911, pelo
menos de três em três anos; se considerarmos ainda que alguns dos métodos da missão, longe
de pretender impor comportamentos austeros, se utilizou de práticas presentes nas formas de
religiosidade local a fim de se aproximar do “povo”; se considerarmos que, conforme já

493
DORELLI, E. Tre consolante avvenimenti nella nostra Missione brasiliana. Il Carmelo, p. 118-121. “Tendo
os dois reverendos Missionários, o costume de contar, com a espécie de um rosário móvel, o número das
confissões, e de fazer contar pelo sacristão, as partículas consagradas, foi fácil estabelecer um preciso
‘’balancete’’ das santas Missões. Em si, não foi grande coisa mas em relação à vida deste povo, por mim
bastante descrita em antecedentes relatórios no Carmelo, foi muito, muitíssimo, e é para se agradecer a Deus
bendito beijando o chão por este fato.”
156

vimos anteriormente, muitas das novas práticas apresentadas aos leigos destas paróquias neste
período não eram recebidas e interpretadas como a hierarquia desejava, mas de acordo com
uma carga de conhecimentos e vivência de cada individuo; se considerarmos a imprecisão do
método de contabilização usado para registrar o número de sacramentos administrados nas
missões, se considerarmos que os números de sacramentos gerados ao final das missões não
se mantêm nos anos vindouros com o mesmo vigor e, finalmente; se recordarmos que a
missão se utilizava de uma pedagogia que incutia nos leigos o medo para incentivá-los a
mudar costumes, então podemos nos arriscar em uma hipótese: diante de tal cenário, somos
levados a crer que tal instrumento não foi capaz de mudar comportamentos antigos e
arraigados nestas populações. Ao emitirmos tal parecer, nos recordamos da persistência de
antigas práticas culturais e religiosas nos anos que se seguem a 1912 em ambas as paróquias,
ou seja, a manutenção de muitas festas religiosas locais, a dificuldade da criação de
associações pias, a rejeição das populações locais às novas devoções trazidas pelos teresianos,
entre outros. Contudo, temos de admitir que tais momentos configuraram-se como ocasiões de
intenso intercâmbio entre práticas do catolicismo local e do catolicismo ultramontano, que
continuamos aqui a analisar.

3.5- Entre o Preceito e a Prática: a Ação Pelos Sacramentos

Após analisarmos os esforços de instrução religiosa operados pelos teresianos através


da celebração da missa, do ensino e instrução religiosa e da promoção de santas missões,
chegamos finalmente à questão dos sacramentos.
No decorrer de nossa pesquisa, por diversas vezes nos deparamos com registros sobre
a contabilização e especificação dos sacramentos administrados em nossas paróquias em
ocasiões diversas, dados estes que emergem de anotações realizadas pelas autoridades
diocesanas e pelos teresianos.
Trata-se de uma prática que deveria se fazer presente em vários momentos, ao longo
da vida do paroquiano, como o nascimento, confirmação, casamento e óbito, e ainda como
parte integrante de sua conduta como católico durante os atos religiosos, nas santas missões,
nas visitas pastorais, entre outros, mas que nem sempre foi observada nessas paróquias.
Neste ponto, portanto, analisamos atentamente esta questão, que se nos afigura como
uma das ações centrais de doutrinação empreendidas junto a essas populações, ou seja, a ação
157

desenvolvida pelos teresianos e autoridades diocesanas para estimular entre os leigos a prática
e frequência aos sacramentos.
Para entendermos tal ação, é necessário compreedermos, inicialmente, o cenário ali
encontrado nesse âmbito, e para nos aproximarmos deste objetivo, nos utilizamos
especialmente dos dados anotados nos Livros do Tombo de Cambuí e de Córrego, das
crônicas de Frei Dorelli e de frei Nicolò, além das Pastorais Coletivas de 1910 e de 1915 e das
Actas e Decretos do Concilio Plenário Latino Americano.
Com efeito, o primeiro registro que temos para iniciarmos a reflexão a este respeito foi
efetuado por ocasião da primeira visita pastoral de Dom Assis às referidas paróquias, em
agosto de 1911, quando se observou um número escasso de sacramentos, conforme já tivemos
ocasião de acompanhar.
Foi nesse contexto que percebemos a utilização de uma habilidosa estratégia por parte
da autoridade diocesana para buscar reverter tal quadro: a concessão de indulgências plenárias
e parciais de Pio X ao Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego. Essa não foi a única
estratégia utilizada já nos primeiros tempos para tentar difundir tal prática. A realização das
Santas Missões em 1912 se nos afigurou como mais uma tentativa destinada a elevar a
frequência aos sacramentos nessa região.
Ora, teriam estas estratégias gerado os resultados esperados? No que refere-se à
atuação teresiana em 1911, devemos notar que esta efetivou-se em nove meses de trabalho,
sendo que, nesse período, de acordo com o que fora registrado por frei Bindi em seu Relatório
da Paróquia de Bom Jesus do Córrego de 1911, nesta localidade foram administrados 148
batizados, 65 extremaunções, 34 matrimonios, sendo 2 destes em visita pastoral494.
Em Cambuí, no que se refere ao número de sacramentos em 1911, não temos um
relatório anual. É, pois, o termo da visita pastoral de Dom Assis, em 1911, a única fonte que
temos para observar este aspecto e, por meio deste sabemos que os sacramentos administrados
na visita de Dom Assis foram mais escassos, pois “Chrismaram-se: 184, Casaram-se: 0,
Comungaram: 9 fiéis”, diante de uma população estimada de 16 mil habitantes 495.
Esses primeiros dados nos esclarecem que, em Córrego e em Cambuí, uma ação de
incentivo à frequência aos sacramentos foi difícil. No caso da paróquia de Cambuí, frei
Dorelli, por meio de crônicas publicadas no periódico ilustrado Il Carmelo, nos evidenciou
muito de seu trabalho realizado neste âmbito, sendo que a este respeito, nos explica que:

494
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 11.
495
Ibidem, p. 58- 58v.
158

Nei primi mesi, dopo il possesso parrocchiale, mi provai a scuotere


con ripetuti avvisi il popolo, ricordandomi delle parole dell`Apostolo:
<<Obsecra, insta opportune importune>>. Ma che? Ne risultò un effetto
contrario. Il popolo non gradi affatto le ammonizioni insistenti, e seppi
da persona benevola che, se non avessi desistito a tempo da
quell`inculcare costantemente la Confessione annuale e la Comunione
pasquale, sarebbe stata fin pur compromessa la mia ulteriore
permanenza in Cambuhy! E a Corrego le cose non vanno
diversamente496.

O trecho que acima reproduzimos nos esclarece muito sobre o comportamento da


população da sede da paróquia no início da gestão teresiana. Frei Dorelli nos informa da
pouca frequência por parte dos paroquianos à comunhão e do incômodo causado à população
de Cambuí pela insistente admoestação do missionário, que visou instruir seus paroquianos
sobre a importância desta prática. Ainda percebemos que, diante da situação conflituosa que
se gerou em torno da frequência a este sacramento, há um recuo do teresiano, atitude que foi
motivada por um aviso.
O distanciamento de tais práticas foi também alvo da análise do mesmo missionário
durante sua visita ao bairro dos Campos, por ocasião das festas de São Sebastião e de São
Bento (celebradas em abril de 1911) e durante o Mês Mariano de 1911, realizado na sede de
Cambuí. Sobre a frequência aos sacramentos, de modo geral durante estes eventos, assim se
manifesta respectivamente frei Dorelli:

Fra tanta esteriore divozione però è sempre a lamentarsi la poca e


quasi nulla frequenza ai Sacramenti della Confessione e Comunione.
Creda, Padre, che questo ci accora, avendo il popolo preso l´abito
dell´astensione del tribunale di penitenza da molti e molti anni 497.

496
DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo p. 79-85. “Nos primeiros meses, depois da posse paroquial,
tentei impressionar o povo com repetidos avisos recordando-me das palavras do Apostolo: ‘’Eu te conjuro diante
de Deus que pregues as verdades religiosas, que instes oportuna e importunamente: que repreendas, rogues,
admoestes com toda a paciência e doutrina. Mas o que? Tais palavras resultaram efeito contrário. O povo não
apreciou as admoestações insistentes e soube por pessoa benévola que, se eu não tivesse desistido a tempo, de
inculcar constantemente a Confissão anual e a Comunhão pascal, seria até comprometida minha permanencia em
Cambuí! E em Córrego as coisas não são diferentes.” (tradução nossa).
497
Ibibidem, p. 81. “Entre tanta devoção exterior, porém, é sempre para lamentar a pouca e quase nula frequência
aos Sacramentos da Confissão e Comunhão. Acredite, Padre, que isso nos amargura, tendo o povo perdido o
hábito da abstenção do tribunal de penitência há anos e muitos anos.” (tradução nossa).
159

Una nota stonata, in mezzo a tanta devozione, fu la scarsezza, e


quasi l´assoluta mancanza, di confessioni e Comunioni. Non mi
sembrava vero: ma perchè?. Purtroppo, per mancanza di confessori, e
per altre cause che qui è inutile ricordare, il popolo di Cambuhy ha
perduto il gusto e l´uso del sacro Tribunale di penitenza, e
conseguentemente della Mensa eucaristica...498

Neste ponto, é forçoso reconhecermos que, em ambos os relatos, é dado destaque aos
atos marcados por atitudes de exteriorização de fé, valorizados contudo, como expressão da
catolicidade da população, enquanto a pouca frequência à comunhão é apresentada como
oposto da prática “católica”.
As razões alegadas pelo missionário para isso ocorrer, ou seja, “a falta de confessores
e outras causas inúteis de recordar” 499 não nos convencem de tal fato, mas antes, nos
evidenciam a pouca utilidade que os sacramentos tinham então para essas populações, uma
vez que, conforme já vimos, a base do catolicismo local parece estar assentada em uma
relação direta entre santo e devoto, que dispensaria, muitas vezes, a intervenção de atos
geridos pelo clero, conforme já vimos no segundo capítulo.
Antes de afirmarmos tal hipótese, buscaremos entender, em primeiro lugar, no que
consistiam os sacramentos e o que a este respeito nos colocaram as autoridades de então, para
finalmente nos debruçarmos sobre nossa realidade local.
Com a finalidade de entendermos o que a hierarquia católica considerava sobre a
frequência aos sacramentos, nos voltamos à Pastoral Coletiva de 1911. A importância central
dos sacramentos dentro do projeto de reforma da Igreja no Brasil vista nesse período,
principalmente através das disposições encontradas nas Pastorais Coletivas de 1911 e de
1915, é inquestionável e ocupa todo o título II destes volumes. Este documento, a respeito dos
sacramentos, nos apresenta que:

É missão principal dos párocos procurar a santificação das almas


pela exacta e escrupulosa administração dos sacramentos. Não basta
instruir seus paroquianos nas cousas necessárias à salvação; é necessário

498
DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo. p. 216-218. “Uma nota desafinada , em meio a tanta devoção,
foi a escassez, e quase absoluta ausência, de confissões e Comunhões. Não me parecia real: mas por que?
Infelizmente, por falta de confessores, e por outras causas que aqui são inúteis recordar, o povo de Cambuí
perdeu o gosto e o uso do santo Tribunal de penitência e consequentemente do banquete eucarístico” .(tradução
nossa).
499
DORELLI, E. Loc. Cit.
160

administrar-lhes os sacramentos que são fontes puríssimas e


abundandissimas estabelecidas pelo nosso divino redentor para
purificar e santificar as almas com suas aguas salutares. 500

Tal definição não nos apresenta somente a necessidade de que o padre, como função
hierarquizada tem, de instruir seus paroquianos sobre os sacramentos, mas delineia de modo
claro o lugar dos sacramentos como instrumento capaz de qualificar comportamentos. Ao
continuarmos a leitura desse documento, vemos que, diante de tal importância, cabe ao clero,
entre outros:

Ensinem frequentemente os Revds. Parochos ao povo que sete são


os sacramentos da Santa Madre Egreja, e que todos foram instituídos
por Jesus Christo Nosso Senhor, para aplicar ás almas os fructos da
redempção, e que todos eles são uteis e necessários, uns aos homens
tomados individualmente, outros é sociedade em geral. 501

Façam compreender que na Egreja nada há de mais santo mais


venerável e mais divino que os sacramentos instituídos por Nosso
Senhor para a salvação do gênero humano 502.

Sejam (...) pressurosos em administrar os sacramentos a todos os


que desejarem recebel-os, sem distinção de pessôas. Sempre que forem
chamados para administral-os, não interponham nenhuma demora,
principalmente se houver necessidade urgente 503.

