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INTRODUÇÃO
Fruto das reflexões e inquietações humanas, a linguagem mítica nos tem falado dos
sentimentos, virtudes e valores humanos desde tempos imemoriais. Toda sociedade humana
com certo desenvolvimento social, econômico e intelectual projetou e projeta os anseios de
sua realidade cotidiana em narrativas míticas. Os anseios por conhecer as suas origens (a
necessidade de entender a origem do mundo, do homem, dos animais, das plantas e dos
fenômenos naturais), o pós-morte, as relações sociais entre diferentes grupos, os desafios
cotidianos e os sentimentos humanos são objetos de reflexão e representação mítica.
Os mitos revelam muito de nós mesmos, pois trabalham com os nossos sentimentos,
virtudes e vícios. A partir desse esclarecimento podemos entender a importância do Mito de
Narciso e do seu significado para o homem grego e conseguimos perceber o seu valor ainda
atual para o homem moderno. Afinal, a vaidade representada por Narciso é uma característica
marcante da nossa sociedade moderna e individualista e o alerta contido nesta narrativa mítica
ainda é de grande valia para o espírito humano.
Neste artigo consideraremos a concepção de mito e a relação do tempo histórico com a
narrativa mítica para desenvolver o objeto de nossa análise que é o Mito de Narciso e as
reflexões pedagógicas e filosóficas que o mesmo proporciona, já que o mito foi a primeira
forma de reflexão do homem e sua linguagem continua presente em nosso cotidiano.
DEFINIÇÕES DO MITO
Definir a expressão mito é tarefa ainda difícil. Alguns pesquisadores buscam retratar
da melhor forma essa palavra que, ao longo da História foi encarado de diversas formas. Em
Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.
virtude da ampla complexidade e debate que envolve esse conceito, de imediato observamos
que usaremos aqui a definição de Mircea Eliade em seu livro Mito e Realidade (1972), no
qual afirma:
Pensar o mito nos dias de hoje é, para as ciências humanas, encará-lo como uma
‘tradição sagrada’, esse olhar que é dado hoje, se opõe ao o que era proposto no século XIX,
no qual mito estava relacionado com ficção e/ou invenção. Pensar o mito como produção
histórica cuja temporalidade é específica permite compreendermos as diferentes formas como
foi pensado ao longo dos tempos. (ELIADE, 1972, p. 5).
Mircea Eliade (1992), analisa a questão dos homens que viviam em sociedades
arcaicas. Assim, para ele, o sagrado representa muito mais o cotidiano, está muito mais
presente nesse homem do que o profano,
O homem das sociedades arcaicas tem a tendência para viver o mais possível
no sagrado ou muito perto dos objetos consagrados. Essa tendência é
compreensível, pois para os “primitivos”, como para o homem de todas as
sociedades pré-modernas, O Sagrado e o Profano o sagrado equivale ao
poder e, em última análise, à realidade por excelência. O sagrado está
saturado de ser. Potência sagrada quer dizer ao mesmo tempo realidade,
perenidade e eficácia.” (ELIADE, 1992, pp. 13-14)
Nesse sentido o mito se apresentava aos antigos como uma realidade muito mais
presente, o sagrado, como diz Eliade, refere-se por vezes a própria realidade. Paul Veyne
(1984), atenta para uma das funções dos mitos entre os gregos: “O mito era um motivo de
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reflexões sérias [...]” (VEYNE, 1984, p.11). Reflexões estas que foram fruto de amplos
estudos na filosofia grega.
Para entendermos a relação do homem grego com os seus mitos necessitamos de uma
análise que vá além do sentido literal do mito, deve-se entender o sentido racional da narrativa
mítica, pois segundo Paul Veyne:
Nem todos acreditavam que Minos continuasse a ser juiz dos Infernos, nem
que Teseu tivesse combatido o Minotauro, e eles sabiam que os poetas
‘mentem’. Todavia, a sua maneira de não acreditar nisso não tinha sido
menos real; é necessário simplesmente ‘depurar o Mito pela Razão’, e
reduzir a biografia do companheiro de Hércules a seu núcleo histórico. [...]
