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Temas de Arte Africana

Col. lvani e Jorge Vunes


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A786

SILVA, Renato Araújo da. Temas de Arte Africana: Coleção Ivani e Jorge
Yunes. São Paulo: Ferreavox, 2018.

514 p.: il. (diversos); 29 cm.


Foto de Capa: Máscara kuba, Rep. Dem. do Congo
Col. Ivani e Jorge Yunes
Fotos: Estevan dos Anjos

Design e diagramação: Renatex/canva.com/lnDesign


Design, pesquisa e edição: Renato Araújo da Silva
Revisão: Eduardo A. A. Almeida

Inclui bibliografia: f. (275)

Arte Africana. 2. Mercado de Arte da África 3. Museus e


Coleções Brasileiras 4. Máscaras e esculturas. 5. África-
Brasil-Américas. 1. SILVA, Renato Araújo da. II.
Renatex.

CDU 666 (Universidade das Ruas)


Dedicatória
Ao meu pai Reinaldo Raimundo da Silva, por ter se convertido ao budismo em 1968, feito shakubuko em minha mãe
Edna Aparecida Araújo da Silva em seguida, e por ter me ensinado a ser um trabalhador-monge levantando às 4 horas da manhã
para o trabalho devocional de todos os dias, incluindo sábados, domingos e feriados. Por me ensinarem o valor de colocar a ho-
nestidade acima de todas as coisas e por manter a nossa família bakongo unida.

Aos meus irmãos, Kátia (kaka, katitoyo), Fábio (fabiolino), ReinafdoJr.(Badinha), Rodrigo (Digão), Tainara (Tainá), Wendel, Vinicius
e à minha mãe-drasta Nice - e sobrinhos, inumeráveis e memoráveis, à Bahia (minha querida prima Marina), Hélio, Cassiano e
Helen, amo todos vocês!

À minha querida professora Usy, pela amizade de vinte e poucos anos e por saber tudo de arte africana e ter a generosi-
dade de tudo nos ensinar sobre ela.

Eu tenho a impressão de que este é (entre os meus) o livro que mais lhes indico. Então. eu também o dedico a todos
os meus amims. presentes e ausentes. aparecidos e desaparecidos ... Aqui fiçam. portanto. os meus agradecimentos aos que
eu me lembrar de cabeca e a todos os que. eventual e tolamente. possa esquecer:

AdemirRibeiroJr.1 por me ajudar a escolhera amar as joias africanas e por dividir comigo o orgulhoso posto de "filhos da Lisy".
Adllz Jamlle, por enriquecer a nossa juventude com a sua presença de espírito..• Imagina só .•. 1991 não faria multo tempo, néi'i'lll
Afonso Rocha, pela inteligência e conhecimento profundos e pelos lindos anos de faculdade.
Alexandre Marcussi, pela sagaz inteligência, pelos anos de aprendizado, risadas e reflexões no Núcleo de Pesquisa no 'Afro Brasil'.
Ale Silva, pelos anos suados desde o CCBB, Museu Afro Brasil, a nossa e outras empresas varonis.
Aghatha Rodrigues da Silva, por compartilhar a belezura de sermos "filhas da Lisy".
Airton Luna, pela bem combate.
Allan da Rosa, pelos anos de glória desde a USP até a vitória, por ser exatamente como eu: Educador, Operário, Literato e, claro, (D)escritor.
Allanic (Nic) Gilbert Mavoungou Yade, pelo profissionalismo de empresário e por nos ensinar a alegria de sermos vili.
Alzileni Queiroz, pelo sorriso lindo e por sempre estar por perto, mesmo que distante.
Ana André, a portuguesa mais brasileira, artista preciosa e amada amiga de muitas anos.
Ana Chhaya de Azevedo Kohly for the years o/ true lave, and for that blink o/ eyes in the holi waterfall .
Anna Maria Kie.ffer, exímia pianista e contara pela delicadeza e por nossos anos 80 inconscientes um do outro na velha Escola Municipal de Música.
Ana Paula 01/velra, melne Vetter, so welfl, so wenlg welft, genau wle der Schnee, aber nelnl :)
Andrea Andira, pelos anos passados e por me aguentar sorrindo ao ouvir as minhas tolas piadas de cunho 'sexuálicas'.
André (Augusto de Oliveira) Santos palmeirense, pelo companherismo e nos ensinar o amor ao samba paulista.
Andrt Bueno, pela amabilidade e generosidade em difundir as nossas coisas brasileiras.
André Santos cari nthiana, pela positividade, ideias, braça direito e esquerda na Coleção.
Andrezinho (Tetê), pela prontidão e juventude.
Ant6nio, pela camaradagem nordestina, pela técnica da 'pinga no caju' e pela enorme força dada na Reserva técnica da Brigadeiro.
Antonieta Antonacci pelos anos de amor à África e dedicação ao ensino.
Alessandro Maro Gomes de Melo (N~), minha amada esposa, pelo amor correspondido e pelo eterno apoio às minhas loucuras aquarianas. Obrigado
por me aguentar nesses 18 anos de casados e pelos próximos que vili!o.
Alexandre AratJjo Bispo, pela inteligência erudita e pelas risadas infinitas de exu caveira das quebradas e encruzilhadas da vida.
Amando Carneiro dos Santos, pelo vívido e sério interesse pelas coisas da África e africanidades.
Ariane Cristina Neves (Pequena Notável), pelos motivos de sempre, amor para sempre.
Ariel Rene, pela amizade de 30 anos, imensa e sagaz inteligência e pelas trocas infinitas de amar pela literatura.
Bárbara lnagaki, pelos seus belos desenhos de uma África da delicadeza.
Beatriz Yunes Guarita, pela imensa generosidade, confiança e reconhecimento do meu trabalho.
Beatriz Yoshlto, pelos anos Juntos.
Bedel (Makaya), por ser meu irmão bakongo.
Bene (Benedito Rosa), pela generosidade, desejo de saber e pelos belíssimos anos universitários.
Brisa Batista (d' Salete) pela garra feminina e inteligência acima das médias.
Bruna Amaro, pelas anos de dedicação.
Bruno Pastre, por comparti! har o interesse pela África dos nossos ancestrais.
Camilo Marchiori, por demonstrar esperança.
Camlla Yunes Guarita, pelo brllho nos olhos e pela força de vontade contagiante.
Carol (Ana Delgado), por todo conhecimento que generosamente compartilha.
Carla Ogawa, pelos bons anos em que trabalhamos juntos.
Sr: Carmo Guarita, peh1 paciência.
Seu Carolino, pilar e braço direito da família Yunes e da Coleção por seus mais de 30 anos de trabalho honesto e competente.
Carol Rios, pela perspicácia e incentivo, pelo apoio e pelos risos mais que amigáveis.
Célia Antonacci, pelo vívido interesse nos negros artistas.
Chico, pelos excelentes anos em que trabalhamos Juntos e por seu apolo sempre fraterna 1.
Ciça, pelo profissionalismo fora de série e por ser aquele tipo de pessoa que ama mos o acaso de poder ter conhecido.
Cida (Cidflo) (Maria Aparecida Lopes), pelo valioso aprendizado sobre a Imprensa Negra e pela amizade de décadas.
Cinthio Ribeiro, obrigado por se interessar.
Clarice Lis Marcon, por demonstrar interesse.
Claudia Telles {Claudinha) pelo amor correspondido sempre.
Claudia Carmo Melo, por ser uma das primeiras a nos frequentar e se interessar pelo que somos e pelo que dizemos.
Cláudio Nakal, pelos catálogos todos e pelos anos todos Juntos.
Claudinei Roberto, pelas conversas e pelos arredios 'séculos' de 'Afro Brasil'.
Corina Rocha, pelo bom mau humor e pelo rigor com o trabalho.
Cris Filatro, pelo braço direito e esquerdo e pelas ideias e fazeres constantes.
Cumpadre, pela predisposiçao, pelo braço direito e esquerdo e pelos almoços deliciosos regrados a risadas nordestinas no restaurante mineiro.
Dalton Delfini Maziero, pelos anos de amizade.
Daniel (Wasawu/ua), pelo vozerão cantante e nos passar a alegria de ser um irmão bakongo.
Daniela Ortega, pelos entusiasmantes anos vividos Juntos.
Dani (Sophia) pela alegria contagiante, pelos idos anos de faculdade e por me escolher como padrinho.
Daniel/e Souza, pela enorme ajuda com o nosso livro sobre os 'ogboni' e pela nossa irmandade na mãe Lisy.
Darlene, pela seriedade no trabalho e por cuidar do nosso querido Jonathan.
Débora Armelin, por seguir os meus cursos e por se tornar minha amiga.
Débora Trindade, por ser mais que minha irmã de alma da nossa 'mãe onça', mas também sim, pelo amor correspondido.
Dimos Munhoz Gomes, pelas conversas intermináveis, mútuo e incansável amor ao saber.
Dulce Limo, pelos belos anos de convivência e amizade.
Eder Conalle, por ser meu querido professor de "Astronomia no Verde" e de Instrumentação Astronômica.
Edsan Moreira Diniz, por ser um excelente poeta, palhaço•.•, agradeço pela amizade de mais de 20 anos, pelas aulas gratuitas de mlmica, pelas conversas filosófi-
cas e pela generosidade nas eras de ouro do CRUSP.
Edu (8rech6) pela inteligência fora de qualquer série, amizade de mais de década, por todo esse amor sincero, que é tão sinceramente correspondido.
Elton Hipólito, pelos anos juntos.
Emanoel Araújo, pelos doze anos de aprendizado, pelas exposições maravilhosas e pelas muitas risadas em Nova Iorque.
Emerson Melo, pela inteligência poderosa, pelos anos de amizade e convivência.
Erico Rocha, meu Eric, por tudo que vivemos.
Estela (Maria Correa), por todo apoio oferecido generosamente e pela brilhante carreira no setor cultural do Consulado dos EUA.
Estevon dos Anjos, pela "lente" objetiva e pelos cliques certeiros.
Fobiana Lopes, por se interessar no que temos a dizer.
Felipe Brito, por sempre rir da minha forma de me despedir diariamente:"- Continuaremos!"
Felipe Torres, por compartilhar desse mesmo espírito que são as nossas heranças africanas e por nossos anos no "Afro".
Fernanda Heberle, pela presença amiga e esplrlto contagiante.
Fernando Charantola, pelos 40 anos de amizade verdadeira (maior do mundo/).
Fernando Chaves, pelas boas histórias, grande experiência e pelo vivaz interesse em tudo.
Flammarion Caldeira Ramos, pela inteligência aguda, pelas conversas filosóficas e pelos anos vividos no apt. 303 do E- saudade das nossas primeiras
lutas online no Half-Life (kil/ them ai//) und für die Ausleihe seiner Zeitschrift Seventeen und der Voluptuous, Genaaaau 111
Flávio Oliveira, pela amizade de mais de 30 anos.
Francis Lee, (1 mperatriz) pela perspicácia.
Frederico Bertoni (Fred), pela disponibilidade e grande apoio na conservação das obras da Coleção.
Gii/dás/o, por estar na llnha de frente.
Glaucea Brito, pelos anos felizes.
Guilherme Lopes, pela coragem e camaradagem oferecida na forma de sua Hpalavra-passe», sem a qual esse livro estaria mais do que esquálido.
Gilson Brandao, pelos anos sofríveis e saudosos.
Giselda Pereira, pela beleza, inteligência e luta.
(Guga), pelas estórias e histórias repletas da verdadeira alegria e pelo conhecimento infindável e generosamente transmitido a quem possa interessar.
Honayr6 (Hano) Negreiros, por manter o brilho nos olhos e pelo interese vivo na África.
Helena janóllo Freire de Andrada Ferreira, nome grande para uma pessoa grande de coração e de enorme amor correspondido.
Hélio Menezes, pela argúcia e astLlcia
Hélio Rosa de Miranda, pelo enorme conhecimento, amor aos livros e generosidade infinita.
Held (Heloca), pelos belos momentos de pesquisa no 'Afro Brasil'.
leda Nascimento, pela amizade nordestina, sempre a mais verdadeira.
leiéu (Daniel, grande amigo Geólogo), pelos maravilhosos anos do 303 do E, por suas risadas, pizzas e guloseimas.
lzabel dos Santos Monteiro, pela força de vontade e alegria em tratar com os livros.
/vona Pansera, por ser a linda professora que eu queria ter.
Ivan/ l'tlnes, pela amabllldade, cordlalldade e generosidade, virtudes que sempre desejamos de todos os cidadãos e que só temos daqueles que nos
são bons amigos e daqueles que resguardam um grande caráter.
lzaque Kotou Assi, pelos anos de Museu Afro e pelas aulas sobre a nossa bela Costa do Marfim.
Jacque, por ser a "funcionária do mêsn da Coleção.
Joqueline Limo, pela esperança que enseja nas culturas "afros".
Jaergenton Corrêo, pela tranquilidade tontagiante e amizade naqueles anos de ouro.
Joane Dlivare, pelo seu bom mau humor {- Che inferno!) e pelos anos que riu das minhas piadas sem graça.
Jolio Carlos ClindidoSantos, o mais parecido c;omigo mesmo, por sua generosidade, saber humilde e amor à arte.
Janafna Machado, pela inconfundível beleza e pelo poder da presença hip hop.
Jonatho V. Lucas, pelo tompanheirismo, disposição, pelo braço direito e esquerdo e pelas risadas e bom humor impagáveis próprios de um grande
companheiro.
José CarmoJr., pelos anos tomo filhos da mãe Lisy e sua generosidade em compartilhar seu enorme conhecimento dos nossos orixás.
José Roberto de Paulo, maestro querido, com amor do seu padrinho renatinho.
Joyce, pela garra de mulher negra.
Júlia Pichioni, pelos anos que passamos juntos.
Juliana Ribeiro da Sil11t1 Bevilacqua, por nosso "filho" África em Artes, troca de conhecimentos mil e pelos anos de ibeji.
Ju da salvaguarda, a ruivinha mais delicada do mundo, por sua Inteligência, discurso super coerente e capacidades fora do c;omum.

Junia Cristina Vaz Vieira, amiga para além do tempa, por todo esse amor inc;ondicional e correspondido, desde sempre e para todo o sempre, amémi
Kizzy Resende, minha nordestina querida professora de Astronomia Observacional, com quem tanto aprendi, aprendo e aprenderei.
Larissa de Souza Lima, pelos 30 anos de amizade verdadeira (maior do mundo/)
Laura Carneiro Tirapel/i, pela atenciosidade e pela experiência transmitida com generosidade.
Leonel, 'Senhor dos Livros' por sempre dividir suas experiências infindáveis e sabedoria de forma tranquila, como se fosse numa bela tarde de chá com
a Rainha.
Letícia Vosconcelos, por, tom a sua beleza e amizade me distraír das amarguras da vida.
Luana, antiga companheira de lutas, pela persistência e ãnimo que animam o coração das gentes.
Luciane Ramos (Luli), linda e leve bailarina que faz a africanidade girar como se pintasse o controno do mapa do continente no ar e com os dois flutuantes pés.
Luciana (Lu) Toledo, uma das mais queridas entre as minhas irmãs na nossa fraternidade lyslstica.
Luciara Ribeiro, pelos anos de Museu.
Ua Laranjeira, pela seriedade e dedicação tom que sempre trata os temas afro e outros temas, e por rir das minhas piadas de fi"só"lofo.
Liliane Braga, (Lili), pela delicadeza e décadas de amizade.
Lívia, pela seriedade e pelo apoio durante o período de trabalho na Coleção.
Luciana (Junqueira de Queiroz), pelas conversas animadas e pelo seu rigoroso senso crltlc;o.
Mora Rodrigues Chaves, por ser irmã na nossa mãe Lisy.
Maria BethlJnia Galas (Beta), pelos anos de luta, de dores e delícias no Museu Afro Brasil.
Maria Gal (ex-Quaresma), atriz e educadora excelente, pelo sorriso lindo e intensidade baiana invejáveis!
Maria Paula Adino/fi, pelos belos anos de formação desde a exposição "Arte da Africa" do Museu Etnológico de Berlim (2003-4).
Marcelo Thomé, poetisa da existência, pela camaradagem paulistana e ativismo de índia moicana.
Marcelo D' Safete, pela inteligência fina, agudeza nos traços do desenho brasileiro e pelos belos anos de luta desde a época de faculdade no século passado.
Marcelo Wasem, pela amizade e por compartilhar o amor pela bela Rio de Janeiro.
Márcia da biblioteca da Coleção pelas rápidas porém profundas conversas regadas a chá (para mim) e a café (para ti).
Márcia Gabriel, pela disponibilidade, por aguentar pacientemente os meus gritos de "-Oh, my Godl" e por rir das minhas piadas extremamente maldosas.
Marco Baena, pelas conversas intermináveis e profundas.
Marcos Felinto, pelos bons anos de camaradagem.
Marina Wolsky, pela curiosidade jovial e pelo precioso apolo na catalogação de multas dessas mesmas obras aqut apresentadas.
Mariano Motto, pela discrição e generosidade de parecer não estar lá e por sempre estar lá quando se precisa.
Marlene Suano, pelas madrugadas traduzindo o meu livro para o inglês, pelos puxões de orelha públicos em relação às minhas falhas de formação e
por provocar um enorme aprendizado.
Marlinena pelas alegrias e percepções da arte africana divididas na expo "Arte da África" no CCBB (2003-2004).
Mauro, pelos inúmeros "socorros" dados e pela prontidao.
Seu Mel/o, pela seriedade e dedicação ao trabalho.
Moisés da Silva Santos, por ser meu irmão, amigo, velho camarada.
Nata/le Broldo, pelas conversas, por se interessar, pela vivacidade, juventude e beleza admiráveis.
Nathan, pela bela arte da jardinagem, os trabalhos nos bastidores são sempre os mais preciosos.
Neide, pela simpatia.
Nelson lnoc~ncio, pela argúcia da pergunta certa.
Nilzangela (Nil, Nica Gomes, Traíra) por toda essa poesia e amor à África, africanos e seus descendentes que carrega no seu coração ... Tudo é o amor verdadeiro
e também recíproco.
Papa Olenga, pelas aulas de francês, lingala e kigongo, pelo sorriso maravilhoso e por nos ensinar a alegria e orgulho de sermos tetela (selecionei neste livro uma
obra do nosso povo, especialmente pensando em você).
Patrícia Morales Bertucci, pela amizade de uma década, pelas conversas infindáveis e pelos portais filosóficos abertos para sempre.
Patrício Marinho (Paty}, pelos anos de CRUSP, pela irmandade na filharada Lisy.
Paola Marinho, pelo voluntarismo no Museu Afro Brasil e pelo enorme sorriso (espírito) e espiral ao infinlto.
Patricia Nakayoma, grande ser humano, pelas décadas de amizade e amor mútuo à nós e à filosofia.
Percival Tirapelle, por seu amor ao barroc;o e pela nossa amada famllia Yunes.
Priscila Lorençõo, coração imenso que queremos guardar conosco dentro de uma caixinha, pela seriedade sorridente no trabalho e pelo interesse especial né!s
pessoas e em coisas que quase ninguém mais se interessa., apenas os anjos.
Prisci/a Prieto, por ser o pilar da CIJV (Coleção lvani e Jorge Yunes); o pilar é aquilo sem o qual tudo desmoronaria.
Rafeela Deiob, pelos nossos anos idos, mas jamais esquecidos.
Rafael Galante, pelos anos de estudo da "COieção Sertaneja" no MAE-USP, na filiação Lisy, e pelo sentimento de amizade e respeito mútuos.
Rafael Domingos, por demonstrar Interesse.
Rafael Schunk, pelo amor aos nossos santos e santeiros.
Rafael Yunes Guarita, pela doçura e apoio sempre sorridente.
Regiane Augusto de Mattos, pelos anos como minha sócia.
Regina Atullm, minha querida primeira professora de Astrofísica Geral.
Rogério de Campos, pelas décadas de amizade e amor mútuo desde as cadeiras de filosofia antiga com a nossa desorientadora. Lygia Araújo Watanabe, e grande
humanista Henrique Murachco, até o nosso amor eterno aos clássicos do helenismo.
Renato Araújo, minha irmã no budismo e no nome, pelo que vivemos juntos no Museu, afinal, como disse belamente papai: "quem est6 no mar é marujo, quem
est6 no ar é Araujo".
Renato Rocco (R~}, pela delicadeza, amabilidade, gentileza, educação e profissionalismo superbos.
Renota Felinto, pela perspicácia em atingir seus objetivos e nos ensinar a como fazer isso.
Ricardo Reis, pela alegria juvenil contagiante e pelas histórias maravilhosas.
Roberto Okinaka, por ser o japonês mais preto de todos e queridos por todos nós, incluindo esse seu amigo preto japonês aqui.
Rodrigo Contreras, gênio literário e do teatro, pelas imensas e profundas discussões e entendimentos mútuos e por me lembrar a:
'sempre me lembrar de onde eu vim'.
Romilda Silva, pelo carinho, generosidade e amor aos livros.
Ronaldo PJ, pela camaradagem nos anos 'afros'.
Sal/ama Salomão pelos nossos três amores e amigos em comum, a África, a literatura e à Sarah Rute Barbosa, in memorian.
Samuel, pela camaradagem dos anos no 'Afro Brasil'.
Sandra Salles, (Sandrine) pelos idos anos de tormentos e alegrias vividos, aqueles com os quais mais se aprende.
Sérgio Luiz (seara, pelos maravilhosos anos de convivência no 509 do D, nos idos de 1999 e seguintes.
Sllmara, pela excelente educação que deu ao nosso querido Jonatha n e pelos ai moços maravflhosos
Solange Ardila, pela Inteligência e profundidade nas nossas intermináveis conversas, amiga eterna.
Sheila Paulino, pelas nossas antigas conversas e pelo amor à filosofia antiga e ao nosso amado e "carrancudo" Platão.
Souza (Valdemar Filho}, pela inteligência arguta e única, generosidade gigantesca e por tudo que me ensinou em nossas conversas fenomenológicas e afins.
Stênio Soares, pelo carinho recíproco, amizade e pelas fabulosas festas no "seu terraço da TV Cultura", incluindo o meu aniversário de 35 anos.
Tâmara Sbragio Ganem, por ser a "árabe" mais brasileira, a carioca mais paulistana e ter o espírito mais vivo entre nós.
Telinea de Abreu Ferreira, pelos anos maravilhosos que passamos juntos.
Thals Bahr JullfJo, por 20 anos continuar a ser minha amada amiga de sorriso de mlss universal.
Thales Gayean, pelo espirita combativo e pela amizade sem dúvida frutífera.
Troy Brown, dearest friend and brother, for those glorious years.
Para meu vizinho Sfrio refugiado e fugido da tirania e da guerra, a quem mantenho anônimo. Obrigado pela grande ajuda para decifrar inscrições em
árabe e do persa antigo.
Toinon, por jovialmente tentar salvar o universo.
Tarslla Tlrapelll (Trella) pela astúcia.
Tayn6 Carvalho, queride, pelos anos bem vividos juntos e por me acompanhar ao cemitério (hehe•.•piada internai).
Te6nia, pela garra de professora e pelos bons e velhos tempos de CRUSP.
Tiago Gualberto, pela amizade sem dúvida fortalecida a cada dia.
Tiago Rizzi pelo bom bom humor e pela seriedade sorridente.
Vagner Gonçalves, por tanto nos ensinar.
Valério, por todos os chás que me ofereceu e pelos doces saborosos feitos com amor
Vanessa Raquel Lambert, professora linda, por todo carinho e amizade e respeito certa mente recíprocos.
Vanicléia Silva Santos (Vani) que é uma boniteza só, por compartilhar comigo duas décadas desse enorme amor à África.
Vanusa,por nos ensinar que trabalhar é um lindo sorrir.
Viviane Lima (Vivi), pela inteligência aguda e amor de mãe nordestina, para sempre muito querida.
Seu ll, motorista, pela atenção e dedicação a todos nós tanto quanto à família Yunes.

Eperdão a aqueles amigos não nomeados aqui, mas que jamais serão esquecidos, pois, mesmo que não lembremos de um nome ou outro, estamos aqui graças
a todos aqueles que nos foram muito queridos e com seu apoio nos permitiram seguir!

6
Um agradecimento especial vai aos valorosos africanistas que direta ou indiretamente. mas com
muita generosidade me auxiliaram a diminuir as falhas deste livro:

Abdou Sylla, pelos grandes livros, pelos muito bons conselhos oferecidos e pela presença entre nós brasileiros.

Dilma de Melo e Silva, pela dedicação incansável e amor à África.

Hermione Waterfield, pelo enorme conhecimento, amabilidade e generosidade despendidas a mim de coração aberto, sabendo das
dificuldades de se trabalhar com uma coleção tropical e sem a qual esse livro seria totalmente dispensável.

George Nelson Preston, pela sede de vida abundante, bom humor, intenso amor à África, à sua arte. Obrigado por ter me chamado
para prefaciar um de seus livros e por ter permitido ter a honra de sua amizade de dez anos que só me tem lisonjeado.

Kabengele Munanga pelas enriquecedoras aulas na FFLCH e pelos puxões de orelha em público: os que dóem mais são as que melhor
ensinam!

Marta Heloísa Leuba Salum (Lisy), com a qual eu aprendi a amar a arte africana, pela dedicação incansável, pelos 20 anos de amizade
e a mais bela orientação de todas desde a iniciação científica em 1999 e para sempre.

M. Smith Omari-Tunkara, por sua generosidade comigo e pelo seu amor ao Brasil e equipará-lo ao seu amor à África.

Peter Heller, cineasta alemão genial, por sua disponibilidade, amor à África, incentivo nos meus estudos e integral confiança deposita-
da em mim.
Robert Farris Thompson (Bob), por ser o mais africano entre todos nós não africanos e pela linda dedicatória no meu exemplar do seu
"Flash of Spirit".

John Picton, pelas dicas amáveis em relação a obras dessa coleção tropical.

Vagner Gonçalves da Silva, pelos incentivos todos e a generosidade de professor ao não demonizar as nossas falhas de eternos alunos
da africanial

Will Rea, pela predisposição em nos ajudar com a identificação de procedência das obras iorubanas

Wande Abimbola, pelos grandes livros escritos, pela sabedoria e pela sempre generosa acolhida deste brasileiro na nossa amada Nigéria.

E, in memorian, agradecemos pela disponibilidade em oferecer sem custos fotografias da África para nossa publicação, e pela genero-
sidade e apoio aos dois grandes africanistas (professores queridos) infelizmente falecidos durante a consecução deste trabalho:

Christopher D. Roy (1947-2019), por dedicar a sua vida para que sentíssemos na nossas almas a enorme beleza da África e por sua
generosidade como amigo e professor.

Mary Nooter Roberts (Polly) (1959-2018), por sua dedicação ao ensino de arte africana e por sua sabedoria e delicadeza inimaginá-
veis, descansem em paz!

Funeral de um Caçador Senufo, Burkina Faso


Henning Christoph
Africa Soul Museum
7
Sumário

Introdução ......................................................................... 01

i Cap1tu1o1-A'f'rica: mae deto dos nos .......................................... 23


f N f

Capítulo li-Artes do fazer: aelaboração artística africana ......... 84

Capítulo Ili-Artes do crer: religiosidade expressa pela arte ....... 140

Capítulo IV- Honrados ancestrais ............................................. 210

Capítulo V- Equilíbrio entre mundos ......................................... 259

Capítulo VI-Arte do dia adia eacultura material africana ........ 417

Glossário .................................................................................... 489


Introdução

Arte Africana: o passado no presente - comunicando ideias por meio de objetos

A própria essência da arte negro-africana é significar, e não imitar.


(MUNANGA, 2006. p.32), com pensamento em Roger Somé.

Hoje, falar em arte afro-americana, arte afro-cubana e arte afro-brasileira é uma forma que antropólogos e historiadores da arte
contemporbneos encontraram de recolocar a arte africana para além dos limites de uma etnologia ultrapassada.
(SALUM, 2000, p. 113).

A arte negra não reproduz o objeto simplesmente, como um copista meticuloso,


mas ela o recria.
(CLOUZOT, 1919, p. 65).

O termo "arte africana" é bastante ambíguo. E não temos aqui a pretensão de lançar alguma luz que
ajude a desfazer essa ambiguidade histórica. Ainda assim, com este catálogo de obras africanas da Coleção
lvani e Jorge Yunes visamos aproximar o público brasileiro ao mistério das artes das Áfricas sobretudo a partir
daquilo que elas resultaram em suas histórias, transformadas pelo recente mercado de arte do século XX, e
de cujas formas os artistas mais recentes não puderam ou não quiseram se apartar. Ao se remeterem, ainda
assim, às obras ancestrais congêneres de suas artes ditas tradicionais, eles jamais as invalidarão, contanto
que não pretendam fazê-las se passar por substitutas.

Há muito os africanistas têm debatido sobre o valor da obra de arte tradicional africana do ponto de
vista de sua autenticidade, função, utilidade etc. - critérios normalmente associados ao uso ritualístico ou
não, mas quase sempre imbuídos do contexto etnográfico colonial ou pré-colonial, isto é, divisando toda ou
quase toda a realidade artística da África pela presença europeia no continente. Além disso, já desde o início
do século XX, mudanças na cosmovisão africana provocadas diretamente pelo impacto do colonialismo em
todas as esferas da vida impingiram mudanças também no âmbito das artes desses povos, reduzindo a diver-
sidade de suas artes e de suas vidas à mera projeção de interesses ocidentais. Foi a preeminência irreversível
da chamada "modernização" que trouxe a ambígua sina da suposta aquisição do estilo de vida europeu pelos
africanos e, ao mesmo tempo, a supressão de seu secular modo de ser no mundo - cosmovisão apelidada de
"tradicional". No centro dessa "hecatombe" cultural, as artes africanas sofreram um processo de desfigura-
ção, recomposição e uma profunda redefinição 1•

Nesse período transitório, os velhos artistas formados no estilo de vida anterior passaram a servir ao

1. Ainda que John Picton (1992) e outros já tenham provado que conceitos como "étnico" ou ''tradicional" são fictícios e "a-histó-
ricos" por não situarem o espaço-tempo de que se fala, e que ''raça" e ''primitivo" foram termos abandonados respectivamente pela
biologia e pelas ciências humanas, esses termos não foram deixados de lado nem pelo senso comum, nem pelo mercado e nem pela
política. De maneira equivalente, diz Suzanne Blier (1990, p. 95 e ss.), conceitos como "'primitivo' e 'primitivismo' foram pratica-
mente expurgados da antropologia, mas eles não se afastaram da história da arte".
1
mercado turístico estruturado desde pelo menos entre os anos de 1920 e 1930 (STEINER, 1994, p. 6). Com
as modificações socioculturais provocadas pelo colonialismo e o aumento exponencial da demanda turística
por "lembrancinhas da África selvagem e tribal", no século XX a arte africana acabou dividida em três dimen-
sões, em geral pouco conectadas entre si:

1) A "arte tradicional" produzida em rincões onde ainda se tinha - e pouco se tem hoje - alguma
herança mal tocada pela chamada "modernização" (REA, 2008, p. 10) ou a chamada arte de "inspiração tra-
dicional" (MUDIMBE, 1991, p. 280);

2) A arte popular feita inicialmente por antigos artistas de transição entre o mundo tradicional e o
mercadológico (ECKARDT & SIEVERNICH, 1979) e seus discípulos e herdeiros;

3) As fábricas de "arte de aeroporto" (McEWEN, 1967, p. 1957) ou de souvenir turístico, nem sempre
feita por artistas bem treinados e com frequência produzida a "toque de caixa", com vistas ao lucro fácil ou à
mera sobrevivência diante do caos pós-colonial.

Quantas palavras o papel não precisou conter para que o nada ingênuo termo "arte africana" - uma
invenção da África pelo Ocidente (SALUM, 2014, p. 16) - não ficasse absorvido pela sua memória concei-
tuai cheia de desacertos? Memória que, infelizmente, tentou fixar tal arte em conceitos hoje ultrapassados,
oriundos de uma antropologia e etnologia fundadas nos sofríveis tempos coloniais. Por isso mesmo que,
desde o primeiro uso2, as marcas históricas dessas manifestações artísticas produzidas na África subsaariana
acabariam sendo mesmo, por muitos anos, apenas o desencontro, o descaminho e até mesmo o descalabro!

Com a arte africana não cairíamos num clichê ao dizer esta simples verdade: embora talvez nunca
saibamos integralmente o que ela venha a ser, tenhamos a pretensão de algum dia saber muito bem o que
ela jamais foi, ou ainda o que, no passado, ela não seria, conscientes do que hoje ela não pode vir a ser. Cabe
aos historiadores e artistas do presente e do futuro reinvidicar esse espaço-tempo e as intenções artísticas e
etnológicas, colocando-os contra intensões comerciais de todo pluriverso dessas manifestações formais sob
o título genérico de "arte africana". E caberia ainda respeitar a "planificação" das formas museológicas às
quais ela foi historicamente submetida, engolfada e conformada contra a sua vontade 3•

Para complicar a nossa pouca capacidade de percepção histórica dessas elaborações plásticas subsaa-
rianas do continente, termos utilizados pela antropologia e pela arte no trato das artes africanas. calcados
agora no plural (SALUM, 1993, p. 181), apenas acompanharam as interpretações evolucionistas, positivistas
e até então racistas desses objetos da cultura material4 • O mesmo vale para carimbos redutores do tipo:
"fetiche", "animismo" e "idolatria" de um lado, e "arte funcional", "arte tribal" e "arte primitiva" de outro.

2. Salvo engano, este termo foi aplicado pela primeira vez no título Artes africanae, do paleontólogo George Schweifurth (1836-
1925), em 1879.

3. Nas discussões de curadoraia contemporânea, o termo "equipolência" foi usado no sentido do paralelismo curatorial e museográ-
fico de "formas de objetos", independentemente de suas orgiens, intenções e culturas (BALDWIN & WEBER, 1987, p. 25).

4. Em nível internacional, William Bascom fez, em 1967, uma catalogação de peças na exposição "Artes africanas" (AfricanArts),
realizada no Fowler Museum at UCLA. No Brasil, com projeto, planejamento, organização e realização da especialista brasileira
em arte africana Marta Heloisa Leuba Salum, em 1983 foi realizada a exposição audiovisual também intitulada "Artes africanas".
Esta atividade foi preparada no Espaço Cultural Afro-Brasileiro, num encontro promovido pela COOPERCULTURA I Faculdade
de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Já ali aparecia entre nós a preocupação com a visão plural das "artes
africanas" aplicadas ao contexto sociocultural de origem e à dimensão epistemológica. Isto é, as ciências gerais da cultura material
africana desde o seu valor político, mágico-religioso, educacional, estético, sincrético, bem como o valor de comunicação e de es-
crita. Valores que partiram, mas não se limitaram às classificações de Gabus (1967), e que mais tarde Salum & Ceravolo (1997, p.
71-86) resumiram ao tratar do campo epistemológico da arte africana como algo que "permite classificá-la segundo as esferas do
tempo social, mítico e cosmogônico de origem".
2
Termos que permanecem sendo usados, muitas vezes, sem maiores problematizações.

William Bascom abre o seu texto curatorial para a exposição plural African Arts {1967, p.01) alertando
sobre algumas determinações da arte africana: Para ele, ao abordar as artes da África, seja pela primeira ou
pela centésima vez, é bom manter em mente três características salientes. Essas características, de forma
alguma exclusivas das artes africanas, são: a estilização, diversificação e consistência.
Com esse nível intrínseco de exigência das "artes das Áfricas" pluralizadas, as denominações exterio-
res a respeito dessas manifestações plásticas não tratariam de outra forma a estilização senão como defor-
mação; a diversidade como falta de unidade ou padrão; e a consistência como farsa.

Não é a toa que na história dos museus etnográficos e nos estudos africanistas se viu um grande esfor-
ço para adequar a terminologia, desfazendo equívocos conceituais. Ao fim e ao cabo, o termo "arte africana",
apesar de incapaz de cobrir a totalidade dos mistérios ancestrais desses objetos, de seus artistas e seus pares
locais, ganhou notoriedade. Diz-se que o costume cria a convenção. E que, a apesar dos repetitivos esforços
para distingui-la das demais artes plásticas, a chamada "arte africana" teria um longo caminho a percorrer
no estudo de seu caráter e evolução. Essas mesmas artes mal-entendidas não abandonaram os seus misté-
rios apenas em função da enorme criatividade estrangeira que as nomeou. Artes ainda hoje sedimentadas
por termos tão complexos quanto ineficazes, tais como "arte dos povos primeiros", "artes não-europeias",
"arte negra" ou mesmo o belo "artes africanas" - conceito que pelo menos indicaria o aspecto plural de sua
manifestação plástica e a diversidade de suas origens e significações. Quanto mais empilhamos os textos her-
menêuticos que pretenderam estabelecer uma resposta à pergunta "afinal, o que é arte africana?", menos
desvendamos os mistérios intrínsecos a ela.

Logo de início, portanto, devemos nos conformar que, seja o que for e por quem for definida a tal
"arte africana", se ela precisar se determinar do lado de fora pelo "corte epistemológico" colonial e pós-colo-
nial, ela figurará como um abandono da arte africana enquanto tal, tornando-se mero "objeto de museu", no
sentido pejorativo. Esse foi um dos principais argumentos da contemporaneidade para se abandonar a "arte
africana" fora dos museus: o fim do mundo "tradicional". Por isso, fadada a seu passado remoto pré-colonial,
onde quer que estivesse, ela seria ainda que inadvertidamente uma "prova de um crime". Tal abandono foi
resumido em uma entrevista com Ladislas Segy {1904-1988), pintor de origem húngara, colecionador e nego-
ciante de arte africana baseado nos Estados Unidos. Com uma retórica comercial - ou como desculpa-, Segy
explica por que prefere ir à Europa para comercializar esse tipo de objeto [comódite] africano:

(...) na África eles não produzem mais o tipo de escultura com que eu lido. Eu tenho o que
chamamos de esculturas genuínas, antigas. No relato de europeus antigos infiltrados, dos
mission6rios e de outros: [de] que toda arte [da ÁfricaL na verdade, üá] morreu! Então, atual-
mente, o que temos na galeria são, na verdade, peças antigas, insubstituíveis, e a única forma
de consegui-las é com colecionadores na Europa (MOSS, 1951}.

Segy foi um dos principais fornecedores de arte africana ao mundo tropical, especialmente para o
Brasil, onde esteve a negócios no fim dos anos 1960. Continuou a vender para colecionadores brasileiros até
pouco antes de sua morte, em 1988. Ao dar essa entrevista supracitada, em que excluía da "arte africana"
centenas, talvez milhares de genuínos escultores sexagenários ainda vivos em 1951, e que haviam esculpido
desde os anos de juventude "para a maior honra dos museus da Europa", havia apenas um ano que Segy co-
meçara a vender obras africanas em sua galeria sediada em Nova York. Algo iniciado, segundo ele, em 1925,
3
e que continuaria a fazer ao longo de sua vida.

Se os inúmeros colecionadores, leiloeiros, museus, galerias e negociantes dependessem apenas de


obras africanas "genuínas" e "autênticas", tal como Segy as intitulava não demoraria cinquenta anos para
que esse "bom negócio" atingisse o seu limite, e a escassez dos objetos inflassionasse o seu "valor nominal"
no exterior. Tornados artigos de luxo, com certificados emitidos por instituições de credibilidade europeias
e norte-americanas, era certo que a procura por resquícios de peças ditas genuínas daquele período colo-
nial aumentasse a desigualdade em relação a objetos provindos mais ou menos das mesmas fontes, porém
elaborados de maneira mais deturpada e formalmente diluída. Por fim, a escassez de objetos "genuínos"
levaria os comerciantes envolvidos à falsificação, à inclusão de obras modernas no mercado ou, no limite, à
bancarrota.

Passados pelo menos trinta e cinco anos desde que Segy abriu sua galeria, ele ainda assinava docu-
mentos de compra e venda de objetos, como alguns que chegaram à Coleção lvani e Jorge Yunes - todos,
aliás, bem certificados com o carimbo de "autêntico" emitidos pela Galeria Segy de Nova York.

Deixemos de lado a indagação realmente válida sobre a qualidade das obras vendidas em sua galeria
para nos ater ao fato de que a queixa estético-comercial de Segy sobre o "fim da arte na África" sempre foi,
junto com a criação supostamente africana contemporânea do mercado de reproduções e/ou falsificações, o
principal argumento para a exclusão, a partir da Europa e dos EUA, da arte africana tradicional contemporâ-
nea do conceito rigoroso de "arte africana", em círculos acadêmicos especializados.

Contudo, para chegar a uma crítica de suas definições que preservasse o direito e o dever de auto-
determinação africana, seria necessário estabelecer uma história da arte do continente para além de sua
etnografia de bases ideológicas, invasões territoriais, tráfico e comércio de seus bens culturais. Uma história
que incluísse as elaborações autorais recentes, as autênticas manifestações tradicionais da arte e da cultura
populares que sobrevivem e um sem número de elaborações plásticas não alcançadas pelo colonialismo ou
deixadas à mercê pelo pós-colonialismo. Sem isso, estaríamos limitando o potencial da arte africana e impe-
dindo que artistas e intelectuais africanos contemporâneos apenas timidamente incluídos no debate tenham
reservadas a vanguarda e a liberdade para agir e teorizar sobre essas discussões.

Ao analisar o engajamento para com a modernidade em termos do uso de objetos artísticos recentes
entre os mascarados de iko/e ekiti, concordamos integralmente com o professor Will Rea quando diz que:

é um compromisso com a modernidade que foi elaborado por meio de tradições locais que,
longe de serem reproduções atemporais de costumes antigos, vêm consistentemente se
adaptando e mudando, na medida que eles encontram formas locais de modernidade. Ao
não entender isso, a história da arte africana tem sido negligente (REA, 2008, p. 10).

Poderão o fluxo econômico, que será promovido pela "nova rota da seda" determinada pelo Politi-
buro chinês em 2017 e as novas parcerias China-África superar os problemas ecológicos, culturais e políticos
que impediram o reerguimento das artes da África não cosmopolitas e dar aos novos objetos artísticos do
continente algum sentido, lugar ou definição?5 Ou ainda, poderão os artistas populares bem treinados que

5. Idealizado desde meados de 1960, quando o então presidente Léopold Senghor propôs a criação de uma instituição museológica
dedicada a resguardar o patrimônio cultural africano no Senegal, o "Museu das Civilizações Negras" foi inaugurado em Dakar, com
seu imponente prédio financiado pelo governo chinês por cerca de trinta e quatro milhões de dolares.
4
se queiram colocar para além de um círculo citadino, e que têm encontrado princípios artísticos internos e
parâmetros financeiros externos para a realização da arte contemporânea da África, encontrar alguma zona
de conforto ou um mínimo de acolhimento na história da arte de seus países?

O atual capitalismo tardio tornou evidente o impasse a partir do qual se modificaria a história da arte
africana. E não se modificaria só para os Estados colonizados. Ainda que lentamente, talvez se modifique
mais para os antigos Estados colonialistas, a começar pela revisão da antropologia e da museologia, agora
também fadadas à autocrítica. Isso pode ser observado na Europa desde a criação do Musee Du Quai Branly
(1995) e das reelaborações da etnografia associada ao mundo colonial, ficando mais afeitas ao pós-moderno
e a seus novos cacoetes pós-"worldmusié', tais como Museum der Weltkulturen ("Museu das Culturas do
Mundo" - Frankfurt - reelaboração para o antigo "Museu de Etnologia de Frankfurt" - 2001}; "Museu Nacio-
nal das Culturas Mundiais" (com a combinação de coleções do Museu de Etnologia de Leiden, Tropenmu-
seum de Amsterdam, e o "Museu Real da África Central", o A/rica Museum de Berg-en-Dal - Holanda - 2014);
"Museu dos Cinco Continentes" - para o antigo "Museu de Etnologia" de Munique - 2014), como já havia em
Berlim The Museum of European Cultures, criado em 1999, a partir do Museum für Vokskunde ("Museu do
Folclore"}, e o antigo Ethnologisches Museum (Museu Etnológico de Berlim) que se abrigará no "Humboldt
Forum"; entre muitos outros exemplos, inclusive os que estão um pouco distantes do circuito pós-colonialis-
ta europeu como o "Museu Nacional da Cultura Mundial"(Gotemburgo, Suécia - 1999).6 •

Enquanto isso, certas lições ainda não foram devidamente aprendidas. Como na Hungria, onde se
quis construir a "Casa das Minorias" com objetos considerados indignos de um certo conceito de "húngaro",
porque constituir-se-ia de objetos oriundos das minorias sérvias, ucranianas, polonesas, búlgaras, rutenas,
armênias e eslovenas, ou mesmo "de outros" que ali não seriam considerados europeus, restringindo o ter-
mo ao oeste do continente. E também o Wereldmuseum (Museu do Mundo), de Roterdam, que vem desde
2014 tentando, aparentemente sem sucesso, vender as suas obras de arte latino-americanas e de arte africa-
na "autêntica" a fim de arrecadar dinheiro e alcançar o que se descreve como "focar as suas forças" na arte
da Ásia e do Pacífico (MACDONALD, 2016, p. 16-17).

Nesse sentido, uma das questões que se impôs ao globalismo ao mesmo tempo pós-colonial e pós-
-imperialista diz respeito aos conceitos de "outro" e de "territorialidade". Como diz Salum (2014, p. 19-22),
novas "exposições" da África avaliam o

discurso sobre o cruzamento de visões de mundo em face do contato entre as sociedades oci-
dentais com as não acidentais. Abordam temas cama a nação de carpo e sua representação
na relação com o meio social e cultural dentro de um quadro de ºmestiçagemº sob o qual as
produções artísticas e materiais dos cinco continentes se manifestam na atualidade. Trata-se
de diluir ou reforçar os contornos de identidade e territorialidade neles implicados?[... } Seria
cabível devolução à África, mas que junto com as obras roubadas fosse toda a infraestrutura
necessária que essa devolução haveria de implicar. Mas não há quem investisse nisso com

6. Como ocorreu com museus nas épocas das independências africanas, por algum ''passe de mágica'', que talvez possa ter sido
incentivado pela nova grande onda imigratória para a Europa, os antigos museus europeus estão paulatinamente mudando de nome
e se liberando de seu "etnografi.smo" do passado. De acordo com informe de 2007 da BBC, a Organização Internacional para a Mi-
gração estimou que cerca de 4,6 milhões de migrantes africanos vivem na Europa, mas o Instituto de Políticas de Migração estima
que entre 7 e 8 milhões de migrantes irregulares da África viviam na União Europeia naquele momento (ATTIAS-DONFUT et al.,
2012, p. 18). Aquela antiga, simples e ingênua percepção colonial do "outro" de pronto vem se tomando, na sociedade de consumo,
um tímido "eu" bastante complexo e cheio de "empoderamento liberal". Se, de um lado, a crise do liberalismo econômico implicou
uma crise do liberalismo político, todo o peso das antigas acusações contra a ''banalização do mal" do fascismo e do colonialismo
terminou por recair nos ombros dos museus com obras das antigas colônias, agora forçados a rearejar as suas coleções, abrindo
espaço para uma nova ordem mundial e assim, quiçá, se tornarem um pouco mais livres das sombras do passado.
5
admissão de perda do gerenciamento sobre coleções que renderam aos museus ocidentais -
e ainda rende - cifras incontáveis. Para quem as exposições? Para que os museus?

Sejam quais forem os caminhos e descaminhos de definição para a arte africana, considerando as no-
vas elaborações políticas, antropológicas e museográficas no Ocidente, quiçá se ampliassem também as lutas
e as negociações políticas pelo direito cultural, como o acesso às fontes das manifestações histórico-cultu-
rais, tal como proposto desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Por exemplo, que
se criasse e fortalecesse programas de repatriação parcial do patrimônio africano, ainda que na forma singela
de "reparações culturais", para tomar de empréstimo a linguagem de William Fagg (1914-1992), curador do
departamento de etnografia do British Museum (FAGG, 1953, p. 165) - museu herdeiro de grande parte do
espólio de guerra britânico, fruto do antigo Reino do Benin, na atual Nigéria.

Essa ação política e simbólica em curso, embora intermitente, vem auxiliando na revigoração parcial
de culturas com identidades quase totalmente perdidas. Essa repatriação poderia ocorrer imediatamente,
por exemplo, com a divulgação do patrimônio das famílias reais bini nigerianas, cujos herdeiros são hoje
identificados. Pelo esforço político, essa ação poderia ser ampliada e distribuída num projeto ou numa mis-
são artística ampla em prol da cultura africana em cada um dos países que tiveram seu patrimônio pilhado
pela Europa durante o colonialismo. Um exemplo disso foi realizado com o aparecimento do lnstitut des
Musées Nationaux du Zaire fundado sob a égide do Museu de Tervurem e com cooperação do governo Belga
na repatriação de 180 obras à República Democrática do Congo a partir de 1976 (BOUTTIAUX, 1999, p. 608).

A forma como ocorreu a distribuição do patrimônio africano na Europa, entretanto, facilitou o privi-
légio legal e, pela falta de competidores locais, o comércio abusivo europeu dos produtos de arte africanos
vem dificultando o abandono de toda a retórica da repatriação até hoje. Acompanhemos, contudo, a refle-
xão de Louis Carré menos de 40 anos depois da expedição punitiva Britânica que destruiu o antigo Reino do
Benin e saqueou os objetos de arte da família real, levando-os para a Europa, onde está a maior parte desses
objetos, chamados de "autênticos" e "genuínos" no jargão especializado:

quando a carga de bronze e marfim, fruto da destruição e pilhagem da cidade e do palácio do


rei do Benin em 1897 desembarcou na Inglaterra, o Museu Britânico tentou em vão serre-
conhecido como seu dono. O almirantado britânico tinha este espólio de guerra vendido em
leilão público, e o Museu Britânico teve que enfrentar a concorrência dos museus alemães.
Em 1919, dos 2400 objetos que o historiador Von Luschan havia contado, 580 estavam no
Museu Võkerkund em Berlim, 196 no Museu de Hamburgo, 182 no Museu de Dresden, 76 no
Museu de Colônia e 51 no Museu de Frankfurt. 289 deles estavam no Museu Britânico e 271
no Museu Pitt Rivers (CARRt 1936, p. 12-14).

Acrescentemos ainda a reflexão de Nevandomsky sobre o mesmo episódio:

Muitos artefatos do Benin, roubados, foram vendidos ou trocados enquanto soldados esta-
vam na costa africana. Os leilões oficiais começaram a ser realizados no final do ano de 1897.
O valor dos artefatos do Benin no mercado começou a subir logo depois. Em 1901, quase
todos os objetos que haviam sido retirados do Benin durante a conquista dos britânicos fo-
ram vendidos. Durante 1897, o preço de um artefato de bronze cresceu primeiro de 13 a 14
guinéus e depois de 16 para 28 guinéus. Em um dos leilões, em 1899, o antropólogo alemão
Arthur Baessler (1857-1907) observou que "a tais preços nossa coleção atual do Benin [nos]
traria bem mais de um milhão" (NEVADOMSKY, 2014, p. 78).
6
Fica evidente que essa espécie de formação de "monopólio" inicialmente "europeu" no trato de uma
arte africana "autêntica" acabou por ter apoio de grandes instituições, entre outras, como o Museu Britânico
e o antigo Museu Etnológico de Berlim, os alvos midiáticos principais da retórica pró e contra a repatriação 7 •
Sabemos que uma enorme quantidade de peças foi adquirida de modo regular. Mas podemos, sem perder
de vista a realidade concreta dos fatos, questionar o nível de legitimidade e também as posições dos museus
ao manter, expor e divulgar pesquisas sobre esses objetos. Principalmente agora que suas imagens perante
o público contemporâneo estão sendo paulatinamente modificadas. Questiona-se atualmente se as suas
exposições também não refletiriam, por isso, algum tipo de inautenticidade ou insuficiente legitimidade.

A posição paternalista aparece quando argumentos contrários a qualquer tipo de repatriação justifi-
cam-se pela má-fé, seja indicando que "os africanos não têm condições de resguardar o seu patrimônio, e a
repatriação não garantiria que esses objetos não sejam roubados dos centros culturais de lá", seja indicando
que "por sorte as peças foram parar na Europa, senão elas teriam se perdido". À primeira má-fé, responde-
mos com as palavras de Akenzua, então Rei do Benin, no recente caso de 2016 em que alunos da Cambridge
University, em protestos, exigiam a repatriação de um Galo Real, que foi negada pela Universidade, aliás,
sob alegação de insegurança da manutenção desse tipo de objeto na África. Disse Akenzua: "é como rastrear
um ladrão que roubou seu carro só para ele dizer que você não pode recuperá-lo porque há um risco de ser
roubado novamente" (FREEMAN, 2016). Em relação à ma-fé que supõe que essas peças teriam se perdido
se estivessem na África, contra-argumentamos que muitas delas já tinham centenas de anos quando foram
retiradas de lá e levadas para a Europa, e ninguém teve dúvidas de que foram preservados. Como diz acerta-
damente Walter Benjamin (1983, p.99): "A presença mesma de obras [na sociedade que as produzem], tem
mais importância que fazer com que sejam vistas"

Reforçamos, por isso, o que disse Salum (2014, p. 22) na parte final da passagem supracitada:

seria cabível devolução à África, mas que junto com as obras roubadas fosse toda a infraes-
trutura necessária que essa devolução haveria de implicar. Mas não há quem investisse nisso
com admissão de perda do gerenciamento sobre coleções que renderam aos museus oci-
dentais - e ainda rende - cifras incontáveis. Para quem as exposições? Para que os museus?

Como a maioria dos acervos, publicações e exposições de arte africana é reservada aos principais
herdeiros econômicos do massacre colonialista, enxergamos até hoje um inevitável triplo "monopólio" dos
objetos tradicionais detidos principalmente nas regiões ao norte do globo: a) monopólio do objeto tradicio-
nal, cuja abundância e escassez se dá respectivamente no eixo Europa-África desde o fim do colonialismo; b)
monopólio de publicações a respeito desses objetos; c) monopólio das exposições de objetos classificados
como "autênticos" 8•

Ocorreu que esse mesmo monopólio, para o bem e para o mal, também definiu o que é a arte afri-

7. O Museu Britânico, fundado como um gabinete de curiosidades em 1753, tinha 29 peças africanas; hoje conta com mais de 200
mil (DUERDEN, 2000, p. 33).

8. A preocupação com a autenticidade dos objetos africanos vem de longa data, pelo menos desde o início do século XX. Por exem-
plo, a questão foi levantada pelo viajante e etnólogo alemão Bernhard Ankermann quando coletou e comissionou algumas obras em
1908, nos Camarões (FINE, 2016, p. 54). É ainda uma preocupação válida e, em muitos casos, essencial para a manutenção da he-
rança africana anterior ao processo de invasão e destruição cultural perpretado pelo colonialismo, mas não deve invalidar totaJmente
as obras produzidas posteriormente, tal como procuraremos argumentar em seguida.
7
cana na atualidade. Esta também foi uma definição "de fora". Por isso podemos dizer sem exagerar muito
que, se antes as artes africanas tradicionais eram vistas pelos "óculos" europeus como "fetiche", "ídolo" e
"arte primitiva", nas peças de mercado de agora se considera encontrar "arte de aeroporto", "objetos fake"
(falsos), "arte africana inautêntica" etc. Por outro lado, os artistas populares autênticos dos mercados tu-
rísticos africanos, distantes desse "monopólio", tentaram se aproximar da arte africana tradicional de seus
antepassados, reproduzindo-a, imitando seus antecessores, mergulhando no mundo dos objetos desejados
pelos turistas e traficados com fins meramente comerciais (APPUDARAI, 1986, p. 54).

Queremos acrescentar a esse debate uma arte que ainda não foi amplamente estudada, uma África
do mercado de reproduções elaboradas por artistas autênticos, especialmente aqueles que apareceram nos
períodos de transição entre o modelo africano antigo e o modernizado. Isso ocorreu durante a primeira me-
tade do século XX, mas os novos artistas não receberam muita atenção porque não eram valorizados como
os do passado. Os aventureiros, caçadores, antropólogos, arqueólogos e turistas europeus e estadunidenses
inventaram um mercado de objetos africanos, alguns ainda em uso na África, e assim incentivaram o fetiche
pelo antigo, inflacionando o mercado de obras de arte tradicionais autênticas e inautênticas. Com isso surgiu
os ciclos de "demanda" e o "capital inicial" para o mercado de cópias e reproduções; justamente aquelas
obras que internacionalmente chamamos hoje de ''fakes".

A produção de cópias sempre foi uma atividade relativamente comum, mesmo durante o período
pré-colonial, haja vista, por exemplo, os chamados marfins afro-portugueses, comissionados com finalida-
de comercial, ao mesmo tempo em que ninguém negaria a sua "autenticidade" ou tradição9 • Por isso nem
sempre uma arte feita para venda deve ser confundida com uma arte "fake". Os marfins afro-portugueses
implicaram numa arte feita para a venda, mas também criada pelo contato comercial Europeu que inundou
de poder e dinheiro alguns reinos africanos escravagistas, que por sua vez criaram uma abundante arte de
corte dita tradicional. A chamada arte africana é filha bastarda do colonialismo.

Dada a sua história repleta desses desvios, não precisamos temer de antemão as cópias da arte tradi-
cional contemporânea africanas, especialmente as bem equilibradas ao feitio da original, incluindo as peças
feitas a partir de inspirações e as inovações que partem de apoio consciente nas formas tradicionais, em
vez da tentativa de enganar o turista-especialista. Do mesmo modo que não precisamos necessariamente
confundir o grande número de peças "autênticas" catalogadas e classificadas como tal pelos museus colo-
nialistas da Europa e outros que os seguiram, inclusive no Brasil, como o Museu Nacional do Rio de Janeiro,
fundado há 200 anos e há pouco destruído por um incêndio e pela negligência governamental; o Museu Car-
los da Costa Pinto, fundado em Salvador em 1969; o Museu Paraense Emílio Goeldi, fundado em Belém em
1871; entre outros com as peças "inautênticas" que restaram "para os que vieram depois" - culpar o artista
africano pela suposta inautenticidade de sua arte seria semelhante a culpabilizar o viciado pelo surgimento
do tráfico. A ordem lógica entre as causas e os efeitos no quesito produção de arte africana sempre foi ideo-
logicamente manipulada.

Em seu artigo fulcral para as discussões pós-coloniais sobre o futuro da arte africana na modernidade
Daniel J. Crowley identificou um escultor ancião nagô no fim da década de 1960 que certamente fez parte
do circuito autêntico de produção de arte africana tradicional. Deslocado de suas antigas funções e em busca

9. Essa era a "arte turística'', na linguagem de William Fagg (1959, p. XVI-XVIII) ao tratar desses marfins. Lembremos ainda dos
marfins de Loango e do Reino Kuba, beneficiados pelo martírio de todos aqueles que foram vendidos ou sacrificados "em nome de
uma certa 'arte"', como foram e têm sido sacrificados os elefantes africanos, dos quais tira-se "só" a presa, mas leva-se com isso a
vida (SCHILKROUT, 2008).
8
por sobrevivência, tentava produzir para turistas objetos sobre os quais, a despeito da desconfiança das au-
toridades estrangeiras na especialidade "arte africana", ele tinha ainda total autoridade, embora pertencesse
a um "mundo em transição": "no Museu Nacional de Porto Novo, Dahomey, um velho escultor Nago, faz
máscaras Gueledé policromadas e aceita comissões de vigas para casas, portas e outros adornos arquitetô-
nicos" (CROWLEY, 1970, p. 44).

Quantos desses artistas cinquentenários, sexagenários, septuagenários estavam na ativa nos anos
1960 e 1970 quando algumas coleções africanas se formaram no Brasil, como a do Museu de Arqueologia
e Etnologia da Universidade de São Paulo? Quantos não tinham filhos ou netos que resistiram ao influxo do
mercado e seguiram a tradição dos seus pais e avós, tentando garantir o mínimo de esforço de manutenção
formal? Tendemos, por isso, a crer na autenticidade como algo derivado do processo de fabricação, do uso
e da convenção entre especialistas, mas não acreditamos que, no atual estado de compreensão da arte
africana tradicional, ou tradicional contemporânea, sejamos capazes de fornecer um modelo teórico ou um
padrão universalmente válido de autenticidade - sempre haverá um espaço para a subjetividade em meio às
regras de identificação e classificação.

De forma perspicaz, Himmelheber, estudioso alemão especialista em arte africana, apontou que o
artista que não sabe como ou não tem a licença poética para criar uma obra de arte que seja a expressão de
sua individualidade tem, em seu trabalho, "apenas o valor de uma cópia" (HIMMELHEBER, 1960, p. 46}. Mas
o que define cópia e autenticidade nem é tanto o artista ou o seu talento para criar um objeto cujos signifi-
cados são compartilhados, mas as pessoas que o encomendaram, a história do objeto, a sua destinação final
e, às vezes, o seu descarte sem uso ou após o uso etc. Os termos "autêntico" e "inautêntico", aplicados à
arte africana, são antes políticos e mercadológicos do que conceitos artísticos. Se fosse o contrário, inúmeras
peças recentes feitas para venda, com um valor estético em si mesmo, seriam salvas, independentemente da
sua falta de "antiguidade". Digo isso no sentido de que a noção de antiguidade de uma obra, em si mesma,
jamais foi ou será capaz de servir de pedra de toque para a fundamentação do conceito de autêntico.

A questão é bem mais complexa do que apresentamos aqui, e seria preciso uma reflexão mais profun-
da. Mas uma distinção precisa logo ser feita: excetuando-se as reproduções daquelas manifestações culturais
extintas pelo rolo compressor do capitalismo, não há nenhum critério cientificamente válido para associar de
imediato todas as obras modernizadas, isto é, peças feitas para venda "inspiradas na tradição" com a ideia de
que seriam/ake, ou seja, elaboradas "apenas para enganar turistas". Se fosse assim, salvo insistência na mera
fraude dos enganadores e de seus beneficiários, seria fácil distingui-las, e saberíamos a fronteira que nos
distancia dos objetos da África tradicional do passado colonial e do presente pós-colonial. Bem ao contrário,
como diz Sidney Kasfir (1992, p. 43): "eleger o advento do colonialismo europeu como o fosso intransponível
entre a arte tradicional autêntica e a arte de um tempo posterior, poluída pelo contato estrangeiro, é um
procedimento extremamente arbitrário".

Nem toda cópia é mera reprodução, no sentido de ter sido feita para venda, e nem toda reprodução é
fake, no sentido de ter sido criada para enganar o comprador. Nessas grandes e generalistas categorias ditas
"arte africana colonial e pós-colonial", podemos distinguir, de algum modo, aquelas obras africanas:

1) Transformadas pela modernização, em que são utilizadas genuinamente num certo contexto tra-
dicional interiorano, ainda que bastante modificado, mas que visariam uma reutilização, adaptação ou ree-
laboração daquelas obras usadas por seus antepassados, com elaboração e uso de boa-fé (cf. REA, 2008, p.

9
10 e MUDIMBE, 1991, p. 280)1°;

2) Transformadas pela falsificação produzida pelo mercado de artes ganancioso, que frauda sistemati-
camente materiais e técnicas, ou por uma iniciativa privada que visa apenas um empreendimento ilusionista
a partir de uma demanda de mercado turístico, leiloeiro ou museológico ocidental, com elaboração e uso de
má-fé, considerada ainda assim válida para alguns agendes do mercado internacional de arte dita "africana";

3) Transformadas pela massificação cultural, pela qual também passou a África com o fim das lutas
pelas independências, as hostilidades que se seguiram e a consequente abertura para o mercado turístico
externo predatório, mais incisiva e menos criteriosa - a chamada "arte de aeroporto" cunhada em 1960 por
MCEWEN (1967, p. 1957). Se essas obras, ainda que gozem de má reputação fora da África, forem elabo-
radas e vendidas de "boa-fé" ou de "má-fé", quais critérios as denominariam como uma ou como outra de
antemão? Perguntado de outra forma: seria injusta a denominação defake indiscriminadamente para todo
objeto de arte tradicional contemporânea da África?11

Alguns desses objetos são as chamadas "lembrancinhas de viagem", por vezes, numa má interpreta-
ção, confundidos com a arte popular africana, da qual diferem vagamente pelo uso de materiais mais des-
cartáveis e pela maximização de lucro sobre os gastos com material e com mão de obra, o tempo de serviço
e, inúmeras vezes, o talento. Diferentemente da arte popular africana que, compatível com a dos países das
américas, é feita com técnicas aprendidas geralmente no seio familiar, e as suas formas e conteúdos são
transmitidos em ateliês que mantêm um vínculo afetivo com seus objetos, reproduzidos de acordo com
certa "norma" ditada pela matriarca ou pelo patriarca dos artífices populares - mais uma vez, orientados
pela "boa-fé".

Uma das forças desse argumento que distingue as lembrancinhas de viagem, as obras tradicionais
contemporânas inéptas e as peças populares modernizadas está na compreensão do quão generalizado é o
termo "arte da África". Essa generalização é antiga e sempre enfrentou questionamentos ainda que inúmeros
artistas não tenham podido se desvencilhar disso sendo relegados ao ao esvaziamento ou ao "esquecimento
histórico-artístico". O que chamamos "arte africana", ou pelo menos o que chamávamos, eram apenas os
objetos selecionados pelos europeus inicialmente por seu exotismo, servindo de presentes para a aristocra-
cia do século XV, ou amontoados em gabinetes de curiosidade nos séculos XVI e XVII, tidos como "ídolos" e
"fetiches". Podiam ser objetos categorizados e classificados na virada iluminista ou cientificizante dos séculos
XVIII ao XIX, chamados "etnográficos". Por fim, tivemos aquelas peças já museologizadas nos setores etno-
gráficos do Trocadéro de Paris (ou Museu do Homem) e "descobertos" pelos modernistas que, finalmente,
acabariam por elevá-las ao patamar de "arte". Em todas essas visões, desde a perspectiva viajante, a etnogra-
fista e a modernista, a dita "arte africana" sempre foi instrumentalizada como uma projeção dos interesses
europeus ou, no mínimo, uma "apropriação artística" desses (CONDURU, 2015, p. 119).

Se, de forma semelhante, a arte tradicional africana contemporânea não for "rebaixada" de antemão

1O. Geralmente essas peças vêm associadas à perda da qualidade técnica em relação à uma parte de suas congêneres mais antigas
museologizadas na Europa. O uso de materiais como madeira, pintura, metais, marfim ou ornamentos diferentes da tradição exige
determinado treinamento que na maior parte das vezes não se tem. Mas não podemos, apenas por isso, deixar de considerar sua
elaboração ou uso por ''boa-fé".

11. Rosalind Hackett ( 1996), ao analisar a persistência das práticas religiosas antigas nos interiores africanos contemporâneos, con-
cluiu que há uma revitalização das religiosidades nativas como contraponto aos processos de universalização, politização externa,
colonialismo, modernização e crescimento do individualismo aos quais os africanos têm sido submetidos. Ninguém de fora pode
dizer que essa religiosidade tradicional revigorada seja fake, ainda que sua materialidade não satisfaça o gosto europeu atual como
os antigos saleiros, garfos e outros objetos de marfim sapi-portugueses satifizeram no século XVI.
10
à categoria de "inautêntica", mais uma vez os interesses europeus seriam os mais afetados, embora essas
reproduções do mercado turístico sejam aquelas peças ora chamadas "arte" pela Europa, justamente as que
têm "apelo comercial", restaria saber aonde está a ênfase entre o binômio autenticidade-apelo comercial
Porque, enquanto a arte iorubá e as máscaras dan, senufo, baulê, guro, bamana e kuba sempre estiveram
em alta nesse mercado, quase ninguém, por outro lado, reproduziu obras de grupos como os bakpinka da
Nigéria, os bakwé da Costa do Marfim, os bafut e os bamboco dos Camarões, os bandida Libéria, os challa da
República Centro-Africana, os dahalo do vale do rio Tana, no Quênia, os dalatawa do Chad etc. Isso porque
não houve comerciantes, viajantes e colonos europeus ou negociantes e atravessadores locais suficientes
para cobrir todo o território africano em busca de comódites a serem transformadas em "arte africana"
fora da África, ao menos não o suficiente para se arrogarem no direito de definir o que seja de fato esta arte
"africana" senão uma seleção externa. Nesse sentido, há um mundo imenso de objetos para salvaguarda das
reais intenções comerciais, museológicas, etnológicas ou artísticas, que aguardam ser tratados com o devido
e merecido respeito.

Dado esse contínuo fluxo da dinâmica cultural africana no passado e no presente, além do inevitável
diálogo estilístico-cultural com as renovações sempre esperadas, consideramos para toda a arte africana o
que Denise Dias Barros e Mahfouz Ag Adnane (2014, p. 29) consideraram para os tuaregue: "nosso esfor-
ço é, portanto, o de afirmar o contemporâneo nas artes africanas, notadamente tamacheque, que possui
uma originalidade que é expressão de sua inteligência em diálogo criativo constante que outras estéticas e
formações sociais". Por definição, a chamada "arte turística" (FAGG, 1959, p. XVI-XVIII) ou "de aeroporto"
(MCEWEN, 1967, p. 1957) pode ser dita apenas como uma peça de mau gosto, uma lembrancinha de viagem,
mas nunca deve ser vista em si mesma como uma peça produzida de boa-fé ou de má-fé. Ela não é neutra,
contudo, porque tem elementos que podem ainda ser considerados "africanos", mas o interesse na venda já
é bastante claro e destacado dos vínculos com o estilo antigo, convencionado como "tradicional", tanto na
forma quanto na temática e em sua prática artística, entre outros aspectos relacionados à obra. Enquanto a
produção em série da "arte de aeroporto", apesar do nome, já se desembaraçou das normas da tradição e,
mais importante, da própria mão do artista.

Em resumo, podemos identificar e distinguir a arte de aeroporto e a mera lembrancinha de viagem,


não tendo boa-fé ou má-fé em sua produção, mas apenas o comércio de um lado e a lembrança da viagem
de outro. Indo mais além, podemos identificar como "falsificação" aquelas peças feitas de má-fé porque são
apenas uma tentativa de se passar por objeto tradicional para enganar; e por fim, podemos identificar como
"modernização" o fabrico e o uso de máscaras e estatuetas, feitas recentemente e de boa-fé, como tentativa
de reabilitar uma tradição já quase perdida materialmente, mas não integralmente falida espiritualmente.

~de algum modo certo e esperado que uma "arte de aeroporto" vendida nos anos 1950 se tornasse
valiosa para a compreensão atual dos tipos de peças elaboradas no período. Na era da maximização dos
lucros e da indústria de pirataria folclórica, os objetos de consumo turístico de hoje também são testemunhos
do nosso tempo, e por isso também seriam importantes hoje e certamente o serão amanhã. Detrás dessa
discussão estão as formas artísticas nas suas adaptações e transições como consequência de mudanças
sociopolíticas, funcionando ainda na memória visual de um tempo. Elas são tão importantes para compree-
der a sociabilidade e vida africanas pós-coloniais quanto seriam as chamadas masterpieces, que no passado
colonial inflaram as reservas técnicas europeias e ainda hoje estão lá secularmente depositadas, muitas delas
ainda à espera de virem à luz.

11
A brilhante classificação de Roy Sieber (1976, p. 22-24) que separa as "replicas inocentes" das "frau-
des conscientes" de obras falsificadas por má-fé também disitingue as fraudes cometidas pelos artistas, pelos
atravessadores, pelos donos das obras etc. Mas evita uma das mais importantes "fraudes", fruto do esgota-
mento da arte dita "autêntica" durante o saque do continente pelos europeus, que forçou no séc. xx os cen-
tros mercadológicos africanos a verem na reprodução e às vezes na falsificação umas das poucas formas de
sobrevivência dignas para o artista com sobrevida no caos pós-colonial. É embaraçosa a falta de informações
sobre como foi ou como tem sido a transição dos artistas antes "tradicionais" que, ao adentrarem o merca-
do, passaram a ser tratados como fake; um dos inúmeros vácuos a serem preenchidos pela história da arte
africana que incorpore alguma dignidade e referente a esse termo.

Nesse sentido, deve ser considerado maldade exigir a perfeição formal dos cânones tradicionais -
chamados inexatamente de "rituais" ou de "cultos". Sabemos também que, em inúmeras ocasiões, essa
exigência não passa de uma ambiguidade ou um conflito ocidental imposto ao escultor popular africano, que
o acusa de falsificar justamente aquilo que o mercado estrangeiro destruiu forçando-o a perder: a sua tradi-
ção. E o forçou sobretudo a mascarar o seu talento artístico natural, comutando-o num talento para falsifica-
ção ou envelhecimento artificial de peças, já que isso implica muitas vezes num treinamento tão complexo
quanto o que esse escultor teve para executar a sua atividade artística livre de enganações. Dito com outras
palvras: tão difícil quanto a técnica da escultura seria aprender técnicas de criação de pátina, fabricação de
danos, produção de "evidências" de uso. Tais como a queima, o lixamente localizado, o enterro da peça por
um tempo ou a utilização de insetos para produzir corrosões, forjando antiguidades, e o uso especializado
de produtos químicos, naturais ou de laboratório, para envelhecimento. Inúmeras técnicas podem até ser
catalogadas e classificadas, dada a sua grande variedade e localização geográfica precisa nos mesmos cen-
tros urbanos de onde essa produção adviria, e que vêm servindo quase sempre de estrepostos turísticos
da arte africana tradicional e dita "tradicional": Dakar, Abidjan, Bouaké, Accra, Lomé, Porto Novo, Bamako,
Timbuktu, Lagos, Ougadougou, Monróvia, Conakri, Freetown, Kinshasa, Cidade do Cabo etc. Cada qual tem
os fornecedores, atravessadores, artistas, boa-fé e má-fé que merecem. Talvez no futuro os artistas tenham
ainda menos tempo e talento para forjar o antigo, comparados ao tempo disponível àqueles que vieram após
a transição do colonial ao pós-colonial, no século XX. O que forçaria os especialistas a tornarem "autênticas"
as peças entendidas hoje como "belas reproduções".

Um dos melhores comentários a respeito das noções de "autêntico" e "falso" em relação à arte afri-
cana, a meu ver, é o de Phillips Stevens Jr. Em uma passagem de seu artigo "O risco de ficar cego para o resto
da vida" (1976), ele fala sobre a turista que lhe mostrou uma peça de um suposto "deus da fertilidade" com-
prada por ela; uma duvidosa "vaca fetiche" feita supostamente em marfim e de tamanha força sobrenatural
que poderia, segundo o vendedor, fazer com que os não iniciados corressem o risco de ficarem cegos para o
resto da vida.

Ao discutirmos a "autenticidade" na arte africana, parece-me que devemos finalmente che-


gar a duas questões fundamentais: a primeira é adequadamente declarada por William Fagg
na edição de outubro de 1975: "há um fato fundamental que se aplica a todas as falsificações
- a intenção de enganar" (p. 3). Perante isto, a questão em relação à arte africana torna-se
então: quem pretende enganar? Parece-me, pelas minhas experiências na África Ocidental,
que a maioria dos enganadores são comerciantes, traficantes e outros intermediários, tanto
africanos quanto outros, mas relativamente infrequentes os próprios artesãos (a menos que
o fabricante do osso de vaca "fetiche" pudesse ser chamado de "artesão") (STEVENS JR.,
1976, p. 24).

12
Eis um ponto de inflexão importante: os artistas populares africanos de boa-fé são de antemão muitas
vezes taxados de falsificadores na Europa e na América do Norte sem que lhes seja dada a chance mínima de
distinção com a cadeia de seus aproveitadores. Nenhum contrassenso poderia ser mais esclarecedor do que
os na forma da lei:

o problema não foi resolvido, ao contrário, tornou-se mais complexo pela aprovação da Lei
de Antiguidades, que afirma que um objeto é uma "antiguidade", portanto sujeito a confisco,
se feito antes de 1918 - ou se tivesse sido usado para algum propósito ritual (STEVENS JR.,
1976, p. 24).

Sidney L. Kasfir, professora da Escola de Estudos Africanos e Orientais de Londres, nos ajuda a encer-
rar por ora essa discussão com seu artigo "Arte africana e autenticidade: um texto com uma sombra". Ela
lança as bases contemporâneas para questionamentos que são ademais muito simples em sua evidência,
mas que demonstram a necessidade de dedicar algumas horas de reflexão ao fenômeno cultural da produ-
ção de réplicas em arte africana. Seus questionamentos são pontas de lanças agudas direcionadas ao seio do
colecionismo atual. Por exemplo: quem constrói significados para a arte africana? Quem ou o que determina
a sua autenticidade cultural?

As intervenções mais importantes em termos de classificação são os adjetivos "tradicional"


e "autêntico", que passam a ser sinônimos de "bom", e os seus opostos "não tradicional" e
"inautêntico", que passam a ser sinônimos de "mau". De igual modo, uma máscara dogon,
classificada por um perito e reconhecida como "peça de exportação", passa instantaneamen-
te de objeto de desejo, com um elevado valor de mercado, a objeto insignificante, à deriva
no mundo pós-colonial. A linguagem classificatória usada para canonizar ou excluir uma peça
de escultura africana é poderosa, unilateral e geralmente definitiva. O valor de uma escul-
tura como objeto estético, de uma peça inventiva, de uma resolução de um quebra-cabeça
de sólidos, vazios e superfícies é completamente ignorado, a não ser que passe no teste
da autenticidade. Nenhuma estatueta kamba, por mais brilhante e extraordinária que seja,
consegue ser aceita em qualquer galeria conceituada de Nova York especializada em arte
africana. Será acusada de "falta de integridade", pretendendo-se com isso dizer que, de certa
forma, os artistas não tradicionais se distanciaram das suas culturas, pelo que a sua obra não
é autêntica (KASFIR, 1992, p. 44-45).

Muito provavelmente o conceito de fake do mercado mundial não ocorre da mesma maneira entre
os africanos, que a duras penas tentaram nos últimos cem anos manter parte da sua cultura '1 tradicional"
desestigmatizada. Também considerando sempre que o termo "tradicional" aceito criticamente aqui é to-
mado sem negar à arte e à história africanas a sua temporalidade em inúmeras mutações, convergências e
divergências relacionadas ou não às influências externas. Pensando nisso, pode-se duvidar se determinada
peça elaborada fora do contexto tradicional - por exemplo, uma máscara kanaga dos dagan feita para ven-
da - deve ser formalmente incluída de modo forçoso ou não ao contexto "tradicional". Mas não me parece
haver dúvidas de que a possível recusa não seria pelas mesmas questões plásticas ou formais que poderiam
classificá-la na Europa como fake. Seriam por outros motivos: talvez a falta de sacralização, o uso de madeira
errada, tamanho ou peso distintos do comum, ausência de linhagem escultórica etc. Tudo isso tornaria essas
peças "imãs em polos opostos", divergindo entre norte e sul, pelo poder de mercado e do mercado, pelo

13
abuso do poder econômico, forçando-as de volta aos trópicos como "falsas" - objetos à deriva.

A elaboração de objetos artísticos para venda que remetam às peças tradicionais é antiga. Apesar de
os grandes fluxos comerciais mundiais de "arte africana" se intensificarem apenas a partir do trânsito entre o
período colonial e o de independência, entre as décadas de 1940 e 1970, a venda de objetos já era registrada
desde os primeiros contatos entre os europeus e os africanos, na virada dos séculos XV e XVI. O que torna
o nosso tempo original é que a criação de casas de cultura, centros de estudos e instituições museológicas
com interesse na compra desses objetos contemporâneos é cada vez maior. Junte-se a isso a demanda in-
ternacional por arte africana impulsionada por colecionadores particulares, principalmente depois da luta
pelos direitos civis nos Estados Unidos nos anos 1960, o fim do Apartheid na África do Sul nos anos 1980 e as
conquistas sociopolíticas e democráticas dos grupos identitários da negritude nas Américas, nos anos 1990.
Todos aumentaram a demanda por esses objetos, impondo cada vez menor rigor formal dos copiadores de
arte africana e maior pressa no acabamento das novas peças, que, como todos sabemos, não são feitas para
serem utilizadas no contexto tradicional, mas no contexto de outra tradição: o mercado.

Tomamos como nossas as palavras de Carol Thompson {2000, p. 42): "como as definições ocidentais
de arte africana se fixam em máscaras e figuras elaboradas durante o período pré-colonial, embora fossem
coletadas em grande parte durante a era colonial, à África é negada tanto uma realidade contemporânea
quanto um passado histórico".

Outrora foi preciso um intelectual de herança judia como Walter Benjamin para ensinar autocrítica
ao Iluminismo, que seria terminalmente esfacelado pelo Nazismo, ao falar da história que é "contada pelos
vencedores". Em 1940, pouco antes de cometer suicídio, Benjamin se questionava sobre qual seria a identifi-
cação afetiva do historiador do historicismo e diz: "todo aquele que, até o momento, obteve a vitória, marcha
junto no cortejo de triunfo que conduz os dominantes de hoje [a marcharem] por cima dos que, hoje, jazem
por terra. A presa, como sempre de costume, é conduzida no cortejo triunfante. Chamam-na bens culturais"
(BENJAMIN, 2005, p. 70).

Num semelhante salto do "tigre intuitivo", e numa rara autocrítica vinda de especialistas herdeiros
dessa missão de preservar a autenticidade dos objetos dos "povos autênticos", Sidney Kasfir manifesta a
consciência de que, "apesar de atualmente ser questionada por muitos acadêmicos, a concepção de au-
tenticidade continua a ser firmemente defendida pelos mais importantes museus de arte, bem como pelos
marchands e colecionadores mais proeminentes" {KASFIR, 1992, p. 41)12•

Uma escarificação completamente inventada, por exemplo, pode vir a ser interpretada como um
desconhecimento do falsificador, mas também pode vir a ser entendida, eventualmente, como uma "licença
poética" de alguém que não estava tentando fazer aquela obra se passar por tradicional. Deixemos em aber-
to um espaço de ingenuidade ou de benefício da dúvida para este ou aquele artista que talvez esteja ape-

12. Consideraremos neste presente catálogo, num ato de "compaixão artística", muitas obras produzidas recentemente de boa-fé,
ou que sejam frutos de modernização, como "aptas" a serem incluídas dentro do grande leque tradicional de "arte africana" do séc.
xx. Se acaso alguma obra da Coleção Ivani e Jorge Yunes comprada no passado em lotes fechados de leilões, por exemplo, tiver
sido feita originalmente para se passar por uma elaborada por artistas tradicionais e para uso dentro do contexto tradicional, a tra-
taremos aqui apenas como uma obra contemporânea, que marca a forma do tempo como uma reprodução e como arte desse tempo,
sem qualificativos comprobatórios e carimbos alfandegários. Preocupações com a validade concreta de documentações são justas,
como as do próprio Ladislas Segy, que algumas coleções brasileiras particulares de arte africanas possuem para fins de autenticidade
(RIBEIRO, 2014, p. 91). Vemos isso, por exemplo, na Coleção Ivani e Jorge Yunes e na Coleção da Fundação Ema K.labin. Mas elas
não serão lançadas aqui, já que colocaremos em sursis o plano de compra e venda de objetos, o mesmo que se agarrou ao conceito
de "autenticidade". Nosso objetivo é exercitar nossos instintos visuais, mais do que "elevar" certas obras dispostas no mundo ao
domínio de um valor de elite e inutilizar eventuais autênticos esforços e homenagens formais contemporâneas.
14
nas entrando em contato com essa "áurea tradicional" para dar vazão às suas próprias inventividades. Essa
percepção visa agregar valor ao artista e não apenas salvar algumas poucas peças dele por meio de critérios
externos. Embora essas peças possam ser museologicamente desvantajosas do ponto de vista técnico, talvez
fossem social ou antropologicamente inúteis dentro de uma subjetividade cujo critério de corte não deverá
ser cem por cento admitido por todos os experts em todas as ocasiões. E muito menos admitido pelos atores
sociais africanos da contemporaneidade modernizada que, em geral, dão de ombros para os cânones da arte
africana identificados pelos especialistas europeus ou norte-americanos nos últimos séculos. Exceto se o be-
nefício da dúvida se transformar numa "certeza" cartesiana, e exceto se a vontade e poderes intrínsecos da
voz africana sobre esses mesmos objetos nos impedirem, nos parece justo criar e manter algum espaço para
objetos salvos da iconoclastia do mercado de autenticidades.

Deve-se acrescentar que, estranhamente ou não, os objetos mais recentes ainda guardam algo de
seu aspecto mágico para muitos africanos. Como diz Fisher Nesmith Jr. (1979, p. 25) sobre o trabalho dos
ferreiros, particularmente sobre os anéis de bronze dogon:

com relação ao trabalho tradicional mais recente, os resultados são diferentes. Dizem que
os ferreiros Dogon ainda estão trabalhando em bronze. Alguns Dogon que deixaram a área
fazem alguma renda copiando grosseiramente os desenhos tradicionais mais simples. Di-
zem que cordas de anéis rudes de cavaleiros, que estão pendurados no Grand Marché em
Bamako, são exemplos desse tipo de produção. No entanto, dado um ambiente de mercado
em que Dogon é considerado uma palavra mágica, não é surpreendente ouvir de alguns in-
formantes que as últimas peças dos Dogon são feitas [agora] para "todo o mundo".

A "magia" retornou aos objetos que antes tinham sido vistos por olhos iluministas ou modernistas
apenas como "arte pela arte" ou "objeto mercadológico". Agora aqueles objetos que não pertenceram à
seleção curatorial também exigem um lugar ao sol, mas ao mesmo tempo escondem um artista genuíno e
esforçado que também quer ser sujeito de sua arte, autêntica ou não, nomeando-a de acordo com o termo
utilizado e aceito hoje no mercado que ele consegue atingir. Sendo assim, a quem cabe o direito e o dever
de propor inclusão ou exclusão de obras no conceito de arte africana, se esse mesmo conceito vem sendo
constantemente redimensionado mais fora do que dentro da África, e mais num mercado inatingível pela
maioria do que por aqueles que se envolvem nele?