Procurando attrahir á pratica dos sacramentos os que deles vivem


afastados, lembrando-lhes que os mesmos foram instituídos por Nosso
Senhor Jesus Christo para auxiliar a fraqueza humana, não exigindo
disposições extraordinárias; ensinem sua natureza, os efeitos próprios
de cada um e as disposições necessárias e suficientes para recebel-os.504

500
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 31.
501
EPISCOPADO BRASILEIRO. Loc. Cit.
502
Ibidem, p. 31-32.
503
Ibidem, p. 32.
504
Ibidem, p. 32- 33.
161

Através dessas disposições, observamos que grande atenção foi dada à necessidade de
instruir as populações sobre a importância de tal prática, o que nos leva a crer que o
conhecimento de sua finalidade não estava claro ao seu público alvo. De fato, tais
constatações foram apreendidas quando esse documento nos assevera a necessidade que os
padres tinham de ensinar o tipo, o propósito e a eficácia de cada um, bem como as condições
necessárias aos leigos para recebê-los.
A fim de entendermos melhor este posicionamento, é conveniente nos direcionarmos
às Atas do Concilio Plenário Latino Americano, as quais ao discorrer sobre os sacramentos,
nos apresentam que:

Sabemos que hay siete Sacramentos, ni más, ni menos, instituídos


por Cristo Nuestro Señor, à saber: Bautismo, Confirmación, Eucaristía,
Penitencia, Extrema Unción, Orden y Matrimonio, muy diferentes de
los Sacramentos de la antigua Ley. Aquellos no causaban gracia, y sólo
significaban que se había por conferir de la Pasión de Cristo: los
nuestros contienen la gracia, y la confieren á los que dignamente los
reciben; y por tanto, rectamente se definen: <<cosas sujetas á los
sentidos, que por institución de Dios tienen la virtud de significar y de
causar la santidade y ça justicia>>. 505

O trecho acima transcrito nos confirma a percepção de que os sacramentos eram tidos
como graças concedidas àqueles que dignamente os pudessem receber. Porém, não nos
explica a sua natureza e finalidade, e a esse respeito, é interessante observarmos que o mesmo
documento nos apresenta que:

Los cinco primeros est’n ordenados para la perfección espiritual


de cada hombre em sí misto, los dos últimos para el gobierno e
multiplicación de toda la Iglesia. Por el Bautismo renascemos
espiritualmente, por la Confirmación cracemos en gracia y nos

505
EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.
Roma: Tip. Vaticana, 1906. p. 267- 268. “Sabemos que existem sete Sacramentos, nem mais, nem menos,
instituídos por Cristo Nosso Senhor, a saber: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, extrema Unção,
Ordem e Matrimônio, muito diferentes dos Sacramentos da antiga Lei. Aqueles não causavam graça e somente
significavam que se havia de confirmar a Paixão de Cristo. Os nossos contém a graça, e a conferem aos que
dignamente os recebem, e portanto retamente se definem: coisas sujeitas aos sentidos, que por instituição de
Deus tem a virtude de significar e de causar a santidade e a justiça.” (tradução nossa).
162

robustecemos em la fe; renascidos y robustecidos, nos nutrimos con el


divino alimento de la Eucaristía; si el pecado enferma nuestra alma,
sanamos com la Penitencia: y purificados por el Sacramento de la
Extrema Unción de los restos del pecado, quedamos preparados para
entrar em la eterna gloria. Los dos Sacramentos del Orden y del
Matrimonio, se refieren el primero al gobierno y santificación de la
sociedade de los fieles, el segundo á santificar la propagación misma de
la humana família. 506

Cientes da significação desses sacramentos para a Igreja, e cientes dos aspectos que
nos foram apresentados por frei Dorelli e registrados por frei Bindi, cabe-nos notar o grande
distanciamento que marcou a frequência ideal e o relacionamento que os leigos destas
paróquias têm com tal prática neste período.
Não obstante, ainda devemos recordar que, de acordo com frei Dorelli, a população de
Cambuí tinha mais dificuldade com dois sacramentos: a penitência e a comunhão,
comportamento que também pôde ser apreendido em Córrego do Bom Jesus através da
ausência total de comunhões no Relatório Anual de 1911.
Diante deste quadro, é preciso colocarmos uma questão. No decorrer da década, como
aconteceu a ofensiva teresiana frente a este cenário, marcado pela pouca valorização dos
sacramentos por parte das populações locais que, de modo especial, apresentaram mais
problemas com a penitência e com a comunhão?
Na paróquia de Córrego do Bom Jesus, podemos notar que os índices gerados em
1911 não apontam para o fato de ter ocorrido uma melhoria nesse quadro por meio da
concessão de indulgências plenárias e parciais e, se verificarmos os dados que conseguimos
localizar de 1921, último registro efetuado junto ao Livro do Tombo de Córrego, veremos
que, naquele ano, foram contabilizados 166 batismos, 35 crismas, 1108 comunhões, 80
extrema unções e 28 matrimônios.
Nesta paróquia, portanto, se colocarmos lado a lado os números gerados em 1911 e
aqueles de 1921, percebemos que estes não apresentam grandes alterações, a não ser pelas

506
EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Loc. Cit. “Os cinco primeiros estão ordenados para a perfeição
espiritual de cada homem em si mesmo, os dois últimos para o governo e multiplicação de toda a igreja. Pelo
Batismo renascemos espiritualmente, pela confirmação crescemos em graça e nos robustecemos na fé;
renascidos e robustecidos, nos nutrimos com o divino alimento da eucaristia; se o pecado enferma nossa alma,
sanamos com a Penitência; e purificados pelo Sacramento da Extrema unção dos restos do pecado, caímos
preparados para entrar na eterna gloria. Os dois sacramentos da Ordem e do Casamento, se referem ao governo e
santificação da sociedade dos fieis, o segundo à santificar a propagação mesma da família humana”.
163

cifras que representam as comunhões administradas durante o ano, que passaram de 160 em
visita pastoral e 0 no resto do ano em 1911, para 1108 em 1921, ou seja, um aumento de
quase 7 vezes o número inicial. Sobre esta cifra da comunhão, é preciso considerarmos que,
no período de 1920 até 1921, quando os teresianos administram esta paróquia a partir de
Cambuí, é considerável a queda deste número que, ao que tudo indica, foi zerado em 1922
pela ausência de um padre ou encarregado nesta paróquia, conforme já vimos.
Já em Cambuí, onde relatórios anuais foram raros e não noticiaram os últimos anos da
presença dos carmelitas descalços, vemos através dos registros efetuados por frei Nicolò,
pároco de Cambuí em 1918, que, naquele ano, ocorreram “387 batisados, 57 casamentos, 152
obitos, receberam o viatico 38 pessoas, foram extremadas 39 e encomendatas 150 (...) 6521
Confissões e 6897 Communhões”507. Nesta localidade, por sua vez, foi possível verificarmos
que, em sete anos, o número de comunhões passa de 9, computadas por Dom Assis na sua
visita pastoral de agosto daquele 1911, para 6897 comunhões, que foram registradas por
Nicolò durante o ano de 1918, ou seja, um aumento de 776 vezes508.
A disparidade de algumas destas cifras nos chamou a atenção para a necessidade de
um aprofundamento desta análise. Com efeito, acreditamos que esta ação nos possibilitará
entender mais do trabalho pastoral teresiano e do comportamento das populações desssas
paróquias em relação aos sacramentos.
Para assim procedermos, recolhemos e ordenamos os números gerados no decorrer da
década por frei Bindi, pároco de Córrego no período de 1911 até 1921, último ano em que
temos o registro de tais relatórios junto ao Livro do Tombo, e aquilo que conseguimos saber
sobre tais dados em Cambuí, a partir dos registros efetuados também no Livro do Tombo
desta paróquia.

3.6- Por Um Balanço dos Sacramentos

Com a finalidade de entender como essas populações vivenciaram a ação de


admoestação realizada pelos carmelitas descalços pela frequência aos sacramentos no
decorrer do período de gestão teresiana, iniciamos nossa análise pelo quadro de sacramentos
do batismo contabilizados neste período por frei Bindi, na paróquia de Córrego do Bom Jesus,

507
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 83v- 84.
508
Ibidem, p. 84.
164

onde temos tal registro de 1911 até 1921. No que refere-se a 1922, lembramos que a paróquia
de Córrego neste ano permaneceu sem pároco e, portanto, sem relatório ou registro sobre os
sacramentos.
Batismos realizados em Córrego no período de 1911 até 1921
220
200
180
160
Número batismos

140
120
100
80
60
40
20
0
1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921
Ano

Gráfico 1- Batismos realizados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

Conforme já sinalizamos, devemos considerar que os números gerados em 1911 dizem


respeito a nove meses de gestão teresiana, sendo que, neste período, temos 148 batizados
registrados, número não muito diferente do índice gerado ao final de 1921, quando foram
contabilizados por frei Bindi 166.
Se comparado com as cifras do primeiro ano (de nove meses), podemos verificar que,
em 1912, houve uma elevação de 18 batizados, número que não deve ser visto como aumento
considerável do alcance da ação teresiana neste campo, uma vez que, em 1912, o trabalho
pastoral foi realizado durante todo o ano.
Nos anos seguintes, podemos perceber uma leve diminuição desses índices que,
somente voltaram a elevar-se em 1916 (quando são registrados 198 batizados), para
finalmente alcançar seu maior índice em 1917, quando foram registrados por Bindi 211
batizados509.
Ainda com relação ao ano de 1917, é preciso que apontemos para o fato de que, de
acordo com o disposto por frei Bindi em seu Relatório Anual, a atuação teresiana no que se

509
APCJB. Livro do Tombo da Paróquia. p. 40v-43v.
165

refere ao batismo aconteceu também fora da matriz. Nesse ano, registraram-se 13 batizados
nas capelas, ação contudo, que não conseguiu explicar tamanha elevação.
Tal fato, ou seja, a administração do batismo em capelas rurais da paróquia, também
pôde ser observada no decorrer dos próximos três anos que seguem-se a 1917, quando
assistimos novamente a uma queda significativa do número de batizados, que chegou a atingir
em 1920, 156 batismos, até que, em 1921, alcança um aumento discreto de 10 batizados em
relação ao ano anterior510.
Não obstante, é do último relatório anual, de autoria de frei Bindi, que conseguimos
ainda extrair valioso dado para esta análise, pois tal documento, ao registrar sob o item
“Registro civil” a taxa de 136 nascimentos e, ao apontar que na paróquia foram registrados
166 batizados, nos evidencia que, naquele ano, a população se aproximou mais da instituição
católica que da autoridade civil para registrar os nascimentos nessa localidade verificados511.
Com relação a estes números, é preciso considerarmos que, devido à grande extensão
da paróquia, não podemos acreditar que tais cifras representem a totalidade de batizados ali
verificados, e essa constatação não esgota as considerações que a esse respeito devemos fazer.
As Pastorais Coletivas de 1911512 e de 1915513, ao repreenderem o hábito então corrente dos
pais de só levarem seus filhos à igreja depois de encontrarem apropriado padrinho para a
criança ou outros motivos, nos demonstra que, de igual modo, não podemos pensar que estes
índices representem o batismo exclusivo de recém nascidos.
Com relação ao quadro de batismos no decorrer dos anos de 1911 até 1921, podemos
considerar que houve, naquele período, uma elevação (ainda que pouco significativa de tais
índices), o que nos aponta menos para a eficácia e sucesso de uma ação de admoestação pela
frequência a este sacramento, do que para a elevação da taxa de natalidade nesta localidade,
que passa de 3000 habitantes em 1911 para 5400 em 1921514.
Sobre os registros desse sacramento na paróquia de Cambuí, é interessante
observarmos que, segundo os dados dispostos no Movimento Parochial de 1915 515 e no

510
Ibidem, p. 42-53.
511
Ibidem, p. 52v-53.
512
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 33-34.
513
Ibidem, p. 39-40.
514
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia.
515
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 92v.
166