O mito era um motivo de reflexões sérias e os gregos ainda não tinham
acabado com ele, seis séculos depois do movimento dos sofistas [...]
(VEYNE, 1984, p. 11).
Como aponta Veyne, as reflexões míticas vão além do seu sentido literal, sendo assim
essas narrativas são passíveis de modificações sem que percam seu caráter reflexivo, isso
ocorre pois os mitos são constantemente recontados, por isso se faz necessária uma
identificação das suas diferentes formas e conteúdos. Para isso partimos dos esclarecimentos
de Pierre Grimal (1985), para esse autor são identificaveis quatro categorias de mito: os mitos
cosmogônicos ou teogônicos (que tratam da formação de matérias fundamentais, como o
cosmo, a Terra e o Céu), os ciclos divinos e heróicos (que narram os feitos e as histórias dos
deuses e dos heróis), o relato lendário ou novela (que trata de grandes eventos usando de
forma literária, tal qual ocorre em a Ilíada) e ‘relatos elementares’ ou ‘anedotas etiológicas’
(que explicam certo ritual religioso, a forma de um rochedo, um costume).
Apesar das diferentes origens, significados, categorias e formas em que os mitos são
apresentados, estes mantém uma função específica nas sociedades. Sendo assim, como aponta
Veyne, o mito grego é carregado de informações que orientam a vida cotidiana e racional
daquela população. Por meio desta forma narrativa, o homem grego poderia identificar estes
conhecimentos que revelam as inquietações inerentes ao ser humano, grego antigo ou atual.
A partir das observações de Oliveira podemos inferir que as narrativas míticas são
mutáveis, pois o mito é passível de diversas alterações dependendo da sua região e do seu
tempo histórico, um mesmo mito pode ter várias versões diferentes, um mesmo deus pode ter
três, quatro origens diferentes, o culto de certos deuses é unido a outros, por conseguinte,
‘mudam sua natureza divina’. Essa mutabilidade dos mitos é uma característica também
presente nos mitos gregos, por exemplo, segundo Pierre Grimal existe três locais de
nascimento do deus Zeus, isso demonstra que mitos locais sobre o nascimento do deus foram
depois adaptados e reinterpretados em nível ‘nacional’ii, processo que ocorre com vários
outros deuses e heróis.
Os mitos surgem de tradições orais e como toda tradição oral passa por mudanças e
alterações. Para o caso grego Paul Veyne entende que: “[...] a mitologia grega, cuja ligação
com a religião era das mais fracas, no fundo não foi outra coisa senão um gênero literário
muito popular, um vasto quadro de literatura, sobretudo oral [...]” (VEYNE, 1984, p. 27).
Estes mitos que, segundo o autor surgem de uma tradição oral, quando são passados
para a escrita sofrem alterações. Para Veyne, certas narrativas míticas são adaptadas para dar
legitimidade a certas cidades ou a descendência de determinados grupo, em um mito, por
exemplo, Hércules passa por uma aventura e gera uma descendência que será reivindicada
pelos habitantes de uma cidade.
É difícil identificar a origem dos mitos e das tradições orais, já que desde que tomou
consciência, o homem buscou, no mito, respostas para o que não entendia e para as reflexões
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da sua condição enquanto ser vivente e reflexivo. Todavia, a importância das explicações
míticas começou a declinar a partir do desenvolvimento da filosofia, primeiramente em
Mileto, com o surgimento da pólis e da busca do homem por explicações racionais para as
suas origens e para a natureza. Segundo Vernant:
O MITO DE NARCISO
Existem muitas variantes do Mito de Narciso. Ovídio (414-428 a. C), em sua obra
Metamorfoses, destaca uma versão em que o deus e rio Cefiso possuíram a Ninfa Liríope
contra a sua vontade, gerando-lhe assim um filho. O menino era mais belo que os próprios
deuses do Olimpo que eram, por essência, belos e imortais. Ser uma criatura tão bela como os
deuses era considerado uma afronta digna de ser punida.