Mesmo sem nos determos em todos os meandros, tanto das intenções e termos técnicos quanto de
suas elaborações formais e artísticas atuais, deveremos absorver da arte do nosso tempo aquilo que nos for
educativo e esclarecedor. Tanto melhor se pudermos também, com isso, dirimir parte das imensas dúvidas
sobre esse enorme mistério que é a arte da África do passado e do presente, e no que ela vem se trans-
formando. Sobretudo para aqueles nos trópicos que não têm acesso ao monopólio dos objetos africanos
tradicionais, depositados principalmente em museus da Europa e dos Estados Unidos. Pessoas que nunca
visitaram uma exposição de objetos ditos "autênticos" 13 e que nunca tiveram acesso aos inúmeros livros,
cujos preços unitários se aproximam ou ultrapassam em muito o valor do salário mínimo no país, geralmente

13. Como outra ironia do destino, a última grande exposição de arte africana de um museu europeu realizada no Brasil (segwida
maior população negra depois da Nigéria) foi há exatos 15 anos, em 2003, no Centro Cultural Banco do Brasil. O título era um pouco
humilde: Arte da África: obras-primas do Museu Etnológico de Berlim. Mas se constituía, em parte, também de cópias. As peças
de cultura nok expostas, por exemplo, não eram autênticas nem originais - eram cópias provavelmente feitas por europeus que, na
época, apelaram à "fragilidade das peças de terracota" para que as originais não saíssem da Alemanha. Nós, que trabalhávamos para
eles, supomos entredentes que o medo real era de que algum nigeriano "louco" invadisse a exposição, requerendo os tais objetos
autênticos que, supostamente, "lhe pertenciam".
15
produzidos em inglês, francês, alemão e italiano, sem traduções, informando com óculos euro-americanos a
respeito dos "tesouros da África" que absolutamente todos nós desconhecemos14 •

A história da chamada "arte africana tradicional" tem muito a nos ensinar nesse sentido. De
início (antes da colonização da África, em meados de 1880), aqueles objetos eram apenas no-
meados como "ídolos"; pouco depois (na era do "conhecer para dominar", entre os anos de
1880 ao início do século XX), eram tratados simplesmente por "objetos etnográficos"; quan-
do os modernistas os "descobriram" (de 1907 até a déada de 1950), passaram a ser tratados
por "objetos cujas formas lhes eram artísticas"; atualmente, com as centenas de exposições
e curadoria desses objetos, eles passaram a ser vistos de um lado como "objetos etnográficos
artísticos" e de outro, apenas como "arte", sem qualificativos, mas bastante distantes do que
foram ou seriam em seu contexto de origem (SILVA, 2016, p. 58-59).

Dito isso, ainda vivemos na sombra das injustiças teóricas relacionadas a esse mesmo contexto de
origem, provadas pela continuação das determinações de superstrato estrangeiras da síntese do que vem a
ser "arte africana". Apenas para citar alguns exemplos, num dos primeiros registros sobre o tema, de 1470,
quando o então Duque da Burgundia Carlos, o Temerário (1433-1477) assinou uma ordem de pagamento ao
cavalheiro português João de Albuquerque por meio do servo Alvare de Verre, que trouxera para ele uma
espada e algumas figuras de madeira, essas peças foram chamadas de "ídolos" (LAUDE, 1971, p. 4). Tam-
bém em sua "Descrição e relato histórico do reino de ouro da Guiné", publicada em 1602, o comerciante e
explorador holandês Pieter De Marees alternava os termos "ídolos" e "fetiches" ("fetissos") para os objetos
da cultura material africana (De MAREES apud DANTZIG & JONES, 1987, p. 20). Igualmente, em sua "Nova e
acurada descrição da Costa da Guiné", de 1704, o famoso Willem Bosman cita quase 40 vezes o termo "fe-
tiche" para se referir a objetos manufaturados em ouro pelos Ashanti, entre outros de grupos da Costa do
Ouro (BOSNAN, 1907). Muitos viajantes incorporaram essas conceituações na sequência, tais como Villaut
(1669); Dapper (1686); Barbot (1688); Labat (1730); Charles De Brosses (1760), entre outros15•

Já no século XIX, outras denominações dadas aos objetos da África se somaram a essas. As chama-
das "Artes Africanae", do título de Schweinfurth (1875), nada mais eram do que as "Artes industriais" dos
paleontólogos do século XIX; os "objetos etnográficos" de conhecimento descritivo dos etnólgos da virada
dos séculos XIX para o XX, anteriores ao funcionalismo e à observação participante de Malinowski, mescla-
ram-se aos interesses do "conhecer para dominar" da metodologia colonial. Ainda no início do século XX,
as manifestações plásticas iorubanas já foram chamadas por Leo Frobenius (1913, p. XIII-XV) de "/ux'' do
continente africano, em sentido bíblico, contra a noção de "Dark Continent" ("Continente Negro", no sentido
de "tenebroso") de Stanley. Mas essa "/ux'' à qual Frobenius se referia em seu livro "A voz da África" eram as
cabeças em bronze naturalistas de lfé, Nigéria, que ele atribuía à antiga civilização grega perdida de Atlântida,
relatada por Platão nos diálogos "Timeu" e "Crítias".

Nessa temporalidade histórica que demarca o nascimento "póstumo" de termos sem correspondên-
cia fatual, tais como "Dark Continent", "Lux'' etc., nenhum desses passaria incólume de seu próprio destino

14. Segundo reportagem da Revista Exame, ''no Brasil, apenas 5% da população fala uma segunda língua e menos de 3% têm fluên-
cia em inglês" (RODRIGUES, 2016). Por essa cifra nada honrosa podemos ter alguma noção do nível de penetração dos estudos
africanistas no país, que, segundo o último senso oficial de 201 O, possui mais de 51 % de sua população descendentes de africanos.
15. Sobre uma introdução histórica ao uso do termo "fetiche" e conceitos similares aplicados a objetos africanos, veja: "Pequena
história da ideia de fetiche religioso, religião e sociedade" (PIRES, 2011) e "O culto da serpente nas práticas religiosas do reino de
Uidá (séculos XVII e XVIII)" (LARANJEIRA, 2011, p. 1-6).
16
conceituai: a necessidade de esquecimento na história dos conceitos. Por essa mesma razão, outros termos
ainda nominal ou conceitualmente vigentes não nos pegam tanto de surpresa em sua necessidade de fun-
damentação ou desprezo: termos como "arte tribal" (BIEBUYCK, 1969), "arte ancestral" (MUSÉE DES BEAU-
X-ARTS, 2010), (LOCK, 1997, p. 254), "arte animista" (HARDY, 1927), "arte nativa" (MAGAZINER, 2016, nota
81), (WERNESS, 2000), "arte folclórica" (ou "popular") (GRIAULE, 1950, p.3), "arte primitiva", "arte ritual"
(de utilidade religiosa e mágica), "arte indígena" (CLOUZOT & LEVEL, 1923, p. 3-14), "arte étnica" (CLOUZOT,
1919, p. 33), "arte fetichista" (CLOUZOT, 1931), "artes primeiras"16, entre outros.

Talvez alguém estranhe, mas "artes longínquas" (ou "arts lointains") foi parte do título da empolgante
manchete chacoteada pelo jornalista e crítico de arte anarquista Félix Fénéon em 1920 no Boletim Artístico
de Paris, que esboçava uma foto com armaria da África Central e a seguinte frase: "Inquérito sobre as artes
distantes: serão elas admitidas no Louvre?" (FÉNÉON, 1920).

Outra questão importante é a história do termo "tribo" (ou "tribal") aplicado aos grupos de saber
- ou os chamados "grupos étnicos". A literatura antropológica fixou noções como "grupos tribais", "modos
tribais", bem como a história da arte africana fixou "arte tribal". Até hoje muitos africanos, assimilados pelo
colonialismo, chamam a si mesmos de tribo "x" ou "y". A ambiguidade - na verdade, a inadequação - desse
termo começou a ser apontada desde os anos 1960, a despeito da corrente aceitação europeia e do apego
que alguns autores mantêm por esse tipo de denominação. O termo "tribo" é bem aplicado como uma "uni-
dade de subsistência" (MARX, 1977), no mesmo sentido em que este seria um conceito, do ponto de vista
econômico, de boa aplicação para grupos africanos de subsistência - horticulturalistas: agricultores e pasto-
res que criam animais para subsistência - ou caçadores-recoletores. Mas ninguém em sã consciência poderia
chamar historicamente grupos culturais tão hierarquizados como os fon, iorubá e os bakongo de "tribos",
ou chamar as suas artes de "tribais", em quaisquer sentidos, seja econômico, antropológico, etnográfico ou
quaisquer outros pensáveis. Segundo estimativas, por volta de 1500 o reino do Congo tinha cerca de 2 a 8
milhões de habitantes (VANSINA, 2010, p. 652)- considerando isso, como poderia uma "tribo" abrigar esse
número de pessoas? Do ponto de vista econômico, grupos de saber que promovem agricultura extensiva, co-
mércio de longa distância e possuem até embaixadores no exterior17 com os mesmos privilégios ou deveres
que quaisquer outros embaixadores, não poderiam ser anunciados como provenientes de alguma "tribo",
exceto se o objetivo fosse neo-colonialista ou meramente ofensivo, não pela "tribo" em si, mas pelo desco-
nhecimento ou uso indiscriminado do termo (HEYWOOD & THORNTON, 2007, p. 61ep.182).

Há, de qualquer maneira, tantos outros termos aplicados à chamada "arte africana" que mais dificul-
tariam o entendimento do que desanuviariam a neblina sobre os referentes exatos para os quais estes con-
ceitos se dirigem. Essas denominações todas têm enorme dificuldade, portanto, de não parecerem simples
subterfúgios para se evitar a tremenda e real confusão causada pela profusão de objetos cujos princípios de
elaboração, intenção e difusão escapam a qualquer compreensão totalizante que pudesse ser enquadrada
de fora e em categorias tão abstratas como estas.

Sendo assim, o mistério nomeado ingenuamente ou não de "arte africana" nos enche de humildade.
Tal como ocorria com aqueles impressionados habitantes negros numa região da atual República Democráti-

16. Segundo Sally Price (2007, p. 37), "o termo 'arts prerniers' foi proposto como uma saída da armadilha linguística que temos
como 'arte negra', 'artes longínquas', 'arte tribal', 'artes exóticas', 'artes selvagens', 'artes primordiais' e, naturalmente, 'arte pri-
mitiva' criaram para pessoas que quiseram expressar algum respeito para com as artes em questão".

17. Como o congolês Cbrachanfusu (batizado João da Silva), que atuou pelo Reino do Congo na corte de Portugal em 1488, e seu
conterrâneo Miguel de Castro, que atuou na Holanda em 1641.
17
ca do Congo, que viram uma linda névoa emergindo de uma gigantesca catarata e a chamaram em língua chi-
tonga de Mosi-oa-Tunya- "fumaça que troveja". Só que, para a maior honra da rainha Vitória, a catarata com
a maior extensão do mundo, no coração da África, é conhecida hoje como Victoria Falls, assim denominada
em 17 de novembro de 1855 pelo explorador escocês David Livingstone, primeiro europeu a contemplá-la e
a deixar um registro sobre sua admiração (LIVINGSTONE & LIVINGSTONE, 1866).

Nesse mundo de nomeações vindas do exterior, o que os objetos manufaturados pelas tradições
históricas africanas nos ensinam é que, independente das interpretações possíveis e não importando as
alcunhas que lhes foram imputadas de fora, sem contar com os inúmeros estigmas aos quais eles foram sub-
metidos, sem dúvida são objetos de uma "tradição viva", no sentido de uma herança intangível na forma da
tradição oral africana {HAMPATE BÂ, 1982). Uma tradição que se quis viva e ainda hoje está viva. Apesar de
sua convalescência formal, deturpação e usurpação históricas, a "arte africana" igualmente vive.

Ora, uma tradição viva é como uma língua viva: ela se adapta, modifica-se e se reestabelece a seu
modo de acordo com as possibilidades linguísticas que a modernização lhe permite. Se isso for realmente
assim, os objetos produzidos nesse momento de adaptação, assim como as gírias, os neologismos e as assi-
milações de superstrato linguístico, em quaisquer circunstâncias análogas variam e se transformam em mui-
tas outras coisas, às vezes sem deixar de abstrair-se por completo de suas origens. "Não sendo demasiado
africano sem o deixar de ser", para parafrasear Ema noel Araújo (PONTUAL, 1973, p. 27). Se as artes africanas
do presente definirem ideias que não forem fixadas numa força espaço-temporal formulada do exterior, elas
poderão, por meio de objetos, definir, entre inúmeras outras coisas, as ideias práticas, as ideias religiosas, o
comércio, as supertições, o controle, o poder, a honra, o saber, o respeito, o vigor, o rigor, o temor e também
o belo.

18
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22
Capítulo 1-África: mãe de todos nós

A/widi mu vita ka ena lutangu ko,


Mun'atukidi ena ye lutangu lwau.
(Os que morreram na guerra são inumeráveis.
Contudo, são conhecidos pelas suasfamllias, pelos seus nomes e números)
Provérbio bakongo citado por Kunzika (2008, p. 30)

sequência dessas raízes importa pouco se considerarmos que todos nós, os quase oito bilhões

A de habitantes do planeta, fomos determinados de alguma maneira pelos nossos ancestrais


africanos. A própria África antiga, a moderna e a contemporânea delimitaram grande parcela
dos eventos pré-históricos e históricos mundiais, bem como influenciaram cultural e também geneticamente
boa parte dos países do mundo. A relevância da expressão "Mãe África", aqui, não se trata de mero expe-
diente retórico, de que se lança mão muitas vezes com objetivos ideológicos ou políticos. Muito além disso, a
África está no suprassumo da história mundial. Portanto, qualquer visão pregressa do mundo, seja do ponto
de vista da história tecnológica, da difusão genética e artística pelos continentes que não a inclua em algum
aspecto seria falsa, local e muito limitada.

Para ficarmos apenas na superfície, podemos falar desde a saída do homo sapiens do velho continen-
te africano. "Nossa mãe", a chamada "Eva mitocondrial", teria vivido na África entre 140 a 200 mil anos atrás.
Ela permitiu que seus descendentes levassem com eles a cultura africana, a ser ampliada e transformada nos
"novos mundos"18•

Cogitemos ainda a respeito das consequentes difusões e desdobramentos intermitentes das tecnolo-
gias e "artes" africanas pelo continente asiático, que seguiu modificando-se enormemente para os continen-
tes europeu e americano em vistas das originalidades locais e da gigante passagem do tempo. Se de um lado
um ditado da África acusa a ingratidão da progênie: "crianças são a vara de castigo para as mães" {NGWA
& NGWA, 2007, p. 14}, outro lamenta que "naqueles cujas mães não existe mais, a angústia se desenvolve"
{STAFFORD, 1916, p. 46).

Não é só pelo mistério de nossa "mãe Luzia", ancestral africana, mulher mais antiga das Américas, e o
de seus descendentes, isto é, nós americanos. Mas pelas influências mais recentes das línguas africanas que
se devem, em grande parte, às "mães pretas" - a transmissão cultural do binômio "mãe-filhos" -, seja na
herança atlântica, por intermédio da violência sobre a mãe mucama e o hiato que representou a escravidão,
seja por via da cultura moura, ou da mãe árabe africanizada Oriente Médio afora e, à sua maneira, no sul da
Europa, tão "afro" também. lêm-se ainda as inúmeras influências bantas e sudanesas na cultura afro-por-
tuguesa do Brasil e na cultura afro-hispânica de muitos países das Américas, tais como as Guianas, Cuba,
Panamá, Colômbia, Venezuela, Peru e mesmo no México, Porto Rico e na Argentina, entre outros.

Trabalhos de diversas áreas como antropologia, história, psicologia, estudos sociais etc. procuraram
avaliar a diversidade dos papéis femininos na transmissão de bens culturais intangíveis ao redor do globo. O

18. Essas teses partiram dos estudos de Cann, Stoneking & Wilson (1987, p. 31-36) e foram confirmadas, em suma, por Poznik et
al. (2013, p. 562-565).
23
estudo de como isso se dá historicamente por meio intergeracional não é mais que a investigação do papel
da mulher no trabalho de transmissão cultural aos seus filhos desde o nascimento- esse desdobramento por
meio da educação formal e informal tem sido um papel em grande parte feminino. Característica comum a
muitos povos mundiais, as primeiras mentoras das crianças de todos os gêneros são sobretudo as suas mães
e as mulheres próximas. Essa característica é ainda mais presente na maior parte dos povos africanos, entre
os quais há categorias e marcadores culturais específicos para cada etapa de vida da mulher: a menina, a
moça solteira, a mulher casada, a mãe e a avó (mulheres anciãs) etc.

A centralidade feminina na cosmovisão africana salta aos olhos quando a percebemos nas palavras
de Mônica Blackmun Visonà (2010, p. 175). No catálogo da exposição "Feminilidade negra: imagens, ícones
e ideologias do corpo africano" (2007), foi selecionada uma pequena amostra que visava incluir trabalhos de
"arte tradicional africana contemporânea" (século XX) que representassem mulheres. ''As mulheres e seus
filhos, elas próprias em seus papéis específicos e trabalhos feitos para elas em vista de sua ampla gama de
importância para as sociedades africanas tradicionais e, até certo ponto, também para a África das cidades
modernizadas de hoje".

No quesito "arte tradicional africana", as mulheres estão igualmente presentes em variadas etapas,
desde a coordenação da retirada da matéria-prima e elaboração ao uso dos objetos plásticos; desde obje-
tos do quotidiano até esculturas, pinturas e máscaras. Bastaria lembrar, por exemplo, do papel feminino na
elaboração e na coordenação da produção dos bordados kuba (MEURANT, 1986). Ou a atribuição feminina
na escolha do tipo e de qual árvore se retirará a entrecasca para que as bambuti- também da República De-
mocrática do Congo-, em seu produto final, executem a pintura abstrata nas chamadas "tapas" (MEURANT,
1996). E ainda que possa parecer um fato isolado, é sabido que tradicionalmente as mulheres dançam e
usam máscaras em associações femininas entre os mende e povos relacionados {cf. KLEINER, 2014, p. 1130
e SILVA, 2016, p. 120).

Na África e nas suas artes, a mulher parece ser o centro gravitacional em torno do qual uma série de
elementos culturais se organiza. Os conceitos relacionados à mãe e à mulher foram amplamente difundidos
por meio das sagas, dos mitos e do folclore dos povos africanos. Muito além disso, esses conceitos foram
fixados na forma plástica por meio da síntese ou generalização da ideia do feminino expressa por objetos os
mais diversos. As obras mais comuns com essa significação são as máscaras e estatuetas. As temáticas que as
envolvem também se transferiram da arte tradicional para a popular em muitos segmentos. A beleza femini-
na em representações idealizadas da juventude, a execução de trabalhos em que as principais personagens
são mulheres, tais como o comércio no mercado e o sacerdócio, além das clássicas representações ligadas de
maneira imediata aos papéis de esposas e mães.

Presentes em todos os grupos étnicos, as maternidades são tradicionais na estatuária afri-


cana. Encontramos representações de mãe e filho em todos os materiais (madeira, marfim,
pedra, metal ou argila), e em todas as atitudes: mãe sentada amamentando seu filha, de pé
com a criança nas costas ou no quadril... Mas além da imagem da fertilidade, maternidades
também têm um forte poder simbólico: é a "rainha mãe", uma garantia da continuidade da
comunidade ou a ancestral mítica que alimenta as jovens iniciados na leite da conhecimen-
to, ou a "mãe-deusa", fértil e frutífera como a Terra. Se a maternidade é um tema recorrente
em toda a África, os ritos de fertilidade também são importantes (MASSA, 1999, p. 193).

Calcadas na formalização do objeto maternal, obras antigas e contemporâneas podem se referir à


24
clássica objetificação dos ideais femininos e da feminilidade com respeito ao papel atribuído às mulheres,
tal como aventado por Leitjen em relação às máscaras Epa dos iorubanos, ou seja, como "mães, esposas,
defensoras da tradição, sendo responsáveis pelas normas e valores [sociais]" (LEITJEN, 2015, p. 11-12). "As
máscaras Epa também descrevem uma associação feminina de mesmo nome, cuja função é celebrar o poder
das mulheres. A Epa representa os interesses coletivos das mulheres perante o rei e nos conselhos dos chefes
anciãos" (LEITJEN, 2015, p. IX).

As complexas atribuições ao poder feminino na África Ocidental, descoladas das tendências objetifi-
cadoras, foram estudas minuciosamente tanto no contexto sociológico, antropológico e histórico (BERGER
& WHITE, 1999) quanto no artístico (COURTNEY-CLARK, 1990). A descensão das mulheres no trato social
pode ser identificada em países cujos modelos da ascensão patriarcal acabaram gerando superestruturas
contingentes, nas quais as mulheres momentaneamente se subalternizaram. Com o aumento exponencial
de influências islâmicas na atual Nigéria, por exemplo, partir do século XI, principalmente sedimentadas
nas regiões mais ao norte daquele país, o espaço de participação feminina na sociedade diminuiu. Apesar
disso, boa parte das tradições autóctones se manteve homogênea, particularmente aquelas relacionadas às
divisões de tarefas e ao papel de gênero dentro da religiosidade, a ponto de percebermos alguma unidade
cultural ao longo do território nigeriano, por exemplo, entre os iorubanos.

A mulher iorubana, mesmo a convertida ao islã, goza de maior liberdade em relação às suas conter-
râneas nortistas kanuri e hauçá, por exemplo. Embora as mulheres do norte e do sul comunguem em ações
como o trabalho na agricultura, na cestaria e na cerâmica, entre outros, historicamente há para as centro-
-sulistas um espaço bastante importante nas representações simbólicas e na manutenção de concepções
"não islâmicas", por assim dizer, relacionadas à noção de "essência" feminina iorubana. Uma interioridade
(ori inun), tal como explicada por Mestre Didi, que diferencia homens e mulheres: "aquilo que está dentro da
cabeça, o essencial, o que constitui a 'essência pessoal111 (SANTOS, 1967, p. 41).

A interioridade do "eu", a "voz interior", na concepção iorubana, apresenta os aspectos exterior (ode)
e o interior (inún). Henry Drewal, professor do Departamento de Estudos Afro-Americanos da Universidade
de Wisconsin-Madison, explica que ori inu literalmente significa "cabeça interior". Em seu trabalho de cam-
po conduzido na Nigéria e no Benim nos anos 1970, ele identificou diferenças na maneira de conceber essa
interioridade entre homens e mulheres iorubanos:

informantes masculinos enfatizam essa distinção em relatos como "as mulheres são mais
secretas do que nós. Antes, qualquer mulher podia falar qualquer dúvida secreta. Mas nós,
homens, geralmente, contamos os nossos segredos para todo mundo, e as mulheres têm
muitos segredos que elas nunca vão dizer [ ... ], exceto para as suas mães" (DREWAL, 1977, p.
547).

Numa perspectiva objetiftcadora, Drewal (1977, p. 547) diz que "o segredo é, às vezes, explicado em
termos dos atributos físicos da genitália. O pênis projeta para fora, obviamente exposto, enquanto a vagina,
um orifício pequeno, escuro, permanece escondida em pêlos pubianos".

Podemos ampliar essa noção do "segredo" feminino numa análise menos "freudiana" ou objetifi-
cadora, vendo-o como um fenômeno congregador do poderio da feminilidade em geral, na juventude e na
velhice. A nós parece, portanto, que não só as noções de "segredo" (lyaa/awo, mãe dos mistérios), mas tam-
bém o "poder gerador" (fecundidade) nas jovens mães (yeye) e o "poder curandeiro" (aje) atribuído às anciãs
25
são os centros focalizadores do papel feminino iorubano, envolto em "mistérios", é verdade, mas difundido
em muitos aspectos da cultura dos filhos de Oduduwa - divindade de gênero impreciso, segundo Abiodun
(1989, p. 1) - e das yabá (mães rainhas). A prova disso está na existência de altos cargos dignitários reserva-
dos a mulheres mesmo em cultos e associações masculinas. A associação Oro é exclusivamente masculina,
no entanto o cargo de uma anciã (Jya Oro) é sempre reservado. Em alguns cultos, o maior cargo é dividido
por igual entre homens e mulheres, e às vezes as mulheres tendem a superar os homens no poder, dando a
palavra final. Por exemplo, no culto ancestral egungun1 1ya Agón é o mais alto cargo feminino, dividido com
o masculino Alàgbà; no culto Egúngún, em certos casos, de acordo com o testemunho em 11ãró1 Egbádo1 a
1ya Agón pode anular o Alàgbà [as decisões do chefe masculino] (DREWAL, 1977, p. 547). O poder gerador
e o poder curandeiro, portanto, e não a objetificação genitália, devem servir de base para explicações sobre
como o poder feminino participa no equilíbrio de forças entre os sexos.

Mesmo a associação do culto a Jle (Terra) Ôgbóni, altamente "sexista", como se diz no Ocidente, tam-
bém contém em sua hierarquia alguns títulos concedidos especificamente para mulheres. O ápice é o cargo
de 1ya Erelú, a quem é atribuída a responsabilidade de possuir o poder espiritual de reduzir a mortalidade
infantil. Babatunde Lawal recolheu uma cantiga ogboni com forma da estética musical típica das canções de
trabalho africanas, que também tiveram desdobramentos na musicalidade religiosa e leiga das Américas por
sua estrutura de "pergunta e resposta". Nessa cantiga, executada e ouvida pela maioria masculina, descreve-
-se o papel central da mulher no culto à Terra e na sociabilidade iorubana (LAWAL, 1995, p. 37):

Pergunta Resposta
àgbóni (Os mais velhos). àgbóràn {Crescem com a idade).
Erelú (Anciã principal). Àbíye (Permita as crianças virem à vida).
Eríwo yà! (Senhor dos segredos, desça!) À yà gbó1 A yà tó! (Pela longevidade e prosperidade)

Segundo Lawal (1995, p. 38):

o cognome Abiye (literalmente, "vir à vida"} identifica os membros femininos da associação


àgbóni (Erelú} não apenas como boas parteiras, mas também como possuidoras do poder
espiritual de minimizar a mortalidade infantil, um poder que as liga diretamente com a di-
vindade da Terra (//e), que é frequentemente tratada como lya (mãe}. Todos os membros
Ogbàni se consideram Omo lya, "filhos da mesma mãe" [ ... ], e como privilegiados, por essa
razão, dada a sua proximidade com //e.

A despeito de algumas interpretações negativas em relação ao conjunto de provérbios populares dos


iorubanos relativos às mulheres, não faltam ali interpretações positivas:

uma mulher anciã pode ganhar mais reverência do que um homem mais jovem; ele dá de-
ferência a ela por causa de sua idade. A agência da mulher yorubá é baseada na crença:
"k'ókunrin r'éjà, k'obinrin p'ejà, k'ejà saa ti kúº (se um homem vê uma cobra e uma mulher
a mata, o mais importante é a cobra estar morta). A realização de objetivos coletivos tem
precedência sobre a anatomia [gênero] do indivíduo (FALOLA & AKINYEMI, 2016, p. 349).

26
Um importante papel da mulher na religiosidade e na arte iorubana é destacado ainda por Rowland
Abiodun em seu artigo sobre a mulher nas imagens religiosas iorubanas. Para o historiador, a presença do
poder feminino em tais imagens é bastante antigo. Desde o par de figuras em bronze encontrado no sítio de
/ta Yemo em 1957, publicado por Frank Willett dez anos depois, até as cabeças em terracota encontradas por
Frobenius em 1910. Ambos os casos parecem indicativos desse status da mulher na antiga arte religiosa da
Nigéria.

[ ... ] os iorubá aceitam que o Deus-Criador colocou as mulheres no comando de todas as boas
coisas da Terra. Sem sua sanção, nenhuma cura pode tomar lugar, a chuva não pode cair, as
plantas não podem dar frutos e as crianças não podem vir ao mundo. Portanto, é considerada
boa sorte se o primeiro filho da criança é do sexo feminino. (... )A tradição iorubana também
sugere que mulheres de qualquer idade são feiticeiras em potencial e que possuem "eye", o
"poder do pássaro" dado a elas desde a criação. O reconhecimento desse poder extraordiná-
rio pela sociedade fez com que os homens apaziguassem as mulheres "nossas mães" (lyà wa
Ôsàràngà), um termo usado como sinônimo de "feiticeiras" (àjé). Consequentemente, em
muitas partes da lorubalândia Ocidental, o culto Gue/edé, por exemplo, funciona ativamente
para aplacar as "nossas mães" (ABIODUN, 1989, p. 7).

A percepção sobre a mulher no interior dessa cultura também pode ser observada na divisa /ya Ni
Wura; Baba ni jigi, que significa, em tradução livre, "enquanto a mãe é ouro (símbolo de uma possessão
preciosa), o pai é um espelho (símbolo de identificação)" (OLARINMOYE, 2013, p. 140). As variações nessa
percepção stricto sensu podem ter relação com a localidade ou com influências externas, e não devem ser
entendidas como exemplos de heterogeneidade cultural iorubana - que, no geral, não demonstra muita di-
ferença do papel feminino na religiosidade entre as cidades nas quais os iorubá se estabeleceram.

Algumas divergências no campo sociológico quanto à opressão sofrida por mulheres iorubanas a par-
tir de ditados populares podem ser acompanhadas em Balogun (2010, p. 34), para quem muitos provérbios
apontam claramente para a opressão das mulheres na sociedade iorubá. Há, entretanto, inúmeros relatos
descrevendo o poder "dual" feminino na cultura iorubana. Talvez algum desequilíbrio tenha implicado uma
noção ambígua entre o poder das anciãs no contexto tradicional e o poder das jovens citadinas, enquanto
ameaça ao patriarcalismo reforçado pela modernidade. Em todo caso, acreditamos que uma convergência
possível desses valores positivos e negativos na visão masculina iorubana em relação às mulheres tem um
pouco a ver com a condição feminina iorubana histórica, imbuída de dualidades no contexto simbólico, como
os poderes de gerar e destruir, transformar e manter, ser uma (mulher) e dual {dar luz a filhos), e assim por
diante.

Alguns bons exemplos que balizam essas hipóteses, ainda que não minimizem a opressão feminina e
a percepção dela entre as iorubanas, foram dados por Margaret Thompson Drewal no seu livro "Ritual loru-
bá: performances, peças teatrais e agência".

De acordo com a crença iorubá, a concentração da força vital nas mulheres, seu axé, seu
poder de trazer as coisas à existência, de fazer as coisas acontecerem, cria um potencial
extraordinário que pode se manifestar de maneiras positivas e negativas. Frases como "uma
com duas faces" (o/uju meji), "uma com dois corpos" (abara meji) e "uma das duas cores"
(alawo meji) expressam adequadamente essa dualidade e aludem aos seus supostos pode-
res de transformação. A palavra iorubana para esses poderes especiais e para a mulher que
os possui é "aje'', que foi traduzida na literatura como "feitiçaria" ou "feiticeira". Todas as

27
mulheres idosas são "aje", assim como sacerdotisas das divindades, mulheres abastadas e
mulheres detentoras de títulos em organizações de prestígio. Coletivamente, essas mulheres
são carinhosamente chamadas de "nossas mães" (awon iya wa) (DREWAL, 1992, p.177-178).

No livro "Espetáculo Gueledé", Lawal comenta que

a atitude ambivalente dos iorubanos em relação à deusa Terra sublinha a natureza poten-
cialmente explosiva das relações homem-mulher numa sociedade dominada por homens e a
necessidade do exercício do tato e da diplomacia. A sociedade Geledé elabora os paradigmas
ogboni das Omo lyá (crianças da mesma mãe) numa tentativa de sensibilizar a Mãe Natureza
(lyá N/á) para os problemas das "crianças dela", [além de] lembrar as mulheres de suas res-
ponsabilidades maternais e encorajar todos os membros de uma dada comunidade a amar e
interagir uns com os outros, como se fossem "crianças de uma mesma mãe" (LAWAL, 1996,
p. 36).

Na introdução de seu livro, Lawal afirma que a }yá Nlá, o foco da gueledé, é "a mãe de todas as coisas,
inclusive das divindades" (LAWAL, 1996, p. XXI).

Esse fato é também rememorado no modo cerimonial, ao qual os associados ogboni dirigem-se a si
mesmos, e ao participar de suas reuniões. "Quando entram em suas lojas ogboni, os membros prestam-se
no chão e o beijam dizendo: 'quão doce é o seio da mãe"' (PRESTON, 1991, p. 52). A iconografia ogboni, por-
tanto, reflete boa parte da singularidade com a qual o feminino é disposto dentro do culto e expresso plasti-
camente em termos simbólicos, não só no par de figuras metálicas masculina e feminina do "edan ogboni",
mas também nas representações da mãe Terra "edan onile". (RIBEIRO Jr., 2008, p. 2). De forma semelhante
ao cuidado das gueledé com lya Nlá, no culto à fie (ou Onile) "os sacerdotes ogboni teriam conseguido con-
servar o poder e o prestígio dentro do novo sistema porque sabiam pacificar Onilé e mantê-la fértil. Assim,
teriam continuado a praticar sua religião, cuidar da ordem e estabilidade social e da manutenção dos velhos
costumes" (RIBEIRO Jr., 2008, p. 21).

As associações femininas na África em geral, e na cultura iorubana em particular, têm um papel tam-
bém bastante relevante, com grandes implicações na arte desses povos. A associação feminina gueledé,
juntamente com as máscaras utilizadas nos festivais em sua homenagem, é uma das associações africanas
mais conhecidas no Brasil. Entre as funções da máscara gueledé, a mais popular é a de aplacar a ira da lyá Nlá
("a grande mãe"), em geral associada à natureza (LAWAL, 1996, p. 71), e suas discípulas na Terra ("as mães
poderosas") (LAWAL, 1996, p. 83).

A dança da máscara gueledé é uma das tradições que resistiu ao tempo e ainda se mantém de forma
autêntica e genuína entre os iorubanos. Originariamente era para ser dançada - ou atingir seu ápice - por
volta da meia-noite, e podia durar até o amanhecer (ENEKWE, 1991, p. 13). Estilísticamente, todas as másca-
ras gueledé manteriam a representação idealizada do rosto feminino. A estética dos olhos é padronizada, os
quais aparecem em geral vazados e geometrizados, em formatos que variam do triangular ao losangular; a
representação do nariz aparece com proeminência e feições triangulares; bem como o queixo, que é repre-
sentado, em geral, fino, juntamente com a maçã do rosto cheia. Além disso, incluem-se em sua composição
elementos concretos ou simbólicos das mensagens se quer trasmitir por meio do uso da máscara. Lawal
(1996, p. 163) comenta que, "em função de a }yá Nlá ser a 'Mãe de Todos', o repertório da máscara Geledé
inclui tantos assuntos quanto possível - seres humanos, animais, plantas, e deidades - para refletir a varie-
28
dade de sua prole".

Purgando parte da visão masculina sobre a mulher como alguém que tem condição de utilizar po-
deres potencialmente perigosos (ABIODUN, 1989, p. 7), de maneira simbólica, com a saída das máscaras
gueledé, apresentam-se os assuntos para a discussão social ou mesmo de repreensão nos eventuais casos de
desvio na conduta moral ou nos de modificação dos padrões culturais resguardados pela tradição. As másca-
ras gueledé auxiliam, por fim, na rememoração dos elementos dessa tradição a ser perpetuada, fazendo do
papel da mulher iorubana um modelo-chave de sociabilidade e de perpetuação civilizatória.

Partindo para outros povos da África ocidental, podemos dizer o mesmo das mulheres ejagham do
sul da Nigéria e sudoeste dos Camarões. Melhor integradas aos sistemas mais antigos da cultura do Calabar,
antigo entreposto de comércio internacional com ápice entre os séculos XVI e XVIII e responsável por grande
parte do florescimento das culturas Jgba, Jbibia, Efik, ljaw e Ejagham, entre outras,

as mulheres ejagham eram tradicionalmente consideradas as portadoras originais dos dons


civilizatórios. As mulheres ejagham também se envolviam em peças teatrais e artísticas. Suas
"casas de engorda" (nkim) eram centros para as artes, onde as mulheres eram ensinadas,
por tutoras de seu próprio sexo, pintura corporal, penteado, canto, dança, culinária comum
e cerimonial e, especialmente, a arte de nsibidi, escrevendo em várias mídias, incluindo pi-
rogravura e apliqués. [ ... ] De fato, a alta qualidade das artes das mulheres ejagham e das
influenciadas pelas ejagham chamou a atenção de observadores europeus como T. J. Hut-
chinson, observando que «as mulheres da Velha Calabar não são apenas os operadoras cirúr-
gicas, mas também são artistas em outros assuntos. Entalhe de hieróglifos em largos pratos
de cabaça e em assentos de bancos; pintando figuras poéticas de animais nas paredes das
casas" (THOMPSON, 1984, p. 230).

Muitas máscaras igba, bastante encontradas em coleções ocidentais, são exemplos de idealização da
beleza feminina, um dos aspectos de importância social das mulheres igba. Na verdade, o termo ''beleza",
para muitas dessas máscaras, é incompleto, pois não se trata de um índice estético ou apenas ornamental da
superfície da máscara. Trata-se de uma concepção cultural mais ampla em que as noções de belo se mesclam
com a noção de bravura feminina (COLE & ANIAKOR, 1984, p. 120). As máscaras igba e nupe, de uma jovem
espírito Agbhogho mmuwanu (ou mmuo), são um exemplo disso. A idealização pode ser tomada do ponto
de vista masculino, objetal, enquanto um ideal de beleza desejado, também do feminino, enquanto ideal a
ser seguido - de uma maneira ou de outra, a centralidade desses desejos individuais e sociais está no ideal
feminino.

Também entre os bini, do antigo Reino do Benin, na Nigéria - um povo altamente militarizado e
hierarquizado, do qual a arte africana ocidental herdou os mais requisitados exemplares do naturalismo
africano-, a figura da rainha mãe (lyaba), representada em belíssimo bronze demarcou a presença feminina
na arte e na cultura de influência dos eda ao longo de séculos. Ficaram na história os feitos da rainha ldia,
mãe de Esigiê, ao derrotar o rei de uidá montada a cavalo e adornada com paramentos militares - lutou ela
própria contra homens invasores e saiu vitoriosa, salvando a antiga capital dos bini (OLUSANYA, 2018).

Segundo Abiodun, nas máscaras elmo do nordeste iorubá- às vezes conhecidas genericamente como
ele/Cm ou como epa -, um tema comum na superestrutura é o de uma mulher ajoelhada com dois filhos, às
vezes chamada de àtonporà. Durante um festival em lkerin, geralmente é destacada para ser louvada. Acla-
mada como àtànporo niyl Elefon 'àtonporà (o orgulho de Elefon), ela é uma personificação de tudo o que

29
pode ser considerado belo no contexto iorubá. A beleza inclui, por exemplo, poder ter crianças; dádiva pela
qual a maioria das mulheres reza durante o festival. A máscara Ôtànpàrà é pintada nas cores preta, vermelha,
amarela e branca para tornar a sua beleza visível mesmo à distância. Ela tem um penteado muito elaborado
(ówéwé) e grandes olhos bem definidos para acentuar o rosto. O longo e belo pescoço usa uma gargantilha
e uma série de contas, enquanto pinturas corporais decorativas enfatizam a redondeza dos braços e seios.
A plenitude e a firmeza dos seios contribuem para a beleza da feminilidade, como pode ser encontrado nas
seguintes linhas dos versos de ifá citados por Abiodun (2001, p. 27):

Funfun niyi eyín;


Egiin gàgààgà niyi oriin
Omu síkísikisíki niyi obinrin.

A brancura é a beleza dos dentes;


O longo e gracioso pescoço é lindo,
Os seios cheios e eretos fazem a beleza das mulheres.

Os olhos estirados e atentos do heroísmo, os seios firmes que jorram alimento da mãe e a placidez
quase hierática do busto feminino fazem composição conceituai, tornando a estilística iorubana, particu-
larmente na forma da máscara Epa, uma das principais obras de sustentação iconográfica que converge ao
mesmo tempo os conceitos de mãe e de herói em formas plásticas.

Exemplares também são as mulheres bangwa do complexo bamilequê do sudoeste dos Camarões,
cujas ardorosas camponesas trabalham principalmente a taioba {inhame), mas cultivam o feijão, milho, man-
dioca, batata doce e amendoins como culturas secundárias, sem a presença de homens.

A clareira é feita historicamente pelas próprias mulheres bangwa, geralmente em grupos. [... ]
As mulheres têm outras importantes atividades, como a confecção de artigos domésticos,
por exemplo panelas, esteiras, cordas e bolsas. Em silêncio, por vezes, elas coletam lenha,
que é escassa no planalto. Para o começo da estação da seca, as mulheres fazem festas para
caçar girinos e sapos: não há peixes na maioria rios Bangwa. No passado, o desvio em larga
escala de rios foi organizado pela rainha-mãe (ma.fwa) para capturar girinos em represas
(BRAIN, 1967, p. 12).

Retratos reais, particularmente aqueles que apresentam a mafwa (rainha-mãe), servem de relicário e
são mantidos em santuários junto com as ossadas da família real.

Entre as mulheres bamana do sul do Mali, aquelas que nasceram em famílias de ferreiros também
são ferreiras (numumusa ou numa). O termo "ferreira", entre os bamana, assim como para outros povos
africanos, não pode ser tomado apenas na forma estrita do trabalho no metal. Essas habilidosas mulheres
se engajam em atividades como cerâmica, artesania em couro e atividades intelectuais, como a criação de
poesia, por exemplo (KREAMER & ADAMS, 2007, p. 82).

John H. Weeks dedicou às "mulheres conga e seus modos" um capítulo inteiro do seu livro publicado
em 1914 sob o título: "Entre os Primitivos Bakongo, um registro de trinta anos de relacionamento íntimo com

30
os bakongo e outras tribos da África equatorial, com descrição de seus hábitos, costumes e crenças religio-
sas". Ele abre assim o tal capítulo:

a qualquer momento entre as seis e as oito da manhã você pode ouvir o chocalho de torno-
zeleiras de latão, tanto das mulheres quanto das garotas que passam de seu bangalô para as
fazendas. Aprumadas, em suas cabeças há cestas, cada uma contendo, talvez, uma cabaça
vazia, ou uma enxada; algumas das mulheres têm tubos [adornos labiais] em suas bocas, e
aqui e ali uma mãe está carregando seu bebê amarrado nas costas por um pano velho, ou
levando uma criança pequena pela mão. Na maioria das vezes as mulheres são silenciosas, e
quanto mais cedo a hora, menos falantes são aquelas que compõem a procissão de trabalha-
doras agrícolas (WEEKS, 1914, p. 103).

Quando comentamos sobre essas mulheres trabalhadoras está subentendido o grande número de
"tecnologias femininas" 19, que socialmente foram divisores de águas nos modelos econômicos africanos:
cerâmica, tecelagem, bordado, cestaria, uso do pau de escavar na agricultura de subsistência, entre outros
aspectos sociais que contribuíram para a presença feminina nas sociedades africanas e por vezes para a po-
sição concreta do matriarcalismo em distintos momentos da história do continente.

A sociedade feminina Sande, também conhecida como Bundo, teve e ainda tem grande influência em
países como Libéria, Serra Leoa, Guiné e Costa do Marfim, fazendo difundir suas metodologias em paridade
com a associação masculina Poro, também transnacionalmente difundida, com a qual está pareada tanto
em influência quanto em respeito. A magnitude da sociedade feminina Sande foi estudada por Ruth Bliss
Phillips no fim da década de 1970. Ela publicou o resultado de suas pesquisas em três volumes {PHILLIPS,
1979). Antes dela, Anita Glaze já havia identificado os poderes femininos em confronto com os masculinos
da sociedade Poro, tal como ocorriam entre os senufo no fim dos anos 196020•

Na sociedade Sande encontramos um dos poucos exemplos de uso de máscaras por mulheres. Em
praticamente todos os grupos africanos tradicionais, mesmo quando as máscaras retratam mulheres ou jo-
vens, o mascarado é um homem. Jacques Bernolles evidenciou que isso nem sempre foi assim no importante
trabalho intitulado ''A permanência do vestuário africano e das máscaras do Saara mesa-neolítico à atual
área de difusão dos negros". Em suas palavras: "comprovações do uso de máscaras por mulheres desde pe-
ríodos pré-históricos nos ensinam sobre os diferentes enquadramentos antropológicos existentes na história
na forma de 'altos e baixos' civilizatórios" {BERNOLLES, 1966, p. XLVlll-XIX}.

A sociedade Sande é responsável pela definição e aplicação de normas sociais e pela educa-
ção e iniciação de jovens da sociedade. [ ...]A chefe do conselho de mulheres chamado sowei
ou ligba, dependendo do local de uso, vive sozinha na casa na qual as máscaras e outras
parafernálias Sande são depositadas (MATO & MILLER, 1990, p. 15-17).

O matriarcalismo na África tradicional, com dezenas de mulheres ocupando postos de chefia e pos-
tos militares, embora tenha um registro bastante esparso, encontra parte da absolvição dessa escassez de
informações na difusão generalizada e bem documentada da matrilinearidade, especialmente no centro do

19. Certos insights tecnológicos desenvolvidos em culturas e sistemas tradicionais elaborados por mulheres foram parciaJmente
identificados em Thrupp (1989), Shiva (1988) e Stamp (1993).

20. Dois textos seminais podem ser destacados: Glaze (1975 e 1981 ).
31
continente. Nesse sentido, nenhuma rainha de toda a África feminina foi tão comentada no Ocidente, nota-
damente no Brasil, do que a rainha do Ndongo e Matamba:

Nzinga Mbandi, conhecida como Rainha Ginga, foi soberana dos reinos do Ndongo e Matam-
ba no século XVII. Famosa tanto por suas habilidades diplomáticas quanto por seu compor-
tamento guerreiro, Ginga foi uma personagem única da história africana. Foi batizada como
D. Anna de Souza, apadrinhada pelo governador português, mas logo se aliou aos temidos
guerreiros antropófagos chamados Jagas e durante décadas lutou contra a colonização por-
tuguesa de Angola, reunindo vários sobas e governantes em sua frente de oposição. Durante
mais de trinta anos, Ginga fugiu da perseguição lusa, enganando seus opositores com di-
versas estratégias de resistência, que iam desde rendições simuladas a pistas falsas de seu
paradeiro. No final de sua vida, a rainha se converteu ao cristianismo como forma de obter
a paz e a sucessão para seu reino de Matamba. Morreu em 1663, com mais de oitenta anos,
apesar de seu povo a considerar como "rainha imortal" (FONSECA, 2014, p. 81).

Além das já estudadas histórias matriarca is dos bakuba (com a chefe Lobamba), dos Juba (com a chefe
de Ruweji), e dos exemplos bakongo, bijagó, entre outras, um grupo de mulheres que teve origem no Daomé
e conquistou fama até hoje são as guerreiras ahosi (amazonas) do atual Benim (DINER, 1965).

É sob o reinado de Agadja [1673-1740) que aparecem os primeiros relatos europeus sobre
as ahosí {mulheres guerreiras extremamente combatentes que utilizavam cavalos, manipula-
vam armas com ferocidade e criaram uma tradição dinástica à parte). Chamadas pelos euro-
peus "amazonas", esse termo, embora seja bem aceito por generalidade, é mau empregado,
pois se refere a uma nação mítica ou a um grupo real de mulheres guerreiras da antiguidade
clássica. Uma das hipóteses etimológicas do termo grego ~µa~lÍJv associa-se ao mito de que
elas cortavam o seio esquerdo para facilitar o uso de arco-flecha, daí o "a-mazos" (sem mama
ou sem seio) {SILVA, 2016, p. 163).

Em contraposição a esse relato das amazonas gregas, para as ahosi do antigo Daomé e na arte africa-
na em geral, os seios são associados à fertilidade e à abundância. Muito comum, por exemplo, é a represen-
tação plástica dos seios à mostra como índice de feminilidade, fertilidade e abundância em sentido amplo.
Eles são proporcionais ou exageradamente grandes em boa parte das vezes, e em alguns momentos, como
nas figuras de casal primordial dogon, nas figuras em par edan ogboni dos iorubá, nas figuras femininas
iombe e bakongo, entre inúmeras outras obras de bantas e sudaneses, a figuração segurando o seio é uma
recorrência ligada geralmente à nutrição, a continuidade civilizatória e à fertilidade 21 •

Em suma, desde a África ocidental à oriental, do centro ao sul da África subsaariana abundam refe-
rências sobre a importância do feminino em praticamente todas as áreas. Pensemos nos nkisi sangue, nas
estatuetas pfemba, nas cariátides de sustentação nos bancos de prestígio Juba, nas práticas artísticas das
mulheres bakuba etc. - esses são alguns dos exemplos dessa superabundância formal e simbólica a partir das
quais uma enorme parte do que chamamos "arte africana" se deita em berço esplêndido.

Mesmo aqui no Brasil e nas Américas essa influência feminina na construção da sociabilidade africana
e afro-americana, particularmente na cultura nago/Jucumi, se fez sentir da mesma forma ambígua que entre
os iorubanos. Explicações não faltam para demonstrar os motivos pelos quais as mulheres lideram na religio-
sidade brasileira. Desde a percepção de que as mucamas, escravas de ganho e líderes de irmandades negras

21. Vide discussão sobre a estátua de maternidadeAfo em Delafosse (2015).


32
gozavam de benefícios que as distinguia dos homens (VERGER, 1992, p.155) até a noção de que as mulheres,
por serem mais fortes como mães de santo do que os homens pais de santo, fez com que a maioria deles as
imitassem ou as espelhassem na força de seus trejeitos femininos, tão dignos do culto aos deuses e deusas
iorubanas em suas danças, já que há um espaço extremamente adequado às devotas nas quais as divinda-
des "montam" na incorporação. Como diz Santos (2007, p. 22): "em meio ao rol de escolhas em termos de
gênereo e sexualidade, o candomblé, para citar apenas um exemplo, não só atrai, mas a bem dizer propicia
a filiação de homossexuais interessados na vida iniciática da religão dos orixás".

Avaliando os argumentos de Édison Carneiro para o tema, Roger Bastide, em 1960, não hesitou em
falar do ambíguo poder das mulheres na religiosidade afro-americana. Édison Carneiro (1948, p. 91) lança
até números para provar o quanto era equilibrado o número de homens (babalorixás) e mulheres (yalorixás)
na liderança dos Candomblés. "Dos 67 candomblés matriculados na União, 37 eram dirigidos por pais [de
santo] e 30 por mães. [ ... ] Parece, porém, que nem sempre houve pais e mães e que, antigamente, o candom-
blé foi, nitidamente, um ofício de mulher, indica-o, entre outras coisas, a necessidade de cozinhar as comidas
sagradas" (CARNEIRO, 1948, p. 91).

Bastide vai além, questionando a validade universal dessa afirmação de Carneiro, dizendo que o papel
principal culinário caberia aos homens na África. E aponta a ambígua noção do poder feminino provindo dos
"mistérios" de seu corpo:

a função de preparar os pratos místicos nem sempre se atribui a uma mulher. [ ... ] Pareceu-
-nos que as cozinheiras eram geralmente velhas. [...] Pode ser também que o fato se ligue à
importância da menopausa nas religiões do Nordeste. [... ] Sabe-se que os africanos têm res-
peito, misto de medo, pelo sangue mestrual. Igualmente, entre os bagandas, nenhuma mu-
lher, no momento da menstruação, pode cozer os alimentos de seu marido. Mas esses tabus
cessam com a menopausa. [Entre os bechuanas,] as velhas mulheres são chamadas homens,
e não se comportam mais como mulheres. Transformaram-se em homens, exatamente a
mesma expressão que encontrei no Nordeste para justificar a existência de mulheres sacer-
dotes (BASTIDE, 2011, p. 177-180).

Com esse nível de autoafirmação e ao mesmo tempo de renúncia, o estatuto feminino na arte afri-
cana ultrapassa barreiras etnológicas, geográficas e também superestruturas hierárquicas entre homens e
mulheres. Isso demonstra como a questão etnográfica de gênero é fulcral no âmbito religioso, social e inter-
pessoal na África, com claras implicações estéticas que fundamentam uma visão da arte africana como um
reino feminino. No qual a maternidade, a feminilidade, a arte, a religiosidade e o quotidiano no sentido do
civilizatório, material, costumeiro, imantente e habitual são todos condensados numa única identidade. O
conceito materno de origem é artífice de todos nós: a universalidade da África - e por que não também da
universalização de sua arte? - passa a ser um corolário simbólico possível desse mesmo conceito originário
da África como mãe de todos nós.

33
Referências

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36
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37
Mwana phweva

''"~"' ' 71
REPÚBLICA
Segundo HAHNER, 1. et al. (2007, p. 86)
DEMOLRATICA
- ) -~ DD
CO GO
o uso da máscara mwana phwevo ocorre na
' Kinsh asa cultura de vários povos do alto Zambesi, ao
- Mbu}i-M:iyr Sudeste da região do Kasa'f. Uma hipótese
'<?.
controversa, contudo, afirma que os lwena
Lu:mda adotaram a forma e a função dessa máscara a
o
partir de máscaras dos tchokwe. Os africanistas
Marie-Louise Bastin e Gerhard Kubik dizem que
seu nome significa "jovem mulher" e refere-se
ANGO!.!
a uma personagem mítica que morreu jovem e
ZAMBIA
1
cuja dolorosa perda seria relembrada constan-
.Lu saka 1,·
Q - -
temente pela dança dos mascarados.

Máscaras mwana phwevo são dançadas por


homens e aparecem em várias festividades com
objetivo de entreter o vilarejo e, especialmente,
as suas habitantes femininas, em performances
nas quais as referências sexuais tomam um papel importante.

Visualmente, a máscara tem uma face com formas regulares e elaborados padrões de escarificação nas
bochechas e na testa. O nariz e queixo refletiriam os ideais de beleza dos lwena. A representação dos olhos
estreitados, têm sido relacionado à morte. De acordo com outras tradições, os artesãos que esculpem esse
tipo de máscara baseiam suas formas a partir das feições das mulheres desejadas por eles.

Referências

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Tervuren. Musée Royal de LAfrique Centrale,Tervuren, p.319.

38
Nkisi, Cabinda
cA._,ARÕES
Dou Ili
ri'f 011Hlc
O "Museu Nacional de Culturas Mun-
diais" (Notionool /vluseum von Wereldcul-
turen), na Holanda tanto quanto o Museu
K líílíj Dapper, na França possuem peças muito
semelhantes - uma das quais possa talvez
EPÚBUCA ff\)..

DEMOCRÁTICA
Ki oll ter servido de base para reprodução desta
DO da coleção lvani e Jorge Yunes. Trata-se
CONGO
de uma figura de poder chamada nkisi (pl.
minkisi), muito comum no baixo Congo.

"Durante muito tempo, os europeus


l•ondo
o
qualificaram estas figuras de 'fetiches'
(divindades feitas ou criadas pelo próprio
sujeito, em oposição à divindade revelada
do cristianismo" depreciando as práticas
religiosas em torno delas ao chamá-las de
'fetichismo', ou seja, mero automatismo de veneração de objetos mágicos, sem a menor relação com valores
sublimes" (JUNGE, P., 2004, p.152).

Uma iconografia idêntica é verificada em ambas as peças: uma mulher ajoelhada dá de beber a um dos
filhos que se agarra à sua perna direita, enquanto outro filho permanece dependurado em seu ombro es-
querdo, portando um objeto cilíndrico não identificado (uma cabaça?). Sobre suas costas se levanta em dire-
ção ao topo da cabeça um cachorro estilizado abocanhando uma serpente que pende até o couro cabeludo
dela. Richard Dennett(1968, p.138) associa o cachorro a Nzozi (divindade do relâmpago e trovão dos mitos
bantos e do candomblé angola) e a Mbumbo Luongu é descrita como uma serpente arco-íris cuja habitat é a
água, mas ela se levanta dali, alcançando o céu depois da chuva (JACOBSON-WIDDING, A. 1979, p.136). Opa-
dre Bittemieux chamou a Mbumbo Luongu de "serpente-nkisl' (BITTREMIEUX, L., 1922, p.387) e Anne Hilton,
relacionou o réptil ao que chamou de "dimensão mbumbo", ou seja, tudo que se referisse aos espíritos aquá-
ticos e de fertilidade.(HILTON, A., 1985, p.13).

Tanto a expressão facial deixando os dentes à mostra e a presença dos olhos vítreos quanto a existência
de uma espécie de "recipiente" retangular no abdômem são aspectos típicos que aparecem constantemente
na figuração dos minkisi em geral e cada item formal teria um simbolismo particular: enquanto os dentes à
mostra seriam associados, como diz Peter Junge, a uma certa "expressão raivosa" (JUNGE, P., 2004, p.160)
ou um certo "aspecto levemente mal-humorado" (JUNGE, P., 2004, p.152) o objetivo deste aspecto seria
causar uma grande impressão visual e provocar um sentimento de espanto diante do imenso poder do nkisi
(JUNGE, P., 2004, p.152); a presença dos olhos vítreos seriam ainda indicativos do poder de vidência desses
objetos que "expressam poder e provocam temor" (JUNGE, P., 2004, p.156); e, por fim, a forma retangular (ou
às vezes circular no abdômem seria um "receptáculo para substâncias medicinais" (JUNGE, P., 2004, p.156) .

Segundo Alisa LaGamma: "Escultores da região iombe, por exemplo, enfatizam a procriação feminina
como uma metáfora visual para o poder. Um importante gênero de figuras ditas de "mãe e filho" consiste na

41
representação de mulheres sentadas magistralmente portando atributos de liderança. A chave da questão
são as figuras em miniatura que cada uma delas carrega, mas as quais não seriam necessariamente crianças.
Tais trabalhos podem expressar uma multiplicidade de desejos [por exemplo, o de continuidade, por meio
das crianças ou expansão de sua liderança] (...}. Dado que os fundadores dos dans kongo eram identificados
como figuras de "mães" e que a categoria de dependentes mesclou a imagem de crianças com a de escravos,
a representação de uma figura pequena, mas totalmente formada sendo nutrida, esta imagem ressalta a
capacidade de um chefe de evitar os danos de seus dependentes e subjugar qualquer interesse rival." (La-
GAMMA, A., 2015, p.42,45)

Referências

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lo: CCBB - Centro Cultural Banco do Brasil; Instituto Gõethe do Rio de Janeiro, 2004. p.152

LaGAMMA, A. Kongo: power and majesty. New York: Metropolitan Museum of Art, 201 5. p.42

42
Agbogho Mmuo
Kadun Os igbo vivem no Sudoeste da Nigéria, sendo
um dos maiores grupos culturais desse país. A
máscara igbo e nupe de jovem espírito chama-
Abuja
da Agbhogho Mmuwanu (ou Agbogho Mmuo),
que significa em tradução literal "bela jovem"
Oyo
a é uma máscara de idealização feminina. Essa
lbad -11 idealização pode ser tomada tanto do ponto
Cidade
~e de vista masculino, isto é, objetal, enquanto
io--Novo
L '9 0S Renin
D um ideal de beleza desejado sexualmente,
nou Barr
' quanto do ponto de vista feminino, enquanto
um ideal do "ser mulher", buscado pelas meni-
nas púberes. Este "ideal tende a ser almejado
D considerando perspectivas morais, pela retidão
de caráter e por meio da manifestação de bom
temperamento, serenidade, graça, generosi-
dade etc. Assim, seja tomada em sua forma objetal, seja na forma de um modelo a ser perseguido, o núcleo
conceitua[ desses desejos individuais e sociais reside no ideal comunitário de feminilidade.

Os funerais e o festivais agrícolas durante o estio nos quais são dançadas as máscaras induzem a outra
interpretação física e conceitua[ necessária em relação à idealização da beleza feminina aqui apresentada:
do ponto de vista físico, o uso de caolim na face, refere-se à palidez ancestral, centro focal do bem estar de
todos e, do ponto de vista conceitua[, seria o espírito evocado por essas donzelas capazes de promover a
abundância alimentar e a fertilidade na comunidade.

Referências

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versity of California: Los Angeles, 1984.

FELIX, Marc Leo. Makishi Lya Zambia: Mask Characters of the Upper Zambezi Peoples. Jahn: München,
1988. p. 342.

44
A lente do antropólogo britânico Northcote Thomas
(1868-1936), que conduziu importantes trabalhos
sobre os edo e os igbo, registrou alguns mascara-
dos Agbogho Mmuo (espírito de donzela) - no início
dos anos 1900.

47
Gueledé

Os iorubá vivem na região Centro Sul da


Nigéria, mas também no centro sul do Benim
e do Togo. As máscaras Gueledé celebram a
potência feminina por meio da honra às anci-
ãs em algumas cidades iorubanas ocidentais.
Uma associação homônima, cuja filiação é
Abuj restrita apenas às mulheres mais velhas (lyo-
C05TI\ le), promove esta celebração.
()(]
MJ\RílM Embora os escultores e dançarinos
Y 111 01.I HOUk.rO
Kr m_ i fossem homens, tanto a execução, o comis-
Abl J1 Accr sionamento quanto o uso da máscara são
1
PortH C:Oll
restritos ao grupo feminino Gueledé. As dan-
ças são executadas num festival de máscaras
que ocorre anualmente em dezembro com o
intuito de acalmar as lyole, controlando assim o uso de seus poderes sobrenaturais. Tal como afirma Kariamu
Welsh-Asante (2002, p.22):

Estes poderes podem ser, por vezes, destrutivos. Se houver uma seca, epidemia ou fome, diz-se que estas foram causa-
dos pelos poderes destrutivos das 'lyale'. A dança Gueledé é então realizada para apaziguar as lyale para que elas se retirem
e, com isso, se afaste também a magia da cidade ou da vila afetadan. De acordo com a tradição, afirmam DREWAL & DREWAL
(1990, p.xv), a associação Gueledé começou na segunda metade do século XVIII, entre os Ketu-iorubá, espalhando-se rapida-
mente para outros grupos iorubá e, como consequência do comércio atlântico de escravos do século XIX, difundiu-se também
entre os iorubá dispersos da Serra leoa, Cuba e do Brasil l ..JA etimologia da palavra 'Guelede' revela as suas preocupações
centrais e seu significado último: 'Ge' significa "acalmar, aplacar, acariciar ou mimar"; 'ele' refere-se às partes íntimas da mu-
lher, aquelas que simbolizariam os segredos femininos e seus poderes de dar a luz; e 'de' é o conotativo da noção de "suavizar
com cuidado e gentileza". Juntas, essas ideias transmitem o significado de "Gueledé", ou seja, execução de performances cui-
dadosamente concebidas para homenagear as mulheres, a fim de que a comunidade possa participar de seu poder inato para
benefício comum.

Como características frequentemente demarcadas as máscaras Gueledé apresentam figurações


antropomorfas simbolicamente bidivididas: de um lado, na parte inferior da máscara é figurado um rosto
feminino, frequentemenente decorado com escarificações de três linhas nas bochechas ou nas testas, de-
marcando a identidade iorubana. E de outro, na parte superior, há uma variação aparentemente indefinida
de representações animais com funções proverbiais e míticas, bem como aspectos sociais aos quais o gru-
po gueledé quer dar ênfase - normalmente o topo das máscaras é um suporte comunicativo pelo qual são
transmitidos a sabedoria das mulheres anciãs.

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WELSH-ASANTE, Kariamu (ed.). Africon Dance-. An Artistic, Historical, and Philosophical lnquiry. Trenton N.J.:
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48
Cultura: loru ba
Nigéria
Madeira pintada
Dimensões:
(41cm L x 25cm Hl
Afr.000.435b
50
Máscaras Gueledé )
(FISON, C. et al., 1899. p.136.

51
Epa

As máscaras Epa são usadas em celebra-


ções em que se rememora os grandes
feitos dos guerreiros ancestrais. Assim,
do ponto de vista simbólico as máscaras
Epa seriam reencenações ou celebrações
l' "º de antigas batalhas, em parte reais e em
parte míticas.
NJGERIA

-ttA buj Com o objetivo de assegurar a fertilidade


COSTA
DO
e bem estar da comunidade, os ekiti-ioru-
M4RF1M

'OY mous oukro bá, da área nordeste da iorubalândia de-


Kµm<1$I·º
Ab ié1J A ccr
dicam-se por três dias ao festival agrário
0 1
PortHarCQurt -
o de março em que utilizam as máscaras
M t bO Do u 31
chamadas Epa. (HAHNER, 1. et. al., 2007.
p. 43). "Essas máscaras são executadas
a cada ano [ou dois anos] para marcar a
primeira colheita das novas colheitas de
inhame. As máscaras são pesadas.Com
cerca de treze a vinte e sete quilos, elas
são usadas em cima da cabeça por jovens que executam danças rigorosas. O performer deve pular sem he-
sitar em um monte de terra alta no qual os inhames são plantados (THOMPSON, 1974, p. 195). Se o salto for
bem-sucedido, prenuncia um bom destino para a comunidade durante o próximo ano, mas se o usuário cam-
balear, a comunidade deve se sacrificar por causa da má sorte (S.M.A. FATHERS, 1980. p.39).

Do ponto de vista formal, a figuração antromorfa não se trata de um retrato, são rostos e corpos estilizados
geralmente numa contraposição entre o topo da máscara e a base. De modo que estariam representados na
base da peça as figuras guerreiras e no topo, uma figuração que com frequência reflete uma figura materna,
como é o caso desta peça e por vezes uma figuração de um cavaleiro fazendo referência histórica da guerra
de cavalaria típica da região norte da iorubalândia.

Referências
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p. 43.
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54
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57
Akuabá

Os ashanti vivem no Centro Sul de Gana. Mulhe-


res com dificuldade de engravidar portam a "boneca de

1
fertilidade" chamada akuabá, que é consagrada por um
Costa sacerdote. A palavra "akwaaba" teria a acepção de "bem
do Marfim vindo" (DAKO, K., 2003, p.20). Mas o seu verdadeiro signi-
ficado adquiriu historicamente diferentes acepções. Uma
delas diz que o termo significaria "criança (ou filha) de
Y moossoukro
e Akua". Seria uma junção dos termos "akua" (quarta-feira)
e "ba" criança (nome usual de criança nascida na quarta-
Ac
Abiqan -feira) (McLEOD, M. D., 1981. p. 166).
q

Segundo uma lenda, uma mulher que tinha problemas


para engravidar foi aconselhada por um sacerdote a en-
comendar uma boneca na forma de seu bebê ideal e le-
vá-lo com ela embalado como se fosse uma criança de verdade. Não muito tempo depois, ela engravidou de
uma menina. Os fanti-ashanti, sendo matrilineares, preferem ter filhas garotas ao invés de garotos (LEIJTEN,
H., 2015, p.vi).

As bonecas são carregadas na cintura entre panos atados ao ventre. "As figuras são acariciadas, vestidas e
adornadas com brincos e cinto de contas, assim como uma criança de verdade seria. As akua'ba (SIC) incor-
poram o ideal de beleza ashanti com uma cabeça em forma de disco e anéis de gordura ao redor do pescoço,
indicando uma condição próspera e saudável. As mães ashanti procuram induzir a forma da cabeça desejada
em seus bebês, massageando suavemente os ossos cranianos moles dos recém-nascidos". (S.M.A. FATHERS,
1980, p.28). Em conversa pessoal com o artista plástico negro Almir Mavignier (1925-2018) ele nos informou
que era amigo do comerciante de arte africana naturalizado estadunidense Ladislas Segy, de quem ele, jun-
tamente com sua esposa Sigrid, recebeu como presente uma boneca de fertilidade akuabá, no fim dos anos
de 1960. Semanas depois, de volta a pra casa, em Ulm, na Alemanha, ela engravidou do hoje também artista
Delmar Mavignier. Este relato dá conta de que a aura e força mística das bonecas de fertilidade akuabá cru-
zam facilmente as fronteiras culturais.

59
Boneca de Kounchi
Golfo da Guiné
Ilustrador: Riou Riou
(BINGER, Louis, 1892, p.86)

60
Referências

BINGER, Louis. Du Níger au Golfe de Guinée parles pays de Kong et te Mossi, Vol. li. Paris: Hachette, 1892. p.86.

DAKO, karí. Ghanaianisms. A Glossary. Accra: Ghana Universities Press, 2003. p. 20.

LEIJTEN, H. From ldol to Art. African 'objects with power': a challenge for missionaries, anthropologists and
museum curators. Leiden: African 5tudies Centre, 2015. p.vi

McLEOD, Malcolm D. The Asante. Trustees of the British Museum, 1981. p. 166.

5.M.A. FATHER5. African Sculpture from the Collection of the Society of African Mission. New Jersey: 5.M.A. Fa-
thers, 1980. p.28.

61
Sejen
Os senufo vivem no Norte da Costa do Marfim. Embora

o
B obo-
Oioulasso
o pássaro calao seja um símbolo de fertilidade em vários povos
da costa ocidental africana, notadamente entre os dogon, a arte
dos senufo com referências a esta ave foram os mais difundidas

GANA
no ocidente. Geralmente, a estatueta de pássaro mais conhecida
COSTA 0Bou• k• é a chamada Sejen (ainda que sejam poucas, é possível observar
DO
MARFIM <>Y amou ssoukro Kumasl
-<>- algumas variações estilísticas nas estatuetas desse pássaro, in-
\J
.,,Abl ~an
A ccra
o
dependentemente do tamanho da peça). Por convenção, a esta-
tueta Sejen não se aproxima de uma figuração naturalista. Tanto
em altura quanto em postura e também nas asas, cabeça e bico
prevalecem uma forma de pássaro bastante estilizada, com uma
postura e rigor formal próprios de cada região ou grupo de afinidade cultural.

A despeito de que o uso de estatuetas relativamente pequenas seja a prática mais comum, hipóteses
sobre um uso externo de peças maiores, que faria com que o já conhecido poder de fertilidade do pássaro
calao pudesse expandir seus efeitos cobrindo áreas mais amplas, ganhando um tamanho descomunal, já
têm algum respaldo na literatura. Conta-se, por exemplo, que grandes estátuas de pássaro calao eram, no
passado, depositadas em santuários e faziam parte dos ritos finais de grupos iniciáticos (PHILLIPS, 1996, p.
457).

O conceito de fertilidade pode ter sido absorvido da experiência com os calaos naturais. Devido aos
potenciais predadores, quando uma calao fêmea bota os seus ovos, ela se esconde com eles em pequenas
fendas ocas das árvores, que são por eles cuidadosamente fechadas com argila, excrementos e fibras vege-
tais. Para se alimentar, a ninhada depende exclusivamente do calao macho, que sistematicamente insere co-
mida com o bico (visto como um símbolo fálico) por meio de uma meticulosa fenda deixada para esse propó-
sito, alimentando sua fêmea e sua prole. Imagens de calao com o peito (ou ventre) inflado e bico curvado em
direção a ele têm sido interpretadas como um símbolo de fecundação - seria o bico fálico que se movimenta
em direção ao ventre gerador da vida. O sentido de abundância alimentar e a noção de fecundidade estariam
igualmente bem representados nessa observação natural (GRASSÉ, 1950, p. 567). A mitologia senufo tam-
bém corrobora com parte dessa interpretação: "o mundo começou como um enorme espaço escuro, cheio de
argila e explorado por seres estranhos. Havia um grande pássaro, o calao, que mais tarde se tornou o símbo-
lo da fertilidade e dedicado a Katieleo, a grande deusa do universo Senufo" (SKARD, 2004, p. 277).

Referências

SKARD, Torild. Afrique des femmes, Afrique d'espoirs. Paris: l'Harmattan, 2004. p. 277.

GRASSÉ, Pierre. P. Traité de zoologie: anatomie, systématique, biologie. Paris Masson et Cie, 1950.
[Volume 15] p. 567.

PHILLIPS, Tom. A/rica: The Art of a Continent. New York: Prestel Verlag, 1996. p. 457.

63
Figura de pássaro Calao

Cultura: senufo
Costa do Marfim
Madeira
Dimensões:
(8Bcm H X SScm H)
Afr.000.273
64
Calao

B obo-
Dioulasso
o
r- O pássaro calao domina a representação artística
1 de pássaros na Costa do Marfim e de boa parte da África
6'.~rnale J
ocidental.
GANA
Relacionados entre os povos de língua akan à po-
MARFIM l amoussoukro .J'.'umasl tência, à fertilidade da terra e dos seres humanos, sua
A cera
presença, seja na forma natural ou na artística sempre
o
implica em uma ligação direta com a ancestralidade. É
por isso talvez que grandes esculturas de pássaros como
esta são colocadas em santuários para representar os
ancestrais, sendo chamado de "kassigele" ou "o primeiro
ancestral". (WERNESS, H.B., 2003, p.39) Na verdade, o pássaro calao é tido como um dos seres primordiais en-
tre os senufo (BLIER, S.P. et.al., 2004, p.75). Repare que o bico do pássaro curva-se suavemente até seu ven-
tre. Esse motivo artístico que é sempre recorrente tanto nas estatuetas quanto nas máscaras com representa-
ções do pássaro calao indicaria plasticamente o ato da fecundação. O geometrismo mais angular que opõem a
triangulação tanto das patas, do bico, quanto das asas do animal é "suavisado" com seu ventre quase esférico
ao centro. Esta obra da Coleção lvani e Jorge Yunes não se trataria de uma peça canônica no sentido formal,
porém ela é fruto de uma cultura popular que acrescenta elementos à uma tradição senufo mais remota.

Referências

BLIER, Suzan Preston et. al. Art of the senses: African masterpieces from the Teel Collection 2004, p.75.

WERNESS, Hope B. The Continuum Encyclopedia of Native Art Worldview, Symbolism, and Culture in
Africa, Oceania, and Native North America. New York; London: Continuum, 2000, 2003. p.39.

65
Calao

Os dogon vivem no Sudoeste do Mali. Opássaro calao é um


símbolo de fertilidade em vários povos da costa africana. Essa fi-
guração aparece nas máscaras e estatuetas dos senufo, além dos
tagwa da Costa do Marfim, dan da Libéria e Costa do Marfim, komo
da República Democrática do Congo, entre outros.

Geralmente esse tipo de estatueta é mais conhecida entre


os senufo como Sejen. Variações formais na representação desse
pássaro são pequenas independentemente do tamanho da obra
esculpida.

O sentido do uso da estatueta do pássaro entre os dogon é semelhante ao dos senufo aparecendo na
forma de um símbolo para abundância de filhos e também utilizado como figura de altar ou propiciatória, em
termos simbólicos, para fins reprodutivos. Pesquisadores afirmam que o conceito de fertilidade associado ao
pássaro e convertido nas formas artísticas pode ter sido absorvido tanto pelos dogon quanto pelos senufo a
partir da observação de pássaros calaos na natureza (GRASSÉ, P. P., 1950, p. 567).

Referências

BARROS, Denise Dias. Itinerários da Loucura em Territórios Dogon. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.

SKARD, Torild. Afrique des femmes, Afrique d'espoirs. Paris: l'Harmattan, 2004. p. 277.

GRASSÉ, Pierre P. Traité de Zoologie-. anatomie, systématique, biologie. Masson et Cie, 1950. [Volume
15]. p. 567.

PAULME, Denise Senoufo. ln: BALANDIER, G. & MAQUET, J. Dictionnaire des civilisations africaines. Paris:
Hazan, 1968, p. 387-389.

PHILLIPS, Tom. Africa: The Art of a Continent. New York: Prestel Verlag, 1996. p. 457.

67
Sowei

Os mende vivem no Sudeste da Serra Leoa e, junto

GUINEA

r com alguns de seus vizinhos culturalmente aparentados, são


únicos no quesito do uso de máscaras por mulheres. Embo-

~
ra seus rostos e corpos sejam escondidos sob a máscara de

Monrovia
o.
L -1 madeira e esta decorada com tecidos e fibras vegetais, usual-
mente, as máscaras são dançadas por sacerdotisas, juízas e
mentoras de ritos iniciáticos. A máscara soweipossui sua fun-
LIBERIA \.,,_

ção associada a ritos iniciáticos da associação Sande. Segundo


Kleiner (2008, p.546) "a máscara mende se refere ao ideal de
beleza feminina, à moralidade e ao comportamento. A larga
testa significa sabedoria, o desenho do pescoço, beleza e saú-
de". A execução estilística da máscara feminina mende apresenta ainda um belo penteado feminino tipico das
meninas jovens, enquanto que algumas dobras no pescoço da máscaras que se assemelhariam a colares são,
na realidade, dobras de gordura. Essa imagem conceitua[ indica que a beleza estaria ligada à figura feminina
bem nutrida: uma ideia importante a ser transmitida às jovens iniciantes que estão chegando à idade do casa-
mento.

As máscaras elmo da sociedade feminina Sande da Serra Leoa são uma das mais bem-acabadas em
termos estéticos. A triangulação do rosto estilizado faz uma composição com a forma geral do elmo. Outros
elementos convergentes fazem com que seja facilmente identificada e destacada entre máscaras elmo de
outras regiões ocidentais africanas (BARGNA, 2011, p. 29).

Referências

BARGNA, Ivan. Arte da África Negra. Florence: Scala Group, 2011. p. 29.

KLEINER, Fred S. Gardner's Art through the ages: non-western perspectives. Boston: Wadsworth, 2008.
p. 546.

PHILLIPS, Ruth B. The Sande Society /vlasks of the /vlende ofSierra Leone. London: University of London,
1979 [Volume 1].

WILLET, Frank. African Art an introduction. New York; Toronto: Oxford University Press, 1971. p. 81.

68
Máscara Yangaleya Máscara Yangaleya

Cultura: djimini (jimini)/Ligbi Cultura: djimini (jimini)/Ligbi


Costa do Marfim Costa do Marfim
Madeira Madeira pintada
Dimensões: Dimensões:
(47,S cm H x 16 cm L) (32 cm H x 17 cm L)
Afr.000.458 Afr.000.487
70
Yangaleia
Os djimini (ou jimini) e também os cha-
mados ligbi (ou ligbe) vivem no Noroeste da Cos-
ta do Marfim, próximos da fronteira com Gana.

COSTA GANA
Os djimini são um subgrupo dos senufo, por isso
DO Bouake
9
vemos a presença constante dos pássaros de
MARFIM
fertilidade na representação artística deles, dado
Kumasi
.'(>
que esta é uma figuração característica comum
LrBERlA entre estes dois povos da Costa do Marfim. É
comum entre eles não só a representação do
pássaro calao, existente na natureza, mas tam-
bém a representação artística do chamado Yan-
galeya, que seria uma espécie de calao com fei-
ções míticas. A máscara djimini com longo bico de pássaro que cobre a face igualmente aparece entre os
senufo, embora com menor regularidade. Nas máscaras desse tipo apresentam-se características híbridas,
cercadas de um antropozoomorfismo com referências ao búfalo e ao calao, entre outros animais relaciona-
dos à fertilidade. Mas também há relatos de que esse chifre seria a representação do chifre do touro selva-
gem (HAHNER et al., 2007, p. 18).

Dois aspectos artísticos chamam a nossa atenção de imediato: 1) a delicadeza e estilização do pás-
saro que deita seu longo pescoço sobre a face da máscara; 2) o fato de esse pássaro assumir abstratamente
ou tomar em posição artística a forma de um nariz - ambos os aspectos remetem à noção do pássaro calao
como "fertilizador".

Referências

CHARTIER, A. Le cercle des Tagouanas. ln: Renseignements coloniaux, n. 11, LAfrique française: bulletin
mensuel du Comité l'Afrique française et du Comité du Maroc, v. 31, Paris, 1921.

HAHNER, lris et al. African Masks: The Barbier-Mueller collection. Munick; London; New York: Prestel,
2007.

WATERFIELD, Hermione & NEWTON, Douglas. Tribal Sculpture: masterpieces from Africa, South East
Asia and the Pacific in the Barbier-Mueller Museum. New York: Vendome Press, 1995.

71
Merekun
Os bamana vivem no alto do rio Níger, no Sul do
Mali, bem como em regiões nortistas da Costa do Marfim,
Guiné e Senegal. Eles chamam a si próprios de bama-
MAURITANIA nakan (OLSON, 1996, p. 63). Talvez pela alta densidade
populacional que atingiu mais de três milhões de pessoas
MALI
depois do período colonial, suas obras foram difundidas
pelos museus da Europa, sedimentando e direcionando
J BURKINA
boa parte do que se convencionou chamar de "Arte Afri-
f.UO

J cana". Marionetes, cetros e bastões cerimoniais são pro-


duzidos com os mesmos expedientes estilísticos, embo-
ra façam parte de contextos sociais bastantes diversos.
O teatro de Sogo Bo do Mali inclui o uso de marionetes
dos mais variados tipos. Essa é uma tradição também
comungada entre outros povos do Mali, Burkina Faso e Costa do Marfim, entre eles os bobô, bozô,
somonô e bamana.

Ainda que a função principal seja recreativa, uma série de elementos congregadores é evocada
na medida em que as apresentações são calcadas em histórias e lendas, muitas delas com impor-
tante fundo moral. As principais regiões em que se faz uso de marionetes são Kolikoro, Segu e Mopti.
No festival anual de pesca de Markala do Mali, por exemplo, ocorre uma série de festividades em que
marionetes e máscaras articuladas dançam para a diversão do público durante todo o dia, varando a
noite. O geógrafo lbn Batuta, que visitou o Mali em 1355, identificou o uso de máscaras, registrando
que aos poetas (semelhantes aos "bobos da corte" medievais) vestidos com máscaras de pássaro ou
de animais era permitido transmitir a sua opinião aos monarcas livremente. Essa cultura admirou o
viajante lbn Batutta, que informou na época que a prática já era muito antiga e anterior à introdução
do islã naqueles territórios (SHAW, 1905, p. 137). Bonecas de fertilidade semelhantes também são
comuns em diferentes grupos africanos ocidentais.

Entre os dogon, por exemplo, que vivem no sudeste do Mali, quase na fronteira com Burkina
Faso, a Maaniw, numa tradução literal, significa "pequena pessoa" (ARNOLDI, 1995, p. 68) e represen-
ta espíritos. As bonecas Maaniw dos dogon possuem função dupla: ao mesmo tempo em que são
utilizadas como intermediárias entre a mãe e a fertilidade, são também brinquedos e incluídas em
performances em dias de festivais. Com relação à marionete bamana, segundo Colley & Arnoldi, "o
fantoche Merekun representa uma personagem feminina ou masculina. [ .. .] 'Mere' vem do nome de
uma figura feminina lendária, e 'kun' significa 'cabeça"' (COLLEY & ARNOLDI, 2001, p. 89). Na verdade,
há uma grande variação desse tipo de marionete, embora o de tipo "janus", isto é, de duas ou mais
cabeças, seja o mais comum. Uma das temáticas sugeridas pela figura de duas cabeças revela o con-
flito polígamo entre coesposas; "Barabara" seria a esposa ideal, e "Galomuso" a esposa de más ações,
desprezada ou má amada (DURÁN, 2017, p. 170). A representação retilínea da face, associada ao uso
de folhas de latão para decoração da madeira, é um expediente estilístico comum aos povos do Mali,
como os dogon, marka, bamana, entre outros.

73
Referências

ARNOLDI, Mary Jo. Playing with time: art and performance in Central Mali. Bloomington: Indiana Univer-
sity Press, 1995. p. 68.

BARRY, Harouna. Les Charmes Discrets de Bamako. Bamako: Association Développement et Culture/
Maaya Lili, 2003.w

COLLEY, Jean-Paul & ARNOLDI, Mary Jo et al. Bamana: the art of existence in Mali. New York: Museu
Rietberg; Museum for African Art, 2001. p. 89-90.

DURAN, Lucy. 'An lera cela' (We Share a Husband): song as social comment on polygamy in Southern
Mali. Mande Studies (Bloomington, lnd.}, v. 19, p. 169-202, 2017.

OLSON, James Stuart. The Peoples ofA/rica: an ethnohistorical dictionary. Westport; Connecticut; Lon-
don: Greenwood Press, 1996. p. 634.

SHAW, Flora Louise. A Tropical Dependency. an outline of the ancient history of the Western Soudan with
an account of the modem settlement of Northern Nigeria. London: James Nisbet & Co. Limited, 1905. Disponí-
vel em: < https://archive.org/details/tropicaldependenOOluga>. Acessado em: 22 out. 2018.

https://www.youtube.com/watch ?v= 2kU kyEOAOYU

74
Marionete representando um etnólogo europeu
(ARNOLDI, Mary Jo., 1995, p.77)

75
A-tchol/Elek
Os baga - ou os povos do "litoral" (bae raka) (MOUSER,
SENEGAL
2002, p. 337) -vivem ao longo da Costa da Guiné-Conacri e da
MAU península Comayenne até a foz do Rio Nui'íez.

A sociedade Simo, que integra os homens baga, é res-


- GUIN~
º Bissau _
ponsável por cerimônias realizadas após a colheita e a debulha

• 0
conakri f
GUINE
dos grãos, além de ter como função organizar os funerais dos
membros. Segundo Goldwater (1969, p. 428), a sociedade Simo
é uma "organização para a promoção do culto africano ubíquo
Freetownta SERRA LEOA

do princípio de crescimento - fertilidade do homem, animais e


solo". Como se afirma no catálogo da coleção da Sociedade das
Missões Africanas (S. M. A.), "as figuras Elek combinam as carac-
terísticas de pássaros, crocodilos e o rosto humano. Sua principal função seria a de proteger a comunidade
contra a feitiçaria. Eles fazem isso agindo como instrumentos para a condução do poder dos espíritos dos
antepassados falecidos, que cuidariam do bem-estar de seus descendentes vivos. A figura é revelada durante
os ritos de iniciação e nas cerimônias fúnebres dos membros da associação Simo, bem como nas cerimônias
que marcam o início da época de colheita. Em tais momentos são dançadas, [retirando-se o encaixe e] carre-
gando-o no topo da cabeça de um dos membros" (S. M. A. FATHERS, 1980, p. 9). O alongamento da face em
forma de bico de pássaro que dá graciosidade para a peça também estiliza o aspecto visivelmente naturalista
da figura de altar. O equilíbrio entre abstração e figuração é um dos pontos altos da estilística baga. Segundo
William Fagg, que segue a descrição de Hercules Read: "a escultura propriamente dita é facilmente confundida
à primeira vista por uma representação estilizada de um pássaro. Para citar a descrição original (que está na
caligrafia do falecido Sir Hercules Read), ela representa uma cabeça humana, na qual as características são
reduzidas a um nariz e a uma testa; o topo representa uma tampa elaborada, com quatro nervuras e quatro
conjuntos de aberturas em forma de losango, sendo o interior oco" (FAGG, 1947, p. 145).

Referências

FAGG, William. Two woodcarvings from the Baga of French Guinea. Man, v. 47, p. 105-106, Aug. 1947.

GOLDWATER, Robert. Art of Oceania, Africa, and the Americas from the Museum of Primitive Art. New
York: The Curwen Press UK; The Metropolitan Museum of Art, 1969. p. 428.

MOUSER, Bruce L. Who and where were the Baga? European perceptions from 1793 to 1821. Cambrid-
ge University Press. History in Africa, v. 29, p. 337-364, 2002.

OLSON, James Stuart. The Peoples ofAfrica: an ethnohistorical dictionary. Westport; Connecticut; Lon-
don: Greenwood Press, 1996.

S. M. A. FATHERS. African Sculpture from the Collection of the Society of African Mission. New Jersey: S.
M. A. Fathers, 1980.

WASTIAU, Boris. Medusa: the African sculpture of enchantment. Milano: Five Continents Editions, Milano;
Harry N. Abrams, 2008. p. 216-218.