Relatorio Parochial do anno de 1918516, ali foram contabilizados respectivamente 380 e 387
batizados nesses anos.
Finalmente, sobre tais índices devemos pontuar que, é inevitável a constatação da
elevação do número de batismos administrados no período de gestão teresiana. Contudo,
devemos observar que, se para a Igreja o batismo era visto como meio de introduzir o cristão
na religião católica e também como um meio de selar a influência da Igreja na sociedade com
crescente influxo de ideologias “perigosas”, este sacramento nos esconde ainda dois aspectos:
o primeiro, é a taxa de mortalidade de crianças, e o outro, é a própria significação deste
sacramento para a população que, segundo a referida Pastoral Coletiva, considerava tal ação
como parte importante da introdução do recém nascido não na doutrina católica, da qual o
pequeno não tem ainda consciência, mas na sociedade civil e nas relações de poder que
marcam essas sociedades neste período, e onde o apadrinhamento é um forte laço.
A fim de continuarmos nossa análise, nos direcionamos às cifras que representam o
número de extremas-unções administradas no período de gestão teresiana em Córrego. Ao nos
revelar o número anual de óbitos e o número de extremas-unções verificadas no decorrer
desses anos, tal registro destaca-se como valioso recurso para nos propiciar a compreensão da
diferença que se apresenta entre a totalidade de mortos e aqueles que contaram com esta
assistência religiosa oferecida pelos carmelitas descalços, conforme vemos a seguir:
Óbitos e extremas-unções registrados no Córrego no período de 1913 até
1921
120
110 óbitos
Número de óbtitos e extrema unção

100
90 ext. unção
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921
Ano
Gráfico 2- Óbitos e extremas-unções registrados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de
1913 até 1921

516
Ibidem, p. 83v 84.
167

A respeito deste gráfico, a primeira questão a pontuarmos é que, devida a imprecisão


de frei Bindi com relação aos índices de 1911 e de 1912, decidimos por iniciar a
representação dos índices gerados a partir de 1913. Tal decisão foi tomada uma vez que nos
Relatórios Anuais desses dois primeiros anos, no que refere-se à administração da extrema-
unção, frei Bindi nos informou que “todos receberam o Viático e a extrema Unção,
exceptuados um suicida e alguns, que morreram de repente” 517 , informações que não nos
permitiram chegar a números exatos.
Nesse período, é nítida a disparidade entre o número de mortos e aqueles que
conseguiram receber tal sacramento e, se repararmos em 1913, veremos neste índice o
segundo maior distanciamento entre mortos e extremados, cifra que só é superada em 1919,
quando observamos a 105 mortos e apenas 23 extrema unções.
Podemos ainda observar durante toda a década que tal disparidade repete-se com
menor força em 1920, quando atinge 37 óbitos e 25 extremados, para finalmente voltar a
apresentar grande diferença no ano seguinte, quando frei Bindi registrou 80 mortos e 34
extremados.
Já na paróquia de Cambuí, possuimos somente referências sobre três anos, sendo estes
1915, 1916 e 1918, quando sabemos que tal trabalho foi pouco representativo, pois nos
apresentou respectivamente as cifras de 39 extrema-unções frente a 118 mortos no primeiro
ano; a 54 extrema-unções e 188 mortos em 1916 e, finalmente; a 39 extrema-unções frente a
152 mortos no ano de 1918, números que ainda devem ser pensados diante de uma população
de 16.000 habitantes e onde observamos um tímido influxo e presença de protestantes518.
Sobre o grande distanciamento que se evidencia entre os números de óbitos e os
sacramentos da extrema-unção contabilizados nas duas paróquias, devemos pontuar algumas
considerações. A primeira diz respeito ao fato de que tratava-se de um sacramento destinado,
segundo a Pastoral Coletiva de 1911, especialmente aos enfermos, que deveria ser visto como
um remédio para o corpo e para a alma. Ao observarmos a finalidade deste sacramento, é
interessante notarmos que tal documento estipula que o mesmo serve para diversas situações:
para “bem morrer, traz allívio ás dôres e afflicções da molestia, dá-lhe paciencia para
supportal-as, e até, muitas vezes, lhe restitui a saúde corporal”519.

517
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 11.
518
APC. Livro do Tombo da Paróquia.
519
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
168

Tal documento reconhece que nem sempre estas atribuições eram compreendidas
“pelo povo” pois, ao enfatizar a necessidade dos párocos de combater com veemência o
preconceito disseminado entre os leigos de acreditar “que a administração desse sacramento
segue-se necessariamente à morte”520, o mesmo documento nos confessa que em torno de tal
prática residia um medo que afastava os paroquianos de seu recebimento. Ora, somos levados
a crer que o bem morrer não estava associado necessariamente à adesão a este sacramento.
Deste modo, no que se refere às cifras colhidas nos arquivos das paróquias de Cambuí
e de Córrego, podemos novamente constatar a pouca importância desse sacramento para os
habitantes dessas localidades, o que pode ser visto no distanciamento entre o número de
óbitos efetuados em relação àqueles que receberam assistência religiosa.
No entanto, a fim de prosseguir nossa análise, devemos acompanhar os registros a
respeito dos demais sacramentos efetuados no decorrer dos anos de 1911 até 1921, o que
faremos em seguida, a partir dos registros de matrimônios na paróquia de Córrego do Bom
Jesus.

Matrimônios realizados em Córrego no período 1911 até 1921


60
55
Número de matrimônios

50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921
Ano
Gráfico 3- Matrimônios realizados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 64.
520
EPISCOPADO BRASILEIRO. Loc. Cit.
169

No que se refere ao quadro da administração do sacramento do matrimônio, (definido


pela Pastoral Coletiva de 1911 como “base da sociedade doméstica, cujo vinculo é
indissolúvel e perpétuo”521), verificamos em Córrego durante os anos de paroquiato teresiano
que, o crescimento verificado nos três primeiros anos, quando o máximo atingido é de 54
matrimônios em 1913, sofre uma queda drástica nos anos de 1914 e 1915, quando chega a 28
matrimônios, número até então mais baixo registrado nos primeiros anos.
No ano seguinte, em 1916, observamos o registro de 55 matrimônios, número que não
foi superado durante a administração teresiana desta paróquia. Tal cifra, no entanto, cai
novamente pelos dois anos seguintes para esboçar um pequeno aumento em 1919, quando
atinge 34 matrimônios, número que nos dois últimos anos volta a cair.
Os números conseguidos em Cambuí curiosamente também nos apontam para o fato
de que, em 1916, foram alcançados os maiores índices deste sacramento. Através dos dados
obtidos no Movimento Parochial de 1915 522 , no Movimento Parochial de 1916 523 e no
Relatório Parochial do anno de 1918 524 , podemos verificar que, em 1915, foram 70
matrimônios, ao passo que, em 1916, foram 117, e em 1918, foram 57. Nesse aspecto, não
dispomos de outros dados que nos permitam ver a adesão da população ao casamento civil, a
não ser em 1921, em Córrego, quando tivemos 28 casamentos no “religioso” e 22 no “civil”,
dados que nos mostram mais uma vez que a população estava mais próxima da Igreja que do
procedimento do Estado laico.
Seriam tais números representativos da totalidade de uniões verificadas nestas
paróquias? Apesar de sabermos que os teresianos se empenharam por facilitar a adesão da
população a esse sacramento, o que deu-se com a realização de casamentos nas capelas rurais
e nas santas missões, não podemos acreditar que tal esforço tenha conseguido abarcar a
totalidade da população que contraiu vínculos estáveis neste período, pois a crer nas
estimativas da população neste período e a grande extensão territorial dessas paroquias, então
acreditamos que, no geral, a ação dos teresianos não significou grande avanço neste campo.
Uma vez que não possuimos outras fontes que nos permitam sondar o número de
vínculos estáveis ou mesmo aquelas uniões registradas somente no campo civil, é
fundamental que continuemos nossa análise sobre a ação empreendida pelos teresianos para

521
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 78.
522
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 92v.
523
Ibidem, p. 83v.
524
Ibidem, p. 83v- 84.
170

melhorar o quadro dos sacramentos em nossas paróquias, o que fazemos agora a partir dos
dados sobre a administração da crisma.

Crismas administradas em Córrego no período 1911 até 1921


500
450
400
Número de crismas

350
300
250
200
150
100
50
0
1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921
Ano
Gráfico 4- Crismas administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

Sendo a administração deste sacramento uma competência da autoridade diocesana,


devemos nos direcionar à Pastoral Coletiva de 1911 a fim de entendermos melhor como e
quando tal ato deveria se realizar.
Sobre este sacramento, encontramos na referida Pastoral Coletiva uma interessante
disposição que, sob a forma de aviso, nos apresenta a conveniência de haver “nas paroquias
da cidade episcopal administração do sacramento da Confirmação, ao menos uma vez por
anno”525, o que nos aponta para a importância de sua administração àqueles que tivessem
cumprido o estipulado para tal ato ao menos nas paróquias das sedes episcopais. Por outro
lado, isso também nos evidencia a dificuldade de se obter este sacramento nas paróquias
distantes da sede da diocese, como é o caso das paróquias que ora analisamos.
Fica claro, pois, que nestas localidades, a administração da crisma pela autoridade
diocesana somente poderia realizar-se por ocasião das visitas que, em nossas paróquias,
aconteceram conforme o gráfico, em 1911, 1914, 1915 e em 1919.
Em Cambuí, sobre a crisma, podemos observar que houve um movimento similar, pois
nesta localidade, em 1911 foram administradas 184 crismas; 309 em 1914; 236 em 1915; e

525
Ibidem, p. 43.
171

1083 em 1919526. Neste contexto, o número de crismas representadas no gráfico acima vêm
demonstrar que a crisma foi administrada durante o período de 1911 até 1922 em somente
quatro ocasiões, o que fez esperar por algum tempo aqueles que já haviam cumprido o ciclo
regular exigido para ser admitido em tal ato.
Portanto, ao olharmos para os índices desta tabela, não devemos ver tais números
crescentes como vitórias dos teresianos, mas como períodos em que esses sacramentos foram
adminitrados pela autoridade diocesana.
Finalmente, após termos conhecido os números dos sacramentos do batismo, extrema-
unção, matrimônio e crisma, chegamos a um dos mais importantes sacramentos: as
comunhões. Entre todos os sacramentos, a comunhão ganha destaque, pois sua administração
dava-se em atos religiosos, ou seja, com maior regularidade durante a vida dos paroquianos
do que os demais sacramentos. Neste caso, é interessante observarmos os dados que
representam a frequência a este sacramento em Córrego, conforme apresentamos abaixo:
Comunhões administradas em Córrego no período de 1911 até 1921
2500
2300
2100
1900
Número de comunhões

1700
1500
1300
1100
900
700
500
300
100
-100
1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921
Ano

Gráfico 5- Comunhões administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

Com relação a este quadro, a primeira observação a pontuarmos é que as 160


comunhões obtidas em 1911 advém do registro efetuado por Dom Assis em visita pastoral
realizada em agosto de 1911, sendo que no Relatório Anual desse ano não consta referência

526
APC. Livro do Tombo da Paróquia.
172

ao número de comunhões, o que nos leva a crer que, naquele ano, frei Bindi não observou
essa prática nessa paróquia.
Por meio do mesmo gráfico, sabemos como se deu a ação dos teresianos pela
frequência a esta prática que, subitamente, eleva-se de 0 (zero) em 1911 para 1108, em 1921.
Mas não tomamos tais números como índices capazes de medir comportamentos, e por isso, é
necessário que acompanhemos mais de perto o movimento de comunhões no decorrer da
década.
De fato, o ano de 1912 marcou uma elevação inimaginável de tal índice, se comparado
com as cifras do ano anterior, quando passou-se de 160 comunhões (administradas em visita
pastoral) para 1856. Tal crescimento, contudo, foi obtido, em grande parte, graças à realização
das santas missões de 1912 que, conforme já vimos, se utilizou em muitos momentos de um
discurso aterrorizador para incultir medo nos leigos, a fim de que estes promovessem uma
mudança de costumes. Não obstante, podemos ver que a cifra elevada desse sacramento
contabilizada em 1912 não se manteve nos próximos dois anos, cenário que reforça aqui nossa
percepção de que os resultados gerados pelas missões deste ano não foram duradouros, mas
mantiveram-se elevados somente no ano de sua realização.
Ao continuarmos nossa análise do referido quadro, vemos que os próximos cinco anos
foram marcados por uma elevação significativa do número de comunhões, que atingiu seu
ápice em 1919, momento em que foram registradas 2420 comunhões, cifra que cai
significativamente nos dois anos posteriores, para atingir em 1921 o número de 1108.
Ora, se considerarmos que em 1915 a população foi estimada em 4000 habitantes, a
cifra de 1815 comunhões revela-se razoável. O mesmo exercício podemos fazer a partir das
estimativas de população de frei Bindi, que nos informam que, em 1917 e em 1918, a
população era de 4126 habitantes; em 1919, de 4300 (sendo 1200 na sede) e; em 1921, de
5400 habitantes527.
Diante de tais estimativas de frei Bindi, os números gerados podem ganhar relevo, mas
é necessário refletirmos mais produndamente sobre tais registros. Com efeito, esses números
devem ser vistos como cifras que representam aqueles que, mais de uma vez durante o ano,
podem ter acorrido a tal sacramento.