Liríope, entorpecida com essa beleza, desejava saber quantos anos viveria o mais belos
dos mortais, o que a levou procurar um sábio ancião chamado Tirésias que, apesar de cego,
poderia ver além do que os olhos humanos enxergam, tinha o dom da adivinhação que lhe foi
dado por Zeus. Ao perguntar se Narciso viveria muitos anos, o adivinho respondeu que sim,
mas ele jamais deveria ver a si mesmo.
Narciso cresceu e como Liríope desejara, inúmeras moças e ninfas se apaixonaram por
sua beleza, até mesmo uma ninfa chamada Eco, que havia sido retirada do Olimpo pela deusa
Hera, que estava desconfiada de seu marido, pois este saia pela Grécia a ‘namorar’ as mortais.
Hera havia proibido Zeus de dar esses passeios, então ele pediu para que a ninfa Eco,
conhecida por seu dom em conversar, distraísse sua esposa para que pudesse descer a Terra
Existem ainda outras versões do mito de Narciso. Segundo Pausânias (séc II a. C),
Narciso teria uma irmã gêmea que morreu muito jovem, ao ver-se na fonte de Téspias,
acreditou que estava vendo a irmã e por isso, não conseguiu afastar- se dali. As versões
concordam que mesmo no Hadesiii Narciso tenta ver-se refletido nas águas do rio Estige,
perpetuando assim, o seu destino. Na versão, narrada pelo mitógrafo grego Cônon (cerca de
30 a.C), o jovem é descrito como belo, mas orgulhoso em relação àqueles que o amavam.
Mas, apesar de suas diferentes versões, o mito de Narciso gerou várias interpretações e
reflexões para o ‘espírito grego’.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A função reflexiva que o mito proporciona foi de fundamental importância para o
desenvolvimento da filosofia grega e ainda é para o homem moderno. O mito, ao indagar
sobre questões fundamentais do homem, o leva a pensar sobre o mundo ao seu redor e as
consequências de seus atos.
Narciso representa o amor exagerado por si mesmo e nos ensina que a vaidade em
excesso atrapalha a vida do homem, o desequilibra e tira o foco das verdadeiras questões que
deveriam ser importantes para o ser humano. Este amor e vaidade representados por Narciso
são presentes em nosso cotidiano e são a causa de muitos males do dia-a-dia que enfrentamos,
como a concorrência entre funcionários de uma mesma empresa que buscam ‘destruir’ a vida
de seus concorrentes, a recusa em se discutir determinados assuntos com temáticas ‘delicadas’
e que podem ferir o ego de certos indivíduos, a falta de humildade em se aceitar que se está
errado e buscar uma melhoria das situações vividas, etc.
O mito de Narciso e a sua reflexão devem ser entendidos tendo-se em vista o contexto
grego, mas o homem grego antigo e o homem atual carregam os mesmos vícios e virtudes,
sendo assim Narciso continua sendo atual e de grande valor para o conhecimento do homem e
de suas características morais.
REFERÊNCIAS
i
Esse trabalho, que ora apresentamos, é parte das atividades de ensino da Disciplina Filosofia da Educação na
Antiguidade, ministrada pela professora Terezinha Oliveira aos alunos de Pedagogia do primeiro ano da Turma -
32/2013, no primeiro semestre. Em linhas gerais, as questões tratadas aqui foram representadas em maquete e
expostas a alunos, do 7º ano do Ensino Fundamental, do Colégio de Aplicação da UEM – CAP.
ii
Nacional na acepção de Grimal como pan-helênico.
iii
Na mitologia grega Hades é mundo inferior em que os mortos residem;