77
Nimbo
DoMar
cr
SENEGAL
Essa máscara gigante, com incisões de pinos de
MAU
latão, é utilizada como propiciadora de fertilidade das
mulheres e da terra. Segundo Bargna (2011, p. 18) "o
seio achatado lembra a amamentação, enquanto o nariz
GUINE
adunco recorda o bico de um pássaro e a forma das enxa-
das usadas nos campos". Um exemplar da galeria de arte
F ree 1ow1~ SERRA LEOA
da Universidade de Yale mede 1m32,8 cm. "Em Monchon,
de acordo com as anotações de Labouret, a máscara era
claramente chamada de 'nimba' e era essencialmente
usada para oferecer proteção a mulheres grávidas e para
curar aquelas que eram estéreis. Odesfile de máscaras 'nimba' não era dançado até o final da estação chuvosa,
momento em que a máscara presidia a colheita do arroz. Ocasionalmente, as máscaras Nimbo poderiam sair
em homenagem a eventuais visitantes da aldeia. A máscara era usada na cabeça de um dançarino escondido
sob o traje de ráfia, em torno do qual um grupo de vinte a trinta pessoas dançava em círculo, alguns tocavam
tambores cilíndricos de duas cabeças chamados sengbe" (CURTIS & SARRO, 1997, p. 129).

Referências

BARGNA, Ivan. Arte do África Negro. Florence: Scala Group, 2011. p. 18.

CURTIS, Marie Yvone & SARRO, Ramon. The "Nimbo" heoddress: art, ritual, and history of the Baga and
Nalu peoples of Guinea. Art lnstitute of Chicago Museum Studies, v. 23, n. 2, African Art at The Art lnstitute of
Chicago, p. 120-133 e 196-197, 1997.

LAMP, Frederick. Art of the Bago: A Drama of Cultural Reinvention.New York Museum for African ARt and
Prestel Verlag. 1996. p.1 56

79
Máscara Nimbo

Cultura: baga
Guiné
Madeira pintada
Dimensões:
(1 m 59 cm H X 40 cm L)
Afr.000.082
80
Mc1scorado Nimbo
Boffa - Guiné
(LAMP, Frederick, 1996. p.156)

81
Bansonyi

Os baga vivem próximos à região costeira da Guiné. O ter-


mo "a-Mantsho-na-Tshol" significa "senhor da medicina" ou "mes-
SENEGAl
tre medicinal. No entanto, os especialistas não têm uma visão
MALI

- GIJINf-RISSAlJ
º BIH au
unívoca da função concreta desse tipo de escultura em formato
de serpente. Segundo Berenice Geoffroy-Schneiter (2000, p. 102),
"a figura Baga de serpente encontrada na Guiné, com um corpo
• GUINE
sinuoso que pode conter muitos centímetros de comprimento, se-
ria utilizada como uma caçadora de criminosos e feiticeiros. Essa
Free tOWI~ SERRA LEOA
'mestra medicinal' seria também invocada contra a esterilidade e
contra a seca". Já Robert Goldwater, falando sobre a escultura baga
em geral e também sobre essas serpentes, indica que: "sua monu-
mental escultura, incluindo figuras, tambores e instrumentos rituais é mais bem ilustrada por suas máscaras
de ombro nimba e serpentes policromada sinuosamente eretas. Centram-se em torno da associação Simo dos
baga, uma organização para a promoção do cultuado princípio africano onipresente de aumento da fertilidade
do homem, dos animais e do solo" (GOLDWATER, 1969, p. 428). Manica Blackmun Visonà, por sua vez, diz que
o termo "bansonyi" é estrangeiro aos baga e foi tomado de seus vizinhos. Diz ainda que a figura da serpente
é normalmente exibida como uma escultura estática na posição vertical, mas que na realidade ela seria uma
máscara (headdress) que representaria o espírito medicinal A-/vlantsho-na-Tshol. A peça seria sustentada nos
ombros de um dançarino, escondida sob uma cobertura de ráfia. A máscara pode aparecer em ritos iniciáticos,
funerais e associada à reconciliação entre o mundo aquático e o mundo selvagem, mas também pode se refe-
rir ao Leste e Oeste, bem como a partes distintas da aldeia (VISONÀ, 2003, p. 177).

Referências

GEOFFROY-SCHNEITER, Berenice. Tribal art. New York: Harry N. Abrams, 2000. p. 102.

GOLDWATER, Robert. Art of Oceania, Africa, and the Americas from the /vluseum of Primitive Art. New
York: The Metropolitan Museum of Art, 1969. p. 428.

LaGAMMA, Alisa. Genesis: ideas of origin in African sculpture. New York: The Metropolitan Museum of
Art; Yale University Press, 2002. p. 58.

LAMPP, Frederick. Art of the Baga: a drama of cultural invention. New York: Museum for African Art,
1996.

SIEBER, Roy & WALKER, Roselyn Adele. African art in the Cycle of Life. Washington, D.C.: Smithsonian
Books, 1987. p. 53.

ROBBINS, Warren M. & NOOTER, Nancy 1. African art in American collections. Washington, D.C.: Smithso-
nian lnstitution Press, 1989. p. 143.

VISONÀ, Manica Blackmun. A History ofArt in Africa. NJ: Pearson; Prentice Hall, 2003. p. 177.

83
Capítulo li -Artes do fazer: a elaboração artística africana

Há muitas dúzias de coleções de arte africana [na Europa e nos EUA] [... ], considerando o fato de que um certo número
de lotesfaram perdidos em trânsito, entre 70.000 e, talvez, tanto quanto 100.000 objetos devem ter sido removidos [apenas do
Congo] antes da primeira grande guerra mundial.
(SCHILDKROUT & KEIM, 1998, p. 23)

O mundo feito à máquina não compreende os bordos irregulares do barro. Não gosta dos vidrados escorridos desigual-
mente, não aprecia a boniteza torta das canecas, das jarrinhas sem equilíbrio total.
(MEIRELLES, Cecília. As Artes Plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1968. p. 53-54)

o passado bem recente, a arte africana era: a) reduzida apenas à religião 22; b) tratada como

N fetiche, ídolo ou entendida como expressão do animismo (LEYTEN, 2015); ou c) identificada


como "arte" apenas por causa de seu papel no surgimento do Cubismo. Desfeitos todos esses
equívocos generalizantes para esta arte, restou aos africanistas contemporâneos que lidam com arte africana
explicitar o grande campo de signos que envolve as práticas escultóricas, musicais, coreográficas e pictóricas
africanas tradicionais como um todo mais completo. Bem como reforçar que raramente podemos compreen-
der isoladamente uma dessas práticas sem tomar as outras como interdependentes - estas seriam as "artes
do fazer" dentro da elaboração plástica e as orientações seguidas pela cosmovisão africana.

A descontextualização da obra de arte africana em museus ocidentais, com sua necessidade de sepa-
rar o sujeito fruidor e o objeto contemplado, excluiu a compreensão da interdependência do grande conjun-
to multimídia - ou de certa "arte total" - que comporia, necessariamente, importante parte dos inúmeros
significados da arte africana. Embora haja de se julgar necessária a descontextualização das manifestações
plásticas da África em museus, é certo que o termo "fruição" - ou "festa"23 - está muito mais ligado à arte
africana do que o termo "contemplação". Se a arte que partiu do Renascentismo viu na contemplação do
objeto seu ponto máximo da analítica ocidental, isso não tem nada a ver com produção africana. Parte sig-
nificativa das artes plásticas africanas em seu contexto original segue com música, coreografia, performance
e pinturas corporais, incluindo, entre outros elementos revolucionários, a própria figura do mascarado, do
ancestral, espírito ou divindade representada, a "arte em movimento" e o "ícone e o ato", como diz Thomp-
son (1974). A cultura material africana, outrora instrumentalizada pelos projetos de dominação estrangeira
na África, acumulada em coleções e em museus do Ocidente, passou a ter outros significados que não tinha
em seu contexto original. Descontextualizados, esses objetos conquistaram outro mundo, transformando-se
em outras coisas, inclusive comódite de duvidosa reputação e em "arte" com e sem aspas.
Não precisamos entrar nisso, mas seria até aceitável e justo que não chamássemos ingenuamente de
"arte", sem ressalvas, aqueles objetos que não fazem parte do circuito das Belas Artes, herdeiros dos câno-

22. Essa redução podia ser de dois tipos principais: 1) redução estrita à religião, ou seja, uma "determinação" de toda arte africana à
religião (MVENG, 1974); 2) redução larga, ou seja, vista não como uma determinação total, mas parcial, como pensava Carl Eistein
(1915): "Die Kunst des negers ist vor allem religiõs bestimmt. ("a arte do negro é determinada principalmente pela religião"), ou
essa arte tinha a religião apenas como uma "influência" ou "inspiração", como pensava Apollinaire (1917, p. 3), para quem a arte
africana é inspirada pela ''paixão ou sentimento religioso".

23. Tomamos o termo "festa" aqui num sentido que comunga no ocidente com o teatro único, irrepetitivo artaudiano (o teatro vivo
e cruel do "aqui e agora'') ou pelo menos num sentido semelhante à "festa" tal como foi descrita por Starobinski (1991, p. 102-107)
com pensamento em Rousseau: jogo idílico simbólico e improvisado do retorno teatral, isto é, inventivo ao primal.
84
nes acadêmicos e modernistas europeus. No entanto, essa mesma história da arte europeia quis também
buscar nas formas não canônicas - que encontrara na expressão artística de povos africanos e da Oceania
- respostas para suas inquietações formais e para a crise de representação à qual a arte acadêmica estava
integralmente fadada desde pelo menos as reformulações de Cézanne. Esse mesmo movimento que trouxe
a arte africana para o Ocidente- enquanto "descoberta da máscara" e "superfície da forma" -também levou
as interpretações da academia revigorada pelas ideias modernas para os objetos africanos artificialmente
incorporados aos museus artísticos pela boa fé e empolgação de Vladimir Matvei"-Markov, Carl Einstein, Paul
Guillaume, Guillaume Apollinaire ... Talvez não seja absolutamente à toa que herdeiros de duas grandes filo-
sofias artístico-políticas - um anarquista e um surrealista - tenham direcionado boa parte desse grande mo-
vimento de descobertas revolucionárias. É por isso que, para "quebrar o gelo", sempre dizemos, brincando,
que o Cubismo teria sido inventado por Picasso de qualquer maneira em dez ou mais anos "a despeito" da
arte africana. O que essa "arte" teria feito pelo artista seria "apenas" antecipar a resolução da inquietude
formal que ele já tinha quando se deparou impressionado com tais objetos pela primeira vez.

Dito isso, a obra de arte africana não deveria ser associada à contemplação mais do que à "festa" de
seu contexto. A música, a dança, o adorno, a pintura corporal, a assemblagem de materiais naturais inorgâ-
nicos e orgânicos - muitas vezes não incorporados à musealização devido ao rápido perecimento -, são a
verdadeira materialidade dessas manifestações, por assim dizer, "plásticas" da arte africana. Geralmente o
que resta aos museus são os materiais de perecimento mais lento, como os ossos, as madeiras e os metais,
bem como tudo o que pode ser revertido na apropriação e entendimento mercadológicos e culturais. Essa
obra mais abrangente, de qualquer modo, está inserida naquilo que Mauss (1999, p. 274) chamava de "fato
social global", isto é, aquele que inclui todas as suas dimensões dentro do social. Mas onde estará o restante?
Talvez perdido num imaginário do que seriam realmente as artes do fazer africanas?

A perda é significativa. Pode-se falar de uma perda de forma e de conteúdo, mesmo numa análise
ainda restrita às questões artísticas e materiais dos objetos. Forma enquanto explicitação desse ser-aí do
objeto; conteúdo enquanto elementos agregados ao conjunto multimídia sem o qual essa "arte" não é. As
fibras, os materiais orgânicos e inorgânicos incorporados às obras a partir de libações ou adornos, e prin-
cipalmente o festival multidimensional que envolve o mistério da cultura material e imaterial dessa arte,
acabam por serem excluídos da noção de arte africana no Ocidente, porque são poucos os museus que têm
interesse e condições para fazer a manutenção e a salvaguarda desses importantes aspectos de superfície
desde há muito negligenciados24• É por isso também que falar acríticamente de "arte africana", como se o
termo se justificasse por si só, é insuficiente para considerar o seu alcance e o fato de que fora submetido a
classificações e boas e más interpretações, em geral, a despeito das divergências locais, concebidas a partir
da síntese entre o que relataram informantes africanos, a observação de campo e a intuição de esteta, nem
sempre afeitas às possibilidades que vão além das normas e do conjunto de critérios de análise impostos de
fora. Além disso, dizer que aqueles objetos, retirados de seu contexto original, mantêm nos museus a mesma
dignidade implica não entender que a história da chamada arte africana é a história de muitas interpretações
irreconciliáveis, muitas vezes também inextrincáveis e inatingíveis. O espaço do mistério, do segredo, do si-

24. O precioso livro "Surfaces" (KAHAN; PAGE & IMPERATO, 2009, p. 483), ainda que vibrante e monumental, apresenta
apenas uma pálida sombra dos elementos de superfície existentes nos objetos africanos e que, em geral, passa ao largo do nível de
profundidade das experiências com esses objetos em museus. Outro exemplo conhecido é a estatueta nkisi dos sangue da coleção do
Museu de Arte de Indianápolis. Ap6s ser submetida à radiografia, revelou características internas da figura, antes conhecidas apenas
por iniciados sangue. Além de indicar a presença de bolsões com substâncias sagradas implatadas no corpo da estatueta, longe da
superficie, a radiografia revelou canais internos conectados entre si (HERSAK, 201 O), entre inúmeros outros mistérios sondáveis
ou inexploráveis.
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lêncio e da incompreensão foi pouco respeitado na historiografia racionalista das artes africanas.

Arte africana em museus existe, por conseguinte, para dirimir nossa curiosidade em relação à for-
ma e ao conteúdo plástico da arte que foi produzida pelos africanos ao longo de sua história. Isso significa
que o recorte precisa ser conservadoramente mantido de acordo com os cânones impostos pelos modelos
vigentes? Queremos acreditar que não. Quando falamos da cultura material produzida pelos africanos em
sua história - e por "história" tratamos dos registros de ontem, dos fatos de hoje e das consequências suas
interpretações nos trazem para o amanhã -, nos referimos a objetos que num certo limite independem de
sua sobredeterminação externa. Mas como ajuizar sobre o passado se esse foi contado, em sua maior parte
e até meados do século XX, para justificar a violência, para desviar os olhos dela ou para negar sua inextrin-
cável complexidade? Qual distância nos separa dos antigos gabinetes de curiosidade, dos zoos humanos, das
tentativas de reconstruções curatoriais do "habitat primitivo", mesmo no século XXI, em exposições ainda
herdeiras das chamadas 1'universais", da insistência nas classificações, linhas do tempo e todo um aparato e
insumo positivistas? Chegaremos ao ponto de reconhecer que a maior parte das nossas afirmações e cura-
dorias sobre essa arte é fundamentalmente insuficiente?

Dito de outra maneira, será possível a construção de outros recortes para as "artes africanas"? Alguns
que deem, por exemplo, suporte à "arte popular africana contemporânea" e valorizem os seus mais bem
preparados artistas? Artistas que, com a ajuda de seus próprios talentos, distinguam elaborações individuais
- com ou sem base na arte tradicional - das meras reproduções fáceis de sauvenirs turísticos?

Só o futuro da arte africana poderá oferecer resposta a essas perguntas. Enquanto isso, as análises
formais e estilísticas estão praticamente restritas às elaborações técnicas da chamada "arte tradicional". A
mesma que, embora tenha sido chamada "arte" apenas retrospectiva mente, sobretudo por causa de Picasso
e pelo depoimento de intelectuais e artistas modernistas, sofre exigência de uma montanha de mistérios de
conteúdo mais ou menos indiscernível. Mistérios que, infelizmente, auxiliaram no obscurantismo que tendeu
a enviesar o olhar para esta arte e que sempre evocaram, ademais, o seu lado "selvagem", "primitivo" e, no
limite, "especial".

Tendo a nossa curiosidade dirimida em relação às artes africanas, mesmo descontextualizadas em


museus ou interpretadas em seu aspecto etnológico ou artístico, isso não tem nada a ver com as obras mes-
mas, suas qualidades intrínsecas, seus usos e suas funções explorados e inexplorados. Estamos apartados,
talvez irreversivelmente, desse imenso mistério que elas representam. As categorizações e classificações
que pudemos originalmente impingir também não representam seus objetos, apenas nos ajudam a afagar
autoenganos.

Se há, por outro lado, um campo em que as artes do fazer africanas obtiveram enorme e querido
sucesso foi na educação em artes. Em torno da década de 1990, finalmente a sociologia e antropologia da
arte já tinham se desconjurado de seus conceitos hierarquizantes que opunham a herança do Renascentismo
e as outras manifestações artísticas, exaltando uma como ciência universal do mundo e relegando a outra à
curiosidade ultrapassada. Nos anos 1960, depois da incorporação do pensamento modernista às universi-
dades e a posterior inclusão do pensamento artístico humano não em detrimento ao acadêmico, mas numa
inserção ainda mais ampla ao pensamento artístico mundial, os professores de arte e os curadores de mu-
seus se uniram em torno da percepção das antigas formas que antes não integravam quaisquer metodologias
educacionais.

Foi por isso que, nos estudos de arte africana, para o bem ou para o mal se convencionou tratar a sua
86
análise por meio de dois parâmetros igualmente sugestivos, embora sempre incompletos: a) análise formal;
e b) análise cultural 25 • De antemão, devemos dizer que não são parâmetros excludentes entre si. Embora na
história da arte africana também se convencionou dizer que, enquanto os etnógrafos se interessavam cultu-
ralmente por esses objetos - e, por assim dizer, estabeleciam uma "abordagem substancialista", isto é, com
interesse mítico-religioso ou com percepção descritiva e preocupação em relação a significados etnológicos,
conteúdos inexplícitos etc. -, os intelectuais e artistas modernistas, por sua vez, desenvolveram uma "abor-
dagem formalista", na qual a análise do contexto em que as obras foram produzidas, as visões de mundo
(cosmovisão) dos povos e dos artistas que a realizaram, suas características etnológicas, antropológicas e
históricas eram deixadas de lado em nome da exterioridade das formas e dos aspectos não substanciais.
Não nos atreveríamos seguir uma fórmula nem outra, tampouco exagerar no ecletismo ou criar uma nova
abordagem que compensasse as fraquezas mútuas, pois sabemos como os mistérios são pouco racionais ou
teoricamente contornáveis.

Pode-se dizer, portanto, que a temática genérica da "arte africana" escapa à conceituação pura. Um
caminho amplamente seguido, que mescla a abordagem formal e a substantivista, tem pelo menos con-
quistado adeptos no campo educacional em arte, promovido exposições e vendido livros didáticos. A bem
de toda verdade, atualmente é o que resta para podermos ao menos nos aproximar desse enorme mistério
sem necessariamente alimentar a ilusão de vencê-lo por completo. Esse caminho tem o grande mérito de
demonstrar aos "marinheiros de primeira viagem" a que veio a arte africana ao adentrar institutos de pes-
quisa, museus e universidades. Além de confundir a cabeça de nós todos ao se apresentar como um enorme
desafio a ser experimentado - e não a ser vencido, o que provavelmente virá a ser impossível dada a gravi-
dade histórica do problema.

Na contraposição entre a análise de superfície (formalista) e daquilo que está na profundidade (subs-
tancialista), embora ainda não vejamos "arte africana", podemos encontrar um campo de estudo assim de-
nominado. A primeira análise diz respeito à leitura espontânea daquilo que a obra traz de elementos visuais
diretos a serem explorados num discurso artístico, sobretudo aproveitando o repertório observacional ad-
quirido com esculturas e elementos pictográficos da tradição europeia, cruzando ou não percepções esté-
ticas retiradas da etnografia 26• A segunda análise se volta àquilo que não é totalmente visto na forma da
obra; a busca por significados ocultos, conhecimento etnográfico e mesmo conteúdos estilísticos próprios
de determinados grupos culturais. Criticamente cientes de que esse campo está em aberto e que poderá ser
sempre alargado e absorvido no espectro geral dessa contraposição, reconhecemos nessas "artes africanas"
um número razoável de discussões de âmbito artístico, cultural e humano, a ponto de evitar ao máximo a

25. Na perspectiva educacional, talvez esses parâmetros sejam apenas wn ponto de partida. É compreensível que, para Rowland
Abiodun, Ekpo Eyo e outros intelectuais africanos pós-colonialistas, essa metodologia dicotômica de análise da arte africana seja
insuficiente. Pois os campos da arte e da vida possuem muito mais recursos que os tratados apenas por essa via de duas pistas. Ele-
mentos interiorizados como a "alma'', a "agência'', o "axé", o "caráter" etc. são noções estéticas que tangenciam conceitos morais
e filosóficos de tamanha configuração que abrem espaços para sobredeterminações filológicas e de tradições orais imprescindíveis
para uma melhor percepção do objeto contextualizado (cf. ABIODUN, 2001, p. 15-23 e EYO, 2008).

26. Desenvolvidas em tomo do discutível termo "etno-estética" reflexões sobre a percepção artística africana desde o juízo do belo,
conceito de forma e de fenômenos emotivos, os costumes em tomo da proporção, frontalidade, ritmo, plano, volume, composição,
harmonia... , as normas éticas e juízos morais implicados na forma plástica entre outros temas foram muito bem explicitados por
autores como: (ABIODUN; DREWAL& PEMBERTON m, 1991); (BASTIN, 1984); (HIMELHEBER, 1960); (KERCHACHE &
STÉPHAN, 2008); (KJERSMEIER, 1967); (LEIRIS & DELANGE, 1967); (LEIRIS, 1967); (MEMEL-FOTÉ, 1967); (OBENGA,
1984); (MAQUET, 1971); (MUDIMBE, 1988); (THOMPSON, 1971; 1974) ; (VOGEL, 1986). Além desses autores, Roger Somé
(1988), em seu magistral livro "AArteAfricana e a Estética Ocidental" promoveu wn dos principais movimentos para tirar a estética
africana da marginalidade e do paternalismo estético eurocêntrico, tomando a arte da África como um patrimônio cultural universal,
tomando este um "livro de cabeceira" para os estudos estéticos africanistas.
87
criação de regramento estrito, teorias universal ou transculturalmente válidas, abandonando em definitivo
o cartesianismo ou o sprit de geometrie do qual falava Pascal (1984, p. 37). Deve-se abandonar ainda, obser-
vações teóricas redutoras, como se oceanos vivos coubessem em copos d'água acadêmicos ... Embora talvez
nunca seja possível entendê-las completamente, pois as artes africanas talvez estejam "irremediavelmente
escondidas" como o Deus de Pascal, ainda assim será necessário pensá-las em sua experiência museológica
e educativa, como O pensou Pascal em sua Apologética.

Certos Estudos de arte africana e alguns percalços de sua história

Um grande desafio para a superação da dicotomia entre a visão formalista (demasiadamente esteti-
cista} e a substantivista (demasiadamente etnografista) foi a determinação de uma metodologia de análise
que incluísse estudos de iconografia como uma das bases para os estudos de arte africana. Algo assim foi
proposto por Suzanne Blier (1988, p. 75) como iconologology ("iconologologia"), um neologismo cacofônico
e filologicamente mal construído que significaria simplesmente "estudo da iconologia" - de icon = ícone;
logos= discurso; /agia= estudo. A despeito desse termo um pouco incompleto, a iniciativa metodológica es-
tritamente educativa e não hermenêutica parece atraente. Já que uma verdadeira "história da arte africana",
quando puder ser feita, jamais será escrita sem o aprofundamento dos estudos de iconologia e o apareci-
mento de distintas propostas de classificação formais que levem em conta a temporalidade e as mudanças
formais e culturais da difusão dessas obras no espaço-tempo africano e sua historiografia, tarefas que o for-
malismo e o substantivismo estritos não puderam concluir. Segundo Blier (1988) no ensaio "Palavras sobre
palavras sobre ícones: iconologologia e o estudo da arte africana", embora esses estudos estejam ainda 11em
sua infância" eles poderiam se aproveitar do método iconográfico para construir ao mesmo tempo um índice
classificatório e a análise dos significados dessa arte:

a superfície versus significado oculto na arte, no entanto, representa apenas uma faceta da
questão maior da aplicabilidade para outras áreas da análise histórico-artística de métodos
iconográficos e iconológicos desenvolvidos originalmente no contexto da arte italiana. Este
ensaio concentra-se em quatro questões relacionadas levantadas com respeito a este méto-
do nos estudos histórico-artísticos africanos: 1) o problema da identificação da "forma pura"
e a questão de sua primazia na documentação; 2} o papel do contexto na transmissão do
significado; 3) a natureza da arte na África e as fontes de seu significado; e 4} a hierarquia
de questão de significado. Obras de arte africana, sugere-se aqui, colocam problemas únicos
no que diz respeito à classificação do assunto e análise de significado e levantam questões
novas e importantes com potenciais ramificações para o campo mais amplo da história da
arte. Embora os estudos iconológicos tenham estado conosco há muito tempo, o estudo da
iconologia como método e foco de análise {ou o que chamei de "iconologologian) ainda é
muito incipiente (BLIER, 1988, p. 75).

De fato, a arte africana se apresenta icônica, conceituai. Seus signos e mistérios sondáveis e insondá-
veis residem não só na convenção social e na sua forma, mas também na força que se quer depositar nesses
objetos. Poderíamos dizer que a arte africana se identifica com o grande jogo de "mostrar" e "esconder",
semelhante aos conceitos de "esconder" e "revelar" trazidos pela africanista Mary Hooter (1993). Com a
ressalva de que, nesse jogo, o "mostrar" já é dado, explícito, por isso não haveria a necessidade de utilizar
o termo "revelado" - ele seria a superfície dos signos identificados dentro dos "grupos de saber" que foram

88
historicamente chamados de "etnias", enquanto que o "esconder" "envolveria tanto a mística, o mundo so-
brenatural, as forças motrizes do mundo divino e ancestral quanto a necessidade de manutenção do poder
através do segredo, a ser parcialmente revelado apenas a alguns escolhidos e iniciados - as complexidades
da representação (àwàrán, dos iorubanos)" (LAWAL, 2001, p. 498).

Anne-Marie Bouttiaux retomou essa questão no artigo 11 Persona: máscaras da África - identidades
escondidas e reveladas", escrito para a exposição de mesmo nome realizada entre abril de 2009 e janeiro de
2010 no Museu Real para a África Central, em Tervuren, Bélgica, e publicado na revista African Arts. A autora
ainda acrescenta o problema da identidade revelada e escondida do mascarado africano.

Durante o período em que os novatos passam por testes de iniciação, eles ainda não são
considerados adultos, mas já deixaram a infância. Eles estão entre dois mundos, muitas vezes
suportando dificuldades reais, a fim de merecer o direito de retornar à vila completamente
transformados em pessoas maduras. [... ] Eles compartilham um mistério que os une para
sempre. O princípio do "segredo" é de fato mais importante do que o que está oculto (BOU-
TTIAUX, 2009, p. 67).

Também os aspectos filosóficos e conceituais distinguidos na forma icônica criam constelações iden-
tificáveis no contexto social e com base na literatura oral. Num importante artigo sobre como o órgão da
"visão" e da "transcendência" são representados na arte africana, a africanista Mary Nooter Roberts opõe o
"olhar interno" (innereye) ao "olhar saliente" (projecting eye) que aparece em algumas máscaras ritualísticas
(ROBERTS, 2017, p. 60-61). O "olhar interno" chama atenção a indivíduos africanos, tais como governantes,
mães e curandeiros, bem como seres espirituais que exibem alto grau de consciência. Eles seriam represen-
tados por vezes em máscaras com olhos muito pequenos, como as Ngi ("ngui" ou "ngif') dosfang do Gabão.
O "olhar saliente", por sua vez, pode ter um poder penetrante e oferecer proteção; e a multiplicidade de
olhos pode estender o alcance da visão para além da percepção humana comum. Isso seria representado
por vezes em máscaras com olhos projetados ou muito grandes, como as máscaras do povo grebo e kru da
Libéria. Mas são muitos os códigos, além da representação da visão e dos olhos, que permitem esse paralelo
entre filosofia e plástica, ou entre conceito e formas artísticas.

A visualidade frequentemente tem múltiplos níveis de articulação filosófica, então dirigidos


de dentro para fora ou de fora para dentro; na maioria dos casos, esse tipo de distinção é bor-
rada (blurred) e multidimensional, refletida pelas formas espelhadas de uma máscara kwele
cujos olhos, sobrancelhas, cabeça e chifres compartilham os mesmos arcos em sua aparência
visual radiante e retrátil (ROBERTS, 2012, p. 61).

A cultura africana acabou, mesmo sem querer, a influenciar a arte modernista no início do século
XX. E esse aspecto de sua história contribuiu para que aparecessem modelos de classificação que incluíssem
aspectos estritamente estéticos e estilísticos nos estudos gerais de arte africana. A soma de informações et-
nográficas do passado, por sua vez, embora contribuísse na sistematização de dados de campo, apresentava
modelos de classificação recheados de critérios positivistas, racistas e eurocêntricos. As formulações sobre
arte africana que verdadeiramente se livrarem desse passado que projetou interesses europeus sobre o con-
tinente teriam de ser: a) descolonizadas, isto é, tomarem como dado a independência e autodeterminação
político-cultural dos povos da África; b) crítica e autocrítica em termos do estudo minucioso e da consciência

89
de sua insuficiência consituinte; e c) interdisciplinar, principalmente.

Algumas características mais holísticas e subdivisões mais pontuais nos estudos da arte do contintente
têm sido rascunhadas, encampando esse território compartilhado interdisciplinarmente pela antropologia,
pela etnografia e pela arte. Tido antes como marco teórico intocável ou como filosofia da arte africana, agora
nesse campo de trocas são desenvolvidas comunidades colaborativas de estudiosos em que se confrontam a
tradição oral, filosofia africana, etnomusicologia e outras áreas de saber.

A professora Ora. Marta Heloísa Leuba Salum, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade
de São Paulo, afirma: "a discussão apropriada das artes da África deve se fundar na tomada de fontes biblio-
-documentais de referência, [ ... ] [obras que seriam] indissociáveis da interdisciplinaridade entre história da
arte, arqueologia, museologia e antropologia" (SALUM, 2014, p. 13).

Essa reflexão é endossada de Rowland Abiodun, que a traz para o discurso pós-moderno:

de fato, uma abordagem interdisciplinar é essencial, já que a busca de uma definição cultu-
ralmente relevante da arte africana continua na era do discurso pós-modernista. a maioria
dos estudiosos agora reconhece que "arte africana" é mais do que uma coisa só. Ela é afetiva
- ela causa, ela transforma. Muitas coisas acontecem ali, não apenas o que se pode ver, ouvir
ou pensar de pronto. Itens e objetos comuns usados na vida quotidiana são transformados
em arte formal, emprestando-se a uma gama virtualmente ilimitada de interpretações e apli-
cações. (ABIODUN, 1999, p. VIII).

Em texto mais recente, o autor explicita de forma semelhante que o seu objetivo "é explorar novas
perspectivas holísticas para a crítica da interpretação da arte africana como exemplificada pela interrelação
das artes verbais e visuaisº (ABIODUN, 2014, p. S).

Esse caráter efetivo, causador e transformador da arte africana apontado por Abiodun exige alguns
pontos de apoio daqueles que a pesquisam, bem como dos artistas que a admiram e dos professores de arte
que vêem nela ótimos recursos pedagógicos para lidar com a experiência artística em geral. Tais pontos, em-
bora não sejam classificações fixas, podem auxiliar a entender quais são os campos de troca que as comuni-
dades colaborativas em arte africana trabalham. Refletindo, à vista disso, sobre o conteúdo geral das fontes
biblio-documentais relacionadas à didática, sinteticamente, do ponto de vista de sua finalidade prática ou
de seu beneficiário final, o estudo da arte africana pode ser subdividido em quatro grandes categorias não
necessariamente isoladas entre si:

a) O estudo da arte de corte (ou aristocrática), reservada aos reis, rainhas, príncipes, princesas, chefes
e concubinas, entre outras pessoas da aristocracia guerreira ou sacerdotal - a arte de corte é, essencialmen-
te, uma arte hierárquica (cf. BLIER, 1998 e CORNET, 1982};

b) O estudo da arte religiosa (ou cerimonial), embora de benefício final comum, em geral essa arte
está ligada mais fortemente aos grupos ritualísticos de poder religioso, tais como sacerdotes, anciãos, as-
sociações político-religiosas, uso de relíquias ou figuração de ancestrais, objetos de etnografia ligados às
práticas de curanderia ou de feitiçaria e contra feitiçaria, ritos agrários, de fertilidade, entre outros. De certo
modo, pejorativamente ou não, a arte cerimonial seria o núcleo mais encorpado do que o Ocidente conside-
rou "arte africana" (PASTORY, 1970). A arte religiosa é essencialmente "hierática, ritual ou de culto" (HACKET,
1996, p. 2);

90
c) O estudo da arte comemorativa (ou cívica), representativa de grandes heróis e personalidades his-
tóricas do passado, bem como a que fixa a memória oral, seja com placas e bustos comemorativos - um tipo
de "arte pública" ainda muito em voga -, seja com o uso de máscaras em datas celebradas coletivamente.
A arte comemorativa é essencialmente de homenagem, de consagração ou de comunicação visual (LAGAM-
MA, 2012, p. 127);

d) O estudo da arte do quotidiano (ou etnográfica), geralmente distinta e em termos estéticos oposta
à "arte de corte", embora esta também tenha, em seus elaborados utensílios, a qualidade quotidiana. Trata-
-se dos exemplares mais diretamente associados ao conceito etnográfico de objetos tradicionais e práticos
do dia a dia, utilizados por diversos grupos culturais do continente. A arte do quotidiano é essencialmente
uma arte da cultura material (CROWNOVER, 1978).

Louis Perrois (1972, p. 24), indo mais longe nas subdivisões didáticas da arte africana e estando a par
dos distintos tipos de classificação propostos desde Frobenius, Van Gennep, Basler, Karl Einstein, Von Sydow,
Hardy, Lavachery, Olbrechts, entre outros, diz que cada um deles, à sua época e em seu contexto de conheci-
mento, trouxe alguma contribuição para o conjunto de percepção da história das artes africanas. Mas, segun-
do Perrois, é inútil nos reportarmos a essas contribuições, já que as condições do nosso tempo são outras.

Um método morfológico e técnico que incluísse a antropologia e a história, e que partisse dos objetos
aos "centros de estilos" talvez pudesse, na visão de Perrois, trazer alguma contribuição do nosso tempo para
os objetos de arte africanos:

o objetivo do método, estudando correlações recíprocas entre as formas concretas e os da-


dos do imaginário social e religioso que os despertou, é melhor definir as características
"constantes" dos grandes "estilos" para contribuir para o seu agendamento no tempo e no
espaço e para permitir o acesso nos mundos complexos do pensamento africano, onde o
social, o religioso, o conhecimento e a estética se misturam (PERROIS, 1990, p. 73).

Podemos seguir destacando rigorosas e preciosas tentativas de fazer o estabelecimento e a "afirma-


ção do método", como fizera Rimbaud no seu poema Matinée d'lvresse ("Manhã de embriaguez"). Estamos,
contudo, longe de retomar os equívocos formalistas do passado, criando fundamentações para uma estética
e para uma história das artes africanas. Só o que podemos fazer de antemão aqui é abrir o nosso olhar da
maneira mais pura possível para aquelas formas cujo passado remoto também tem a ver com todos nós. É
a velha África, com sua sabedoria maternal, que nos conduzirá a ela como uma mãe que generosamente
abraça todos os seus filhos.

Na década de 1910, antes que a arte africana passasse a ser observada e discutida em termos esté-
ticos, alguns textos preliminares, ainda que mais ou menos apegados a ideologias eurocêntricas, deram um
pontapé inicial nesse sentido. "Artes africanae", do paleontólogo alemão Georg Schweinfurth, lançado em
Berlin em 1875, traz belas litografias. Mas avalia as obras africanas do ponto de vista das artes industriais,
e não como artes plásticas, fazendo referências artísticas esparsas. Por exemplo em relação a um banco da
África central, produzido a partir de um único bloco de madeira (cf. RAMOS, 1949 e SALUM, 1999). Outro
destaque desse livro está numa figura ancestral bongo do Gabão, bem descrita por Schweinfurth, que, de for-
ma original, distingue a representação desse ancestral - que ele chama de "Erinnerungsbilder'' ou "imagem
memorial" - das peças de fetiche da África Ocidental. Estas, segundo ele, "não têm nada em comum" com
aquela (SCHWEINFURTH, 1875, p. 31).
91
Leo Frobenius, quando escrevera em 1894 o seu Die Masken und Geheimbünde Afrikas {"As máscaras
e sociedades secretas da África"), publicado em 1899, inaugurou sem querer e com interessantes relatos de
primeira mão a balização artística africana a partir do olhar europeu. Em seus livros posteriores, especial-
mente em Die Stimme Afrikas {"A voz da África" - 1913), que conta a expedição realizada entre 1910 e 1912,
o encontramos com frequência a meio caminho entre o observador etnográfico e o esteta.

lsskustva Negrav ("Arte negra"), de Vladimir Matve·i-Markov, escrito em 1914 e publicado postuma-
mente em 1919, tem o grande mérito de inaugurar a visão de caráter estético modernista sobre a arte afri-
cana. Porém nesse seu explícito viés, a arte africana era apenas um instrumento da arte europeia. Ademais,
seu livro fora publicado em Russo, e por isso subutilizado na historiografia inicial da arte africana em outras
partes da Europa 21 • Apesar de toda luminosidade de um russo que se apoiara quase que integralmente em
sua intuição e nas novas inquietações modernistas, devemos questionar, seguindo a linha de autores como
Olfert Dapper: como é possível alguém nunca ter pisado no lugar e dizer tantas coisas interessantes e váli-
das? A explicação é metade da história da arte africana. Mas ela ainda haveria de descortinar muitas de suas
"outras metades" para se fazer minimamente compreensível no Ocidente.

Negerplastik ("Escultura negra"), de Carl Einstein, publicado em 1915, é uma peça de literatura vi-
brante e enaltecedora do que somente depois seria regra. Aliás, supomos que, se o Cubismo não tivesse ven-
cido a crítica de arte, o grande Carl Einstein teria o mesmo destino de outros esquecidos - como o também
anarquista britânico Herbert Read, que tinha o mesmo estilo e ímpeto, mas, à revelia da grande imaginação
de Einstein, pouco falou da África em seus escritos sobre o Modernismo e conquistou menor espaço na nossa
era globalista e politicamente correta.

O catálogo da exposição Sculptures Negres (Paris, 1917) ("Esculturas negras"), organizada por Guillau-
me Apollinaire e Paul Guillaume também foi inovador. Apollinaire, desde o primeiro até o último parágrafo
de seu texto de apresentação, demonstra consciência do caráter de novidade do tratamento desses objetos
africanos como arte. Logo no início o mestre surrealista diz que,

de uns anos para cá, artistas, amantes da arte pensaram que poderiam estar interessados
nos ídolos da África e da Oceania do ponto de vista puramente artístico, desconsiderando o
sobrenatural que foi atribuído a eles pelos artistas que os esculpiram e os crentes que paga-
ram tributo a eles. Mas nenhum aparato crítico ainda está à disposição dessa nova curiosi-
dade, e uma coleção de estátuas negras não pode ser apresentada da mesma maneira que
uma coleção de obras de arte, pinturas ou estátuas executadas na Europa, nos países da
civilização clássica da Ásia, Egito ou outras regiões romanas do norte da África (APOLLINAIRE,
1917, p.1}.

Apollinaire estava correto quanto à necessidade de criar um aparato crítico para avaliação desse
conjunto de obras ditas "não europeias" que já abarrotava museus etnológicos em Paris e em outras cidades
do velho continente. Com a posterior transformação do Musée d'ethnographie du Trocadéro em Musée de
eHomme, em 1937, não demoraria muito tempo para que coleções de estatuária negra fossem apresentadas
na Europa da mesma maneira de outras coleções não europeias já bem estabelecidas em termos do avanço
em seus estudos, tanto quanto em termos de sua disponibilidade e aceitação 28•

27. A tradução francesa de Jacqueline e Jean-Louis Paudrat, que se tomou clássica, apareceu no "Travaux: et Mémoires du Centre de
Recherches Historiques sur les Relations Artistiques entre les Cultures", Facsicule 1, Paris-Sobornne, 1976.

28. A década de 1930 viu nascer uma das mais importantes ondas de valorização das culturas negras e indígenas em nível mundial.
92
No último parágrafo de seu artigo Apollinaire conclui que

é com grande audácia que chegamos a considerar esses ídolos negros como verdadeiras
obras de arte. Essa audácia, afinal de contas, não excedeu seu objetivo se, como eu acredi-
tava, é uma questão de realizações estéticas para as quais seu anonimato não diminui seu
ardor, sua grandeza, sua verdadeira e simples beleza (APOLLINAIRE, 1917, p. 4).

Por sua vez, o amigo e vendedor das obras africanas Paul Guilhaume não ficou para trás em sua
análise. Logo no primeiro parágrafo e na primeira nota de seu texto foi se debruçando na horizontalidade
formal e cultural entre os objetos artístico-religiosos:

sem atribuir um significado definido ao termo fetiches, [ao] menos que qualquer objeto ma-
terial onde um espírito reside seja um fetiche; - neste caso, todas as religiões seriam fetichis-
tas - é usado para designar todas as curiosidades trazidas dos países negros da África, e o
fetichismo é chamado de culto que se liga a esses objetos (GUILLAUME, 1917, p. 5).

Uma série de outros livros seguiu a mesma linha: L'art negre et /'art océanien (Paris, 1919) ("A arte
negra e a arte da Oceania"), de Henry Clouzot, e African Negro Wood Sculpture, (Nova York, 1918) ("Escul-
turas em madeira da África negra"), de Mário de Zayas, por exemplo. Este último teve apenas vinte e dois
exemplares publicados e vale uma menção: pois é revelador de uma das primeiras recepções dessa arte na
América do Norte. Nele se encontram algumas "pérolas" da história da arte africana, por exemplo:

a comunhão do negro africano com seres fantásticos do sobrenatural foi a origem religiosa
da arte negra africana sem história, sem tradição e sem precedente, essa arte representa o
estado natural da mente, um extrato (strata} do intelecto do homem. O artista negro foi de
todo um revelador e um inovador. A escultura negra foi a pedra de toque (stepping stone)
para uma evolução fecunda na nossa arte. Ela nos trouxe uma forma nova de expressão e
uma nova expressão da forma; encontrando um ponto de apoio na nossa sensibilidade. A
principal determinação da arte negra é sensorial. O artista negro encontrou a fórmula para a
plasticidade da madeira. Supersensitivo às realidades da imaginação, sua visão revela-se na
estrutura de sua escultura-fetiche. [O fotógrafo] Sheeler usou a luz para projetar a visão do
negro. Ele fotografou esculturas negras em sua pluralidade de formas e efeitos (De ZAYAS,
1918, p.1}.

Na Europa, os museus etnográficos começaram timidamente o seu grande empenho em direção à descolonização ainda hoje em
marcha, culminando, por exemplo, na criação do Musée du Quai Branly (1995) e nas modificações estruturais dos antigos museus
de etnologia ainda calcados na dominação e na sobredetenninação categorial do "outro". A renovação do antigo Musée de L'Homme
(2009), bem como as mudanças provindas da criação do Humboldt Forum em Berlin (2009), além da renovação do Musée Royal de
1'Afrique Centrale (Tervuren) - ainda em curso, cuja proposta inicial foi lançada em 2003 e a reforma teve inicio em 2012 - foram
projetos governamentais de renovação e de adequação - politicamente corretas ou não - às circunstâncias históricas contemporâ-
neas. Também no Brasil, embora os museus etnológicos continuem como sempre estiveram - a reboque dos antigos modelos euro-
peus, mas quase generalizadamente sem pesquisa de acervo-, uma série de mudanças mais pragmáticas do que conceituais também
se estabelecera. Por exemplo, as reelaborações expositivas do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo,
do Museu de Ciências e do Museu de Zoologia para o possível futuro "Parque dos Museus'', entre outras instituições, culminando
nas reformas ainda em curso no Museu do Ipiranga. Com algum grau de certeza, podemos imaginar mudanças conceituais em todas
essas instituições, ao estilo daquelas que vêm ocorrendo na Europa nas três últimas décadas. Do ponto de vista dos museus de etno-
logia, vivemos atualmente outro momento crítico de "limpeza" linguística e de abordagem, semelhante à época em que a própria an-
tropologia dos anos 1960 tentou se desvencilhar de termos como ''primitivo", ''tribal", ''nativo", "indígena", "folclórico", "popular"
etc., no sentido de serem uma forma de "outro" do civilizado, social, citadino, erudito e assim por diante (GERBRANDS, 1957, p.
9-24). Se não for uma mera substituição terminológica para manutenção das mesmas abordagens, com novas fórmulas de ocultação
do eurocentrismo, ainda precisaremos de algumas décadas para saber o que tiraremos de positivo de todas essas mudanças.
93
Por fim, em "Boletim da vida artística" (1920), uma revista parisiense publicada por Bernheim-Jeune e
editada por Félix Fénéon, quase que de modo irônico se apresentava um conjunto de vinte peças africanas e
da Oceania acompanhado da intrigante manchete: "Inquérito sobre as artes longínquas: elas serão admitidas
no Louvre?" (FÉNÉON, 1920).

Na década de 20 ainda não haviam sido desfeitas as amarras que impediam os críticos de arte dis-
tinguir na cultura material dos povos "/ointain" o mesmo apelo para com o design que as artes modernistas
formalmente afuniladas, tenderiam de uma maneira ou de outra. O plano da forma rígida, a busca por princí-
pios puros na simplificação da forma, a figuração angular, o rompimento com a figura, a composição que se-
gue mais o volume e menos a linha, a expressão de estados psicológicos e emotividade, os aspectos místicos
da forma, uma imaginação e uma arte mais diretas são todas características comuns ao que se conhecia da
comunhão da arte africana e da Oceania com a arte moderna em seu nascedouro. Porém, uma dificuldade
as distinguia: enquanto uma almejava o primitivismo, a ponto de se "confundir" com ele em termos nomi-
nais, aquela "arte longínqua" aparecia a eles também de maneira anônima. Entre os elementos estruturais
dessa dificuldade estão as características-chave da arte "etnográfica", que as distingue da arte "acadêmica",
tais como o individualismo de uma versus o coletivismo da outra, arte de mercado versus arte gratuita, os
relativíssimos conceitos de "elaboração" versus "espontaneidade" e, por fim, um dos elementos principais: o
anonimato de um versus a busca pela fama e identidade do artista por outra.

A questão da autoria em arte africana tem sido bastante estudada pelo menos desde o final dos
anos 1950 e início da década seguinte. Vale, por isso, uma pequena menção. Essa é a ideia de que os artistas
individuais, mesmo em sociedades com tradição passada de forma coesa de geração em geração, podem
desenvolver um estilo, uma marca, um toque pessoal à sua arte coletiva. Muitos autores trilharam o caminho
indicado por Roy Sieber no início de 1960, identificando nominalmente dezenas de escultores nigerianos.

Esses estilos pessoais podem ser identificados e, muitas vezes, o artista pode ser nomeado.
Ao longo dos anos, o conhecimento da escultura africana progrediu desde a identificação de
estilos tribais, passando pelos estilos subtribais até os estilos de cidade ou vila, e finalmente
alcançou o nível do estilo do artista individual (WILLETI, 1971, p. 222).

Em função do seu caráter social, o papel da autoria na arte tradicional africana não tinha sido dimen-
sionado antes do momento de autocrítica pós-colonial.

De fato, qualquer tentativa séria de estudos históricos da arte em uma sociedade não letrada
como os iorubá não pode mais ignorar o lugar de suas ricas tradições orais. O campo tem
com William Fagg uma dívida de gratidão por seu trabalho pioneiro nesse sentido. Ele foi um
dos primeiros pesquisadores a buscar conscientemente entre os iorubá os chamados artistas
"anônimos" e os entrevistar. Sua documentação das vidas e obras de artistas conhecidos é
um rico legado que a atual geração da arte iorubá e os estudiosos altamente valorizam (ABIO-
DU N, 2001, p. 19}.

Os trabalhos de William Fagg e Roy Sieber acusam a existência de uma ansiedade pelo anonimato ar-
tístico africano. Mas é fato que existia também certo grau de eurocentrismo, ou pelo menos de indisplicência

94
em relação ao artista individual da África, muitas vezes tornado forçosamente anônimo pela etnografia, a
quem importava menos o domínio individual que o coletivo. Não se questiona, contudo, que o anonimato
em geral seja uma realidade concreta, porque a identidade do artista é secundária em relação ao propósito
social, à expressão artística em si mesma, à agência da obra etc. Mas sabemos que isso também é uma verda-
de relativa, pois seria ilusório pensar que a "mão do artista", suas qualidades pessoais e suas idiossincrasias
não seriam transmissíveis esteticamente na obra coletiva. Foi nessa linha que um divisor de águas se ampliou
nos anos 1960, quando se buscou trazer à tona a identidade dos artistas, nomeando-os sempre que possível.

Não diminuem o caráter e o poder da obra eventuais contradições entre a licença artística - estilo
pessoal ou poético - e os cânones estilísticos da tradição à qual o artista pertence, com restrições para o
desejo por inovações, tal como Himmelheber (1960, p. 46) as definiu. Cada cultura têm seus próprios mé-
todos para coibir ou incentivar a inovação. Se a modernização trouxe os fantasmas da pressa, do descuido e
da desatenção para alguns escultores contemporâneos de boa-fé, por vezes os forçando a criar "inovações"
que pudessem ser posteriormente seguidas, os escultores tradicionais que não enfrentassem essas dificul-
dades ainda assim teriam, além de seu próprio talento ou falta dele, outros mecanismos de incentivo ou
coibição externa à inovação. Tais mecanismos vão desde a repreensão do mestre de ofício - geralmente uma
figura patriarcal ou de mais tempo na profissão - até tabus e regras concernentes à medida, proporção, rit-
mo, escolha figurativa, disposição de geometrismo e abstrações específicas que concretizam e sedimentam
passagens míticas, gestualidades, atributos físicos, entre outras características materiais de contexto social
passadas de geração em geração.

Dificuldades de estabelecer sequências cronológicas e identificar difusões estilísticas da arte de mui-


tos povos africanos se explicam, também contraditoriamente, em função do enorme número de dados a se-
rem cruzados, do número de inconsistências e do desconhecimento de fatos-chave. Até hoje isso prejudica o
estabelecimento concreto de uma "história da arte africana". Se o viés estilístico modernista já se apresenta
com empecilhos, a história sem ele é ainda mais rara.

Uma das discussões de peso sobre os contrastes dessas interpretações é a contraposição entre as
formas naturalistas (ou realistas) e geometrizantes (ou abstratas), que inclusive não é casual porque faz parte
das inquietações do programa modernista. A visão genérica sobre o alto índice de naturalismo encontrado
em peças da África Ocidental, em detrimento da baixa presença nas da África Central, configura um pseu-
doproblema semelhante ao vivenciado na história do Brasil em relação à oposição e divergência em força,
índole e aptidões entre negros sudaneses (ditos realistas) e negros bantes (ditos abstratos). Prejulgava-se
aqueles como mais "vivazes" e estes como mais "indolentes" no exercício do trabalho escravo (FILHO, 1946,
p. 133). Desconsiderando essas oposições formalistas, autores que trataram da arte centro-africana, como
Marie-Louise Bastin, defenderam uma presença necessária do naturalismo ligado à eficácia, por exemplo,
entre os tchokwe. Diz a autora:

se o escultor respeitar os cânones tradicionais, procurará aumentar o encanto realista e, por


esse meio, a eficácia de uma máscara, tomando por modelo uma mulher reconhecida pela
sua beleza e atributos. [ ... ] Em algumas obras de arte de estilo tchokwe provenientes das
antigas cortes de chefes, particularmente nas esculturas mais tardias, constata-se uma ten-
dência ao espírito barroco: procura de expressividade nos rostos e trabalho muito elaborado
dos detalhes do corpo que, apesar da sua estrutura assaz sumária, chega, por vezes, a sugerir
movimento (BASTIN, 1961, p. 58-59).

95
Por outro lado, de acordo com Irving Horowitz (2009),

em meados do século XIX, um consenso havia se estabelecido entre artistas e cientistas eu-
ropeus (anatomistas e antropólogos físicos): de que no século V a.e. a escultura de figuras
gregas baseadas em Atenas representava "a mais alta forma de arte clássica" e o modelo da
perfeição física humana.

Acreditando no naturalismo básico da arte grega, continua Horowitz (2009), esses teóricos baseavam
as suas descrições e explicações da aparência física (tipo racial) dos gregos antigos no estudo de esculturas e
na consulta de fontes literárias. O autor chama atenção para aquilo que Gobineau (1884, p.91), em seu "En-
saio sobre as desigualdades das raças", comentou sobre a Grécia e Roma antigas e seu naturalismo serem "o
mais alto ponto da civilização". Essa mesma idealização racialista hierarquizante que tomou conta dos valores
artísticos acadêmicos e da qual não se conseguiu absolutamente se desvencilhar, exceto por ímpeto moder-
nista momentâneo e localizado, pode ser identificada nos comentários populares sobre o "temor" produzido
pela arte africana de cunho menos naturalista.

O naturalismo e a carga estilística de culturas africanas estratificadas e com cultura de arte de corte
- como dos bakuba, bini e bamum, cada um a seu modo - acabaram também tomando conta do olhar oci-
dental, tão acostumado com o viés do binômio acadêmico-modernista "naturalismo versus abstracionismo",
em que a forma domina o conteúdo e o subjuga hierarquicamente. Tal como afirma Herta Haselberger:

os evolucionistas consideravam como formas preliminares de arte todos os objetos e edifí-


cios cujas contrapartes nas altas culturas são consideradas arte. Uma vez que os evolucio-
nistas tomaram o naturalismo do século XIX como o ponto culminante da arte, eles foram
forçados a interpretar obras de arte de todos os períodos históricos em termos de uma teoria
que lhes permitisse demonstrar um desenvolvimento da arte da estilização ao naturalismo
(HASELBERGER, 1961, p. 342).

Talvez fosse de se pensar que os artistas plásticos modernistas que defendiam a visão mais formalista
da arte africana fossem vozes isoladas. Muito pelo contrário, gerações de especialistas em arte africana os se-
guiram nesse programa. E não foram poucos os que fizeram questão de demonstrar o apreço pela arte africa-
na independentemente dos seus significados culturais locais intrínsecos. Ladislas Segy diz que "é realmente
de pouca importância para uma apreciação artística se uma escultura africana era religiosa ou mágica. O
que é importante, e isso pode ser dito de qualquer obra de arte de qualquer época ou lugar, é a qualidade
artística do trabalho (SEGY, 1958, p. 11).
11

A leitura estética, ou melhor, "puramente artística" das obras africanas quase nunca se declarou aber-
tamente numa perspectiva do atematismo antipolítico da "arte pela arte". Até onde vai o nosso conhecimen-
to, Appiah foi o único que buscou, de forma acrítica ou não, uma possibilidade de contraprova: uma forma de
"experiência" ou de aceitação a um convite curatorial para tomar a arte africana apenas pela graça da arte.
Para ele, "o importante não é se eles [objetos africanos] são arte ou arte para seus criadores: o que importa é
que somos convidados a tratá-los como arte [numa determinada exposição]" (APPIAH, 1995, p. 24-26). Essa
leitura teve como flerte impulsos curatoriais planificadores de formas, alguns dos quais, na sua incessante
busca por romper limites, aspiram retirar as legendas de uma exposição, mesclar obras contemporâneas ou

96
esculturas acadêmicas e ainda assim manter o termo "arte africana" no título expositivo - a nosso ver, como
manchete ou com intuito publicitário. Mas foi uma abstração dessas na interpretação artística dos povos não
europeus que provocou incômodo na época da descensão do classicismo, ainda em voga na virada do século
XIX para o XX, quando os jovens modernistas passaram a questionar os cânones de rigidez do naturalismo,
aproveitando-se para inserir formas não convencionais nos círculos acadêmicos definidos desde o Renasci-
mento. Seria necessária a exclusão de todo um universo de potencialidades se a busca da "forma pela forma"
africana não fosse apenas um expediente puramente pedagógico de leitura formal de um objeto, e jamais
uma leitura integral de uma fantasia de "arte africana pela arte".

Num importante e profundo artigo intitulado "Método de estudo da arte etnológica", a historiadora
de arte austríaca e especialista em arte africana Herta Haselberger (1961, p. 343) apresenta uma abordagem
formalista que tem os seus problemas e não deixa de ser inconclusa. Mas ela descreve quatro tarefas primá-
rias para o estudo da "arte etnológica" que podem ser consideradas ideais a serem buscados, e que talvez
sejam úteis de um ponto de partida pedagógico. Isso porque destoam frontalmente da percepção da con-
cepção dos objetos etnológicos pelo método da "arte pela arte", mas afirmam uma metodologia instrutiva.
São elas:

1) Estudo sistemático detalhado de objetos de arte individuais. Tal estudo deve descrever a gênese e
a estrutura do objeto, estabelecer sua classificação espacial e temporal e analisar seu lugar dentro de toda
a cultura.

2) A biografia do artista. A biografia deve incluir um relato cronológico de todos os eventos impor-
tantes da vida do artista. Deve também traçar o desenvolvimento de seu estilo e caracterizar sua habilidade
criativa. Um relato da influência exercida por seu trabalho também é desejável.

3) Estudo da arte em toda a estrutura da cultura. Quais objetos são considerados obras de arte pelos
povos etnológicos? Qual é o papel e a influência da arte e do artista fora das altas culturas? Como a arte, a
economia, a organização social e a vida intelectual estão interrelacionadas?

4) A história da arte. Mesmo que seu trabalho diga respeito a culturas etnológicas, o investigador de
arte acaba se envolvendo em problemas de tempo e espaço. Ele estabelece datas - pelo menos relativamen-
te - para objetos de arte e as atribui a uma determinada localidade; ele traça os complexos relacionados e
descreve suas inter-relações causais e dinâmicas. Além disso, ele destaca os artistas e obras de arte pioneiros
e historicamente significativos e procura identificar períodos e tendências específicas ao longo do tempo.

Todos os quatro problemas são igualmente importantes e devem ser realizados simultaneamente;
nunca se pode fazer um estudo detalhado de uma obra de arte sem determinar seu lugar na estrutura total
da cultura, bem como nas sequências históricas de estilo. Da mesma forma, não se pode investigar o lugar da
arte em toda uma cultura sem a fundação científica fornecida pelos estudos de objetos de arte e biografias
de artistas. Por outro lado, não se pode trabalhar dentro da dimensão histórica do tempo não letrado nem
recriar a história da arte durante esse período sem antes ter lidado em detalhes com suas obras de arte.

Seguindo esse caminho, ainda que de modo vago e limitado e mesmo sabendo que sua imprecisão
está justamente na demasiada abrangência, de fato podemos identificar algumas orientações estilísticas ge-
rais da "arte" africana que sirvam não de modelos únicos de abordagem, mas como portas de entrada edu-
cativas para o vasto e misterioso universo que acolhe as artes da África (BEVILACQUA & SILVA, 2015, p. 50).

Traduzindo alguns de seus aspectos mais estruturais, a arte africana se porta, por exemplo, como:

97
a) Código visual: em que há o aparecimento de uma arte de caráter icônico e conceituai - icônico
enquanto expressão de código visual culturalmente compreensível, e conceituai no sentido de esse mesmo
código ter um fundamento filosófico e cultural. Vemos nessa estilística, entre outros conceitos, o apareci-
mento do simbólico, que é o uso de alegorias e a inclusão de aspectos míticos de uma etnologia particular
(cf. LAGAMMA& PEMBERTON, 2000, p. 46 e QUARCOOPOME, 1996, p. 48-95).

b) Frontalidade: em que há uma representação frontal da escultura (cf. EINSTEIN, 2011, p. 47 e


CUNHA, 1983, p. 973-1033).

c) Gestualidade (linguagem gestual): em que há um posicionamento corporal, que são "posturas for-
mais" remetendo a figura a conteúdos pré-estabelecidos culturalmente, tais como: respeito, honra, afeto,
doação, desejo, julgamento, completude, sucesso, riqueza etc. (cf. BLIER, 1982, p. 19 e THOMPSON, 1974,
p. 2). (gesto para ideia de 1'prazer"e "alegria"); (THOMPSON, 1974, p.48 (gesto para ideia de "estabilidade");
(Idem p.65 e 68) (gesto ideia de "permanêcia"); (Idem, p. 73) (o "compartilhar"); (ldem,p. 180) (ligação entre
os seres humanos, ligação ancestral); (Idem, p. 252) (gesto para: "isso que você fez é vergonhoso"), e assim
por diante.

d) Tridimensionalidade: arte que transmite a ideia de movimento central ao redor do qual os frui-
dores a percebem e a decodificam em 360 graus. Conceitos paralelos foram engendrados na modernidade,
tais como: arte dramática ou performática, audio-visual, pública, arte-vida etc. O que o esteta Jean-Godefroy
1
Bidima, ao tratar da máscara antílope dos nioniosi (Kurumba) de Burkina Faso, chamou de ' incertitude da
forma plástica", na qual "uma mesma forma muda de configuração segundo a mudança de posição de um
objeto" (BIDIMA, 2007, p. 94).

e} Serenidade: expressão meditativa, sublime ou idealizada da figuração facial, mas está relacionada
a um ideal moral (cf. THOMPSON, 2011 e THOMPSON, 1974, p. 43-45).

f) Rigorosidade: conceito ligado parcialmente à gestualidade, em especial a da face. Expressão rude,


vigorosa ou até mesmo a que o senso comum considera "feia", que nada mais é do que uma alegoria para vi-
sualizar conceitos como poder, força, medo, perigo, terror etc. Embora a percepção de feiúra e desproporção
na arte africana adquirida via perspectiva modernista já tenha sido identificada por Carl Einstein (1915), um
dos primeiros especialistas a estudar a intencionalidade da expressão artística da feiúra na arte africana foi
Robert Ferris Thompson (1971, p. 379-381). Também em função do perspectivismo modernista e ao con-
trário da noção de beleza, a "feiúra" é um dos conceitos estéticos mais estudados em arte africana 29 •

g) Padronização ou convenção: unidade de tradição, permanência e repetição convencional da forma


através de gerações, tal como ocorre na arte popular (cf. EINSTEIN, 2011, p. 59 e VANSINA, 2013, p. 89).

h) Jogo da simetria/assimetria: composição que faz contrabalanço proporcional em parte ou em toda


obra. Uso de elementos visuais compensatórios e de paridade, paralelismo, serialismo, relação de lados a
partir de um eixo ou centro de gravidade em comum (cf. BRANDEL, 1973, p. 101-102; THOMPSON, 1974, p.
55 e GLAZE, 1981, p. 48).

i) Geometrismo: uso regular de figuração geométrica em oposição à composição mais naturalista e


orgânica (cf. SILVA, 2009, p. 23 e TROWELL, 2003).

29. Para uma bibliografia básica sobre o tema, conferir, entre outros títulos: Anderson & Kreamer (1989); Biebuyck (1976 e 1986);
Blackmun (1988); Blier (1995); Consentino (1982); Drewal (1975); Ebong (1955); Horton (1963); Picton (1986); Thompson (1971
e 1974) e Van Damme (1987 e 1996).
98
j) Naturalismo: uso regular de figuração naturalista ou realista em oposição à composição mais geo-
métrica ou construtiva e abstrata (cf. FROBENIUS, 1913 e WILLETT, 1975, p. 76).

k) Não narrativa: ausência de descrição narrativa e a consequente necessidade de decodificação visu-


al (cf. LEIRIS & DELANGE, 1969, p. 8).

1) Abstracionismo: representação de formas que podem partir da natureza e do real, mas que os ex-
trapolam (cf. WILLETT, 1975, p. 32 e SEGY, 1976, p. 40).

Na verdade, existe um número indefinido de características artísticas que podem ser atribuídas com
maior ou menor precisão de acordo com a interpretação visual a ser realizada. Jamais proporemos, a prin-
cípio, organizar uma "estética geral africana", aplicando esses conceitos de forma rígida e permanente. Não
vemos um objetivo maior no uso desse tipo de expediente senão o de distinguir com interesses pedagógicos
em quais campos estilísticos atuam determinados grupos de saber (ou etnias). Determinada série de escul-
turas ou de máscaras desse ou daquele grupo cultural procura seguir quais tendências formais de padroni-
zação? Que espécies de diferenciações são possíveis entre grupos, ou de tipologias de objetos no interior de
um mesmo grupo? Trata-se, portanto, de um expediente pedagógico com função primordial introdutória e
de observação escolar das artes africanas; jamais um programa de conceituação estética e muito menos uma
"filosofia da arte africana" em geral.

Pela extensa bibliografia a respeito de todas essas características plásticas subsumidas na arte afri-
cana, talvez nenhuma causasse tanta apreensão quanto as categorias do belo e do feio. Essas categorias
devem, sobretudo, ser identificadas localmente, não só para cada grupo de saber africano mas também re-
lacionadas a outras determinações locais, como associações específicas ou categorias de objeto. Raramente
a determinação do conceito de belo de um objeto independe de sua função.

Embora a noção do belo seja, em alguns casos, relacionada à noção de bem ideal, como na teoria
estética platônica, os dogon, por exemplo,

distinguem a palavra "beleza" (beauté) da palavra "bondade" (bonté), sabendo pertinente-


mente que o que é belo não é necessariamente bom ou útil. Na aldeia que acolhia uma nova
estátua, os comentários nunca eram desagradáveis, mas poderíamos tomá-los de emprés-
timo com mais ou menos fervor fazendo uso das duas noções: wolo dagui rseu trabalho é
bom") ou ezu dagui ("é belo"). O vocabulário transcreve, igualmente, noções importantes.
[ ... ] Em donno-so, o substantivo gene-gene significa "bondade", qualidade abstrata, e ezu-
-ezu, "beleza" (ezu usado sozinho é um adjetivo); em toro-so, as duas palavras édu ("bonito",
"bom", "limpo") e véneu ("bem formado") são opostas a yanay ("feio" ou "deformado"). A
mesma ideia é expressa em bambara, outra língua mande. Em donno, o verbo loba tem por
acepção "talhar a madeira" e "esculpir qualquer estrutura de madeira", e outro verbo, ton-
jemo, significa "adornarn, "pintar", "adicionar cor", o que é concebivel para máscaras dannu,
mas nos surpreende quando aplicado a estatuetas {LELOUP, 1994, p. 560).

A busca pelo "campo de valores" da arte africana e seus sistemas de formas levou Jean Laude a crer
na indissocialidade da função estética em relação aos outros componentes da "forma-valor" e na integrali-
dade das funções do objeto:

a função estética de um objeto não deve ser como um elemento aditivo que poderia ser
dispensado, como uma função adicional e supérflua, que seria adicionada a todos os outros.
Além disso, se a função estética não existisse, as outras funções não perderiam sua eficácia:
99
elas simplesmente não seriam exercidas (LAUDE, 1985, p. 71).

Ao mesmo tempo, a posição de destaque de uma arte não ocidental, além de ser envolta em subs-
tancial mistério, poderia residir na profunda variabilidade de seus fenômenos visuais. Por exemplo, o uso de
substâncias agregadoras como materiais orgânicos de libações - parte da chamada estética da acumulação
(SILVA, 2008, p. 105 e AMARAL, 2006, p. 262) - ou mesmo um imenso vale no qual essa arte, para ser mi-
nimamente compreendida, teria de ser como num aprendizado de linguagem, com sua gramática e sintaxe
próprias (SILVA, 2008, p. 118-225).

Em seu texto clássico intitulado '~ntropologia da arte", Robert Layton, baseado num trabalho do
africanista Morton-Williams, apresenta uma dessas "gramáticas". Ele revela o simbolismo presente na cos-
movisão de uma associação judiciária iorubana chamada "ogboni", o que ganha inúmeros desdobramentos
estéticos.

O simbolismo do culto é cheio de referências ao número três, e isso o diferencia do simbolis-


mo da vida pública ou do culto aos orixás, onde dois e quatro são os números mais frequen-
temente aludidos: [o número] dois expressa dualidade, e o quatro completude e perfeição.
Para oferecer três objetos a um orixá em um ritual, ou a um convidado durante uma cerimô-
nia secular, é um insulto que convida à retaliação (LAYTON, 1981, p. 70).

Vimos, por fim, que a gravidade das sobredeterminações culturais africanas e suas implicações na
forma artística não sustentam, a rigor, quaisquer fantasias de abstracionismo formal por muito tempo. Resta
saber se coleções de países tropicais seguirão os novos caminhos da arte africana sugeridos por exposições
que elevaram o status artístico da "arte africana" para além da modernista e eurocentricamente "arte ne-
gra". Tais como fizeram as originais: Africa Explores: 20th Century African Art (1991); Perspectives: Angles on
African Art (1987); Astonishment and Power: Kingo Minkisi & the Art of Renee Stout - National Museum of
African Art em Washington, D.C. (1993-1994); The Short Century: Independência e Movimentos de Liberta-
ção na África 1945-1994 (2001) e Africa Remix (2004), entre outras.

O que essas exposições fizeram foi, mais uma vez, elevar certos objetos desconsiderados artísticos,
mas dessa vez não pelo fato de serem considerados puros, livres, simples ou naifs, como as máscaras africa-
nas para os modernistas, mas por os considerarem muito perspicazes, politizados, complexos e nada ingê-
nuos. Ainda assim, quais governos, colecionadores particulares ou mecenas levariam para os países tropicais
exposições permanentes de objetos africanos tradicionais dignos da conceituação de uma "arte africana", tal
como foi formulada no Ocidente, e quais se manteriam na cômoda posição de se aproveitar dos objetos da
arte tradicional contemporânea do mercado turístico comum, como se ambas fossem uma mesma "arte"?

Talvez seja bastante útil nos livrarmos das conceituações para ficarmos apenas com a fruição do mo-
mento. Como diz de forma correta o professor Kabengele Munanga (2004, p. 38), "a estética não consiste so-
mente na existência de termos permitindo apreciar uma obra". Mas quanto seria necessário saber a respeito
desses objetos para melhor apreciá-los? Pode-se prescindir de saber para que satisfaçam um pouco além de
nossa própria curiosidade e da projeção de nossas próprias inquietações sobre eles? Que "arte" africana resi-
de na arte africana? Como expor, discutir e publicar obras de arte tradicionais contemporâneas sem assumir
má-fé ou sem apoiar o mercado de falsificações?

100
Com essas icógnitas nos pairando e sem rascunhar soluções, outras questões que nos colocamos
em vista disso seriam: qual é o meio caminho entre as quinquilharias e garranchos plásticos ineptos da arte
africana tradicional contemporânea que chegam aos trópicos e as masterpieces coloniais euro-americanas?
Bastaria que os mecenas tropicais adquirissem obras genuínas nos leilões do primeiro mundo e se arrogasse
no direito ao refugo da cadeia comercial desses bens culturais? Caberia, por fim, algum tipo de universalis-
mo no trato das artes tradicionais contemporâneas da África que não fosse também algum tipo de "conti-
nuísmo" dentro dos modelos de imitação dos antigos substratos culturais impostos das metrópoles para as
colônias? Se a história da arte africana puder ser estabelecida segundo critérios diversificados, amplos e que
conversem entre si numa arte africana geral, se os colecionadores e curadores puderem justificar ao público
que seu interesse na arte supera os econômicos, se os centros de pesquisa e as universidades abrirem ainda
mais espaço para discussões sobre as relações entre arte e comércio, variabilidade cultural, arte e história
etc., a arte africana tradicional poderá algum dia e a seu modo, de fato, se universalizar?

O que Michael Kimmelman chamou de "o eterno debate sobre a arte africana" [no NY Times]
não significa resolver o problema, e sim enfrentar um tipo diferente de risco (WILKINGSON,
2000, p. 292).

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105
Lipico

As máscaras Mapico (ou Mapiko) dos maconde são


utilizadas em cerimônias iniciáticas masculinas e femininas.
Uma das características estilísticas comuns à maioria delas é o
Und!

TANZANIA
uso de cabelo de verdade, a representação do batoque labial
Lmd1

M1wara (no caso de figuração de um rosto ou busto feminino) e o uso


de escarificações, ou seja, marcas que indicam o status social e
Tunduru
o a identidade de seu portador a partir de imagens formadas por
incisões na superfície da pele ou da madeira.
MOÇAMBIQUE
Quanto ao cabelo de verdade, o embaixador Alberto da
Costa e Silva (2004, p. 132) nos conta que há um mito de origem
segundo o qual a primeira pessoa maconde que existiu foi um escultor. Um dia ele esculpiu uma figura em
madeira e foi dormir. À noite, enquanto ele dormia, a figura de madeira despertou para a vida e se tornou a
sua esposa, dando origem aos maconde e ao culto de veneração feminina. Para além do mito, ainda que seja
interessante do ponto de vista da prática ornamental maconde e pelo fato de o mito de origem se relacionar às
artes plásticas em geral, parece que a cultura lipico revela o momento de transição e golpe do patriarcalismo
sobre o matriarcalismo, ou sobre a ascensão do poder feminino.

Em sua dissertação de mestrado sobre o lipico, Mariana Lopes (2015, p. 44-45) destacou que, "segundo
relatos dos mais antigos, o Mapiko surgiu ainda quando a sociedade Maconde era predominantemente matri-
linear e a mulher tinha muita força e poder na comunidade. O Mapiko, então, vem como resposta dos homens
a essa força feminina, criando um segredo: o segredo masculino. [...] Os mapico, no princípio, eram dançados
fora das aldeias, a uma distância em que as mulheres podiam ver, mas não podiam reparar nos detalhes. Era
preciso que elas temessem o espírito Lihoka [e outros espíritos maléficos], que dançavam com os homens. [...]
As mulheres antigamente fugiam quando ouviam os tambores e as vozes dos homens a invocá-los".

Referências

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tação de Mestrado].

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Obras-Primas do Museu Etnológico de Berlim. Brasília; Rio de Janeiro; São Paulo: Centro Cultural Banco do
Brasil, 2004. p. 132.

107
Bwoom

ç:::
~
"'
CONGO
7 J<isanganl f Os kuba (ou bakuba, no plural) vivem na parte Cen-

~~) ( REPÚBLICA
DEMOCRATICA
DO
tro-Sul da República Democrática do Congo. Máscaras-
-capacete altamente decoradas com miçangas coloridas,
;razzavill e CONGO
)ri ,..._...VKinshasa búzios, ráfia, entre outros materiais, fazem referência ao
Mbuji·M.Yr \..
9 Bwoom (irmão malvado). Há uma cena histórico-legendá-
ria dos Kuba que incluía uma disputa pelo trono do reino e
Luanda
o
que apresentava um conflito entre irmãos. frequentemen-
Kolwezr [
te reconstituído cerimonial e teatralmente por meio do uso
1° ~~:••hi
f ~1
desse tipo de máscara. Interpretações alternativas à cena

r
ANGOLA

ZAMBIA histórica do "irmão malvado" usurpador do trono trazem


outras personagens, como as figuras que seriam a repre-
sentação humana da máscara Bwoon. Ideias de que ele
seria um recém-chegado ao reinado kuba. ou pigmeu, ou
algum outro membro [não aristocrata] dos bakuba estão entre as principais alternativas interpretativas.
A peça seria uma máscara real, mas também possui outros usos e funções, especificamente a fune-
rária. "A máscara Bwoom. de fato, dança em funerais, mas tem um papel mais direto. Em uso, acompanharia
membros da corte real ao local do sepultamento, em sua jornada final na morte" (BOURGEOIS & RODOLITZ,
2012, p. 175). Como sugere LaGamma (2003, p. 42), a performance com a Bwoon talvez seja uma das mais
antigas. pois, de acordo com a tradição oral dos kuba, esse tipo de máscara real é datado de meados do século
XVIII.

Referências

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seum of Art. 2008. p. 151.

109
Ngaady a Mwaash
..,
Sendo uma das três máscaras reais kuba a Ngoody Mwoosh o
J<.isangaril
( Mboy (ou, para simplificar, Ngoody Mwoosh) é utilizada alterna-
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA damente com a Mukengo e a Mbwoom em ritos iniciáticos da
DO
lrazzavill e CONGO realeza kuba, mas também em funerais, entre outras atividades
,......i..,.. ,PKin shasa

do culto ancestral real. A sentença "Ngaady mwaash a Mboy" na


língua bushongo falada pelos bakuba significa: "Mulher compro-
metida com Mwaash". Na verdade, ela cumpriria três papeis in-
terrelacionados apresentados em cerimônias públicas que re-
ANGOLA forçam seus mitos originários:

a) consorte do rei Woot [progenitor dos bushongo, um sub-


-grupo, língua ou um termo genérico para os bakuba]; b) irmã e
esposa desse mesmo rei; c) exemplo do ideal feminino, portanto
visaria ou representaria as mulheres em geral.(LaGAMMA, A. & McMAHON, R.A., 2003, p.41)

Segundo pesquisadores do Museu Everhart a cor branca disposta nesta máscara está relacionada ao
luto, a tonalidade azul tanto das contas quanto da pintura facial, neste caso já esmaecida nessa peça sim-
bolizariam igualmente a alta hierarquia e status social entre os kuba. A triangulação que aparece figurada
cobrindo quase todo o rosto faz referência às formas do animal pangolim, enquanto que abaixo dos olhos,
linhas paralelas seriam representações de lágrimas (HAHNER, 1., 2007, p.82). Essas marcas que representa-
riam lágrimas, chamadas byoosh'dy são interpretadas como ligada ao choro ou a lamentação pelo luto no
contexto funerário, mas também às dificuldades diárias da mulher. (LaGAMMA, A. E MAHON, R.A., 2003, p.41)

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111
Máscara

Cultura: salampasu
República Democrática do Congo
Madeira, penas e metal
Dimensões:
(43cm H x 19cm L)
Afr.000.272
112
Salampasu

Os salampasu vivem ao Leste da região do Kasa"f


e a Oeste dos lulua. Essa é uma máscara utilizada
EPÚBUCA em ritos iniciáticos pela sociedade masculina de
DEMOCRA TICA
DO guerreiros salampasu (BARGNA, 1.,2011, p.216).
~~zz m~ ,_, CONGO
Ktnah"
Segundo lris Hahner (2007, p. 27 4) "máscaras
adornadas com placas de cobre eram formalmen-
te usadas em cerimônias que celebravam bravos
a
Luarrd•

r guerreiros. Mascarados salampasu eram envol-


vidos em compartimentos de madeira decorados
com figuras antropomorfas esculpidas em rele-
ANGOLA
vo".
ZMllBIA
As decorações na forma de penas no topo da
máscara remetem a castas especiais do grupo
salampasu. Apenas a sacerdotes, chefes e guer-
reiros é permitido esse tipo de ornamentação. Outra distinção da prática escultórica salampasu é a cobertura
de algumas de suas máscaras com uma fina placa em liga metálica (provavelmente cobre). Pequenos bulbos
feitos pela técnica da granulagem são dispostos ao longo da máscara para demarcar os pontos chaves da
escarificação salampasu, que são marcas identitárias e de hierarquia representados na máscara ou mesmo
grafada na pele dos iniciados.

Referências

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HAHNER, 1 et. al. African Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York: Prestel Ver-

lag, 2007. p. 27 4.

113
Biombo

Os biombo são herdeiros dos kuba. O povo kuba


f
Ki s anganl
Q..

(ou bakuba) vive no Sudeste da atual República Democrá-


REPÚBLICA
DEMOCRATICA tica do Congo, a Leste da confluência entre os rios Kasai
DO
l razzav!ll e
CONGO
.-l/°'Kin shasa e Sankuro. Embora haja pelo menos três tipos estilísti-
- ~ 1 .;~bUJl~eyi'

l ~. [
cos tradicionais de máscaras biombo (VERSWIJVER et al.,

;·~"
1995, p. 340), as copiadas para o mercado de arte desde
1 o fim dos anos 1960 e início dos 1970, como esta da Co-
leção lvani e Jorge Yunes, são da qualidade da época e
ANGOLA

r -'-'(\""1'
ZAMBIA
Lusaka r
o
convergem para características de um ou mais desses ti-
pos tradicionais mais antigos. Enquanto algumas incluem
o penacho encimado para referir às penas utilizadas pelos
sacerdotes e curandeiros kuba, mesclam-se as figurações
geométricas típicas das máscaras de associações dos biombo utilizadas em ritos iniciáticos. Por vezes, essa
mistura é atribuída a influências estéticas vizinhas.

Em todo caso, as máscaras biombo são sempre tingidas na base da superfície com uma cor "averme-
lhada" sob a qual outros tons como o preto, o branco e o amarelo comporão as nuances que as tornam únicas.
As variações sob um único tema biombo podem por vezes confundir o neófito. Enquanto a tradição exige que
o topo geralmente termine em três tufos curtos e que os olhos amendoados sejam recuados em relação à
testa da máscara, a única figuração que parece se confirmar entre as cópias é a representação da boca como
se estivessem emitindo o som "u", um formato característico também de outras máscaras e estatuetas kuba.
Outra figuração comum às máscaras biombo é a representação das bochechas e do queixo coberta com es-
trias geométricas normalmente em preto e amarelo ou preto e branco com triângulos pintados.

Os padrões geométricos em formato de triângulos pretos e brancos ao longo da representação da face


de algumas máscaras kuba foram associados a motivos encontrados em antigos tecidos feitos de entrecasca
de árvore. Esse material foi utilizado por eles no passado, antes da introdução da tecelagem, e ainda hoje é re-
produzido nas roupas mais recentes que possuem a função de luto. Não é difícil depurar daí a relação imediata
desses padrões com a ancestralidade ou mesmo com o culto aos antepassados, tal como aparece na literatura
(BARGNA, 2011, p. 219).

Referências

BARGNA, Ivan. Arte da África Negra. Florence: Scala Group, 2011. p. 219.
CORNET, Joseph. Art Royal Kuba. Milano: Edizioni Sipiel, 1982.
_ _ _ _ _.A Survey ofZairian Art The Bronson Collection. Raleigh: North Carolina Museum of Art, 1978.
MEURANT, G. Art Kuba. Brussels: Communal, 1986.
VERSWIJVER, G. et al. Treasures from the Africa-Museum. Tervuren: Royal Museum for Central Africa, 1995. p.
340.

115
Ngil
orto-Novo
Lõ l'}lit º LllOO:S-
CAMARÕES Os fang são originários e vivem principalmente
P"!/ H~ftot1f1

M 1 ~o Dou lo" Y•Q"'1 d ao Noroeste do Gabão, mas também há um número


~

expressivo deles vivendo no Sul dos Camarões e um


número menor na Guiné Equatorial. Sua máscara
chamada Ngil representa um gorila estilizado e "antro-
pomorfizado".

ª""' 111 .. Tradicionalmente, a função judiciária se sobrepu-


/ Kinoh •
nha às demais, no entanto, como eram utilizadas em ritos
iniciáticos, essa passou a ser a sua função precípua.
lu uda
b
Segundo Perrois (2006, p. 22), trata-se da refe-
rência aos "espíritos da floresta", ideia central na metafí-
sica fang. Essa tradição de mascarados não existe mais entre eles, por isso as peças da segunda metade do
século XX, como esta, apareceram no circuito comercial muitas vezes distante do território fang. Uma máscara
Ngil autêntica foi vendida em Paris por€ 5.904.176, em 2006. E, como diz Babatunde Adebiyi ao discutir ques-
tões legais de repatriação de peças tradicionais ditas 'autênticas', "nenhuma parte desses ganhos foi para o
Gabão" (ADEBIYI, 2009, p. 57).

Referências

ADEBIYI, Babatunde. Legal and other lssues in Repatriating Nigeria's Looted Artefacts. Abuja: Lulu.com,
2009. p. 57.

PERROIS, Louis. Fang. New York: Harry N. Abrams, 2006.

120
Máscaras Ngil

Cultura: fang
Gabão
Madeira pintada
Dimensões:
(86cm H x 19cm L)
(80cm H x zoem U
Afr.000.162/1 63

121
Tsesah

J NIGER

Os batcham, que hoje compreendem uma das comunas ca-


l" o
~
Niamey

-
:-.v.o
NI G ERIA
~-- maronesas de cultura e língua bamilequê, vivem no Centro-Oeste
da República dos Camarões.
J-bUf3
/ Ocolecionador e especialista em arte africana Pierre Harter,
a ......u~
ao confrontar quatro obras bamilequê semelhantes em seu artigo
a CA,.,ARÕES
Po~Harco...-t

Mmlill~o oDoual•l)vaoond e
"Quatro máscaras bamilequê: uma tentativa de identificar o esti-
Golfo 1a
lo de escultores individuais e seus ateliês", diz que "esta máscara
compartilha suas principais características com as outras três: a
completa ausência de sobrancelhas, ou sobrancelhas hipertrofia-
das, bochechas salientes e geométricas, boca aberta com dentes de osso de baleia, pescoço cilíndrico, pátina
de madeira natural (HARTER, 1969, p. 410). Segundo Anne-Marie Bouttiaux (2009, p. 81 ), essa peça é uma
ferramenta de controle social especialmente utilizada em funerais reais de figuras notáveis e nas celebrações
da colheita de ano novo.

Um tipo de máscara associada aos bangwa também merece atenção. Um agrupamento de nove mem-
bros selecionados entre os mais renomados da Troh, associação masculina dos bangwa conhecida por "socie-
dade noturna", compõe um núcleo de apoio aos governos dessas pequenas chefaturas. "Cada um dos nove
notáveis do reino Bangwa possui a sua própria máscara como um símbolo de autoridade" (HAHNER et al.,
2007, p. 64).

É de se supor que os grafismos que aparecem na parte do que seria a testa ou a cabeça da obra mais
desgastada (Afr.000.184), por seu relativo descompasso formal comparado às máscaras dessa categoria,
tenham sido incorporados mais tarde, talvez até por outra pessoa que não o artista que a esculpiu. Em todo
caso, a presença de boa parte das descrições clássicas do entalhe desse tipo de máscara nos dá confiança de
que o esforço artístico na reprodução da obra executada por esse escultor ora anônimo é, sem dúvida, digno
reconhecimento.

Referências

BOUTTIAUX, Anne-Marie; TURINE, Roger-Pierre. Persona. Masks of Africa: ldentities Hidden and Revea-
led. Catalogo Della Mostra (Tervuren, 24 Aprile 2009 - 3 Gennaio 201 O). Milan; New York: Musée Royal de
l'Afrique Centrale; 5 Continents, 2009. p. 81.

HAHNER, lris et al. African Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York:
Prestel Verlag, 2007. p. 64.