527
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia.
173

Em Cambuí, a partir do Livro do Tombo, constatamos que em 1915 foram


contabilizadas 3983 comunhões, sendo que nos anos de 1916 e 1918, tais números chegam
respectivamente a 4925 e 6897 comunhões528.
Se em ambos os casos os dados nos mostram que houve uma considerável elevação
dos números que representam este sacramento, o que mais podemos apreender de tais índices?
Resta-nos saber se, conforme apregoado pela Pastoral Coletiva de 1911, a frequência aos
sacramentos é o meio mais eficaz de chegar ao fim de transformar uma paroquia529.
Mais uma vez reforçamos a necessidade de não nos deixarmos convencer pelas cifras
vazias e tentar observar mais de perto como as populações locais se aproximam dos
sacramentos no decorrer da década em que os teresianos estiveram à frente da gestão destas
paróquias.
Para nos aproximarmos deste objetivo, é preciso percorrer outros caminhos que não
aquele somente da quantificação dos sacramentos e, por isso, analisaremos as cifras geradas
do decorrer desses anos à luz de uma observação de frei Dorelli, que nos diz muito sobre o
que nossas populações consideravam sobre os sacramentos em 1911.
No esforço de apresentar ao leitor italiano as práticas católicas que foram encontradas
e o contexto onde implantou-se a presença teresiana no Brasil, este missionário arriscou
realizar um esboço do que ele considerava ser uma síntese da crença corrente da população
local que se proclamava “fervorosamente” católica, mas que tinha práticas um tanto quanto
desvencilhadas do catolicismo ultramontano, conforme vemos abaixo:

Il concetto del catolicismo è in questi paesi addirittura travisato, e


può riassumersi, in poche parole, presso a poco così: credere al
Battesimo, essere entusiasti per la Cresima, trascurare i Sacramenti dela
Confessione e Comunione, necessari soltanto, secondo essi, per
santamente maritarsi e per ben morire; credere all´intercessione dei
Santi e sopprattutto di Maria Santissima, alla Messa de sétimo dia dei
defunti (poco o nulla a quella di precetto nei giorni del Signore) ed a
qualche altra cosa che può sfuggirmi 530.

528
APC. Livro do Tombo da Paróquia.
529
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias
Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:
Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de
25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 47.
530
DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo. p. 79-85. “O conceito do catolicismo é nestas localidades
realmente corrompido, e pode se resumir, em poucas palavras, perto do pouco que se segue: acreditar no
Batismo, ser entusiasta pela Crisma, negligenciar os sacramentos da Confissão e Comunhão, necessários
174

A crer no que nos apresenta Dorelli em 1911 sobre o batismo, e se considerarmos a


este respeito os dados registrados por frei Bindi, então devemos supor que a ação de
admoestação dos teresianos sobre tal sacramento não gerou resultados extraordinários, mas
sim que apresentou um crescimento compatível com o aumento da população. Isso ocorre, ao
que tudo indica, porque a população, quando da chegada dos teresianos, já demonstrava
“simpatia” por este sacramento que, conforme vimos, era um meio também de introduzir a
criança na sociedade civil e nas relações de poder que marcam essas sociedades neste período,
e onde o apadrinhamento é um forte laço, conforme já citado.
Já em relação à crisma, sabemos por frei Dorelli que nossas populações já tinham
simpatia por este sacramento. Deste modo, podemos ver que os números registrados pelos
bispos quando da administração deste sacramento nas duas referidas paróquias não
apresentaram resultados extraordinários, mas constituíram-se em números já esperados pelo
incremento das ações de ensino desenvolvidas pelos teresianos neste período.
No entanto, ao olharmos para os números das extremas-unções, podemos ver que o
empenho teresiano ficou muito longe de alcançar a todos aqueles paroquianos que estavam
em condições de receber tal sacramento, uma vez que, pelos dados colhidos no decorrer da
década, vemos que sua ação foi incipiente, se comparada com os óbitos anuais registrados na
paróquia.
É interessante observarmos que este sacramento nem mesmo é citado pelo missionário
entre as crenças correntes dos habitantes de Cambuí, o que nos faz crer que, essas populações,
naquele período, pouca ou nula importância davam a esta prática, ato que nos ajuda a explicar
a abismal diferença entre óbitos e extremas-unções nestes anos. Sobre esta realidade, ainda
uma ulterior consideração devemos fazer. De fato, embora tal sacramento não figure entre
aqueles descritos por frei Dorelli, é citado pelo mesmo missionário que a população se
preocupava com o bem morrer, o que era observado na presença à missa de sétimo dia e,
conforme já vimos anteriormente, na presença à missa do dia de finados, além da importância
na crença das almas.
Este quadro nos evidencia que a preocupação com a boa morte podia então estar
desvinculada ao recebimento deste sacramento em si, e estar vinculada à outras práticas, como
a crença nas almas. Sobre tal hipótese, contudo, não temos mais fontes que nos confirmem

somente, de acordo com estes, para santamente se casar e para bem morrer; crer na intercessão dos Santos e
sobretudo de Maria Santissima, à Missa do sétimo dia dos mortos (pouco ou nada àquela de preceito nos dias do
Senhor) e a qualquer outra coisa que agora pode me escapar.” (Tradução nossa).
175

essa percepção, sendo pois, necessário nos direcionarmos aos demais sacramentos para
continuar nossa análise.
Ao pensarmos no matrimônio, apesar deste sacramento não ser citado diretamente por
frei Dorelli em sua descrição das bases do “catolicismo sul mineiro”, o mesmo missionário
nos leva a crer que o “bem casar-se” era uma preocupação da população que, por causa dessa
ação, se aproximava temporariamente da confissão e comunhão.
Ao analisarmos os números de nosso gráfico sobre o movimento deste sacramento em
Córrego de 1911 até 1921, vemos que, neste caso, não houve alterações significativas, o que
também pode ser dito para os baixos números de matrimônios verificados em Cambuí nos
anos de 1915 e 1918 que, além de terem-se mantido regulares, ainda são pouco significativos,
se comparados com a população de 16.000 habitantes em 1918.
Já no que se refere à comunhão, conforme já tivemos oportunidade de acompanhar
durante as missões e as missas, houve no início do período de paroquiato teresiano grande
resistência das populações locais a este sacramento. Ora, se acompanharmos os números
gerados no decorrer da década, podemos ver que o trabalho pastoral dos teresianos nesta área
foi intenso, e que a população gradualmente foi se aproximando deste sacramento, o que não
muda o fato de que tais cifras permaneceram longe de abarcar a maior parte das populações
locais.
No entanto, os números de comunhões administradas de 1919 até 1921 apresentam-se
como valiosíssimos indícios nesta análise. Com efeito, se sabemos que em novembro de 1919
o paroquiato de Córrego foi fechado, e que durante os anos de 1920 e de 1921 a cura do
Santuário foi feita a partir de religiosos teresianos que tinham residência em Cambuí e que
para Córrego se dirigiam algumas vezes no mês para realizar funções de culto e administrar
sacramentos, e ainda que em 1922 não foi registrado balanço de atividades e sacramentos ali,
então podemos crer que a aproximação da população ao sacramento da eucaristia no decorrer
da década foi temporária e constituiu-se em hábil tática de nossas populações para poder se
relacionar com o culto do catolicismo ultramontano e sacramental, do qual os teresianos eram
porta vozes e representantes.
Visto que a movimentação dos números que, em Córrego representam a comunhão e
outros sacramentos (no período que analisamos), apresenta alguns picos e baixas que devemos
melhor compreender, dedicamos no último item desta pesquisa atenção aos principais fatos e
acontecimentos relacionados com a Ordem no Brasil. Com esta análise, pretendemos
176

investigar se o efetivo que atuou nestas paróquias também impactou a administração dos
sacramentos nestas localidades no período de gestão teresiana.

3.7 - Os Religiosos e Sua Dinâmica em Minas e no Brasil

Ao final do presente trabalho, depois de termos dedicado atenção às principais


atividades as quais os teresianos se dedicaram no sul de Minas Gerais, cabe-nos ainda
sondarmos uma questão de grande relevância: as condições que marcaram a presença dos
Carmelitas Descalços em nossa região no período de 1911 até 1922.
Ao propormos tal sondagem, pretendemos conhecer as nuances presentes na trajetória
da presença da Província Romana nesta região e seu relacionamento com as autoridades
diocesanas de Pouso Alegre no decorrer do período analisado. Acreditamos que o
conhecimento de tais aspectos possam nos auxiliar a entender alguns dos principais episódios
verificados nestas localidades, além de nos fornecer dados preciosos para pensar o registro
dos sacramentos, conforme vimos anteriormente.
Com efeito, no período que abarca os anos entre 1911 e 1922, rastreamos o
desembarque de onze religiosos teresianos italianos e um alemão no Brasil. Ao procurarmos
acompanhar a trajetória de cada um destes sujeitos em solo brasileiro, contudo, vimos que
nem todos atuaram nas paróquias de Cambuí e de Córrego do Bom Jesus531.
Tais constatações nos induziram a dois questionamentos: se esse efetivo não se
restringiu a atuar nas duas localidades, qual foi a força de trabalho que a Província Romana
contou atuando nessas paróquias neste período e, como a dinâmica da sua presença no Brasil
interferiu na gestão dessas paróquias sul mineiras?
Procurando responder tais questões, primeiramente devemos recordar alguns dados
que vimos no primeiro capítulo. Ao aceitar a administração das referidas paróquias, os
teresianos passaram a ter algumas prerrogativas que lhes foram asseguradas pelo então bispo
diocesano de Pouso Alegre, Dom Assis que, conforme vimos anteriormente, lhes garantiu o
direito, em relação à paróquia de Córrego, de usufruir da renda obtida com a locação de cinco

531
Os dados biográficos dos religiosos que atuaram no Brasil neste período foram extraídos de diversos
documentos como o livro intitulado Hierarchia in N. Carmelit Ordine. 1924, localizado no arquivo da Cúria
Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços em Roma, fichas dispersas localizadas neste mesmo arquivo por
Frei Óscar Ahedo e documentos diversos encontrados no arquivo da Paróquia de Santa Teresinha em São Paulo.
177

casas destinadas a hospedar romeiros, além do controle sobre a renda paroquial do Santuário
do Senhor Bom Jesus do Córrego. Já em Cambuí, os teresianos puderam usufruir da renda
paroquial de uma das principais paróquias da região, cuja população era estimada em
dezesseis mil habitantes532.
Córrego do Bom Jesus firmou-se como sede do primeiro grupo de teresianos enviados
a Minas Gerais, onde a partir de 1 de abril de 1911 passou a habitar frei Bindi, frei Mauro e o
irmão laico Alfonso, sendo que, na paróquia de Cambuí, se estabeleceu como pároco frei
Dorelli. Através dos registros efetuados por frei Bindi no livro intitulado Amministrazione
della Parrocchia di Corrego assunta dai P.P. Carm. Scalzi il 2 Aprile 1911, encontrado no
arquivo da paróquia de Santa Teresinha, (Província São José dos Carmelitas Descalços), em
Higienópolis, cidade de São Paulo, podemos ver que, nos primeiros meses de presença em
Minas Gerais, os teresianos citaram como suas principais fontes de renda a celebração de
missas, batismos, casamentos, publicações diversas, a emissão de certificados de batismo e de
óbito533.
Interessante neste ponto é notarmos que o referido livro ainda revela que, nesses
primeiros tempos, os teresianos gastaram em Córrego com objetos de cozinha, carne, ovos,
barris e garrafas de vinho, lampião a petróleo, velas, peixe, esmola, manteiga, perus, lavagem
de roupa, cabrito, telefone, objetos da casa, fumo, pequenos objetos e drogas, despesas de
Correio, banha de porco, enxada e biscoito, ao passo que, em Cambuí, as despesas
relacionadas neste mesmo livro incluem a aquisição de “presentes de vinho à banda musical,
ao cocheiro” (também essa uma estratégia para se aproximar deste grupo), manteiga, azeite,
cavalgadura e guia, macarrão, pão, guarda-chuva, o aluguel de uma casa, pagamento por
serviços de alimentação administrada por um hotel ao pároco, leite, café, carro, ovos, queijo e
outros objetos, despesas que nos informam que tal grupo gozou de boas condições de vida
nessas localidades naquele período534.
No que se refere à estrutura do primeiro grupo, que manteve os experientes freis
Dorelli e Bindi como párocos e ainda concentrou os outros dois teresianos em Córrego, é
preciso dizer que tal configuração não perdurou por muito tempo.
Ao longo da atual pesquisa nos deparamos, ao analisar os livros paroquiais e
administrativos da Província Romana, com nomes diversos, que não destes primeiros