HARTER, Pierre. Four Bamileke masks: an attempt to identify the style of individual carvers or their
workshops. Man, New Series, v. 4, n. 3, Sep. 1969, p. 410-418. p. 41 O.

GERMANN, Paul. Das plastisch-ftgürliche Kunstgewerbe im Groslande von Kamerun: ein Beitrag zur
afrikanischen Kunst. Leipzig: Spamerschen, 1911. p.22.

124
NOTUÉ, Jean-Paul. Batcham: Sculptures du Cameroun; Nouvelles Perspectives Anthropologiques; Mu-
sée d'Arts Africains, Océaniens, Amérindiens, Centre de la Vieille Charité, Marseille; 13 novembre 1993 - 31
janvier 1994.

NOTUÉ, Jean-Paul & TRIACA, Bianca. Bandjoun: Trésors Royaux au Cameroun: Bandjoun, Tradition Dy-
namique, Création et Vie: Catalogue du Musée de Bandjoun. Milan: 5 Continents, 2005. p. 209.

Máscara Tsesah
(GERMANN, P., 1911. p.22)

125
Yehoti

Os bwaba (ou bwa) vivem principalmente no Centro


~ lamey
Oeste de Burkina Faso e no Sudeste do Mali. Os bwa, bem
'
ou,ygadot.1gou como os nuna, usam máscaras rituais ligadas à abundân-
cia e à prosperidade. As de borboleta compõem o grupo de

BEN IM
máscaras associadas a animais, cujos simbolismos variam,
pj o ugou
i:{a m a le I ,~ !t' e algumas não possuem um significado registrado dentro
> '1
GANA
T OGO
da literatura de arte africana. Ainda assim, sabe-se que as
1

máscaras-borboleta são dançadas durante o festival para


encorajar a fertilidade (produtividade) da agricultura (VOGEL,
p. 33). Conhecidas como yehoti entre os bwa centrais da cidade de Bani, as máscaras-borboleta, de acordo
com Christopher Roy, simbolizam uma nova vida com o surgimento de um novo rebento (ROY, C. & WHEELO-
CK, 2007, p. 42) ou ainda a chegada da primavera, quando as borboletas chocam e se agrupam em torno de
piscinas formadas pelas primeiras chuvas do ano (LaGAMMA, 2002, p. 62). De acordo com Finley (1999, p. 26),
essas máscaras são representações de falcões (hawk), porém algumas "representam criaturas voadoras so-
brenaturais que vivem nas florestas. Esses espíritos benevolentes fornecem proteção e bênçãos aos familiares
que possuem suas máscaras particulares" (FINLEY, 1999, p. 28). Essa singular complexidade do uso de másca-
ras entre os bwa se explica parcialmente em função do comum hibridismo mítico e é rascunhada pela própria
Alisa LaGamma quando diz que "as formas representacionais incorporam um único atributo identificável de
uma pessoa, um espírito da floresta ou um animal -tais como o antílope, o búfalo selvagem, o macaco, o porco
selvagem, o crocodilo, o peixe, a serpente, a borboleta, o falcão ou o urubu - numa máscara facial utilizada
com uma vestimenta de fibra anexada que cobre a cabeça" (LaGAMMA, 2002, p. 62).

Referências

FINLEY, Carol. The Art of African Masks: Exploring Cultural Traditions. Minneapolis: Lerner Publication
Company, 1999. p. 26.

LaGAMMA, A. Genesis: ldeas of Origin in African Sculpture. New York: Yale University Press; Metropolitan
Museum of Art, 2002. p. 62.

ROY, Christopher D.; WHEELOCK, Thomas G. B. Land ofthe Flying Masks: Art and Culture in Burkina Faso;
the Thomas G. B. Wheelock Collection. Munich: Prestel, 2007. p. 42.

VOGEL, Susan Mullin. For Spirits and Kings: African Art from the Paul and Ruth Tishman Collection. New
York: The Metropolitan Museum of Art, 1981. p. 33.

127
Loniaken
BURKINA FASO
~B amako
Ouagadougu
~ -
Os tussian são um grupo que vive na parte Oeste
~ de Orodara, no sudoeste de Burkina Faso. São povos falan-
tes de línguas gur e relacionados histórica e geneticamen-
te aos Senufo. Warren Robins e Nancy Nooter (1989, p.
COSTA
GHANA
DO 105) dizem que "usuários da máscara Loniaken dos tous-
MARFIM
o.Y amoussoukro (
f 1
sian dançam em pares. A máscara retangular plana repre-
Kumasl
'9

Accra -
senta a mulher, enquanto a de capacete simboliza o ho-
...qA bi~an } <>
mem. A máscara loniaken possui também uma função
regulatória da vida da comunidade e tem a tarefa de, por
vezes, benzer cereais antes de serem semeados para tra-
zer abundância alimentar".

Referências

ART TRIBAL. Association des amis du Musée Barbier-Mueller, 1987. p. 23 e ss. [Edição 1].

ROBBIN, Warren M. & NOOTER, Nancy lngram. African Art in American Collections Survey 7989.
Washington, D.C.: Smithsonian lnstitution Press, 1989. p. 105.

129
Adoné

Os nioniosi (que também ficaram conhecidos


como kurumba) são um grupo de poder descentrali-
zado. São vizinhos dos dogon e dos bamana, e vivem
entre as fronteiras Sul do Mali e Norte de Burkina
Faso. A máscara de antílope está ligada a ritos agrá-
B ob~
D'i oul asso
rios e funerários. De acordo com Molefi Asante (2009,
o
1 r-
p. 372): "entre os atributos dos Nioniosi que de-
BENIN '
JJougou monstram a sua conexão com os ancestrais estão as
,l• male .l, \, J J

.... ;""ºI , f
cerimônias cíclicas e rituais que mostram seu respei-
to e reverência pelo falecido. Até em funerais con-
temporâneos as máscaras kurumba são trazidas
para fora com o propósito de estabelecerem uma
conexão entre os mitos e os rituais agrários".

Esta máscara de antílope, chamada Adoné, apresenta um aspecto levemente naturalista. As orelhas
são estilizadas e adornadas à maneira dos seus vizinhos dogon, com miçangas feitas para decorar os pelos ou
as crinas. Placas metálicas recortadas numa composição de motivos triangulares também fazem importante
parte da elaboração ornamental da peça.

Referências

ASANTE, Molefi Kete & MAZAMA, Ama (eds.). Encyclopedia of African Religion. California: SAGE Publica-
tions, 2009. [Volume 1]. p. 372.

SHAKAROV, Avner & SENATOROVA, Lyubov. Traditional African Art an lllustrated Study. North Caroline:

McFarland & Company lnc., 2015.

131
Sukuru?
Os bamana (ou bamanakan) vivem principalmen-
te no sul do Mali, mas também encontram-se no
Nordeste da Guiné e alguns poucos no Senegal e na
MAURITANIA Costa do Marfim.

A literatura mais antiga os chama de bam-


MALI
bara, nome pejorativo dado por povos mulçumanos
________,. vizinhos, que significa "infiéis".
~-
r aURKINA
FASO
Jl'""'"Y Máscaras de hienas de mesma categoria,
Oõogadougou 0
chamadas sukuru, ou mesmo de raposas, entre ou-
Gana
tros animais, fazem parte de algumas das seis as-
sociações iniciáticas (Jow) dos bamana. Normas éti-
cas, valores morais e encaminhamentos sociais são
transmitidos aos jovens a partir do uso de máscaras
como essas.

Referências

HAHNER, lris et al. African Masks: the Barbier Mueller Museum. Munich: Prestel, 2007.

BEVILACQUA, Juliana Ribeiro da Silva & SILVA, Renato Araújo da. África em Artes. São Paulo:
Museu Afro Brasil, 2015. p. 36-37.

133
Bete
MAU
t Os bete vivem no Sudoeste da Costa do Marfim, entre os
GUINE
rios Bandama e Sassandra (não confundir com os mbete do Su-
doeste da República do Congo e do Sudeste do Gabão). As másca-
ras faciais bete apresentam alguns elementos estilísticos que as
aproximam das de povos avizinhados de língua Kru, como os wé e
Monro-iin
"' os guere. Protuberâncias que saem da representação de um rosto
antropomorfo abstraído da máscara, semelhantes a chifres, são
influências mútuas encontradas nesses povos e que por vezes difi-
cultam a identificação de origem quando os objetos recolhidos em
campo não são submetidos a uma pesquisa mais detalhada. Em
função disto, somente pequenas distinções entre máscaras bete e guere são reconhecidas pelos especialistas.

O termo guere (ou nguere) refere-se a um povo que vive tradicionalmente na parte Centro-Oeste da
Costa do Marfim e ao Leste da Libéria. Onome guere foi utilizado pelos administradores coloniais para designar
um povo que vivia ao Sul dos dan, relacionado aos wobé, às vezes classificado como uma etnia única conhecida
como we (DADDIEH, p. 279). Uma vasta quantidade de máscaras é utilizada entre os guere ao organizarem
suas instituições sociais, seu estilo de vida, seus ritos iniciáticos, agrários, funerários entre outros. Existem
máscaras para manutenção da ordem ou para o combate à feitiçaria, ou máscaras judiciárias dos we, como a
Kpanhie a Dhi gla, ou ainda a máscara de guerra Tee gla, que manifestam algumas características em comum.

Em primeiro lugar, essas máscaras possuem um aspecto geral de alto impacto, exaltando uma espécie
de "horror" que ajudaria a "assustar" ou afastar ameaças à sociedade guere; em segundo, todas essas másca-
ras não se contentam com a madeira como um material único para elaboração do objeto, elementos naturais
são incluídos a elas (HAHNER et al., 2007, p. 254-255). As máscaras bete, entretanto, geralmente possuem
menor número de elementos mais linearmente definidos - retas, linhas e círculos podem ser identificados
mais do que uma profusão de formas angulares, sem direção certa, estas últimas mais comuns aos guéré,
wobe e we. Por outro lado, tanto a expressão que imprime o terror/respeito quanto as noções relacionadas a
conflitos com a justiça e proteção na guerra definem uma funcionalidade mais ou menos comum às máscaras
faciais de todos esses povos.

Para Molefi Asante e Ama Mazama "as máscaras 'gre' ou 'nyabwa' mostram exageradas e distorcidas
formas em torno da boca, testa e nariz da figura - essas máscaras atuam quando há algum conflito na so-
ciedade. Quando as pessoas encontravam paz, podiam retirá-las. Todas as máscaras são dotadas de força, e
entre os bete essa força é, por vezes, usada pelo povo para preparar os jovens para a guerra e para imprimir
terror no coração dos inimigos" (ASANTE & MAZAMA, 2009, p. 123).

135
Referências

AFRICA REPORT. Bulletin of African-American lnstitute, 1988. p. 64.

ASANTE, Molefi Kete & MAZAMA, AMA {eds.}. Encyclopedia ofAfrican Religion. California SAGE Publica-
tions, 2009. [Volume 1]. p. 123.

BOUTTIAUX, Anne-Marie & TURINE, Roger-Pierre. Masks ofA/rica: ldentities Hidden and Revealed. Ca-
talogo Delta Mostra (Tervuren, 24 Aprile 2009 - 3 Gennaio 201 O}. Milano: Musée Royal de l'Afrique Centrale; 5
Continents, 2009.

DADDIEH, Cyril. Historical Dictionary of Cote d'lvoire. London: Rowman &Littlefield, 201 6. p. 279.

HAHNER, lris et al. African Masks: the Barbier Mueller Museum. Munich: Prestei, 2007. p. 254-255.

PARRINDER, Geoffrey. African Mythology. London: Hamlyn, 1967.

De ZAYAS, Marius. African Negro Wood Sculpture. Photographed by Charles Sheeler. New York: Modem
Gallery. 1918. pl.14.

136
Máscara Guere

(De ZAYAS, M., 1918, prancha 14)

137
Dugn'be
Thln
•WJ~ar,P J>i(a.lrb.i

SENEGAL
[±]
_
L=J Os bijagó vivem num arquipélago homônimo na Guiné-Bissau
com mais de cinco dezenas de ilhas. O uso de máscaras bovinas faz par-

:=-s
l'OB:;ul}ü
te da cultura iniciática dos povos bijagó.

Zl•"''"'º' A considerar a ligação histórica com o Brasil via Portugal, essa


GUINE - BISSAU
etBlasau
prática, ainda em voga entre os bijagó, pode ter contribuído para o de-
..._.. · ' h- / senvolvimento das festas com máscaras de boi no outro lado do Atlân-
"'~' I 'j tico. De acordo com Susan Vogel (1981, p. 57), a máscara Dugn'be"sim-
boliza o impetuoso e irresponsável período que precede a retirada dos
mascarados para o acampamento de iniciação (particularmente entre o
grupo dos 'cabaro', período que vai desde o fim da puberdade até os 30 anos)".

O boi é um tema importante na escultura de bijagó, assim como os animais marinhos. Um dos aspectos
mais evidentes da arte bijagó expressa na Dugn'be é seu grau de naturalismo. Esculpida em tamanho natural,
essas máscaras são ainda hoje usadas durante performances que mimetizam a gestualidade bovina. O rigoro-
so sistema iniciático, adequado a cada etapa na faixa etária dos jovens, indica o determinado status social do
usuário dentro de uma hierarquia pré-estabelecida. Na língua crioula, essas máscaras são todas conhecidas
como "vaca-bruto", mas a língua bidjagó faz distinções entre elas com base em sua forma e significado. Esta
máscara dugn'be representaria o touro selvagem que foi domesticado e criado na aldeia - os jovens que a
portam devem demonstrar em si mesmos tenacidade e força associadas à domesticação do animal. Chifres
reais do animal são usados, e as orelhas são feitas de madeira ou couro; os olhos vítreos são cortados a partir
de fundo de garrafas (VOGEL, 1981, p. 57).

Referências

GALLOIS-DUQUETTE, Danielle. Dynamique de l'Art Bidjogo, Guinée-Bissau, Contribution a une Anthropo-


logie de l'Art des Sociétés Africaines. These de Doctorat, Université de Paris 1, 1979.

MOTA, Avelino Teixeira. Actividade Marítima dos Bijagós nos Séculos XVI e XVII. ln: Memoriam a Jorge
Dias, v. 3. Lisboa: Neogravura Lda., 1974.

SILVA, Dilma de Melo. A iniciação após a morte: notas sobre os ritos de iniciação femininos entre os
Bijagós da Guiné-Bissau. Dédalo, v. 27. p. 129-144, 1989.

_ _ _ _ _ _ _ _ . Por entre as Dórcades Encantadas: os Bijagó da Guiné-Bissau. São Paulo:


Terceira Margem, 2007.

_________ . Os Bijagós da Guiné-Bissau: subsídios para os estudos do progresso de


transformação da economia tradicional e seus impactos socioculturais. São Paulo: Universidade de São Paulo,
1984. [Tese de Doutorado].

VOGEL, Susan Mullin. For Spirits and Kings: African Art from the Paul and Ruth Tishman Collection. New
York: The Metropolitan Museum of Art, 1981. p. 57.

139
Capítulo Ili -Artes do crer: religiosidade expressa por meio da arte

Um dos primeiros aspectos que aproxima arte e religiosidade africanas é o fato de elas serem antes
um fenômeno social do que individual. O artista africano, as pessoas que fruem dessa arte, bem como os
sacerdotes/curandeiros e os demais que se beneficiam de suas atividades religiosas pertencem ao mesmo
grupo de afinidade e ao mesmo campo de trocas simbólicas. Tanto a noção de um deus de culto individual
- ou seja, um deus que não exigiria uma prática coletiva - quanto a noção de "arte pela arte" - uma arte
autônoma, com fim em si mesma e que não exigiria, no limite, um fruidor - são conceitos avessos à cultura
tradicional africana (VANSINA, 1999, p. 41).

A noção de coletividade domina a experiência artística e religiosa africanas de tal maneira que os an-
tigos etnógrafos fantasiaram encontrar em ambas um conceito que sintetizasse toda a sua visão de mundo:
a noção de "animismo", isto é, a crença na potência oculta de objetos "visivelmente" inanimados. Do ponto
de vista evolucionista esse conceito parecia essencialmente correto. A religiosidade africana, considerada
então primitiva, estaria ligada aos ritos do paleolítico. Figuras de pedras, estatuetas de madeira e de outros
materiais naturais representando mulheres com seios enormes ou orgãos genitais masculinos desproporcio-
nais, bem como a adoração de uma pedra, madeira ou água que corre num rio seriam provas sintomáticas da
incompreensão das relações causais da natureza e da crença dos "nativos" na "superada" ideia de divinização
de objetos inanimados ou de fenômenos naturais.

Antropólogos como o inglês Sir Edward Burnett Tylor, que popularizou o termo "animismo", conside-
ravam tal adoração "a mais antiga forma de religiosidade", no sentido não ambíguo do termo "primitivo", isto
é, de quem não atingiu o patamar civilizatório da Europa:

o animismo caracteriza tribos muito baixas na escala da humanidade, e daí ascende, profun-
damente modificada em sua transmissão, mas do início ao fim preservando uma continuida-
de ininterrupta, em meio da alta cultura moderna. [...] O animismo é, de fato, o fundamento
de a Filosofia da Religião, desde a dos selvagens até a dos homens civilizados (TYLOR, 1871,
p. 385). 30

Um conjunto de espiritualizações do mundo material, entre outras ideias consideradas "tribais", in-
dicaria a "infância" teológica do homem africano, que parecia ainda não haver encontrado a "unidade da
diversidade" ou a aquela força motriz do vir a ser numa divindade unívoca. Tal força seria indicativa da ra-
cionalidade totalitarista historicamente flertada por diferentes monoteísmos. Logo que viram, por exemplo,
as figuras de poder Mi-nkisi dos bakongo, os missionários e viajantes portugueses as chamaram de "feitiço"
(MACGAFFEY, 1977). Foi nesse mesmo ritmo interpretativo que os etnógrafos do século XIX assumiram que
a religiosidade geral africana relacionava-se ao "fetichismo" - crença em objetos inanimados capazes de
alterar as forças naturais, aos quais poderiam ser creditadas forças ocultas e poderes mágicos capazes de

30. Não pode ter sido apenas por razão prática que apenas - ou principalmente - a parte de madeira das máscaras africanas fosse
conservada em museus do período colonial até hoje. Ajustificativa era válida: os tecidos, a ráfia, pigmentos, entre outros elementos
naturais, se degradam rapidamente. No entanto, em verdade, para os europeus que coletaram esses objetos o valor etnográfico versus
o valor estético não equivalia ao valor cultural e religioso que as fibras vegetais e outros materiais orgânicos tinham para os africanos
aplicados em suas máscaras e esculturas.
140
interferir na vida prática e no mundo natural.

Do latim "facticius" provém o termo "fictício", ou seja, 11artificial". O que em português se tornou 11fe-
tiche/feitiço" ou "coisa feita" - de preferência, pelo feiticeiro, ocupação de quem faz feitiços - era a interpre-
tação perfeita para o uso ideológico na dominação material e intelectual por meio da hierarquização religiosa
e artística. Nesse programa de dominação, também o objeto de culto africano adviria de alguém 11suspeito",
tal é a mescla entre aquele que louva um deus por meio de um objeto e quem produz o objeto a ser louvado.
Até em inglês os termos 11sacerdote" (priest), "curandeiro" (healer) e ''feiticeiro" (sorcerer) atribuídos aos
africanos tradicionais são igualmente sinônimos para 11doutores bruxos" (witch doctors). Na literatura etno-
gráfica francesa e alemã igualmente há pouca distinção concreta entre os termos 11prêtre" ou 11der Priester''1
11
guérriseur'1 ou 11der Heiler'' e 11sorcier11 ou 1'der Zauberer". Essa mesma literatura também sempre preferiu
não distinguir o operário manual (artesão), o artista e o fetichista - relegados da humanidade, dignos de
piedade ou da simples exclusão social e histórica.

O próprio administrador colonial francês Maurice Delafosse (1870-1926), que viveu na Costa do Mar-
fim entre 1894 e 1897, já tinha desmistificado seus pares europeus contra os que viam em quaisquer escul-
turas africanas a expressão do '1 fetiche", da religiosidade ou da superstição. Em 1900, criticou seus colegas
ao dizer que ''os bau/ê têm muitas estatuetas de homens e mulheres [que] os europeus normalmente con-
sideram fetiches ou ídolos, mas que, na verdade, não são de modo algum religiosas" (DELAFOSSE, 1901, p.
13-14). Delafosse vai além, atribuindo a ideia de deus único a uma 11adoração de classe" reservada apenas à
alta hierarquia social, desde intelectuais a reis:

o conhecimento desse deus único era reservado aos estudiosos, aos reis; e como eles não
lhe renderam nenhuma adoração aparente, sua noção não penetrou no vulgo. Seus próprios
atributos personificados e honrados tornaram-se deuses visíveis, cuja arte por um lado e a
diferença de origem das raças que compunham o povo egípcio por outro multiplicaram as
imagens ao infinito. Entre os Bau/ê, nesse país cuja religião é geralmente qualificada com
este termo absurdo de "fetichismo", ocorre absolutamente da mesma maneira (DELAFOSSE,
1901, p. 29-30).

Delafosse foi por anos a única fonte primária nos estudos da arte dos baulê. Na contemporaneidade,
a africanista norte-americana Susan Vogel associou as esculturas registradas por ele como as figuras antropo-
morfas femininas e masculinas conhecidas como bialo bla e bialo bian - esposa e marido, respectivamente.
Mas a exclusão é tão antiga que, assim que os europeus iniciaram o contato com os africanos subsaarianos,
no início da idade moderna, compararam aquelas produções às
11
artes da bruxaria", com as quais já estavam
acostumados. Não foi à toa que o parlamentar britânico Reginald Scot (1538-1599), no início do capítulo XXI
de seu livro The Discovery of Witchcraft (1584) ("A descoberta da bruxaria"), de 1584, já falava em blacke
art practitioners. ("praticantes da arte negra") - com significado de "bruxaria" (SILVA, 2016, p. 47, nota 40).

A contraposição e a separação incontornável entre o mundo material e o mundo espiritual da reli-


giosidade medieval europeia fizeram a maior parte dos viajantes e marinheiros, principalmente a maioria
iletrada, julgar as práticas religiosas africanas como feitiçaria. Ao contrário, abundam na literatura etnográ-
fica os exemplos de que a prática de feitiçaria na África tradicional sempre foi passível de severas punições
(WESTERLUND, 2006, p. 180). Isso ocorre porque a feitiçaria não está de forma alguma incluída na noção de
religiosidade - os feiticeiros e suas práticas são, no mais das vezes, vistos como párias sociais. "O feiticeiro
usa os princípios da magia, que podem ser aprendidos e praticados por qualquer pessoa. Mas a feitiçaria
141
dificulta e subverte os processos da natureza, portanto é perigosa, secreta e muitas vezes proibida por lei"
(APPIAH & GATES, 2005, p. 689).

Falamos da visão preconceituosa de missionários, viajantes, marinheiros iletrados e intelectuais posi-


tivistas e/ou racistas sobre a religiosidade africana. Mas também alguns autores iluministas, liberais e franca-
mente bem-intencionados impediram não só uma melhor compreensão dessa religiosidade como estimula-
ram a má interpretação dos objetos de culto, os quais foram os últimos incorporados à noção de arte africana
apenas enquanto uma forma de "arte ritual".

No século XVIII ainda não havia sido elaborado o discurso da justificativa colonial, e o conhecimento
da religiosidade africana na Europa era nulo. Embora Diderot, como os demais pensadores iluministas, fosse
crítico ao racismo e à escravidão, certos rituais e costumes dos povos subjulgados no Oriente que chegavam
aos ouvidos europeus eram considerados bárbaros e bizarros. Tidos como "superstições", tornaram-se um
dos primeiros alvos contra os quais os iluministas lançavam sua crítica filosófica (DIDEROT, 1875, p. 210).

Já é bastante conhecida a posição racialista de Voltaire, apresentada no ensaio "Sobre os costumes e


o espírito das nações", de 1756, que inferioriza os negros africanos em relação aos europeus a partir de suas
características físicas:

seus olhos redondos, seus narizes chatos, seus lábios sempre grandes, seus ouvidos dife-
rentemente figurados, a lã de suas cabeças, a própria medida de sua inteligência, colocam
tremendas diferenças entre eles e as outras espécies de homens. E o que mostra que não
devem essa diferença ao seu clima é que negros e negras, transplantados para os países mais
frios, sempre produzem animais de sua espécie, e os mulatos são apenas uma raça bastarda
de um preto e uma branca, ou um branco e uma preta (VOLTAIRE, 1756, p. 4).

Digamos do Voltaire histórico o mesmo que disse o General Charles de Gaulle sobre as opiniões políti-
cas de Jean-Paul Sartre na breve "era das trevas" de maio de 1968: "não se pode prender Voltaire!" {GAULLE,
2003, p. 239). Se homens e mulheres africanos eram assim considerados na era das luzes, o que se pensava
de sua arte e religiosidade? Não seriam esses homens e mulheres ademais que, até certo ponto sustentaram
posteriormente o enriquecimento de parte da elite de alguns países europeus, facilitando o salto econômico,
afluência e a acumulação do capital e de ideias para proveito da civilização europeia como um todo?

Se os desdobramentos do Iluminismo e da Renascença ao longo do século XIX culminaram de algum


modo nas teses do racismo científico, assim como o academicismo culminou no Romantismo, devemos ape-
nas pensar que a história, a filosofia e a antropologia na Europa não tiveram a mesma sorte de suas artes
plásticas?

Ao acolherem no seio francês, centro intelectual da época, um simpatizante anarquista espanhol


como o jovem Pablo Picasso, filho de uma efervescência anterior desde Paul Signac, Camille Pissarro, Ma-
ximillien Luce até Georges Seurat, Frantisek Kupka etc., como desbravadores de uma nova era artístico-so-
cial, já em seu nascedouro iluminista e pós-iluminista ocorreriam severas modificações dessa percepção e
comportamento em relação aos negros africanos. Modificações que estavam ainda em voga na mentalidade
positivista e vitoriana da virada do século XIX ao XX.

Mas pouco antes do "período africano" (1907-1909) de Picasso, o arqueólogo autodidata Leo Frobe-
nius desenvolvia a sua teoria sobre a civilização grega perdida da Atlântida, que ele supostamente encontrara

142
no coração da África (MILLER, 1999). As cabeças e bustos que Frobenius encontrara na Nigéria em 1910, de
um vibrante e sofisticado naturalismo, não se pareciam em nada com o que se conhecia da arte africana até
então. Consideradas "artes" africanas, na época, eram aquelas formulações abstratas, deformadas, "primiti-
vas" que tanto empolgavam os jovens artistas europeus. Mas as cabeças, ao contrário, indicavam tanto técni-
ca quanto formalmente que eram obras pertencentes às tradições artísticas europeias - leia-se "civilizadas"
- na África. Notava-se o uso da elaborada técnica da cera perdida, além da representação naturalista, tida
como "o mais alto ponto da civilização" por associação à alta arte naturalista greco-romana ou ao neoclássico
da academia.

As cabeças de ifé de Frobenius inauguravam uma nova percepção da arte africana também por fa-
zerem parte da religiosidade iorub6, já que eram elementos do culto ancestral comemorativo da realeza.
A exaltação provocada pela descoberta de peças produzidas na África com avançadas técnicas de fundição
e modelagem, representações não fieis, como retratos, mas naturalistas, de reis, rainhas e outras pessoas
da aristocracia também comprovaram que os modelos de projeção dos interesses europeus no continente
haveriam de se tornar norma. Apesar dos visíveis traços africanos de algumas daquelas peças, Frobenius
pensara que jamais deveriam ter sido produzidas por nativos, dado o que se conhecia ou se supunha de sua
produção artística.

Lembremo-nos, contudo, do austríaco Felix Von Luschan, um contemporâneo menos citado que Fro-
benius, mas que figurou como excelente contraponto à ideia de Atlântida, hoje considerada esdrúxula. Lus-
chan já apontava, pelo menos desde 1901, que aqueles objetos do Benin, tais como os também naturalistas
que viriam a ser descobertos em lfé, eram indubitavelmente africanos (LUSCHAN, 1901, p. 9)31 • Isto se deu
quatro anos antes de Frobenius levantar a hipótese da civilização perdida e nove anos antes de o sensacio-
nalista New York Times anunciar, em 30 de janeiro de 1911, que o alemão havia descoberto "provas indiscu-
tíveis" da existência do lendário continente.32

Ao que parece, Leo Frobenius estava disposto a aceitar as belas "peças de culto" ancestral. Ainda que
estivesse errado quanto à origem e procedência delas, sua beleza estava "ancorada nos corpos negros" 33•

Boa parte da herança medieval reforçou a dicotomia entre o mundo material e espiritual, com conse-
quências diretas na elaboração artística. Acaso se quisesse aproximá-la do belo, deveria apresentar o ideal de
perfeição e pureza contidos na noção de espiritualidade equivalente à elevação daqueles feitos "à imagem
e semelhança de Deus". Quando o espiritual prevalecia em relação ao material, este se tornava um absoluto
negativo daquele. O que se deveria valorizar, tanto para os teólogos cristãos do período medieval quanto
para os negociantes, marinheiros e demais pessoas comuns do período moderno das grandes navegações,
era o "mundo espiritual". Esse mundo era visto como bom, belo e melhor em contraposição ao mundo ma-
terial, o seu exato oposto, já que ruim, feio e pior, e que levaria os homens às "baixezas" do corpo (matéria)

31. "Dieser ist rein afrikanisch, durchaus und ausschliesslich ganz allein afrikanisch" [tradução: O estilo desses bronzes é puramen-
te africano, exclusivo e inteiramente africano].

32. German Discovers Atlantis in Africa: Leo Frobenius says find ofBronze Poseidon Fixes Lost Continent's Place. Near Gulf of
Guinea; NewYork, 30 de Janeiro, 1911.

33. "Ancestrais filosofias africanas conceberam mais que um corpo, um corpo-pessoa em interações a corpo-comunitário, salva-
guardando a condição humana em equilíbrios socioambientais. Corpo-pessoa esculpido 'de cultura para o corpo, mas corpo que
abarca e atravessa todos os corpos individuais: é um corpo que contém a si a herança dos mortos e a marca social dos ritos'. Centro
e 'transdutor' de forças e regimes simbólicos, corpos negros canalizaram o máximo de energias disponíveis para suas comunicações
orais, 'ligadas à potência do corpo comunitário e do corpo singular"', comenta precisamente Maria Antonieta Antonacci (2014,
p.361), professora de História da África.
143
e consequentemente os afastaria da "altivez" do divino (espírito).

A tentativa de impor essa concepção auxiliou não só a difundir a noção de superioridade artística
europeia, mas sobretudo da religião cristã como ponto de vista que deveria ser imposto aos demais. Seria
essa a religiosidade dos que haviam atingido um alto grau de desenvolvimento na era espiritualista, isto é,
no período em que se valorizava a transcendência, a exterioridade do divino. Além de monoteísta, redentora
e abstrata, era também vista positivamente como a Religião Verdadeira. A religiosidade dos africanos, que
ainda estariam em "estágio inferior" de desenvolvimento positivo, era materialista, isto é, valorizava a ima-
nência, os elementos da natureza, além de politeísta, desgarrada e concreta. Portanto, juntamente com sua
arte religiosa, tão cheia de materialismos na forma de folhas, madeira, pedra e outros materiais orgânicos,
devia ser banida. Um dos métodos de exílio e confinamento, antes da tortura e da morte, era a prática de
estigmatização e a associação imediata de quaisquer manifestações religiosas africanas ao culto de ídolos e
à presença de forças demoníacas e maléficas.
Pouco ou nada se levou em conta da tendência abstrata - ou "difusa" (IDOWU, 1975, p. 135-136) -
ao monoteísmo de muitos povos africanos, como por exemplo dos banto e seu deus criador Nzambi, dos
bakongo, o deus único dos swazi, que pré-existia à criação, chamado Mvelincanti, o Ngai dos kikuyo do atual
Quênia etc. Vemos essa mesma tendência entre os sudaneses, como a deusa criadora Mawu (ou Mawu-Lisa)
dos /on daomeanos, o Chi, Obasi ou Chukwu na lgbolândia, atual Nigéria, o ser supremo Bali dos yaurê da
Costa do Marfim, entre inúmeros outros. Nenhum foi tomado em consideração nessa "teoria" das religiões
africanas. Nem a consciência da impossibilidade de hierarquização entre uma fé num deus abstrato, em
muitos deuses concretos, em uma trindade santa ou uma virgem que concebe um deus, como a Maria dos
hebreus cristãos; sequer uma divindade como Dioniso, gerada "nas coxas" de Zeus, seria suficiente para o
convencimento da diversidade religiosa nas mentes ávidas pela dominação ideológica. Apenas a fé seria a
resposta ao questionamento entre os diferentes tipos de tabulações e entendimento sobre o que é o divino.

Para complicar, a maior parte das práticas religiosas africanas incluía pinturas, desenhos ou um objeto
tridimensional manufaturado. O que forçou a falsa compreensão antiga de que toda arte africana era religio-
sa; de modo semelhante como a compreensão moderna identificou que todo objeto religioso ou etnográfico
africano era "arte".

É curioso que o interesse modernista na arte africana tenha partido justamente das máscaras e
seguido para as estatuetas, ainda que essas obras representassem uma pífia parte de pequenas regiões e
de alguns poucos grupos de saber dentre todo um espectro de objetos africanos (DUERDEN, 2000, p. 29).
É certo que quantidade impressionante de objetos do continente está impregnada de religiosidade. Mas,
vistos do Ocidente, por ironia tudo na África ou no Oriente seria redutível à religiosidade. Num exemplo
disso, diante de uma pecinha qualquer numa feira de bugigangas, o turista aponta e pergunta ao vendedor
africano: simboliza o quê?

Para muitos, no Ocidente é paradoxal que a religiosidade permeie todos os aspectos da vida africana,
desde a palavra até os objetos dos reinos mineral, vegetal e animal, com o seu quinhão de "coisas" sagradas.
E não há essencialmente uma luta entre o que seria transcendente - o além do mundo das coisas - e o que
seria imanente - a totalidade das coisas naturais. Para os akan de Gana, por exemplo, Asamando é o local
para onde os mortos vão, assim como os deuses gregos residiam no Olimpo. Não era o céu abstrato cristão
nem um lugar a partir do qual transcendia a natureza, mas um monte visível específico. "O Asamando é de
particular importância para a cosmologia Akan porque fornece a base para a consciência coletiva ou para

144
ideias de moralidade. As pessoas tentam viver em retidão para que, quando chegar a hora, sejam admitidas
no Asamando" (BLAY, 2009, p. 69).

Outro africanista diz algo semelhante sobre a religião ashanti, um dos povos Akan de Gana:

não é exagero afirmar que a religião é presente em todas as coisas. A religião dita o valor que
o povo Akan coloca no coletivo sobre o indivíduo. Ela informa ainda o Akan de sua moral, e
valores como esse se relacionam com a interação humana, uns com os outros, assim como
com o universo. Até esteticamente a percepção ashanti de beleza reside nas crenças religio-
sas dos ashanti (ALKEBULAN, 2009, p. 71).

A imbricação entre religiosidade e arte africanas impõe a muitos artistas um mergulho muito grande,
mas natural, nessa "coletividade". A ponto de que, muitas vezes, a sua individualidade, a sua originalidade, a
sua "mão", bem como os seus próprios ideais de beleza sejam secundários em relação às exigências sociais
daquele grupo cultural em questão.

Segundo a tradição de estudos de arte africana, talvez inspirada pela herança do uso de máscaras
no teatro religioso grego, nenhum objeto entre as manifestações artísticas tradicionais da África se reduz ao
conceito de religião mais do que as máscaras (SEGY, 1976, p. 21). Apesar disso não são poucas as máscaras
que compõem grande parte das "artes do teatro" e do "entretenimento" não necessariamente religioso,
colocados aqui entre aspas porque não há entretenimento puro na tradição africana, assim como não há re-
ligiosidade pura. O que há é uma imersão no universo plural multimídia que seria, na verdade, um esforço de
coesão, controle e equilíbrio sociais, muitas vezes travestidos ou identificados nas manifestações artísticas,
nas manifestações religiosas e igualmente no entretenimento.

Essas questões envolvem o problema das chaves de classificação dos objetos africanos, bastante es-
tudados (VANSINA, 1999, p. 53). Não se deve supor que a variedade e a complexidade dos usos de máscaras
e estatuetas pudessem se encaixar na nossa limitada capacidade de classificação delas, principalmente por-
que arte e vida não são necessariamente fáceis de distinguir quando tratamos das africanidades. Então foi
comum supor que o uso de máscaras na África tradicional estivesse ligado, necessariamente, a algum rito
específico. Mas há dois grandes campos que não divergem entre si; ao contrário, estão intimamente imbri-
cados: a religiosidade e o entretenimento.

Máscaras como as do teatro de marionetes sogo bo do Mali e as bole dos bobo-bwaba de Burkina
Faso são de entretenimento e permitem à imaginação dos artistas criar livremente formas inovadoras nelas
(ROY & WHEELOCK, 2007, p. 34). Tanto para o entretenimento quanto para a religiosidade, inúmeros povos
desenvolveram máscaras que escapam às nossas manias de classificação e análise.

De forma cortante, as máscaras Chokwe passaram a ser usadas principalmente para entre-
tenimento. Trupes usando máscaras viajam de aldeia em aldeia, vivendo de presentes rece-
bidos em apresentações. As mais populares e mais conhecidas máscaras de entretenimento
são a Pwo e a Chíhongo, o espírito de riqueza (SHAKAROV & SENATOROVA, 2015, p. 115).

Ora, não há um livro clássico de arte africana com argumentos explanatórios em relação à arte
tchokwe que não fale da função ritualística ou iniciática das máscaras Pwo e Chihongo (lê-se "tchihongo").

145
Não é que os especialistas fossem tendenciosos ou que não se livrassem do centro gravitacional religioso
africano em suas observações, mas a quantidade de elementos a "traduzir" das elaborações religiosas africa-
nas é tão grande que, se falassem da função de entretenimento dessas máscaras, as descrições e explicações
não passariam de umas poucas linhas. Então continuamos mergulhados no universo infinito e misterioso
africano, com suas sutilezas religiosas e não religiosas nem sempre fáceis de discernir. E com uma enormida-
de de informações quase sempre desencontradas, pois os chamados "informantes locais" se contradizem em
suas interpretações de si mesmos. Por serem tradudores/traidores de sua cultura, mereceriam gigantescas
cerimônias fúnebres, embora vivam tão esquecidos individualmente quanto os artistas sem nome da tradi-
cional África.

Por outro lado, apenas os turistas exigentes não gostam das máscaras como entretenimento. Aqueles
que, em expedições controladas, viajam horas para os interiores africanos atrás da ilusão da "cultura pura",
"intacta", "imóvel" do tribalismo. Não raro são os mesmos que possuem "nostalgia" dos objetos da "tradição
verdadeira", sem "impurezas" como as noções de comercialização, modernização, "artes para o entreteni-
mento" etc. 34

Em geral se dividem os usos conforme as práticas de agricultura, muitas vezes com festividades sa-
zonais; a busca pelo aumento da fertilidade, seja dos seres humanos ou da terra; a celebração de eventos
memoráveis etc. É comum ocorrer a convergência de dois ou mais desses usos. Assim, uma máscara com
função agrária pode, eventualmente, ser incorporada num funeral, e isso se explica por causa da importância
dada aos ancestrais para a regularidade da natureza e da sociedade. Nesse sentido, o culto ancestral é uma
manifestação central da cultura, e por isso influencia os demais aspectos das sociedades africanas tradicio-
nais, incluindo o uso de máscaras.

A religiosidade africana resguarda como suprassumo uma prática que foi chamada no Ocidente de
"culto de ancestral" - uma forma de honrar aqueles que vieram antes e que, pelo pioneirismo, possuem força
especial. Embora esse aspecto do respeito aos mais velhos - e até mesmo uma verdadeira adoração aos fale-
cidos - seja praticamente unanimidade entre os diferentes grupos, isso não significa que toda a religiosidade
africana possa ser resumida na ideia do culto de ancestral. É verdade que uma série de práticas de orações,
sacrifícios, relatos orais sobre fatos do passado, produção de máscaras, estatuetas, cetros, bustos, materiais
do falecido, entre outros objetos de altares compõe uma parte significativa da religiosidade. No entanto, há
outra parte igualmente importante que não está necessariamente contemplada dentro da gama desse culto,
tal como fora impingida à religiosidade africana em geral. Ela faz menções a mitos, ao culto a divindades não
históricas, entre outros aspectos do relacionamento religioso ou da integração dos povos com a natureza.

Não há um conceito único que defina a religiosidade ou as artes africanas. Para cada grande conceito
da antropologia da arte e da religião, por exemplo, encontramos um substrato plástico ou musical a que a
expressão artística visa corresponder em termos espirituais. É assim que conceitos como fertilidade, justiça,
equilíbrio social, hierarquia, tendência à centralização de poder etc. refletiriam, por meio da expressão artís-
tica, uma potência sem a qual as relações humanas seriam mais abstratas e supostamente suscetíveis a mau

34. No Ocidente, o conflito entre o que seria "arte'', elevada a um status singular, em de1rimento do seu status medíocre de mero
"entretenimento" - ou das chamadas "artes menores" -, também pode ter influenciado até hoje a nossa tacanha perspectiva da arte
africana tradicional e contemporânea. Do mesmo modo que o conflito medieval entre o mundo material e o espiritual, entre outros,
como os enfrentados pelos intelectuais positivistas do século XIX. Para os novos turistas que conquistaram a authebung (elevação,
superação, negação) hegeliana, quanto mais "autêntica" a participação de "ritual", de "sinal de uso", de ''permanência" na cultura,
mais as peças ganhariam status de autenticidade. Obviamente esses "documentos" seriam carimbados pelos que são de fora como
"genuínos", logo dignos de deixarem seu contexto original para povoarem os museus da Europa e dos Estados Unidos e reiniciarem
seu ciclo dialético e totalitalizante.
146
funcionamento, segundo boa parte das sociedades africanas mais hierarquizadas.

Um esforço pelo levantamento dos grandes conceitos que permeiam a arte africana é decisivo para
seu estudo, inclusive naquilo que puderem ser minimamente distinguidos, particularmente do ponto de vista
espiritual. São aspectos da vida africana que dispõem uma "abordagem", a qual geralmente se gerencia pelo
uso de uma série de materialidades; uma "explicação", que geralmente se organiza pela herança mítica da
tradição oral e pelo chamado "conhecimento tradicional"; e uma "fundamentação", que oferece conforto
social por meio do estabelecimento de ritos.

Os grandes conceitos mais identificáveis no trabalho de campo antropológico são: vida e morte (an-
cestralidade), procriação (fertilidade e virilidade/maternidade) e abundância (fertilidade da terra), controle
social (judiciário), poder e associações (centralização e hierarquia), iniciação (vida adulta), sigilo (mística),
divindade (espiritualidade), os chamados "espíritos da floresta", "génies'' ou "tricksters'' ("gênios", "malan-
dros" ou o arquétipo do "herói trapaceiro"), conhecimento medicinal (cura) e destino (segurança/inseguran-
ça em relação ao futuro).

Esses conceitos, tão incutidos na arte africana, não são estanques; muitos são intercomunicáveis e
intercambiáveis. Uma máscara de iniciação, por exemplo, pode tanto conter um aspecto místico, que sugere
a manutenção de sigilo religioso, quanto demonstrar ao iniciado os meandros hierárquicos e a estrutura de
poder daquela sociedade. Uma poderosa boneca de fertilidade pode ser utilizada como mero brinquedo,
bem como objetos de ritos agrários podem se referir à vida e à morte sustentadas pela linhagem ancestral.
Por isso mesmo o controle social é medido e regrado pelos ancestrais, daí a necessidade do seu culto.

O fato de a arte africana ter sido teorizada inicialmente a partir de um conceito até certo ponto con-
traditório para a mentalidade europeia do século XIX, como o de "artes funcionais", forçou um mau uso dos
conceitos antropológicos. Quando se tentou reduzi-la ao seu aspecto funcional, em detrimento do estético,
acabou confundida com um mero "mecanicismo" ou "instrumentalismo". Por sua vez, a arte africana foi tida
como uma vítima "historicismo" no século XX, quando reduzida ao seu aspecto "puramente" estético em
detrimento do funcional. Essas definições redutoras para as funções das peças africanas eram estabelecidas
também devido às inúmeras regras práticas às quais máscaras e estatuetas estavam submetidas em seu con-
texto de origem, que dificultaram a analítica e o cartesianismo etnográfico, bem como tolheram dentro do
esteticismo uma gama muito variada de objetos, cuja forma às vezes podia ser irrelevante frente à sua fun-
ção. Um exemplo dessa última questão são as máscaras cuja beleza era medida não por sua forma, mas por
sua efetividade ou uso, ou seja, quando executava bem aquilo para o qual elas foram feitas. Para inúmeros
povos, a qualidade da obra era medida a partir de sua capacidade e força efetiva. Referindo-se indistintamen-
te a objetos ritualísticos dos iorubá, Juba, baulê e bakongo, Alisa LaGamma e John Pemberton {2000, p. 20)
dizem que, "em todos os casos, a eficácia do objeto em transmitir essa ideia [o conceito do ser (se/f) como
recipiente, incorporação da força (power)] é o critério último de sua qualidade estética e fornece a base de
seu uso num ritualº.

Foram listados, na história da conceituação da arte africana, alguns dentre diversos termos antro-
pológicos da arte etnográfica que abrangeriam o campo de sua funcionalidade: função iniciática; função de
culto à ancestralidade; função de fertilidade; função de poder (gerontocracia, hierarquia e cura, muitas vezes
filosoficamente mesclados). Todas as vezes que o classificador não soubesse a função, certamente reservaria
a etiqueta mágica do "uso cerimonial". Sabemos hoje o quanto esses conceitos são intercambiáveis em sua
natureza, portanto apenas parcialmente úteis enquanto denominadores na compreensão da atividade de

147
uso como um todo, e não na descrição pontual do objeto relacionado à atividade.

Por isso não podemos falar tão abstratamente de objetos que vão muito além de nossa capacidade
descritiva e analítica. Acreditamos que os bons métodos de aproximação desse enorme repertório estilís-
tico-espiritual são aqueles que aparecem depois de verificados os fundamentos da arte religiosa africana
enquanto "artes do crer". Em outras palavras, como uma execução da assem biagem de técnicas artística que
expressam uma ou mais crenças e assim sugerem uma integração pouco passível de análise, pois envolve
sigilos e práticas enigmáticas incomensuráveis. Avaliar os objetos de forma dedutiva não apenas em si mes-
mos, mas dentro do seu contexto amplo de influência, é o mínimo que podemos fazer para nos aproximar-
mos desse "enigma" de forma respeitosa. O que implica renunciar às determinações de suas diferentes cha-
ves de classificação, senão abarcá-los em sua multiplicidade funcional, sem qualificativos estanques que os
minimizem. Eis os motivos pelos quais, na Europa e nos EUA, tem se abandonado os modelos estanques de
classificação de objetos por forma, material e função. Modelos herdeiros da teoria de conjuntos, do cartesia-
nismo falacioso e da "etnocentrografia" do século XIX, que infelizmente abundam ainda hoje na catalogação
dos objetos em museus brasileiros e tropicais.

Por mais que se criem parâmetros racionalistas que partam do geral para o particular, ou grandes
teorias de conjuntos da função, guiando-se do universal para o particular, a caracterização do uso prático e a
determinação das funções de uma máscara ou estatueta etnográfica seriam sempre secundárias se compa-
radas ao contexto amplo de uso, às variações locais, ao conjunto de significações adquiridas no tempo etc.
Os métodos de classifiação museológica pecam pela ausência de incorporação de dois conceitos: "campo
semiológico" (BARTHES, 1964), para busca dos significados, e "campo epistemológico", que abriga o saber
desses objetos no seu contexto de origem e na variabilidade espaço-temporal. Como diz Lisy Sal um, ao "nor-
tear-se no uso/função do objeto, o campo epistemológico em que se insere o objeto é que garante sua posi-
ção na malha classificatària, garantindo, a nosso ver, a sua abordagem nas esferas do tempo social, mítico e
cosmogônico de origem" (SALUM, 1997, p. 75).

Entre os grupos de saber africanos, a interface humana com o divino é feita não pela classificação es-
tanque, mas por meio da cultura material integral e pela arte em sentido amplo, inclusos aí entretenimento,
bem-estar, poder, controle, religiosidade e prazeres espirituais e sexuais. Os objetos artísticos podem servir
como intermediários que tornam a fé mais concreta. Por isso as formas daquele objeto remetem ao sagrado
e tendem a se manter mais "intactas", por assim dizer, ou menos passíveis de grandes modificações da figura,
a não ser que ocorra alguma reforma ou evento que as tenha modificado estilísticamente de fora.

Mas isso não significa que todas as suas elaborações estariam engessadas dentro da determinação
religiosa, como pensava Carl Eistein (ZEIDLER, 2004, p. 129}. Frank Willett, por exemplo, baseando-se em
relatos de missionários publicados em 1957 por Adrian Gerbrand, distinguiu, entre outras, a arte decorativa
dos bawoyo da República Democrática do Congo como exemplo de uma arte não religiosa africana (WILLEn
1971, p. 166}.

Reforçamos que a arte africana é icônica e conceituai, mas isso não significa que deva ser cindida e
dividida entre os especialistas da religiosidade, da antropologia e da etnografia africanas, ou entre especialis-
tas de decodificação dos códigos estéticos e estilísticos de milhares de povos. Embora não acreditemos que
seja possível fazer uma definição geral da "arte africana" também em seu aspecto religioso, temos por certo
que se pode tentar pelo menos uma aproximação em relação a esses objetos não encarados individualmen-
te, mas no seu amplo espectro orgânico e funcional, e adquirir daí algum nível de compreensão de parte das

148
significações que detinham ou ainda detêm em seu contexto original. As forças que esses objetos querem
mobilizar fazem parte do jogo de imersão e submersão de formas e crenças nas quais os signos místicos e
sobrenaturais, mesmo os sigilosos, não concorriam com os signos da tabulação artística; a composição entre
religião e arte, nesses objetos, é, portanto, indivisível.

Referências

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150
Ouganga [sacerdote] tentando revelar um bruxo
(NORTHRUP, Henry D., 1889)

151
Estatueta de Poder Estatueta de Poder
Cultura: sangue (ou songye)
Cultura: sangue (ou songye)
República Democratica do Congo República Democratica do Congo
Madeira e metal Madeira e metal
Dimensões: Dimensões:
(37,5cm H x 16cm L) (37,Scm H x 11 cm L)
Afr.000.537 Afr.000.554

152
Nkisi

r~:;GO/ REPÚBLICA
~isangani

Os sangue (songe ou songye) vivem no sudeste da Re-


f '- DEMOCRÁTICA pública Democrática do Congo. Segundo Hahner et al. (2007,
00
B ra zz av ill e
~JKin sh3s 3
CONGO
p. 91 ), esse tipo de estatueta pode ter servido de modelo para
raras máscaras faciais dos sangue. Essas estatuetas de poder
o
Lu ;:inda nkishi como estas eram símbolos de unidade e proporcionavam
_,.... fertilidade para a comunidade. Segundo a especialista brasileira
(
ANGOLA em sangue, a professora aposentada Ora. Marta Heloísa Leuba
1 ZAMBlA
Salum, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade
de São Paulo, a estatuária deles "se caracteriza pelo acúmulo
de material animal, vegetal e mineral sobre a figura humana
esculpida. Os songye conheciam as propriedades medicinais dos elementos da natureza ali contidos (da ma-
deira da estatueta a conchas trituradas); alguns eram simbólicos (a pena de um pássaro, pela sua raridade; a
pele de um mamífero, pela sua rapidez)" (SALUM, 2015, p. 14) entre outros materiais imbuídos de força.

Referências

HAHNER, lris et al. African Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York:
Prestel Verlag, 2007. p. 91.

HERSAK, Dunja. Several Commentaries in Gustaaaf Verswijver et al. (eds.). Treasures from the Africa-
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SALUM, Marta Heloísa Leuba (Lisy). A Grande Estatuária Songe do Zaire. Dissertação de Mestrado - Fa
culdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990.
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _.'Estatueta Songye'. ln: BEVILACQUA, Juliana Ribeiro da Silva; SILVA, Rena
to Araújo da. África em Artes. São Paulo: Museu Afro Brasil, 2015. p. 14.

153
Oráculos Katatora

Cultura: sangue (ou songye)


República Democrática do Congo
Madeira
Dimensões: (33 cm H x 11,5 cm L)
Afr.000.535 a e b
154
155
katatora
CóNGO

Os sangue vivem no Centro Oeste República Democrática


do Congo. A katatora é um instrumento de adivinhação utilizado
entre os sangue e os luba (SEGY, 1958, p. 100), pois são povos que
compartilham a mesma herança linguística e uma cultura remota.
O verbo "kutotola" significa "bater na porta de alguém repetida-
ANGOLA
mente para conseguir entrar" (LaGAMMA & PEMBERTON, 2000, p.
44). Isso se relaciona ao evento de adivinhação com o uso do orá-
culo katatora. Para iniciar a consulta, de frente um para o outro, o
adivinho e o cliente inserem, um de cada vez, dois dedos de uma das mãos na parte circular (ou retangular) do
oráculo. Em seguida, "o adivinho pergunta sobre a causa do problema do cliente, formulada como uma série
de questões que demandam respostas do tipo 'sim' ou 'não' e dirigidas ao conselho espiritual do adivinho. As
respostas são registradas com movimentos do instrumento: uma resposta afirmativa é geralmente comuni-
cada por um forte movimento circular no sentido anti-horário, e uma resposta negativa, por uma inclinação do
oráculo, seguida por um movimento de varredura para a frente e para trás na superfície de uma esteira, de um
banco ou no chão" (LaGAMMA & PEMBERTON, 2000, p. 44).

Além de já ter sido confundido na literatura com braceletes ou tornozeleiras, as katatora, por sua vez,
também se assemelham ou têm alguma aproximação estilístico-cultural com os cetros. Assim, independen-
temente de sua função precípua, elas podem ser vistas também como objetos de prestígio. Por isso julgamos
interessante destacar alguns aspectos do uso de cetro entre os Sangue.

Quase de forma generalizada, o uso do cetro está relacionado a um cargo específico de atuação no
poder, seja político, religioso ou ambos. Por conseguinte, tanto se relacionados a um cargo próprio do cetro
cerimonial (HERSAK, 1986, p. 130) ou de identificação pessoal quanto visto como insígnias de um mensagei-
ro (MESTACH, 1985, p. 97), os cetros sangue são igualmente esculpidos com características antropomorfas.
Segundo François Neyt (1993, p. 123), "entre os Kalundwe e Songye, as formas [dos cetros] são bastante cú-
bicas e caracterizadas por cristas curvilíneas". De fato, alguns aspectos estilísticos sangue que lhes são carac-
terísticos aparecem tanto nos cetros quanto nas katatora, tais como o alongamento queixo, a testa protube-
rante, composição entre os olhos (muitas vezes representados fechados) e a boca (muitas vezes representada
sorrindo ou com os lábios saltados, como se emitissem o som "u", ou num formato retangular estilizado).

Referências

CORNET, Joseph. Art de l'Afrique Noire du Pays du Fleuve Zaire. Bruxelles: Arcade, 1972. [Cat. n. 36-39].

HERSAK, Dunja. Songye-. Masks and Figure Sculpture. London: Ethnograhica, 1986. p. 130.

LaGAMMA, A. & PEMBERTON 3rd, John. Art and Oracle-. African Art and Rituals of Divination. New York:
Metropolitan Museum of Art, 2000. p. 44.

156
MESTACH, Jean Willy. Etudes Songye: Formes et Symbolique; Essai d'Analyse. München: Galerie Jahn,
1985. p. 97.

NEYT, François. Luba: Aux Sources du Za'lre. Musée Dapper. Paris: Éd. Dapper, 1993. p. 123.

SALUM, Marta Heloísa Leuba (Lisy). A Grande Estatuária Songe do Zaire. Dissertação de Mestrado - Fa-
culdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990. p. 68.
SEGY, Ladislas. African Sculpture. New York: Dover Publications, 1958. p. 100.

Von WISSMAN, H.,et al. lm lnnern Afrikas: Oie Erforschungen des Kassai wahrend der Jahre 1883, 1884
und 1885. Leipzig: Brockhaus, 1891.p 255.

Katatora
(Von WISSMAN, H.,et al, 1891, p. 255)

157
Luba

Os luba vivem no Sudeste da República Democrá-


tica do Congo. Não encontramos na literatura exemplares
correspondentes a essa estatueta na literatura, entretan-
to, o modo de representação do rosto dela que remete a
\
uma das inúmeras representações da figura ancestral se
~
ANGOLA
assemelha à máscara kifwebe. dos luba

Otermo kifwebe (plural: bifwebe), segundo Robert


Farris Thompson (1979, p. 135), parece significar apenas
"máscara". As listras longilíneas que cobrem o rosto do objeto na forma de aparentes escarificações foram
relacionadas a um mito no qual exprimiriam "os subterrâneos de onde vieram os espíritos fundadores da so-
ciedade kifwebe ou o interior das cavernas de onde surgiram os primeiros homens" (BARGNA, 2011, p. 233).
De acordo com François Neyt (1994, p. 201 ), "o conceito kifwebe é familiar aos luba do oeste do kasaY, até os
tetela no Norte, sob o nome de 'mwadi'. A extensão geográfica de várias máscaras kifwebe é, portanto, extre-
mamente vasta".

Referências

BARGNA, Ivan. Arte da África Negra. Florence: Scala Group, 2011. p. 233.

NEYT, François Neyt. Luba: to the Sources of the ZaYre. Paris: Musée Dapper, 1994. p. 201.

THOMPSON, Robert Farris. African Art in Motion: lcon and Act. Los Angeles: University of California Press,
1979. p. 135.

159
Luba/Hemba

A histórica e mútua influência dos povos luba e hemba


pode ser notada em inúmeros objetos de suas culturas ma-
teriais. Uma peça semelhante a esta (embora com cerca de
35cm) identificada como "Fetishe com cabaça e conchas" do
Congo Belga pertencente à coleção parisiense de Tristan Tza-
ANGOLA ra foi publicada por Sweeney (1935, p.489) o qual descreve
sua função como um "fetishe para conjuração" (Idem, p.19). O
objeto chamado de conjuração, na realidade, é uma peça cuja
função precípua era o combate à feitiçaria. Entre os luba orientais, a entidade chamada kabwelulu (ou gênio
da montanha) (FRIEDRICH, A., 1939, p.169) é representada igualmente na forma de cabaças decoradas com
penas, conchas e caracóis, encimadas por uma figura humanoide, notadamente feminina, também seguran-
do os seios. (NEYT, F., 1993, p.162-3).

Referências

FRIEDRICH, A. Afrikanische Priestertümer. Vorstudien zu einer Untersuchung. Strecker und Schrõder,


1939. p.169.

MAES, J. Fetischen ofTooverbeelden Uit Kongo. Tervuren Annales du Musée du Kongo Belge. Ethnogra
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Fase. 1, 1935.

NEYT, François. Luba. Aux sources du Zaire. Paris: Editions Dapper, 1993. pp.158; 162-3.

SALUM, Marta Heloísa Leuba (Lisy). A Grande Estatuária Songe do Zaire. São Paulo: Faculdade de Filoso
fia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1990. p.77. [Dissertação de Mestrado].

SWEENEY, James Johnson. African Negro Art. New York: Mo MA, 193 5. p. 489.

TZARA, Tristan. La Sculpture Africaine et Art Moderne. Konstrevy, No. 2. Stockholm, 1933.

161
ltombwa
..,
Kisanganl
Q..
/ Os bakuba vivem na região centro sul da República De-
REPÚBLICA ( mocrática do Congo, no kasaY ocidental. Um dos processos de
DEMOCRÁTICA
DO
:razzav111 e , CONGO adivinhação kuba é desenvolvido por meio de figuras chama-

,...,..,,-
··l_/K1n s11 asa
das ltombwa. Esta peça da coleção lvani e Jorge Yunes per-

/"'" l ~~·
~ub m;sh1
[ tenceu à coleção do pintor, colecionador e comerciante de arte
africana húngaro baseado nos EUA Ladislas Segy. Na docu-
mentação da peça Segy (1985, no. 4716) diz que: "A figura da
ANGOLA

r ZAMBIA
Lu saka r
o '
adivinhação ltombwas (SIC) é feita da imagem de um animal
como um porco, cachorro ou crocodilos, com superfície plana,
que é umedecida e sobre a qual um disco de madeira ou de
gravetos é esfregado. Quando usado para curar o doente, o
curandeiro diante do doente esfregava o disco na superfície
plana da ltombwa e dizia ao paciente o que não comer beber ou fazer. Assim que ele dizia as coisas corretas,
o disco de madeira parava e ficava colada ao animal de uma tal maneira que se o animal ficasse virado para
cima, o disco não cairia. A mesma ltombwa também era usada para descobrir quem cometeu um roubo, ou
por qualquer suspeita de culpa. Mais uma vez o disco era esfregado para cima e para baixo - desta vez pelo
adivinho, que assistia o chefe como um juiz, - evocando o nome dos suspeitos: o disco pararia quando o nome
certo fosse evocado.

Referências

BAUMAN, H. & WESTERMAN, D. Les Peuples et les Civilizations de L'Afrique Paris: Payot, 1948, fig.100.

FAGG, William & ELISOFON, Eliot. Sculpture ofA/rica. Hacker Art Books, 1978. p. 211.

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SEGY, Ladislas. African Sculptures Speaks.New York: A. A. Wyn, lnc., 1952, fig. no.1. p.11.

_ _ _ _ _ _ . ltombwa. Cartiftcate no. 4716. Coleção lvani e Jorge Yunes -SP [Setor de Documen-
tação] New York: Segy Gallery, July 14, 1985.

TODAY, Emile & JOYCE, T.A. Notes ethnographiques sur les peuples communément appelés Bakuba, ainsi
que sur les peuplades apprentées, les Bushongo.36. Bruxelles: Musée du Congo, coll. Annales du Musée du
Congo Belge, 191 O. pp.122, 123.

163
Nkisi

O uso de prego e espelho nos que foram chama-


dos "fetiches" 1 é um fenômeno único e importante da
UGA NDA

(
Karn pi
' 1
escultura dos kongo, embora figuras com substâncias
GABÃO
REPÚBUCA
DEMOCRATICA
p1v••••
t> Ki b~l mágicas incorporadas em várias partes do corpo também
DO Bu1J.n11.i r41
CONGO 'l\i~"°' sejam usadas por outras nações africanas. Tanto na Re-
pública Democrática do Congo (também conhecido como
Congo Kinshasa) quanto na República do Congo (chama-
do Congo Brazaville), bem como em Cabinda e no norte
da Angola, essas figuras são chamadas nkisi. O nkisi,
devidamente dotado com substâncias mágicas e adições
pelo Nganga (sacerdote ou médico curandeiro), tinha o poder de agir de várias maneiras. "Segundo Maes,
existem quatro principais tipos de nkisi, usados para diferentes propósitos. Nkondi são fetiches de 'ill omen'
[presságio de má saúde], geralmente brandindo uma lança ou uma faca, enquanto os 'npezo' são tão maus
quanto, mais ou menos ameaçadores na atitude. 'Na moganga' são figuras benevolentes que protegem con-
tra doenças e espíritos perigosos. Elas ajudam o caçador e o guerreiro; enquanto o tipo 'mbula' protege con-
tra feitiçaria" (GUILLON, 1984, p. 283).

Referências

GUILLON, Werner. A Short History ofAfrican Art. New York: Facts on File Publications, 1984. p. 283.

SCHILDKROUT, Enid & KEIM, Curtis. African Refl.ections: Art from Northeastern Zaire. New York: Ameri-
can Museum of Natural History, 1990.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ (eds.). The Scramble For Art in Central Africa. Cambridge; New York: Cam-
bridge University Press, 1998.

1. O termo fetiche, embora já tivesse começado a ficar em desuso em meados dos anos 1980, foi colocado propositadamente aqui
para descrever como as "figura de poder" dos bakongo foram interpretadas não muito tempo atrás. Ainda assim, embora o termo
"figura de poder" seja bem estabelecido na literatura especializada, Enid Schildkrout e Curtis Keim (1990, p. 228) questionam tam-
bém o alcance terminológico desse termo: "a reapropriação do artefato como arte inclui a substituição de palavras antigas por novas
que reclassificam o objeto no universo cognitivo e moral do espectador. Um exemplo é a recente preferência pelo termo "objeto
de poder" para substituir o tradicional "fetiche". O objetivo é louvável, mas de quantas palavras precisamos? Quanta reorientação
pode ser acomodada em um rótulo?" Segundo eles, aplicado a essa peça, o termo "poder" é vago, e o termo "objeto" é enganoso se
o objetivo for transmitir algo que os bakongo viam num nkisi (SCHILDKROUT & KEIM, 1998, p. 228-229).
165
Tadep
Os mambila vivem no sudeste da Nigéria.
As figuras ancestrais chamadas Tadep, segundo Ja-
, NIGER
mes Yingpeh Tong (1967, p. 8), são colocadas atrás
de cortinas num galpão de armazenamento; essas
cortinas ou "redes" seriam na verdade telas pinta-
das chamadas "baltu". Trata-se de uma figura de
uso terapêutico (BARGNA, 2011, p. 171 ). Sua ges-
tualidade, às vezes com a mão esquerda (ou ambas
as mãos) sob o queixo (figuração que também apa-
rece em algumas representações reais de bancos
Port Harco&rt
o (
aristocráticos dos bamum), está relacionada à no-
D ouala
Malabo o Ç>Yaounde
ção de cura provinda de uma associação medicinal
chamada Suaga (SHAKAROV & SENARATOVA, 2015,
p. 87).

Referências

BARGNA, Ivan. Arte da África Negra. Florence: Scala Group, 2011. p. 171.

SHAKAROV, Avner & SENARATOVA, Lyubov. Traditional African Art an lllustrated Study. North Carolina:
McFarland & Company lnc., 2015. p. 87.

TONG, James Yingpeh. African Art in the Mambila Collection ofGilbert D. Schneider. Ohio: Athens Editions,

1967. p. 8.

167
Eket
l-"'~
Kadu~a NIGERIA
Gombe

doa
0
As máscaras ibibio de símbolo lunar foram atri-
o
buídas inicialmente aos eket (ibibios do Sudeste), entre
os quais, segundo Hahner et al. (2007, p. 52), são asso-

!
ll«ln
o
_o Oyo

'
11badan
ciadas principalmente à performance chamada "abubom".
Cidade
de
'Benin ~ YOU
Há relatos de que essas máscaras eram utilizadas pela as-

o Onltsha B i!mend n
W;irrl
o sociação Ekong, "a qual é conhecida por impressionantes
o CAMARÕES
espetáculos de dança de mascarados, organizados para
Yaounde
entretenimento e para funerais de pessoas eminentes". Do
o
ponto de vista formal, essas e outras máscaras ibibio com a
mesma característica geral (forma circular com alguns ele-
mentos ornamentais compatíveis com as máscaras de sím-
bolos solares) são também feitas em formato de disco, tais como as de referência lunar eket, que representam
a lua cheia; enquanto que os ornamentos laterais, de forma estilizada ou não, simbolizam luas novas (HAHNER
et al., 2007, p. 52), referindo-se ambas à abundância da terra. Elementos geométricos no interior do círculo
da máscara como os triângulos e os semi-círculos estão em contraposição formal e com contraste de cores,
demarcando assim, as complexas noções simbólicas dualistas por exemplo entre noite e dia (olhos e/ou som-
bracelhas semi-circulares), e o plantio e a colheita (raios de luz externos e/ou formas vegetais triangulares).

Referências

HAHNER, lris et al. African Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York:
Prestel Verlag, 2007. p. 52.

KOLOSS, Hans-Joachim. Africa: Art and Culture: Masterpieces of African Art, Ethnological Museum. Ber-
lin: Prestel, 2002. [Volume 1]. p. 207.

169
lgbo
r Z3rl01
Os igbo vivem no sudoeste da Nigéria. "Segundo a cren-
o
BENIM Kod''lJª NIGERIA ça de lbo, os deuses não podem ser vistos, mas residem sob
Jo•
o
pilhas de giz em santuários" (COLE, 1969, p. 39). Os deuses
ll <rln
o e os cultos associados a eles, no entanto, são representados
( Oy o

: lbadan por figuras de madeira masculinas e femininas, que assumem


Cidade

-o
Porto-Novo
-<> Lagos
de
Renin
uma forma humana idealizada. Seus sacerdotes regularmente
a
Cotonou Bamenda
o
os limpam e os embelezam com chapéus, panos, contas, pó
de madeira, alcatrão etc. Eles desfilam pela cidade anualmen-
Oouala
0 "
Malabo te em cerimônias de renovação e são expostos perante o pú-
blico para servirem como um foco para oferendas e orações.
Essas figuras normalmente ficam de pé com as palmas volta-
das para cima, em uma postura que indica várias camadas de
significado: demanda por oferendas de honra; reconhecimento e devoção; generosidade e destreza aberta em
relação aos fiéis; e honestidade (S. M. A. FATHERS, 1980, p. 44). Os espelhos simbolizariam a proteção ances-
tral contra forças maléficas, que "refletiriam" retornando a seu ponto de origem.

As escarificações na face e na altura do estômago são chamadas de ichi. Além do embelezamento,


essas marcas estão ligadas à passagem por ritos iniciáticos. Segundo Casa novas & Grunne (201 O, p. 10), "as
mulheres normalmente pintam as figuras com pigmentos de celebração da beleza. [...] Muitas estátuas são
amarelas, a cor da paz, e parte de suas faces são brancas, a cor da pureza". A frontalidade e a gestualidade
das estatuas lgbo remetem a um sentido hierático. Não é por acaso que muitas dessas peças igbo figuram
em altares do culto ancestral. Porém sua estatuária, independentemente das funções específicas, segue em
geral características que independem por vezes de sua tipologia, e sobretudo se alinha a um padrão rígido com
poucas variações locais (COLE, 1969, p. 90).

Referências

CASANOVAS, Ana; CASANOVAS, Antonio; GRUNNE, Bernard. lgbo: monumental sculptures from Nigeria.
The European Art Fair Maastricht, p. 1O, 201 O. Disponível em: <https://issuu.com/artsolution/docs/5-igbo_in-
t-low>. Acessado em: 16 nov. 2018.

COLE, Herbert M. Artas a verb in lboland. African Arts, v. 3, n. 4, Autumn 1969.

S. M. A. FATHERS. African Sculpture from the Collection ofthe Society of African Mission. New Jersey: S.
M. A. Fathers, 1980. p. 44.

171
OxêdeXangô
Os iorubá vivem na região Centro-Sul da Nigéria e também
no Sul e Sudoeste do Benin e Sul do Togo. Dentro da religião io-
rubana na África, bem como nas Américas, as divindades (orixás)
são representadas por meio de suas "ferramentas", as quais as
NIGERIA

associam aos seus respectivos domínios naturais e/ou mitos ou


histórias pregressas. A representação simbólica em comum do
orixá Xangô, divindade ligada ao trovão e à justiça, é a machadinha
de dois gumes. "A justiça, enquanto princípio, tem no mínimo dois
i
lados" (SANTOS, 2016, p. 137).

Da mesma forma como ocorreu com Oranyan, e antes com


Oduduwa e muitas outras personagens mítico-históricas da Nigéria, Xangô, após sua morte, passou a ser um
ancestral divinizado cuja potência foi associada aos relâmpagos e trovões (possivelmente por alegoria às suas
qualidades guerreiras ou mesmo pelo uso performático do machado com lâminas de pedras como a peder-
neira - ou "sílex pirômaco", que é um tipo de pedra que produz faíscas quando lascada uma contra a outra)
(SILVA, 2016, p. 68). Tanto a noção do trovão, da pedra e da madeira que suportam simbólica ou materialmen-
te o objeto-divindade, uma vez que se trata de sua representação, se distanciam daquela noção positivista
dos séculos XIX e XX, que interpretava os objetos representativos, propiciatórios ou de culto como "fetiches"
ou como "animismo", isto é, como atribuição de poderes sobrenaturais a objetos "feitos" ou, respectivamente,
atribuição de "anima" ou "alma" a objetos inanimados (BURTON & BURTON, 1893, p. 44). O professor Wagner
Gonçalves, ao tratar da arte religiosa afro-brasileira, tem uma resposta que é igualmente válida não só para a
arte religiosa africana e das Américas, mas para toda a complexa ligação entre arte e religiosidade de heranças
africanas: "a arte religiosa afro-brasileira mantém viva uma concepção de cultura e natureza como dimensões
não opostas. Um artesão, ao esculpir na madeira um oxê (machado) de Xangô que depois será sacralizado
pelo banho de folhas, não atribui anima (alma) há algo supostamente inanimado. Antes atua sobre a forma
e conteúdo de um objeto já divino na natureza (a própria árvore), ressaltando sua expressão sagrada" (SILVA,
2008, p. 99).

Referências

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versidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2016. [Tese de Doutorado]. Dispo-
nível em: <http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/322533/1 /Santos_MiltonSilvaDos_D.pdf>. Aces-
sado em: 14 set. 2018.

SILVA, Renato Araújo da. Escritos Afro-Brasileiros. São Paulo: Ferreavox, 2016. p. 68.

SILVA, Wagner Gonçalves da. Arte Religiosa Afro-Brasileira: as múltiplas estéticas da devoção brasileira.
Debates do NER, Porto Alegre, ano 9, n. 13, p. 97-113, jan.-jun., 2008. p. 99. Disponível em: <http://seer.ufrgs.
br/debatesdoner/article/view/5251 >.Acessado em: 14 set. 2018.

173
Máscara Egungun Odé Máscara Egungun Odé

Cultura: iorubá Cultura: iorubá


Nigéria Nigéria
Madeira Madeira
Dimensões: Dimensões:
(41cmHx21cm L) (41cmHx30cm L)
Afr.000.142 Afr.000.221

174
Egungun

j J
rfeu~ ~
FASO
Além de viverem sobretudo no Centro-Sul de países como
Ou:sg:1dougou!J
a Nigéria e a Oeste da República do Benim e no Togo, agrupa-
~
~A
lfEN
~G
IN NIGERIA

-oAbujit
mentos iorubá podem ser encontrádos também como imigran-
--
tlYam ou a~oukro
GANA

K~m asl(J l me
tes em muitos países das Américas, incluindo aqueles em que os
Q
Abléljmn A ccr
.J PogHM~I
,IÓl.MARÓES
ancestrais foram escravizados e seus descendentes mantiveram
M01labo oD ou3'•
o parcialmente sua cultura, como o culto ao ancestral (egun). Uma
i
dentre os tipos de máscaras egungun, a chamada "egungun odé"
(o caçador egungun), é usada pelos iniciados na linha de Ogun.
A principal identificação desse tipo de máscara é o penteado em
forma de tufo, próprio dos caçadores. Segundo Babatunde Lawal (1996, p. 17), a máscara egungun representa
"o espírito do ancestral falecido visitando a terra para interagir com os vivos, abençoando-os e os ajudando a
superar disputas difíceis". Trata-se de um festival anual em que o uso da máscara dramatiza a crença após a
vida, celebra o triunfo da vida espiritual sobre a morte e também, acredita Lawal, é uma "ligação do presente
com o passado, portanto permitindo que os vivos enfrentem o futuro com esperança" (LAWAL, 1996, p. 16).

Referência

LAWAL, B. The Geledé Spectacle: Art, Gender, and Social Harmony in an African Culture. Washington, D.C.:
University of Washington Press, 1996.

175
Opan /fá
}
~

,.r.~FASO
J".."" Uma das qualidades do deus mensageiro Exu é a
Ou3gadougoug

de funcionar como mediador ou mensageiro entre os ho-


NIGERIA

,,••·1· mens e deuses, recompensando ou punindo aqueles que o


contrariam ou simplesmente por nenhum motivo aparente.
0>.MARÓES
Para aprender a vontade dos deuses, os iorubá os consul-
tam por intermédio de um complexo sistema de adivinha-
ção conhecido como lfá. O adivinho ou sacerdote de lfa é
chamado Babalawo, ou "pai conhecedor dos segredos". O
babalawo lança dezesseis nozes de palmeira ou conchas de
cowry [búzios] doze vezes, o número de sementes que pousam viradas para cima é marcado em uma bandeja
de madeira entalhada coberta com areia fina, farinha ou pó de madeira. As combinações são então referidas
a um dos 256 provérbios que, por sua vez, devem ser interpretados para o cliente. (S. M. A. FATHERS, 1980, p.
35)

O rosto no topo da bandeja seria o de Exu, enquanto o restante do aro é revestido com símbolos as-
sociados a certos "odu", 'caminhos' ou 'seções principais do corpo dos versos de lfá'. Arthur Ramos (1943, p.
259) nos lembra que, no Brasil, "na consulta ao oráculo, o babalawo usa dezesseis nozes [ou búzios] de uma
palmeira especial (Opelifá) e uma tábua especial, de forma retangular, com um cabo, semelhante às tabuinhas
de escrever dos Muçulmanos". Essa descrição, que pode parecer antiquada, na verdade remete a uma cultura
de exportação africana.

A continuidade da elaboração de objetos como o opon (bandeja divinatória), agere (prato de madeira
para sementes de palmeira sagrada) e iroquê ifá (bastão de adivinhação), segundo Wande Abimbolá (OLUPO-
NA & ABIODUN, 2016, p. 35), "revela que ainda há uma necessidade para o uso de muitos desses implementas
rituais contemporaneamente". Nesse sentido, as bandejas ou tabuleiros autênticos, sejam dos iorubanos de
Porto Novo, do Benim, de quaisquer das cidades iorubanas da Nigéria, do Brasil ou de Cuba, entre outros países
das Américas são ainda encontrados com certa facilidade e alguns com excelentes qualidades artísticas.

Referências

FROBENIUS, L. The Voice ofAfrica, Being an Account of the Travels of the German lnner African Explora-
tion Expedition in the Years 1910-1912, Vol. 1 of 2..Vol. 1.1913.p249

OLUPONA, J. K. & ABIODUN, R. O. /fá Divination, Knowledge, Power, and Performance. Bloomington; ln-
dianapolis: Indiana University Press, 2016. p. 35.

RAMOS, Arthur. Introdução à Antropologia Brasileira. Rio de Janeiro: Casa Estudante Brasil; Departmen-
to de Cultura, 1943.

S. M. A. FATHERS. African Sculpture from the Collection ofthe Society of African Mission. New Jersey: S.
M. A. Fathers, 1980.
178
Bandejas de lfd
(FROBENIUS, L,1913, p.249)

119
lcayn

0
Nlamey Os bwaba e os bobo são povos vizinhos com
heranças culturais em comum que vivem a Oeste de
Burkina Faso. A relação cultural desses povos com os
animais é bastante complexa.

BENIM O uso de máscaras zoomorfas como a de ser-


pente (honu), macaco (haru), antílope (kâ), peixe (bas1),
,, 1 :( entre outras, faz parte de importantes ritos que en-
GANA TOGO ~
1
globam religião, controle social, manutenção do po-
der ancião, crenças e entretenimento. De maneira
semelhante ao candomblé nagô brasileiro (VERGER,
P., 2000, p.101 ), de origem iorubana e fon, por exemplo, entre os bobo e bwaba a galinha ou o galo são ofere-
cidos como sacrifício aos ancestrais, enquanto os mais velhos consomem cerveja em eventos contratuais de
assentamento de grupos vizinhos como os fulbe (ou peul, fula, fulani) em suas terras. "Os fulbe devem pagar a
soma simbólica de 5 francos 'para as máscaras', as quais, mais tarde, durante a cerimônia de despedida, não é
permitido 'tocá-los' (SCHLEE; HORSTMANN, 2018, p. 104). Em muitos festivais com máscaras há um tabu, se-
melhante aos egungun iorubanos, de que quem tocar ou for tocado pelo mascarado poderá morrer em breve.

Contudo, as máscaras de animais bobo/bwa convergem quase que invariavelmente seres reais com
seres míticos. Não só a forma estilizada do pássaro calao é incluída, mas, segundo Alisa LaGamma (2002, p.
62), muitos outros animais como "o antílope, o búfalo selvagem, o macaco, o porco selvagem, o crocodilo, o
peixe, a serpente, a borboleta, o falcão ou o urubu" convergem-se nessa enorme complexidade de usos e sig-
nificados de máscara entre os bobo/bwaba. Criaturas voadoras sobrenaturais que viveriam nas florestas, por
exemplo, seriam ainda os "espíritos benevolentes que fornecem proteção e bençãos aos familiares" (FINLEY,
1999, p. 28).

Daí o nome para as "máscaras galo" ou "gênio - génie" (ANNUAL REPORT, 1978, p. 18). Os "gênios",
no contexto de Burkina Faso, seriam seres da floresta, intermediários entre os homens e as divindades, que
por vezes tomam a forma animal. Uma casta de ferreiros bwa chamada kaani utiliza uma máscara de galo
conhecida como kobiay(ou hombo), com boca representada quadrada e com longa crista. Já o termo "icayn" é
o nome genérico para "pássaro" e o nome exato pelo qual são chamadas as máscaras com bicos de pássaro,
ainda que possuam às vezes, em sua complexidade formal, outras partes de animais representadas. Sendo
assim, mantendo essa complexidade sem uma denominação exata de que animal se trataria, o que se tem
em comum é que essas máscaras "de animais" geralmente são dançadas em festivais agrários em épocas de
colheita (ROY & WHEELOCK, 2007). Muitas são utilizadas até hoje, conforme indicam os trabalhos de campo
mais recentes no âmbito da modernização e continuidade do uso de máscaras. Alguns eventos foram inclusive
registrados em vídeo e disponibilizados na internet por Christopher D. Roy, professor de História da Arte na
Universidade de Iowa.

181
Referências

ANNUAL REPORT. African-American lnstitute. New York: The lnstitute, 1978. p. 18.

BASCOM, William. African Arts. An Exhibition at the H. Lowie Museum of Anthropology of the University
of California. Berkeley April 6 - October 22, 1967. Berkeley: University of California Press, 1967. p. 19. Dis-
ponível em: <https://cloudfront.escholarship.org/dist/prd/content/qt8058z8pv/qt8058z8pv.pdf>. Acessado
em: 28 set. 2018.

BINGER, Louis. Du Níger ou Golfe de Guinée parles pays de Kong et le Mossi. vol. 1, Vol. 1of li. Paris: Librai-
rie Hachette, 1892. p. 379.

FINLEY. Carol. The Art of African Masks: Exploring Cultural Traditions. Minneapolis: Lerner Publication
Company, 1999. p. 26.

LaGAMMA, Alisa. Genesis: ldeas of Origin in African Sculpture. The Metropolitan Museum of Art. New
York; New Haven; London: Yale University Press, 2002. p. 62.

ROBERTS, Allen F. &THOMPSON, Carol A. Animais in African Art From the Familiar to the Marvelous. New
York: Museum for African Art, 1995.

ROY, Christopher D. African Sculpture: the Stanley Collection. University of Iowa. Museum of Art. Iowa:
The Museum, 1979. p. 30.

_ _ _ _ _ _ _. The Art of Burkina Faso. University of Iowa. p. 47. Disponível em: <https://africa.
uima.uiowa.edu/topic-essays/show/37?start=46>. Acessado em: 12 set. 2018.

_ _ _ _ _ _ _. African Art Mask Performances in the Winiama Village of Ouri, Burkina Faso,
2007. Disponível em: <httos://www.youtube.com/watch?v=d8XxU9URbEg>. Acessado em: 12 set. 2018.

ROY, Christopher D.; WHEELOCK, Thomas G. B. Land of the Flying Masks: Art and Culture in Burkina Faso;
the Thomas G. B. Wheelock Collection. Munich: Prestel, 2007.

SCHLEE, Günther & HORSTMANN, Alexander (eds.). Difference and Sameness as Modes of lntegration:
Anthropological Perspective on Ethnicity and Religion. New York; Oxford: Berghahn, 2018. p. 104.

VERGER, Pierre. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil, e na Antiga
Costa dos Escravos, na África. Tradução Carlos Eugênio Marcondes de Moura Zed. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 200. p. 101 .

182
Procissão do "Dou" (ou "du'')
Cultura bobo-bwaba
(BINGER, L., 1892, p.379)

183
Gbekre (Amuin-Ba)
B ob o-,.
Di oulasso
;O ' - ----

Os baulê vivem em vastas regiões do Centro, Sudeste e Sul


.,_Tam;:il.e da Costa do Marfim. Claessens & Danis (2016, p. 37) indicam
GANA
de forma convincente que a estatueta, em geral conhecida
como gbekre, "estatueta de macaco portadora de vasilha"
(bowl-bearers), deve ser chamada Amuin ou Amuin-Ba. O
Acera
p
africanista e administrador colonial francês Maurice Delafos-
se (1870-1926), o primeiro a escrever sobre essa figura de
macaco, a descreveu como um "deus babuíno" na subseção
intitulada "Génies" (gênios). Sendo assim, uma representa-
ção física de espíritos sobrenaturais, os amuin são figuras
ambivalentes que podem ser benevolentes ou malignas,
curar ou destruir, trazer ordem ou o caos (CLAESSENS & DANIS, 2016, p. 37-38). O termo "Gbekre" era utiliza-
do para um tipo de babuíno encontrado na natureza em muitas partes da região dos baulê. Entre uma dezena
de espécies de macacos encontrada por Delafosse em seu trabalho de campo, a identificada como Cynoce-
phalus sphinx (chamada também "Wotoumo" na língua baulê), seria "muito comum em todos os lugares; os
nativos costumam capturá-los para mantê-los perto de suas casas. As estátuas-fetiche desse macaco são
muito difundidas (DELAFOSSE, 1897, p. 195). Essas "estátuas-fetiche" da qual fala Delafosse com a sua lin-
guagem do século XIX, hoje pejorativa, passaram a ser vinculadas a uma figura de macaco antropomorfizada
chamada "gbekre", que é constantemente figurada portando uma vasilha. Gbekre, além disso, é termo baulê
para "rato"; talvez essa simbiose possa estar relacionada a conteúdos míticos em comum entre o "gbekre"
(rato) e o "amuin ba" (macaco) (CLAESSENS & DANIS, 2016, p. 37).

Segundo nos contam Claessens & Danis (2016, p. 38-39), ainda baseados em Delafosse, a função da
figura de macaco "amuin ba" era "aconselhar pessoas em circunstâncias difíceis" e "lançar feitiços contra os ini-
migos". Segundo Susan Vogel (1997, p. 66 e 72), há um forte tabu relacionado ao mero vislumbre de máscaras
masculinas e, em especial, essa estatueta de macaco, pois seriam causadoras de doenças como a cegueira,
entre outras. Diz ela: "muitas figuras de macaco são para o culto /vibra e não devem ser vistas por mulheres -
nem mesmo pelas adivinhas da associação /vlbrd'.

Referências

CLAESSENS, Bruno & DANIS, Jean-Louis. Baule /vlonkeys. Brussel: Mercatofonds, 2016. p. 372.
DELAFOSSE, Maurice. Notes concernant l'anthropologie et la zoologie du Baoulé. Bulletin du /vlusée
D'Histoire Naturelle. Tome Ili. N. 1. Paris: lmprimerie National, p. 193-197, 1897. p. 195. Disponível em:
<https://ia600401.us.archive.org/15/items/bulletindumuseum3189muse/bulletindumuseum-
3189muse.pdf> Acessado em: 11 set. 2018.
VOGEL, Susan Mullin. Baule: African Art Western Eyes. African Arts, v. 30, n. 4, Special lssue: The Benin
Centenary, Part 2, p. 64-77 e 95, Autumn 1997.

185
Kpan Pré

Os baulê dividem algumas características de sua


'}ramal e tradição escultórica com alguns grupos vizinhos aos
"-- --
quais são aparentados tais como os guro, senufo e
GANA
yaurê, todos da Costa do Marfim.
'l'Kumasl De fato, alguns tipos de máscaras yaurê (também
\ Accra
, o
comum entre o subgrupo je - HAHNER, 1. et.a.,
2007, p.258) segundo Kerchache, Bouttiaux et al.,
(1997, p.260) são máscaras que aparecem em fune-
rais e são representações dos espíritos yu, interme-
diários entre o ser supremo Bali e a humanidade.

Entretanto, algumas semelhanças são mais signifi-


cativas do que outras e as identificações estilísticas às vezes são mais aproximadas do que suas funções. Um
exemplo disso são as máscaras semelhantes a esta chamadas pelos baulê de máscaras kpan (ou kpan pré).
São máscaras que fazem parte de um grupo de três tipos de máscaras com laços familiares entre si e que
se apresentam numa dança chamada Goli. Estas máscaras são utilizadas com objetivo de atingir a ordem
e controle social. Algumas possuem penteados elaborados que se abstraem em chifres (WERNESS, 2000,
p.119) (especialmente os chifres de antílope estilizados) e algumas trazem efetivamente a própria represen-
tação abstrata deste animal.

Referências

HAHNER, 1 et. al. African Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York: Prestel Ver-
lag, 2007. p.258.

KERCHACHE, Jacques, BOUTTIAUX, et.at. African Faces, African Figures: The Arman Collection Museum for
African Art, 1997. p.260.

WERNESS, B. Hope. Continuum Encyclopedia of Native Art Worldview, Symbolism, and Culture in Africa, Ocea-
nia, and Native North America. New York; London: Continuum, 2000. p.119.

187
Máscara klekple

Cultura: baulê
Costa do Marfim
Madeira pintada
Dimensões:
(41 cm H x 23cm L)
Afr.000.328
189
Kpekple

De acordo com Ladislas Segy (1976, p. 112),


T•m•I•
"- .
essa máscara era usada em ritos comemorativos,
agrícolas e em cerimônias funerárias. A kplekple per-
GANA
tence a um grupo de distintos tipos de máscaras de
.f umasl uma dança tradicional conhecida como Goli. O con-
junto representa uma família (pai, mãe, filhos.), e são
Accra
""'
llBERIA o
máscaras zoomorfas ou antropomorfas. Dentro deste
conjunto, o exemplar da Coleção lvani e Jorge Yunes é
o tipo mais conhecido. A máscara representa o filho
desta família, mas mescla algumas características de
ambos os pais, sendo utilizada até hoje (HAHNER et
al., 2007, p. 40). Num contexto sacio-cultural mais amplo, tal como observa Segy, seu uso revelaria um con-
junto de máscaras que representa uma família que se reúne para executar essa dança particularmente em
períodos de epidemia ou com algum tipo de perigo para a comunidade, e mesmo em cerimônias fúnebres
(SEGY, 1976, p. 11 2).

O pai se chama "goli glin", uma máscara zoomorfa, a mãe se chama "kpwan", uma máscara antropo-
morfa; uma de feitura similar é chamada "kpwan kple" e representaria a filha deles e, finalmente, a "kplekple",
a mais conhecida nos museus do Ocidente, simbolizaria o filho (HAHNER et al., 2007, p. 40).

Às vezes há duas máscaras kplekple - uma pintada de preto e considerada masculina, chamada
"kplekple yaswa", e a outra, pintada de vermelho, é feminina e chamada "kplekple bla".

As kplekple são utilizadas pelos baulê como máscaras civilizatórias, que apresentam o equilíbrio ou a
complementação de pares também simbolizados na contraparte entre o mundo humano e o mundo selvagem
(JUNG, 2004, p. 167). O domínio da natureza bem como a harmonia civilizatória seriam as potências básicas
que sustetariam o uso dessas máscaras dentro do simbolismo da relação familiar.

Referências

HAHNER, lris et al. African Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York:
Prestel Verlag, 2007. p. 40.

SEGY, Ladislas. Masks of Black Africa. New York: Dover Publications lnc., 1976. p. 112.

JUNG, Peter & HUG, Alfons (orgs.). Arte da África: Obras-primas do Museu Etnológico de Berlim. Brasília:
Centro Cultural Banco do Brasil, 2004. p. 167.

LABOURET, Henri. Notes contributatives à l'étude du peuple Baoulé (part li). Paris: Revue d'Ethnogra-
phie et de Sociologie, No. 5-6., 1914, p.189, 190.

190
Máscara Kplekple
(LABOURET, Henri., 1914, p.189)

191
Baule

~m::il e
Máscaras zoomorfas são bastante comuns na arte afri-
GANA
cana em geral, não só na arte baulê. E ainda assim é muito difí-
cil encontrar máscaras idênticas de um mesmo animal produzi-
i>Kumasi
das por povos distintos. A continuidade estilística e a
manutenção de padrões formais, passados de geração a gera-
ção, é uma das principais características de boa parte dos obje-
tos africanos desde esculturas, utensílios e objetos do quotidia-
no, instrumentos musicais ou implementas agrícolas até
máscaras, entre outros. Embora a condição da pátina desta
máscara indique que provavelmente ela foi feita para venda, há uma máscara de macaco baulê até certo
ponto semelhante a esta que pode ser encontrada no Metropolitan Museum of Arts. Com o número de cata-
logação 1983.612.1, ela foi classificada no banco de dados simplesmente como "máscara cerimonial". Po-
rém, as máscaras com representação animal, particularmente as de macaco entre os baulê, possuem múlti-
plas funções. Woodward (1994, p. 70) indica que as figura de macaco são utilizadas, por exemplo, para
determinar as causas de infortúnios e para aplacar maus espíritos. Para o espírito habitar as máscaras e as
estatuetas, elas precisam ser esculpidas com grande amor e beleza, diz ele, o que talvez explique parcial-
mente certo grau de naturalismo e antropormofização geralmente dispostos nas figuras de macaco baulê.

Referências

CLAESSENS, Bruno & DANIS, Jean-Louis. Baule fvtonkeys. Brussel: Mercatorfonds, 2016. p. 372.

DELAFOSSE, Maurice. Notes concernant l'anthropologie et la zoologie du Baoulé. Bulletin du fvtusée


D'Histoire Naturelle. Tome Ili. N. 1. Paris: lmprimerie National, p. 193-197, 1897. p. 195. Disponível em:

<https://ia600401.us.archive.org/15/items/bulletindumuseum3189muse/bulletindumuseum-
3189muse.pdf>. Acessado em: 11 set. 2018.

WOODWARD, Richard Bergen. African Art Virginia Museum of Fine Arts. Richmond, VA: The Museum,
1994. p. 70.

193
Mahgle

B 11' o Os dan vivem no Nordeste da Libéria


DiOIJ I,
e no Sudoeste da Costa do Marfim. As másca-
ras dan com bico de pássaro são comuns na
parte ocidental deste último país. Embora um
grande número de máscaras zoomórficas dan
tenha funções relacionadas à identificação e
punição da feitiçaria (como as máscaras Dan
Mao), esta teria uma função ligada ao entrete-
nimento em festivais (EBERHAR, 1978, p. 16-
23). A máscara mahgle, que mescla aspectos

Ali) '
humanos e de pássaro teve ainda entre os dan
e os we da Libéria e da Costa do Marfim sua
função associada a alguns pássaros que tra-
zem bom agouro (AFRICAN ARTS, 2000, p. 19).

Referências

AFRICAN ARTS, v. 33. African Studies Center, University of California, Los Angeles, 2000. p. 19.

EBERHAR, Fischer. Dan forest spirits: masks in dan villages. African Arts, v. 11, n. 2, p. 16-23, 1978.

195
Deangle

BD o
Oioo l:

Os dan vivem no Nordeste da Libé-


ria e no oeste da Costa do Marfim. "Gle" ou
"Ge" são termos que podem se referir tanto à
máscara física quanto aos espíritos que elas
incorporam durante as performances em
que são dançadas.

Elas possuem diferentes funções.


Uma específica, intitulada "takangle", serve
para o entretenimento; outras como a "go
i1
ge", ou "grande máscara" são apoiadas por
cantores mascarados da associação Poro.
"Ma go", "cabeças pequenas", são máscaras
em miniatura, com função de estímulo da
liderança, mas também utilizadas quando o portador sai em viagens, o que as fez conquistarem o nome pre-
cipitado de "máscaras passaporte"; no entanto, a sua portabilidade em viagens não é uma obrigatoriedade, ao
contrário de um passaporte mesmo (BOURGEOIS & RODOLITZ, 2012, figs. S4-56). As Deangle dos Dan, tradu-
zidas às vezes como "máscaras sorridentes" (FICHER & HIMMELHERBER, 1984, p. 13), estão entre as mais co-
piadas no mercado comum de arte africana, depois das iorubá, yaurê e baulê. Como parte dessa tradição ainda
persiste, distinguir com alguma exatidão se determinadas peças seriam simplesmente feitas para o mercado
turístico ou se seriam "autênticas" é um expediente dos especialistas de arte africana. Pois uma pequena par-
te dessas peças de mercado está dentro do contexto autêntico moderno, seja de culto a espíritos ancestrais,
seja em danças de entretenimento turístico, que pode ser o caso desta. Milhares de famílias africanas vivem
da venda de objetos similares, a função social e material dessas divisas proporcionadas pelo turismo são hoje
tão importantes quanto foram a venda de objetos ditos autênticos encaminhados para a Europa no sofrível
período colonial.

Referências

BLIER, Suzanne Preston et al. Art of the Senses: African Masterpieces from the William and Bertha Teel
Collection. Boston: Museum of Fine Arts, Boston MFA Publications, 2004. p. 81.

BOURGEOIS, Arthur & RODOLITZ, Scott. The Face of Sunset African Art of Life, Transformation, and
Death. New York: Zarya Publications, 2012. figs. 54-56.

FISCHER, Eberhard; HIMMELHEBER, Hans. The Arts of the Dan in West A/rica. Zurich: Museum Reitberg,
1984. p. 11.

197
Dan
8obo-
Jllou l11uo

GUINEA

Estudos de performances dan se referem ao uso de máscaras


com grandes ráfias que cobrem o mascarado da cabeça aos pés, asso-
-oYamoussoukro ciando-as a vassouras cerimoniais que "limpariam" simbolicamente as
°'Ablcfon l
comunidades. Segundo Stephanie Bird (2004, p. 47), a ráfia é um indi-
cativo do poder da floresta entre os danda Costa do Marfim, particular-
mente presente como figura de autoridade "Wo Puh Gle". O mascarado
se move de um canto a outro do vilarejo como uma vassoura gigante,
varrendo a comunidade, limpando-a de sua poluição acumulada anual-
mente, seja esta uma 'limpeza' espiritual ou física.

Referências

BIRD, Stephanie Rose. Sticks, Stones, Roots & Banes: Hoodoo, Mojo & Conjuring with Herbs. Minnesota:
Llewellyn Publications, 2004. p. 47.

LODY, Raul. Tem Dendê, Tem Axé: etnografia do dendezeiro. Rio de Janeiro: Pallas, 1992, p. 26.

SPIESS, C., Verborgener Fetischdienst unter den Evheern. Globus: /llustrierte Zeitschrift für Léinder und
Vôlkerkunde, Vol.98, No. 1, 191 O.

199
As vassouras são objetos purificadores usados para se Liber-
tar de espíritos malignos e de doenças, e os gravetos servem para
afastá-los. Os búzios tornam a vassoura particularmente eficaz.
(SPIESS, C., 191 O, p.12)

As semelhanças formais e funcionais deste tipo de objeto com a


vassoura !biri de Nana-Buruku e o xaxará de Omolu do repertório nagô
são notáveis.
(LODY, R., 1992, p. 26)

200
201
Estatueta
(Figura de religioso católico
com aproximação formal a Santo Antônio)
Cultura: maconde
Tanzânia/Moçambique
Madeira (ébano)
Dimensões:
(27,Scm H x 9,2cm L)
Afr.000.445
Tanzânia

O primeiro contato de missionários portugueses em


Moçambique se deu em 1498 com a chegada de Vasco da
Gama. Com ele, alguns jesuítas, agostinianos e dominicanos
Undl iniciaram sua prática evangelizadora, que ganhou força por
TANZÂNIA
L1nd1
um século, entre 1514 e 1612, com a chegada de um gru-
Mtw ara

po de missionários provindos de Goa. Ao que parece essas


TL1nduru
o
t J r:'l.~ ...ita primeiras missões não obtiveram grandes frutos devido à
~-~ resistência provocada por alguns chefes africanos locais. No
período do Papa Paulo V, no início do século XVII, entretanto,
MOÇAMBIQUE
chefes africanos começaram a ser progressivamente bati-
zados e alguns foram até mesmo ordenados como padres
dentro da política catequista. Esse aumento da evangelização
encontrou um revés quando os interesses religiosos dos estrangeiros dominicanos, agostinianos e jesuítas
foram progressivamente sendo substituídos pelos interesses no ouro, marfim e escravos.

A escultura em ébano maconde (Sudeste da Tanzânia e Norte de Moçambique), com temática religiosa
ou não, é um dos principais produtos artísticos de exportação da arte popular moçambicana e da Tanzânia. É
típica dos períodos entre 1920 e 1950, em que a arte popular sob demanda passou ser uma referência para
os administradores coloniais.

Além disso, a associação dos objetos do catolicismo africano com os chamados "objetos de poder" (nki-
s1) tem sido estudada no Brasil com sucesso: "nos primeiros dias de cristianização, os objetos cristãos de ado-
ração foram encarados como minkisi [plural de nkisi] pelos próprios missionários, que dessa forma buscaram
equivalências com o universo religioso Bakongo, empregando a corrente designação local de artigos usados
durante os serviços religiosos e ignorando a enorme diferença de significados que estes detinham para cada
religião" (SOUZA, 2001, p. 11 ). Do ponto de vista técnico, a dificuldade de esculpir nesse tipo rígido de madeira
contrasta com a delicadeza das formas, pequeno tamanho da escultura e do grau de naturalismo alcançado.
Esse mestre desconhecido conseguiu fundir as formas tradicionais do povo maconde, tais como o rigor na
figuração antropomorfa com os olhos amendoados e boca semiaberta, a testa larga, a cabeça ligeiramente
curvada para cima com alguns itens tradicionais do catolicismo como o Cristo na cruz (sempre esculpido unido
à figura central), o manto e o penteado de iniciado das tradições monásticas católicas.

203
Referências

McBRIDE, Harry.A.M. "My Wanderings in Little-Known Angola." The Wide World Magazine, Vol. XLll, No.
247 (November), 1918.p.235.

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nível em:

<http://uir.unisa.ac.za/handle/10500/13142>. Acessado em: 12 jul. 2018 .

... o crucifixo, trezentos anos, uma relíquia dos primeiros


missionários portugueses, usado como fetiche pelas
tribos do Congo. Essas cruzes não são incomuns. Eles são
conhecidos como "Santu" e estão associados a curiosas
sobrevivências do ritual cristão.
(The lllustrated London News, 1908, p.233)

204
Figura de Notre Dame d'Afrique
Marrocos
Liga metálica pintada
Dimensões:
(38,Scm H x 11,Scm L)
Afr.000.444

206
207
Nossa Senhora d'África

Na arte popular da Argélia e do Marrocos também podem ser encontrados objetos do cristianismo
africano. Destacamos dois aspectos dessa cultura artística: 1) a presença cristã na África ocidental, na forma
do catolicismo apostólico romano, por oposição ao cristianismo copta da África oriental, primeiro local onde
apareceu o cristianismo fora do oriente médio (quase quatrocentos anos antes de florescer na Europa); 2) a
inclusão de alguns símbolos sincréticos, parcialmente reconhecidos como mulçumanos, ou pelo menos de
identidade árabe como a estrela que adorna todo o manto da Notre Dame d'Afrique- emblema da família mar-
roquina Alawita, por isso parte da bandeira do atual Marrocos e símbolo protetivo dos tuaregues, bem como
dos berberes em geral do norte da Argélia, os Kabilas (ou amazigh), também islamizados (ver pp. 355-6).
Uma referência importante é a basílica católica romana homônima em Argel, conhecida como "Lalla Meriem"
ou "Madame l'Afrique"(ver página oposta), que também deve ser destacada. Embora a estrutura da peça não
seja associada à arquitetura da basílica, a figura em pedra da igreja Nossa Senhora da África, encimada sobre a
porta de entrada e no topo da basílica, efetua a mesma gestualidade desta peça em madeira da Coleção lvani
e Jorge Yunes. Ambas estão com as mãos abertas, o olhar pacífico e a cabeça levemente curvada para baixo,
abençoando os fiéis. Essa basílica teve grande importância indireta para o desenvolvimento da etnografia e
da arte africanas, já que foi palco de inúmeros eventos no início da formação da Sociedade de Missionários
da África (Padres Brancos) (S. M. A.), a mesma sociedade que enviou, por exemplo, a primeira caravana para a
África equatorial. Uma bela imagem da basílica e um histórico menos condensado podem ser observados em
(CEILLIER, 2008, p. 160).

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208
BaslllaJ de Nossa Senl'Klro dAfrlaJ
Anal do Séc. XX. Arg~la
Fatografo nãc ldentiffcado
Capítulo IV - Honrados ancestrais

ntes de fazer qualquer coisa, pensem em suas mães", diz um ditado popular angolano. Pode-

A -se dizer que, genericamente, o conceito que unifica as religiões, as filosofias e as sociologias
africanas tradicionais é o grande respeito aos ancestrais, e do ponto de vista religioso isso
está mais ou menos materializado no culto aos antepassados. A honra manifestada, seja como uma adoração
ou valorização dos que já faleceram (manismo), seja como uma subordinação político-ideológica aos mais
velhos (gerontocracia), determinou boa parte das elaborações artísticas africanas. Vemos isso tanto na forma
da arte ritual propriamente dita quanto na comemorativa ou de honra a um ancestral importante.

Para Carl Gustav Jung, as concepções teológicas variam tão amplamente que não há uma única forma
de adoração ao antepassado (ancestor-worship) com implicações similares do ponto de vista da prática artís-
tica. Entretanto, os antepassados são materializados nas elaborações de arte na forma de guias espirituais e
da condução da vida juntamente com as suas orientações e deliberações, como mediadores entre o mundo
dos deuses e dos homens, como mentores ou conselheiros para determinação moral da vida, divinação de
heróis e chefias centralizadoras, em suma, como pessoas com um poder maior do que o que o distribuído
entre os vivos, com poder curativo, beneficente ou mesmo propiciatório (JUNG, 1960, p. 304).

Calcados no poder da presença ou da continuidade da ancestralidade entre os vivos, os grupos de


saber africanos, comungando de uma mesma raiz ancestral, evocam justamente essa ligação que comporia
a totalidade das coisas. Embora haja uma espécie de paralelismo entre o mundo ancestral (e dos deuses) e
o mundo dos vivos (e dos seres humanos), é como se os ancestrais, diferentemente dos deuses, operassem
no mundo dos vivos de forma ativa, direta e contínua, fechando o ciclo entre ambos a partir das relações de
reciprocidade, valorização, memória, propiciação, abundância, garantia de continuidade etc.

Para os akan, que deram origem a grupos como os fanti-ashanti, bau/ê, anyi, entre outros, a pessoa
viva (onyimpa desanyl) deixa de ser uma entidade física para se tornar uma forma abstrata da mesma pessoa
chamada ancestral (nsamanfo). Aqueles com poder de abençoar a posteridade (filhos e netos) são bene-
méritos a quem se deve a adoração na forma de libações, rezas, entre outros serviços auxiliados por meios
artísticos. O momento em que se invocam essas almas ancestrais se congragaria em torno de um objeto
artístico particular, como um banco ancestral, com a manifestação do divino e das suas "agências ancestrais"
(EPHIRIM-DONKOR, 2017).

Roberto Beneduce, um psiquiatra e antropólogo italiano, sintetiza bem a função ancestral dentro do
espectro cultural da África subsaariana:

com a morte, a vida do indivíduo termina, mas não termina a sua capacidade de ser e de
agir: a sua "vida social", por assim dizer, continua num outro plano (que não é só o espaço
mítico ou simbólico mas também um espaço moral). Dito em outras palavras, esse mundo,
em geral denominado "invisível", é ativo na troca (scambl} com os viventes, intervém em seu
presente e em seu futuro, exige atenção, participa de obrigações e reciprocidades da vida em
si mesma (BENEDUCE, 2004, p. 90).

210
No limite, todas as grandes religiões históricas se ancoraram em tradições de respeito aos mais velhos
e, por conseguinte, na honra aos antepassados. No período arcaico e pré-helênico, o culto ao antepassado
tinha importante função no direito à herança da terra e na transmissão da propriedade (BURKHARDT, 2002,
p. 3). Mas também no período helênico, mesmo tendo sido minimizada a função do ancestral na forma do
culto familiar, tanto no culto ao herói quanto nas reverências aos chefes de família falecidos se tratavam as
reminiscências da continuidade do poder do paterfamilias após a morte. Era o equivalente ao que se difun-
de hoje, no senso comum cristão, com a ideia de que um avô ou uma avó falecidos são honrados se forem
mantidas algumas das suas "vontades" e "direcionamentos" externalizados em vida. Popularmente no Brasil
existe a ideia de que o(a) velho(a) falecido(a) conquistaria uma força especial e que este(a) olharia "lá do
céu" pelos seus entes queridos. Essa crendice popular demonstra que a relação entre os vivos e os mortos
encontrou enorme variação cultural e diversidade também no interior do cristianismo nas Américas.

A noção de que o antepassado é dotado de uma força particular é, por isso, transculturalmente co-
mum. Expectativa de vida e poderes extraordinários atribuídos aos chamados patriarcas da civilização he-
braica também fariam parte desse mesmo tipo de crendice. Da mesma forma alimenta-se a esperança de
que os herdeiros se submetam à história e valor dos antepassados, honrando-os desde a forma mais simbóli-
ca e ornamental até assumindo atributos formulados por eles enquanto estavam vivos e gozando, de alguma
maneira, de poder gerontocrático.

Uma vez que os deuses são feitos à imagem e semelhança dos homens que neles crêem, os mitos
aparecem como alegoria. Em alguns momentos dos estudos míticos concebeu-se que algumas culturas divi-
nizaram seus heróis e grandes personalidades do passado, elaborando ritos, narrativas e cerimônias cada vez
mais complexos, exagerando características e ações de figuras históricas para torná-las divinizadas e forman-
do toda uma teologia em torno disso. O culto ao ancestral esteve por essa razão no cerne de muitas religiões
antigas, principalmente no Oriente, mas também no Ocidente. Por exemplo, o pensador grego Evêmero (c.
300 a.C.), cuja teoria não transcendentalista foi conhecida posteriormente por "evemerismo", defendia que
todos os mitos eram na verdade "histórias disfarçadas" ou "mau relembradas". As divindades, para ele, não
passavam de grandes personalidades históricas em torno das quais se contaram lendas através dos tempos,
transformando-as em deuses (ROBERTSON, 1915, p. 80). Visto sob esse aspecto, no limite, até o culto aos
deuses olímpicos seria uma espécie de "culto aos antepassados". O evemerismo teve grande fôlego da anti-
guidade até os nossos dias. Talvez Evêmero possa ter elaborado essa doutrina a partir de fontes fenícias, mas
é certo que, três séculos antes de defendê-la, a descrença na transcendência dos mitos tradicionais na Grécia
já aparecia em Xenôfanes de Cólofão (570 a.C.-528 a.C), nesta passagem bastante famosa:

os etíopes (Al0io1m;) afirmam que seus deuses têm nariz chato e sua pele é preta; os trácios,
que são de olhos azuis e têm cabelos vermelhos.[ .•. ] Se os bois, os cavalos e os leões tivessem
mãos para desenhar e fazer obras como homens, os cavalos representariam os deuses à se-
melhança de um cavalo, bois na forma de um boi, e cada um deles faria para eles [os deuses]
um corpo como aquele que ele próprio possuísse (ALEXANDRIA, 1996, p. 22).

A análise de Louis Perrois sobre um rito de culto ancestral elaborado pelos bakota do Gabão, em que
figuras de relicário são utilizadas como guardiãs das ossadas, nos ajuda a perceber que incompreensões ter-
minológicas da etnografia podem implicar imcompreensões tanto do culto ancestral quanto da religiosidade
africana. Perrois propôs uma classifcação das variantes estilísticas das figuras de relicário kota em "Patrimô-

211
nios do sul; coleções do norte", texto em que diz:

um exemplo do Gabão mostra a grave deformação que pode advir de tal perspectiva [das
identificações "étnicas" ou "tribais"]. Um tipo de figura de relicário, bidimensional, de madei-
ra coberta com cobre e/ou ripas ou fios de latão, foi feita no Gabão oriental e é conhecida por
colecionadores sob o nome de mbulu ngulu, que não é um nome bastante preciso. Essas são
"figuras ancestrais dos Bakota". Um estudo recente dos diferentes subestilos afirmou mais
uma vez que são trabalhos dos Bakota. Mas o nome Bakota ou Kota é dado a todos os povos
que falam línguas semelhantes às dos próprios Bakota, um pequeno grupo a leste de lvindo.
É, portanto, um nome artificial, não é um nome étnico real (PERROIS, 1997, p. 29).

Essa admoestação de Perrois contesta o uso de nomes vernaculares de forma indiscriminada. Dito de
outra maneira, o mistério que envolve esses objetos não pode ser solucionado apenas utilizando-se do expe-
diente de nomeação. ~ fato que, psicologicamente, têm-se a preferência por termos em línguas estrangeiras
africanas carregadas de exotismo, que foram amplamente difundidos. Como se a existência da nomeação
dos objetos em línguas vernáculas nos catálogos de arte criasse suficiente tensão para dirimir nossas dúvidas
ou apaziguar as nossas inquietações em relação a eles. Ao contrário, essas inquietações se amontoam se o
esclarecimento não visar uma aproximação cultural.

Um exemplo de aproximação cultural entre aquela cosmovisão e a nossa pode ser dado a partir de
uma herança religiosa africana. Do ponto de vista do candomblé, uma religião brasileira que cultua os ante-
passados, sejam divindades da religiosidade africana, sejam heróis e heroínas ou fundadores de cidade como
Xangô, por exemplo, o "culto aos que vieram primeiro" - os mais velhos e os ancestrais-, é uma das princi-
pais obrigações religiosas. Todos têm axé (do iorubá "a~éº, "força vital"), mas os mais velhos têm muito mais.
Nossos pais têm mais axé que nós; os pais deles, que "montam" a estrutura familiar numa coluna em seus
ombros ou em suas cabeças (ori) - também tomada plasticamente nas artes iorubanas -, têm mais axé que
nossos pais. Os nossos bisavós, montados em nossos avós, têm mais axé que eles, e assim por diante. Nesse
crescente, desde o mais novo ao mais antigo, há um aumento na dinâmica ou na economia da pulsão vital
(axé). No fim dessa cadeia de alta intensidade chegaremos aos nossos mais antigos ancestrais, por exemplo,
os fundadores de cidades como Xangô e os chamados Ôr1$à (orixás). O termo orixá, segundo alguns autores,
proveria de "ori'~ que significa ºcabeça", embora sua origem linguística seja de difícil determinação. Como diz
um dos maiores doutos vivos do ifá e da tradição iorubá, Wande Abimbola:

as pessoas têm especulado sobre a origem da palavra Ôri$à. Eu não sei se se pode facil-
mente decompor essa palavra em suas partes componentes para permitir fazer qualquer
sentido real nela. "Ri" pode significar plantar algo no solo, ou estabelecer algo. "~à" pode
significar "louvar" ou prestar homenagem. Pode-se dizer que a palavra Ôri$à significa algo
que você planta ou estabelece no solo e para o qual você tem de prestar homenagens ou
louvar (ABIMBOLA, 1997, p. 154).

Nos estudos africanistas, a mesma distinção geral é feita entre o "culto aos mortos" e o "culto aos
antepassados". O primeiro é uma prática que inclui ritual mortuário e visita sistemática em datas específicas
a santuários e necrotérios para práticas de oferendas. O segundo vai além desses rituais sazonais, ainda que
sistemáticos, e em sua prática ocorre uma constante permanência menemônica e influência direta do ante-
passado em questão nos mais diversos aspectos da vida quotidiana dos viventes. O estudo da arte africana

212
relacionada à religiosidade pode, portanto, seguir planos culturais aproximativos que ao mesmo tempo tor-
nem sugestivas as percepções comparativas e balizem as referências acadêmicas internacionais confrontadas
com as tradições orais africanas.

No que diz respeito à relação com os mais velhos, outro grande aspecto da cultura da valorização dos
antepassados que encontramos nas tradições do continente é a tendência geral à gerontocracia, ou seja, o
poder dos mais velhos sobre os mais novos, que é normalmente representado por meio de conselhos de
anciãos. Essa hierarquização tem base na noção de família estendida em que a pessoa mais velha tende a
ser a razão ou o ponto extremo que tornou possível a existência dos demais. Patriarcas e matriarcas gozam
igualmente de um status associado diretamente à idade, independentemente de sua posição ou alcance
social, porque são a base do parentesco.

A validação de grupos de parentesco africanos está no culto ancestral, o elemento mais efe-
tivo na manutenção da estabilidade do sistema social. t uma questão técnica, e uma questão
de alguma controvérsia, se o papel dos antepassados na vida das pessoas é essencialmente
uma religião ou um fenômeno sociológico. Certamente a estreita relação entre os ancestrais
e os deuses em algumas partes do continente argumentaria em favor dos aspectos religiosos
dessa estrutura de crença. Quaisquer que sejam os méritos dessa controvérsia, permanece
o fato de que os mortos do grupo de parentesco são vistos pelos africanos sempre como os
mais importantes porque eles são os membros mais poderosos de suas famílias (HERSKOVl-
TS, 1967, p. 19).

Por outro lado, os conselhos de anciãos ou as associações de idosos têm um caráter judiciário e de
auxílio governamental. Com objetivos comparativos, na literatura etnográfica esses conselhos foram em ge-
ral associados ao senado, a ministros, à suprema corte, à câmara de representantes e até aos conselhos de
irmandades religiosas (ABÉLES & COLLARD, 1985). Nenhuma dessas comparações explica o caráter essencial
dessas corporações, mas elas não deixam de nos ajudar a ter uma ideia do alcance político, filosófico e reli-
gioso dos conselhos de anciãos africanos.

De tempos em tempos, particularmente em períodos de crise ou com objetivo de resolverem pro-


blemas específicos, os anciãos escolhidos por uma série de atributos e virtudes obrigatórias se reúnem. Os
modos de solução variam. É comum o processo de deliberação, em que as questões são colocadas em pauta
e balizadas pela racionalidade, pela tradição oral, por histórias pregressas, pela consulta a oráculos ou aos
próprios ancestrais, e assim são tomadas decisões, por vezes de forma bastante barulhenta, num debate
incisivo.

Talvez um dos fundamentos ocultos na potência do mais velho em relação ao mais novo provenha
da crença na rede que os liga, desde a geração atual até o primeiro ancestral ou ser supremo. Essas crenças
variam de grupo cultural para outro, e não é possível fazer uma "ciência geral" desse conceito. Então, mesmo
reconhecendo ser positivo o resultado das análises estatísticas relacionadas ao número elevado de grupos
culturais africanos que acreditam em seres supremos, por exemplo, considerar essa como principal caracte-
rística da religiosidade africana seria uma generalização apressada.

Grupos mais hierarquizados conflitam com outros menos hierarquizados. Alguns não formaram mitos
de origem que agreguem seres onipotentes ou divindades únicas. Mas uma generalização que nos parece

213
bastante válida é a expressão visual da valorização da idade, da velhice e da ancestralidade. Outra generali-
zação possível diz respeito aos grupos que assumem a existência de um ser supremo e não tendem a alocá-lo
nas questões do dia a dia, como fariam os que acreditam que o ancestral mais antigo deu origem a tudo -
para estes últimos, seus ancestrais mais recentes e mais antigos tomam parte do dia a dia ou de festividades
dedicadas a eles. Eis uma grande diferença de muitas tradições africanas, o que explica parcialmente a ne-
cessidade de adaptações filosóficas e de "sincretismos" em vez de proselitismo, isto é, o abandono completo
de um sistema de pensamento em relação a outros, por vezes incompatíveis entre si.

Ningém poderia sequer pensar em conhecer este ser [supremo] ou tentar conhecê-lo(a)
como "um(a) salvador(a) pessoal". A divindade abraâmica do judaísmo, do cristianismo e
do islamismo é bem diferente do deus africano dos iorubá, zulu e kikuyu. Quem poderia
entender as possibilidades de o Criador estar envolvido em um nível pessoal com os huma-
nos? Como alguém poderia ter um relacionamento pessoal com Deus? Como poderia Deus
ditar algo na vida humana? Assim, os mitos, histórias, lendas e narrativas criados pelos vá-
rios ramos das religiões populares tradicionais africanas em todos os lugares (PTARE)35 são
projetados para aproximar a natureza a Deus ou aos deuses, ou, pelo menos, fornecer o
necessário e atender assistentes no processo de manutenção da ética no universo (ASANTE
& MAZAMA, 2009, p. XXlll).

A partir do que informam Asante e Mazama, é de se supor como corolário - e de fato parece ser esse
o caso de grande número de formas religiosas africanas - que, se os deuses supremos não intervêm na rea-
lidade humana, são os ancestrais que o fazem. Cabe aos seres vivos, portanto, temê-los, agradá-los, ter uma
relação direta de reciprocidade e respeito com eles. Os ancestrais são invocados, a eles são dirigidos apelos,
súplicas e os mais variados pedidos. Sendo agentes de transformação da realidade concreta, cabe a eles - e
não ao Deus ou aos deuses - o contato mais direto, que é dado por meio de técnicas da religiosidade - dis-
tintos ritos para distintas ocasiões e necessidades humanas.

Alguns conselhos de anciãos ou reuniões de líderes de associações terminam a deliberação com fes-
tivais em honra aos ancestrais. Usam símbolos da linhagem em desfiles de máscaras ou procissões em que
se carregam bancos, estatuetas ou cetros. Tais objetos simbolizam a ligação ancestral e ao mesmo tempo
fundamentam e solidificam os termos de aceitação, confiança e credibilidade das decisões tomadas pelo
grupo. A variedade desses itens é prodigiosa. São relacionados particularmente à religiosidade, à ligação
com o mundo dos mortos e ao culto ancestral. Esculturas são erigidas em honra aos antepassados; inúmeros
objetos sacros de todos os tipos de materiais são elaborados por grupos de escultores, ferreiros, ceramistas,
tecelãos etc., visando suprir as necessidades de acordo com as crenças de cada um. Entre os iorubá, no culto
ancestral a Xangô são esculpidos cetros e machados com lâminas duplas chamados oxê (ou oshê), símbolo e
ferramenta dessa divindade; pratos, vasilhas e bandejas cerimoniais (opon Xangô), bandejas divinatórias de
madeira (opon ifá) e uma miríade de utensílios e paramentos como joias e vestimentas compõem os objetos
que honram as divindades e a ancestralidade.

Os dogon, seguindo a sua tradição, organizam os objetos de honra a partir das peças forjadas por
excelentes ferreiros, incluindo figurações relacionadas a mitos ou a lendas de sua cultura: representações de
cavaleiro com ferramentas, armas ou figuras portando uma arca com objetos, além da representação me-
tálica ou na madeira de animais míticos, reforçam a crença no sistema cosmológico em que se inserem. Do

35. Sigla em inglês para "Popular Traditional African Religion Everywhere", uma crença afro-cêntrica de que todas as religiões
tradicionais africanas têm conceituações semelhantes e são fundamentalmente "estilos de vida".
214
mesmo modo os fon, do atual Benim, com o ser Mawu-Lisa, os bangwa e os bamilequê, dos Camarões, com
o ser Si e os gêmeos primordiais, embora cada um à sua maneira, baseiam suas crenças em seres andróginos
como os primeiros existentes. Esses seres primordiais seriam ancestrais perfeitos para os quais as reverên-
cias aparecem na forma de representações de gêmeos ou de figuras andróginas (GOWING, 1983, p. 516).

Associações de anciãos como a feminina Sande e a masculina Poro, comuns em grande parte oci-
dental africana, como em Serra Leoa, Guiné e Costa do Marfim, detêm no uso de máscaras variadas a sua
maneira de contribuir no grande teatro cerimonial de honra aos ancestrais. As máscaras são utilizadas como
forma de coesão do grupo, manutenção de seu status perante a sociedade exterior e ao mesmo tempo ga-
rantia da ligação ancestral e de sua cultura, que é passada de geração em geração, seja na inclusão de novos
iniciados, seja nas atividades promovidas por eles para o bem dos demais. Os ciclos de cerimônias e rituais
são acompanhados com máscaras de iniciação, máscaras de representação de espíritos benfazejos (espíritos
propiciatórios) ou maléficos (espíritos de alerta), máscaras antropomorfas, zoomorfas e híbridas, figurando
seres fantásticos, imaginários, históricos ou mitológicos.

Os meios pelos quais, nas tradições do continente, os povos honram os seus ancestrais variam tanto
quanto o número de grupos culturais e crenças existentes no passado africano, a considerar também toda
a gama cultural que um dia multiplicou os laços entre os africanos e seus ancestrais. Depois do processo de
destruição consciente e inconsciente provocado pela modernização, esses laços pouco a pouco foram se de-
satando e fazendo soçobrar apenas uma pálida sombra do que antes foram glórias às grandes personagens e
honra a todos os merecidos familiares que já partiram. De forma bucólica, no seu texto "Patrimônios do sul;
coleções do norte", Louis Perrois lamenta:
[ ... ] muitas máscaras são uma expressão religiosa e teatral, o rito pertinente tanto ao sagrado
quanto à pantomima. É assim que, em cada etnia, no momento da cerimônia de luto ou de
inicianção, jovens, geralmente recém-iniciados, fazem todo tipo de máscaras: gênios de ani-
mais da floresta, personagens curiosos ou ridículos, ancestrais etc. que dançam muitas vezes
em grupo para "animar" a reunião sem nenhum propósito social ou religioso muito preciso.
São estas máscaras que hoje constituem o "folclore"; as outras, mais importantes e mais
perigosas, de manipular, foram abandonadas sob a pressão da nova organização jurídica, re-
ligiosa e social moderna. O policial e o juiz substituíram a máscara Ngil dosfang ou a Pódodo
dos galoa; as profecias das novas religiões sincréticas têm obliterado a ação das máscaras
Mouesa dos bakwele ou as Ngontang do norte do Gabão: finalmente a conversão da maioria
dos gaboneses para a religião cristã acabou com o culto tradicional dos mortos e as danças
de máscaras brancas. Apenas alguns grupos étnicos foram capazes de preservar, nesse desas-
tre da sociedade antiga, certos elementos autênticos da sua vida ancestral: os mitsogho de
Ngounié, os bandzabi, e os masango de Ofoué (PERROIS, 1997, p. 53-54).

Os bakongo do sul da República Democrática do Congo e do norte da Angola descrevem na forma


de provérbios o fato cultural de que os ancestrais e os mais antigos possuem preeminência em relação aos
mais novos. Eles consideram que a vida humana é uma forma de "beber a água de um rio raso com lama no
fundo". Ou, na linguagem dos velhos bakongo:

Ukumango wantete ku n'to ka nuonga mazo ma nvunzu ko

"Quem chega primeiro na fonte não bebe a água misturada".

215
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GOWING, Lawrence. A History o/ Art. NJ: Prentice Hall PTR, 1983.

HERSKOVITS, Meville. Jean. The Backgrounds o/African Art. New York: Biblo and Tannen, 1967. [1. ed. 1945].

JUNG, Carl Gustav. The Structure and Dynamics ofthe Psyche. v.8. New York: Pantheon Books, 1960.

PERROIS, Louis. Patrimoines du Sud; Collect:ions du Nord. Paris: ORSTOM; lnstitut Français de Recherche
Scientifique pour le Développement en Coopération, 1997.

ROBERTSON, John Mackin. A Short History of Feethought, Ancient and Modern. London: Watts & Company,

1915. [Volume 1].[1.ed. 1899]

216
O caçador Tchibinda llunda - herói civilizador
(GOCHET, Alexis-Marie, 1888, p. 233)

217
Figura de herói Tchibinda llunda

Cultura: Tchokwe (ou tshokwe/quioco)


Angola
Madeira
Dimensões:
(49cm Hx 21,Scm L)
Afr.000.460

218
Tchibinda llunda

CONGO
Kin h:t1111.1

Tchibinda llunda, famoso caçador e herói do


povo tchokwe e fundador do Império Lunda, é uma
figura histórico-mítica conhecida como um herói ci-
vilizador (SOCIEDADE DE GEOGRAPHIA DE LISBOA,
1998, p. 167 e ROCHA, 2006, p. 414). Relatos orais
descrevem o importante encontro de Tchibinda
1A. a
Lu a
com a princesa Lueji. Do ponto de vista histórico,
Ç>-

esse encontro já foi compreendido como um arran-


jo político entre os luba e os lunda, que ampliou o
poderio do Império Lunda para os tchokwe, Lwena
etc. (MILLER, 1995, p. 128). Segundo Corina Rocha, estudiosa do Tchibinda llunda no Brasil, as trocas econô-
micas entre os povos do casal de príncipes Tchibinda e Lueji, demarcadas pela troca da carne (do poder político
masculino luba) pelo sal (do poder feminino lunda), "reafirmam a complementaridade" [entre os reinos luba e
lunda]. "Lueji encanta-se com os modos elegantes e aristocráticos do nobre, com sua autoridade sobre seus
servidores. Ela repara que falta sal aos caçadores para conservar a carne dos animais abatidos e prontifica-se
a lhes fornecer o suficiente. Conversam longamente às margens do rio e, então, a moça convida llunda a ficar
nas suas terras. Eles se apaixonam e se casam com o consentimento dos conselheiros dos respectivos reinos"
(ROCHA, 2006, p. 414).

Referências

MILLER, J. Poder Político e Parentesco: os Antigos Estados Mbundo em Angola. Luanda: Arquivo Histó-
rico Nacional, 1995. p. 128.

ROCHA, Maria Corina. Arte da representação: as estátuas de Tshibinda llunda. Revista do Museu de Ar-
queologia e Etnologia, São Paulo, v. 15-16, p. 411-431, 2005-2006. p. 414.

_ _ _ _ _ _ _ . Imagens e Palavras: suas Correspondências na Arte Africana. São Paulo: Museu


de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, 2007.

SOCIEDADE DE GEOGRAPHIA DE LISBOA. Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, v. 116-117.


Lisboa: Sociedade de Geografia de Lisboa, 1998. p. 167.

219
Figura de Relicário

Cultura: mbete
República do Congo
Madeira pintada, tecido e contas
Dimensões:
84cm Hx 16cm L)
Afr.000.545

220
Mbete

Yo:ound•
Os mbete vivem a Sudoes-
te da República do Congo e no
Sudeste do Gabão (não confundir
com os bete da Costa do Marfim e
da Libéria). Suas figuras de relicário
possuem uma função semelhante
GABÃO às figuras de relicário fang do Ga-
ONGO bão. "Leon Siroto observou que,
enquanto a maioria dos relicários
Mbete retratam figuras masculi-
nas, algumas são claramente fe-
mininas. Ele sugere que uma gama
excepcional de realizações pode
ter qualificado certas mulheres
para entrar na 'ngoye', e que elas
foram idealizadas em figuras de
relicário que, formalmente, muito de perto, assemelhavam-se às dos homens. Nessa sociedade matrilinear,
as mulheres podiam ocasionalmente ter estátuas de chefe. Da mesma forma, mães de gêmeos e adivinhos
célebres eram muito apreciados" (LaGAMMA, 2007, p. 274).

Referências

LaGAMMA, Alisa (ed.). Eternal Ancestors: The Art of the Central African Reliquary. New York; New
Haven; London: Metropolitan Museum of Art; Yale University Press, 2007. p. 27 4.

https://www.metmuseum.org/toah/hd/aima/hd_aima.htm

221
Figura de Relicário Nlo Byeri
(tampa da urna)

Cultura: fang
Gabão
Madeira, Dimensões:
(80cm Hx 37cm L)
Afr.000.013
222
Figura de Relicário Nlo Byeri

Cultura: fang
Gabão
Madeira e couro animal
Afr.000.379

223
Figura de Relicário Nlo Byeri

Cultura: fang
Gabão
Madeira
Dimensões: (66cm Hx 32cm L)
Afr.000.379
224
Figura de Relicário Nlo Byeri

Cultura: fang
Gabão
Madeira
Dimensões: (45,5cm Hx 14,5cm L)
Afr.000.541
225
Nlo Byeri

CAMARÕES
Pogtt:.rc~1

M l.a~à ;oo:it.:10-YeC1U1 dc
Os fang vivem ao Norte do Gabão e, em menor nú-
mero, no Sul dos Camarões. As figuras de relicário, tam-
bém chamadas Nlo Byeri em razão da associação byeri,
hoje extinta, são guardiãs cuja função era manter viva a
veneração à linhagem ancestral. Segundo Christa Clarke e
8 mzzmiill e
Kín3hM.;i Rebecca Arkenberg, grandes personalidades da sociedade
,., - n
fang, tais como ancestrais e fundadores de cidades, líderes
Me_
importantes, mulheres muito férteis ou que deram uma
contribuição importante à sociedade são merecedores de
ter, após a morte, um guardião de suas relíquias. Reservam
particularmente o crânio, conservado em containers cilín-
dricos de entrecasca de árvores e guardados por figuras esculpidas e montadas no topo dos receptáculos. Os
fang acreditam que elas possuem um grande poder spiritual (CLARKE & ARKENBERG, 2006, p. 139).

Referências

CLARKE, Christa & ARKENBERG, R. The Art ofAfrica: a Resource for Educators. New York: The Metropo-
litan Museum of Art, 2006. [Volume 1]. p. 139.

PERROIS, Louis & DELAGE, Marta Sierra. The Art of Equatorial Guinea: the Fang Tribes. New York; Barce-
lona: Random House lncorporated, 1990. p. 42-49.

226
Culto aos antepassados. Para a dança, os crânios dos antepassados são colocados em torno de
vários tipos de plantas, que são medicamentos. Um montículo de argila fica bem na frente, onde
as cabeças são colocadas.
(TESSMANN, Günther., 1909, p. 881)

227
Okuyi

o rt o .-N ovo
e -O L~ U 1:1$
l J!!))é
CAMARÕES Os punu vivem no Sul do Gabão. Ao longo do vale do
P°!:HollrCõtwl
M C.lfl~ài t 001J;lll >10-YICMW1 d e
Rio Ogowe (ou Ogooué) e seu afluente Ngunie, no Centro-
f -( -Sul do Gabão, grupos como os punu, ashira (ashir ou eshi-
.-
GUlN r ___
tollA~ IS"

GA!.1\0 ,
ra), Lumbo e outros utilizam máscaras de rosto branco pin-
tadas normalmente com argila branca chamada "mpembe"
ou "pemba" (PERROIS & GRAND-DUFAY, 2008, p. 9), caolim
ou pigmento de caolinita (KAHAN et al., 2009, p. 483). O uso
l u2nd:lll
do caolim (argila branca em pó) tanto no corpo quanto nas

máscaras e esculturas africanas é predominante em boa
parte do Centro-Sul africano e também em regiões ociden-
tais do continente. Segundo Perrois & Grand-Dufay (2008,
p. 9), a argila branca "é usada para decorar máscaras e estátuas de madeira, mas, o que é mais importante,
decora os rostos e corpos de oficiantes e iniciados em todos os grandes eventos comunitários, como os
rituais que cercam os funerais e luto, a iniciação ou as cerimônias de Buiti".

Geralmente a cor branca na África está relacionada à ancestralidade, mas também à vontade, ino-
cência, justiça, santidade etc. (PERROIS & GRAND-DUFAY, 2008, p. 164). Particularmente entre os punu e
povos avizinhados, "essas máscaras representam espíritos femininos ancestrais, denotados como tal pela
cor branca, e foram usadas tanto por homens quanto por mulheres" (SHAKAROV & SENATOROVA, 2015, p.
89). Sua função está ligada ao culto ancestral, por isso é dançada em ritos fúnebres (VOGEL, 1981, p. 190).

As performances dessas máscaras são chamadas Okuyi, mukuyi (ou mukudj1). Segundo Hermione
Waterfield (1995, p. 155), "elas são retratos comemorativos de antepassados masculinos e femininos; os
bailarinos muitas vezes performam acrobacias impressionantes nos acampamentos enquanto prosseguem
pela aldeia. Mulheres e crianças preferem se esconder deles, embora aparentemente não haja nenhuma
proibição contra a máscara ser vista por elas".

Para Hahner et al. (2007, figura 75), a máscara representaria uma face feminina idealizada e, hoje
em dia (1997), é usada para entretenimento. Os nove pontos em forma de losango, bem como o pentea-
do.faz uma conotação ao gênero feminino.

229
Referências

HAHNER, lris et al. Afrícan Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York:
Prestel Verlag, 2007. fig. 75.

JACOBSON-WIDDING, Anita. Red-White-Black as Mode of Thought Study of Triadie Classification by Co-


lours in the Ritual Symbolism and Cognitive Thought of the Peoples of the Lower Congo. Uppsala Almqvist and
Wíksell. Stockholm: Almqvist & Wiksell lnternational, 1979. p. 164.

KAHAN, Leonard; PAGE, Donna & IMPERATO, Pascal James. Surfaces: Calor, Substances, and Ritual
Applications on African Sculpture. Bloomington: Indiana University Press, 2009. p. 483.

LaGAMMA, Alisa. The Art ofthe Punu Mukudj Masquerade:. Portrait of an Equatorial Society. New York:
Columbia University, 1995.

PERROIS, Louis & GRAND-DUFAY, Charlotte. Punu. New York: Harry N. Abrams, 2008. p. 9.

SHAKAROV, Avner & SENATOROVA, Lyubov. Traditional African Art an lllustrated Study. North Caroline:
McFarland & Company lnc., 201 5. p. 89.

VOGEL, Susan. For Spirits and Kings: African Art from the Tishman Collection. New York: Harry N. Abrams,
lnc., Publishers; The Metropolitan Museum of Art, 1981. p. 190.

WATERFIELD, Hermione. Tribal Sculpture-. Masterpieces from Africa, South East Asia and the Pacific in
the Barbier-Mueller Museum. New York: Vendome Press, 1995.

230
Mascara Okuyi
(OLDMAN, W. O., 1908, fig.1)

231
Figura de Relicário
Mbulu Ngulu

Cultura: fang
Gabão
Madeira e metal
Dimensões: (60cm Hx 22cm L)
Afr.000.411
232
Mbulu Ngulu

~ BEN;/
nm) \
1
NIGERIA

,,Abuja
n.}
r! ·;.,\ Os kota (ou Bakota, no plural) vivem no noroes-

~ ~ e-
gor.to·N ovo
º Lagos
/~ 1 ./
te do Gabão. Os kota são avessos à centralidade estatal
Port Harco rt
o ·'
M al a~d
CAMAf\DES

,pouola(>Ya ounde
~
~
y e organizam-se principalmente por grupos de chefia
independentes.

A associação religiosa chamada Bwété lidera e or-


ganiza a instituição do uso de relicários como guardiões
da ossada ancestral. A sua forma achatada na parte de
trás se deve ao fato de esse tipo de objeto ficar deposita-
do contra o muro que protege a ossada dos antepassados.
Os kota acreditam que o brilho da superfície do relicário
tem a qualidade de repelir o mal (KLEINER, 201 O, p. 208).

O termo Mbulu-Ngulu, numa tradução literal, significa "imagem dos espíritos dos mortos" (DORRA
et al., 1970, p. 164). Porém, partindo de estudos mais recentes, Louis Perrois constatou que o termo Mbulu-
-Ngulu, para as figuras de relicário dos bakota, não é muito preciso. "São 'figuras ancestrais dos Bakota'. Um
estudo recente dos diferentes subestilos afirmou mais uma vez que são obras dos Bakota. Mas o nome Bakota
ou Kota é dado a todos os povos que falam línguas semelhantes às dos próprios Bakota, um pequeno grupo a
Leste de lvindo. É, portanto, um nome artificial, não é um nome étnico real" (PERROIS, 1997, p. 29).

Referências

DORRA, Henri; WEINSHENKER, Anne Betty & McCABE, Cynthia Jaffee. The Kreeger Collection. Washing-
ton, D.C.: H. K. Press, 1970. p. 164.

KLEINER, Fred S. Gardner's Art Through the Age5. Non-Western Perspectives. Boston: Wadworth Cen-
gage Learning, 201 O. p. 208.

PERROIS, Louis. Patrimoines du Sud, Collections du Nord. Paris: ORSTOM - lnstitut Français de Recher-
che Scientifique pour le Développement en Coopération, 1997. p. 29.

233
Bancos Kwanga

Cultura: kota (ou bakota - plural)


Gabão
Madeira e metal
Dimensões:
(34cm Hx 29,Scm L)
Afr.000.394
(34cm Hx 30cm L)
Afr.000.393

234
Kwanga
'NIGERIA /
t;>A buja
Os kota vivem na região Nordeste do Gabão, e uma
1 pequena porção no Congo Brazaville. Bancos de prestígio
.r-"v' '
/ CAMAl\ÔE5 fizeram parte da tradição de respeito aos mais velhos e aos
o Harcol;t
Port ,

"""i' '"~-···~ ancestrais. O termo Kwanga também aparece na literatura


relacionado a bancos destinados aos mais velhos entre os
J:ci6r.Vtlle 1 kota (BASSANI &BOCOLA, 1995, p. 180).
GABÃO CO?GO
A língua ikota, tal como a kikongo, tem origem nos
,_ l"-.A

~ B razzovill e
grandes grupos linguísticos do Congo-Níger, Congo-Atlân-
I' Nl"'"')f tinshas a
tica, Congo-Volta, Congo-Benue e Bantoide, com modifica-
ções locais, muitas das quais com léxicos perceptíveis en-
tre si. O termo Kwanga, aplicado a bancos kota (BASSANI &
BOCOLA, 1995, p. 180), no kikongo da República Democrática e do Kongo Brazaville significa "pessoa velha~,
termo que provém de ªnkwá", "alguém que possui conhecimento", segundo Price (2008, p. 321).

Chama-nos atenção a proporcionalidade e o equilíbrio figurativo dados às pequenas colunas de sus-


tentação do banco, as mesmas que integram figuras esculpidas não casualmente, pois remetem às bwété,
figuras de relicários cuja função é a proteção da ossada ancestral. A associação entre o prestígio do mais velho
a quem se destina o banco e os mais velhos entre os velhos, os ancestrais, remete à noção última da geron-
tocracia, domínio sociocultural e espiritual dos mais velhos em relação aos mais novos. t de ser justificado o
uso de bancos especiais para figuras de alta respeitabilidade, entre elas, certamente as pessoas mais velhas
da comunidade kota.

Também do ponto de vista da composição, as figuras da associação bwété que ladeiam o banco ofe-
recem a proteção da ancestralidade que encara as "três direções". E, tal como ocorre nas figuras de relicário, a
térnica de revestimento do latão dourado, cinzelado e sobre madeira, mostra uma das mais elegantes carac-
terísticas da arte dos bakota - a composição metal-madeira.

Referências

BASSANI, Ezio &BOCOLA, Sandro. Africon Seats. New York: Vitra Design Museum; Prestel, 1995. p. 180.
PRICE, Richard. Traveis with Tooy. History, Memory, and the African American lmagination. Chicago;
London: University of Chicago Press, 2008. p. 321.
WILLIAMS, Geoffrey. African Designs from Traditional Sources. New York: Dever Publications, 1971. p.
112.

235
Figuras de Rei e Rainha Lefem

Cultura: bangwa
Camarões
Madeira
Dimensões:
(c.1m03cmx26cm)
Afr.000.509a,b,c
236
Lefem

1 NIGER
Os bangwa, uma subdivisão dos bamilequê, vi-
vem no sudoeste dos Camarões e são divididos em mui-
tas chefias ou reinados pequenos. Desde que o MoMA

NI G ER IA

0A buj a
) ~·~ -~
apresentou em 1935 a "figura de mulher" bangwa da co-
leção de Helena Rubinstein (SWEENEY, 1935, figura 319),
aumentou o interesse mercadológico e o aparecimento
/'-' '
~MARÕES. \ desse tipo de escultura bangwa nos mercados de alto
Port H arco~rt
o
31
Malab o Jlºu i}.vaoun de
9 Í'
potencial econômico e nos demais circuitos comerciais,
que incluem o turístico. A descrição clássica da escultura
de rainha bangwa, chamada por vezes de figura Lefem,
sedimentou em partes as características das peças originais e de suas variantes: "boca aberta em música [isto
é, como se cantasse] e joelhos curvados em dança, a figura da "Rainha" Bangwa evoca movimento mesmo em
seu estado escultural. Em sua mão direita ela agarra um chocalho de cestaria cerimonial. Colares, pulseiras
e tornozeleiras adornam seu corpo nu" (DEFABO, 2014, p. 27). Um pouco mais adiante, continua DeFabo: "as
figuras de Lefem, tanto homens quanto mulheres, assumiram uma variedade de papéis mesmo na sociedade
Bangwa. Entre esses papéis estão: membros da égide do palácio e da sociedade reguladora; exibições de ri-
queza; mostras da vitalidade do Fon (rei); registros históricos do reino; e afirmações da continuação do reinado
e, por extensão, a afirmação do poder real" (DEFABO, 2014, p. 29).

Referências

DEFABO, Julia Lynn. The Bangwa Queen: lnterpretations, Constructions, and Appropriations of Mea-
ning of the Esteemed Ancestress Figure from the Cameroon Grassfields. Senior Projects, Spring 2014. Paper
14. Disponível em: <http://digitalcommons.bard.edu/senproj_s2014/14>. Acessado em: 19 set. 2018.

HAHNER, lris et al. African Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York:
Prestel Verlag, 2007. p. 64.

SWEENEY, James Johnson. African Negro Art. New York: The Museum of Modem Art (MoMA), 1935.
fig. 319.

237
Máscara Ngoin

Cultura: babanki/bamilequê
Camarões
Madeira pintada
Dimensões:
(45cm x28cm)
Afr.000.126
238
Ngoin

NIGER
As máscaras Ngoin possuem uma enorme varie-
dade formal. Podendo ser antropomorfas e zoomorfas,
tomam parte das cerimônias em memória de grandes per-
sonalidades.

t ·:t ;::~,. A1, A presença delas já foi constatada em diferentes

(G
i') I o r:to -N ov o
\ l,e_ e <J (J l llgos
~,,...)
,t:-,,w
! :\
- • 1
I
reinos camaroneses, tais como os bamilequê, do sudoeste
do país, mas também são utilizadas entre os bafut, bekom,
~ ( 1'.AMARÓES ~
Port H arcomt
C> É
1 grande babanki, ndop, oku, entre outros (HAHNER, 2007,
D ouala .
M a l a~o o y.Ya9un de
p. 62). A arte de corte dos Camarões perfaz a regalia das
performances de cunho aristocrático com uso de másca-
ras com significados simbólicos. Por exemplo, a associação
masculina dos bamilequê chamada Kwifoyn, que regula e
faz a manutenção do respeito às normas sociais, também promove o controle social e os funerais de mem-
bros. Ouso de máscaras é um distintivo dos que pertencem à associação e é restrito aos iniciados. Anualmente,
festivais com celebrações relacionadas ao rei incluem máscaras desse tipo. Com intrincadas funções, másca-
ras bamilequê como esta, além de se relacionarem à colheita em períodos secos, servem ainda como marcos
de eventos rememorativos. Além disso, momentos menos sazonais são incluídos no uso dessas máscaras,
tais como no falecimento de algum membro de alta hierarquia dentre os bamilequê (BOURGEOIS & RODOLITZ,
2012, p. 46). Identificada como máscara de dança feminina, uma Ngoin à venda na casa de leilões Sotheby's
em 1990 foi assim descrita: "forma oval com queixo afunilado (tappering chin), buraco da boca retangular,
mostrando dentes entalhados, bochechas infladas, nariz triangular com narinas exageradas, quase na forma
de olhos, [rosto] no qual se erguem bulbos e orelhas protuberantes, com abas pontiagudas, encimada por
uma testa saliente e touca bojuda (SOTHEBY'S, 1990, p. 174).

Referências

BOURGEOIS, Arthur & RODOLITZ, Scott. The Face ofSunset African Art of Life, Transformation, and Dea-
th. New York: BookBaby; Zaria Publications, 2012. p. 46.

DYKE, Kristina Van. African Artfrom the Menil Collection. Houston: Menil Collection, 2008. p. 150-152.

FAGG, W. Masques d'Afrique dons les Collections du Musée Barbier-Müller. Geneva: Fernand Nathan,
1980.

HAHNER, lris et al. African Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York:
Prestel Verlag, 2007. p. 64.

SOTHEBY'S. The Harry A. Franklin Family Collection ofAfrican Art. New York: Sotheby's, 1990. p. 17 4.

239
Máscara elefante

Cultura:b babanki/bamilequê
Camarões
Madeira
Dimensões:
(41cmx19cm)
Afr.000.140

240
Babanki

NIGER

As peças babanki como esta faziam parte de um


grupo de máscaras de linhagem. Estas, segundo lris
K ano
\> Hahner (2007, p. 63), aparecem principalmente nas ceri-
NIGERIA mônias em memória dos falecidos. Os guro da Costa do
.t'buja
Marfim também se utilizam de máscaras de elefante
com funções semelhantes. Elas são apenas ocasional-
mente incluídas num grupo de máscaras antropomorfas
e zoomorfas porque o elefante, assim como o leopardo,
é considerado um animal real entre os povos dos Cama-
rões. Logo, a rara presença da máscara se relaciona à
rememoração de alguém de uma linhagem especial. A
figura de elefante, diz Hahner (2007, p. 63), "é a primeira a aparecer na cena de dança e a última a sair, e, de
acordo com o seu status, os seus movimentos lentos e são imponentes".

Referências

HAHNER, lris et al. African Masks: the Barbier-Mueller Collection. Munich; Berlin; London; New York:
Prestel Verlag, 2007. p. 64.

GEBAUER, Paul. Art of Cameroon. New York: Portland Art Museum and Metropolitan Museum of Art,

1979.

241
Cena com Músicos sob Guarda-sol

Cultura: babanki/bamilequê
Camarões
Madeira pintada
Dimensões:
(54cm x33cm)
Afr.000.173
242
lorubá

j ~ Os iorubá vivem no Centro, Sul e Sudoeste

-~ F O
Jllm e'f
da Nigéria, Leste do Benim e ao sul do Togo. Cenas
de músicos, caçadores, procissão ou de corte apa-
Ouag. dou ou 0 Knno
o recem com relativa frequência representadas em
NJGE.RIA portas, paredes de madeira e em esculturas por-
.J'buja
COSTA
táteis de altar. Também são encontradas de forma
00
MARFIM
Y mou$,1 oukro
semelhante no trabalho escultural das máscaras
o K\1mo$lo
Abl dJ<>11 A ccr
eAMARÔES iorubanas, como as Epa, utilizadas pelos ekiti-io-
Q ..J Port Harcourt -
o
M l11bo oº ou ala
rubá, como reencenações ou celebrações de an-
Q
tigas batalhas num festival agrário que tem por
objetivo assegurar a fertilidade e o bem-estar da
comunidade.

Frank Willet publicou dois exemplos de figuração de cenas de corte da aristocracia igualmente com
pequenas figuras ajoelhadas, abanador real e cariátide (figuras femininas de sustentação) nas máscaras Epa
dos iorubá (WILLET, 1971, p. 246). Chama-nos a atenção o fato de que os músicos dessa peça da Coleção lva-
ni e Jorge Yunes também são figurados como sustentáculos do guarda-sol real, que aparece tanto entre os
iorubanos quanto entre os fon do Benim, na forma do para-sol real (owe1 como signos de autoridade (SILVA,
2016,p.151).

Embora possa parecer apenas uma decisão artística, as figuras de sustentação iorubanas têm uma
ligação simbólica forte dada uma crença local de que a ancestralidade passa pela cabeça (on), local de morada
ou solo no qual se planta (ou incorpora) o "orixá. "Ri", de orixá, segundo Abimbola, pode significar plantar algo
no solo ou estabelecer algo. "Sà" pode significar "louvar" ou prestar homenagem. Pode-se dizer que a palavra
àrlsà significaria algo que você planta ou estabelece no solo, e para o qual tem de prestar homenagens ou
louvar (ABIMBOLA, 1997, p. 154).

A decoração triangular na base da peça nas cores azul, laranja e branca é muito semelhante às es-
culpidas por Bangboye da cidade de Oda Owa, obra pertencente atualmente ao National Museum of Lagos
(WILLET, 1971, p. 246). O papel dos músicos nas cenas de corte da realeza não é meramente ilustrativo ou
de entretenimento; os músicos são às vezes os responsáveis por fazer a ponte entre os seres humanos e as
divindades, que "montam" os iniciados no contexto do transe. Nesse sentido o guarda-sol, sustentado pelos
músicos, pode fazer referência à abóboda celeste e a sua presença, bem como a da música, simbolizariam a
complementariedade entre o céu e a terra mediada por eles.

Segundo Thompson, que avaliava semelhantes figurações em chevrons (zigue-zague) nas máscaras
Epa em seu livro "Arte Africana em Movimento", "as marcas chevron a céu aberto que formam a crina repre-
sentam a descida da arca da criação do céu. O zigue-zague, devo acrescentar, é reconhecido em outras civili-
zações da África ocidental, notavelmente entre os fon e os iorubá, como marca de uma linha de comunicação,
uma 'avenida' que une o céu e a terra na forma de raio" (THOMPSON, 1974, p. 76). O que é, ademais, outra
interpretação possível às marcas triangulares na base dessa escultura.

243
Referências

ABIMBOLA, Wande. !fá Will Mend our Broken World: Thoughts on Yoruba Religion and Culture in Africa
and Diaspora. Roxbury, Mass: Aim Books, 1997. p. 154.

SILVA, Renato Araújo. Escritos Afro-Brasileiros. São Paulo: Ferreavox, 2016. p. 151.

THOMPSON, Robert Farris. African Art in Motion: lcon and Act. Los Angeles; Berkeley; London: University
of California Press, 1974. p. 76.

WILLET, Frank. African Art an lntroduction. New York; Toronto: Oxford University Press, 1971. p. 246.

244
Urna Funerária

Cultura: bura
Níger
Terracota
Dimensões:
(55,5cm H x 17cm L)
Afr.000.473

246
Urna Funerária

Cultura: bura
Níger
Terracota
Dimensões:
(57cm H x 22cm L)
Afr.000.472
247
Urna Funerária

Cultura: bura
Níger
Terracota
Dimensões:
(34cm H x 13cm L)
Afr.000.474
248
Urna Funerária Urna Funerária

Cultura: bura Cultura: bura


Níger Níger
Terracota Terracota
Dimensões: Dimensões:
(52,5cm H x 17,5cm L) (35cm H x 16cm L)
Afr.000.477 Afr.000.475

249
Falos bura

Depois de peças em terracota terem sido descobertas aciden-


talmente em 1973, escavações posteriores de um sítio arqueológi-
co chamado Bura, no Niger a 150 km a Noroeste de Niamey, revela-
ram uma vasta necrópole que continha diferentes tipos de objetos,
alguns dos quais possuíam formas fálicas distintas daquelas já
encontradas na história da cultura material africana desde então.
TOGOI
GHANA
"!•
Pouco se sabe sobre os responsáveis pela elaboração desses obje-
tos que foram identificados como urnas funerárias, também conhe-
cidas como "falos bura".

Algumas hipóteses sobre as motivações para o formato fálico das urnas foram aventadas. Porém,
devido à falta de registros sobre a cultura e estilo de vida do povo que as produziu, hipóteses quanto o alcan-
ce e a possível ligação entre a sua forma e função ainda não tiveram alguma comprovação que fosse mais
definitiva. Os trabalhos arqueológicos continuaram. As antigas escavações executadas por Boubé Gado em
1985 foram retomadas em 1998 pela equipe do Instituto de Pesquisas em Ciências Humanas de Niamey; o
que permitiu realizar datações a partir do carbono. Estas acabaram por indicar que a necrópole foi utilizada
entre os séculos li e XI da nossa era.

Segundo Anne Mayor (2011, p.152) "Na região sul, o principal sítio escavado é a necrópole Bura-Asin-
da-Sikka, localizada dentro de um círculo natural que a protege. Este sítio faz parte de um grupo chamado
'cultura de Bura', reunindo necrópoles caracterizadas por urnas funerárias antropomórficas de terracota,
locais com vocação ritual composto de túmulos achatados (ou esplanadas) em pedras, bem como locais para
habitação. A décima necrópole escavada em 1985, revelou 630 cerâmicas funerárias antropomorfas excep-
cionais, bem como esqueletos humanos com ornamentos e armas de metal semelhantes às figuradas nas
cerâmicas. Geologicamente, a necrópole é baseada na última remobilização eólica, datada do século li a Ili dC,
e foi coberta durante o período árido que começou após o século 13 dC".

Referências

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d'irremplaçables informations. ln: Vallées du Níger. Catalogue de l'exposition. Paris: Réunion des Musées Na-
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Academy, 2007. p. 44.

MAYOR, Anne.Traditions céramiques dans la boucle du Niger: ethnoarchéologie et histoire du peuplement au


temps des empires coloniaux. Journal ofAfrican Archaeology Monograph Series. No. 2, Vol 7. 2011. p.152.

Minerva, Volume 11. Aurora Publications, 2000. p.4

Museum lnternational, Volumes 48-49. Unesco, lngenta (Firm); Blackwell, 1996. p.52.

250
251
Cultura Nok

J> okoto

Gusau
o Kano
C>
Segundo o arqueólogo alemão Peter Breunig, "a cul-

z~ r i.;J
tura nok teve uma duração de cerca de 1500 anos e
o
Kadu~ a NIGERIA e auchl
é datada de meados do 2º milênio a.e. até a virada do
Gombe
o o
.Ã. 0
Jos 1ºmilênio d.C." (BREUNIG, 2013, p. 16) .
M cuLruRA NOK
,.Abula
Em 1928, alguns trabalhadores da mine-
li ln
o
radora de estanho Lt-Col. Dent Young casualmente
badan "encontraram um grupo de implementas em pedra
1
l nug u e algumas cabeças em terracota, incluindo um busto
IS
Benin° 0 0 nl t sh ~ B ;imend•
Warri
o CAMARÕES humano e uma representação de cabeça de um ma-
o
caco" (GUILLON, 1984, p. 75). Era a segunda grande
descoberta da África antiga que ocorreria no século
XX, juntamente com a das cabeças em bronze de ifé
pelo antropólogo alemão Leo Frobenius dezoito anos antes. Mais uma vez a história da arte africana estava
sendo reescrita. Cinquenta anos depois, tais peças ainda estavam sendo utilizadas como espantalhos nas
plantações dos mineradores. Quando o administrador colonial (1957-1963) britânico Bernard Fagg (1915-
1987), posteriormente arqueólogo e diretor do Departamento Nigeriano de Antiguidades, tomou ciência delas,
impressionou-se com a sua similaridade em relação a outros objetos encontrados em 1943 e depositados no
Museu de Jos, também no Norte da Nigéria. Aqueles, juntamente com outros 157 objetos elaborados por uma
cultura completamente desconhecida até então, ganharam como apelido o nome da região de mineração:
Nok, pelo qual são ainda hoje denominados.

Opovo desconhecido que produziu esses objetos foi igualmente chamado de Nok. Não sabemos como
eles se autodenominavam. Segundo Guillon (1984, p. 79), embora grande quantidade desses bustos tivesse
representação de adornos como pulseiras, colares, tornozeleiras e contas de vários tipos, não foram encon-
trados anéis nem brincos.

Datações iniciais por radiocarbono identificaram que essa cultura se estabeleceu entre 500 a.e. e 200
d.C. No entanto, recentes descobertas retomaram inúmeros pontos que ainda estavam obscuros. Uma equipe
de arqueólogos da Universidade de Goethe em Frankfurt Main vem pesquisando a cultura Nok desde 2005,
liderada por Peter Breunig. Os trabalhos estão parados desde fevereiro de 2017, quando Breunig, juntamente
com o estudante Johannes Behringer, foi raptado no Estado de Kaduna por fundamentalistas islâmicos do
Boko Haram e libertado dias depois.

Dois triunfos dessas escavações foram a descoberta de outros artefatos Nok e as modificações das da-
tações mais antigas. Além disso, os arqueólogos alemães vêm desenvolvendo uma metodologia arqueológica
mais holística, não se limitando às peças Nok. Eles avaliam ainda a transição de pequenos grupos de caçadores
e coletores para grandes comunidades na região (BREUNIG, 2013, p. 16).

252
Referências

BREUNIG, Peter. Nok. Ein Ursprung Afrikanischer Skulptur: Frankfurt: Goethe-Universitat Frankfurt und
Africa Magma: Verlag, 2013. p. 16.

FAGG, Bernard. A life-size terra-cotta head from Nok. Man, v. 56, Jul. 1956, p. 89.

GUILLON, Werner. A Short History of African Att. New York: Facts on File Publications, 1984. p. 75.nok-
cabeças e bustos

253
Cabeça

Cultura: ao estilo Nok


Níger
Terracota
Dimensões:
(25cm H x 20cm L)
Afr.000.469

254
Cabeça

Cultura: ao estilo Nok


Níger
Terracota
Dimensões:
(31cmHx25cm L)
Afr.000.467
255
Busto

Cultura: ao estilo Nok


Níger
Terracota
Dimensões:
(42cm H x 20cm L)
Afr.000.466
256
Busto

Cultura: ao estilo Nok


Níger
Terracota
Dimensões:
(35cm H x 1Bcm L)
Afr.000.4 70
257
258
Capítulo V - Equilíbrio entre mundos

arte da antropologia e filosofia da arte africana lida com o conceito das oposições e, conse-

P quentemente, com o equilíbrio entre essas oposições. Temas como feminino/masculino; dia/
noite; terra/céu; natureza (representando a floresta, a selva e/ou o mundo animal)/ civilização
(representando a cultura, a sociedade e/ou o mundo humano); primavera-verão/outono-inverno; juventu-
de/velhice e inúmeros outros opostos são constantemente esboçados dentro da literatura oral na forma da
busca ou reconhecimento de um equilíbrio e, por consequência, esses conceitos são elaborados plastica-
mente na arte.

Embora tenhamos separado um grupo de peças que se encaixam nesse quesito, não as destacamos
como se fossem as únicas. Ao contrário, queremos destacar a importância dessa categorização em vez de
fechar o número de objetos capazes de se incluir nessa ampla gama que sugere o conceito artístico e antro-
pológico africano de "equilíbrio entre mundos".

Os bamana tradicionais do Mali, por exemplo, duas vezes ao ano, sempre que há abertura de arado
ou colheita, ritualizam essa prática habitual com uso de máscaras, fazendo referência ao animal civilizador
tchiwara. Embora seja associado diretamente ao antílope, que teria "ensinado" os bamana a cultivar os
alimentos por meio de seu gesto de cavar a terra, como fazem alguns animais como o touro e o cachorro,
outros animais míticos ou naturais como o pangolim também compõem o quadro geral "híbrido" da máscara
conhecida como tchiwara. O chifre do antílope está para a noção de crescimento e abundância assim como
seu gesto civilizador de "arar" está para a fertilidade da terra e, por consequência, à fertilidade humana.
Como diz Anne-Marie Bouttiaux:

as máscaras dedicadas à ciwara (Bamana, Mali) são bem conhecidos nas coleções ocidentais.
Muitas delas representam o antílope "roan" (Hippotragus equinus) como uma metáfora para
a fecundidade humana - este antílope dá à luz um bebê de cada vez, assim como os humanos
costumam fazer. Os ciwara estão ligados ao trabalho agrícola, por meio do qual eles honram
a complementaridade entre terra e sol, bem como a complementaridade de gênero (BOUT-
TIAUX, 2009, p. 68).

Talvez não seja exagerado afirmar que a contraposição e a harmonia têm também nas oposições en-
tre o cristianismo e o islamismo africanos uma complementariedade técnico-estilística com implicações, por
exemplo, na joalheria do norte do continente. Apenas para citar alguns exemplos, os colares, com seus ara-
bescos, se contrapõem e se equilibram com algumas elaborações do desing típico do cristianismo copta. A
arte da Etiópia cristã, datata desde o século IV, por exemplo, também se destacou em cerimoniais com cruzes
produzidas em muitos estilos decorativos diferentes, e que incluíam grandes cruzes processionais feitas em
madeira, bronze ou prata (GUILLON, 1984, p. 320). Cruzes e geometrismo cópticos da Etiópia não conflitaram
com os arabismos da arte islâmica na joalheria. Parece que a arte dos povos de ambas as religiões de origem
semita deve ter dado alguma base e contribuição para inúmeros trabalhos de joalheria das regiões do que
chamamos "corredor estilístico islâmico do norte". Mercadorias e formas artísticas vagaram num gigantesco

259
fluxo e refluxo do oriente africano ao Oriente Médio, e do Oriente Médio ao Magreb, pelas rotas comerciais
transaarianas em épocas distintas1 •

Essas trocas ocorreram desde o chifre da África pelo escambo pré-monetário da antiguidade, a partir
do comércio triangular, com trocas culturais entre a Etiópia, lêmen e Eritréia, e pela força do islamismo e sua
fluidez econômica com o uso da prata como moeda de troca. O uso desse metal foi comum nas navegações
pelo mar Arábico e das linhas de comunicação ao sul pelo mar Vermelho, mas também ao norte pela Jordâ-
nia, Iraque e Irã, culminando em uma circularidade técnico-estilística nas joias metálicas do Egito, Jordânia,
Paquistão e Índia - estes três últimos tributários e ao mesmo tempo difusores da joalheria islâmica comum
ao Oriente Médio e regiões transaarianas.

Por outro lado, esse comércio e essas trocas culturais fizeram com que estilos e técnicas fossem per-
mutados a tal ponto que não é só difícil, mas às vezes até impossível estabelecer dados de procedência, se-
quência estilística e cronológica. Mais difícil ainda é identificar substratos e superestratos tecnológicos entre
as obras. Os povos comerciantes africanos, de maioria árabe - moura, bérbere, hauçá, fulani, mandinga -,
tenderam historicamente a dar menos importância às suas diferenças regionais do que a difundir seus ara-
bismos e heranças mulçumanas, muito presentes, ou as coptas longíncuas, seus bens culturais e tradições
expansionistas islâmicas em torno de Alá. O balanço, que sugere algum equilíbrio dentro do desequilíbrio
religioso, ironicamente reforça laços norte-africanos que não se podem desatar. São essas mesmas propen-
sões expansionistas, aliadas ao grande apelo visual no qual se baseiam essas joias, que fazem mulheres
mulçumanas tuaregues do Marrocos, Mauritânia e antiga Numídia, a milhares de quilômetros da Etiópia,
inconscientemente ou não utilizarem cruzes captas como símbolo de sua identidade mulçumana e bérbere
(cf. HAGAN & MYERS, 2006, p. 45-61; FISHER, 1984 e SIMAK, 2010, p. 106).

Na religião dos dogon, o Deus criador é chamado Amma. Luc de Heusch apresenta uma versão esoté-
rica do mito de origem dogon na qual a primeira criatura engendrada tinha a forma do peixe siluro - família
da qual pertence o bagre. Então Deus criou um par de figuras bisexuais, ou gêmeos andróginos, dominados
pelo princípio masculino.

O primeiro casal habita na metade superior da placenta. Nommo Die ("o grande Nommo")
ficará no Céu com Amma, cujo vice é ele; "como testemunha e administrador da atmosfera
celeste, ele será o distribuidor da chuva [...] e o guardião dos princípios espirituais dos seres
vivos na terra". Nommo Titiyayne é seu assistente. É ele quem assumirá o papel de imolador
no drama. Os dois gêmeos masculinos na metade inferior da placenta são chamados, respec-
tivamente, de Nommo da Lagoa (ou Nommo Semu, "o sacrificado") e Ogo. Amma confere a
cada uma dessas quatro criaturas primordiais uma irmã gêmea correspondente. Mas é como
se, nessa fase, as últimas tivessem apenas uma existência potencial (De HEUSCH, 1985, p.
126).

O que se pode depurar desse relato mítico, bastante reduzido aqui, é a noção do "domo terrestre"
como ventre dos seres vivos; a ambivalência entre o céu e a terra, ratificada pela presença da chuva, faz a
ligação dos seres pela purificação do sacrifício; e por fim a vida é como um balanço e equilíbrio entre essas
duas correntes opostas.

1. O ocidente africano é entendido como o caminho do norte oriental da África em direção ao Marrocos.
260
No seu intrigante e controverso livro "O Mistério de Sírius", Robert Temple (1976, p. 31) diz que a
placenta é usada pelos dogon como símbolo de um "sistema" de estrelas ou planetas. Nosso próprio sistema
solar parece ser chamado de "placenta de Ogo", enquanto a estrela Sírius, sua companheira e satélites são
referidos como "placenta de Nômmo" - nome do grande herói cultural e fundador da civilização que veio do
sistema Sírius para estabelecer a sociedade na Terra. Os nàmmo eram criaturas anfíbias (De HEUSCH, 1985,
p. 126). Na perspectiva estética, com a escultura do casal primordial dogon, as noções de complementarida-
de e fertilidade são expressas artisticamente em função desse casal dar origem a todos os dogon, fazendo
seus gestos aparecerem nas formas simbólicas que remetem ao mito de origem desse grupo de saber.

De outra feita, estatuetas dos baulé com figuração antropomorfa abstrata ou pelo menos idealizada
- não são retratos, absolutamente - são dedicadas aos chamados "espíritos da natureza" e estariam relacio-
nadas ao mito fundador desse grupo. Trata-se de figurações masculinas ou femininas que representam res-
pectivamente os maridos ou as esposas do "outro mundo" - mais uma importante percepção de harmonia
entre mundos. Na noção de equilíbrio praticada pela cosmovisão baulé, além das esposas e esposos que se
têm no mundo, ainda há os do outro mundo. Seriam correspondentes espirituais ou "a outra ponta do equi-
líbrio de forças" que os baulé já têm logo ao nascer, portanto, necessárias - Bialo Bian seria o "esposo do ou-
tro mundo" e Bialo Bla a "esposa do outro mundo". Em paralelo ao mundo dos vivos existe o dos ancestrais.
A harmonia entre eles é alcançada por diversas práticas culturais. Uma delas é a materialização plástica da
noção de complementariedade com a elaboração em madeira da figura do Bialo Bian e da Bialo Bla. Além da
função relacionada à ancestralidade, os temas da transmissão e da fertilidade são também indicados pelas
estatuetas Bialo. Embora a síntese desses opostos não possa ser identificada em termos plásticos apenas ob-
servando a exterioridade das estatuetas, é certo que a verificação de simples elementos da tradição oral foi
suficiente para a identificação da noção de complementariedade, harmonia entre opostos e equilíbrio entre
dois mundos - no limite, a realidade composta pelo mundo dos vivos e pelo mundo ancestral.

Por vezes esse equilíbrio aparece de maneira simples na literatura oral africana como "quiasmos", que
são elementos diversos que se entrecruzam na estrutura gramatical de uma frase. Um exemplo de quiasma
baulé conhecido aparece com objetivo de ajuda mútua: gauche lave droit, droite lave gauche (FINNEGAN,
2012, p. 391), algo que na tradição brasileira conhecemos como "uma mão lava a outra", com o mesmo sen-
tido de apoio mútuo. Outras vezes o equilíbrio aparece de maneira complexa, como por exemplo durante a
récita impressionante da lista de ancestrais familiares. Essa é uma forma de manter o equilíbrio e o compro-
misso entre os que estão vivos e os antepassados, os jovens em relação aos velhos. Mas também "quando
uma lista de ancestrais reais é recitada, o principal objetivo é provar que aquele rei determinado é o legítimo
titular do trono e que a realeza é a ordem política correta e legítima naquela sociedade" (VANSINA, 1985, p.
92).

A constituição do equilíbrio na esfera dos opostos também é um aspecto do uso de máscaras entre
os bamana, por exemplo: a terra e por vezes os animais (a natureza, o selvagem) em relação ou oposição
aos seres humanos (a sociedade, a civilização). As circunstâncias que podem trazer desequilíbrio entre essas
duas forças são amplamente combatidas por meio do uso de máscaras nos períodos mais frágeis do desen-
volvimento da cultura alimentar, da qual todos dependem. Ora, a presença do "animal civilizador" (tchiwara)
por meio da memória plástica, isto é, por meio do uso de máscara ritual, recompõe o equilíbrio no ato solene
que retoma o mito.

Também na forma dessa memória plástica vemos outra forma de equilíbrio: a geométrica. Porque

261
as máscaras tchiwara variam entre dois estilos principais: o vertical, próprio dos bamana do leste, e o hori-
zontal, dita mais "realista", por isso mesmo mais facilmente compreendido como um "antílope", próprio da
fabulação artística do norte. Ambos contrastam amplamente com as formas mais variadas e mais abstratas
dos bamana sulistas (ARNOLDI, 2001, p. 202).

As máscaras tchiwara são geralmente postas a dançar em pares (masculino e feminino), que também
fazem referência a opostos. Enquanto o masculino simboliza o sol, o feminino simboliza a terra. Assim, com
essa noção de fertilidade associada ao sol, poderíamos até dizer que ela se dá por meio de uma espécie
de "fotossíntese", cujos frutos, do ponto de vista da abundância e crescimento, seriam comparados ao
nascimento de filhos. Por isso não é incomum que as tchiwara apresentem, além dos pares de opostos
masculino e feminino, uma representação de um filhote sem sexo, isto é, que não passou ainda por ritos
iniciáticos da fase juvenil2.