532
APC. Livro do Tombo da Paróquia. APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia.
533
APSJDC. Livro Amministrazione della Parrocchia di Corrego assunta dai P.P. Carm. Scalzi il 2 Aprile
1911.
534
APSJDC. Loc. Cit.
178

teresianos e que ora aparecem como vigários, ora como religiosos residentes na paróquia. Ora,
o que ocorreu com o primeiro grupo e como aconteceu a chegada de novos religiosos, cujos
nomes vimos no decorrer desses capítulos?
De acordo com o conteúdo apresentado na Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,
em sua edição de dezembro de 2010, dedicada a comemorar o centenário da chegada de
teresianos ao sudeste brasileiro, menos de dois meses após o estabelecimento do primeiro
grupo de carmelitas descalços na Diocese de Pouso Alegre, Dom Assis manifestou interesse
para que os teresianos assumissem também a gestão paróquial de Jaguari, atual Camanducaia.
A fim de concretizar este ato, a autoridade diocesana chegou a emitir uma provisão de pároco
em nome de frei Mauro, religioso então residente em Córrego e com 29 anos de idade. No
entanto, o então pároco de Jaguari, Cônego Saturnino da Conceição, não acatou a decisão
diocesana, rejeitando ceder aquela paróquia ao religioso teresiano535.
Nesta “disputa”, é curioso observarmos que Dom Assis recuou diante do
posicionamento do padre Saturnino e reconsiderou sua decisão de nomear um carmelita
descalço para assumir Jaguari (Camanducaia), o que nos evidencia que aquele bispo teve
problemas com o clero paulista não reformado e com a afirmação de sua autoridade perante
este536.
Segundo a mesma Revista, pouco tempo depois deste episódio, os teresianos
receberam deste bispo nova proposta. Esta dizia respeito às paróquias de Capivari e do Bom
Retiro. Esta oferta foi aceita, mas tratando-se de localidades pequenas e localizadas nas
proximidades de Córrego, os teresianos ali não estabeleceram residência fixa. Frei Mauro foi
designado então para dirigir-se a estes locais duas vezes ao mês para administrar sacramentos
e celebrar atos religiosos.537
A nova incumbência de frei Mauro de tomar conta dessas paróquias certamente
reduziu seu poder de atuação no Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego, mas tal aspecto
não foi o único que influenciou na organização da Província Romana nas paróquias que ora
analisamos. Em 1912, outro acontecimento interno ao âmbito da Província Romana veio
contribuir para reduzir ainda mais tal força.
No segundo semestre de 1912, Afonso manifestou seu desejo de deixar a Ordem. Este
teresiano, de acordo com a Revista, não possuía então os votos definitivos e, resolvido a não

535
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,
ed. dez. 2010.
536
Ibidem, p. 14.
537
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Loc. Cit.
179

prosseguir na carreira eclesiástica, solicitou ao grupo de teresianos para poder trabalhar na


condição de funcionário da Ordem na paróquia de Cambuí 538 . Sobre este teresiano não
pudemos encontrar informações que nos possibilitassem saber mais sobre sua saída ou seu
destino depois disso.
O mesmo ano de 1912 assistiu a dois outros fatos de grande relevância para a Ordem
no Brasil. Se o primeiro fato, conforme já vimos, o recebimento de uma autorização para que
os religiosos que encontravam-se no sul de Minas retornassem à Itália, nos leva a crer que o
fim da presença dos teresianos no país poderia estar próximo, o segundo fato redimensionou
este cenário e deu novo impulso à obra teresiana no Brasil, pois apenas alguns meses após a
chegada desta carta/autorização para a retirada do grupo para a Itália, um segundo grupo,
composto por cinco religiosos, foi enviado para o sul de Minas Gerais.
Este grupo chegou a Santos em 12 de julho de 1912539 e era composto por Nicolò
Magnanelli, então com 31 anos; Gerolamo Valentini, então com 29 anos; Broccardo
Colonnelli, então como 28 anos; Anselmo Torti, com 29 anos; e Nazareno, com 45 anos540.
Ao nos direcionarmos a uma nota publicada no periódico Il Carmelo, em 12 de julho
de 1912, sob o titulo de Nuovi Missionari nell’America del Sud, notaremos interessantes
planos para a chegada deste segundo grupo à Minas Gerais. Nessa nota, padre Edmondo
Fusciardi, estudioso da Província, após recordar aos leitores italianos do periódico Il Carmelo
a calorosa recepção realizada pela população sul mineira ao primeiro grupo de teresianos que
ali se instalou em 1911, nos afirma que:

Queste, dopo um solo anno, vedendo realizzate le speranze che si


erano ripromesse dall`instancabile attività di quei primi Missionari,
hanno insistentemente reclamato, d`intesa coi rispettivi Ordinari, che
altri operai evangelici venissero inviati a coltivare quella vasta vigna del
Signore, la quale sotto il benefico influsso dell`apostolato cattolico
fiorisce e fruttifica mirabilmente così da preannunziare in un tempo non
lontano la più abbondante mèsse. E a perorare la loro causa due mesi or
sono ritornava fra noi il m.R.P. Arcangelo Bindi il quale è riuscito sì
efficace nel disimpegnare la sua missione che il nuovo P. Provinciale

538
Ibidem, p. 15.
539
MAGNANELLI, N. Notizie del Brasile. Il Carmelo, Milano, p. 376-378, set. 1912.
540
Através do livro Hierarchia in N. Carmelit Ordine. 1924 e documentos diversos encontrados no arquivo da
Paróquia de Santa Teresinha em São Paulo pudemos saber a idade dos teresianos quando estes aportaram no
Brasil.
180

della Provincia Romana lo nominava suo Vicario concedendogli di


condurre seco altri altri quattro giovanissimi e volonterosi Padri. 541

Ora, torna-se claro que tal posicionamento não quis evidenciar as inúmeras
dificuldades encontradas no cenário onde os carmelitas descalços atuavam, conforme tivemos
oportunidade de acompanhar no segundo capítulo, mas parece vir de alguém com nítido
interesse nessa ação, isto é, na ampliação dos horizontes da missão no Brasil.
Foi por meio também de frei Fusciardi e nesse mesmo artigo que soubemos que os
novos missionários deveriam atuar na gestão das paróquias vizinhas de São Mateus,
Campivari e Gonçalves, além de reforçar o efetivo de religiosos residente em Cambuí e em
Córrego542. Finalmente, nessa nota é possível identificarmos o desejo da Província Romana de
estender sua presença para outras regiões do Brasil, pois este autor, ao referir-se à chegada do
novo grupo, nos afirma:

E questa nobile decisione giunse molto opportuna, in quanto tende


ancora ad assecondare la penetrazione dei nostri Missionari fra le
popolazioni sparse nelle ande del Matto Grosso, spingendosi fino
agl`Indi, a favore dei quali il cuore eminentemente paterno di Pio X, in
nome della fede e della civiltà cristiana, in questi giorni con apposita
enciclica ha richiamata l`attenzione di tutti coloro che sanno
commuoversi sulle miserie di tanti milioni d`infelici. 543

541
FUSCIARDI, E. Nuovi Missionari Carmelitani Scalzi nell’America del Sud. Il Carmelo. p. 221-222. “Estas,
depois de um ano somente, vendo realizadas as esperanças que se eram prometidas da incansável atividade
daqueles primeiros Missionários, tem insistentemente solicitado, de acordo com os respectivos ordinários, que
outros operarios evangelicos fossem enviados a cultivar aquela vasta vinha do Senhor, a qual sob o benéfico
influxo do apostolado católico floresce e frutifica miravelmente tanto que preanuncia em um tempo não distante
a mais abundante colheita. E a defender com convicção sua causa há cerca de dois meses retornava entre nós o
Reverendo Padre Arcangelo Bindi, o qual conseguiu tão eficazmente desempenhar sua missão que o novo Padre
Provincial da Província Romana o nominou seu Vigário concedendo-lhe de conduzir consigo outros quatro
jovensissímos e dispostos padres.” (tradução nossa).
542
Ibidem, p. 221.
543
FUSCIARDI, E., Op. Cit. p. 221-222. “Entre aquelas boas e pacíficas populações os nossos Padres da
Província Romana se propoe de desenvolver e intensificar a sua operosidade apostólica, tanto que naquelas
paragens, tendo encontrado sérias dificuldades na instrução de jovens para o ministério sacredotal, se detecta
falta de assistência religiosa. E esta nobre decisão faz-se muito oportuna, enquanto tende ainda a assecundar a
penetração dos nossos Missionários entre as populações dispersas nos andes do Mato Grosso, avançando até os
(Indi) entenda-se indios, em favor dos quais o coração eminentemente paterno de Pio X, em nome da fé e da
civilização cristã, nestes dias com conveniente encíclica chamou a atenção de todos aqueles que sabem
comover-se das misérias de tantos milhões de infelizes.” (tradução nossa).
181

Uma última observação deve ser feita com relação à chegada de tal efetivo. É que esse
fato ocorre após a ida de frei Bindi à Roma para participar do capítulo provincial de 1912,
quando este religioso, então vigário no Brasil, relatou aos seus superiores os principais
acontecimentos passados nas fundações em Minas Gerais, dentre os quais destacaram-se as
ofertas de novas paróquias realizadas por Dom Assis. Ainda de acordo com a referida Revista,
nesta ocasião, frei Bindi também registrou e discorreu sobre a esperança que os membros
daquele pequeno grupo tinham de expandir sua presença no Brasil, o que nos leva a crer que o
abandono destas casas também era pensado entre os membros do grupo.
O quadro apresentado por frei Bindi nesta ocasião parece ter agradado ao novo
provincial, frei Paulo de São Jeronimo, uma vez que, de acordo com informações dispostas na
Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, este procurou organizar e preparar um novo grupo
para enviar à Diocese sul mineira, ato que, adotado pouco tempo depois do consenso de retirar
os teresianos do Brasil, nos leva a crer que o desejo da Província Romana naquele momento
seria o de encontrar paróquias “mais adequadas” aos planos da Ordem544.
Interessante notarmos que frei Bindi nos sugere que um novo efetivo iria responder às
necessidades do bispo Dom Assis e levaria os teresianos a atuar em outras paróquias, ao passo
que frei Fusciardi evidencia que o projeto de fundação de novas casas objetivava possibilitar a
instalação de teresianos em outros estados do país, o que sugere (sobretudo este último
apontamento) também um plano de abandono das casas de Cambuí e Córrego do Bom Jesus.
Neste sentido, convém evidenciarmos que, frei Dorelli, durante os anos de 1911 e
1912, realizou viagens pelo sudeste brasileiro, onde pôde conhecer as cidades de São Paulo,
Mariana, Belo Horizonte e Santos, e buscou estabelecer contato com os bispos das respectivas
regiões545.
No que se refere ao novo grupo composto por cinco teresianos, no manuscrito
intitulado Appunti storici della nostra missione nel Brasile546, seu autor desconhecido afirma
que a promessa de Dom Assis de confiar aos novos religiosos outras paróquias da região não
foi mantida, o que aponta aqui para uma inconstância do bispo e instabilidade no
relacionamento entre este e os religiosos de tal Ordem. Reconhecemos que, entre a
documentação analisada, não encontramos menção ou registros que nos informassem da
presença ou manutenção de teresianos nestas “novas” localidades.