Entre todos os objetos da cultura material africana, talvez as máscaras sejam os principais meios de
transmissão da ideia de equilíbrio entre forças, sejam estas entendidas como energias ligadas à natureza
ou à linhagem ancestral, sejam ligadas ao lado oposto da linhagem mais antiga no momento da iniciação
juvenil. Presenciando um dos vórtices principais desses mundos em constantes harmonias e desarmonias, as
máscaras também aparecem como intermediárias entre o humano e o divino, destacando um dos principais
fenômenos de equilíbrio entre forças que é o princípio de busca por "essências", dito em latim como religare.

Num artigo sobre a relação entre o mascarado, a máscara e a identidade dessa pessoa, John Picton
reflete sobre a origem do termo "máscara":

as palavras "máscara" (mask), "mascarado" (masquerade), "máscara" chegaram nas línguas


da Europa por meio do árabe. Este é um fato relativamente bem conhecido, que pode ser
facilmente confirmado com a ajuda de um dicionário apropriado e pela seguinte nota de
Shelagh Weir, curador da etnografia do Oriente Médio no British Museum, a John Mack: "JP
está certo sobre a fonte árabe para mascarado. Há, de fato, uma palavra em árabe para a
mesma coisa: maskharah, da raiz skhr. O verbo árabe (perf. Sakhira) do qual o substantivo
derivado significa: rir, zombar, escarniar, ridicularizar, fazer mofa, burlar, tirar sarro" (PICTON,
1990, p. 185).

Outra questão discutida ao longo desse artigo, e que se soma a essa das origens etmológicas dos ter-
mos "máscara" e "mascarado", é o papel ou incumbência da máscara, geralmente ligado a conceitos como
disfarce, proteção, figuração, representação, esconder, revelar etc. É possível identificar as bases da máscara
e do mascarado como intermediárias por meio das quais se estabelece o balanço entre forças distintas, impli-
cando que muitas vezes podem ser encontrados fundamentos culturais explícitos, em termos plásticos, nas
funções relacionadas às máscaras.

A transmissão das ideias de estabilidade, constância, harmonia etc., que advêm do equilíbrio trazido,
por exemplo, pelo uso de máscaras das sociedades Poro e Sande - contrapartes elas mesmas como asso-
ciação masculina e a outra feminino - é conjugada de maneiras distintas em cada associação, e a forma de
reestabelecimento do equilíbrio ou harmonia perdidos varia, portanto. Enquanto os homens poro garantem
a estabilidade e a firmeza do controle social por meio da aplicação da lei e da ordem para gerenciar crises,

2. Cf. Bevilacqua & Silva, 2015, p. 36; Roberts & Thompson, 1995, p. 156; Forgery, 1971, p. 46-49; Art Institute of Chicago, 1997,
p. 113.
262
nunca uma mulher é banida, incarcerada ou enviada ao ostracismo; o esforço fica em torno
da resolução e da reintegração. Muitas vezes as competidoras (disputants) [que têm queixas
uma em relação a outra] são levadas a passarem por um banho ritual. [... ] [Nessas sessões]
os conflitos são resolvidos e lavados. A comunidade como um todo se livra de crimes e erros
cometidos, e assim é curada. Há a resolução e o reestabelecimento da harmonia e do equilí-
brio (LAWAL, 1996, p. 9).

De alguma maneira, comparativamente, o próprio uso de máscaras pode revelar certas oposições,
que contribuem para o entendimento de suas características distintas. Quando se utilizava uma máscara no
Ocidente, por exemplo, nos carnavais do Brasil no começo do século XX, o objetivo era se "esconder'' atrás
de uma figura. Em geral, quem ia aos bailes era mal visto e taxado de forma preconceituosa pelo restante da
sociedade. Frequentar o carnaval era algo moralmente deplorável, já que sugeria uma entrega total à festa
pagã e uma forma de cair na gandaia, cheirar lança-perfume, ter relações sexuais com desconhecidos etc.
Quem quisesse se manter icógnito na multidão utilizava uma "máscara" que, em partes, defendia a sua pri-
vacidade naquela curta semana próxima de fevereiro.

As máscaras africanas, em geral, não são usadas para esconder algo, e sim para revelar. O que mos-
tra não é o rosto da pessoa que a porta, mas o que a máscara representa. Na contraposição entre mostrar
e esconder, revelar e encobrir, aparecem os conceitos opostos de mobilidade e imobilidade, proporção e
desproporção, alteração e inalterabilidade, paridade e disparidade e ainda, a "compensação dos excessos"3 •

No caso estilístico das máscaras africanas, nem sempre essa conceituação é expressa de maneira tão
imediata. Por outro lado, muitas fórmulas artísticas condensariam tais requisitos, sejam das máscaras de
duas cabeçasjanus, por exemplo, que incorporariam a ideia de equilíbrio na forma da justiça, ou das másca-
ras de duas cabeças dos ejagham, com oposição entre as faces pintadas em negro - representando o princí-
pio masculino - e as pintadas em amarelo-amarronzado - representando o princípio feminino (THOMPSON,
1974, p. 175). Ou as cariátides, que equilibram e sustentam mundos sobre suas cabeças (THOMPSON, 1974,
p. 102). Sejam ainda a fertilidade e abundância dos seres humanos e da terra, tais como trazidas pelas bo-
necas de fertilidade ou pelas máscaras nimbo dos Baga - nestas, o seio achatado lembra a amamentação,
enquanto o nariz adunco recorda o bico de um pássaro e a forma das enxadas usadas nos campos (BARGNA,
2011, p. 18). Máscaras dos ibibio com distorções da face podem representar doenças (paralisia, lepra) ou
punição (SHAKAROV & SENATOROVA, p,78).

De um lado a outro, onde se procurar equilíbrio, harmonia e oposição nas artes da África certamente
haverá solução e comunhão, mas também contraposição. Como disse certa vez o filósofo naturalista grego
Heráclito de ~feso: "da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia". Talvez por isso que o dialético filó-
sofo pré-socrático também disse: 1'É preciso seguir o-que-é-com, (isto é, o comum; pois o comum é o-que-
é-com). Mas, o logos sendo o-que-é-com, vivem os homens como se tivessem uma inteligência particular
(EMPÍRICO, 1996, p. 87).

3. Enquanto os expressionistas alemães como Ernst Kirchner buscaram em sua influência africana a distorção da figura como uma
das formas de representação das ansiedades dos Tempos Modernos, as distorções plásticas africanas enfatizam igualmente um de-
263
Referências

ARNOLDI, Mary Jo. Bamana: the art of existence in Mali. New York: Museum for African Art; Museum Rie-
tberg, 2001.

ART INSTITUTE OF CHICAGO. African art at the Art lnstitute o/ Chicago. Chicago: Art lnstitute of Chicago,
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BEVILACQUA, Juliana Ribeiro da Silva & SILVA, Renato Araújo da. África em Artes. São Paulo: Museu Afro
Brasil, 2015.

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EMPIRICO, Sexto. Contra os matemáticos. ln: Os pré-socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. São
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sequihbrio social, mas também uma expressividade artística e gestual. Uma escultura de uma mulher grávida Bwami, por exemplo,
segundo Robert Thompson (1974, p.120) pode conter distorções em suas bochechas e bocas "a fim de expressar a dor do parto".
Uma das formas comuns de "compensação dos excessos" é a distorção das proporções dos membros e das genitálias. A falta de
filhos poderia ser plasticamente compensada pela elaboraçãoa artística de falos, seios e vulvas desproporcionalmente grandes, em
última análise símbolos de fertilidade. De forma semelhante, na filosofia natural dos gregos pré-clássicos, uma teoria do equilíbrio
universal propunha que "ao longo do tempo, os opostos pagam entre si as injustiças reciprocamente cometidas. Para alguns intér-
pretes isso significaria a afirmação da lei do equilíbrio universal, garantida através do processo de compensação dos excessos (por
exemplo, no inverno, o frio seria compensado dos excessos cometidos pelo calor durante o verão). (SOUZA, José Cavalcante de.
II Os Pré-Socráticos. ln: Col. Os Pré-Socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
p. 16).
264
TEMPLE, Robert K. G. The Sírio Mystery. New York: St. Martin's Press, 1976.

THOMPSON, Robert Farris [bob]. African Art in Motion: icon and act. Los Angeles; Berkeley; London: Univer-
sity of California Press, 1974.

VANSINA, Jan. Oral Tradition as History. Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 1985.

265
Mbangu

Os pende (ou bapende, no plural), conhecidos


is.qng.:mi
também como os bandundu do Sul, vivem no Sudoeste
REPÚBLICA da República Democrática do Congo, quase na frontei-
DEMOCRÁTICA
DO Bu/1 ra com a Angola.
CONGO
Esta máscara apresenta a reconhecida oposi-
ção de preto e branco, divisão simbólica muito comum
luDll dA
"
1
ANGOLA
Koiwe~
º
r
r
j ub 111b ~h

J
na cultura artística de alguns povos africanos, repre-
sentando o mundo dos vivos (preto) e o dos ancestrais
(branco). A função precípua da máscara é a recupe-
ração da saúde. A noção que dá margem para o uso
ritualístico de máscaras que evocam o poder de cura
está na crença da íntima conexão entre a enfermidade
e a moralidade. Para os pende, assim como para muitos grupos tradicionais africanos, as doenças podem ser
provocadas por espíritos ofensivos ou por punição investida pelos ancestrais em função de alguma falta co-
metida. A fim de se evitarem as doenças, os pende fazem uso de máscaras e praticam a dança com um ritmo
que induz a rememoração da ligação ancestral, além da lembrança das regras e das responsabilidades sociais
também por meio de músicas que, aplicadas em cerimônias terapêuticas, são associadas ao trato medicinal e,
por isso, seriam capazes de interferir diretamente na cura dos indivíduos enfermos. A característica disforme
dessa máscara mbangu (que significaria "doença" - SHAKAROV, A. & SENATOROVA, L., 2015, p.78), também
assimilada pela estética modernista, particularmente na pintura Les Demoiselles D'Avignon de Pablo Picasso, já
foi associada à doenças deformadoras do rosto tais como a paralisia facial, que seria reconfigurada na máscara
com objetivos medicinais.

Referências

LAWAL, Babatunde & HERREMAN, F. Facing the Mask. Washington, D.C.: Museum for African Art, 2002.
p. 32.
NUNLEY, John W. et al. Masks: Faces of Culture. New York: Abrams in association with the Saint Louis Art
Museum, 1999. p. 280.

266
lkenga
l ""i
Kadug a NIGERIA Os igbo vivem no Sudeste da Nigéria. Se-
o
J o~ gundo o estudioso da medicina igbo Patrick E.
lroegbu (201 O, p. 182), lkenga tem como signi-
ll crln
o ficado etimológico o conceito traduzido no dita-
Oyo
o do "deixe minha força e vigor avançarem e car-
O" lbadan
Cidade
de
regarem frutos". Uma das funções da estatueta
Porto-Novo
-<> o Lagos 'Renin
Co tonou

Bamenda lkenga, portanto, seria a de "personificar as qua-
o
lidades da boa personalidade" (IROEGBU, 201 O,
p. 182). Assim, ela teria a capacidade transfor-
Dou ala
Malabo "' mativa de tornar melhores as pessoas que a uti-
0

lizam. A sua função medicinal está implícita, uma


vez que o pedido por força e vigor físico inclui a
formação de uma barreira contra as doenças e
a realização pessoal e social (EJIZU, 1991, p. 233). Conhecidas por alguns como o "deus do sucesso pessoal"
(NDUKAIHE, 2006, p. 190), na verdade elas são associadas à realização tanto individual quanto do grupo e se
mantêm como um fator importante da vida contemporânea igbo (EJIZU, 1991, p. 233). "O lkenga é exclusiva-
mente o deus de um homem. O portador refere-se a ele como 'meu lkenga'. Este falará por vezes dele como
a sua 'mão direita', isto é, a sua força. Quando um homem morre, seu 'lkenga' é dividido em dois; a metade
direita é enterrada com ele; a esquerda é jogada no rio" (BASDEN, 1966, p. 45). Segundo Bargna, "os ikenga
são altares dedicados ao espírito pessoal (chi) dos guerreiros igbo, a parte da pessoa não limitada pela ordem
moral do parentesco: celebram o sucesso individual e são lhes oferecidos sacrifícios para propiciar o sucesso
dos empreendimentos na guerra. Os chifres são símbolos de fertilidade e, por vezes, essas esculturas fazem
parte dos instrumentos dos adivinhos" (BARGNA, 2011, p. 157). As estatuetas lkenga são formadas por um
pequeno corpo cilíndrico decorado com relevos geométricos associados ao carneiro e comparáveis às figuras
ancestrais (okpos1) igbo, embora estas não apresentem os chifres. Vernantius Ndukaihe indica que os chifres
"podem também ser interpretados como autoestima (selfsteem), o impulso e o envolvimento do ego na ques-
tão do sucesso honesto". Wilfried Van Damme (1996, p. 272) diz ainda que "esse par de chifres [de carneiro]
constitui o motivo dominante de qualquer lkenga. Os chifres simbolizariam a noção de poder (strength) ou
força vital que é central ao culto".

Referências

BARGNA, Ivan. Arte da África Negra. Florence: Scala Group, 2011. p. 157.

BASDEN, George Thomas. Niger lbos [Among the lbos of Nigeria, 1912]. Abingdon, Oxon: Frank Cass &
Co. Ltd., 1966. p. 45.

BENTOR, Eli. African Arts, v. 21, n. 2, p. 66-71 e 94, Feb. 1988.

EJIZU, C. Ritual Enactment ofAchievement: "lkenga" Symbol in lgboland. ln: Paideuma: Mitteilungen zur

268
Kulturkunde Bd. 37, p. 233-251, 1991.

IROEGBU, Patrick E. Healíng lnsanity. a Study of lgbo Medicine in Contemporary Nigeria. Bloomington:
Xlibris Corporation, 201 O.

JEFFREYS, M. D. W. /kenga: the lbo ram-headed god. African Studies, v. 13, n. 1, Mar. 1954.

NDUKAIHE, Vernantius Emeka. Achievement as Value in the /gbo/African ldentity. the Ethics. Perspecti-
ves in the Light of Christian Normative/Value Systems. Studies in African Philosophy. New Brunswick: Lit Ver-
lag, 2006. p. 190.

VAN DAMME, Wilfried. Beauty in Context Towards an Anthropological Approach to Aesthetics. Leiden;
New York; Kõln: Brill, 1996. p. 272.

lkenga
(BENTLEY, W. H., 1900, p.108)

269
Figura de Altar lkenga

Cultura: igbo
Nigéria
Madeira
Dimensões: (37 cm H x 7,5 cm L)
Afr.000.032

270
Figura de Altar lkenga

Cultura: igbo
Nigéria
Madeira
Dimensões: (37 cm H x 7,5 cm L)
Afr.000.039

271
lbeji
j
Pequenas estatuetas esculpidas em honra ao nascimento
de gêmeos entre os iorubá são chamadas de "ere ibeji". Segundo
N/GER IA

'OAbUf3
Christopher Roy (1979, p. 97), "o nascimento de gêmeos é uma
ocasião feliz, mas também causa preocupação porque os gêmeos
são considerados seres espirituais que podem trazer aos seus pa-
.
Pog Hareotl'I
M ~abo OOOCJ:lll

rentes boa ou má sorte. Ao nascerem, os gêmeos são mais frágeis


que as crianças que nascem sozinhas, e sua taxa de mortalidade é
alta. Se um dos filhos gêmeos morre, a mãe encomenda uma es-
cultura de uma pequena figura de madeira 'ere ibeji' ('imagem de gêmeos'), do gênero e com as marcas faciais
de linhagem da criança morta. Se ambas as crianças morrem, duas figuras são feitas".

Embora haja alguma variação no desenvolvimento da figuração do ibeji nas diferentes cidades ioru-
banas, no geral os comentadores concordam com relação ao tratamento dado à peça. Diz-se que: "a figura
é cuidada da mesma maneira que uma criança viva, sendo lavada, manipulada, vestida e alimentada com os
alimentos favoritos dos gêmeos: feijão e azeite de dendê. O corpo também é esfregado com pó de sândalo
(camwood) misturado com óleo, e os cabelos, escurecidos com corante índigo" (S. M. A. FATHERS, 1980, p. 33).

Dentre os iorubá, acredita-se que os gêmeos possuem poderes metafísicos que lhes permitem trans-
cender tanto o mundo humano quanto o espiritual (DAVIES, 2008, p. 549). Como diz Meyerowitz (1944, p.
105), os "lbeji só são encomendados para serem esculpidos para aquelas mães que perderam um ou ambos
os gêmeos, a fim de dar ao espírito dos filhos falecidos um lar". Trata-se do resgate de um equilíbrio perdido,
uma manutenção simbólica e concreta da harmonia gerada pelos pares.

Peças de comércio como estas abundam os mercados mundo afora. De modo que, se para cada ibeji
do mercado houvesse um gêmeo morto, não haveria mais gêmeos na Nigéria. Mas desde os anos 1960, curio-
samente, é possível ver crianças brincando com bonecas que funcionariam como espécies de ibeji de plástico
e de outros materiais mais perecíveis, o que de algum modo aumenta o leque de possibilidades culturais em
torno dessa tradição antiga, para alguns em decadência, para outros em readaptação ou reformulação.

Referências

BEVILACQUA, Juliana Ribeiro da Silva & SILVA, Renato Araújo da. África em Artes. São Paulo: Museu Afro Brasil,
2015. p. 20.
BOYCE-DAVIES, Carole E. (ed.) Encyclopedia of the African Diaspora: Origins, Experiences, and Culture. Santa Bar-
bara, California: Abc Clio, 2008. [Volume 1]. p. 549.
MEYEROWITZ, Eva L. R. lbeji Statuettes from Yoruba, Nigeria. Royal Anthropological lnstitute of Great Britain and
lreland Man, v. 44, p. 105-107, Sep.-Oct. 1944.
PEMBERTON 3rd, John; PICTON, John & CHEMECHE, George. lbeji: the Cult of Yoruba Twins. Milan 5 Continents,
2003.
ROY, Christopher. African Sculpture-. the Stanley Collection. University of Iowa. Museum of Art. Iowa: The Museum,
1979. p. 97.
S. M. A. FATHERS. African Sculpture from the Collectíon of the Society of African fvlission. New Jersey: S. M. A. Fa-
thers, 1980. p. 33.

273
Estatueta lbeji

Cultura: iorubá
República Democrática do Congo
Madeira
Dimensões:
(41 cm H x 9,Scm L)
Afr.000.027

274
Estatueta lbeji

Cultura: iorubá
República Democrática do Congo
Madeira
Dimensões:
(42cm H x 9,Scm L)
Afr.000.408

275
HoHovi/Venavi

Polr kou
o A noção de dualismo nas crenças dos fon é mui-
o
Sokodo BENIM
(NiJ
k1
to presente, haja vista que até a própria divindade cria-
o
TOGO 0
1101
dora Mowu-Liso, na verdade, seria um par de gêmeos
NIG
orno
S'1w' lou
ou um ser andrógino (HOUBERG, 2005, p. 15).
o Oyo Osho,

lbadan rº º º
lwo 11e1h Hohovi é uma palavra fon que designa tanto o
gêmeo vivo ou o esculpido, uma tradição ainda corren-
S h .ag~ u ljebu Ode

oHo ~
Lokoosa
Porto-Novo q;.
ejo "-ti.._ Al21>-' te em Porto Novo, Ketu, Sakété, Adjohon, Savé, Dassa-
id.ll> 0 ,,--......loLagos
~.
\ Cotonou -Zoumé, entre outras cidades. Sua tradição assemelha-
-se ao estilo de gêmeos mais conhecido fora da África,
sobretudo no Brasil e em Cuba, que são os ibeji. Tanto
os hohovi quanto os ibeji são tratados com enorme respeito e temor, pois são fontes de poder ambíguo.
Quando um gêmeo morre são comissionadas estatuetas em honra dos falecidos, que fixam no mundo dos
vivos sua memória e respeito. As estatuetas são alimentadas, acariciadas e levadas com as pessoas nos seus
afazeres cotidianos.

Para Meville Herskovits (1998, p. 30), "os gêmeos hohovi estão sob a proteção dos espíritos da flores-
ta. Essa categoria não inclui apenas crianças de múltiplos nascimentos, mas uma criança nascida depois de
gêmeos, que é conhecida como dosou [dosu] e cujo poder excede o deles, e uma criança nascida invertida [ou
pelo 'assento']. a mais temida na categoria dos gêmeos". Herskovits se refere a um código de denominação
fon relacionado ao nascimento, segundo o qual a criança que não vem ao mundo primeiramente pela cabeça
recebe o nome de àgàsú se for menino e àgàyJ (àgàxwe ou àgàs}) se for menina; ambos os nomes significam
"criança nascida invertida" (GUEDOU, 1985, p. 347).

De acordo com entrevista pessoal, o artista plástico beninense Dominique Zinkpe, cujas instalações de
esculturas de gêmeos ficaram internacionalmente conhecidas, também era um ogossou, uma criança nascida
pelo "assento", daí o seu interesse em fazer uma obra plástica contemporânea com objetos de sua tradição
histórica, como imagens de ibeji ou e hohovi, arejando com tradição as manifestações plásticas da arte con-
temporânea da África.

Referências

HOUBERG, Marilyn. Magique Moroso: The Ritual Cosmos of the Twins and Other Sacred Children. ln:
BELLEGARDE-SMITH, Patrick (ed.). Fragments of Bane: Neo-African Religions in a New World. Urbana; Chicago:
University of Illinois Press, 2005. p. 15.

BLIER, Suzanne Preston. Words obout words obout icons: iconology african art. Art Journal, v. 47, n. 2,
Object and lntellect: lnterpretations of Meaning in African Art, p. 75-87, Summer 1988. p. 83.

276
GUEDOU, Georges A. Gangbe. Xó et Gbe. Langage et Culture chez les Fon. Langues et Cultures Afrlcai-
nes, n. 4; Centre National de La Recherche Scientifique. Agence de Coopperation Culturelle et Technique; Uni-
versité Nationale du Bénin. Paris: SELAF, 1985. p. 347.

HERSKOVITS, Melville Jean & SHAPIRO, Frances. Dahomean Narrative a Cross-cultural Analysis. Evans-
ton, Illinois: Northwestern University Press, 1998.

ZACCARIA, Tadeu Mourão dos Santos Lopes. De médicos a meninos:. vitalidade gemelar na escultura
doméstica popular dos santos Cosme e Damião no Brasil. Tese de Doutorado - Programa de Pós-Graduação
em Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
MERLO, C. lbeji, Hohovi, Venavi: les statuettes rituelles de jumeaux en civilisation beninoise. Arts d'Afrique Na i-
re, v. 22, p. 16-31, 1977. [Ver também Arts d'Afrique Noire, v. 8, n. 17-24, 1976. p. 16-22].

277
Estatuetas Hohovi/Venavi

Cultura: ewe/fon
República do Benim
Madeira pintada
Dimensões:
(21,Scm H x Bem L)
Afr.000.053
(21,Scm H x Bem L)
Afr.000.134

278
Estatuetas Hohovi/Venavi

Cultura: ewe/fon
República do Benim
Madeira pintada
Dimensões:
(22cm H x Bem L)
Afr.000.13 5
(22cm H x 9cm L)
Afr.000.136
279
Blolo Bian e Blolo Bla
B obo-,..
Oi oulasso
o '

Os baulê vivem na região Central da Costa do Marfim. À


primeira vista, esta estatueta passaria por uma figura de
representação ancestral. No entanto, segundo Laure
GA
Meyer (2001, p. 100 e 107), os baulê jamais esculpem
estatuetas de antepassados, como fazem inúmeros
Kurr
i' grupos étnicos de quase toda África tradicional. Esta
UBEJM
peça apresentaria, na verdade, um Blolo Bla, figura de
"esposo do outro mundo". Além das esposas e esposos
do mundo terreno, são esculpidas estatuetas de espo-
sos e esposas do mundo espiritual como corresponden-
tes àqueles. No caso da esposa, a estatueta é chamada
Bialo Bian. Como são considerados seres "do outro mundo", ao nascerem os baulê já têm determinada a exis-
tência desse consorte. As peças são colocadas num altar, embora "nem todos precisem de altar e nem todo
altar tenha esculturas [desse tipo] esculpidas (VOGEL, 1981, p. 73). Para Meyer, "os rostos calmos e uniformes
são sustentados por longos pescoços, um símbolo de beleza física para os baulê. Os volumes perfeitamente
equilibrados dos corpos das figuras complementam o ar de introspecção do casal" (MEYER, 2001, p. 100).

Referências

MEYER, Laure. African Forms: Art and Rituais. New York: Perseus Distribution Services, 2001. p. 100 e
107.

VOGEL, Susan Mullin. For Spirits and Kings: African Art from the Paul and Ruth Tishman Collection. New
York: Metropolitan Museum of Art, 1981, p. 73.

280
Estatuetas Bialo Bian e Bialo Bla

Cultura: baulê
Costa do Marfim
Madeira
Dimensões:
Afr.000.268 (feminina) (49 cm H x 15,5 cm L)
Afr.000.27 4 (masculina) (55 cm H x 16 cm L)

281
Syan
B obo-
Dl ou lass o
'<;>-
Os senufo vivem no Norte da Costa do
Marfim, mas podem ser encontrados também
1 1
~m ole ~ no Sudeste do Mali e em menor número no oes-
te de Burkina Faso. Na dança tradicional comum
GANA dos ritos de iniciação feminina da associação
COSTA Bouoke
DO ? j Poro dos senufo utiliza-se como elemento da
MARF-IM óYamoussoukro ' Kumasi parafernália do mascarado também um cavalo
~
\ em madeira semelhante a esse da Coleção lvani
e Jorge Yunes. Essa dança é chamada Ngoro, e
as dançarinas, ludicamente, ao estilo das crian-
ças que brincam com seus cavalinhos de ma-
deira, o fazem segurando-o em geral com cada
uma das mãos, respectivamente na cabeça e no
rabo do cavalo. Enquanto dançam elas galopam, imitando os movimentos do trote, para o entretenimento
das jovens ao redor e de si próprias, uma vez que a dança dos cavalos é performada durante os ritos finais da
primeira fase da iniciação das adolescentes senufo, sendo uma prática comunitária para fins de estreitamento
dos laços sociais.

Referências

KNIGHT, Roderic C. Musik der Senufo by Artur Simon; Till Fõster. Yearbookfor Traditional Music, v. 22,
p. 167-168, 1990. [Review].

CAMPIONE, Francesco Paolo (ed.). Ethnopassion: la Collezione d'Arte Etnica di Peggy Guggenheim.
Milano: Galleria Gottardo; Peggy Guggenheim Collection; Fondazione Mazzotta, 2008. p. 121.

http://www.sothebys.com/fr/auctions/ecatalogue/lot.12.html/2014/so-stone-part-ii-n09224

282
Estatueta Syon

Cultura: senufo
Costa do Marfim
Madeira pintada
Dimensões:
(21,Scm H x 21 cm L)
Afr.000.048

283
Kpeliê

B obo-
_Jl ioylass o Segundo Dolores Richter, as máscaras
kpeliê são dançadas pela associação Poro em
1 'J duas ocasiões: ritos iniciáticos e ritos funerários.
Tamnl e ;i
Cl -
Porém a associação feminina Sandogo de algu-
\ GANA mas comunidades Senufo também utilizam a
I
COSTA
DO
MARfl M
?Bouake

QYam ou ssoukro
r( ·Kumasi
máscara kpeliê para fins de iniciação (VOGEL,
1981, p. 38).
~

O caráter sagrado da máscara é au-


A ct;ra
o
mentado quando há a presença de chifres. Ao
descrever esse caráter, René Wassing (1968,
p. 128) diz que, "quando aparecem em públi-
co, as máscaras kpeliê são frequentemente
equipadas com chifres de antílope, cujo poder
mágico aumenta a santidade da máscara". Segundo Hope B. Werness (2000, p. 267), "as máscaras kpeliê,
dançadas competitivamente por membros de grau iniciante [da associação] Poro, representam espíritos femi-
ninas. Essas máscaras são feitas em metal e madeira; as de metal usadas por ferreiros, e as de madeira pelos
escultores. As máscaras de Kpeliê são por vezes esculpidas com duas faces".

Referências

WERNESS, Hope B. Continuum Encyclopedia of Native Art Worldview, Symbolism, and Culture in Africa,
Oceania, and Native North America. New York: Longon, 2000. p. 267.

VOGEL, Susan. For Spíríts and Kings: African Art from the Paul and Ruth Tishman Collection. New York:
The Metropolitan Museum of Art, 1981. p. 38.

284
Estatueta Kpelie

Cultura: senufo
Costa do Marfim
Madeira pintada
Dimensões:
(48cm H x 25cm L
Afr.000.055
285
Baulê

Bp b <>-,
Oi oul asso
·º ' Portas celeiro e portas para santuário com figuras em
baixo-relevo são produzidas tradicionalmente pelos baulê,
senufo, dogon, iorubá e inúmeros outros povos da África oci-
dental. O Museu Barbier-Mueller possui uma porta similar, da
GA
qual esta reprodução recente pode ter se servido de base ou
1
inspiração ao artista popular baulê contemporâneo.
-i>Kurr

Em 2008, Alain-Michel Boyer disse: "os Baulê não têm


portas esculpidas em suas casas há pelo menos cinquenta
anos e há poucas pessoas nas aldeias que ainda se lembram
delas" (BOYER, A-M., 2008, p. 153). Com isso, ele não quis
dizer que a simbologia representada ali tenha de todo se per-
dido, ao contrário, muitos dos animais e cenas com humanos representados naquelas portas ainda podiam
ser decodificados. O que se pode depurar daí é que desde há pelo menos 60 anos, as portas baulê mais re-
centes, calcadas nos grandes feitos esculturais do passado têm mais espaço entre os colecionadores do que
entre os baulê do interior da Costa do Marfim.

Algumas portas Baulê figuram um crocodilo com um grande peixe na boca (sem engoli-lo) e isso re-
mete a uma lenda na qual os baulê, em sua migração, perseguidos pelos ashanti precisavam atravessar um
rio, mas não havia pontes ali. Então, os baulê teriam contado com a ajuda dos crocodilos para atravessar o
rio, com a condição de que eles dessem aos crocodilos o que eles tinham de mais precioso. Em lágrimas, a
rainha baulê entrega aos crocodilos o seu único filho. Assim, os crocodilos se alinham, formando uma ponte
para que os baulê passassem em segurança (GUPTA, D., 2001, p.19).

É de se supor que as noções contrárias de perigo e segurança estivessem por traz dos motivos ictio-
lógicos ou de animais aquáticos. Os baulês, nessa imagem mítica, associados aos frágeis peixes, enfrenta-
riam o perigo com os mais dolorosos sacrifícios pessoais para alcançar a segurança comunitária.

Referências

BOYER, Alain-Michel. Baule. Visions d'Afrique. Harry N. Abrams, 2008, p. 153.

GUPTA, Dipak K. Path to Collective Madness: A Study in Social Order and Political Pathology. Westport; Con-
necticut; London: Praeger Publishsers, 2001. p.19.

MASSA, Gabriel. Sculptures Animalieres d'Afrique Noire, Société des amateurs de l'art africain. Éditions Sépia,
1996. p.21.

MEYER, Laure. Afrique Noire: Masques, Sculptures, Bijoux.Editions P. Terrail, 1991. p. 201.

TISHMAN, Paul. Arts Connus et Méconnus de l'Afrique Noire: Known and little known arts of black Africa. Expo-
sition collection Paul Tishman. Musée de l'homme, 1966. p.42.

286
Porta esculpida em Zangué
[e. 200 km noroeste de Abidjan]
Costa do Marfim
(EYSSÉRIC, J., 1899, p.247. fig.1 O)

287
Porta Celeiro

Cultura: baulê
Costa do Marfim
Madeira
Dimensões:
(99c:m H x 58cm L)
Afr.000.194

289
Senufo

B obir
J> loulasso Portas de celeiro e portas para santuário com fi-
guras em baixo-relevo são produzidas tradicionalmente
pelos baulê, senufo, dogon, iorubá e inúmeros outros
povos da África ocidental. "As largas portas dos senu-
COSTA 0
Bouoke 1lf' fo são usadas tanto no altar, pelos clãs que mantêm a
DO j
MARFIM "Yamoussoukro : umas! parafernália cerimonial, quanto na entrada das casas dos
'
'\ chefes e de outros membros importantes da comunidade
A ccra
o

para mostrar a riqueza e o prestígio deles (WARDWELL,


1986, p. 47). Segundo Hope B. Werness, "portas senufo
como essa adornam as despensas de proeminentes che-
fes e membros da associação Poro. A forma de X simboli-
za o umbigo da mulher senufo, associado à civilização e à fertilidade (WERNESS, 2000, p. 218). Segundo Féau
e Joubert, "Katyeleo também se refere a Koultyolo, 'a velha mãe do mundo', divindade suprema dos Senufo.
Originalmente, Koultyolo encarregou Katyeleo de racionalizar toda a criação caracterizada pela desordem. A
permanência dessa desordem subsiste no mundo florestal, o qual apenas caçadores e adivinhos, provavel-
mente, enfrentarão. O umbigo no centro do mundo: a divindade criativa é representada apenas pelo seu um-
bigo. Encontra-se gravado em portões de cabana como na frente de certas máscaras. Os Senufo têm nesse
sentido há muito escarificado com uma cruz o umbigo de jovens meninas" (FÉAU & JOUBERT, 1996, p. 32).

Três máscaras kpelie simplificadas podem ser vistas na parte superior, bem como dois pássaros de
fertilidade calao ladeando-as. O crocodilo solitário está relacionado ao poder masculino. Féau e Joubert, ao
descreverem uma porta semelhante, comentaram que, "adornada em seu centro com o motivo clássico do
umbigo sagrado, esta porta também apresenta o crocodilo, a serpente e o calao de pé, tomado pelo bico ou
patas, uma cena cujo significado simbólico ou proverbial não poderia escapar dos iniciados" (FÉAU &JOUBERT,
1996, p. 32).

Referências

WARDWELL, Allen. African Sculpture: from the University Museum. University of Pennsylvania. Philadel-
phia: Philadelphia Museum of Art, 1986. p. 47.

FÉAU, Etienne & JOUBERT, Hélene. L'Art Africain. Paris: Éditions Scala, 1996. p. 32.

MASSA, Gabriel. Sculptures Anima/ieres d'Afrique Noire. Société des Amateurs de l'Art Africain. Paris:
Éditions Sépia, 1996. p. 21.

WERNESS, Hope B. Continuum Encyclopedia of Native Art Worldview, Symbolism, and Culture in Africa,
Oceania, and Native North America. New York; London: The Continuum lnternational Publishing Group lnc.,
2000. p. 218.

290
Dogon

Os dogon vivem no Centro Sudeste do Mali,


quase na fronteira com Burkina Faso. Portas de ce-
MAURITANIA
leiro com representação de antepassados, entre ou-
tras figurações, são uma das mais comuns formas de
MALI
arte dogon. A Coleção lvani e Jorge Yunes possui um
número expressivo de mais de três dezenas, sendo
uma das maiores coleções brasileiras de portas afri-
canas.

Portas de muitos tamanhos decoradas com


figuras zoomorfas e antropomorfas podem ainda
COSTA
DOMARAM { , guardar santuários, vestíbulos, galinheiros, casas e
locais de reuniões etc. (IMPERATO, 1978, p. 29). De
acordo com Alisa LaGamma (2004, p. 14), as portas
possuem uma estrutura que serve como proteção à residência do mais velho descendente do fundador da
linhagem e como um altar ancestral, incluindo uma fechadura esculpida com um par de figuras ressaltadas e
fileiras de figuras verticais atenuadas e simplificadas, esculpidas em relevo. A imagética, tal como a apresenta-
da numa das portas, representa o casal fundador da linhagem e o campo dos gêmeos masculino e feminino,
associados à fertilidade.

Segundo Bargna (2011, p. 41 ), "enquanto as figuras que aparecem na fechadura são geralmente in-
terpretadas como as dos fundadores da linhagem, as outras são vistas como pares de gêmeos, símbolo da
fertilidade. É fato que o celeiro ocupa uma posição bastante importante na cosmologia e mitologia dogon, e a
representação de chefes, rainhas, príncipes e princesas, por vezes até a presença máscaras da cultura dogon
representada nas portas, como a kanaga, condensa imageticamente sua estrutura social, seus costumes e sua
concepção de mundo".

Referências

BARGNA, Ivan. Arte da África Negra. Florence: Scala Group, 2011. p. 41.

BARROS, Denise Dias. Itinerários da Loucura em Territórios Dogon. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.

IMPERATO, Pascal James. Dogon Cliff Dwellers: the Art of Mali's Mountain People. New York: L. Kahan
Gallery / African Arts, 1978. p. 29.

LaGAMMA, Alisa. Echoing lmages: Couples in African Sculpture. New York: The Metropolitan Museum of
Art, 2004. p. 14.

292
Dogon

As portas de celeiro, portas de entrada ou


que limitam cômodos, galinheiros e santuá-
MAURITANIA
rios são um dos mais tradicionais itens da
arte dogon. Portas decoradas com figuras
MALI
antropomorfas sequenciadas, reforçando o
aspecto geometrizante da arte do povo do-
gon, fazem menção à ancestralidade por
meio de laços familiares ou pela corte aristo-
crática que compõe a realeza. Não é inco-
mum o aparecimento de travas ou de fecha-
duras com formas estilizadas de tartarugas
d'água (kiru), crocodilos e outras figuras
aquáticas, mitológicas ou não.

A subdivisão em duas ou mais cenas também é outra característica comum às portas dogon.
De um lado, a seriação de figuras em estilo clássico, enfileiradas, representando ancestrais; e de outro,
mascarados que dançam com o auxílio da kanaga (máscara ligada à criação). No caso das tartarugas,
enquanto comuns animais domesticados, a elas são oferecidas a comida antes de todos; se houver
algo errado, por exemplo, se a comida estiver estragada ou não for purificada, a tartaruga não irá co-
mer, então todos também a evitarão. Assim, répteis e anfíbios conquistaram por via mítica um enorme
espaço na fabulação artística dos dogon. Segundo Pascal lmperato (2001, p. 87), "a tartaruga d'água
simboliza a placenta de Nàmmo [ser primordial Dogon], e fechaduras com essa figura única são fre-
quentemente afixadas nos celeiros, assegurando a colheita dos campos. Fechaduras representando a
tartaruga d'água também são afixadas nas portas do celeiro de mulheres que capturam esses répteis
no mato e os mantêm em seus compostos para rituais de purificação".

Referências

IMPERATO, Pascal James. Legends, Sorcerers, and Enchanted Lizards: Doar Locks of the
Bamana of Mali. New York: Africana Publishing, 2001. p. 87.

LaGAMMA, Alisa. Genesis: ldeas of Origin in African Sculpture. New York: The Metropolitan
Museum of Art, 2003. p. 28.

294
Nommo - Tellem, Niongon

As características gerais das estatuetas de Casais


Primordiais e outras figuras Nommo de feituras
'MAURITANIA
mais recentes como estas, a despeito de replicarem
uma fórmula que foi transferida ao mercado de arte
africana, remetem ao estilo tradicional de estatue-
tas mais antigas. A exemplo das peças de Casais Pri-
mordiais o braço direito da figura masculina sempre
é representado envolvendo a feminina, por vezes
tocando o seu seio direito; enquanto a figura femini-
na apoia a mão em suas próprias pernas (ou por ve-
zes em seu ventre), em muitos casos a masculina
toca a sua genitália.

As noções de complementaridade e fertilida-


de são expressas artisticamente em função da crença segundo a qual o Casal Primordial foi quem deu origem
a todos os dogon, fazendo seus gestos aparecerem nas formas simbólicas que remetem ao mito de origem
deste povo. Por exemplo, as linhas horizontais da peça, contrastando com as linhas verticais, contribuem para
ambas a composição artística e a referência mítica: o acento representaria a terra em contraposição ao braço
masculino, que representaria o céu; a complementaridade é indicada tanto pelas figuras cariátides (a progê-
nie), que sustentam o casal primordial, quanto pelo círculo que se fecha entre o céu e a terra; esta imagem
seria como um "abraço" entre os descendentes e os ancestrais primordiais.

Essas figuras que representam uma espécie de "Adão e a Eva" dos dogon são depositadas em altares,
nos quais são ocasionalmente tocadas, e para as quais se oferecem libações e sacrifícios. Ao mesmo ferreiro
que faz joias, ferramentas e armas também se atribui a função privilegiada de esculpir na madeira. Não é à
toa que as máscaras do pássaro kanaga autênticas, por exemplo, têm uma relativa abundância nas coleções,
enquanto as estatuetas Nommo autênticas sejam raras. Entre outros motivos, as estatuetas Nommo são
produzidas por um grupo bem pequeno de pessoas; já as máscaras podem ser feitas por quaisquer dançarinos
não especializados na elaboração artística, e particularmente expostas em festivais para deleite de turistas.

Referências

LaGAMMA, Alisa. Echoing lmages: Couples in African Sculpture. New York: Metropolitan Museum of Art,
2004. p. 11.
LELOUP, Helene. Dogon. Paris: Somogy Éditions d'Art. Musée du Quai Branly, 2011.

EZRA, Kate. Art of Africa, the Pacific lslands and the Americas. New York: Metropolitan Museum of Art.
The Pacific lslands, Africa, and the Americas, 1987. p. 64. Disponível em: <https://www.metmuseum.org/pubs/
bulletins/1 /pdf/3258725.pdf.bannered.pdf>. Acessado em: 22 out. 2018.

296
Casal Primordial Dogon
(GUILLAUME, P., 1919)

297
Casal Primordial

Cultura: dogon
Mali
Madeira
Dimensões:
(50,5 cm H x 16,5 cm L)
Afr.000.042

298
Casal Primordial

Cultura: dogon
Mali
Madeira
Dimensões:
(50 cm H x 16 cm L)
Afr.000.138

299
302
303
Tchiwara

O povo bamana vive principalmente no su-


doeste do atual Mali, no nordeste da Guiné e alguns
MAURITANIA
poucos no sudeste do Senegal e também a noroeste
da Costa do Marfim. O termo correto para designar

MALI
esse povo é bamana; no entanto, dentro da histo-
riografia, principalmente na mais antiga, pode-se
______t'
encontrar também o termo "Bambara" (ou "bambi-
~-
[ BUR~-INA ~i>mftj ra", i.e., "infiéis" em árabe) em vez de "bamana" ou
ASO

"bamanakan", termo que seria o mais correto, pois é


o nome pelo qual esse povo se autodenomina (OL-
SON, 1996, p. 63). O termo pejorativo "bambara" foi
imposto por outros povos, principalmente depois que
esse grupo resistiu por longo tempo à investida islâ-
mica em seus territórios, lançada em 1854 por Limar
Tal (1794-1864) (KAJUBI, 1974, p. 74).

A máscara tchiwara (ou Tyi-wara) aparece geralmente na forma de um casal de antílopes chamado
"tchi wara kun" ou "segoni kun" (S. M. A. FATHERS, 1980, p. 11) e está intimamente ligada à agricultura, pois, de
acordo com mitos fundadores dos bamana, o antílope, animal civilizador, teria ensinado esse povo a plantar.
Isso provavelmente se deduziu a partir da movimentação característica do animal de cavar a terra, semelhante
a um touro ou um cachorro.

Quanto à sua forma, na realidade, segundo Lorenz Homberger e Jean-Paul Colleyn (2006, p. 1O), as
máscaras tchiwara são uma espécie de "quimera" que associa animais como o tamanduá (fourmilier), o pan-
golim e o próprio antílope numa composição abstrata à qual dão o nome "tchiwara". A máscara, entretanto,
não seria a representação exata deste nem daqueles animais em particular, mas provavelmente uma simbiose
mítica deles.

A série de vazados (com triangulação curva ou não) percebida no corpo do animal representado é uma
das mais excelentes composições das tchiwara verticais. Os longos chifres e a composição entre o que seria
uma "crista" com marcação geométrica em zigue-zague são recursos estilísticos bamana vistos com frequên-
cia em sua plástica e aufere grande beleza a esse tipo de máscara.

Referências

BEVILACQUA, Juliana Ribeiro da Silva & SILVA, Renato Araújo da. África em Artes. São Paulo: Museu Afro
Brasil, 2015, p. 36-37.

De ZAYAS, Marius. African Negro Art: lts lnfluence on Modem Art. New York: Modem Gallery, 1916,
prancha 17

KAJUBI, W. Senteza. African Encyclopedia. Oxford: Oxford University Press, 1974.


304
HOMBERGER, Lorenz; COLLEYN, Jean Paul. Ciwara, Chimeres Afrirnines. Paris: Musée du Quai Branly,
2006.

OLSON, James Stuart. The Peoples ofA/rica:. an Ethnohistorical Dictionary. Westport; Connecticut; Lon-
don: Greenwood Press, 1996. p. 634.

S. M. A. FATHERS. Afrirnn Sculpture from the Collection of the Society ofAfrirnn Mission. New Jersey: S.
M. A. Fathers, 1980. p. 11.

WASSING, Rene S. Afrirnn Art: its Background and Traditions. Fribourg: Leon Amiel, 1968.

Máscara Tchiwora
(De ZAYAS, Marius, 1916, prancha 17}

305
Máscara tchiwara

Cultura: bamana
Mali
Madeira
Dimensões:
(2m 87cm H x 78cm L)
Afr.000.243
308
Máscara tchiwara

Cultura: bamana
Mali
Madeira
Dimensões:
(288 cm H x 80 cm U
Afr.000.244
309
Máscara

Cultura: We (Wobe e Guere)


Costa do Martim e Serra Leoa
Madeira e fibra vegetal
Dimensões: (38cm H x 31 cm L)
Afr.000.099

310
Bamum
I
O centro metalúrgico de Fou-
bam, no Centro-Oeste dos
Camarões, teve um grande
florescimento na segunda
metade do século XIX. Intrin-
cadas técnicas de fundição a
partir de ligas metálicas
(como a da cera perdida) cria-
,NIGERIA
ram raros objetos, utilizados
Ab11j
1J em múltiplas funções. É o
caso deste tipo específico de
bracelete. Inicialmente restri-
tas ao uso de figuras de pres-
tígio, com o florescimento
dos trabalhos de fundição no
período do Rei Njoya (ANNALS
OF THE NÁPRSTEK MUSEUM,
1990, p. 19) peças como esta
incorporaram uma função monetária, sendo apropriadas como itens de exportação, entre outras aquisições de
bens e serviços.

Segundo Paul Gebauer (1979, p. 121 ), os bamum aprenderam com os seus vizinhos tikar as complexas
técnicas de fundição de objetos metálicos de prestígio. No entanto, os discípulos superaram os mestres, desta-
cando-se com um número inigualável de obras-primas. William Bascom e Paul Gebauer (1954, p. 64) chegam
a sugerir que talvez os bamum tenham até capturado ferreiros tikar durante guerras, levando-os para suas
terras. Dos tikar ainda restaram elegantes cachimbos metálicos produzidos com figuração antropomorfa no
bojo e com as características bochechas infladas das regiões camaronesas. Porém, na mesma passagem, os
autores acrescentam que, na época de Thorbecke (ou seja, antes de 1914), a fundição tikar já não mais existia.

Referências

ANNALS OF THE NÁPRSTEK MUSEUM. Prague: The Museum, 1990. [Volume 17]. p. 19.

BASCOM, William Russell & GEBAUER, Paul. Handbook of West African Art. Milwaukee: Bruce Publishing
Company, 1954. p. 64.

GEBAUER, Paul. Art of Cameroon. Portland Art Museum. New York: Metropolitan Museum of Art, 1979.
p. 121.

312
Braceletes

Cultura: Bamum
República dos Camarões
Bronze
Dimensões:
Afr.000.1 58 (12cm L x 1O, Sem comp.)
Afr.000.250 (12,Scm comp x 1Sem L)

313
lgbo
y
Zlllf"liJ
o
BENIM Kaduga NIGERIA Os igbo vivem na região Centro-Sul e Sudeste da
Jos
o Nigéria, cobrindo cidades como Enugu, Owerri e Umuahia.
J'"''" Durante o período pré-colonial, grandes braceletes chama-
( Oyo
o
o lbadan dos no Brasil de "tipo copo" (CUNHA, 1983, p. 975-1029)
Cidade
Porto-Novo
-o -t>Lagos
de
8eJlin
eram tidos como objetos de prestígio por mulheres igbo de
Co tonou
alta classe e por vezes usados como tornozeleiras.

Ocuala
Q
De acordo com Herbert Cole e Cyril Aniakor (1984,
0 Malabo
p. 128), alguns dançarinos homens, mascarados, ocasio-
nalmente usavam as mesmas tornozeleiras que adorna-
vam as mulheres jovens. No fim dos anos 1940, isso foi
documentado no trabalho de campo de K. C. Murray, então primeiro diretor do Serviço de Antiguidades da
Nigéria. A alternância de gênero fez com que o uso acabasse vigorando entre os homens, o que não afetou o
conceito de prestígio envolvido na função dessa joia, alcançando até o período colonial.

Algumas fotografias que Murray fez de mulheres portando joias semelhantes, elaboradas em marfim,
sobreviveram. Seus grafismos cinzelados quase sempre no latão revelam símbolos hoje desconhecidos, mas
que se mantinham tradicionalmente em desenhos e nas pinturas corporais e representados nas grandes es-
tátuas masculinas igbo (GRUNNE, 201 O, p. 14).

Um dos designs lgbo mais conhecidos é o "uri" (ou "uli"), que é pintado nas paredes dos santuários e
por vezes criado em conjunto em alguns rituais. Geralmente é abstrato, inclui círculos concêntricos, semicír-
culos seriados ou em oposição, feito o "osu" dos ogboni iorubanos, além de zigue-zagues e outras fórmulas
geométricas. Aparece com frequência em objetos da cultura material e de uso quotidiano, como portas, potes,
ferramentas etc. Porém, diferentemente dos "veve" dos fon do Benim (antigo Daomé) ou dos haitianos, ou
mesmo em relação aos pontos riscados da umbanda, que possuem carga religiosa profunda, os pesquisa-
dores não encontraram nesses desenhos gráficos "uri" um sentido sagrado definido. Infelizmente, trabalhos
de campo mais recentes depois de Jacques Kerchache e Herbert Cole não identificaram a continuidade desse
tipo de adornagem metálica, identificada pela primeira vez no passado pelo padre anglicano George T. Basden
(1921, p. 72), o que nos faz supor que essa cultura tenha se perdido entre o período colonial, terminado em
1960 com a independência da Nigéria, e a posterior guerra civil, que durou até 1970.

Peças quase idênticas podem ser encontradas em inúmeros museus africanos (EYO, 1979, p. 66), eu-
ropeus (KERCHACHE, 2001 ), norte-americanos (ROBBINS & NOOTER, 1989, p. 128) e mesmo da América do
Sul, como no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (SILVA, 2006, p. 29).

Referências

AFRICAN ARTS. African Studies Center, University of California, Los Angeles, 1981. [Volume 15].

BASDEN, George Thomas. Among the lgbos of Nigeria: an Account of the Curious & lnteresting Habits,
Customs & Beliefs of a Little Known African People by on Who has for Many Years Lived Amongst Them: on
314
Close &lntimate Terms. London: Seeley, Service &Co. Limited, 1921, p. 72.

COLE, Herbert & ANIAKOR. Chike Cyril. lgbo Arts: Community and Cosmos. Los Angeles: Museum of Cul-
tural History, University of California (UCLA), 1984. p. 128 (ver também p. 5, 52, 66 e 67).
CUNHA, Marianno Carneiro da. Arte Afro-Brasileira. ln: ZANINI, Walter (org.). História Geral da Arte no
Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Sales, 1983. p. 975-1029.

EYO, Ekpo. Nigeria and the Evolution off.1oney. Lagos: The Central Bank of Nigeria; The Federal Depart-
ment of Antiquities, 1979. p. 66.
GRUNNE, Bernard. lgba monumental sculptures from Nigeria. The European Fine Art Fair Maastricht.
Vottem: Ana & Antonio Casa novas; Bernar Grunne; Snel, 201 O. p. 14. Disponível em: <https://issuu.com/artso-
lution/docs/5-igbo_int-low>. Acessado em: 5 set. 2018.

KERCHACHE, Jacques. Sculptures, A/rica, Asia, Oceania, Americas: Musée de Louvre, Pavillon des Ses-
sions. Paris: Réunion des Musées Nationaux, 2001.

SILVA, Renato Araújo da. As Joias Africanas do Acervo do MAE/USP e o Problema de Classificação. Relató-
rio de Iniciação Científica- Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
Anexo li, p. 29.

Dançarinas Jgbo
Início do séc. XX - Fotógrafo não identificado
Assiri Magazine

315
Bracelete

Cultura: igbo
Nigéria
Liga metálica
Dimensões: (9,3cm H x 6,Scm L)
Afr.000.527

316
Tornozeleiras Monetárias

Cultura: igbo
Nigéria
Liga metálica
Dimensões: (28,Scm H x 8,Scm L)
Afr.000.529
317
lgbo

Embora não seja impossível encontrar re-


ferências de uso efetivo por garotas igbo (COLE &
ANIAKOR, 1984, p. 38), tornozeleiras feitas de bron-
ze ou ligas metálicas em espiral serviram durante o
século XIX e mesmo antes como moeda de troca ou
"dinheiro primitivo", isto é, como dinheiro tradicional,
entre os igbo, que vivem sobretudo no Centro-Sul e
Sudeste da Nigéria. Um campo da joalheria compara-
tiva inexplorado pode apresentar contatos históricos
inusitados e também coincidências formais em inúmeras joias africanas e europeias do início da Era do Bronze.
Tornozeleiras espiraladas muito semelhantes às africanas e com bojas achatados também foram encontradas
em sítios do Cáucaso Central (MONTELIUS, 1922, p. 26 e FONTENEY, 1887, p. 260).

As peças nigerianas foram chamadas por Ekpo Eyo de "manilhas espiraladas" (EYO, 1979, p. 65). Re-
motamente, o importante sítio arqueológico de lgbo-Ukwu, no atual estado de Anambra, na Nigéria, reve-
lou bronzes espiralados com aspectos serpentinas. Essas são as chamadas "metáforas materiais" (PREUCEL,
201 O, p. 142) reavivadas no pós-estruturalismo pelo interesse na literatura oral, por uma certa retórica etno-
gráfica e por cruzamentos entre códigos visuais e cultura material.

Mais objetivamente, baseado em informações especializadas, Keith Ray (1987, p. 72) diz que a "pene-
tração da forma especificamente espiralada (coiled) pode se referir de maneira semelhante ao provérbio igbo
muito conhecido okilikili bu ije agwo ['circular, circular é o caminho da cobra!'], que, colocado mais figurativa-
mente, significaria "os eventos ocorrem em ciclos". Com o trabalho de campo de G. I Jones e do padre anglicano
George T. Basden (1921, p. 97) no início do século XX, belas fotografias puderam confirmar o uso estrito de
tornozeleiras semelhantes entre mulheres de chefes igbo.

Referências

COLE, Herbert & ANIAKOR, Chike C. lgbo Arts: Community and Cosmos. Los Angeles: Museum of Cultural
History; University of California, 1984. p. 38.

BASDEN, George Thomas. Among the lgbos of Nigeria: an Account of the Curious & lnteresting Habits,
Customs & Beliefs of a Little Known African People by on Who has for Many Years Lived Amongst Them: on
Close & lntimate Terms. London: Seeley, Service & Co. Limited, 1921. p. 97.

EYO, Ekpo. Nigeria and the Evolution ofMoney. Lagos: The Central Bank of Nigeria; The Federal Depart-
ment of Antiquities, 1979. p. 65.

FONTENEY, Eungene. Les Bijoux Anciens et Modernes. Paris: Société d'Encouragement pour la Propaga-
tion des Livres d'Art, 1887. p. 260.

MONTELIUS, Oscar. Swedish Antiquities. Stockholm: P. A. Norstedt & Sõners Fõrlag, 1922. p. 26.

318
PREUCEL, Robert. W. Archaeological Semiotics. Singapore: Wiley-Blackwell, 201 O. p. 142.
RAV, Keith. Material Metaphor, Social lnteraction and Historical Reconstructions:. Exploring Patterns of
Association and Symbolism in the lgbo-lkwu Corpus. ln: HODDER, lan et ai. (eds.), The Archaeology of Contex-
tual Meanings. London; New York; New Roc.helle; Melbourne; Sidney: Cambridge University Press, 1987. p. 72.
SNODGRASS, Mary Ellen. Coins and Currency; an Historical Encydopedia. Jefferson; North Carolina; Lon-
don: McFarland & Company, lnc., 2007. p.10-11. [1 ed., 2003].

Pretendentes de Chefes lgbo


(BASOEN, G.T., 1921. p.97)

319
Saworo
j _)
~J Os iorubá vivem no Centro, Sul e Sudoeste da Nigéria, Leste
,.re-URKINA : lootey r-
FASO
do Benim e Sul do Togo. Joias relacionadas ao culto aos orixás, com
NIGER"' feitura em metal, bem como outros materiais, constituem um dos
1)Abuja

mais importantes elementos da parafernália dos fiéis. Portanto as


joias religiosas têm um papel crucial no aparato de culto, podendo
Port Harcourt
o
Malabo oDoual• ser peças apotropaicas, protetivas, devocionais e ao mesmo tempo
Q

ornamentais, i. é. de embelezamento. As tornozeleiras com guizos


ou pequenos sinos chamados Saworo {lê-se "Shaworo") são instru-
mentos musicais de uso devocional e protetivo, "símbolos de hereditariedade", segundo Drewal & Drewal
(1990, p. 220). Geralmente de uso feminino, são ligadas à divindade das águas Oxum e, por vezes, a outras
divindades, como Obatalá (BLIER, 2015, p. 95). Tradicionalmente alguns daqueles sinos são dispostos ao re-
dor dos tambores bàtá iorubá. Por questões técnicas, às vezes os sinos são retirados dos tambores, como faz
o famoso percurssionista Àyádàkún, por exemplo, "para não obscurecer as batidas sutis dos tambores [...]
numa performance ao vivo ou em gravações audio-visuais" (VILLEPASTOUR, 201 O, p. 3). Opercussionista Àlàbí
àsúníyi Àyángbékún, que foi babalawô em àgbómàsó, refere-se aos sinos do tambor bàtá como "brincos de
Oxum" (VILLEPASTOUR, 2015, p. 166).

Segundo Suzane Blier (2015, p. 95), "chacoalhas de ferros na forma de tornozeleiras também apare-
ceram na arte de ifé mais antiga. Joalheria em ferro e instrumentos acústicos, tais como o gongo (ewo), figu-
ram proeminentemente no contexto da religiosidade da lfé moderna de hoje". O efeito sonoro é produzido por
bolinhas metálicas deixadas nas pequenas folhas de ferro laterais, fundidas em formato de concha acústica.
Usadas nos tornozelos das dançarinas devotas à deusa Oxum, seus sons ritmados ampliam a imersão dos
fiéis no culto.

Referências

DREWAL, Margareth Thompson & DREWAL, Henry John. Gelede-. Art and Female Power Among the Yo-
ruba. Bloomington: Indiana University Press, 1990. p. 220.

MCQUEEN, Mary. A Cross-cultural Comparison ofYoruba and Celtic Music. M. A.-Music University of Cali-
fornia, San Diego: Reprint, 1990. p. 29.

BLIER, Suzanne Preston. Art and Risk in Ancient Yoruba: lfe History, Power, and ldentity, Ca. 1300. Mas-
sachusetts: Cambridge University Press, 2015. p. 95.

VILLEPASTOUR, Amanda. Ancient Text Messages of the Yorubá Bàtá Drum: Cracking the Code. London;
New York: Routledge; Ashagate Book, 201 O. p. 3.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ . The Yoruba God of Drumminq. Transatlantic Perspectives on the Wood


that Talks. Jackson: University Press of Mississippi, 2015. p. 166, nota 21.

320
J~ . .3/ 3.S-.

Torn~d€f~íofàtfã­
Leo Frobenius - 191 O
©Instituto Leo Frobenius - Frankfurt am Main

Tornozeleira Saworo

Cultura: iorubá
Nigéria
Ferro
Dimensões: (16,5 cm H x 14 cm L x 12,9 cm Diâm.)
Afr.000.172
321
Ayanee

Os ashanti pertencem ao grande complexo akan e vivem na


Costa
região Centro-Sul da atual Gana. Não é à toa que o nome "Costa
do Marfim l G HANA
do Ouro" foi dado a regiões aproximadas onde o minério abundava
l "1fnQUSSOUkro
e excitava os viajantes e exploradores europeus. Os povos de lín-
'OL onh

gua akan, entre eles os ashanti, sabiam que a abundância de ouro


em seu território podia bem situá-los internacionalmente. Segundo
McCaskie, "os ashanti sempre estiveram e continuam a estar bem
conscientes de que o ouro (sika) - derivado aluvialmente como pó
ou extraído na forma de pepitas - está localizado conceitua[ e ma-
terialmente no cerne da experiência histórica de sua sociedade e cultura" (MCCASKIE, 1978, p. 26).

Segundo Evelyn Symak (201 O, p. 99), "a religião e o ritual exercem uma grande influência no design e
no uso da joalheria akan. Cada peça é utilizada por uma razão específica, e não para uso pessoal e adorno". Por
outro lado, embora haja de fato uma tendência à simbolização na joalheria ashanti, essa afirmação de Symak
certamente sobrevaloriza o apelo religioso da joalheria akan, para quem a variedade formal, herdada de dife-
rentes cidades e povos, torna a sua joalheria menos propensa a funções sociais tão restritas. Isso é ainda mais
válido no caso específico desse tipo de colar recente, elaborado no século XX.

Este colar foi produzido em liga metálica com douramento e remete de diferentes maneiras aos seus
congêneres mais antigos. Tanto o ponto de vista formal quanto a tentativa do ourives de se referenciar às
técnicas tradicionais remotas de granulação e filigrana (utilizadas, por exemplo, na parte inferior e nas quatro
contas metálicas esféricas mais ao centro) são válidos, mas cobrem apenas parcialmente as referências vi-
suais das tradições de joalheria de Gana. Sua feitura e douramento superficial também não são tradicionais.
Por outro lado, a alternância e a composição com as contas tubulares discóides e as chamadas "bolotas" fi-
ligranadas em destaque correspondem a algumas das inúmeras composições semelhantes da joalheria em
colar feminino tradicional dos Akan.

Referências

ARHIN, Kwame. Gold-mining and trading among the Ashanti of Ghana. ln: Journal des Africanistes, L'or
dons les Sociétés Akan, tome 48, fascicule 1, p. 89-100, 1978.

MCCASKIE, T. C. Accumulation, wealth and belief in Asante history. 1. To the dose of the nineteenth cen-
tury. Africa: Journal of the lnternational African lnstitute, v. 53, n. 1, p. 23-43 e 79, 1983. p. 26.

SIMAK, Evelyn & DREIBELBIS, Carl. African Beads: Jewels of a Continent Denver: Africa Direct, lnc., 201 O.
p. 106-107.

322
Colar Ayanee
Cultura: ashanti
Gana
Liga metálica
Dimensões: (50 cm H x 17 cm L
Afr.000.1 28

323
Djerma

Em função de sua grande circulação


como reserva de valor, instrumentos de troca
MALI NIGER ou às vezes meios de pagamento por bens e
serviços, as manilhas e os braceletes de ferro
ou de bronze são as joias africanas mais difí-
D ceis de identificar a procedência. Não fossem
Ou g~d o ug ou 11
t no
alguns critérios utilizados por especialistas,
NIGERIA
ainda que nem sempre científicos ou totalmen-
Costa
do te seguros, seria impossível sugerir a origem
Marfim
Yamou Houkro
1 Porto-Novo
delas. Enquanto Vansina (1962, p. 375-390) e
° K~m:1s i0 ~m e à ó lagos
Abldj;m A ccra 0
0
Pierre de Maret (1995, p. 134-145) exploraram
Port Harcourt
" como o comércio inter-regional centro-africa-
no e as rotas do comércio de longa distância
na África central impulsionaram as economias
locais, E. J. Alagoa (1970, p. 319-329) mostrou como não foi só a escravidão e o óleo de palma os únicos fa-
tores de desenvolvimento dos Estados do Delta do Níger durante o século XIX. Também os antigos comércios
internos de longas distâncias entre os eixos Norte-Sul e Leste-Oeste tiveram uma crucial importância para o
estabelecimento desses Estados e a difusão cultural e tecnológica que podemos identificar hoje nos "objetos-
-testemunho" no campo da joalheria.

A joalheria dos djerma é um exemplo disso. A função monetária da maioria dos seus braceletes quase
sempre é dada como precípua. A correlação djerma-Nigéria no bracelete intitulado "mondua", por exemplo
(BLANDIN, 1992, p. 10-11 e 17), torna explícito o eixo de comércio Leste-Oeste entre esses Estados, provando
que os mesmos tipos de joalheria puderam atingir lugares tão distantes desde o Norte da Nigéria, nos terri-
tórios do antigo califado de Sokoto, até o Sudeste, em territórios como Lagos e a terra dos ijebu, ao mesmo
tempo auxiliando e reforçando o comércio de mercadorias especializadas (OPITZ, 1991, p. 91 ).

Nos estudos de joalheria, entre os principais critérios estáveis para identificação de origem (ou seja, de
"autoria") e de procedência (ou seja, de "difusão") de objetos metálicos estão os estudos comparativos das
formas, materiais, técnicas e sistematização dos grafismos, contrapondo-os com o conhecimento da história
oral e escrita, bem como a confrontação dos resultados do trabalho de campo, seja da etnografia, da antropo-
logia, da arqueologia etc.

A título de exemplo, os padrões geométricos contidos na maioria dos braceletes djerma, tais como a
composição entre losangos e triângulos, as estrias paralelas, o agrupamento de círculos e semicírculos e mui-
tas vezes círculos concêntricos que formam tríades ou duplas, em conjunto com o uso da técnica do torsade
em metal, estão, segundo estudo comparativo direto, entre as principais heranças ornamentais da joalheria
do Delta do Níger. Isso faz das culturas protovoltaicas e das primeiras civilizações de ferreiros do Vale do Níger
posicionarem os djerma, lohron, kulango e lokho, bem como os mandinga, tuaregues e hauçá, ao mesmo
tempo como os herdeiros e retransmissores dessa cultura visual e técnica para quase toda África ocidental. E
isso não ocorre só na joalheria metálica de povos de fala Nilo-saariana, como os próprios djerma e os kanuri,
herdeiros do Império Kanem-Bornu, entre outros povos do Sul e Sudoeste do Chad: heranças do Delta do Ní-
324
ger influenciaram ainda as técnicas de joalheria de povos do tronco linguístico Níger-Congo, tais como os igbo,
senufo, gurunsi, fulani e lorubá, entre outros, todos dividindo influências mútuas em suas joalherias metálicas
e não metálicas.

Referências

ALAGOA, Ebiegberi Joe. Long distance trade and states in the Níger Delta. Journal ofAfrican History, v.
11,p.319-329, 1970.

BLANDIN, Andre. Fer Nair d'Afrique de l'Ouest avec 40 Pages de Complement sur les 'Bronzes et autres
Alliages'. Marignane: Andre Blandin, 1992. p. 1O, 11 e 17.

MARET, Pierre. Histoire de Croisettes. ln: HEUSCH, Luc. Objects-Signes d'Afrique. Tervuren: Snoeck-Du-
caju & Zoon, 1995. p. 134-145.

SIEBER, Roy. New York. The Museum of Modem Art. New York: New York Graphic Society; Greenwich;
Conn, 1972. p. 146.

VANSINA, Jan. Long-Distance Trade-Routes in Central Africa. The Journal of African History, v. 3, n. 3, p.
375-390, Cambridge University Press, 1962.

OPITZ, Charles. Odd & Curious Money: Descriptions & Values. Okala: Florida, 1991. p. 91.

325
Pulseira

Cultura: djerma (jerma/zerma/zarma)


Níger
Bronze
Dimensões: (1 Ocm comp. x Bm L: 5,3cm diâm.)
Afr.000.530
326
Mossi, gurma

MALI
Os mossi vivem na parte Central de Burkina Faso.
A tornozeleira mossi tem como característica
uma aba larga em forma de disco no corte central
(BLANDIN, 1992, p. 45). O termo mossi para um
,N tipo semelhante de joia monetária é "kobré" (ZER-
A
1:> BINI, 2002). Por vezes ela é utilizada também
como bracelete.

PortH l
o
Do ponto de vista formal as tornozeleiras
mossi abrem pouco espaço para variações orna-
mentais, por isso não é incomum que os grafis-
mos se repitam, mesmo com as variações regio-
nais de tamanho, formato das peças, tipos de metais utilizados na liga etc. Em termos técnicos algumas joias
mossi já foram descritas como "objetos penanulares de seção triangular" (LANTIER, 1945, p. 87). "Penanular"
significa ter a forma ou o desenho de um círculo incompleto (um pouco mais fechado que um semicírculo).
Thomas Wheelock e Christopher Roy dizem que o kobré dos mossi teriam a "forma do planeta saturno e é
utilizado pelas mulheres dos chefes" (WHEELOCK & ROY, 2007, p. 75).

Esse mesmo tipo de peça também já foi encontrada entre os gurunsi da fronteira Norte de Gana e Cen-
tro Sul de Burkina Faso e entre os gurma do Níger, num aparente contato comercial de longa distância. As joias
monetárias chamam bastante a atenção pela quantidade de metal utilizado, por seu tamanho avantajado e
peso incomum. No final do século XIX um capitão francês chamado Binger se impressionou com o peso dessa
joalheria das mulheres da realeza mossi, dizendo que um só par de braceletes podia pesar seis quilos (MADIE-
GA & NAO, p. 2115). Por isso mesmo objetos semelhantes foram classificados como tornozeleiras, braceletes e
pulseiras ditas de "aparato" pelo professor Marianno Carneiro da Cunha (1983, p. 1028), leitor na Universidade
de lfé entre 1974 e 1976, que as julgou semelhantes a "modelos formais e técnicos das pulseiras 'tipo copo'
da joalheria afro-baiana".

Referências

BLANDIN, Andre. Fer Nair d'Afrique de l'Ouest avec 40 Pages de Complement sur les 'Bronzes et autres
Alliages'. Marignane: Andre Blandin, 1992.

CUNHA, Marianno Carneiro. Arte Afro-Brasileira. ln: ZANINI, Walter (org.). História Geral da Arte no Brasil.
São Paulo: Instituto Moreira Sales, 1983. p. 975-1029.

FISHER, A. Africa Adorned. New York: Harry N. Abrams, 1984.

LANTIER, Raymond. Objets de Parure Désignés sous le nom d'Ornements Pénannulaires de Section
Triangulaire [1942]. Bulletin de la Société Nationale des Antiquaires de France, 1945, p. 86-91. Disponível em:
<http://www.persee.fr/doc/bsnaf_0081-1181_1945_num_1942_1_3490>. Acessado em: 2 set. 2018.

327
MADIEGA, Yénouyaba Georges & NAO, Oumarou. Burkina Faso. Cent ans d'Histoire, 1895-1995. Kartha-
la: P. U. O., 2003. [Tome I]. p. 2115.

WHEELOCK, Thomas G. B. & ROY, Christopher D. Land of the Flying Masks: Art and Culture in Burkina
Faso: the Thomas G. B. Wheelock Collection. New York: Prestel, 2007. p. 75.

ZERBINI, Laurick. L'Afrique sons Masque. Lyon: Musée des Confluences, 2002.

328
Bobo
BURKINA FA S O

o~~ gadou gou


MAU Os bobo vivem na fronteira Centro-Oeste de Burkina
N p:,~... r ~ fasa e Leste do Mali. Este bracelete de uso feminino tem for-

:~.' 1 . :~" ;'~º


0B ouake

Yamoussoukro
o \
/

_.fumasl
mato de um "retângulo" aberto que se afina na parte anelada,
terminando com alguns "pólipos" esféricos (de granulação)
em posição oposta à abertura. É decorado com círculos con-
cêntricos e motivos de folhas enfileiradas (chamado 'motivo
Lo~ 'O
vegetal' nos estudos de joalheria). Embora seja relativamente
raro, esse modelo alcançou uma grande extensão territorial,
circulando entre diferentes povos da Gana, Nigéria e Burkina
Faso, particularmente entre os bobo, kasena e povos gurunsi em geral. Não temos provas concretas da exata
proveniência histórica e difusão desse tipo de bracelete. Em função de ele aparecer somente em grupos his-
toricamente ligados ao comércio, não é improvável que mercadores (hauçá?) o tenham levado para regiões
orientais (ao Norte até Burkina Faso e a Leste até a atual Nigéria). Por hipótese, isso pode ter ocorrido ainda
durante o reino de Dagbon, a partir da cidade de Vendi, atual Nordeste de Gana, em função de ser um dos
grandes centros difusores de joalherias metálicas entre os séculos XVIII e XIX.

Referências

AUKTION. Primitivgeld + Ethnologica. München: GRAF KLENAU ohg, Oktober 1974.

BUAH, F. K. A History ofGhana. Collection MacMillan Education. Oxford: MacMillan Publishers Limi-
ted, 1998. p. 38. [Znd édition].

OUFOUR, Alain. Collection André Blandin: Art Tribal. La Verenne Saint-Hilaire: Lombrail; Teucquam,
2014. p. 44.

331
Braceletes

Culturas: bobo/gurunsi
Burkina Faso
Bronze
Dimensões:
Afr.000.327 (7,4cm x 2cm L)
Afr.000.198 (9cm H x 2cm L)
332
lobi
í \
~ - BURKINAFASO Grampos de cabelo em metal, madeira, marfim ou osso
, Ou~gadougou "-
(SIEBER, p. 108) fazem parte de importantes coleções antro-
,.111\ !"'-· - ~~ pológicas da cultura material africana tradicional. Sua aparente
simplicidade esconde uma série de conteúdos implícitos, que
fez dos objetos etnográficos em metal, do ponto de vista téc-
nico, simbólico e também de sua difusão cultural, instrumentos
de barganha de inúmeras transações comerciais. O comércio de
longa distância no Delta do Níger, historicamente, suscitou uma
grande circulação de elementos metálicos na África ocidental e
promoveu o surgimento, a estabilização ou a abundância econômica de reinos beneficiários (ALAGOA, 1970,
p. 319-329).

Por outro lado, a coleta de materiais metálicos em determinada região da África ocidental não implica
necessariamente que esses objetos sejam de determinada região. Isso torna bastante complexa e difícil a ta-
refa de identificação exata de uma peça museológica, ainda que se tenha documentação de proveniência ou
que o estilo e o design remetam a algum grupo cultural específico já estudado. Grampos metálicos dos tuareg,
bobo, mossi, gurunsi, lobi, fulani, hauçá, entre outros, pertencem a um círculo comercial e de trocas culturais
relativamente comum. Por isso mesmo, as influências mútuas fazem esses objetos de culturas distintas se
corresponderem formal e culturalmente. Como dizem Roy Sieber e Frank Herreman, esse tipo de objeto visa
demarcar a "separação entre a testa e o cabelo" (SIEBER & HEERREMAN, 2000, p. 60). Sendo assim, enquanto
adorno, sua função poderia por princípio aparentar ser meramente ornamental, mas enquanto grampo esse
objeto teria a tarefa de manter penteados e reforçar o aspecto identitário e de prestígio por trás de elaborados
penteados e pelo uso de apetrechos metálicos femininos exclusivos.

Referências

ALAGOA, Ebiegberi Joe. Long distance trade and states in the Niger Delta. Journol of Africon History, v.
11, p. 319-329, 1970.

BLANDIN, Andre. Fer Nair d'Afrique de l'Ouest avec 40 Pages de Complement sur les 'Bronzes et autres
Alliages'. Marignane: Andre Blandin, 1992.

MEILLASSOUX, C. The Development of lndigenous Trode ond Morkets in West Africo. London: Oxford Uni-
versity Press, 1971 .

SIEBER, Roy. New York The Museum of Modem Art. New York: New York Graphic Society; Greenwich;
Conn, 1972. p. 108, 118, 122 e 124.

SIEBER, Roy & HEERREMAN, F. Hair and African Art Culture. Africon Arts, v. 33, n. 3, p. 54-69 e 96, 2000.
p. 60.

WILD, R. P. The manufacture of a "Ntiriba" Hairpin at Ohuasi, Ashanti. Mon, v. 39, n. 17, p. 16-18, 1939.

333
Adorno de Cabelo (grampo)

Cultura: lobi
Burkina Faso
Liga metálica
Dimensões: (13,5 cm H x 4 cm L)
Afr.000.553
334
Gan
__í
\ Os gan e os lobi vivem no sul de Burkina Faso. Se-
~~ BURKINA FASO
r
Ouagadougou
'? -
gundo Kalrr-Ferndinand Schadler e Armand Duchâteau
(1997), os bronzes gan mais antigos escavados neste país
datam do século XV.
clamale ;r
.,
Costa No terceiro volume do seu "Africanische Reife"
do TOGO 1
Martim GHANA (2003), Wilfried Glar apresenta braceletes em bronze de
()Bouake

Q
Yamoussoukro
1 9
Kumasl
) ' t cultura lobi, entre eles um com figuração de três cabeças
Loiii de serpente. Braceletes com figuração de répteis são ge-
ralmente associados a aspectos ritualísticos, com função
protetiva, dada a importância que a serpente tem na reli-
giosidade e na representação artística entre os povos voltaicos (isto é, povos assentados próximos ou ao longo
do rio Volta, tais como os lobi, senufo, gurunsi, mossi etc.), particularmente entre os gan.

Donna Page, em seu livro "Artistas e Patronos nas Culturas Tradicionais Africanas", faz uma análise de
algumas serpentes de ferro forjado, dizendo que "os gan criaram objetos em ferro e bronze. Muitos são carac-
terizados por múltiplas cabeças, como estas serpentes de ferro. Eles parecem falar sobre mudança e transfor-
mação" (PAGE, 2005, p. 58). Além disso, é dito que a figuração de serpente está associada ao mito fundador do
animal mítico Torfan (ou Debira).

Este animal aparece no mito gan representado como uma serpente cuja força e poder estariam no me-
tal. Possuir um "Torfan" daria ao usuário da joia o poder de combater o mal (BLANDIN, 1992). Entretanto, uma
avisa de Christiane Falgayrettes-Leveau quanto às interpretações simbólicas dos braceletes com representa-
ção animal, ao dizer que estariam ainda relacionados ao culto real simbolizado pela serpente píton, nos parece
também razoável. Para ela, "na extensão do campo de representações específicas das diferentes culturas
voltaicas esse simbolismo é ainda mais variável, pois combina cada vez com diferentes fatores, dependendo
dos requisitos particulares das sociedades para representar o seu próprio mundo" (FALGAYRETTES-LEVEAU,
2007, p. 176). Sendo assim, a função e o simbolismo da serpente entre os lobi-gan parecem ser mais abertas,
impedindo evocarmos um significado únivoco para esses braceletes. A triangulação das cabeças, os círculos
concêntricos e as linhas paralelas ou em chevron indicam uma padronização geometrizante, que está ligada à
uma estilização de características voltaicas.

Referências

ARCHÉOLOGIA. Edições 446-450. Paris: A. Fanton, 2007.

BLANDIN, Andre. Fer Nair d'Afrique de l'Ouest: avec 40 Pages de Complement sur les 'Bronzes et autres
Alliages'. Marignane: Andre Blandin, 1992.
BOGNOLO, Daniela. Les Gan du Burkina Faso: Reconstitution de l'Histoire et de la Symbolique d'une
Royauté Méconnue. Paris: Geneve, Hazan & Fondation Culturelle Musée Barbier-Mueller, 201 O.
335
FALGAYRETTES-LEVEAU, Christiane. Animal. Paris: Musée Dapper, 2007. p. 176.

GLAR, Wilfried. Africanische Reife-. Versuch einer Übersicht. Teil 3: Der Lobi-Kulturkreis, 2003.

LABOURET, Henri. Les Tribus du Rameau Lobi. lnstitut d'Ethnologie, Paris, 1931.

PAGE, Donna. Artists and Patrons in Traditional African Cultures: African Sculpture from the Gary Schulze
Collection. New York: QCC Art Gallery, 2005. [Volume S].

SCHÃDLER, Karl-Ferdinand & DUCHÂTEAU, Armand. Earth and Ore 2500 Years of African Art in Terra-
-cotta and Metal. New York: Panterra, 1997. p. 133, 135 e 349 .

• '

1. Serpente bicéfala em cobre proveniente de Oyono. -2. Tridente com cabeça de serpentes.
3. Síluro de cobre. - 4. Amuleto de cobre representando os deuses protetores. 5. Bracelete de
cobre. - 6. Tornozeleira de cobre ornamentada com dois grupos de três serpentes e
de um camaleão.
(LABOURET, Henri, 1931}

336
Braceletes (Torfan ou Debíra)

Culturas: gan (ou kaan) / lobi


Burkina Faso
Bronze
Dimensões:
Afr.000.570 (11,8 cm H x 9,5 cm L x 8,5 cm Diâm.)
Afr.000.571 (13 cm H x 11,5 cm L x 8 cm Diâm.)
Afr.000.574 (13,5 cm H x 8,5 cm L x 8 cm Diâm.)

337
Bracelete (Torfan ou Debira)

Culturas: gan (ou kaan) / lobi


Burkina Faso
Bronze

338
Yawiige

B obo-
D ioul asso
<>
Os senufo vivem principalmente no norte da Cos-
ta do Marfim, mas também é possível encontrar assenta-
mentos no Sul do Mali e de Burkina Faso.
GANA
COSTA 0Bouake Os chamados yawiige, literalmente "ornamen-
DO
MARFIM QYamou ssoukro .:umasl to de beleza ou proteção medicinal", podem ser de
\1
A cera
o
vários tipos. As pulseiras e tornozeleiras yawiige são
utilizadas quando se vai consultar o adivinho (curandeiro)
- determinados espíritos equestres exigem, além
de música, dança e esculturas, que a pessoa esteja
ornamentada com joias diversas (não só forjadas em
metal) e lhe oferte sacrifícios e presentes (GLAZE, 1978, p. 65). Segundo Alisa LaGamma e John Pemberton
(2000, p. 25), "problemas discernidos por meio da adivinhação e as medidas recomendadas para a resolução
desses problemas são ambos referidos como 'yawiige', significando: 'algo que o segue"'.

William Siegmann (1977. p. 79) e outros identificam a procedência desse tipo de tornozeleira também
entre os povos dan da Libéria e da Costa do Marfim, o que é facilmente explicado pelo comércio de longa dis-
tância e mútua influência cultural entre grupos fronteiriços desses países.

A presença dos guizos sonoros aumentaria o apelo espiritual destas tornozeleiras. mas. do ponto de
vista formal, eles conferem elegância, como se fossem frutos que saem de um ovário ou nascedouro num
"galho".

Referências

GLAZE, Anita. Senufo ornament and decorative arts. African Arts, v. 12, 1978-1979. p. 63.

LaGAMMA, Alisa & PEMBERTON 3rd, John. Art and Oracle-. African Art and Rituals of Divination. New York:
Harry N. Abrams; The Metropolitan Museum of Art, 2000. p. 25.

SIEGMAN, William C. Rock of the Ancestors: namôa koni'. Liberian Art and Culture from the Collections of
the Africana Museum. Suakoko, Liberia: Cuttington University College, 1977. p. 79.

SILVA, Renato Araújo da. Escritos Afro-Brasileiros. São Paulo: Ferreavox, 2016. p. 217.

_ _ _ _ _ _ _ _ _ . As Joias Africanas do Acervo do MAE/USP e o Problema de Classificação.


Relatório de Iniciação Científica - Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2006.

339
Tornozeleiras Infantis (Yawiige)

Cultura: senufo

Costa do Marfim

Liga metálica

Dimensões:

Afr.000.524 (14 cm L x 7 ,5 cm Comp.)

Afr.000.525 (12 cm L x 1 O cm Comp.)


340
Ligbi

-~

l
Os djimini (ou ligbi), subgrupo dos diula
COSTA GANA (dyula) (OLSON, 1996, p. 336), vivem na região
DO ?6ouake
de Brong-Ahafo, na parte Centro-Oeste de Gana
MARFIM
<>Yamoussoukro Kumasi
e Nordeste da Costa do Marfim. Devido à sua im-

LIBERIA
\ ponência e tamanho, a função ornamental des-
te anel provavelmente é menos patente do que
sua provável função de prestígio social. Embora
não saibamos com segurança a real função dos
anéis relacionados ao gado, o uso de objetos e
joalheria de madeira com representação animal
é comum a muitos povos africanos. Por isso mesmo a simbologia relacionada à noção de força foi muitas ve-
zes associada à figura do touro ou búfalo é recorrente na cultura africana ocidental. Segundo Richard Dorson
(1972, p. 314), em seu livro "Folclore Africano", "o herói é muitas vezes comparado a um touro por causa de
sua virilidade, força e resistência. Muitas vezes, tanto o herói quanto o seu oponente são simbolizados como
touros, com o herói sendo o touro mais forte e, portanto, o vitorioso".

Os principais tipos de rebanho bovino de Gana são sanga, n'dama, zebu e, sobretudo em regiões mais
ao Norte, o tipo sokoto gudali (de chifres curtos). Entre os povos de língua mande, que são um grupo linguístico
ao qual pertencem os djimini e que possuem um senso de identidade muito forte, noções artísticas comuns
relacionadas ao touro foram bastante difundidas (MCNAUGHTON, p. 79).

Segundo McNaughton (1979, p.79), a associação '"donson tonw', que enfatiza a resistência [caracte-
rística dos grandes homens, particularmente os caçadores], a aventura e competência física e sobrenatural no
perigoso espaço selvagem" utiliza máscaras de búfalo ligbe. A associação de ferreiros komo, comum entre os
bamana do Mali, outro grupo de língua mande, também faz uso de tais máscaras com semelhante sentido,
lembrando que cabe igualmente a estes a confecção de objetos de prestígio e joias de madeira.

Referências

DORSON, Richard Mercer. African Folklore. Bloomington: Indiana University Press, 1979. p. 79.

MCNAUGHTON, Patrick. From Mande Komo to Jukun Akuma: approaching the difficult question of his-
tory. African Arts, v. 25, n. 2, p. 76-85 e 99-100, Apr. 1992. p. 79.

OLSON, James S. The Peoples of Africa: an Ethnohistorical Dictionary. Westport; Connecticut; London:
Greenwood Press, 1996. p. 336.

341
Anel de touro

Cultura: ligbi (ou ligbe), djimini (jimini)?

Gana / Costa do Marfim

Madeira

Dimensões: (8,Scm L x Sem Comp.)

Afr.000.11 5

342
Oogon

( Os dogon vivem no Sudeste do Mali. Embora


não possamos de antemão identificar um
MAUR I TA N IA
uso exclusivo, anéis metálicos com orna-
mentação equestre certamente estão liga-
MALI dos à alta esfera dessa sociedade, com uso
restrito a pessoas com grande poder e ri-
queza (GRIAULE, 1938, p. 1O).
B KINA

0 1.1
I FASO
g~ Q UIJ.Q [I
Segundo Kate Ezra (1988, p. 40),
"figuras dogon representando cavalos e ca-
t valeiros refletem o prestígio e o poder em
COSTA volta de um animal que tem sido associado
DOMA.RAM
à realeza desde que os cavalos foram intro-
duzidos no Oeste africano, mais de mil anos
atrás. [...] Pelo fato de os cavalos aparece-
rem nas crenças dogon sobre a criação do mundo, o Hogon [grande líder político-religioso], enquanto cavalei-
ro, é visto como um símbolo de uma personagem mitificada. Assim, o Hogon equestre tem sido interpretado
como ferreiro e como personagem mítica que se faz passar a si mesmo como 'Nommo', um ser que representa
a ordem do universo, e como 'Lebe', um ancestral primordial sobre o qual o 'Hogon' preside e de cujo culto se
relaciona à fertilidade e à regeneração da terra. O Hogon, como cavaleiro, também tem sido visto como uma
representação de Dyon, outro ancestral primordial que se diz ter migrado montado para a área dogon a partir
da região dos mande".

Esta peça em particular não é estilísticamente "canônica". Na verdade, faz parte do circuito comercial
comum em que se mesclam figuras de cavaleiro dogon com cavaleiro kotoko do Chad, descendentes dos Sao
(FAGG, 1967, p. 24), com seu escudo e turbante característicos.

Referências

DESPLAGNES, Louis. Le Plateau Central Nigérien: Une mission Archéologique et Ethnographique au

Soudan français, 1907. p. 322.

EZRA, Kate. Art of the Dogon: Selections from the Lester Wunderman Collection. New York: Metropolitan
Museum of Art, 1988. p. 40.

FAGG, William. B. The Art of Western Africa: Tribal Masks and Sculptures. London: Collins in association
with UNESCO, 1967. p. 24.

GRIAULE, Marcel. Jeux dogons. Paris: Travaux et Mémoires de l'lnstitut d'Ethnologie, n. 32, 1938. p. 1O.

_ _ _ _ _ _.Masques Dogons. Paris: Travaux et Mémoires de l'lnstitut d'Ethnologie, n. 33, 1938.

NESMITH JR., Fisher H. Dogon Bronzes. African Arts, v. 12, n. 2, p. 20-26 e 90, Feb. 1979.

343
Anel

Cultura: Dogon
Mali
Liga Metálica
Dimensões: (7 ,Sem H x 5,0cm: 2cm diâm.)
Afr.000.147

Anéis dos dogon


Dentre as insígnias sagradas que apenas o Grande Sacerdote das Divindades Pro-
tetoras tem o direito de usar são: uma grande [pedra preciosa] opala presa por
um um cordãozinho no pescoço; uma grande faixa de ferro na perna direita; um
brinco de cobre na orelha direita e um anel de prata no meio dedo da mão direita.
(DESPLAGNES, Louis, 1907. p. 322.)

344
Dogon
A forma de "canoa aberta" das torno-
zeleiras dogon e senufo se difundiu, com al-
gumas distinções estilísticas regionais, tam-
'MAURlfANIA
bém entre os povos de língua gur e mande
via comércio interprovincial (ALAGOA, 1970,
MALI
p. 319-329). Devido a difusão no comércio
é comum encontrá-las também entre os
gurunsi, lobi, bobo, dogon, mas, principal-
e.m " J
0 L.I !I QUIJ.Q tl
mente, entre os senufo. Todas elas são joias
ligadas à fertilidade. Essa intrigante forma de
l "canoa" já foi associada à vulva (SILVA, 2016,
p. 217).

Observa-se quatro protuberâncias


encimadas em cada braço desta tornozelei-
ra dogon. Aparentemente esses pequenos
"pólipos" surgem como mero expediente decorativo, mas um olhar mais demorado revela aspectos culturais
interessantes comuns a outros povos voltaicos, isto é, que se desenvolveram ao longo da bacia do Volta, como
os senufo, gurunsi, mossi etc. Segundo Fisher Nesmith Jr. (1979, p. 22), "no relato de Ogotemmeli, também fo-
mos introduzidos ao conceito de que o numeral 4 é o símbolo do princípio feminino; 3, o símbolo do homem; e
7, o símbolo da união desses, portanto a perfeição. Esse simbolismo é repetidamente expresso na arte dogon,
e a fórmula também é bem conhecida entre outros povos Voltaicos".

Tornozeleiras semelhantes podem ser encontradas em vários outros acervos (NESMITH JR., 1979, p.
26). Segundo Blandin (1992, p. 157), são provenientes de Korhogo, no Norte da Costa do Marfim, entre outras
regiões. O aspecto delicado da tornozeleira, que se contrapõe à rigidez do bronze, pode ter sido um fator de-
terminante na sua difusão e fama na África ocidental. Além dos círculos concêntricos e dos motivos florais é
possível identificar duas figuras de crocodilos, ligadas diretamente aos mitos de origem senufo e dogon, pois
o crocodilo é considerado um dos cinco seres primordiais senufo (WERNESS, 2006, p. 119). Trata-se, ainda,
de um animal ligado à presença da água, que por sua benevolência conduzia ancestrais em direção aos lagos,
segundo um dos mitos dogon (SASSER, 1995, p. 41 ).

Referências

ALAGOA, Ebiegberi Joe. Long distance trade and states in the Niger Delta. Journal of African History, v.
11, p. 319-329, 1970.

BLANDIN, Andre. Fer Nair d'Afrique de l'Ouest: avec 40 Pages de Complement sur Les 'Bronzes et autres
Alliages'. Marignane: Andre Blandin, 1992.

NESMITH JR., Fisher H. Dogon bronzes. African Arts, v. 12, n. 2, p. 20-26 e 90, Feb. 1979.

345
SASSER, Elizabeth Skidmore. The World ofSpirits and Ancestors in the Art of Western Sub-Saharan Africa.
Texas: Texas Tech Unversity Press, 1995. p. 41.

SILVA, Renato Araújo da. Escritos Afro-Brasileiros. São Paulo: Ferreavox, 2016. p. 217.

_ _ _ _ _ _ _ _ _. As Joias Africanas do Acervo do MAE/USP e o Problema de Classificação.


Relatório de Iniciação Científica - Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2006. p. 13 e ss.

VOLTZ, Michel. lnitiation a l'Art de la Haute-Volta. ln: EYRAUD, Arlette (ed.). Guides Touristiques de l'Afri-
que, Cbte d'lvoire, Haute-Volta, Bcnin, Togo. Paris: Hatier, 1976. p.126 e 129.

WERNESS, Hope B. Continuum Encyclopedia ofAnimal Symbolism in World Art. New York; London: Continuum,
2006. p. 199.

Tornozeleira

Cultura: Dogon
Mali
Liga Metálica
Dimensões: (13,5 cm H x 8,5 cm L x 8 cm Diâm.)
Afr.000.573
346
Kissi
- J~ .. ~
- GUINE-BISSAU ~·
º Bissau
< .
Os kissi (ou kissy) vivem principalmente no Su-
doeste da Guiné-Conacri, no Noroeste da Libéria e no Nrdeste
GUINE

"'C onakrii
de Serra Leoa.

Freetowno. SERRA LEOA Estas pequenas barras utilizadas como moedas em


transações de baixo custo são conhecidas na literatura de lín-
o.
M onrovl a
gua inglesa como "kissi moneyn; "kilindi", isto é, "caule" (EAR-
LI THY, 1934, p. 1 60); "guinze" ou "gbezenn (FAIRHEAD et al.,
2003, p. 333). Por convenção, toda forma-moeda não cunha-
da foi chamada de "dinheiro primitivo", entre outras denomi-
nações (QUIGGIN, 1949).

Talvez em função do que afirmava Marx no Cap. 1do O Capital: "A forma-mercadoria simples é, por isso,
o germe da forma-dinheiro", uma série interminável de objetos serviu como moeda corrente ou como reserva
de valor no continente africano em períodos anteriores e imediatamente subsequentes à invasão e à coloniza-
ção europeia. Entre os mais bem aceitos historicamente estavam: a) os cauris (búzios), válidos praticamente
em toda Africa subsaariana; b} as manilhas (braceletes de bronze, ferro ou outras ligas metálicas em formato
de ferradura), válidas principalmente no comércio de escravos desde que os europeus passaram a fundir ma-
nilhas para substituir os braceletes tradicionais africanos já utilizados no contexto econômico antes do período
colonial; c) o sal, universalmente válido e os sombés (hastes de ferro e formato de tíbia), válidos virtualmente
em toda Costa Ocidental, sendo difundido especiamente a partir da Libéria e Costa do Marfim.

A semelhança entre os sombés e o dinheiro kissi é patente. Eles têm a forma genérica de um pequeno
"fêmur" e ambos são produzidos em ferro. Têm as extremidades achatadas, embora os somb~ geralmente
sejam mais curtos e com o topo assimétrico. Enquanto o dinheiro sombé se difundiu por toda a região onde
hoje fica a Costa do Marfim, entre povos como os baulê, os bete e os guro, o kissi era produzido em Nionsamo-
ridu, um importante centro de produção de ferro que passou a ser a cidade de divisa com a Guiné depois do
tratado Franco-Liberiano de 1892.

Sem um "banco centraln para emitir ou "cunharn a moeda de confiança no comércio, a regulação provi-
nha de chefias políticas. Tal como nos informa John Charles Yoder (2003, p. 57): "o comércio e a manufatura do
dinheiro tradicional de ferro Kissi eram regulados e protegidos pelo chefe guerreiro". Com relação ao seu valor
de face e de troca, E. Dora Earthy nos ajuda a ter alguma vaga ideia quando diz: "é considerado educado para
os chefes usarem essa moeda em vez do dinheiro da Africa ocidental. e a taxa de câmbio [em 1934] varia de
40 a 45 barras por um xelim" (EARTHY, 1 934, p. 160).

Onível de abstração formal desses "centavos" (pennies) kissi pode ser testado ao observarmos os ter-
mos utilizados para cada parte do seu dinheiro "primitivo". O"caulen,já informado, traduz-se do termo "kilindi".
Mas, ainda de acordo com a tradução fornecida no artigo de Earthy (1934, p. 160), a parte achatada da extre-
midade que forma uma espécie de "T' é chamada "nileng", isto é, "ouvido"; por sua vez, a outra extremidade,
que forma um bojo mais grosso, é chamada "kodo", isto é, "pé" - o seu conjunto formal, sendo assim, compõe
uma bela construç~o sintética, que podemos considerar digna dos modernistas europeus! Quiggin (1949, p.
92) nos indica que, apesar de as barras de dinheiro kissi já começarem a se tornar escassas no final dos anos
1 940, elas ainda eram utilizadas.
347
Referências

EARTHY, E. Dora. Short note on a Kisi smith. Royal Anthropological lnstitute of Great Britain and lreland.
/vlan, v. 34, p. 1 59-161, Oct. 1934. p. 160.

EINZIG, Paul. Primitive /vloney in its Ethnological, Historical and Economic Aspects. London: Eyre & Spo-
ttiswoode, 1951.

FAIRHEAD, James; GEYSBEEK, Tim; HOLSOE, Svend E. & LEACH, Melissa (eds.). African-American Ex-
ploration in West Africa: Four Nineteenth-Century Diaries. Bloomington; lndianapolis: Indiana University Press,
2003. p. 333.

QUIGGIN, Alison Hingston. Survey on Primitive /vloney. London: Methuen & Co. Ltd., 1949. p. 92.

OPITZ, Charles J. Odd & Curious /vloney. Descriptions and Values. 2. Auftage. Ocala: First lmpressions,
1991.

YODER, John Charles. Popular Political Culture, Civil Society, and State Crisis in Liberia. New York; Queens-
ton, Ontario; Lampeter, Wales: The Edwin Mellen Press, 2003. p. 57.

348
t
~ •

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• •
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1
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• • '~
1

~
'
Barras Kissi (dinheiro)

Culturas: kissi, mende e lama


Libéria
Ferro
Dimensão média: (38cm H x 5,5 cm L)
Afr.000.550 a-j
350
Berber/tuaregue

MARROCOS LIBIA Os tuaregues são um dos mais complexos povos africanos.


Cultural e etnicamente bastantes diversificados, resguar-
dam em grande parte as suas tradições históricas nôma-
CHADE
des e seminômades, embora boa parte deles seja sedentá-
ria há décadas. Vivendo em grandes regiões do Saara
GUINE NIGERI•
,e.,,,.,,
_CX:" CiA.NI\
...,.,.,. UQos REPU61.ICA
ocidental (Sanhadja), os tuaregues circulam principalmente
.ENTRO
Aglct.wi ~
0
fAMARÕES A .RICANA
• YIOW!ôe entre Mali, Burkina Faso, Níger, Líbia e Algéria .

Como são separados em distintas classes e clãs, fi-


caram mergulhados em disputas políticas tribais em alguns países como Mali e Argélia. Os asthe lfoghas, ára-
bes Berabishes, além das classes como os brancos iharragen e lmrad e os negros iclan ou iqbliyn já entraram
por vezes em conflito, não raro, armado (GAMAWA, 2017). Um dos símbolos usados com frequência na arte
tuaregue é a estrela de cinco pontas. Por vezes erroneamente confundido com a Estrela de Davi, o pentagrama
foi incorporado à bandeira marroquina em 1915, durante o reinado do sultão Moulay Yusef (1881-1927).

A bandeira faz largas referências à dinastia alawita, à qual pertencia Yusef. Porém, como afirmam Ao-
mar Boum e Thomas K. Park (2016, p. 193), algumas moedas fazem referência indireta ao príncipe de Tafilalt
Moulay Ali Cherif (1631-1636). A inscrição em árabe "al-mamlaka ach-charifa" se refere a "L'.Empire Chefirien",
isto é, ao Império do Marrocos.

Também utilizada por outros povos bérberes do Marrocos, esta bolsa é usada tradicionalmente pelo
vendedor de Água. Fisicamente, o conjunto de moedas coladas a esta bolsa de couro apresenta os valores de
2, 5, 1O, 20 e 100 francos marroquinos. Aparentemente boa parte delas foi cunhada no período do governo
do Sultão Yusef (1912-1927), em especial a partir de 1921, como as de 1 franco e as de 25 e de 50 centavos.
Outras moedas, como as de 5 francos, de prata, e as de 1Oe 20 francos feitas de outras ligas metálicas como
cobre e níquel foram introduzidas entre 1945 e 1947 pelo seu sucessor Mohammed V (1909-1961 ), de modo
que esta bolsa não pode ter sido produzida antes de 194 7. Considerando que todas aquelas moedas já esta-
vam fora de circulação nos anos 1950, o uso desta bolsa deve ter sido estritamente ornamental.

Por outro lado, Herbert Covey (2007, p. 133) chama a nossa atenção para o fato de que alguns povos
africanos portavam moedas com objetivo de prevenir doenças, entre outros usos não monetários. Além disso,
a própria etnografia sugere que "a prata é usada pelos tuaregues porque eles acreditam que traz felicidade e
boa sorte" (SELIGMAN et al., p. 274). Historicamente, os tuaregues obtiveram a prata a partir de meados do sé-
culo XVIII, ao derreterem as moedas Maria Theresa Thaler europeias a fim de produzir sua exuberante joalhe-
ria, conhecida mundialmente (HAGAN & MYERS, 2006, p. 95). O pesquisador João Carlos Cândido S. L. Santos
identificou na bolsa da coleção lvani e Jorge Yunes, curiosamente, uma moeda de herança cristã. Trata-se de
uma moeda de "Santa Teresinha do Menino Jesus" (sainte Thérese de Lisieux).

351
Referências

BOUM, Ao mar & PARK, Thomas K. Historical Dictionary ofMorocco. Lanham; Boulder; New York; London:
3nd. Rowman & Littlefield, 2016. p. 193.

COVEY, Herbert. African-American Slave Medicine Herbal and Non-Herbal Treatments. Maryland; Ply-
mouth: Lexington Books, 2007. p. 133.

GAMAWA, Yusuf lbrahim. The Tuaregs and the 2012 Rebellion in Mali. Johannesburg: Partridge Pub-
lishing, 2017.

HAGAN, Helene E. & MYERS, Lucile C. Tuareg Jewelry: Traditional Patterns and Symbols. Philadelphia:
Exlibris Corporation, 2006. p. 95.

SELIGMAN, Thomas K.; LOUGHRAN, Kristyne & BERNUS, Edmond. Art of Being Tuareq. Sahara Nomads
in a Modem World. California: lris & B. Gerald Cantor Center for Visual Arts at Stanford University, 2006. p. 27 4.

Recorte da Bolsa de Vendedor d'Água berber


Moeda de Saint Theresine Jesus lnfant (Thérese d' Lisieux)
Cal. lvani e Jorge Yunes
Foto: Renato Araújo

352
Bolsa decorada com moedas

Cultura: berbere tuaregue (ou tuareg)


Marrocos
Couro, prata, níquel, cobre e outras ligas
Dimensões: (91 cm H x 46cm L)
Afr.000.180
353
Verso e recorde ampliado de bolsa decorada com moedas

Cultura: berber e tuaregue (ou tuareg)


Marrocos
Couro, prata, níquel, cobre e outras ligas
Dimensões: (91 cm H x 46cm L)
Afr.000.180
354
Hijab
MARROCOS LIBIA

Com tradições históricas nômades e semi-


CHADE nômades, os tuaregues vivem em grandes regiões
do Saara ocidental, em países como Níger, Burkina
GUINE NIGERIA
oCon3kry
-
QXf.\
00
lolam.t
CiANA
Llg05
REPUBLICA Faso, Mali, Mauritânia e Algéria.
0 f.N1RO
.,l";wi fecta ,{AMARÔES AF'RIC-NA
. Yao111de
Esta é uma pulseira aberta artic_ttta
função precípua é protetiva. Um dos primeiro

alawita. Aparece com frequência em moedas e outros objetos usados pelos tuaregues
islamizados do norte da África. Atua contra forças maléficas que seriam sintetizadas pel
Salomão", enquanto símbolos que fecham os "hijab" (versos do Alcorão usados como fo
termo "hijab" (hijbat no plural), entre outras acepções, foi traduzido como "amuleto". Outro ti
é "barakah" ou "baraka", que seria uma continuidade da presença espiritual e da revelação Qi
em objetos (mas também em lugares ou pessoas).

A. Osman El-Tom (1987, p. 224-225) diz que Sanneh, em seu estudo sobre os Jakhanke àe
mandinga da região da Senegâmbia, faz uso do termo hijab para: "qualquer frase de uma cerimônia islâmica
ou devoção à oração que se acredita ser infundida com barakah, e que é eficaz quando presa na pessoa, seja
como uma fórmula memorizada ou como um amuleto. Tais fórmulas carregadas de barakah também podem
ser escritas em tábuas do Alcorão e, lavadas, a mistura decorrente serve como medicamento".

Boa parte dos hijab que se estabeleceram como símbolos salomônicos, como a estrela de cinco ou
seis pontas, classificadas como "Estrelas de Davi" no Ocidente, foi representada em muitos objetos tuaregues,
especialmente nas joias e amuletos em geral (EL-TOM, 1987, p. 228). O Museu de Arqueologia e Etnologia da
USP possui alguns exemplares equivalentes com os números de tombo 77.d.4.120, 125 e 126a e b.

Referências

EL-TOM, A. Osman. Berti Qur'anic Amulets. Journal of Religion in Africa, v. 17, n. 3, p. 224-244, Oct. 1987.
p. 224-225.

SILVA, Renato Araújo da. As Joias Africanas do Acervo do MAE/USP e o Problema de Classificação. Relató-
rio de Iniciação Científica - Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
p. 13 e ss.

355
Pulseira

Cultura: tuaregue
Marrocos
Liga metálica
Dimensões: (11,5 cm x 10,5 cm x 8 cm Diâm.)
Afr.000.575
356
Tcherat

MARROCOS Ll81A

Embora boa parte deles seja sedentária há


décadas, os tuaregues possuem tradições históricas
MAURITANIA

nômades e seminômades, e por isso se distribuem


CHADE
entre países como Níger, Líbia, Algéria, Mali, Burkina
....
GUINE
oConakry
NIGERIA Faso, entre outros. Boa parte dos distintos grupos
_O:" ..iANA
REPU6LIC4
WUflU
'li'~"'
LlgOS
/'"" o fAMARÕ ES
.l!NTRO
A "RICANA
de tuaregue mantém alguma unidade na diversida-
• YIOW!ôe

de. Por exemplo, o uso amplamente difundido de


joias protetivas de contexto afro-islâmico. O uso de
talismãs é uma prática africana que encontrou nas tradições sincréticas de influência islâmica um enorme
ponto de convergência.

Segundo os especialistas em joias africanas Evelyn Simak e Carl Dreibelbis (2000, p. 98), os "tcherot
são pingentes de formato quadrado ou retangular, montados para combinar múltiplas camadas estruturais,
cada uma decorada com um intricado padrão decorativo, normalmente consistindo em formas crescentes
de diamantes [losangos] dentro de quadrados. Os tcherot são manufaturados a partir de uma variedade de
materiais, tais como prata, cobre, bronze e couro, e tipicamente contêm pequenos objetos com propriedades
de amuletos e fórmulas mágicas cuidadosamente embrulhadas nele, assim como versos do Corão, tudo para
designar a proteção e a força da portadora ou para assegurar a sua fertilidade. Uma garota tuaregue recebe o
seu primeiro tcherot e khomissar [outro talismã protetivo] de sua mãe na idade de dezessete anos".

Recentemente Lloyd D. Graham, em seu artigo "Simbolismo e Importância das Contas/Pingentes de


Bronze Rombóide [losangular] de Jenné e do Delta do Níger Interior, no Mali", destacou que, "de forma geral,
os rombóides de bronze lembram um pouco Tuareg tcherot [e a Cruz de Agadez de quatro pontas]" (GRAHAM,
2011, p. 8). Essa abordagem comparativa é importante porque parece corroborar com a nossa percepção da
influência oriental (pelo que chamamos de "grande corredor islâmico do norte africano") na joalheria do norte
e do ocidente da África.

Referências

GRAHAM, Lloyd D. Symbolism and significance of bronze rhomboid beads/pendants from Jenné and
the lnland Níger Delta, Mali, 2011. Disponível em: <https://www.academia.edu/457468/Symbolism_and_sig-
nificance_of_bronze_rhomboid_beads_pendants_from_Jenn%C3%A9_and_the_lnland_Niger_Delta_Mali>.
Acessado em: 2 set. 2018.

SIMAK, Evelyn & DREIBELBIS, Carl. African Beads: Jewels of a Continent. Denver, Colorado: Africa Direct,
lnc., 2000. p. 98.

357
Tanaghilt - Cruz de Agadez

MARROCOS Ll81A

Estes dois colares, embora de feitura recente


MAURITANIA
e popular, possuem conexão tanto na forma quanto
CHADE na técnica com a joalheria tradicional dos tuaregues
·"""º do Níger, especialmente aquelas chamadas tanayilt
GUINE NIGERIA
oCon;ikry
_a:•
.,,...,.
GANA
Ugos REPUBLICA ou Tanaghilt("Cruz de Agadez" ou "Croix d'Agadez").
.ENTRO
~lcfan /'ççra 0
cCAMARÕES A "RICANA
. 't'itQmde De acordo com Beltrami na Enciclopédia Berbere,
"[essa cruz é] fabricada particularmente pelos tua-
reg de Kel AYr e Kel Geress [respectivamente norte
e sul do Níger] L..J. A joia mais comumente chamada 'Cruz de Agadez' é composta de uma parte superior na
forma de um anel, cujo ápice termina em um ponto ladeado por outros dois pequenos chifres, e uma parte in-
ferior plana em forma de losango, com planas bordas côncavas, terminadas em três pequenas protuberâncias
cônicas" (BELTRAMI, 1994, p. 2129).

O reverendo e arqueólogo britânico Anthony John Arkell foi bem-sucedido ao aproximar formalmen-
te os pingentes tuaregues como os tanaghilt, entre outros, a ornamentos indianos, alegando que eles têm
"ancestrais em comum" (ARKELL, 1935, p. 306). É possível recuperar formalmente os traços e técnicas de
joalheria (incluindo cruzes captas) da África oriental em sua difusão pelo lêmen, Egito, Etiópia, Líbia, Chad,
Sudão, Níger, Norte da Nigéria, Mali, Marrocos, Tunísia e Senegal, seguindo os passos dos comerciantes hamí-
ticos da antiguidade. Quanto ao modo e ao inteiro caráter da distribuição das influências mútuas da joalheria
da África, Oriente Médio e subcontinente indiano via mundo árabe medieval pelo que chamamos de "grande
corredor estilístico do norte da África" tratam-se de difusões que ainda estão para ser fixadas.

Um excelente trabalho de classificação e análise dessas cruzes tem sido proposto por Wolfgang
Creyaufmüller desde o final dos anos 1970 com seu artigo "Componentes Estruturais da Forma dos Pingentes
do tipo 'Cruz de Agadez' e suas Modificações". Muitas dúvidas foram colocadas no passado sobre as origens
das cruzes tuaregues, até se a influência moura na região do Saara ocidental havia sido fundamental ou não.
O artigo original foi revisado e ampliado três vezes até 2006, versão na qual contrapõe os modelos mouros
e tuaregues de cruzes, concluindo pela diferença na forma e nos padrões de ornamentação, bem como pela
originalidade tuaregue, que "há muitas semelhanças, mas os pingentes cruciformes com anel são típicos do
Tuareg no Sahel e não se encontram assim em nenhum dos povos vizinhos, nem no Oeste nem no Leste, nem
no Norte nem no Sul" (CREYAUFMÜLLER, 2006, p. 4-5). Para Creyafmüller, todos os pingentes de joias conhe-
cidos como 'Cruz de Agadez', assim como quase todas as suas modificações, podem ser divididos em duas
partes principais a partir da estrutura geométrica: 1) uma parte superior, mais ou menos circular; 2) uma parte
inferior com diferentes formas básicas: triângulo, quadrilátero, cruz, âncora etc., até formas relativamente
livres (CREYAUFMÜLLER, 2006, p. 7).

359
Referências

ARKELL, A. J. Some Tuareg ornaments and their connection with lndia. The Journol of the Royal Anthro-
pologicol lnstitute ofGreot Britain and lreland, v. 65, Jul.-Dec. 1935. p. 306.
BELTRAMI, V. Encyclopédie Berbere. XVI- Conseil- Danse. Aix-en-Provence: Édisud, 1994. p. 2129. [1.
ed. 1954].

CREYAUFMÜLLER, Wolfgang. Strukturelle Bestondteile der Form der Schmuchkanhônger vom Typus
"agadeskreuz" und seiner Modifikationen. Stuttgart: Creyaufmüller, 2006. p. 4-5.

Colares em Cruz ( Tanaghilt)

Cultura: tuaregue (ou tuareg)


Níger
Metal
Dimensões:
Afr.000.119a (27cm H x 22,Scm L)
Afr.000.119b (22,Scm H x 5,6cm L)

360
Joias e Armas - Corredor Estilístico do Norte Africano

da lstamlca têm ressaltado a lmportanda do lêmen,


rada africanos para técnicas e estilos do Oriente próx-
e omamentatao que foram levadas em dírl!(ão ao
longfquos quanto os países banhados pelo Mar
forte lnftuênda em Zanzibar. atual Tanzanla. no sé-
dia encontraram base segura para se desenvolver e
exportar suas técnclas a partir do comér ente no Norte do continente. Em nossos estudos de
Joalheria africana, chamamos a essa corre l e comerdal de ·corredor estllfstlco lslamlco do norte•.

crls.
Partfndo de ponta aponta da parte Norte do e. e desembocando na parte oriental, uma série de
lnfulênclas môtuas foram sentidas drsde aexpansao lslamlca de mars de SOO anos desde o séc. VII ao XVII
e XVIII, tendo sido depois disso avanço colonial europeu no séc. XIX. Estimou-se em 2002
que cerca de 4a% da populaç~ de nente pratica o lslamlsmo.

sem dúvida, foram os mercadores arabes que criaram essa faraônica corrente pelas rotas oomerciais que
abraçaram ao mesmo temPo10 oriente próximo, a África oriental e o Norte da África, trazendo e levando joias
feitas sobretudo com pedras semipreciosas, resinas como o âmbar e peças de prata, ouro, entre outras ligas
metálicas, e difundindo meios tecnológicos de ourivesaria específicos em técnicas corno a filigrana, a cinzela-
gem (repoussé), a granulação, co-utilização da cera perdida etc. OespeciaUsta em joalheria do Centro de Cul-
tura lstamica de Rottefaã, COrien W. Hoe\ (2008, p. 13), nos informa que •foi a mobiUdade dos beduínos que
contribuiu à uniformidade de estilo na joalheria [do Norte da África]•.

Aprata foi tradldonalmente obtida pelos tuaregues, por exemplo, a partir do derretimento de moedas es-
trangeiras, aimo a Maria Thefesa Thaler (HAGAN & MVERS. 2006, p. 95). Eram moedas usadas na elaboraçl!o
das Cruzes de Agadez dos tuaregues, além de outras mais antigas, exportadas para a África lDIETERLEN
& LIGERS, 1972, p. 46). Entre os povos de cultura magrebina, a fundlçl!o de Joalheria é feita a partir de um
molde de argila (HOEK, 2008, p. 13}, e a funç:lo geral da pratica entre povos nômades era basicamente a
mesma: entrelaçar o ornamental com o eamõmlco - objetos pequenos, mas de grande valor. eram extrema-
mente ôtels aos povos nômades e comerdantes pela sua facllldade no transporte, fluidez e aceitação nas
transações com estrangeiros.

Fosse a fofa utruzada no contexto do dote ou no de poderes mâglco-protetJvos. ela sempre resguardava em
sua materialidade uma futura reserva de valor. Um provérbio norte-afrfcano descreve bem essa característica
monetária: al hodayed 11-waqt al shadoyed("os braceletes são feitos para tempos dlffcelS") (HOEK, 2008, p.
14).

361
Referências

DIETERLEN, Germaine & LIGERS, Ziedonis. Contribution a l'Étude des Bijoux Touareg. ln: Journal de la Société
des Africanistes, tome 42, fascicule 1, p. 29-53, 1972. p. 46.

EUDEL, Paul. Dictionnaire des Bijoux de l'Afrique Du Nord. Moroc, Algérie, Tunisie, Tripolitaine. Paris: Ernest Ler-
oux Éditeur, 1906. p. 23.

ENCICLOPAEDIA BRITANNICA. Britonnica Book of the Year 2003. Encyclopaedia Bridannica, 2003. p.306.

HAGAN, Helene E. & MYERS, Lucile C. Tuareg Jewellery. Traditional patterns and symbols. Bloomington: Xlibris
Corporation, 2006, p. 95.

HOEK, Corien W. Ethnic Jewellery from Africa, Asia ond Paciftc lslands. Amsterdan; Singapure: The Pepin Press,
2008. p. 13, 52 e 66-67.

Este cilindro tuaregue é um pingente-recipiente de prata feito para

conter pergaminhos com trechos do alcorão enrolados. Ele é chamado Ber-


zouân (Berzaouen, no plural). Na linguagem dos especialistas franceses, "tube
pour amulette" ("tubo para amuleto") (EUDEL, 1906, p. 23).

Dimensões: (6 cm H x 7 cm L)
Afr.000.31 Od

Pingente de adorno peitoral


protetivo
(51,5cm x 1Ocm L)
Afr.000.31 Oc

Moyo Shohboo- Esta moeda 1


ou pingente antigo, de
tradição que remonta à fení- eia (era usada como
disco peitoral desde o atual Líbano (com inúmeras
modificações), até quase todo corredor norte-africano).
Ela nos lembra que, antes mesmo dos árabes, os fenícios já
haviam desenhado seus "sulcos" nas secas terras norte-africanas
e mediterrâneas por meio de um intenso comércio.

Pingentes tuaregues redondos com inscrições em árabe (chamados "Seni"), que no Marrocos são trabalha-
dos na técnica de repoussé, têm origens em modelos sírios mais elaborados em arabescos (EUDEL, 1906,
p.202 e 204-5)

362
*Esta adaga árabe é chamada "jambia" entre os iemenitas e khanjar em Oman (HOEK, 2008, p. 52 e 66-67).

Joalheria do Norte da África e do Oriente Médio,

até o Afeganistão e parte da Índia

Culturas: Magreb (África ocidental) /


tuaregue/ Oriente Médio

Prata e outras ligas metálicas

Dimensões:

Afr.000.449 (51,5 cm H X 1o
cm L)
~i
Adaga árabe khanjar , , ,
Cultura: Omã (oriente próximo e
chifre da África)
(3 2,5cm H x 24 cm L)
Afr.000.507

Colar
(Oriente médio)
Dimensões:
(28cm H x 9,Bcm L Comp.)
Afr.000.31 Oa

363
Pulseira tuaregue da Mauritânia
Dimensões:
(9cm H x 7cm L x 5-6cm Diâm.)
Afr.000.572

Colar
Pingentes de colar
Norte e Chifre da África
(Oriente Médio)
Dimensões:
Dimensões:
(38cm H x 13,5cm L) ( 8,3cm L x 9,3cm Comp.)
Afr.000.450 Afr.000.31 Ob

364
Pulseiras khal-kha

Cultura: tuareg
Mautirânia
365
Tm Guerreiros Congoleses
(PIGAFEITA, F. & LOPEZ, D.. 1591, prancha 4)

368
mangbetu

/ Os mangbetu vivem no Nordeste da República Demo-


REPJIBl.ICA
~ENTRO
AFRICANA
crática do Congo e alguns poucos em Uganda. Este tipo de faca
cerimonial circulou entre eles e os povos avizinhados durante
o século XIX e até meados do século XX, quando passou a ser
produzido em maior quantidade fora do contexto tradicional. De
acordo com Kurtis Keim (SCHILKROUT & KEIM, 1998, p. 120), "no
REPÚl!UCA
livro de notas de Emmanuel Muller, um soldado que serviu no
DEM~TICA
.r• 00 distrito de Uele na primeira década do século XX, há uns rascu-
CONGO
nhos apressados de cabeças e facas mangbetu junto com uma
~Mbuji·Mayi lista de vocábulos da língua mangbetu". Num desses desenhos,
uma adaga semelhante a esta faca cerimonial é nomeada erro-
neamente ou não como "namambele", embora por convenção
certos punhais retos dos magbetu sejam assim chamados hoje. Eles possuem lamina de dois gumes em for-
mato de folha e, em geral, uma cabeça antropomorfa esculpida em madeira ou marfim no cabo.
Diante de uma foto de Herbert Lang de 1913, a estudiosa de metalurgia da Africa Central Colleen Krie-
ger (1999, p. 143) diz que essa luxuriante faca "é similar a uma cerimonial [aparecida] na corte do rei Mbunza
em 1870, e variantes dela foram apresentadas por homens de elite nas comunidades Azande e Mangbetu du-
rante o final do século XIX". Uma peça semelhante a esta da Coleção lvani e Jorge Yunes pode ser encontrada
no Metropolitan Museum of Art (Access. Num.: 1998.480.1 ), medindo 38,7 cm.
Formalmente, as facas cerimoniais de mesmo tipo variam muito pouco. Embora seja possível encon-
trar alguma variação na feitura dos cabos, as lâminas são bem semelhantes. A única diferença mais evidente
entre a lâmina dessa faca cerimonial trumbash e a desenhada pelo soldado Emmanuel Muller, por exemplo, é
o número de "pinos" que saltam dela; enquanto esta possui apenas dois, na de Muller são três, sendo dois na
parte exterior (convexa).
De resto, os furos, a pequena elevação ou relevo que parece seguir o formato da lâmina e até mesmo
sua base afunilada no metal que encontra a madeira parecem ser os mesmos. Quiggin nos informa que a
trumbash, chamada de "faca moeda", também era utilizada como dinheiro: "trombash ou a faca de arremesso
do Sudão e do Alto Nilo, a qual viajou pela Africa como a [faca] 'pinga' dos azande, a 'bo' dos ubangi e a 'woshe-
le' (oshele) dos sankuru, dando o nome shongo aos bushongo e bakongo em ambas as margens do Kasai"
(QUIGGIN, 1949, p. 68). Shamba Bolongongo, rei pacífico dos kuba cujo reinado ocorreu por volta de 1600,
aboliu o uso da shongo com lâmina metálica, substituindo por uma de madeira "para evitar lesões fatais" (SIL-
VA, 2016, p. 114).

369
Referênôas

FISCHER, Wemer Fischer & ZIERNGIBL, Manfred A. AfrikDnische Wafferr. Messer; Dolc:he, Schwerter; Beile,
Wurfwaffen. Passau: Verlag Prinz. 1978.
KRIEGER. CoUeen E. Pride ofMen: lronwoking in 1911'1 CenturyWest CentralAfrica. Portsmouth; Oxford;
Cape Town: Heinemann (Reed Eslsevier lnc.l; James Currey Ltd.; David Philip Publishers (Pty) Ltd., 1999. p. 143
QUIGGIN, Allson Hlngston. Survey on Prlmltlve Mcney. London: Methuen & Co. Ltd., 1949. p. 69.
SCHILDKROUT. Enkl & KEIM, Curtis. Afrfain Reftect!om;. Art from Northeastern Zaire. New York: Amerlcan
Museum of Natural Hlstory, 1990.
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ (eds.). The Scrambte ForArtln Central Afrlca. Cambridge; New York:
Cambridge Unlverslty Press. 1999.
SILVA, Renato Arai'.Jjo da. Escritos Afro-Brasileiros. São Paulo: Ferreavox. 2016.
SPRING, Christopher. Afrfcan Arms andArmar. Washington, D.C.: Smlthsonlan lnstltutlon Press. 1993.
SCHWEINFURTI-i, Georg. lm Herzen von Afrfl<II. Relsen und Entdeckungen lm Centrale Aequatorfal-Afrl-
ka. Wãren der Jahre 1868bis1871. Leipzig, ZwelterThell: F. A. Brod<haus. 1874.

lle!Mf.tfw [ouMbunza]m1~~a
(SCHWENFURrH, Georg, 1874, wntr.s G<llla ·Prand!a 10

370
Faca cerimonial (trumbash)

Cultura Mangbetu
República Democrática do Congo
Madeira e Ferro
Dimensões:(37,5cm H x 24cm L)
Afr.000.488a
371
Faca cerimonial (trumbash)

Cultura Mangbetu
República Democrática do Congo
Madeira e Ferro
Dimensões:
(49,4cm H x 16,3cm L)
Afr.000.488b

372
Ligando

REPIJBUCA
Alguns objetos africanos curiosos, especialmente fun-
CENTRO
AFRICANA
didos no ferro ou no bronze, foram utilizados como
moedas de troca pelos africanos durante milênios. Um
sem número de pulseiras ou tornozeleiras de aparato e
espadas cerimoniais eram utilizadas apenas em mo-
RE:PÚBUCA
mentos muito especiais.
DEMOC~ÁTICJ.
DO
CONGO O peso e o tamanho de muitas dessas armas
e joias podem, talvez, causar estranhamento nos ob-
Mbuji-Mayi
'f,
servadores descontextualizados. Mas até mesmo essa
condição de exuberância remete a uma de suas fun-
ções, que extrapola a classificação de prestígio: o fator
econômico. Culturas lokele, turumba e lombo produziam espadas-moedas chamadas Lokele, de formatos si-
milares, que eram moedas correntes entre o Congo e o Lomami. Segundo Quiggin, a Lokele ainda era usada
em 1949 "pelos seus vizinhos, principalmente para 'o preço da noiva' e para a compra de canoas" (QUIGGIN,
1949, p. 64).

As joias, assim como toda a gama de dinheiro tradicional produzida em ferro e em outras ligas metáli-
cas, contf!m em si mesmas um rico reservatório de metal, portanto uma reserva futura de valor em que peso
e tamanho fazem diferença (SILVA, 2016, p. 242).

Chamadas de Uganda, "lron Blades" ("Laminas de Ferro") ou "Spear Currencies" ("Moedas-Lança") na


literatura especializada de língua inglesa, as armas são por vezes classificadas de acordo com seu uso. Col-
leen Krieger, especialista em metalurgia na Africa Central, nos indica que "lâminas largas com arestas de corte
podiam ser moldadas de uma maneira e servir como enxadas: moldadas de outra forma, podiam servir de
machadinha.[...] Facas e lâminas-lança eram moedas principalmente nas florestas tropicais ao Norte e a Leste
da bacia do Rio Zaire, embora fossem importantes artigos de comércio na bacia central. Ambas eram usadas
em várias atividades como armas pessoais e ferramentas na produção de comida, as facas na agricultura e as
lâminas na caçan (KRIEGER, 1999, p. 105).

Belas fotografias dessas espadas em seu contexto original na África Central foram feitas por Herbert
Lang (1909-1915) e Emil Torday (1907-1909) e podem ser vistas no livro de Krieger (1999, p. 107 e 111 ).

Desde antes da chegada dos portugueses no Congo em 1482, moedas tradicionais, entre elas as lâ-
minas de ferro, eram usadas como meio de pagamento de bens e serviços ou reserva de valor. Foi apenas em
1887 que o Rei Léopold li da Bélgica decretou a substituição do sistema monetário da região do Congo para
o Franco. Além de serem objetos de aparato e de autoridade, a espada-moeda era também um símbolo de
prestígio, "reservada como meio de troca, logo de importantes transações, como a matrimonial", entre outras.
(SCHOONHEYT, 1992, p. 98).

373
Referências

BENTLEY, W. Holman. Pioneering on the Congo. Vol.11.London: The Religious Tract Society, 1900. p.293.

SCHOONHEYT, J. Les Armes Comme Moyens D'Échange. ln: ELSEN, Jan., DEWEY, W., DUBRUNFAUT, P.,
FELIX,M., CORNET,J., SCHOONHEYT, J., et al. Beauté Fato/e: Arms d'Afrique Centrale. Bruxelles: Crédit Commu-
nal, 1992. p. 102.

KRIEGER, Colleen E. Pride of Men: lronwoking in 19th Century West Central Africa. Portsmouth; Oxford;
Cape Town: Heinemann (Reed Eslsevier lnc.); James Currey Ltd., David Philip Publishers (Pty) Ltd., 1999. p. 105.

QUIGGIN, Alison Hingston. A Survey of Primitive Money. the Beginnings of Currency. LONDON: Methuen
& Co. Ltd., 1949, p. 64.

SALUM, Marta Heloísa Leuba (Lisy). Des-En-terrando achados: vistas sobre a África das diásporas. Re-
vista do Museu Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, n. 22, p. 195-218, 2012.

SILVA, Renato Araújo da. Armas e Joias da África como "Moedas Corrente". ln: Escritos Afro-Brasilei-
ros. São Paulo: Ferreavox, 2016. p. 242. Disponível em: <https://drive.google.com/open?id=OB9wUkEM8ut-
vwYmOwZTQxNUwwMUk>. Acessado em: ago. 2018.

374
Espada-Moeda Uganda

Cultura: mangbetu
República Democrática do Congo
Ferro
Dimensões: (84cm H x 17cm L)
Afr.000.491
375
Ngebele
(BENTLEY, W. Holman, 1900. p.293}

376
Outras armas e implementas mangbetu

Duas Machadinhas e Foice Cerimonial

Cultura: mangbetu
República Democrática do Congo
Madeira e Ferro
Dimensões:
Machadinha: (55,5cm H x 23,5cm L) Afr.000.500
Machadinha: (51,cm H x 28,5cm L) Afr.000.499
Foice: (50cm H x 10,5 cm L) Afr.000497
377
Dois Cetros de chefia

Cultura: mangbetu
República Democrática do Congo
Madeira
Dimensões:
(SScm H x 4,Bm L)
Afr.000.364
378
lkul
Por vezes chamada erroneamente, se-

CONGO t J<-i1s.an!J gundo alguns, de "espada cerimonial"


(VERSWIJVER, 1995, p. 340), a espada cur-

(
ta ou adaga de nome "ikul" é indubitavel-
mente um objeto de prestígio entre os
kuba. Para Marianne Berrardi (2004, p.
lrazzavme '
34), "esta imponente arma em forma de
KiriSiiasa
espátula foi originalmente a principal es-
pada de guerra do povo Kuba".

De acordo com alguns relatos há


Luanda
Q uma distinção entre a ikul (espada de paz
.,.,.,,.,.,. ou "peace knife") e a ilwoon (espada de
1j"·"'''"''' guerra) (LaGAMMA, 2012, p. 171 ). Seu for-
mato de "folha" se assemelha ao de espa-
ANGOLA
das cerimoniais do povo Bini, que podem
ser vistas em muitas representações reais
do antigo Reino do Benin. O crítico de arte
francês Henry Clouzot ficou admirado quando viu exemplares dessa adaga no museu do Trodadéro, na década
de 1920 (CLOUZOT, 1924, p. 40-41 ).

Referências

CLOUZOT, Henry. L'Art Negre et l'Art Océanien. Paris: Devambez, 1919. p. 40-41.

LaGAMMA, Alisa. Heroic Africans: Legendary Leaders, lconic Sculptures. New York: The Metropolitan Mu-
seum of Art, 2012. p. 171.

SALUM, Marta Heloísa Leuba. (Lisy). Des-En-terrando achados: vistas sobre a África das diásporas. Re-
vista do Museu Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, n. 22, p. 195-218, 2012. p. 205.

VERSWIJVER, Gustaaf et al. Treasuresfrom theAfrica-Museum. Tervuren: Musée Royal de l'Afrique Cen-
trale, 1995. p. 340.

379
Lâmina de Espada Curta (lkul)

Cultura: kuba
República Democrática do Congo
Ferro
Dimensões: (30,7cm H x 9,3cm L)
Afr.000.552