544
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,
ed. dez. 2010. p. 15.
545
IL CARMELO. Milão: 1911 -1913.
546
APSJDC. Appunti storici della nostra missione nel Brasile.
182

Com base na documentação existente, acreditamos que o envio de mais cinco


carmelitas descalços para o sul de Minas incrementou e deu novo vigor àqueles religiosos que
ali estavam, sendo que, a partir de então, em Córrego, juntamente com os freis Bindi e Mauro,
se estabeleceram Nicolau, Gerolamo e Nazareno, enquanto em Cambuí, frei Dorelli passou a
contar com a companhia de Brocardo e Anselmo 547, configuração que também foi efêmera,
pois em 1913 assistimos a um fato de grande significação para esse grupo: o retorno à Roma
de frei Enrico Dorelli, que permaneceu como pároco de Cambuí até 15 de junho de 1913 e
que até então foi um dos pilares da Ordem nesta região.
Sua saída desta paróquia, de acordo com o disposto na Revista O Mensageiro de Santa
Teresinha, ocorreu após este religioso contrair malária. A este respeito é forçoso apontarmos
para o fato de que em suas crônicas publicadas no periódico Il Carmelo datadas dos últimos
meses, frei Dorelli não cita como motivo de seu retorno à Itália uma possível doença, mas sim
que fora levado a este ato movido pela obediência 548.
Em seu lugar, assumiu frei Mauro que, nesta função permaneceu até 8 de setembro de
1914, quando frei Nicolò Magnanelli é nomeado para substituí-lo na direção da paróquia de
Cambuí549. Em 1913, com o retorno de frei Dorelli e a baixa de Afonso ocorrida ainda em
1912, o efetivo dos teresianos atuando no sul de Minas era de sete frades. Porém, é a partir de
1914 que fatos de maior envergadura ganham relevo.
De acordo com O Mensageiro de Santa Teresinha, no início do ano de 1914, Dom
Lúcio Antunes de Souza, bispo da diocese paulista de Botucatú, disponibilizou ao grupo
sediado no sul de Minas Gerais uma paróquia de porte grande, localizada na cidade de Baurú,
o que nos aponta para o fato de que os carmelitas descalços também naquele período estavam
buscando estabelecer contato com bispos brasileiros de outras dioceses, tendo em vista
obterem novas paróquias onde pudessem atuar. Apresenta a mesma revista que esta paróquia
foi confiada algum tempo depois à outra ordem religiosa, o que aconteceu devido à
impossibilidade do referido bispo esperar mais por um posicionamento dos carmelitas
descalços. O insucesso desta ação e a perda desta paróquia foram justificados nesta Revista
pela necessidade que o grupo sediado no sul de Minas teve de submeter tal decisão aos
superiores em Roma, o que demorou demasiadamente.

547
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,
ed. dez. 2010.
548
DORELLI, E. Ricordi d’un viaggio terraqueo. Il Carmelo, Milano, p. 242, 1913.
549
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 70.
183

A crer no que nos apresenta o conteúdo do manuscrito Appunti storici della nostra
missione nel Brasile e também a Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, os teresianos não
se deixaram abater por este episódio, e não pararam de sondar novos campos de atuação. Foi
por meio da já mencionada revista que sabemos que os religiosos teresianos fizeram contato
(por intervenção do redentorista João Batista) com Dom Epaminondas Nunes, bispo da
também diocese paulista de Taubaté, que pouco tempo depois lhes ofereceu a administração
da paróquia de São Bento do Sapucaí. A crer no que o autor desconhecido do manuscrito
Appunti storici della nostra missione nel Brasile nos apresenta sobre a nova fundação de São
Bento, o ocorrido não aconteceu conforme a referida revista nos afirma acima. Para esse
autor, nesse processo teve destaque padre João Batista, então superior dos Redentoristas do
Santuário de Aparecida. Com efeito, de acordo com o ignoto autor, no mês de março deste
ano um teresiano chegou a conhecer o mencionado redentorista, o qual mostrou-se espantado
ao saber onde os teresianos estavam instalados no sul de Minas, ocasião em que questionou
“come potevano stare e che cosa potevano fare 3 padri in Corrego, luogo così piccolo e di
nessuna speranza!” 550 . O teresiano, frente a tal demonstração de surpresa, admitiu que
estavam à procura de “melhores lugares”, mas que isso não havia sido ainda possível, em
grande medida porque o grupo era novo nesta região. Nessa tarefa, contudo, estavam
empenhados e se, nesta empreita pudessem contar com a ajuda e influência do redentorista
reitor do Santuário de Aparecida, isso lhes seria uma “grande carità”. Tal solicitação de ajuda
foi bem recebida pelo superior redentorista, que em breve teve oportunidade de dialogar sobre
este assunto com Dom Epaminondas, então bispo da Diocese de Taubaté, que pouco tempo
depois ofereceu ao grupo sediado no sul de Minas Gerais a administração da paróquia paulista
de São Bento do Sapucaí551.
A perspectiva de ampliação dos trabalhos no Brasil com a fundação de uma nova casa
motivou os teresianos aqui fixados a solicitar à Província Romana o envio de novos frades,
petição que foi atendida pela Ordem. Para tal fim, foram enviados ao Brasil ainda naquele ano
frei Serafim e frei Gabriel. Destes, merece destaque frei Serafim d’Arpino 552, religioso que, de
acordo com o disposto na referida Revista, tinha atuado como professor de filosofia e de

550
APSJCD. Appunti storici della nostra missione nel Brasile.
551
APSJCD, Loc.Cit.
552
Serafino di Santa Teresa, cujo nome civil era Raffaele d’Arpino, nasceu em Castelliri, Frosinone, em 7 de
novembro de 1880, filho de Luigi e Domenica Venditti. Vita del Carmelo Teresiano Romano: Memoria di
uomini che si sono distinti nella sequela di Cristo e nel generoso servizio alla Chiesa e all’Ordine (1617-2000).
Roma: Edizioni Provincia Romana dei P. Carmelitani Scalzi. 2012. p. 237-239.
184

teologia na Itália, como missionário na Síria e tinha grande interesse e habilidade com línguas
neolatinas.
De acordo com a Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, frei Gabriel e frei
Serafino chegaram à paróquia de Córrego em 4 de agosto daquele ano 553 . Neste ponto,
notamos que o projeto de enviar ambos para a paróquia de São Bento não ocorreu, uma vez
que, através do Livro do Tombo de Córrego, conseguimos rastrear a presença de frei Gabriel
nesta paróquia durante parte de 1914.
Através da mesma revista, sabemos que em 4 de setembro de 1914, os teresianos
assumiram a gestão paroquial de São Bento do Sapucaí, desde então residência de frei
Serafim, de frei Mauro, que assumiu a função de pároco daquela igreja, e também dos freis
Gerônimo e Nazareno554.
De acordo com Documenti che riguardano la fondazione del Convento di Rio, livro
aberto por frei Serafim em 11 de fevereiro de 1919 em São Bento do Sapucaí e cujo objetivo
era aquele de registrar cópias dos documentos que diziam respeito à presença dos teresianos
no Brasil em 1911, três dias após ocorrer a posse dos teresianos na paróquia de São Bento, foi
firmado um contrato entre a Ordem e a Diocese de Taubaté, ocasião que contou com a
presença de frei Paulo de São Jeronimo, então provincial dos teresianos da Província Romana,
sendo esta a primeira vez em que registrou-se a visita de um provincial ao Brasil desde
1911555.
E foi frei Paulo, de acordo com a Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, que
quando em São Bento, encarregou e empossou frei Serafim na função de vigário provincial no
Brasil556, fato que, ao retirar esta função das mãos de frei Bindi, pároco de Córrego, também
nos faz acreditar em um deslocamento do eixo da missão do sul de Minas para a nova
paróquia paulista.
Alguns meses depois desta fundação ter-se efetuado, observamos que outro fato atinge
a Ordem no Brasil. A Itália entrou na Primeira Guerra Mundial em maio de 1915, e frei
Gerolamo foi convocado pelo governo italiano para o serviço militar. Para cumprir esta
resolução, esse religioso deixou a paróquia de São Bento do Sapucaí, onde atuava, e partiu
para a Itália no início do mês de agosto daquele ano. Uma deliberação do governo italiano

553
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,
ed. dez. 2010. p. 16.
554
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Loc. Cit.
555
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Livro Documenti che riguardano la
fondazione del Convento di Rio. p. 4.
556
Ibidem, p. 17.
185

emitida neste período fez com que este religioso não fosse incorporado ao contingente
destinado ao fronte, pois por este instrumento, ficavam isentos os religiosos que atuavam fora
da Europa, como era seu caso, do serviço militar naquele conflito 557 . De acordo com O
Mensageiro de Santa Teresinha, o retorno deste religioso ao Brasil, efetuou-se após a
realização do capítulo da Província Romana de 1915, que enviou ao Brasil um novo
teresiano558.
Com efeito, em 20 de fevereiro de 1915, todos os religiosos então presentes no sudeste
(com a exceção de frei Mauro, que não pôde se ausentar da paróquia de São Bento do
Sapucaí) reuniram-se em Córrego do Bom Jesus, a fim de eleger um sócio para participar do
capítulo da Província Romana que ia realizar-se algum tempo depois. Saiu eleito dessa
reunião frei Serafim que, após a realização do capítulo em Roma, voltou ao Brasil juntamente
com frei Gerolamo, dispensado do serviço militar, e um novo missionário, Félix da
Anunciata, que havia atuado na Síria.
No mesmo ano de 1915, teve destaque na paróquia de Cambuí um fato que chamou a
atenção do provincial no Brasil e dos superiores na Itália: a aquisição de um imóvel comprado
em nome de um religioso teresiano. De acordo com a Revista Mensageiro de Santa Teresinha
e conforme descrito no referido manuscrito, em 1915 ocorreu a compra de uma casa em
Cambuí, em nome de frei Brocardo, procedimento repreendido pelos outros frades da
paróquia e pelos superiores em Roma. Interessante notarmos que a aquisição de uma
residência nesta localidade fora aprovada pelo Definitório Provincial de 15 de dezembro de
1914, quando tal proposta foi apresentada em Roma pelo então vigário provincial no Brasil,
frei Serafino 559. No entanto, os superiores não aceitaram o modo como esta compra foi feita,
tendo sido estabelecido a necessidade de transferir tal imóvel à Província.
Não nos foi possível saber se a compra dessa casa esteve vinculada à ideia de fundar
ali um convento ou colégio, mas o certo é que a aquisição de um imóvel no valor de 8.500
liras nos aponta para o fato de que a Ordem manipulava considerável montante de dinheiro e
que, além de permitir aos teresianos usufruir de uma vida confortável, lhes permitiu ainda a
compra de um imóvel.
A respeito dos religiosos Gerolamo, Serafino e Felix, é curioso observarmos que,
quando estes chegam à Córrego no início de janeiro de 1916, portam consigo para a matriz de
São Bento do Sapucaí imagens de três santos cultuados pela Ordem, sendo estes Nossa

557
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Loc. Cit.
558
Ibidem, p. 17-18.
559
RECCHIA, P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma: 2011. Mimeografado.
186

Senhora do Carmo, Santa Teresa e São João da Cruz, o que nos mostra um nítido e crescente
interesse naquela paróquia. A aquisição de tais imagens não foi o único investimento da
Ordem nesta localidade neste período560.
De acordo com o disposto nos Atti del Definitorio della Provincia Romana (1891-
1924), percebemos que nos anos de 1915 e 1916, consideráveis investimentos foram
aprovados para serem efetuados na paróquia de São Bento. Com efeito, no Definitório de
outubro de 1915, foi aprovada a construção de um colégio e no ano seguinte, o Definitório,
celebrado em junho, aprovou a construção de uma casa também nesta localidade, ato para o
qual os teresianos obtiveram permissão para contrair empréstimo financeiro 561.
Devido a isto não constituir o objeto central desta pesquisa, não dispensamos mais
atenções aos fatos verificados na paróquia de São Bento, mas que nos ajudam, contudo, a
entender como a fundação da nova casa impactou as casas de Córrego e Cambuí.
Outro fato de grande relevância para nossas paróquias foi a posse de Dom Chagas de
Miranda em 1916. Octávio Augusto Chagas de Miranda nasceu em Campinas, no dia 10 de
agosto de 1881, filho de Francisco das Chagas Miranda e de Cândida Maria Theodora562 .
Tendo perdido seu pai ainda muito jovem, foi encaminhado pela intervenção do então padre
Nery, futuro bispo da Diocese de Pouso Alegre, a estudar no Liceu Santa Cruz, instituição
criada pelo padre Nery destinada a receber meninos pobres. Do mesmo padre também
recebera apoio para estudar em Itú, no renomado colégio dos jesuítas, considerado então a
melhor instituição de ensino da região. Ingressou como seminarista em São Paulo, onde não
pôde terminar seus estudos pois, convidado a seguir padre Nery ao Espírito Santo quando de
sua nomeação para bispo daquela nova diocese em 1896, Otávio mudou-se para Vitória563,
onde continuou os estudos no Seminário da Penha.
Depois de cinco anos naquela localidade, Dom Nery foi nomeado primeiro bispo de
Pouso Alegre, para onde o acompanhou também Chagas de Miranda. Neste bispado, Chagas
se ordenou padre e atuou como secretário até 1912, quando partiu novamente para
acompanhar Dom Nery, agora nomeado bispo da nova Diocese de Campinas. Ali, Otávio
Chagas de Miranda foi nomeado vigário da antiga matriz. Conforme pontuado por Cônego

560
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,
ed. dez. 2010. p. 18.
561
RECCHIA, P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma: 2011. Mimeografado.
562
CARVALHO, A. J. de. Polianteia Centenário de nascimento de Dom Octavio Chagas de Miranda.
Terceiro Bispo Diocesano de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Tipolitografia Escola Profissional, 1981. p. 21-24.
563
Ibidem, p. 11-13.
187

Carvalho, esta proteção não pararia por aí, uma vez que, em 1916, Dom Chagas foi eleito
terceiro bispo de Pouso Alegre564.
No que se refere ao relacionamento de Dom Chagas e os teresianos, raros foram os
dados que conseguimos levantar para nos esclarecer um pouco desse período e das relações
entre os carmelitas descalços e a nova autoridade diocesana.
Com efeito, no período em que Dom Chagas permaneceu como bispo diocesano, foi
realizada somente uma visita pastoral às paróquias de Cambuí e de Córrego, ocasião em que
deixou anotado em Córrego que “Louvando o cuidado do Revdo. Vigario em fazer os
assentamentos parochiaes em duplicata, como manda o Codigo, recomendamos que todos os
livros e documentos do arquivo parochial sejam guardados em armário fechado a chave
(...)”565.
Já em Cambuí, o bispo anotou que, apesar de estar “bem impressionado com o estado
religioso da parochia e louvando os trabalhos dos Revdos. Padres Carmelitas”, julgava
importante deixar algumas recomendações que diziam respeito à necessidade de se adquirir
objetos para o culto e um armário fechado à chave, à necessidade de se promover a reforma
da matriz, à necessidade de se registrar em duplicata os assentamentos de batismo, casamento
e óbitos, entre outros566. Naquela ocasião, Dom Chagas, ao agradecer os freis que ali atuavam,
nos informa que estavam em Cambuí frei Anselmo como encarregado e freis Nicolò e
Gabriel567, enquanto em Córrego, são citados frei Bindi e frei Gerolamo 568.
É interessante notarmos que, em menos de três meses transcorridos dessa visita, o
paroquiato de Córrego foi fechado. O motivo citado para tal recessão, de acordo com frei
Serafino, então vigário provincial dos teresianos, que sobre isso anotou pequena observação
junto ao livro Amministrazione della Parrocchia di Corrego, foi que, no dia 24 de novembro
de 1919, “Questo vicariato fu chiuso per ordine del N. Def. N Generale e Provinciale.”569
A este respeito, nos Atti del Definitorio della Provincia Romana (1891-1924) 570 ,
podemos ver que, no Definitório celebrado em 23 de maio de 1919, decidiu-se pela extinção
da residência dos teresianos de Córrego, devendo os religiosos que até então ali habitavam,
fixar residência em Cambuí.

564
CARVALHO, A. J. de. Loc. Cit.
565
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 47v.
566
APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 85v.
567
Ibidem, p. 86.
568
APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 47v.
569
APSJDC. Livro Amministrazione della Parrocchia di Corrego assunta dai P.P. Carm. Scalzi il 2 Aprile
1911. p. 89v.
570
RECCHIA, P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma: 2011. Mimeografado.
188

Sobre esse procedimento nada mais pudemos encontrar, e é importante observarmos


que, do tempo que tal decisão foi tomada em Roma até sua execução, se passaram seis meses,
o que nos leva a crer que tal fechamento fora planejado e executado sem pressa.
O que sabemos sobre esse período é que, a partir de tal transferência, o serviço
religioso no Santuário do Bom Jesus passou a ser feito por religiosos residentes em Cambuí
que para Córrego se dirigiam esporadicamente para ali realizar atos religiosos, batizados,
entre outras funções, contexto que contribuiu certamente para diminuir o poder de influência
dos teresianos sobre a população local.
Pouco mais de dois anos depois do fechamento de Córrego, verificamos o fechamento
da casa de Cambuí, que a crer nos documentos de que dispomos, não ocorreu por decisão da
Ordem, mas sim por desejo da autoridade diocesana, ou seja, Dom Chagas de Miranda. A este
respeito, é forçoso notarmos que, no Definitório Ordinário celebrado em Santa Maria della
Vittoria, em 16 junho de 1922, padre Serafino, então vigário provincial, ao referir-se à
recessão da casa de Cambuí, atribui este fato a “ragioni politiche”, o que nos aponta para
possíveis problemas no relacionamento, de um lado, com os antigos coronéis, conforme já
fora observado anteriormente, e com o próprio bispo de outro, a crer na pouca interação da
Ordem com este no período de sua posse até 1922.
Interessante notarmos que, diante do que fora apresentado por frei Serafino, o
Definitório aceitou o fechamento desta casa, mas não o modo como este ato foi realizado pelo
bispo Dom Chagas, pessoa a quem passa a ser atribuída pela Província Romana a decisão de
recesso e, portanto, o fim da presença dos teresianos na Diocese de Pouso Alegre571.
Sobre a saída dos teresianos das referidas paróquias, de acordo com o apresentado pela
Revista O Mensageiro de Santa Teresinha do Menino Jesus, isso teria ocorrido devido ao
sucesso no estabelecimento de uma casa na cidade do Rio de Janeiro, e devido ao projeto de
fundação de outra casa na cidade de São Paulo, o que aqui parece querer travestir os reais
motivos que contribuíram para tal desfecho 572.
Através dos dados colhidos por padre Pancrazio Recchia nos Atti del Definitorio della
Provincia Romana (1891-1924), podemos constatar que, no mesmo período, ou seja, em
1922, foi aberta uma nova casa em Cataguases 573, Diocese de Mariana, e que em 1920, a

571
RECCHIA, P. Loc. Cit.
572
PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,
ed. dez. 2010. p. 19.
573
RECCHIA, P. Loc. Cit.
189

Ordem efetivou o projeto de fundar um convento na cidade do Rio de Janeiro 574, e em 1923,
outro convento na cidade de São Paulo575.
Com relação aos religiosos que aqui atuaram, esclarecemos que três desses doze
secularizaram-se no Brasil, sendo esses o irmão laico Afonso, frei Brocardo, e frei Gabriele.
Já sobre aqueles que permaneceram na Ordem, no decorrer do período de 1911 até 1922,
percebemos grande alternância de funções entre as paróquias de Cambuí, Córrego e São
Bento do Sapucaí.
Através dos registros efetuados junto aos Livros do Tombo de Córrego, identificamos
a passagem de frei Bindi (1911-1921), de frei Mauro (1911-1913), do irmão Afonso (1911-
1912), de frei Nazareno (1912-1914), de frei Nicolò (1912-1914), de frei Gerolamo (1912-
1914), de frei Brocardo (1912-1914), de Gabriele (1914), de frei Gerolamo (1916-1917-
1919), ao passo que, em Cambuí, foi possível rastrearmos a presença de frei Dorelli (1911-
1913), de frei Mauro (1913-1914), de frei Brocardo (1914-1916), de frei Nicolò (1916-1919),
de frei Gabriel (1918-1919) e de frei Anselmo (1918-1922). No entanto, estamos cientes de
que tais registros não estão em condição de nos informar com detalhes qual foi o movimento
interno dos religiosos entre as paróquias sob a gestão teresiana nesse período.
Ora, o que nos apresenta este quadro? Tais exposições nos mostram que as relações
entre Dom Assis e, posteriormente, Dom Chagas e os teresianos, não se desenrolaram de
modo regular e estável, mas foram marcadas por recuos e hesitações e até mesmo conflitos.
Mostra ainda que o desconhecimento da realidade sul mineira assustou os teresianos e
constituiu-se em um dos motivos que os impeliu a buscarem novas possibilidades fora das
paróquias que ora analisamos.
Tal desejo se concretizou com a fundação da casa de São Bento do Sapucaí em 1914,
que pouco tempo depois significou o deslocamento do eixo da missão de Córrego do Bom
Jesus para São Bento do Sapucaí, Estado de São Paulo. Diante destas observações, foi-nos
possível constatar que, internamente os religiosos tiveram percursos próprios, o que pode ser
visto no registro dos dados que os vigários deixaram sobre suas atividades nos Livros do
Tombo de ambas as paróquias, na postura de alguns desses frente às práticas do catolicismo
local e nas três secularizações que aqui aconteceram.

574
DI RUZZA. O. Sintesi storico-cronologica della Provincia Romana dei Padri Car-melitani Scalzi. Roma:
Edizioni O.C.D, 1987. p. 104.
575
Ibidem, p. 107. Ver também PROVÍNCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O
Mensageiro de Santa Teresinha, ed. dez. 2010. p. 26.
190

Já no que se refere a uma possível relação entre o número de sacramentos e o efetivo


de religiosos que nestas paróquias atuou, apresentamos aqui alguns dados para refletirmos.
Sobre tal assunto, contudo, é preciso pontuar que, a falta de informações precisas sobre as
atividades que cada religioso desenvolveu nas paróquias brasileiras de 1911 até 1922 nos
coloca em uma posição não muito fácil para emitirmos um parecer sobre tal assunto. No
entanto, se recordarmos que, em Cambuí, no ano de 1918, o número de comunhões registrado
foi de 6897, maior cifra atingida no paroquiato dos teresianos, e se recordarmos que neste ano
esta paróquia contou com um dos maiores efetivos que ali atuaram neste período, ou seja, três
frades, então podemos crer que o número de religiosos influenciou tais trabalhos.
Não obstante, devemos também lembrar que, no período de 1920 até 1921, quando a
paróquia de Córrego passou a ser administrada por padres residentes em Cambuí, foi nítida e
drástica a queda dos números que representam a administração da eucaristia, o que nos
evidencia que a aceitação dos sacramentos e a aproximação desses por parte da população foi
temporária e se constituiu como uma tática de relacionamento com os teresianos. Já no que
refere-se a 1922, acreditamos que a ausência de um padre ali residente significou a
descontinuidade dos trabalhos de instrução e ensino ali desenvolvidos pelos teresianos.
Tal evidência, no entanto, deverá ser investigada e aprofundada por futuras pesquisas
que dêem conta de analisar o período que se seguiu à retirada dos teresianos, o que seria
precioso para nos revelar como as populações locais destas paróquias agiram, tendo um padre
secular à frente de sua gestão depois de 11 anos de presença teresiana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste trabalho, algumas ulteriores considerações devem ser feitas. E o


primeiro item a pontuarmos é que, as pretensões da Província Romana da Ordem dos
Carmelitas Descalços e de Dom Assis, segundo bispo da então Diocese de Pouso Alegre, para
a fundação de casas teresianas nas paróquias de Cambuí e no Santuário do Senhor Bom Jesus
do Córrego, ficaram longe de efetivar-se, conforme seus planos iniciais.
De fato, se a Província Romana conseguiu por onze anos aqui manter um grupo
considerável de religiosos, a mesma instituição não pôde nestas localidades estabelecer um
convento e/ou colégio que, conforme vimos anteriormente, era destinado a lançar novas bases
da Ordem neste continente, em face do medo de uma nova supressão das ordens religiosas na
Itália, e também de acordo com a mentalidade então vigente na Congregação Italiana da
Ordem e na Igreja missionária e combativa.
Já em relação às iniciais pretensões de Dom Assis de prover de sacerdotes reformados
o Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego e a grande paróquia de Cambuí a fim de se
realizar uma “necessária” adequação dos costumes destas populações, é forçoso
reconhecermos que tal fato por si só não significou a implantação de um catolicismo
ultramontano, pois, conforme vimos durante todo o período analisado, grandes foram os
embates e negociações entre diversas práticas do catolicismo local e as práticas do catolicismo
reformado.
Para lembrarmos como se deu a relação entre ambas as práticas, devemos pontuar que,
no âmbito paroquial, prevaleceu sobre a atuação dos teresianos, uma clara e nítida orientação
diocesana, que teve por base as disposições presentes, sobretudo nas atas e decretos do
Concílio Plenário Latino Americano e nas Pastorais Coletivas de 1911 e de 1915. Com efeito,
constatamos que foi sob a orientação de Dom Assis e desde 1911, que os carmelitas descalços
buscaram realizar a reforma das festas religiosas locais, implantar novos modelos de
associações religiosas para leigos, introduzir novas devoções pias e desenvolver e intensificar
ações de doutrinação, vistas neste caso, a partir da promoção da
192

missa, da pregação, do catecismo, das santas missões e, finalmente, por meio de uma ação
para levar os leigos destas localidades a se aproximarem da frequência aos sacramentos,
atividades essas que pretenderam submeter as referidas populações a novos padrões de
comportamentos, projeto no entanto que não encontrou terreno muito fértil nessas duas
localidades.
Com efeito, durante toda a pesquisa, foi possível vermos que a força de muitas práticas
do catolicismo local significou para os teresianos uma grande dificuldade para a efetivação
das imposições diocesanas sobre as práticas religiosas dos leigos nas referidas paróquias. Esta
dificuldade residiu no fato de que, longe de constituir-se como prática associada a um grupo
específico, o catolicismo local era neste período vivenciado por todos os segmentos destas
sociedades que, contudo, o vivenciavam de modos diversos, como os festeiros, os
fazendeiros, as irmandades, as bandas, os altos postos da antiga Guarda Nacional, políticos
locais, funcionários estaduais e federais, os jogadores, os romeiros, os imigrantes, os
comerciantes entre outros.
Foi neste contexto que pudemos observar a utilização de uma grande habilidade de
negociação efetivada pelos teresianos, a fim de mediar a imposição das disposições
diocesanas sobre a omnipresente religiosidade leiga, um tanto desvencilhada dos moldes do
ultramontanismo.
Esta postura flexível não conseguiu evitar que os carmelitas descalços se
indispusessem contra alguns dos mais poderosos senhores rurais locais (muitos dos quais
ainda reconhecidos como coronéis da antiga Guarda Nacional), situação conflituosa que
intensifica-se a partir do final da década de 1910. Neste ponto, é interessante notarmos que,
foi também neste período, ou seja, nos últimos anos da década de 1910, que verificamos a
consolidação de uma aliança entre Carlos Cavalcanti, Juiz de Direito de Cambuí, e os
teresianos ali residentes, que parecem ter conseguido convencer o referido magistrado (que
até então integrava-se à órbita do poder e influência exercida pelos coronéis e outras patentes
da antiga Guarda Nacional) a apoiar a “necessária” reforma dos costumes das populações
destas localidades. Este projeto “civilizador”, encabeçado pelos teresianos e pela autoridade
judiciária, contudo, não teve nos anos seguintes grande êxito, e isso por dois motivos:
primeiramente, porque em 1922 observamos a saída dos teresianos de Cambuí, paróquia que
volta a ser gerida pelo clero secular e, porque no ano seguinte, em 1923, acontece o “brutal”
assassinato de um dos principais pilares deste grupo, o Dr. Carlos Cavalcanti, Juiz de Direito
de Cambuí, cuja morte é atribuída a um mandatário de um coronel local.
193

Isso nos lembra que a permanência e atuação de religiosos teresianos nessas paróquias
no decorrer dos anos de 1911 até 1922 não foi tranquila, uma vez que apresentou uma
dinâmica que aponta para desilusões, hesitações, recuos, negociações, pela busca de novos
projetos, pela adaptação às condições existentes e, sobretudo, pela busca de novos contextos
de atuação fora dessas paróquias, ações que nos evidenciam que houve no início da presença
teresiana nesta região uma grande falta de informações e conhecimento (por parte da
Província Romana) sobre o ambiente (onde iria se efetivar a fundação de casas teresianas) e
sua cultura.
A busca por novas paragens e outros contextos levou os teresianos a realizarem
viagens e a estabelecer contato com outros bispos de diversas dioceses brasileiras, e
possibilitou à Província Romana fundar residências na paróquia paulista de São Bento do
Sapucaí, em 1914, na cidade do Rio de Janeiro em 1920, e na capital de São Paulo em 1923,
ao passo que, com o fechamento da casa de Córrego do Bom Jesus em 1919, os padres ali
residentes passaram a viver em Cambuí (de onde se dirigem algumas vezes ao mês para o
Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego, para administrar os sacramentos e realizar
algumas funções de culto) e de onde finalmente saem em 1921.
Não obstante, pudemos perceber que grande foi a heterogeneidade de posturas dos
religiosos teresianos que aqui atuaram, o que se refletiu no modo de administrar cada
paróquia, de efetuar registros junto aos livros (paróquias e de administração da Província
Romana) e, finalmente, no modo pelo qual os teresianos se relacionaram com as autoridades
(diocesanas e locais) e com as práticas e táticas da religiosidade local. De fato, associamos tal
heterogeneidade de comportamentos às enormes diferenças de idade, origem, visões de
mundo, experiências e qualificações (padres e aqueles sem os votos definitivos) que
caracterizaram aqueles teresianos que aqui atuaram nesse período.
Tal diversidade de posturas também pôde ser observada no clero secular e entre as
autoridades diocesanas que passaram pela Diocese de Pouso Alegre neste período. São
exemplos do primeiro caso os comportamentos de padres com nítidas tendências regalistas e
liberais que pudemos observar quando analisamos o processo de formação destas duas
localidades, nos anos que antecederam à chegada dos carmelitas descalços e também no
episódio que passou-se na paróquia de Camanducaia em 1911, quando Cônego Saturnino da
Conceição, então pároco daquela localidade, não acatou a decisão de Dom Assis de nomear
para esta paróquia um teresiano, desrespeitando assim o princípio hierárquico tão prezado
pela reforma católica. Já no que diz respeito às autoridades diocesanas, percebemos que, não
194

obstante à grande ligação que uniu os três primeiros bispos desta diocese, grande foi a
diferenciação de posturas de Dom Assis e Dom Chagas, marcadas em grande medida por
inconstâncias no relacionamento com os teresianos e, finalmente, pela decisão súbita de Dom
Chagas de fechar a última casa de Cambuí em 1922, ação que pôs um fim inesperado ao
projeto de Dom Assis. Por tudo isso, constatamos que o movimento da Reforma
Ultramontana não foi uníssono nem obteve a apregoada unidade reivindicada pela Igreja
Católica.
Ao final deste trabalho, que se pretende um ponto inicial (e de ligação) para muitas
outras pesquisas sobre este tema, não podemos afirmar que a prática religiosa local tenha
conseguido passar incólume sob as ações dos teresianos pois, conforme pudemos observar, tal
relação entre estes, (sob os auspícios da autoridade diocesana e da sua Ordem) e os leigos,
gerou uma nova prática, ao que tudo indica mista e negociada, onde não podemos observar
nem a predominância de elementos ultramontanos, nem a sua forma anterior (amálgama de
influências de temporalidades e culturas diversas). Tal percepção foi sentida também pelos
freis Dorelli e Bindi que, no decorrer dos anos de 1911 até 1922, utilizaram frequentemente o
termo “relativo” para apontar um intenso processo de trocas recíprocas entre essas práticas em
diversos atos e atividades.
Concluímos, assim, que, ao final do período de permanência dos teresianos nas
referidas paróquias, predominou nas práticas locais a força da religiosidade anterior que,
contudo, foi ressignificada pela relação com os teresianos, os quais durante seus paroquiatos
adotaram e toleraram muitas das devoções presentes na forma como as referidas populações
vivenciavam sua fé.
Finalmente, cabe-nos dizer que estes dados não se pretendem absolutos, mas sim, um
início para novas pesquisas sobre este tema, que possam aprofundar tal assunto e nos relevar
muitos dos aspectos de nossa cultura deste período, o que não nos foi possível abordar aqui
devido ao nosso recorte temático e temporal.
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3- Teses

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de Doutorado em História. Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Filosofia e
Ciências Humanas. Recife: 2002.

4- Dissertações

BARBOZA, M. A. Pedagogia, Mística e Espiritualidade na Configuração do Pensamento


de São João da Cruz. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Estadual de
Maringá. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Maringá: 2007.

SILVA, M. P. da. De Gado a Café: As ferrovias no sul de Minas Gerais (1874-1910).


Dissertação de Mestrado em História Econômica. Universidade de São Paulo. Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: 2012.

CASTRO, P. M. G. e. Minas do Sul: Visão corográfica e política regional no século XIX.


Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de
Ciências Humanas e Sociais. Mariana: 2012.

RIGOLO FILHO, P. A Romanização como Cultura Religiosa: As práticas sociais de D.


João Batista Corrêa Nery, Bispo de Campinas 1908-1920. Dissertação de Mestrado em
História Cultural. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. Campinas: 2007.

ZANON, D. A Ação dos Bispos e a Orientação Tridentina em São Paulo (1745-1796).


Dissertação de Mestrado em História Cultural. Universidade Estadual de Campinas. Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: 1999.
209

5- Artigos e artigos online

ARAÚJO, J. C. S. Os Grupos Escolares como Expressão Republicana: As especificidades


no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Disponível em:
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ntal/GRUPOS%20ESCOLARES.doc>. Acesso em: 10 maio 2013.

SILVA, R. F. da.; CASSIO, G. Contributo per il centenario dei Carmelitani Scalzi in Brasile:
I primi anni di missione pastorale. 1911-1922, In: Ricerche Umbre del IRSUM (Istituto di
Ricerche Storiche sull’Umbria Meridionale). Terni: 2012.

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primeiros años de la misión carmelita en Minas Gerais (1911-1922). La Evangelización en
una sociedade plural. São Roque (Brasil), 24-27 jul. 2012. Actas del Congreso Internacional
Misionero OCD.

MARCHETTI, E. La reforma del Carmelo scalzo tra Spagna e Italia. Disponível em:
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<http://www.ocd.pcn.net/mission/mis_hIt.htm>. Acesso em: 9 ago. 2013.

CASSIO, G. Padre Arcangelo Bindi da Terni al Brasile. Terni: Mimeografado. 2010.

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Brasileiro de História da Educação. Educação no Brasil: História e historiografia. Rio de
Janeiro: 2000.
ANEXOS

Figura 3. Dom Antônio Augusto de Assis, segundo bispo de Pouso Alegre (sem data)
Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre – Minas Gerais

Figura 4 Dom Octávio Chagas de Miranda, terceiro bispo de Pouso Alegre (sem data)
Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre – Minas Gerais
211

Figura 5. Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego – década de 1910


Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva

Figura 6. Imagem do Senhor Bom Jesus do Córrego – 1953


Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva
212

Figura 7. Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego 1911


Rivista Il Carmelo - Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

Figura 8. Santuário do Senhor Bom Jesus em 1911, depois da missa dominical.


Rivista Il Carmelo - Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma
213

Figura 9. Santuário do Senhor Bom Jesus e Praça Matriz - década de 1920


Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva

Figura 10. Livro de Obrigações e Satisfações de Córrego


Arquivo da Província São José dos Carmelitas Descalços – São Paulo – SP.
214

Figura 11 Frei Gerolamo e time de “football” Correguense - 1918


Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva

Figura 12. Frei Gerolamo e time de “football” Correguense - 1918


Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva
215

Figura 13. Vista posterior da antiga igreja paroquial de Cambuí - 1912


Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

Figura 14. Imagem de Nossa Senhora do Carmo – Igreja Matriz de Cambuí - 1911
Rivista Il Carmelo - Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma
216

Figura 15. Partida dos Padres Redentoristas de Cambuí após a realização da Missão de 1912
Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

Figura 16. Colocação da primeira pedra fundamental da nova Matriz de Cambuí - 1912
Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma
217

Figura 17. Igreja Matriz de Cambuí em construção – 1 de junho de 1913


Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

Figura 18. “Colonos brasileiros” 1911


Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma
218

Figura 19. Grupo Escolar de Cambuí – 1912 (sem autoria)

Figura 20. Costumes brasileiros – Matador a céu aberto – 1911


Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma
219

Figura 21. A despedida do Vigário Marcellino Dorelli e as meninas de Cambuí em 1913


Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços – Roma

Figura 22. Vista de Cambu no início do século XX. (sem autoria e sem data)
220

Figura 23. Banda Musical Carlos Gomes (sem data)


Levindo Furquim Lambert. Livro Biogeografia de uma Cidade Mineira

Figura 24. Banda Musical VII de Setembro – 1914


Levindo Furquim Lambert. Livro Biogeografia de uma Cidade Mineira
221

Figura 25. Carmelitas Descalços


Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre (sem data)

Figura 26. Missionários em partida para o Brasil – Grupo de 1912 – Roma.


Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma
222

Figura 27. Foto de religioso teresiano encontrado na Casa Paroquial de São Bento do Sapucaí – SP
(sem autoria e sem data)

Figura 28. Frei Mauro de São José


Arquivo da Província São José dos Carmelitas Descalços – São Paulo
223

Figura 29. Vista topográfica do antigo Estado Pontifício com os conventos dos Carmelitas Descalços.
Onorio di Ruzza. Livro Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi.

Figura 30 – Igreja Santa Maria della Scala – Roma (sem data)


Onorio di Ruzza. Livro Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi.

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