380
Makraka ou Adio
As chamadas "facas de arremesso" das regiões centro-
-sul africanas eram utilizadas para o combate em guerras ou execu-
REPU~LICA

~~~T~AoNA ções. Os formatos das facas de arremesso e das espadas podiam


variar desde os mais simples, como estas espadas da Coleção lvani
e Jorge Yunes, até os exemplares mais complexos, que de uma lâ-
REPÚBLICA
DEMOCflÁTICA
mina única derivavam três ou mais hastes com múltiplas pontas
no
CONGO
ovais ou curvadas, uma para esquerda e a outra para a direita, num
bloco único de metal. A Makraka dos azande (ou zande), povo que
vive principalmente no sudoeste da bacia do Congo, tem seu fio de
corte na parte interna (côncava) da lâmina. Alguns, porém, "afiavam sua parte superior, e muitos também os
incisivos inferiores" (WESTERMANN et al., 1965, p. 3). O geógrafo anarquista Élisée Reclus, em seu livro Nou-
velle Geographie Universelle la Terre et les Hommes X: l'Afrique Septentrionale (1885, p. 171 ), publicou um
desenho de A. de Siroy, feito a partir de uma fotografia de M. R. Buchta, que constitui uma das primeiras
imagens de um guerreiro azande portando uma makraka.

A propósito, esse termo "Makraka" ou "Makaraka" - "canibal" na língua dos vizinhos de etnia "mittoo"
dos azande, segundo Schweinfurth (1875, p. 40, cap. XI e tab. XII) - deve ter sido tomado erroneamente por
empréstimo a um suposto grupo makraka (grafado, portanto, aqui em letra minúscula). Na verdade, os pró-
prios azande (também chamados de nyam-nyam pelos estrangeiros) são os usuários dessa espada, que se
tornou homônima ao suposto gentílico "Makraka".

No Brasil, valiosos estudos de armamento africano têm sido feitos a partir de acervos como o do
Museu Sociorreligioso Dom Clemente José Carlos lsnard, Museu Afro-Brasileiro, Museu Carlos da Costa Pinto,
entre outros, pela especialista em arte africana Ora. Marta Heloísa Leuba Salum, professora titular aposenta-
da do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (SALUM, M. H. L., Lisy, 1997, 2012 .. .).

Referência

WESTERMANN, Diedrich; SMITH, Edwin William & FORDE, Cyril Daryll. A/rica. Oxford: Oxford University
Press, 1965. p. 3

RECLUS, Élisée. Nouvelle Geographie Universelle la Terre et les Hommes X: l'Afrique Septentrionale.
Paris: Librairie Hachette et Cie, 1885. p. 171.

SALUM, Marta Heloísa Leuba. (Lisy). Critérios para o tratamento museológico de peças africanas em
coleções: uma proposta de museologia aplicada (documentação e exposição) para o Museu Afro-Brasileiro.
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, n. 7, p. 71-86, 1997.
______________. Des-En-terrando achados: vistas sobre a África das diáspo-
ras. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, n. 22, p. 195-218,
2012.

SCHWEINFURTH, Georg. Artes Africanae. Leipzig: F. A. Brockhaus; London: Sampson Low, Marston,
Low, and Searle, 1875. p. 40, cap. XI e tab. XII.
381
Espadas (Makraka ou Adio)

Cultura: azande (ou zande)


República Democrática do Congo
Madeira e ferro
Dimensões:
Afr.000.493 (43,5 cm H x 17 cm L)
Afr.000.494 (37 cm H x 3,5 cm L)
382
lanças tradicionais

Lanças de caça com extremidades de madeira or-


namentada sempre foram comuns a muitos po-
vos diferentes do Centro-Sul africano, tais como
os lega, sukuma, bembe, tsonga/shona etc. En-
quanto algumas lanças representam de forma
REPÚBLICA
DHIOC~ÁTICA alegórica grandes heróis caçadores, outras são
~ Do
CONGO
apenas decorativas. Na literatura etnográfica dos
Mbuji·M oyi
T-ANZANU nguni, povos bantos da região dos grandes lagos,
~ "? º
Sul e Sudeste da África, que incluem os Xhosa,
Zulu, Ndebele and Swazi e outros, foram identifi-
cadas lanças como estas, as quais os nguni deco-
ram "com uma pequena cabeça lanceolada [próxi-
mo da forma oval] e alça longa", utilizadas para arremesso (ANNALS OF THE SOUTH AFRICAN MUSEUM, 1976,
p. 273.) ou, por vezes, feitas com propósito estritamente ornamental (BÕHEME et al., 1976, p. 248).

Seja como for, o aspecto geral da representação das pequenas cabeças esculpidas nas extremidades
aparenta dignitários bantos sulistas.

Referências

ANNALS OF THE SOUTH AFRICAN MUSEUM, v. 70, 1. ed; v. 71, 3. ed. Cape Town: The Museum, 1976.
p.273.

BÕHEME, H. E.; HOOPER, Lindsay &DAVISON, Patricia. Some Nguni Crafts: Wood Carving. Trustees of the
South African Museum. Cape Town: South African Museum, 1976. p. 248.

383
Três Lanças Tradicionais de Caça

Cultura lega?
República Democrática do Congo
Madeira e metal
Dimensões:
Afr.000.359a (76 cm Comp. x 2 cm L)
b (77 Comp. x 2,5 cm L)
c (68,8 cm Comp. x 1,5 cm L))
384
Te tela

Os tetela vivem em regiões Centro-orientais da


República Democrática do Congo. Sua tradição artística é
variada, embora restem poucos objetos do período pré-co-
lonial expostos nos museus mundiais. Particularmente as
peças de armamento, como a chamada "espada curta" ou
"adaga", revelam a herança mango na prática do trabalho
de fundição em metal dos tetela e a difusão de modelos
estilísticos de lâminas de facas e espadas cerimoniais e de
guerra de povos do kasa'I, como os kuba e os luba. Ao mes-
mo tempo esta peça demonstra a originalidade tipicamente tetela, por exemplo, no design do cabo. A dupla
empunhadura, propiciada pela presença de dois guarda-mãos na haste do cabo, facilitaria o uso num ataque
frontal (com a mão na base do cabo) e uma rápida alternância do espaçador, se necessário, num ataque lateral
(com a mão fixa na parte superior do cabo, mais próximo à lança). Eugenia Herbert (1984, p. 52) chama essa
forma da adaga tetela de "cabo com capuz".

Referências

HERBERT, Eugenia. Red Gold: Copper Arts of Africa. South Hadley: Mount Holyoke College Art Museum,
1984. [Exhibition catalog]. p. 52.

HURST, Norman. Ngola: the Weapon as Authority, ldentity, and Ritual Object in Sub-Saharan Africa.
Cambridge: Hurst Gallery, 1997. p. 30.

SALUM, Marta Heloísa Leuba (Lisy). Des-En-terrando achados: vistas sobre a África das diásporas. Re-
vista do Museu Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, n. 22, p. 195-218, 2012. p. 205.

SPRING, Christopher. African Arms and Armour. Washington, D.C.: Smithsonian lnstitution Press, 1993.
p. 91-92.

< https://www.d oroth eu m. comia ukti on en/a ktu elle-a ukti one n/kata lo ge/li st-lots-deta il/a ukti on/
12396-tribal-art/lotlD/160/lot/2193556-konvolut-4-stucke-afrika-dr-kongo-niger-burkina-faso-ein-kurz-
-schwert-aus-dem-kongo-ein-fussreif-der-djerma-aus-niger-ein-armreif-der-mossi-aus-burkina-faso-und-
-ein-weiterer-armreif-von-den-gurunsi.html> Acessado em 22 dez. 2018.

385
Espada Curta ou Adaga

Cultura: tetela

República Democrática do Congo

Madeira e ferro

Dimensões: (54 cm H x 13,5 cm L)

Afr.000.492
386
Ovambo
Muitos nomes alternativos para o povo ovamo tais como
GABAO
RD CONGO
aawambo, ambo, aawambo (ndonga, nghandjera, kwambi,
K1\.Stla~
1
o
mbalantu), ovawambo (kwanyama) apareceram na litera-
tura etnográfica. Trata-se de um povo que habita afrontei-
ANGOLA ra norte principalmente da atual Namíbia e alguns vivem na
província de Cunene ao Sul de Angola. Eles são originários
da região da atual Zâmbia, de onde migraram a partir do
NAMIBIA
BOTSWAl<A
séc. XIV e estão relacionados historicamente com os Here-
ro, os quais também fabricam este mesmo tipo de arma-
mento tradicional.

Esta adaga ovambo, que é um dos mais antigos exem-


plares da Coleção lvani e Jorge Yunes, é data provavelmente do séc. XIX e possivelmente seja ainda mais an-
tiga, de acordo com a avaliação da especialista em arte africana Hermione Waterfield. Ele possui uma bainha
em metal losangular com ornamentações em repoussé que lembra os chapéus femininos herero. O cabo é
decorado com fios de cobre meticulosamente enrolados ao longo do pomo. Encontramos muito poucas in-
formações de função e uso na bibliografia especializada. O antigo Museu Etnológico de Berlim (Forum Hum-
boldt), no entanto, possui pelo menos cinco exemplares de adagas semelhantes.

Referencias

MAGYAR, Ladislaus. Reisen in Süd-Afrika in den Jahren 1849 bis 1857. Erster Band. Berlin: Verlag von
Lauffer & Stolp., 1859.
AuktionsHaus Michael Zeller - Lindau im Bodensee. Lot von zwei Dolchen der Ambo (Ovambo) Auktion
138, Ausrufnr 163. September, 2018.
De ARTE, Edições 60-64. Department of History of Art and Fine Arts, University of South Africa, 1999.
p. 87.
http://www.smb-diqital.de/eMuseumPlus?service=E

Adaga ovambo fora da bainha

387
Foto: Renato Araújo/2018
Adaga
Cultura: ovambo

Namíbia e Angola

Ligas metálicas

Dimensões: (40cm L x 23cm H)

Afr.000.446
388
Tiv
Os tiv vivem na região de fronteira entre os atuais Cama-
I
rões e Nigéria. O trabalho em metal, tanto na confluência
Kan o NU)aint:r.
o
dos rios Níger e Benue quanto na região Nordeste da Ni-
NIGE.RIA

/:~~.
J
BlNIM
géria, criou excelentes espadas, punhais e adagas ceri-
Cidade
, de •
moniais. Boa parte dessa produção não era feita para uso
Peno-Novo Renin , AI
1 a_ O L'1QOS .u /.

PO<I H,.coun CAll.tARÕES


!!E
prático; constituía-se apenas de objetos de prestígio. Daí
o
0 00
Mal;1to o W'b,Yaol.W'de
se explica a importância da originalidade ornamental e a
r
'" abundância de elementos decorativos. Os temas repre-
u~.
C>
sentados nessas armas tiv variavam desde cenas de caça
GABÃO!

e sacrifício até a figuração de personalidades de prestígio


e de guerreiros ancestrais, como parece ser o caso desta
peça.

Referências

FISCHER, Werner & ZIRNGIBL, Manfred A. African Weapons: Knives, Daggers, Swords, Axes, Throwing
Knives. Passau: Prinz-Verlag, 1978. p. 15.

389
Espada Cerimonial

Cultura: tiv
Nigéria / Camarões

Bronze
Dimensões: (51 cm Comp. x 14,Scm L)

Afr.000.033
390
Outras armas

Enxó e Machadinha

Cultura: África Ocidental

Madeira e ferro

Dimensões:

(45,Scm Comp. x 18,Scm L) Afr.000.280


(36,Scm H x 17cm L) Afr.000.281
391
Borduna ou Clava de Guerra e Caça Rungu

Cultura: massai
Madeira
Dimensões:
(42,Scm Comp. x 6,Scm L) Afr.000.365
(58cm H x Bem L) Afr.000.700
392
Lança

Cultura: não identificada

Madeira

Dimensões: (37cm H x 3,Scm L)

Afr.000.495
393
Espada

cultura: bembe?

Madeira e metal

Dimensões: (64,Scm Hx 6cm L)

Afr.000.485
394
Ada ogboni

Os iorubá vivem na região sudoeste da


Nigéria, mas também no centro-oeste do
Benin e do Togo. Ogboni é uma associa-
.-ino
ção masculina que serviu como uma es-
NJGERIA pécie de "Senado" ou "Supremo Tribu-
nal", com função de limitar o poder real, e
COSTA
DO
M1'RRM
que teve muita força a partir do fim do
Y mou ,oukro
século XVIII e ao longo do seguinte. Tra-
° K m1aslº

o
Ab iCIJ n A cer
'
tava-se de um grupo de anciãos com po-
Port Harc:ourt -
o
M 1 bo Oou3la der judiciário e inúmeras práticas ocultas
Q

a não membros. Eis o motivo pelo qual


muitas das suas atividades e objetos es-
tão ainda hoje envoltos em grande mis-
tério. Espadas cerimoniais com vazados
cruciformes parecem ter sido um dos mais importantes símbolos de prestígio dos anciãos ogboni.

Embora haja relatos sobre execuções por pena de morte, não encontramos referências sobre um uso
diferente do cerimonial para estas espadas. Olaide Aro assim define os ogboni: "um grupo de pessoas corajo-
sas que fornece ajuda para a sua comunidade e realiza rituais ou sacrifícios como um meio de apelo aos deuses
em nome da sua comunidade, o que tem sido feito de modo privado e que serve como base para conhecê-los
como um 'Conclave de Anciãos'. O que realmente os tornavam sagrados era fazer dessa privacidade um ins-
trumento, porque quaisquer questões que os membros concordassem em fazer em segredo eram mantidas
longe do domínio público e secretamente mantidas para si mesmos" (ARO, 2014, p. 3). Porém, seja pelo uso
de espada cerimonial interna, de execução ou com outras funções, que aparecem já em antigos relatos, tais
como em Webster (1899) e Luschan (1919, p. 440), seja para espécimes correlatas do Benin, tais como vemos
em Pitt-Rivers (1900, p. 88) e Frobenius (1913, p. 56), entre outros, o uso das espadas no contexto bini-iorubá
e da associação ogboni tem sido relativamente bem explicitado.

Eugenia Herbert, baseada em Denis Williams (1964, p. 139-166), afirma em seu livro "O Ouro Vermelho
da África: Cobre na História e Cultura Pré-colonial": "as espadas ogboni de bronze contêm uma inserção bem
pequena de ferro, e isso pode indicar que, no pensamento ogboni, o conhecido simbolismo feminino da terra
- exemplificado pelo bronze - é duplicado pelo simbolismo masculino do ferro, ligado à Ogun [deus do ferro e
da guerra] e à fundição". Peças semelhantes podem ser encontradas no Museu Nacional nigeriano em Lagos
(KERRI, 1998, p. 47), no British Museum (POYNOR, 1976) e no Museum of Fine Arts em Houston (accession
number: 76.339).

397
Referências

ARO, Olaide lsmail. The Ogboni of Egbaland and Constitutional Controversy. lnternational Journal of
Scientific and Research Publications, v. 4, lssue 7, July 2014. p. 3.

FROBENIUS, Leo. The Voice ofAfriccr. Being an Account of the Traveis of the German lnner African Explo-
ration Expedition in the Years 1910-1912. London: Hutchinson, 1913. p. 56. [Volume 1].

HERBERT, Eugenia W. Red Gold Copper Arts ofAfriccr. Precolonial History and Culture. Wisconsin: Univer-
sity of Wisconsin Press, 1984. p. 292 (ver também: Plate: 20).

KERRI, Helen O. (Curator). Symbols of Power and Authority in Traditional Nigerian Culture: Exhibition
Guide. Lagos: National Commission for Museums and Monuments, 1998. p. 47.

LUSCHAN, Felix Von. Die Altertümer von Benin, 1919. p. 440, fig. 697. Disponível em: <http://raai.library.
yale.edu/site/index.php?globalnav=image_detail&image_id=7633 >.Acessado em: 5 set. 2018.

PITT-RIVERS, Augustus Lane-Fox. Antique Works of Art from Benin: Collected by Lieutenant-General.
London: Pitt Rivers: London 1900. p. 88, plate XLIV, fig. 339.

POYNOR, Robin. Edo influence on the arts of Owo. African Arts, v. 9, n. 4, p. 40-45 e 90, 1976.

RIBEIRO Jr., Ademir. ParafernóUa das mães-ancestrais: as máscaras gueledé, os edan ogboni e constru-
ção do imaginário sobre as Msociedades secretas" africanas no Recôncavo Baiano. Dissertação de Mestrado
- Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

WEBSTER, William Downing. lllustrated Catalogue of Ethnographic Specimens. European and Eastern
Arms and Armour, Prehistoric and other Curiosities. Oxford; London: The British Museum, 1899. [Volume 3]. p.
111 e 143.
WILLIAM, Denis. The iconology of the Yoruba ªEdan Ogboni". Africa: Journal of the lnternational African
lnstitute, v. 34, n. 2, Apr. 1964.

https://www.the-saleroom.com/ en-gb/auction-catalogues/lyon-and-tu rnbu ll/ catalogue-id-sr-


ly10161 /lot-d436229f-da40-4b41-afed-a89701 OabbdO

398
Espada ada ogboni

Cultura:iorubá
Bronze
Nigéria
Dimensões: (46cm H x 11 cm L)
Afr.000.511 a

399
Espada ada ogboni

Cultura:iorubá
Bronze
Nigéria
Dimensões: (45cm x 9,Scm L)
Afr.000.511 b

400
Edan ogboni

j
As origens

Os iorubá vivem principalmente na


'NIGERlA
parte Sudoeste da Nigéria, leste do Benim,
COSTA
mas também em algumas cidades do Togo.
00
r.IARRM
Y m ou s~ ou ro
As fontes árabes iniciaram seus escritos so-
0
K mas lº bre a atual Nigéria já no século XI (AGHALINO,
Port Hrucourt
o
- 2006, p. 21 ). Mas pouco se sabe a respeito
M· 1 b<I Oou31
das prato-organizações político-jurídicas
dos iorubanos que auxilie a compreender
como efetivamente se deu a origem da as-
sociação jurídica masculina ogboni. Segundo
Olaide Aro (2014, p. 2-3), há dois relatos de como surgiu o conclave de anciãos Ogboni, e cada um deles refe-
re-se a antecedentes históricos distintos dos iorubá enquanto nação.

O primeiro relato descreve um diálogo entre as divindades criadoras Odudua e Obatalá e apresenta a
cidade de lfé, na Nigéria, como berço da humanidade. Odudua diz a Obatalá, seu parceiro, que queria reinar so-
bre a criação, e este se opõe. "O problema se degenerou em uma crise entre eles e, como resultado, Oduduwa
buscou fazer uma aliança de alguns anciãos, como Obameri, para formar a associação Ogboni, que foi usada
para derrotar Obatala" (ARO, 2014, p. 2).

O outro relato, menos usual na literatura especializada, conta como os iorubá chegaram em lfé, encon-
trando ali outros povos. Oduduwa lutou pela conquista da hegemonia com os autóctones de lfé, formando o
Conclave dos Anciãos, que foi usado para derrotar os oponentes. Daí o surgimento do Ogboni na iorubalândia,
bem como o de Oduduwa como o chefe do povo iorubá. Considerando ambas as narrativas, com um caráter
moderador, o conselho Ogboni pode ter nascido da necessidade de controle da tendência "natural" das che-
faturas e das realezas à tirania.

Uma das atribuições do conselho ogboni lhes dá um poder muito concreto em relação ao rei: antiga-
mente, se um rei precisasse ser deposto, um acordo entre os conselheiros poderia levar veneno num ovo de
papagaio para que ele o tomasse, dando a si mesmo um "pequeno sono", isto é, levando-o à morte. Isso era
seguido à risca, de maneira "socrática", pelo rei. O primeiro relato europeu sobre esse fato ocorrido na velha
Oyó, Centro-Norte da Nigéria, foi dado por um aventureiro e traficante de escravos inglês chamado Archibald
Dalzel em 1793 (DALZEL, 1793, p. 12-13).

401
Referências

ARO, Olaide lsmail. The Ogboni of Egbaland and Constitutional Controversy. lnternational Journal of
Scíentific and Research Publícatíons, v. 4, lssue 7, July 2014. p. 2.

AGHALINO, S. O. Reflections on Arabic sources and the history of Nigeria. Hamdard lslamicus: Quarterly
Journal of Studíes and Research ín lslam. Published by Bait al-Hikmah at Madinat al-Hikmah, July-September,
2006. p. 21.

DALZEL, Archibald. The Hístory of Dahomy an lnland Kingdom of Africa. Compiled from Authentic Me-
moirs; with an lntroduction and Notes. London: Archibald Dalzel, T. S. Spislbury and San, Snowhill, 1793. p.
12-13.

,.7~:. $~~ · ·
~~ ·- ~

~~.Y3. /f"
Par de Edan - Desenho de campo
Expedição Nigéria/Camarões (1910-12)
Leo Frobenius
bildarchiv.frobenius-katalog.de
402
Figuras Edon Ogboni

Cultura: iorubá

Nigéria, Liga metálica

Dimensões: (a-feminina: 31 cm H) ; (b-masculina: 33cm H)

Afr.000.51 2 a e b

403
Figuras Edan Ogboni

Cultura: iorubá

Nigéria, Bronze

Dimensões: (e-masculina 29cm x 16,Scm L); (e-feminina 27,Scm)

Afr.000.512 e e d
404
Edan ogboni

j
As definições

'NJGE.RIA
A associação Ogboni é um con-
selho de anciãos com funções jurídicas
ainda existente em algumas cidades da
MA.RnM
Y m ou s~oukro Nigéria, embora tenha perdido boa parte
ti K maslº
Abid)an A ccr de suas atribuições político-religiosas.
ti -1 Port Hrucollrt -
Q
M 1 bo Dou3l O relato do missionário Hen-
ry Townsend sobre um idoso chamado
Bashorun Sodeke, líder aguerrido dos
Ogboni de cultura Egba no sudoeste da
Nigéria entre os anos de 1830 e 1845,
demonstra que a tradição ogboni já era clássica no início da presença europeia em Abeokuta, em 1843. Disse
Townsend sobre Sodeke em carta publicada em 1847: "é ele quem detém o poder, governa a cidade" (ODUN-
TAN, 201 O, p. 64).

Roache (1971, p. 49) propõe a seguinte definição para o termo ogboni: '"Ogbon' pode ser traduzido
como 'sabedoria' ou pelo número 'trinta'. 'Eni' significa 'pessoa'; portanto o nome do culto Ogboni pode ser
deduzido a significar 'sábios' ou 'os trinta'. Acrescentando que, tradicionalmente, o culto era formado por trinta
membros anciãos da cidade".

Edan Ogboni é um objeto metálico que, no mais das vezes, vem em pares (masculino e feminino) não
raramente atados a uma corrente. Roache indica cinco as funções mais importantes do Edan: "1) judicial; 2)
previsão; 3) curativa; 4) apotropaica; e 5) mensageira" (ROACHE, 1971, p. 50).

Segundo Denis Williams (1964, nota 11 ): "ao contrário de outros orixás iorubanos, o Edan não é uma
representação de um deus que existe em algum lugar no mundo inferior; pelo contrário, é um deus. E o título
pelo qual o fundidor (brasscaster) é conhecido, Akedanwaiye, sugeriria que este fosse um "escolhido" - 'aquele
que traz os Edan à Terra"'.

Referências

ODUNTAN, Oluwatoyin. Elite ldentity and Power: a Study of Social Change and Leadership Among the
Egba of Western Nigeria, 1860-1950. Phd Thesis - Dalhousie University Halifax, Nova Scotia, 201 O. p. 64.
[Townsend to the Lay Secretary, CA2/085, Letters and Journals of Henry Townsend, CMS Papers, London, April
27, 1847].

405
ROACH E, L. E. Psychophysical attributes of the Ogboni Edan. Afrícan Arts, v. 4, n. 2, p. 48-53 e 80, Winter
1971. p. 50.

WILLIAMS, Denis. The iconology of the Yoruba Edan Ogboni. A/rica, v. 34, nota 11, 1964.

Durante um rito iniciático, um noviço se ajoelha diante de um par de edan ogboni


Desenho de campo da Expedição Nigéria/Camarões (1910-12)
Leo Frobenius
bildarchiv.frobenius-katalog.de

406
Figuras edon ogboni

Cultura:iorubá
Nigéria
Cobre, zinco e ferro
Dimensões:
(21cmHx3,3cm L) -Afr.000.515
(24cm H x 5,5cm L) - Afr.000.517

407
408
Edan ogboni
~ _)
rle~ o"'"'""'
FASO

As/unções
NIGERIA

_.t buja

t>Yamous aou kro


1
K~mas 1 9
Abidjan Accr
Segundo o especialista brasileiro na associação
Q J PortHarcourl
o
Malabo oD ou~ra ogboni Ademir Ribeiro Jr., "entre os vários usos e sentidos
9

que lhe são atribuídos entre os iorubás, o edan pode ser


um amuleto e um identificador pessoal dos membros que
congregam a associação ogboni - uma instituição tradi-
cional que detém poderes religiosos, judiciais, políticos e administrativos. Essa espécie de senado de anciãos
existente em cada cidade ou vilarejo iorubá funciona como um contraponto ao poder do rei ou obá. Além disso,
são os mestres ogboni que realizam uma importante cerimônia estruturada a partir da cosmogonia desses
povos: o culto a Onilé, entidade que personifica a terra ou o território e que, às vezes, é tida como mais pode-
rosa do que os orixás, ou até mãe de todas as deidades iorubanas" (RIBEIRO Jr., 2008, p. 6).

Referência

RIBEIRO Jr., Ademir. Parafernália das mães-ancestrais: as máscaras gueledé, os edan ogboni e constru-
ção do imaginário sobre as "sociedades secretas" africanas no Recôncavo Baiano. Dissertação de Mestrado
- Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

409
Figura Edan Ogboni

Cultura: iorubá
Nigéria
Liga metálica
Dimensões:
Afr.000.516 (21cmHx3,3cm L)

410
Edan ogboni
j _)
rfe0_,
:::.~~A~
o"'""'"'
Os usos e tipologias
ÔU 3Q3d OU QOU.tt K ~o
o

~º=·~"'"
NIGERIA

~- . :~4·
-oAbuja

Yamousroukro ..
Como instrumentos que fazem parte do culto à
0
K~m 0> Iº l~ •
o
AbidJ311 Accr
J PortHarcourl
divindade da Terra Onilé, mas também marcadores de
o
M alabo ; ou 3lll
Q identidade dos membros da associação ogboni, diversas
categorias de peças e, igualmente, diversos usos são re-
gistrados para as figuras edan. Conta-se que os edan de
pino são fincados na terra como forma de dar testemu-
nho. E "as figuras masculinas e femininas emparelhadas referem-se diretamente ao pacto imule (literalmente
'beba-da-terra') que liga todos os Membros de Osugbo- [ou] Ogboni-; um pacto de fato testemunhado pela
terra, pois, em sua grande extensão, ela une toda a humanidade" (DREWAL; DREWAL, 1983, p. 65).

Quando um membro entra numa casa ogboni ele "prostra-se no chão, punhos cerrados escondendo
os polegares, os mais velhos beijam o chão três vezes e cada vez declara: 'os seios da mãe são doces'" (PEM-
BERTON, 1975, p. 69).

Ainda sabemos muito pouco dos ritos e simbolismos Ogboni, e por isso é impossível organizar os ob-
jetos de acordo com essas categorias. Witte propõe uma divisão morfológica das peças dessa associação, em
que descreve haver uma grande seção de edan em suas diferentes formas: "edans de pino e figuras de pé;
as estatuetas de Oníle (deusa da Terra); as figuras de cavaleiros; os chocalhos, pulseiras e bastões de ofício
(title-staf!J, principalmente em latão; e os objetos de madeira, como tambores, portas e instrumento musical
[parecido com apito tipo 'aerofone'] chamado rombo" (WITTE, 1976, p. 75).

Referências

DREWAL, Henry John.; DREWAL, Margaret Thompson. An lfá Diviner's Shrine in ljebuland. African Arts,
v. 16, n. 2, p. 60-67 e 99-100, 1983. p. 65. [Ver também: Journal of African Studies. Washington D.C.: Heldref
Publications, 1986. Volumes 12 e 13. p. 36].

PEMBERTON 3rd, John. Eshu-Elegba Yoruba Trickster God. African Arts, v. 9, lssue 1, p. 20-92, Autumn
1975. p. 69.

WITTE, Hans. The Secret Ogboni Society. African Arts, v. 1O, n. 1, 1976. p.75.

411
Figuras Edan Ogboni

Cultura: iorubá

Nigéria

Liga metálica

Dimensões:

Afr.000.513 (22,5cm H x 5,5 cm L)

Afr.000.514 (25,5cm H x 5,5 cm L)


412
413
Figura Onilê Ogboni

Cultura: iorubá

Nigéria

Liga metálica

Dimensões: (30cm H x 12cm L)

Afr.000.655a

414
Figura Ogboni

Cultura: lorubá

Nigéria

Liga Metálica

Dimensões: (23cm H x 3cm L)

Afr.000.655b

415
416
Capítulo VI -Arte do dia a dia e a cultura material africana

Somente o fim de uma época permite enunciar o que a fez viver,


como se ela tivesse que morrer para tornar-se um livro.
(CERTEAU, 1998, p. 302).

arte popular africana e a permanência formal e concreta de sua cultura material que re-

A sistiu ao tempo podem se tornar uma ótima parte do futuro da arte africana (MUDIMBE,
1991, p. 280). Mesclando técnica, design e inventividade artística, a arte do dia a dia é uma
das formas da "arte africana" que pode, de um lado, salvar o trabalhador artista, que apesar do reconheci-
mento do seu talento talvez não queira fazer parte do tumulto das aberturas de exposições e coquetéis em
galerias. Por outro lado, pode auxiliar quem pretenda contribuir para que a transição entre a arte tradicio-
nal e a arte contemporânea não tenha de se restringir à reprodução do passado e nem tenha de sacrificar
o saber etnológico que ainda persiste dentro das tradições orais e artísticas, sabe-se lá até quando.

Tal como diz Rowland Abiodoun:

a maioria dos estudiosos agora reconhece que "arte africana" é mais do que uma coisa
só. Ela é afetiva - ela causa, ela transforma. Muitas coisas acontecem ali, não apenas
o que se pode ver, ouvir ou pensar de pronto. Itens e objetos comuns usados na vida
quotidiana são transformados em arte formal, emprestando-se a uma gama virtualmente
ilimitada de interpretações e aplicações. Nos tempos pré-coloniais e, até certo ponto,
hoje, a maioria dos objetos (máscaras, figuras, tecidos, cerâmica, pinturas de santuários
etc.) que são agora classificáveis como arte poderia ter sido dispositivo mnemônico,
portadora de transformação, destinada a facilitar a comunicação livre entre os planos de
existência material e espiritual, enquanto também fornece visões valiosas sobre sistemas
metafísicos africanos, mitos, o corpo de saber, complexas noções tradicionais e padrões de
pensamento. Não raro, esses objetos também se destacariam na resolução de disputas, na
busca de solução para problemas difíceis e nos sistemas educacionais tradicionais como
importantes ferramentas pedagógicas (ABIODUN, 1999, p. VIII).

Embora a questão estilística dos objetos do quotidiano tenha sido historicamente ancila da etnolo-
gia, como se o método, enquanto um artifício ou um estratagema, fosse mais importante que o fenômeno
mesmo, isso não minimiza a abundância de suas formas e a sua estruturação. As quais podem ser avaliadas
do ponto de vista da difusão tecnológica-estilística e da força de sociabilidade, isto é, pelos nexos sociais
que esses objetos mobilizam - um trabalho ainda a ser desenvolvido, aliás, para além dos ranços de uma
etnografia ultrapassada. Tal como se afirma no trabalho sobre as esculturas da Sociedade das Missões
Africanas:

objetos utilitários como roldanas de tecelagem, tigelas, bancos, cadeiras e tecidos também
foram feitos com muito cuidado para embelezar a vida quotidiana africana e reforçar o sta-
tus de chefes e pessoas proeminentes. Em cada caso, a cultura particular criou o seu pró-
prio conjunto de símbolos e estilos artísticos, que eram compreendidos na comunidade.
Embora os símbolos variassem bastante entre uma comunidade e outra, geralmente havia
dentro de um determinado grupo um grau considerável de consistência e, assim, desenvol-
via-se um grande número de estilos razoavelmente discretos (S. M. A. FATH ERS, 1980, p. 6).

417
Ao discutirmos o valor cultural e estilístico de simples objetos do dia a dia recolhidos
em museus, precisamos ter em mente que eles fizeram parte do plano de compreen-
são etnográfica de povos cujas práticas sociais se desejava analisar. Por mais que
saltassem aos olhos o rigor das tecnologias, das práticas do design e das inúmeras es-
tilísticas envolvidas na produção desses objetos, seu aspecto utilitarista se sobrepôs
aos outros na perspectiva ocidental. Ainda hoje não temos grandes grupos de estudo
de design, estilo e difusão artística dos objetos utilitários africanos, embora os estu-
dos da tecnologia, medicina e do conhecimento tradicional já estejam muitos passos
à frente. Fora do contexto etnográfico, aqueles estudos não tiveram suficiente força
inspiracional para induzir o mesmo tipo de esforço teórico já desenvolvido por estes.

No passado recente, a maioria dos objetos de "uso", às vezes muito utilitaristas, eram deco-
rados, esculpidos ou pintados com motivos mais ou menos diretamente evocativos, sendo
destinados tanto para embelezá-los quanto para narrar sua filiação, seu papel ou sua impor-
tância sociocultural. Enfeites corporais, pinturas, maquiagens, penteados, roupas também
eram um meio de expressão (identificação de um status social, por exemplo) e muitas vezes,
ao mesmo tempo, um sistema de proteção mágica (PERROIS, 1990, p. 70).

Depois do olhar modernista que lançou luz sobre aspectos formais da arte africana no início do século
XX, não demorou muito para que alguns curadores chamassem atenção para as chamadas "artes aplicadas"
ou para a estilística e o design de objetos práticos da África. No passado, tanto os gabinetes de curiosidade
e as exposições universais quanto os museus etnológicos abrigaram a cultura material africana na forma
de objetos do dia a dia, observando as ferramentas, artefatos de caça, pesca ou de uso pessoal, utensílios
domésticos, joias ou ornamentos, roupas, máquinario, armas, entre outros elementos manufaturados como
materiais meramente etnográficos.

Na esteira do perspectivismo modernista, destacamos em primeiro lugar o jornalista e crítico de arte


Henry Clouzout (1865-1941}, tio do cineasta francês homônimo, que trabalhou como conservador na biblio-
teca Forney e no Museu Galliera, em Paris. O crítico escrevera alguns livros de arte africana, como os das
exposições: "L'Art Negre et l'Art Océanien" (1919) ( "A arte negra e arte da Oceania"} e "A arte do Congo
belga""L'art du Congo belge" (1921). Nós o destacamos aqui não só pela sua importância histórica em fazer
síntese das observações etnográficas com as observações estéticas em peças que até aquele momento eram
consideradas meros componentes da chamada "cultura material". Esse destaque é válido também por ele
ter cunhado ou popularizado curiosos termos para o que chamamos de arte africana. Tais como "arte primi-
tiva", "arte ritual" ("de utilidade religiosa e mágica"}, "arte indígena" (CLOUZOT & LEVEL, 1924}, "arte étnica"
(CLOUZOT, 1919, p. 33} e "arte fetichista" (CLOUZOT & LEVEL, 1931}, e sobretudo por ser um dos primeiros
- se não o primeiro - a fazer referências artísticas aos objetos do quotidiano da África.

Clouzot abre seu texto "A arte negra", de 1919, com a imagem de uma belíssima colher somali, e o
fundamenta de forma eclética com trabalhos de etnólogos, antropólogos e historiadores, tendência que
seria comum apenas numa geração posterior de africanistas, mais ligados à visão interdisciplinar. A aborda-
gem de Clouzot era pelo menos mais ampla do que a dos curadores da "arte primitiva" de então, mas aquele
momento, no início do século XX, ainda não se tinha vislumbrado essa necessidade interdisciplinar. Exaltava-
-se, à luz do Modernismo, apenas aquilo que a arte africana tinha na superfície explícita de seus elementos
visuais: a forma, o volume, a linha, os planos irregulares etc. Enumerando alguns dos objetos então expostos

no Museu do Trocadéro, Clouzont colocou no mesmo plano das máscaras e objetos de "fetiche" as

418
peças contidas numa vitrine de "arte do quotidiano", com ferramentas de Loango, Angola. Ele não podia ter
ideia, mas tratava-se de objetos monetários: barras metálicas em torsade semelhantes a brocas, que chama-
mos de "dinheiro primitivo", de efetivo uso para transações de bens e consumo, lâminas metálicas em forma
de "folhas", pedaços de limas, facas de arremesso; segundo ele, peças em número surpreendente (CLOUZOT
& LEVEL, 1924, p. 40-41).

Contemporaneamente, a respeito de um dos seus pontos teóricos bastante discutidos - arte quoti-
diana africana enquanto objeto de arte no Ocidente-, há um pequeno artigo muito lido nas universidades
brasileiras, seja em cursos de arte ou de antropologia, intitulado "A rede de Vogel: armadilhas como obras
de arte e obras de arte como armadilhas", de Alfred Gell. Nesse texto o autor explicita o choque conceituai
entre a estética, sociologia e antropologia sobre o que pode ser considerado arte na atualidade. A exposição
itinerante "ART/artifact" (1988), com curadoria de Susan Vogel, continha materiais do quotidiano africano
dispostos de tal maneira a provocar um questionamento sobre as fronteiras da arte. O exemplo tomado
por Alfred Gell é a rede de pesca do grupo zande, da região do rio Ulele, na atual República Democrática do
Congo, presente na exposição. Do modo como estava exposta - enrolada e "pronta para o transporte"-, con-
frontada ainda com supostas máscaras de Abomé, no atual Benim - na verdade produzidas por Modigliani e
Brancussi -, a tal rede não seria necessariamente apreciada como objeto etnográfico. Muito provavelmente
foi considerada ali como um objeto de arte contemporânea, embora carregada do material da eficácia artís-
tica africana tradicional. A intenção de Vogel, merecedora de muitos elogios, diz Gell,

era quebrar o elo entre a arte africana e o "primitivismo" da arte moderna (Les Demoiselles
d'Avignon&de Picasso, as pseudomáscaras africanas de Modigliani e Brancusi etc.) e sugerir,
diferentemente, que os objetos africanos podem ser analisados em uma perspectiva mais
ampla, evocando o estilo artístico dominante na década de 1980 em Nova York (GELL, 2001,
p. 176).

Gell destaca que a antropologia da arte teria um papel novo: a busca pela magia na tecnologia, a efi-
cácia ritual e uma agência no produto artístico. Fato é que estava ali, como desafio ao Modernismo, a moti-
vação artística da chamada equipolência das formas abstraídas das culturas. Ainda que na forma de crisálida,
quando alguns objetos do quotidiano dos povos ditos "primitivos" foram sendo pouco a pouco elevados à
condição artística, antes numa condição de ponte para um fim estrangeiro e, depois, como uma preocupação
teórica válida, mesmo que também tomada de fora.

Enquanto Warhol destacava, quarenta anos depois, a reprodução de uma série de latas de sopa da
marca Campbell, a busca pela forma pura, simplificada ou "primitiva" fez com que os modernistas chegassem
a intuir que a forma inanimada dos objetos, ironicamente a "prova do animismo africano", continha a chave
para levar a cabo o programa que em pouco tempo chegaria à desestruturação da forma. Mais uma vez, foi o
crítico de arte Clouzot que sintetizou, em 1919, o frescor que os modernistas demandavam da arte africana;
consciente e inconscientemente, esse mesmo frescor arejaria as formas artísticas europeias contemporâ-
neas, demarcando novos tempos também ali:

deste politeísmo, desta ingenuidade sobrenatural surge uma arte naif, viva, que, obedecen-
do aos princípios constantes que observaram, há vários milênios, os eunucos primitivos, per-
manece ainda mais jovem, menos fixa, menos mumificada do que qualquer outra. A arte
negra ainda pura não é mais antiga do que algumas gerações atrás de nós - digamos de cem
419
a duzentos anos (CLOUZOT, 1919, p. 42).

Na exposição "Obras-Primas do Museu Etnológico de Berlim", em cartaz no Centro Cultural Banco do


Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, 2003-2004), ocorreu algo semelhante. Tal como a "armadilha" de
Susan Vogel, só que desta vez aplicada a uma exposição de arte tradicional africana, o alemão Peter Jung, do
Museu Etnológico de Berlim, associou as "artes do design" cosmopolitas às artes do quotidiano africanas ao
executar um "teste" curatorial de design da África como "arte nos trópicos":

a produção de tais objetos, que na Europa seria correlacionada ao design ou às artes apli-
cadas, não estava reservada a um grupo especial de artistas. Na África não existiu uma se-
paração entre arte, artes aplicadas ou design, tal como na Europa, em termos de produção,
no apreço social e mesmo na preservação e exposição em museus. Tampouco podemos re-
conhecer uma distinção entre objetos destinados unicamente ao uso, objetos indicativos do
status de seu proprietário ou aqueles que também desempenham uma função protetora,
como o amuleto, por exemplo. Adornados com padrões complicados, os copos kuba eram
fonte de expressão do prestígio social dos proprietários. Copos antropomorfos podiam servir
bebida ritual para consolidar a comunhão dos vivos com os antepassados. Determinados
objetos, como apoios para a nuca, podiam estar reservados exclusivamente aos homens.
Os enxós e machados dos Luba eram elementos poderosos de pessoas de grau hierárquico
elevado ou de adivinhos. Não eram usados como ferramentas. Formas e materiais de enfei-
te também podem informar sobre o status social do proprietário ou da proprietária. Mas a
ordenação dos objetos na exposição não deve remeter a essa complexidade funcional. Pre-
tende, ao contrário, chamar a atenção para o amplo espectro e a impressionante qualidade
da elaboração artística dos objetos de uso, independentemente das suas funçãos práticas,
rituais ou socialmente orientadoras (JUNG, 2004, p. 39).

Dito isso, cabe um pequeno parêntese: o critério que apresentava o objeto quotidiano africano en-
quanto design estava bastante claro no posicionamento curatorial. Contudo, tanto para nós que trabalhamos
na exposição quanto para os visitantes, nunca deixaram muito claro que muitas "obras-primas" não se trata-
vam senão de "meras" reproduções, cujas originais permaneciam em Berlim. Pior que isso: se é compreensí-
vel que uma reprodução de cabeça Nok em terracota - embora conservada e climatizada segundo os padrões
internacionais - seja de boa-fé entendida como "arte africana" em sua itinerância fora da Europa, por outro
lado um relicário/ang "autêntico" do século XIX, utilizado para guardar ossos de ancestrais, apresentava uma
etiqueta indicativa com os dizeres "adquirido em 1895". O termo "adquirido", no caso de um objeto que guar-
da ossos ancestrais, por cômico ou retórico que seja, jamais deve ser entendido como artístico. Pensando
nisso, talvez a arte tradicional africana contemporânea também não seja um mero abandono do "protótipo"
da tradição, no sentido de Alfred Gell (1998, p. 26); talvez seja antes um esforço da arte popular para aden-
trar o mundo dos negócios da arte contemporânea.

É por isso que, antes de Peter Jung, Alfred Gell e Susan Vogel, os modernistas já faziam caso com as
maquinações altamente reprováveis dos etnógrafos. Davam de ombros para a verborragia que tentava fin-
gir alguma compreensão do profundo mistério abismal detrás daquelas formas igualmente misteriosas da
arte tradicional, dita à época "primitiva". E que poderiam ser planificadas no libertário mundo das formas,
independentemente das suas agências, hermenêuticas ou funções ritualísticas, como se fossem tomos bi-
bliográficos mais ou menos profundos, mas todos sequenciados de maneira igualitária numa lista alfabética
de referências, sem hieraquização imediata. Exposições magistrais do período modernista, no início do sé-
culo XX, muitas compostas num mesmo ambiente com objetos de culturas europeias, tomavam a forma das
420
obras africanas por si mesmas - aquelas mesmas formas que, por fim, tensionaram o desenvolvimento do
Cubismo.

Mas é preciso também lembrar de que nada disso é muito novo. Desde que Gil Eanes transpassou o
"Cabo do Medo", em 1434, as portas para a arte africana da cultura material estavam abertas. Embora isso
não seja muito comentado nos círculos de leitores em inglês, francês e alemão, a rede de Vogel fecha um ci-
clo iniciado no século XV. O primeiríssimo exemplar etnográfico subsaariano manufaturado foi documentado
em língua portuguesa e enviado para a Europa. Por coincidência, era uma rede de pesca feita de entrecasca
de árvores (ou cipó). Ela possivelmente foi abandonada por assustados pescadores africanos que se depara-
ram com as "figuras fantasmagóricas" aportadas pela primeira vez nas regiões costeiras da atual Mauritânia
em 1436 (ZURARA, 1841, p. 61-70).

Uma das enormes qualidades do objeto de uso quotidiano é que ele não evoca disputas "territoriais"
entre especialistas de arte africana sobre o seu caráter, funções precípuas e secundárias, uso adequado ou
inadequado de pátina, tamanho, cor, proporção, volume, formalidade ou desconformidade com normas,
planos, réguas e, principalmente, o fato de serem objetos comunitária e universalmente interpretados numa
base mais ou menos comum.

Se o futuro da arte africana absorver algum "equilíbrio entre os mundos da arte tradicional e da arte
tradicional contemporânea" e ainda assim honrar os ancestrais pelas artes do crer e do fazer, comungando
com aquela África "mãe de todos nós", jamais sendo a eles indigno, ao mesmo tempo seriam exaltados
objetos do quotidiano e as manifestações plásticas de arte popular. As novas artes africanas abandonariam
as antigas práticas de "enganar turistas" quanto à suposta antiguidade de suas obras fake para enfrentar de
cabeça erguida a realidade pós-colonial. Nesse futuro, a nossa "Mãe África" seria capaz de conter em si mes-
ma, sem maiores perdas, a manutenção de um conceito de arte africana que, enfim, superaria os gigantescos
desafios impostos de fora para legitimamente se tornar por dentro o que é.

421
Referências

ABIODOUN, Rowland. Foreword. ln: HACKETT, Rosal inda 1. J. Art and Religion in A/rica. London: Cassei, 1999.

CERTEAU, Michel de. Artes de fazer: invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1998.

CLOUZOT, Henry-Georges & LEVEL, André. L'art fetichiste africain. La Revue de l'Art Ancien et Moderne, v. 60,
p. 3-14, 1931.

- - - - - - - - - - - - - - · L'art indigene des colonies françaises et du Congo belge au Pavillon


de Marsan en 1923. L'Amour de l'Art, n. 1, 1924.

CLOUZOT, Henry. L'Art Negre et l'Art Océanien. Paris: Devambez, 1919.

GELL, Alfred. A rede de Vogel: armadilhas como obras de arte e obras de arte como armadilhas. Arte & En-
saios, Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, a. 8, n. 8, Rio de Janeiro, Escola de Belas Artes
da UFRJ, p.174-191, 2001. [Tradução do original publicado em Journal of Material Culture, v. 1, n. 1, p. 15-38,
1996].

____. Art and agency: an anthropological theory. Oxford: Clarendon, 1998.

JUNG, Peter. Arte da África: obras-primas do Museu Etnológico de Berlim. Brasília; Rio de Janeiro; São Paulo:
Instituto Goethe; Centro Cultural Banco do Brasil, 2004.

MUDIMBE, Valentin-Yves. Reprendre: enunciations and strategies in contemporary African arts. ln: VOGEL, S.
(ed.). A/rica Explores: 20th Century African Art. Munich: Prestei, 1991.

PERROIS, Louis. Anthropologie et histoire des arts africains: convictions pour un méthode. ln: De l'Art Negre à
/'Art Africain: l'évolution de la connaissance de l'art africain des années trente à aujourd'hui. Arnouville: Arts
d'Afrique Noire, p. 70-77. Colloque Européen sur les Arts d'Afrique Noire, 1, Paris, 1990.

PIGAFETTA, F. & LOPEZ, D. Relatione dei Reame di Congo et delle Circonvicine Contrade. Reme, 1591, plate
4, Antwerp University Library.

S. M. A. FATHERS. African Sculpture from the Collection of the Society of African Mission. New Jersey: S.M.A.
Fathers, 1980.

ZURARA, Gomes Eanes. Chronica do Descobrimento e Conquista de Guiné. Escrita por mandado de el Rei
D. Affonso V, sob a direcção scientifica, e segundo as instrucções do illustre Infante D. Henrique [escrito em
1453]. Paris: J. P. Aillaud; Officina Typographica de Fain e Thunot, 1841.

422
Kibuyu
UGANDA

l •mpala r' &..-


LilflO 1 tan~
OKi sumu "Ili"'
ourn1A

--·~\Dar u Salaam

1'1'1'311 1 / .f.l>IJU

Os massai vivem na região de fronteira entre o Norte da Tanzânia


e Sul do Quênia. Cabaças para leite (kibuyu) ou para cerveja produzida de mel entre os masai são tradicional-
mente equipada com alça de couro, são produzidas com algum nível de padronização que nos permite distin-
gui-la de outras moringas tão comuns em todo continente africano.

Tanto quando usada para conservar o leite quanto a cerveja, entre outras bebidas, as morin-
gas massai carregam uma alta carga simbólica devido ao estímulo à sociabilização que elas induzem - quase
nunca se bebe leite ou cerveja sozinho. Entre os massai o leite é usado, em vez de água, para a preparação de
chás e ervas medicinais (PERGOLA, T., 2013 ).

Da mesma forma que os hindus, a vaca é um animal muito apreciado entre os massai e a abundância
de criação de bovinos, especialmente de vacas é um importante sinônimo de riqueza. Embora essa riqueza
na forma de gado tenha um dono, todos se beneficiam e são responsáveis pela alimentação e bem-estar das
vacas, demonstrando serem elas uma riqueza social. Do mesmo modo, o uso comunitário de containers para
cerveja, principalmente em reuniões de chefia, demonstra que a função da moringa, a despeito de sua simpli-
cidade técnica, não se restringe a ser nem um mero objeto prático do cotidiano e nem um simples utensilio da
cultura material dos massai e sim um "objeto testemunho" (GABUS, J., 1975) do ponto de vista de sua identida-
de, linguagem de integração dos objetos e, igualmente como uma "comóditie" que, numa perspectiva cultural,
também goza de uma "vida social"(APPADURAl,A., 1986, p.3).

Referências

APPADURAI, Arjun (Ed.). The Social Life ofThings: Commodities in Cultural Perspective. Cambridge: Cambridge
University Press, 1986.

GABUS, Jean. L'Object Témoin: les références d'une civilisation par l'object. Neuchâtel: Editions ides et Calendes,
1975.

McQUAIL, Lisa. The Masai ofAfrica. Minneapolis:Lerner Publication Company,2002. p. 37.

PERGOLA, T., Time is Cows: Timeless Wisdom of the Maasai. Oreteti Press, 2013.
423
Moringa Kibuyu

Cultura: massai

República do Quênia/Tanzânia

Cabaça, miçangas e couro

Dimensões: (58cm H x 5,Scm L)

Afr.000.111
424
Pokot

Addis Ab eba-
O povo turkana vive no noroeste do Quênia, na região
<>

EOTIOPIA que margeia o lago de mesmo nome desse povo que segue tra-
dições nômades. Como em outros grupos nômades com estilo

~
de vida pastoral, a dieta da maioria dos turkana não é muito va-
República )

l
Democrática
riada, centrando-se em frutos, carne, milho, painço, feijão e leite,
º"""
l>
do UGANDA

CongQ ,,..Korl1p(al entre outros (PATEMAN, 1993, p. 116).


RV~A ""'
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N• irobl


) QKi (Jall
Para além de um mero utensílio de cozinha, a colher de
l ujumbura

madeira tem funções variadas, sendo utilizada por vezes no


TAN~NIA
1? 0 odoma
0 3r es Salaam
Q
contexto religioso e ritual, por isso não podemos fazer uma de-
terminação prévia de função neste e em muitos casos de uso
de colheres na cultura africana tradicional. Mas uma observação
de ordem terno e ecológica pode ser evocada: as colheres de pau no universo da cultura material são histo-
ricamente de design africano e talvez a sua consequente inserção na cultura mundial deve ter imposto ainda
uma verdadeira 'forma de ser' no modus operandi culinário quando, fora da África, os africanos exportaram a
sua cultura material. Por outro lado, a complexa simplicidade de uma colher remeteria historicamente a povos
cujo simples uso de um objeto do cotidiano talvez os ligariam de forma tão intensa à natureza a ponto de que,
enquanto vemos uma simples 'colher de pau' esses povos talvez vissem ainda por causa força imbutida na
madeira a intermediação entre os homens e o mundo natural.

Referências

PATEMAN, Robert. Kenya. New York Marshall Cavendish, 1993.

SIEBER, Roy. African Furniture and Household Objects. Bloomington: Indiana University Press, 1980.

425
Colher (Pokot)

Cultura: turkana

Quênia

Madeira

Dimensões: (38,5 cm H x 8,5 cm L)

Afr.000.101
426
África Central

Uma rica variedade de potes e jarros de madeira com múltiplas funções corresponde a uma das primei-
ras categorias da cultura material africana, que são as peças de uso quotidiano. Em diversos povos da África
Central os potes para bebidas medicinais, vinho de palma, entre outros, embora possam parecer meros uten-
sílios domésticos corresponderiam, na verdade, à categoria de objetos relacionados a apetrechos sacerdotais,
no caso das bebidas medicinais, e à arte de corte, no caso do vinho de palma.

Embora não saibamos a função deste pote em especial, a existência de uma rolha de fechamento
nos induz a pensar no objeto como parte desta última categoria. Tanto as ervas medicinais quanto o vinho
de palma, para ficarmos apenas nesses dois exemplos, são melhor acondicionados quando bem herméticos
num recipiente apropriado. Geralmente o tipo de design dos objetos pode dar algumas pistas sobre seu local
de origem. No entanto, sem um trabalho de campo específico ou objetos comparativos, na maioria das vezes
tendemos a nos frustrar com uma mera localização geográfica mais genérica e imprecisa, como a indicada
neste caso.

Referências

BASSANI, Ezio; BOCKEMÜHL, Michael & MCNAUGHTON, Patrick. The Power ofForm: African Art from the
Horstmann Collection. Milano: Skira Editore, 2002. p. 172.

GEALT, Adelheid M. Masterworks from the Indiana University Art Museum. Bloomington: Indiana Univer-
sity Art Museum, 2007.

427
Recipientes

Cultura: África Central/ kuba? / mangbetu?

República Democrática do Congo

Madeira

Dimensões:

Afr.000.095 (16,5 cm H x 7 cm L)

Afr.000.096 (16,5 cm H x 8,3 cm L)

Afr.000.097 (15, 7 cm H x 7 cm L)

428
África Central

Embora o hábito de fumar tabaco tenha se iniciado com os indígenas nas Américas, ele se difundiu rapi-
damente em todo território africano de contato europeu, principalmente em função da prévia existência tanto
da cultura material do cachimbo quanto do hábito de fumar outras plantas, tais como a maconha, para uso
religioso ou recreativo. "A originalidade africana na produção de cachimbos e todo um aparato antropológico
por trás do fumo da nicotina, em tempos que remetem ao início do contato africano-europeu, estimularam
hipóteses bastante curiosas sobre isso. Mas as elaborações de cachimbos como marcas étnicas também de-
vem ser estudadas sob o ponto de vista do fumo de outras substâncias nativas" (SILVA, 2013, p. 24, nota 35).

O folclorista Câmara Cascudo também é taxativo: "o próprio nome 'tabaco' pela África denuncia a ori-
gem ameríndia, et-tobboo, tabba, tombam, tambo, pela região central, em suaíle, quigala, tabaco e mesmo o
português 'fumo', para os luchicongos. Mas em quimbundo é dikanha, makanha, rikanha, pouco disfarçando
o macanha, maconha, o venenoso cânhamo. Era esse o tabaco de Angola antes que chegasse o verdadeiro,
levado do Brasil pelo português que dele já não se separava" (CASCUDO, 1965, p. 179-180).

A colônia de Angola foi fundada em 1574, e já no final do século XVI certamente o tabaco era muito
difundido na África. Porém, segundo Hambly (1930, p. 6-7}, relatos europeus sobre a difusão do tabaco na
África aparecem apenas na primeira década do século XVII, indicando seu uso por homens "em cada casa" de
Serra Leoa.

Estudos brasileiros tentam relacionar técnica e estilisticamente os cachimbos africanos com os fuma-
dos por seus descendentes no Brasil colonial (AGOSTINI, 1997 e SYMANSKI & GOMES, 2012).

Referências

AGOSTINI, Camilla. Cachimbos de escravos e a reconstrução de identidades africanas no Rio de Janeiro,


século XIX Monografia de Bacharelado em Arqueologia - Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 1997.
CASCUDO, Luiz Câmara. fvtade ln A/rico: Pesquisas e Notas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
p. 179-180.
HAMBLY, W. D.; LAUFER, B. & LINTON, R. Tobacco and lts Use in A/rico. Leaflet, n. 29. Chicago: Field Mu-
seum of Natural History, 1930. p. 3-7 e 15 [177] prancha li.

SILVA, Renato Araújo. Isto não é magia, é tecnologia subsídios para o estudo da cultura material e das
transferências tecnológicas africanas 'num' novo mundo. São Paulo: Ferreavox, 2013. p. 24, nota 3.

SYMANSKI, Luis Cláudio Pereira & GOMES, D. M. e. Mundos mesclados, espaços segregados. cultura ma-
terial, mestiçagem e segmentação no sítio Aldeia em Santarém (PA). ln: Anais do Museu Paulista, v. 20, n. 2,
São Paulo, jul.-dez. 2012.

429
Kuba
~ ~J Kis anganl
(> .

f
)"(
lrazzaville
REPÚBLICA
DE;MOCRATICA
DO
CONGO
Os kuba vivem na região central da República
Democrática do Congo. O uso do cachimbo seja ele
··"~Kin sh asa
ritualístico ou não, isto é, uma prática social ou indivi-
dual, comumente está ligado a aspectos simbólicos da
o
Lu and a tradição de muitos povos da África Central e também
da Ocidental. A peça aqui selecionada apresenta uma
ANGOLA
forma comum característica de cachimbos kuba. Se-
ZAMBIA
gundo o viajante William Sheppard, que foi chamado
por W. Phipps de Livingstone Americano, "os cachim-
bos bakuba são quase sagrados, muitos deles
são abençoados pelos sacerdotes (witch-doctors). Há
uma crença de que se o fumante em viagem consegue tabaco de um vilarejo e algum inimigo desejar algum
mal ao viajante, por meio do tabaco, esse desejo é realizado, a menos que o sacerdote o tenha abençoa-
do" (PHIPPS, W., 2002, p. 86). Utilizando uma técnica da joalheria tradicional kuba, um intrincado e delicado
entrelaçamento de fios de cobre em cabaças de tamanho determinado acabam por produzir um estilizado
cachimbo que foi muito usado durante até meados do séc. XX entre os kuba. Segundo Câmara Cascudo: "A
Nicotina tabacum divulgou-se pela África Ocidental e Oriental nos finais do séc. XVI ou na centúria imediata
mais precisamente. Espalhou-se com tal rapidez (como o amendoim, Arachis hypogaea) que as variedades
foram julgadas produtos nativos(...)
No antigo Congo Belga, no reino baluba de mukenge, o rei Kalamba instituiu a riamba em rito de culto
social, liame político, fundando os Bena-Riamba, 'filhos da maconha', como registrou Herman Von Wissmann
(1853-1905), com o "Velho da Montanha" fizera no séc. XI. Hassan lbn Sabah embriagava seus devotos
com o haxixe, a mesma maconha ainda fumada no Brasil(...)" (CASCUDO, 1965, p.179-80). Do rio Gambia
o viajante Richard Jobson em 1620-1, em busca de ouro identificou que o tabaco havia sido introduzido ali
por traficantes de escravos do Brasil. (HAMBLY, W.D.; LAUFER, B. & LINTON, R., 1930. pp.4;170). Assim, se a
hipótese da difusão do tabaco na África ocidental também valer para a África Central, é provável que esse
tipo de cachimbo kuba tenha se desenvolvido a partir do cachimbo d'água (narguilé) da região do baixo conga
(HAMBLY, W.D.; LAUFER, B. & LINTON, R., 1930. p. 181, prancha Ili, item 5).

Referências

CASCUDO, Luiz Câmara. Made in Africa- pesquisas e notas. Rio de Janeiro: Ed.Civilização Brasileira, 1965.
p.179-80.
HAMBLY, W.D.; LAUFER, B. & LINTON, R. Tobacco and lts Use in Africa. Leaflet no. 29. Chicago: Field Museum of
Natural History, 1930. p. 181, prancha Ili, item 5.
PHIPPS, W., William Sheppard. Congo's African American Livingstone. Louisville, Kentucky: Geneva Press,
2002, p. 86.
SCHWEINFURTH, G. The Heart of Africa. New York, Harper & Brothers, 1874 VOL.11 p.14-5.

431
Cachimbos

Cultura: Kuba
República Democrática do Congo
Cabaça e metal
Dimensões:
Afr.000.098a (17cm H x 11 cm L)
Afr.000.098b (20cm H x 9,Scm L)
Afr.000.098c (20cm H x 1O,Scm L)

432
Kuba
O reino Kuba dos "bakuba" surgiu no séc. xvii
numa região delimitada pelos rios Sankuru, Lulua e
REPÚBLICA
DliMOCRATICA
Kasai, no Sudeste de onde hoje é a República Democrá-
DO
1razz~ m p.- CONGO tica do Congo. Os kuba ampliaram seus territórios para
V Kin sh;isa
Mbuji-Maii
outras regiões a partir deste centro comum.
'I
Durante o período clássico da cultura kuba,
o
Lu and a
delicados copos faziam parte da arte de corte do com-
Kolwezi [ plexo cultural kuba. Ricamente entalhados, esses copos
{ Lub mbashi

ANGOLA
-~-J eram objetos de prestígio, utilizados apenas por altos
ZAMBIA dignitários para os quais o vinho de palma era uma das
principais bebidas servidas. Um dos primeiros intelectu-
ais a fazer referências aos copos decorados kuba foi o
antropólogo húngaro Emil Torday (1875-1931 ). Torday
atribuiu a elaboração desses copos aos bakongo (que ele chamou de "wongo"), um povo que reside à oeste
dos bakuba (KOLOSS, H-J., 1990, p.48). Estes exemplares da Cal. Yunes são provenientes da Galeria de Ladis-
las Segy.

Referências

KOLOSS, Hans-Joachim. Art of Central A/rica: Masterpieces from the Berlin Museum Für Võlkerkunde.
New York: Metropolitan Museum of Art, 1990. p.48.
VAUTHIER, René (Ed.) Notes Ethnographiques sur la région du KassaY. La Belgique Coloniale, Vol. 2, No.
42, 1896. p.505.

Conjunto de Copos Kuba


(VAUTHIER, René, 1896, p. 505)
433
Kuba

f
Ki s.anganl
(>.

Os kuba vivem no Sudeste da República Democrática do


llEPÚBLICA
DEMOCRÁTICA
DO
Congo. A técnica de tecelagem entre os bakuba foi intro-
CONGO
duzida por volta da virada do séc. XVI e XVII, antes disso,
MlrujH\toyr
'f. havia o costume de se utilizar basicamente para as mes-
mas finalidade dos tecidos, uma espécie de "tapa", entre-

,º~~
Lu anda
o
casca de árvore batida e processada até ficar com textura
semelhante a um tecido. Uma rica série de duas centenas
ANGOLA
de padrões e inúmeras técnicas femininas de arte no teci-
ZAMBIA
Lu s<:1ka r
do (conhecidas hoje como opliqué, tye dye, potchwork etc)
o \
desenvolvidas ao longo de séculos acabou sendo incorpo-
rados por diferentes povos centro africanos. Tradicional-
mente os tecidos elaborados com padronagem típica, masculina ou feminina, passaram a ser de uso comum,
no entanto, em seu início, a arte de corte com produção de tecidos que eram símbolos de prestígio e de
autoridade, eram também de uso restrito.
A base para a formação do tecido na África Central, particularmente entre os kuba é a ráfia; fibra
vegetal retirada das folhas secas da Palmeira. O processo de fabricação do tecido exige um trabalho em
conjunto. Enquanto aos homens é resguardada a atividade de corte da árvore, amaciamento do material e
a fase do trabalho manual junto à máquina de tear, às mulheres são reservados o trabalho no bordado, a
composição artística e o planejamento dos padrões geométricos a serem criados na estrutura do tecido. No
passado, alguns dessas peças acumulavam a função monetária, especialmente em casos em que funcionava
como dote de casamento ou para pagamentos judiciais, entre outros.

Referências

GILLOW,J. African Textiles. Thames & Houdson Ltd., Londres, 2003.


MACK, J. & PICTON, John. African Textiles. London, 1979.
SIEBER, Roy. African Textiles and Decorative Arts. New York, 1972.

435
Banco

Bancos com padrões geométricos dos mais simples até os mais elaborados foram importante parte da
cultura material africana desde tempos imemoriais. Muitos entre os mais simples, isto é, dos que apresentam
menos aspectos identitários como marcas, grafismos ou modelos originais de design, materiais ou técnicas
específicas, dada a sua grande difusão de longa distância, são de difícil identificação de origem, exceto por uma
tendência ou uma maneira de produzir "ao estilo de" algumas das principais etnias africanas que exportaram
seus objetos de cultura material com maior frequência do que outras. Acrescente-se a difusão de estilos e a
função de troca, isto é, a inclusão do objeto no circuito da reciprocidade, dote e uso cerimonial. Segundo Betty
Kuyk, por exemplo, alguns bancos exclusivos "pertencem à sociedade iniciática entre os grupos lobi, birifo,
bamana, senufo e baulê" (KUYK, 2003, p. 164). Bocola e Bassani, por sua vez, descrevem que, entre as múl-
tiplas ideias não funcionais dos bancos, eles estariam "associados à liderança não só entre os ashanti, mas
entre os bunyoro da Uganda e Ruanda, os luba e os kuba, entre outros" (BOCOLA & BASSANI, 1995, p. 32). A
despeito de seu caráter utilitário, portanto, são resguardadas inúmeros conceitos e tradições relativas a ban-
cos que não nos permitem descartar um potencial valor simbólico intrínseco a cada um deles.

Referências

BOCOLA, Sandro & BASSANI, Ezio. African Seats. New York: Vitra Design Museum; Prestei, 1995. p. 32.

KUYK, Betty M. African Voices in the African-American Herítage. Bloomington; lndianapolis: Indiana Uni-
versity Press, 2003. p. 164.

437
Banco

Cultura: banto (África Central)


República Democrática do Congo/ Angola
Madeira, pele de animal
Dimensões: (29 cm H x 25,5 cm L)
Afr.000.279

438
\ NIGERIA
0
Abu)a
;f~
/~ 1 1 v- Essa peça é uma reelaboração moderna dos kwa-
CAMAflOES ~ nga, bancos tradicionais da cultura kota. Bancos de
PortH arco rt
o ,
M ala~o -e.º ouala<>Yaounde uso exclusivo de dignitários ou com restrições de
uso, como os kwanga, os quais ou bem não são ade-
quados para o uso feminino e de fato alguns "não
eram oferecidos a mulheres" (PERROIS, L., 1986,
p.188)

Trata-se de um banco estilizado produzido em ma-


deira e folhado com uma lâmina de cobre. O espe-
cialista em arte kota Louis Perrois nos indica que é
comum que as gravações cinzeladas em cobre nos assentos kota façam referências aos mesmos tipos
de grafismos contidos nos relicários ancestrais ngulu, nos quais uma infinidade de geometrismos compõem
a plástica desse povo com triângulos, losangos.linhas diagonais, arcos, entre outros motivos resguardam a
identidade kota por meio pictográfico. Os mesmos motivos geralmente eram usados na escarificação.

Referências

PERROIS, L. Ancestor Art of Gabon. from the collections of the barbier-mueiler museum. Transl. francine farr.
Dallas museum of art; Los Angeles County Museum of Art, 1986.

439
luba
rs:mg;:mr
Os Luba vivem no sudeste da Repú-
blica Democrática do Congo. Co-
RfºUBLICA
DEMOCRÁTICA mum entre muitos povos africanos,
' '-J\f ao os apoios para nuca fazem parte
CO GO
r importante do conjunto de peças de
objetos do cotidiano.

No caso dos Luba, os apoio para


l tHm da
o nuca são usados por pessoas de
alta posição social a fim de proteger
ou produzir o penteado. A elabora-
ção de tranças, por exemplo,
pode ocupar horas a depender da complexidade do trançado - o apoio para nuca impede o cansaço de quem
elabora o trançado e de quem é penteado. O uso do encosto para nuca como travesseiro não é excluído de
sua função, já que ele permite a manutenção de intrincados penteados por muito mais tempo.

Referências

KAN, Michael., Detroit Collects African Art, Detroit, 1977, n.187.


OLBRECHTS, F., M., Les Arts Plastiques du Congo belge. Bruxelles, Erasme, 1959, plate XXII, n.11 5.
WARD, Herbert. A Voice from the Congo: Comprising Stories, Anecdotes, and Descriptive Notes, 191 O.

Apoio de Nuca
(WARD, Herbert, 191 O)
441
Apoio de Nuca

Cultura: Luba
República Democrática do Congo
Madeira
Dimensões: (23,7cm H x 17 cm L)
Afr.000.024

442
Tikar

') NIGER
Chefias tikar, do Centro Oeste da
República dos Camarões possuem sua
própria cultura em torno do tabaco e do
rapé (do francês râper"raspar"), modo
de consumir o tabaco na forma de pó,
,NIGERIA
produzido por folhas de tabaco torradas
Abuj~
ti
e moídas que, ao serem inaladas, provo-
cam espirros.
No centro turístico em Moroua, no
Por! Harco~rt Norte dos camarões artesãos promovem
o ;
M ala bo
D ou ala
o. ~Yaound e uma grande gama de recuperação das
práticas manuais na feitura de objetos
do quotidiano de inspiração tradicional.
Cachimbos, caixas de rapé de liga de
cobre, tapa-sexos, colares de contas, entre outros, estão entre os objetos mais comuns promovidos por essa
"renascença" do estilo tradicional. (YAHMED, D.B et al, 2006, p.100) Por sua vez, ainda segundo Danielle Ben
Yahmed (et al, 2006, p.100) no Centro Oeste do país "são os fumban que mantém vivo o artesanado de más-
caras e objetos de cobre e de bronze".

Referências

YAHMED, Danielle Ben, HOUSTIN, Nicole, SEIGNOBOS, Christian & ABWA, Daniel. Atlas du Cameroun. Editions
Jeune Afrique, 2006. p.100.

443
Recipientes de rapé

Cultura: Tikar (Bamenda)


Camarões
Bronze
Dimensões:
Afr.000.299 a-(22cm x 1Bcm)
b- (34,Scm H x 1Sem L)
444
Recipientes para Rapé Mandara

Recipientes de ungentos ou Caixa de Rapé Mandara

Cultura:Nzanyi-Paka
Nigéria/Camarões
Liga metálica, couro e madeira
Afr.000.366
Afr.000.349
445
J<I, _.., rf .f. b .a 1< ft~>L!.. ~
('at(ka

-Pe.. k k a ~ c~./11.bqj._
"""""'b•~ · ~ """' ~ a
/.~. 9 pçf.

"'P&. k k a !>c ~~tt,./t_~


"""-b . . ~ · ~ . . . . . ~ a ~
:/.-#. 9 ~rf.
Desenhos de campo - Recipientes mandara
(Leo Frobenius. 191 O)
Bamum

f
Os bamum vivem no Cen-
) NIGER
l tro-Oeste da República dos Cama-
rões. Eles compartilham com os
bamilequê uma série de caracte-
rísticas estilísticas e símbolos que
são observados em grande parte
de sua arte. Um deles é o motivo
i NIGERIA da aranha tarântula que geralmen-
Abuj:i te aparece sob uma forma abstrata
1j
r ou estilizada, mas quase sempre é
apresentada em série, formando
um interessante contraste geomé-
l trico entre as formas mais retilí-
Por H•m:ol.ld
tJ
Mal bo o.
Dotu1la
i}'l_aq_1.md e neas e as mais curvas do conjunto
de "aranhas" decorativas.

Diferentes objetos de quo-


tidiano da realeza e das chefias ba-
mum são ornamentados com símbolos de poder. "Em bojas de cachimbos em terracota e em latão, por vezes,
figuram aranhas, e elas foram utilizadas também nos tronos como regalias importantes dos reis de Bamum
e Fumban" (ROBERTS & THOMPSON, 1995, p. 50). Segundo Sandro Bocola e Ezio Bassani (1995, p. 177), "nos
Camarões, a aranha é um símbolo de sabedoria e desempenha um papel importante na adivinhação".

A maca ou cama mortuária bamum que aqui acompanha os bancos apenas por associação do grupo
cultural, e não por categoria de objetos, também possui as mesmas aranhas estilizadas na base. Ela servia
como acomodação do corpo falecido para os ritos que antecedem os funerais de chefia bamum.

Referências

BOCOLA, Sandro & BASSANI, Ezio. African Seats. New York: Vitra Design Museum; Prestel, 1995. p. 177.

ROBERTS, A. F. & THOMPSON, C. A. Animais in African Art from the Familiar to the Marvelous. New York:
Museum for African Art, 1995. p. 50.

SEGY, Ladislas. African Sculpture. New York: Dover Publications, 1958. p. 65.

447
Bancos e Maca Mortuária
Cultura: bamum, Camarões
Madeira, Dimensões:
Afr.000.145 (37 cm H x 34 cm L)
Afr.000.135 (38 cm H x 37 cm L)
Afr.000.313 (18 cm H x 39 cm Comp. x 1m, 61 cm L)
448
Bini
:J O KUIQ
D

Gus u,
~ Kano Essa é uma peça contem-
porânea que provavelmente não foi
produzida no interior da cultura bini
_6ENIM 1 K duga NIGERIA B uchl
o moderna e sim em círculos mais
os
amplos de comércio de objetos
Abuja domésticos da classe média ou de
ftClf n
o souvenires turísticos nigerianos.
Ovo
o Trata-se de um baú que revela,
0 1badan entretanto, um rica ornamentação
Porto-Novo Enu gu
que remete às cena de corte tradi-
,..o lagos
Coton ou Olií1sh cionais do antigo Reino do Benin.
Feitos sob encomenda no
CAMARÕES
A
o início do séc. XX, mobiliários e ob-
e>p ort H r court
jetos de uso pessoais foram muito
comuns até meados das décadas
de 1970 e 80 e ,provavelmente,
essa técnica foi desenvolvida a partir da escultura e baixo relevo elaborado em portas, sendo as mais antigas
formas de esculturas em madeira nigerianas datadas do séc. XVIII (HODGE, A., 1982, p.13). São objetos que
ainda estavam dentro do contexto colonial e portanto, as representações mais comuns se relacionavam dan-
ças reais e imaginárias, e cenas do cotidiano, além da figuração de pessoas da aristocracia com seus colares
de conta coral a cobrir todo o pescoço, bem como a figuração de procissões cerimoniais (da realeza) do Reino
do Benin, Nigéria (como é o caso dessa peça em questão). Justamente em função de se encontrar dentro do
espectro de arte popular (ou comercial) colonial ou pós-colonial, esse tipo de objeto tem pertecido de todo
modo ao grupo injustamente desprezado pela historiografia da arte africana, daí a dificuldade de encontrar
exemplares publicados ou estudados.
Este é o segundo exemplar de nosso conhecimento em coleções brasileiras, um outro que já pude-
mos estudar, também com figurações bini remetendo ao antigo Reino do Benin, só que bem mais elabora-
do, pertence a uma colecionadora particular que viveu na Nigéria nos anos de 1970 e hoje está sediada em
Brasília.

Referências

OYELOLA. Pat. Nigerian Crafts. Macmillan, 1981.


HODGE, Alison. Nigeria's traditional crafts: a survey. Ethnographica, 1982. p.13.
NWAJEI, Mazi Godwin & IKPAKRONYI, Simon O. Wood sculptures in Nigeria: a retrospective exhibition of
the works of Mazi Godwin Nwajei. National Gallery of Art (Nigeria); NGA, 2004. p.22.
http://www.ebay.ca/itm/19177 4494909 Acessado em 19 de Setembro de 2018.

449
Baú

Cultura: ao estilo Bini (peça contempor:.tnea)


Nigéria
Madeira
Dimensões: (38cm H x 68,5 comp x 31 L)
Afr.000.1 00
450
Manca la
B obe>
,,
D1oo l.11u o

GUINEA Jogo de estratégia muito comum em toda costa


ocidental e oriental africana. Ele é conhecido com nomes
bem diferentes a depender onde é jogado; por exemplo,
é conhecido como "Oware" entre os ashanti de Gana,
Yam aussoukro
<> como "Gehé" na Tanzânia, "Warri" na Nigéria, "Tchouba"
em Moçambique etc. Há evidências de que esse jogo
foi jogado há mais de mil anos antes de cristo, entre os
Egípcios (WILKINS,S.E.D., p.22).
Mercadores podem ter levado o jogo através
do Nilo a partir do qual se espalhou tanto para a parte
Sul oriental e posteriormente ao ocidente da África e, por fim, do Oeste africano alcançou países como Síria,
Líbano, Índia e Malásia. "Mancala" é uma palavra de origem árabe (usada no Egito, Síria etc) que provém da
palavra "nacala" que significa "mover". Ojogo é conduzido com dois jogadores que "movem" sementes ao
longo de 12 ou mais pequenos buracos, cada movimento é chamado "semeadura" e o objetivo é capturar as
sementes do oponente.

Referências

CULIN, Stewart. Mancala: The National Game of Africa. Coachwhip Publications, 2011.
De VOOGT, Alexander J. Mancala: Board Games. Trustees of the British Museum, 1997.
HANSON, Sue; HANSON, Susan F; John HANSON. All about Mancala: lts History and how to Play. Happy
Viking
Crafts, 2003WILKINS. Sally E. D. Sports and Games of Medieval Cultures. London: Greenwood Press,
2002. p.22.

451
lorubá e somonô

j .d -:! ---..
FASO
Ouogodougou,,
I ~
K nno
As etapas no processo de fabricação dos vasos
o
iorubanos tradicionais basicamente seguem de for-
NIGERIA
ma semelhante o plano geral de etapas executadas
_J'buja
COSTA
00
pelos batia dos Camarões e indicado
MARflM

0
Yamous,aoukro por Gosselain, no seu artigo sobre a tecnologia e
K~maslº
0Abl~on A ccrao
Port Harcourt -
estilo da cerâmica camaronense: 1) extração do
o
M al11bo oOouala
Q
barro; 2) depósito do barro num tronco oco (no caso
dos batia dos Camarões); 3) processo de amassar o
barro úmido; 4) formação da espiral; 5-7) inicio da
criação da forma do vaso a partir de objetos arre-
dondados (uso de fragmento de cabaça entre os batia) 6 e 7) desenvolvimento do fundo curvo; 8) adiç~o de
barro à espiral; 9) dar forma ao exterior do vaso com caule de palmeira; seguindo da forma interior com
um fragmento de cabaça (em função de sua forma arredondada), engrossa-se as bordas e posteriormente
é dada a forma da borda usando uma folha de árvore rikúm (ftcus thonningii Blume) ou de uma bananeira. E
são feitas, por fim, decorações geométricas nas laterais, antes de levá-la ao fogo para a queima (GOSSELAIN,
O., 1992, pp.569-71 ).
As temperaturas, acrescenta Olivier Gosselain "variam muito entre e dentre as queimas; de 450 a
9500(, mas três quartos delas chegam de 600 a 800"'(.(...) As únicas características comuns a todas as quei-
mas são uma taxa de aquecimento rápida e um curto período de exposição a altas temperaturas. O primeiro
é típico de queima aberta, o segundo é típico da técnica de queima utilizada pelos batia e outros grupos onde
os potes são removidos diretamente das brasas incandescentes. Isto tem sido observado regularmente no
Leste, Centro e Noroeste dos Camarões, mas também entre os bakongo e e os teke do Congo, bambuba do
Zaire [atual Rep.Dem.do Congo],ibibio da Nigéria e luchazi de Angola(GOSSELAIN, O., 1992, p.576).
A prática ceramista africana sempre foi uma tecnologia feminina. Segundo Barbara Frank, algumas
das mais intensas, sustentáveis e interdisciplinares pesquisas em cerâmica na Africa está no delta interior
do Níger, aonde a produção de cerâmica permanece como a maior das indústrias (FRANK, B.E., 2007, p.13).
Os Somonô vivem no sudoeste do atual Mali próximos ao rio Níger: Numa descrição de foto
de uma artista ceramista somonô (1983) trabalhando na elaboração de um vaso extremamente parecido
com um dos três vasos somonô da Coleção lvani e Jorge Yunes; a pesquisadora Barbara Frank diz: "As vezes,
uma mulher somonô recebe um recipiente de água espaçoso e lindamente decorado após o casamento, e
ele permanece como uma parte importante de sua casa durante toda a sua vida. Os padrões deste vaso são
impressos com pentes, paus e selos. Embora alguns ceramistas ainda pratiquem essas técnicas demoradas,
os desenhos pintados com tinta deslizante vêm ganhando popularidade nos últimos dias". (Idem, p.14).
O uso do caolin, além de ressaltar as formas dos grafismos se aproveitando de seu fundo mais es-
curo, ele também tem uma função protetiva, já que é utilizado na prevenção de doenças advindas do uso da
água contaminada, como cólera, por exemplo.(AJAYI, O., 1998. p.62).

453
Referências

AJAYI, Omofolabo S. Yoruba Dance: The Semiotics of Movement and Yoruba Body Attitude in a Nigerian Cultu-
re. Africa World Press, 1998. p.62.
FRANK, Barbara E. Field Research and Making Objects Speak. in: Ceramic Arts in A/rica: field research and
making objects speak. Special lssue. African Arts. Vol.40 no.1. SPRI NGS, 2007. p.14.
GOSSELAIN, Olivier P. Technology and Style; Potters and Pottery Among Bafia of Cameroon. Man, New Series,
Vol. 27, No. 3 (Sep., 1992), pp. 559-586 (pp.569-71)

_;,;;,/~
L'é/~ã~
~-..,p~~ -}/ 3/, <(

V 31. P.-
,ZJa.}(k.o.. ....
XajiJ'v/.i.li..

Ceramista somonô Niamoye Nientao - Jenne - Mali Desenhos de campo - Vasos Doka, Nigéria
(FRANK, B., 2007, p.14) (Leo Frobenius, 191 O)
Foto: Adria Violette, 1983

454
Baulê
B o btr,.
Di oulass o
,o- ' Juntamente com Alfred
Scheinberg e Van den Guchten, Anita Glaze é
' uma das maiores especialistas da arte baulê.
Tamale
(>_ -
Ao analisar uma colher, ela comenta sobre
GANA certa "preferência baulê pelos detalhes e pela
execução precisa" (GLAZE, 1989, p. 41 ), que
'
Kumasl
revelam características plásticas comuns a al-
-"'? 1
gumas peças desse grupo. De fato, o cuidado
~ceia estético baulê é observado mesmo em obje-
tos do quotidiano. Não encontramos referên-
cias específicas sobre a função e o uso de co-
lheres com face antropomórfica na sua
extremidade. No entanto, é de se aventar que,
de forma convencional, o uso de colheres de
madeira apenas as associasse à uma função prioritariamente utilitária. Entretanto, excetuando-se as figura-
ções ligadas à aristocracia, podemos distinguir supostamente algum nível de funcionalidade nesse tipo de
colher, seja medicinal, religiosa ou até mesmo alguma outra não utilitária. James Baldwin (1987, p. 25) explica,
por exemplo que, "como a maioria dos africanos, os baulê tradicionalmente comiam com as mãos, mas colhe-
res de madeira decoradas eram usadas em contextos especiais e ocasionalmente por anciãos".

Mas seja qual for a sua função precípua, do ponto de vista do seu "uso" nos museus contemporâneos
no ocidente, como diz Jean Jamin (1985, p. 61 ), "a ideia do objeto-testemunha implica que os objetos estão
em uma relação de equipolência (equipollence), o que significa dizer que uma colher ou um clister [enema]
baulê tem o mesmo valor representacional de uma máscara ou escultura", especialmente quando tratado no
contexto museológico e mesmo na atividade diária de pesquisa.

Referências

BALDWIN, James & WEBER, Michael John. Perspectives: Angles on African art. New York: Center for Afri-
can Art; Virginia Museum of Fine Arts, 1987. p. 25.

GLAZE, A.; SCHEINBERG, A. & GUCHTEN, Van den. Discoveries: African Art from the Smiley Collection.
Krannert Art Museum. llinois: University of Illinois at Urbana-Champaign, 1989.

JAMIN, Jean. Les Objets Ethnographiques Sonti-lls de Choses Perdue? ln: KACHR, R.; HAINARD, J. Temps
Perdu, Temps Retrouvé, Voir les Choses du Passé ou Présent. Nauchâtel: Musée d'Ethnographie, Nauchâtel,
1985. p. 61.

457
Colher

Cultura: baulê

Costa do Marfim

Madeira

Dimensões: (57cmx12,5 cm)

Afr.000.316
458
Baulê

B ob <r,
Di oulass o
,-0 ' Os baulê vivem na parte Centro-Norte da Cos-
ta do Marfim. Eles são um grupo cultural e,
'
iramale portanto, um grupo de saber. Possuem um
o.-
forte mercado de tecidos produzidos ao estilo
GANA tradicional. Algumas máquinas de tear anti-
gas, mecânicas, de pedal, no mundo contem-
'
Kumasi porâneo acabaram sendo substituídas por
1 ,
correlatas mais modernas ou pela dependên-
A cera
o
cia do vestuário vindo da indústria. Quando
isso começou a ocorrer de modo mais siste-
mático, a partir da independência plena da
Costa do Marfim em 1960, antigas máquinas
foram vendidas ou desmembradas. Aqui se vê
um "pente" da máquina de tear tradicional,
pequeno "suvenir" de uma época que está se extinguindo.

Constituída de madeira ao redor de pequenos "pentes" feitos de nervura de palmeira, esta peça era
utilizada pelo tecelão para guiar os fios, que eram embalados pelo pente depois de passada a lançadeira, for-
mando pequenas bandas posteriormente montadas para criar um tecido maior. Esse método de tecelagem
africano caracterizou tradicionalmente os padrões de muitos tecidos antigos. Particularmente a alternância de
bandas ou tiras bicolores (brancas e pretas) ou outras cores, a depender do grupo cultural, localização e época,
cristalizou os "africanismos" na tecelagem das Américas por um certo período também. As máquinas de tear
com pedal vinham de uma influência mediterrânea, saariana e, do ponto de vista regional, na África subsaaria-
na do século X, a partir de Bornu e de regiões onde hoje se encontram países como Chade, Níger, Camarões e
Nigéria - dali, essa tecnologia conquistou toda a extensão da Costa Ocidental (SILVA, 2013, p. 194).

No Brasil, o tecido mais conhecido produzido por essa técnica é o chamado "pano da costa" (com re-
ferência a um tipo de tecido proveniente da costa ocidental africana). Tal como afirma Helo"lsa Alberto Torres
(1950, p. 423) em sua tese sobre a indumentária da crioula baiana, "introduzido na África negra, esse tear
forneceu as bandas de tecido que constituem as vestes e os grandes panos envoltórios do corpo usados pelos
homens em alguns grupos negros sob influência maometana e os panos que o padrão de moral ocidental im-
pôs às mulheres para cobrir o corpo. Dele se originam também as bandas que, no Brasil, se emendavam para
fazer os panos da costa".

Referências

ARONSON, Lisa. To Weave or Not to Weave: Apprenticeship Rules Among the Akwete lgbo of Nigeria
and the Baule of the lvory Coast. ln: COY, Michael William (ed.). Apprenticeship: from Theory to Method and Back
Again. Albany, New York: State University of New York Press, 1989. p. 158.
459
MARC, Alexandre. African Art: the World Bank Collection. Washington D.C.: World Bank, 1998. p. 57.

MUSÉES ROYAUX D'ART ET D'HISTOIRE. Bulletin des Musées Royaux d'Art et d'Histoire, vol. 40-42. Bru-
xelles: Musées Royaux d'Art et d'Histoire, 1968.

SILVA, Renato Araújo. Isto não é magia, é tecnologia: subsídios para o estudo da cultura material e das
transferências tecnológicas africanas 'num' novo mundo. São Paulo: Ferreavox, 2013 . p. 194.

SOUZA, Vanessa Raquel Lambert. O vestuário do negro na fotografia e na pintura: Brasil, 7850- 7890.
Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/11449/86985>. Acessado em: 22 out. 2018.

TORRES, Helo"i"sa Alberto. Alguns Aspectos da Indumentária da Crioula Baiana (1950). ln: Cadernos Pagu,
v. 23, p. 413-467, jul.-dez. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n23/n23a15.pdf>. Acessado
em: 30 set. 2018.

https://www.bruno-mignot.com/ ga leries/ divers-obj ets-usuels/ 481 0-peigne-de-metier-a-tisser-


-baoule-cote-ivoire-objets-usuel.html

http://africa.ubangi.collection.overblog.com/baoul%C3%A9-/-cote-d-ivoire Acessados em Dez. 2018.

Tecelão akan em seu tear mecânico


africa.si.edu
Desenhado por: Jo Moore

460
Polias - África Ocidental

As polias funcionam como roldanas de maquinários na técnica de tecelagem de panos da costa, entre
outros tecidos difundidos principalmente por toda a África ocidental e também na Central, Sul e Oriental. Qua-
se sempre são utilizadas em pares, auxiliando no deslocamento dos fios da urdidura para que as lançadeiras
de linha da trama possam passar. Fora do contexto do recolhimento de material etnográfico em períodos que
antecederam ou durante a implantação do colonialismo europeu na África, nas últimas décadas a procura por
objetos dessa natureza cresceu muito, alimentando o mercado turístico para polias esculpidas com figuras
geralmente "fantasiosas" do ponto de vista da antiga cultura, mas que resguardam aspectos estilísticos de po-
vos africanos que tradicionalmente utilizavam maquinário manual de tecelagem. Os exemplos mais evidentes
nesse grupo de peças recentes é o uso da figuração do pássaro calao, comum entre os baulê e senufo. Omodo
de reproduzir as feições do rosto também remete a congêneres mais antigas.

Referências

MATO, Daniel. Arts ofAfrica: Weaver and Carver. Winnipeg: University of Manitoba, 2001.

LAMB, Venice &HOLMES, Judy. Nigerian Weaving. Hertingfordbury: Roxford Books; H. A. & V. M. Lamb,
1980. p. 129, 141 e ss.

SCHADLER, Karl-Ferdinand. Weaving in Africa South ofthe Sahara. New York: Panterra, 1987. p. 88, 195,

260 e 456.

THE WORLD OF TRIBAL ARTS. San Francisco, California: Tribarts Umited, 1997. [Volume 4]. p. 83 e 199.

463
Pluriarco
Cartão Postal, Mali
Shlomo Pestcoe, 1911

466
Kalimba - Mbira - Sanza - Nelikembe
/. \~~ )r Os mangbetu vivem no Nordeste da República Democrática
i" ~ ;
REPUBLICA
CENTRO
Sudãb
do
l
~
do Congo e, alguns poucos, em Uganda. Seus instrumentos mu-
AFRICANA "sul '\_
sicais abundam hoje em museus Europeus e Norte-Americanos.
.. ~ Um, cuja origem é incerta, mas que se espalhou por todas as
regiões Centro-Sul do continente, é uma espécie de lamelofone
ou "piano de dedos". Trata-se de um instrumento autóctone da
REPÚBLICA
OEMOCfÁTICA parte central do continente africano. Ele ganhou inúmeros no-
~ DO
. uju bUra
CONGO
mes em distintas localidades, tais como "sanza", nome popular
TAf'!~~~ nas regiões zande, kongo, luba, entre outras (PHELPS, 1976, p.
377). É encontrado entre os mangbetu, onde também é conhe-
cido como Nelikembe (YEARBOOK FOR TRADITIONAL MUSIC, 1990, p. 166) e em outros lugares como Kalimba e
Nsasi (GROOTAERS & EISENBURGER, 2002, p. 197 e 603 e OYEBADE, 2007, p. 160). Tem pelo menos seis outras
dezenas de nomes em inúmeras línguas bantas e não bantas centro-africanas. Num estudo pioneiro executado no
início dos anos 1960, J. S. Laurenty identificou 18 tipos diferentes de sanzas, classificadas segundo a forma da
placa sonora e a posição das tiras metálicas, que funcionam como as teclas deste "piano de mão", chamadas "la-
melas". O estudo ainda trouxe a sua distribuição geográfica, entre outros preciosos conteúdos.

Para o grande colecionador belga do lamelofone africano "sanza", Fançois Boulanger, o "interesse em peças
africanas menores, como polias e pentes, sem dúvida contribuiu para o reconhecimento das sanzas como obras de
arte, mas também levou às primeiras tentativas de falseá-las" (BOULANGER, 2011, p. 122). Para a especialista em
arte africana Hermione Waterfield, em entrevista particular, esta peça não possui vincos suficientemente profun-
dos em seus grafismos para ser considerada uma peça autêntica.

Referências

BOULANGER, François ln: BARRIER, François. Chronicle of a Sanza Collector. Tribal Art Magazine. n. 60, XV-
3. p. 120-121, Summer 2011. p. 122. Disponível em: <http://www.tribalartmagazine.com/index.php?content=is-
sue&number=60&macro=2&lang=en>. Acessado em: 7 set. 2018.

GROOTAERS, Jan-Lodewijk Grootaers; EISENBURGER, lneke. Forms of Wonderment: the History and Collec-
tions of the Afrika Museum. Bergen Dal: Afrika Museum, 2002. [Volume 2]. p. 197 e 603.

LAURENTY, Jean-Sébastien. Les sanza du Congo. Annales Sciences Humaines, Nouvelle Série, v. 4, n. 3,
Tervuren, 1962.

OYEBADE, Adebayo. Culture and Customs of Angola. Westport; Connecticut; London: Greenwood Press,
2007. p. 160.

PHELPS, Steven. Art and Artefacts of the Pacific, Africa and the Americas: the James Hooper Collection.
London: Hutchinson [for Christie, Manson & Woods], 1976. p. 377.

YEARBOOK FOR TRADITIONAL MUSIC. lnternational Council for Traditional Music, 1990. [Volume 22].
p. 166.

467
Nelikembe

Cultura: mangbetu?

República Democrática do Congo

Dimensões: (29,Scm H x 17cm L)

Afr.000.392

468
Bwende

O sino de madeira chamado clave ("block" em


inglês) é um instrumento de percussão bastante co-
mum na África. Ressoa um som "oco", por vezes ten-
dendo ao agudo, mas pode ser afinado de acordo com
mmh a abertura de sua campânula de base. Um pequeno
bastonete interno serve de baqueta.

Um instrumento semelhante chamado "dibu"


é amarrado a cães de caça e usado como sino pelos
Babwende da República Democrática do Congo.

Referências

BRINCARD, Marie-Thérese & BOURGEOIS, Arthur Paul. Sounding Forms: African Musical lnstruments.
New York: National Museum of African Art (U.S.); American Federation of Arts, 1989. p. 118.

Musée de Tervueren. "Notes Analytiques sur les Collections Ethnographiques du Musée du Congo: Les
Arts." Annales du Musée du Congo, Vol. 1, No. 1, 1902.

Claves (ou Sinos)

Cultura: bwende

República Democrática do Congo

Madeira, placa de metal e corda de fibra vegetal

Afr.000.1 03a (19 cm H x 19 cm L)

Afr.000.103b (17cm H x 17cm L)


469
"' 11• ]~!>

f ,1, .lrn l//

rnl. riu 10•·

lntrumentos de Percussão
(Musée de Tervueren, 1902)

470
Senufo

B o b o-
Di o ula sso
-O
Os senufo vivem no Norte da Costa do Marfim.
Seus tambores, como os de muitos povos da África oci-
dental e central, são bastantes decorativos. A tradição
GANA
de ornamentação em baixo-relevo dos senufo, aliás, é
MARFIM o.Y a m ou ssou kro Ku masi
-o--
conhecida pela característica que comunga com outros
\
\ A cera
povos, como os baulê e os dogon. Independentemente
<>

dos "objetos de suporte" para essa expressão visual,


tanto os baulê e dogon quanto os senufo resguardam
à escultura as cenas que descrevem mitos de origem,
equilíbrio social e preceitos aos quais todos devem ser
lembrados visualmente. Por outro lado, Anita Glaze (1993, p. 125) diz que "uma comparação de numerosos exem-
plos publicados de tambores de baixo-relevo revela uma consistência em motivos iconográficos e agrupamentos
de imagens que não são acidentais e não podem ser explicados satisfatoriamente pelas vagas referências a 'ani-
mais primordiais', 'assuntos mitológicos' ou 'cenas de guerra', que são típicas da maioria das referências publi-
cadas para os tambores e portas senufo, baulê e dogon. O Instituto de Artes de Tambores apresenta um modelo
exemplar dos temas iconográficos de beleza, elogio, conflito e competição que dominam a escultura em relevo de
tambor senufo". Mesmo assim, ela afirma que os senufo amam intercambiar símbolos do contexto da literatura
oral e das artes visuais. Os tambores com aspectos como a presença de quatro pés de suporte e as cariátides (fi-
guras femininas de sustentação) já foram identificados como "tambores de guerra".

Numa análise superficial do baixo-relevo deste tambor em particular, temos algumas cenas dispostas em
quatro níveis. No nível de base, as cariátides remetem às portadoras dos tambores na associação Poro. A repre-
sentação das cariátides se explica porque, em muitos grupos senufo, tambores Poro são tocados por homens e
carregados por mulheres portadoras (female beareres) (GLAZE, 1993, p. 122). Quanto aos cavaleiros, nas próprias
palavras de Anita Glaze (1993, p.130), "o guerreiro equestre evoca lembranças de 'batalhas de vida e morte' entre
campeões regionais de grande reputação e o uso de 'totens de cura medicinal' ou magia de quem cultiva para
autoproteção e ataque". No terceiro nível, mais acima, máscaras apresentam o "motivo de chifre de antílope, uma
referência direta a instrumentos individuais de poder (yasungo) (GLAZE, 1993, p. 131 ). Por fim, os guerreiros (com
lanças e espingardas) parecem executar uma dança de guerra.

Referências

GLAZE, Anita J. Call and response: a senufo female caryatid drum. Art lnstitute of Chicago Museum Studies,

v.19, n. 2, NotableAcquisitionsatTheArtfnstituteofChicagosince 1980, p.118-133e196-198, 1993.

_ _ _ _ _ _ . Bas-relief Doar. ln: SCHMALENBACH, Werner (ed.). African Art. Munich: Prestel, 1988.

p. 84.

KNOPS, P. lnstruments de musique de l'Afrique occidentale. Bulletin de la Société Royale Belge d'An-
thropologie et de Prehistoire, n. 79, p. 47-48, Brussels, 1968.
471
Tambor

Cultura: baulê / senufo


Costa do Marfim

Madeira e pele animal


Dimensões: (81,0Scm H x 3Scm L)

Afr.000.370

472
Balafon

'MAURITANIA

MALI Os mandinga vivem


em um vasto território da
África ocidental, que hoje
engloba um grande nú-
mero de países, tais como
Mali, Guiné, Costa do Mar-
fim, Burkina Faso, Gâmbia,
Senegal, Serra Leoa, entre
outros. Há várias acepções
para a origem etimológica
do termo "balafon", entre
elas a concepção de que se-
ria a junção de "bala" (madeira) e "fo (falar) (JESSUP, 2008, p. 1).
Mas tanto em regiões africanas quanto nas afro-descendentes esse instrumento e seus congêneres
são chamados de muitos outros nomes: sosso-balla (Mali), mbila ou timbila (Moçambique} e marimba (Amé-
rica Latina). Já em 1353 o viajante marroquino lbn Batuta (1304-c.1368), que esteve no que hoje seriam os
países do Mali, Senegal e Gâmbia, relatou a presença autóctone desse instrumento nessas localidades (JES-
SUP, 2008, p. 3). Cerca de trezentos e cinquenta anos depois, no fim do século XVII, o viajante francês François
Froger (1698, p. 35-36) assim descreveu o instrumento: "o Balafo (SIC) nada mais é que vários tubos (pipes)
de madeira muito dura colocados em ordem, que diminuem pouco e pouco em comprimento, e se unem com
correias de couro muito fino".
No mundo contemporâneo, grandes xilofonistas, desde o malinense Kélétigui Diabaté (1931-2012) ao
jazzista norte-americano Lionel Hampton (1908-2002), entre tantos outros, podem ser considerados à sua
maneira, herdeiros modernos de uma mesma tradição musical mandinga remota.

Referências

FROGER, François. A relation ofa voyage made in the years 1695, 1696, 1697, on the coasts ofA/rica,
Streights ofMagellan, Brasil, Cayenna, and the Antilles, by asquadron ofFrench men ofwar, under the command
ofM. de Gennes. M. Gillyjf.ower et ai. London: Ann Arbor, MI, 1698. p. 35-36.
HIRSCHBERG, Walter. Early historical illustrations of West and Central African music. African Music, v. 4,
n. 3, p. 6-18, 1969.

473
Korá

'MAURITANIA

Comum a todos os
MALI povos de língua mande,
como os soninke do Sene-
gal, os bamana e os marka
do Mali, os díula e os ligbi da
Costa do Marfim, os susu da
Guiné, entre outros, o uso
da harpa na cultura africana
ocidental é milenar e está
ligado aos rapsodos que, ao
longo das cidades que visi-
tavam, cantavam louvores,
mitos e épicos históricos
com a ajuda de instrumentos musicais como a kora. Revestida de uma pele de antnope fêmea que lhe dá um
som característico, a Korá tradicionalmente possui 21 cordas. Adaptações como a chamada "xalam" possuem
no mínimo cinco cordas ou menos, embora sejam técnica e materialmente similares, produzidas a partir de
cabaças, conforme a tradição. Segundo a Enciclopédia Britânica, no verbete "Música Africana": "entre as fontes
escritas mais importantes [do uso da korá] (embora superficialmente analíticas) estão os relatos dos viajantes
árabes lbn Batuta e lbn Khaldun, do século XIV, e dos navegadores e exploradores europeus Vasco da Gama,
Jan Huyghen van Linschoten, entre outros" (ROBOTHAM & GERHARD, 2012).

Referências

ROBOTHAM, Donald; GERHARD, Kubik. African Music. [verbete] Encyclopedia Britannica. Chicago: Bri-
tannica, 2012. Disponível em: <https://www.britannica.com/art/African-music>. Acessado em: 23 out. 2018.
CHARRV. Eric. Mande Music Traditional and Modem Music of the Maninka and Mandinka of Western
Africa. Chicago; London: University of Chicago Press, 2000. p. 9.

475
Harpa (Korá ou Corá)

Cultura: mandinga (África ocidental)

Gâmbia, Senegal, Mali, Guiné-Bissau e Guiné-Conacri

Madeira, couro, cabaça e metal

Dimensões: (74cm H x 31,5cm L)

Afr.000.163

476
Pluriarco

Pluriarco

Origem não identificada

África Central

Madeira e fibras

Medidas: (74cm H x 27cm L x 23 cm Comp.)


477
Pluriarco
Mali
Shlomo Pestcoe, 1911

478
Olifante

Olifante

Cultura: mangbetu

República Democrática do Congo

Marfim e metal

Dimensões: (49cm L x 14,Scm comp. - 11,5 diam. Campânula)


479
LANG, Herbert. Famous lvory Treasures of a Negro King. The American Museum Journal, Vol. XVIII, No. 7, 1918.

480
Escola de Arte de Mushenge.
Eliot Elisofon, 1972

482
Angola - Kissundo Andoulo

A arte popular angolana, embora não deixasse em nada a desejar frente às congêneres tradicionais
que surgiram no período de transição imediatamente anterior e pós-independência, não teve projeção inter-
nacional, a ponto de seus artistas serem pouco ou nada conhecidos e muitas de suas obras ficarem esquecidas
fora da Angola.

Kissundo Andoulo, um desses artistas, traz nestas seis figuras de trabalhadores uma amostra da po-
tencialidade artística e da realidade angolanas do fim dos anos 1950. Roupas modernas de corte europeu se
mesclam com objetos e implementas agrícolas, os quais marcam os saiotes masculino e feminino estampa-
dos ao estilo tradicional angolano e, sobretudo, contrastam com o fardamento, provavelmente de infantaria
do exército colonial português, representado em uma das figuras.

Estas figuras, que aparecem na tradição popular angolana com africanos paramentados com roupas
de estilos europeus, seriam uma espécie de contraponto àquelas estátuas e estatuetas geralmente coloridas
que representam colonos do Oeste africano, especialmente as de cultura baulê, chamadas Mcolon" (STEINER,
1994, p. 148 e STEINER, 1991, p. 42).

Alguns autores identificaram esse tipo Mcolon" de figuras também entre os maconde de Moçambique
(STANLEY, 1989, p. 472).

Referências

STANLEY, Janet. The Arts ofAfrica. an Annotated Bibliography. Atlanta, Georgia: African Studies Associa-
tion, 1989. p. 472. [Volume I].

STEINER, Christopher: African Art in Transit. Cambridge: Cambridge, 2004. [1. ed. 1994]. p. 148

_ _ _ _ _ _ _ _. The trade in West African art. African Arts, v. 24, n. 1, January 1991 ), p. 42.

483
Figuras de Trabalhadores

Kissundo Andoulo -Angola, 1960

Dimensões:
Afr.000.436 (27 cm H x 9 cm L)

Afr.000.437 (28 cm H x 7,5 cm L)

Afr.000.438 (26 cm H x 8,5 cm L)

Afr.000.439 (25 cm H x 8,5 cm L)

Afr.000.440 (26 cm H x 7 cm L)
484
Mambila e turkana

~j
J NIGER
Bonecas de fertilidade da arte
popular dos mambila dos Camarões
fazem parte de uma herança cultural
centenária, passada de geração a ge-
ração, que valoriza a abundância de
filhos como a verdadeira riqueza que
os seres humanos podem almejar. É
,NIGERIA por isso que as bonecas de fertilida-
Ab11j de ganham destaque, sejam como
1J
brinquedo, sejam como objeto propi-
ciatório à gravidez. Elas são transpor-
tadas atadas junto ao ventre da mãe
r
Pod Harco~rt pretendente. Sua função paralela se-
~ (

ria ainda a de exercer fascínio como


meras bonecas para deleite das me-
ninas em suas brincadeiras (DeMARET & SIDERA, 2017, p. 18). Dessas peças derivam ainda outras que, sem
uma função no sistema social tradicional, fazem parte do circuito mercadológico dos objetos da arte popular
vendidos em feirinhas locais para turistas.

Também os turkana do Quênia desenvolveram essa cultura de bonecas relacionadas à propiciação da


fecundidade. A pequena peça Ngide, por exemplo, aparece com pernas que tomam a forma abstraída do pênis;
poucas bonecas chegam a ter uma representação do pênis tão facilmente identificável quanto essa. Geral-
mente as pernas são esculpidas até a parte do joelho. Sejam do tipo Gudza, Ngide ou lkoku, os turkana admi-
tem que as bonecas são elementos preciosos de sua cultura popular, por isso as mantêm até hoje.

Referências

DeMARET, Pierre &SIDERA, lsabelle. Poupées sur Métapode de Ruminant. Quand des exemples africains
contribuent à l'interprétation de la maternité dans l'art d'Afrique noire. [Exposition, Paris, Salon du Vieux-Co-
lombier de la Mairie du 6e Arrondissement, 15 janvier - 2 mars 1999, Marcy-l'Étoile, Château de la Poupée, 12
mars - 18 mai 1999].

MASSA, Gabriel. Vestiges archéologiques d'autres continents. Afrique: Archéologie et Arts, CNRS - UMR
7041 (Archéologie et Sciences de l'Antiquité -ArScAn), p. 9-20, 2015.

485
Bonecas de Fertilidade

Cultura mambila

Camarões

Terracota

Dimensões:

Afr.000.361 a-d (de 11cma13 cm H x Sem a 6cm L)

Boneca (Figura do Centro da Imagem)

Cultura: turkana

Quênia, Terracota

Dimensões:

Afr.000.177 (24cm H x 1Sem L)

486
Crububu ou kobubu

Os tikar (também chamados ba-


j NIGER
menda) vivem no Centro-Oeste da Repú-
blica dos Camarões. Essas representa-
ções camaronesas já foram associadas a

J_<:mo
-- grupos como os bedzan, bakola-bagyeli
e os baka, pejorativamente chamados no
NIGERIA passado de pigmeus e estas seriam as
suas representações em formato de bo-
necos. Ofato é que os bedzan, por exem-
plo, também falam tikar. Embora o seu
1
Pog H;m:ci-urt
relacionamento com as tradições ances-
M,ala b o
D ou :ira
o. J>'lao_unde trais e seu respeito pela floresta tenham
resistido parcialmente ao contato com
povos de origem banta da planície Tikar,
eles se mesclaram geneticamente.

Objetos da arte popular camaronesa como estes também se revestem das crenças e valores do pas-
sado. A noção de fertilidade que envolve a gravidez e o uso de determinadas joalherias ligadas à abundância
e à fecundidade aparecem nas elaborações artísticas dos tikar, resultando no que é chamado no Ocidente de
"boneca de fertilidade" (também conhecidas como "kobubu" entre alguns dos diferentes grupos que formam
os povos tikar). Avner Shakarov e Lyubov Senatorova nos indicam que "os tikar esculpiam figuras de madeira
para representar o espírito dos pigmeus, sabidamente os primeiros ocupantes da região, e acreditavam que
tais espíritos ofereciam proteção e fertilidade" (SHAKAROV & SENATOROVA, 2015, p. 83).

Referências

BARBIER, Jean-Claude. Les Pygmées de la Plaine Tikar au Cameroun. Yaoundé, Cameroun: lnstitut des
Sciences Humaines; ONAREST, 1978.

SHAKAROV, Avner & SENATOROVA, Lyubov. Traditional African Art: an lllustrated Study. North Carolina:
McFarland & Company, lnc., Publishers, 2015. p. 83

487
Bonecos de Fertilidade kobubu

Culturas: tikar / mambila

Camarões

Terracota

Dimensões: (18 cm H x 1Ocm L)

Afr.000.298 a-d

488
Glossário

Arte africana - Seria impossível falar em poucas palavras sobre as múltiplas acepções do termo, não só pelo
número de estudiosos que já se debruçaram sobre ele, mas ainda pelas diferenciações que essa "arte" pas-
sou ao longo de sua história. Tradicionalmente, os povos produtores de tais manifestações técnicas e artís-
ticas não encaravam seus objetos como arte, muito menos como meros objetos funcionais, religiosos ou de
contemplação. O termo fon do Benin para "arte" é "alonuzo", que significa literalmente "algo feito à mão";
para os ewe do Togo, "adanu" pode significar "arte, técnica, ornamentação" etc. Como explica Rosal inda Ha-
ckett (1999, p. 8), "para alguns povos a ênfase está mais no processo de construção [artística], como no caso
dos akan e entre os [de língua] edo, enquanto para outros, tais como os bamana do Mali, arte é algo que atrai
a sua atenção, foca o seu olhar e dirige os seus pensamentos".

O termo tem sido utilizado no Ocidente para incorporar uma extensa tipologia de objetos da cultu-
ra material saariana e subsaariana, tais como máscaras, esculturas, armas, instrumentos musicais, objetos
religiosos, ferramentas de construção, de caça ou de pesca, utensílios de uso quotidiano como cestaria,
tecelagem, cerâmica etc. Em sua história no Ocidente, o termo "arte africana" particularmente se referiu a
peças produzidas por países colonizados ou com trabalho de campo nas áreas de arqueologia, etnologia e
antropologia, sendo coletadas na África - principalmente máscaras e estatuetas - e levadas para a Europa
por motivos distintos ao longo dos séculos XV ao XX, com continuação tardia em outros países do mundo no
século XXI. Podiam se tornar presentes para clérigos e aristocratas, objetos exóticos para gabinetes de curio-
sidade, objetos etnográficos, colecionáveis ou mercadológicos etc.

De início, o termo foi utilizado no século XIX como sinônimo de "artes industriais", como eram cha-
mados os objetos etnográficos à época (SCHWEINFURTH, 1875). Posteriormente a "arte africana", selecio-
nada pelas máscaras contidas nos museus parisienses, passou a ter as formas compreendidas como "arte
primitiva" ou "arte negra" por jovens artistas modernistas, que assim a denominaram na Europa. Por fim,
teóricos importantes como Leo Frobenius, Felix von Luschan, Emil Torday, D. W. Webster, entre outros, inicia-
ram o projeto de sistematização de dados sobre objetos africanos, tomados ora como etnografia, ora como
manifestações artísticas, ora como ambos1 • Esses teóricos pioneiros davam ênfase à antropologia, história,
arqueologia, sociologia, tradições orais e cosmogonias, enquanto outra geração enfatizava a tecnologia, o
design e estudo de aspectos da produção formal dos objetos desses povos, tais como Matvei"-Markov, Carl
Einstein, Man Ray e Roger Fry. Outros ainda mesclaram esses dois tipos de abordagens, como por exemplo
Apollinaire e Mário de Zayas.

Para além da contribuição dos teóricos, tem-se destacado a importância dos colecionadores para o
surgimento e fixação do termo "arte africana". Nomes de curadores ou colecionadores como Eduard Von der
Heydt, Paul Guillaume, Félix Fénéon, Charles Raton, Louis Carré, Alfred Stieglitz, Stewart Culin, Albert Barnes

1 Entre os teóricos alemães injustamente esquecidos, citamos: Paul Germann (1884-1966), antifascista que ajudou a criar o Museu
de Etnologia em Leipzig e defendeu seu doutorado em 1911 sob o título: "Das Plastisch-fi.gürliche Kunstgewerbe im Grasland von
Kamerun" (As artes plásticas-figurativas e o artesanato no Grassland dos Camarões; Ernst Grasse, que escreveu ainda em 1894 Die
Anfãnge der Kunst ("O princípio da arte''), apresentando uma metodologia comparativa etnológica aplicada à história da arte que já
apontava para uma universalização das formas artísticas mundiais - esse método foi melhor desenvolvido posteriormente por Herta
Haselberger (1961), que retirou toda carga positivista e exaltou a necessidade de interdisciplinaridade nos estudos de arte etnológica
- ; K. Woennann, que escreveu em 1904 "Geschichte der Kunst alter Zeiten und Volker" (1904) "A história da arte de outras regiões
e povos";August Schmarsow (1953-1936), pioneiro entre os teóricos da indiferenciação e inclusão artística dos objetos etnográficos
que chamamos hoje de equipolência (BALDWIN & WEBER, 1987. p. 25); entre outros que ajundaram a compor o início desse
esparso, mas precioso quebra-cabeça das artes ditas não europeias.
489
e André Breton devem ser destacados. Cada um ao seu modo teve um importante papel na fixação do termo
tal como o utilizamos hoje. Análises "estéticas" da que chamamos atualmente de "antropologia da arte" e
a crítica do que foi chamada de "arte etnográfica" conduziram a percepção desses objetos pelo estudo sis-
temático da variação técnico-estilística e estudos comparativos entre os grupos (cf. HIMMELHEBER, 1960 e
HASELBERGER, 1961).

A nova e preciosa geração de Eckhart Von Sydow, Marcel Griaule, Leon Underwood, Michel Leiris,
Paul Wingert, Paul Radin, Janheinz Jahn, Werner Schlamenbach, Roy Sieber, Himmelheber, William e Bernard
Fagg, Douglas Fraser, Herta Haselberger, Margaret Trowell, J. A. Danford, Carl Kjersmeier, Georges Balandier
e Bob Thompson, entre tantos outros, finalmente dá corpo aos sentidos da arte africana, fazendo-a ganhar
espaço nas universidades já nos anos 1950 e 1960. Ultimamente temos observações pós-colonialistas, se-
guindo caminhos pan-africanistas ou não, mas com ênfase fora dos círculos da compreensão da arte afri-
cana de "gabinete", na função da história e literatura orais, livros vernaculares e nas abordagens holísticas
de certa arte africana gratificada pelo seu passado teórico, mas em busca de uma nova "descolonização"
progressiva e integral. Seus autores seriam Denis Williams, Ekpo Eyo, Rowland Abiodun, Theóphile Obenga,
Amadeu Hampâté Bâ, Harris Memel-Foté, Abdou Sylla, Kwasi Viredu, Kwame Appiah, Valentin-Yves Mudim-
be, Rasheed Araeen Chika Okeke-Agulu, Okwui Enwezor, Soly Cissé, entre outros.

Num contexto genérico dada a importância histórica, são universalmente consideradas "artes afri-
canas" todo e quaisquer objetos de culturas escavadas arqueologicamente, mas de periodização recente,
isto é, a partir do fim do período neolítico em diante, tais como Nok (2500a.C- 400d.C.), Djenne-Jeno (250a.
C.-900d.C.) lgbo-Ukwu (séc. IX), Grande Zimbabwe (séc. XI-XV) etc. Na atualidade, controvérsias à parte, o
termo "arte africana" também pode se referir a um conjunto de objetos (f)utilizados ou não, mas elaborados
formal ou tecnicamente a pretexto de objetos mais antigos. Como exemplo, citamos a maioria dos objetos
aqui relacionados e todos aqueles executados em períodos coloniais e imediatamente posteriores às inde-
pendências dos países do continente ou, segundo alguns, além desse período. Incluir-se-ia assim alguns
daqueles objetos (como máscaras e esculturas) utilizados no contexto de modernização africana (para es-
pectadores turistas ou não) desde os anos 1960 até hoje (REA, 2008, p.10). Ficariam de fora desse conjunto,
portanto, desde os objetos pré-históricos africanos - pinturas rupestres, ferramentas líticas ou metálicas (an-
terioras à expansão banta), ou quaisquer formas de arte da antiguidade histórica-; bem como os objetos da
África Proconsular ou mediterrânea suprasaariana; tanto quanto os objetos e obras produzidos no contexto
da arte contemporânea africana, especialmente aqueles que se utilizam da linguagem cosmopolita da arte,
dita "universal", tal como foi desenvolvida após o Renascimento, e obteve seu ápice durante o academis-
cismo europeu e suas posteriores mutações com a arte moderna, pop e pós-moderna etc. (WILLETI, 2017,
244-294).

Assentamento -Altar de culto ancestral ou de divindades, santuários, casas-templo ou um pequeno espaço


selecionado como sagrado e geralmente localizado numa região florestal afastada das vilas e cidades ou em
regiões de passagens (THOMPSON, 1993).

Associação - Chamadas antigamente na literatura antropológica de "sociedades secretas", as associações


são organizações de poder político e/ou religioso responsáveis pelo controle social, organização jurídica, me-
diação de conflitos, "senado", mediação entre a população e as chefias ou reis, desempenho de cultos ou ser-

490
viços públicos e privados, tais como funerais de seus membros e de altos dignitários, entre outras atribuições
especificas de acordo com cada grupo cultural. As associações podem ser masculinas, femininas ou mistas,
ainda que as mistas possam ter rigorosa divisão de tarefas por gênero. Dentre as associações africanas mais
conhecidas no ocidente estão: associação feminina Gue/edé; associações masculinas Ogboni, Oro e Egungun,
que são iorubanas; associação masculina Poro e femininas Sande e Simo, da Serra leoa e de diferentes povos
do oeste africano; as várias "sociedades leopardo", como a Ekpe do Estado de Cross River, no sul nigeriano,
Zangbeto no Benim, Nyau do Malawi Central e da Zâmbia Oriental etc. {BUTI-THOMPSON, 2013).

Banto (bantu) -Ao contrário do uso popular no Brasil, o termo "banto" não descreve uma etnia singular nem
uma única língua, mas um tronco cultural e sobretudo linguístico de povos do centro-sul africano relaciona-
dos histórica ou linguisticamente entre si. O termo é um neologismo que foi tomado da junção do prefixo
"ba" {uma das formas do plural "os") e "ntu" ("povo", "ser humano"), de "muntu" (pessoa), nas línguas do-
ravantes denominadas "bantas". O linguista Alemão Wilhem H. Bleek {1827-1875), levantou essas hipóteses
de filologia histórica, confirmadas posteriormente pela arqueologia, ao analisar a formação do plural e outras
características linguísticas comuns a centenas de línguas do centro-sul africano, então consideradas isola-
damente, mas nas quais se demonstrou parentesco filológico provando as suas correspondências em nível
linguístico. Sua história, expansão territorial e localização geográfica foram estudadas por diversos autores.
Merrick Posnansky, C. C. Wrigley e outros levantaram hipóteses sobre a difusão banta de técnicas de agricul-
tura ou a tecnologia do ferro pelos territórios por eles explorados. Essa expansão, saída da região onde fica
hoje a fronteira da Nigéria com os Camarões, ocorreu em fases que duraram cerca de dois a três mil anos no
total, entre o primeiro milênio antes de Cristo até cerca de meados do século XIX (EHRET, 2001, p. 6).

Não há uma noção identitária ou de unidade político-social entre os banto, já que são povos distintos
com centenas de línguas e dialetos falados por centenas de milhares de pessoas, englobando quase trinta
países diferentes e, provavelmente, mais da metade da África subsaariana. Esses grupos deixaram imensas
raízes nas américas e particularmente no Brasil, sendo a maioria absoluta dos africanos aportados no Brasil
são originários de povos banto.

Caçadores-recoletores - Pequenos agrupamentos humanos que, com economia de subsistência, não prati-
cam extensamente a agricultura e a criação de animais. Em vez disso, vivem sobretudo da pesca, da caça e
da coleta - ou da "recoleção" de produtos e recursos naturais.

Caolin (kaolim) - Pó esbranquiçado originado de argila. A literatura etnográfica já identificou inúmeros usos
do caolin: embelezamento de altar; camada de poder protetivo contra feitiçaria entre os bakota do Gabão;
pureza, prosperidade e paz entre os Bini do antigo Reino do Benin, na Nigéria (HACKETT, 1999); método
bactericida em vasos d'água dos somonô da Nigéria (AJAYI, 1998, p. 62); e até como índice de ancestralidade
quando colocado no rosto e no corpo de sacertotes e iniciados, nas máscaras, esculturas, entre outros usos.

Cariátide - Do grego karia'tis (pi. Karia'tides). Juntamente com colunas humanas, o uso de cariátide ocorre
com alguma frequência na arte centro-africana, dos Camarões e da Nigéria e na arte de outros povos da
África ocidental. Observam-se figuras femininas como suportes formais e simbólicos em cadeiras, bancos,
491
totens, vigas e colunas de santuários etc. Um dos exemplos de cariátide mais difundidos no Ocidente é a figu-
ração feminina como suporte dos apoios de nuca e nos bancos da realeza dos tuba da República Democrática
do Congo.

Cera perdida (Cire Perdue) - Técnica de fundição de metais conhecida na África subsaariana pelo menos
desde 800 d.e. (JONES & VOGEL, 1975, p. 182). Consiste resumidamente em três etapas: a) elaboração do

relevo de escultura na cera; b) aplicação de argila ou material semelhante sobre a figura em relevo, afetando
em negativo a aplicação; c) inserção do composto em fornos com as sequências: 1) derretimento ou "perda"
da cera; 2) inserção do metal fundido no lugar em que antes estava a cera, assimilando a aplicação negativa
e recriando o relevo no metal; 3) secagem e quebra da argila, que revela a imagem em metal idêntica a an-
teriormente elaborada na cera. Considerações sobre modelos autóctones africanos do uso da técnica estão
ainda em debate, mas é certo que o seu desenvolvimento não dependeu da relação da África em seu conta-
to com o Ocidente. Segundo Miller e Merwe (1994), conjuntamente ocorreram três formas independentes
de introdução da metalurgia na África: a) a partir do norte, durante o segundo milênio antes de Cristo - ou
mesmo antes -, por via do Nilo, com heranças das tradições metalúrgicas da África oriental; b) pela via do
Saara, com heranças das tradições metalúrgicas do Níger; c) pela via ocidental, difundindo a metalurgia pela
costa Atlântica do continente.

Circuncisão - Ligada a um número diversificado de crenças religiosas, razões médicas ou culturais, a retirada
cirúrgica do prepúcio- ou parte da pele- que cobre a glande do pênis (circuncisão) ainda ocorre em mais de
uma dezena de países e em centenas de grupos culturais centro-orientais africanos, seguindo parcialmente
a tradição de ritos iniciáticos antigos (WAGNER, 1949). Ela foi desenvolvida em vários grupos africanos e não
africanos por motivos diversos, desde uma marca identitária à iniciação ou motivos religiosos. Muitos povos
africanos praticam a circuncisão, entre eles, os ovimbundo, bayaka, ewe, dogon, ashanti, entre centenas de
outros (MAZRUI, 2004, p. 93). A circuncisão se mostrou um método de diminuição de casos de infecção por
HIV em homens heterossexuais na África, passando a ser incentivada por órgãos internacionais (OKONOFUA,
2014, p. 63).

Clitoridectomia - Ver: "mutilação genital feminina".

Conjunto multimídia - Conjunto de meios artísticos variados para apresentação de objeto - geralmente
máscaras, mas também estatuetas -, utilizando-se, no caso das máscaras, a parte em madeira ou metal,
tecidos, fibras vegetais, couro, adornos e pinturas corporais, música, dança, entre outros elementos (BLIER,
2004, p. 17).

Cubismo - Movimento artístico de vanguarda europeu que deve uma parte do seu desenvolvimento teóri-
co-prático à observação de obras etnográficas de povos africanos, indígenas norte-americanos e asiáticos
tropicais. Entre os principais artistas estão Pablo Picasso, Georges Braque, Juan Gris, Jean Metzinger, Albert
Gleizes, entre outros.

492
Culto aos antepassados - Forma de honra manifestada aos ancestrais por meio de ritos, uso de máscaras e
esculturas ou outras práticas religiosas, seja como adoração ou valorização dos que já faleceram (manismo),
seja como continuidade post mortem da subordinação político-ideológica aos mais velhos (gerontocracia).

Dinheiro tradicional - Objetos naturais ou manufaturados utilizados em trocas ou em transações correntes


para o pagamento de bens e de serviços. Tais como: sal, barras metálicas, cauris (popularmente conheci-
dos como "búzios" no Brasil), gado, contas de colares, cruzetas da África central, tiras em tecido, panos ou
vestuário etc. Todos esses objetos historicamente já serviram como dinheiro na África pré-colonial. O dinhei-
ro tradicional já foi chamado no passado de "dinheiro primitivo" (EINZIG, 1966).

Dote - Forma de contribuição familiar, por vezes obrigatória, no pagamento para a outra família para efeti-
vação do matrimônio. Quantia determinada em bens, serviços ou dinheiro.

Enxó- Pequeno instrumento semelhante a uma enxada com cerca de 30 cm a 60 cm utilizado para esculpir,
talhar ou aparar a madeira. A maior parte das esculturas, estatuetas, mobiliário e outros objetos do quotidia-
no africano tradicional eram talhados com enxós.

Escarificação - Cicatrizes na pele que servem como indicadores de identidade e hierarquia de seu portador.
Essas mesmas marcas tradicionais feitas cirurgicamente na pele por alguns povos africanos, geralmente inal-
teradas, eram replicadas em algumas de suas esculturas e máscaras.

Estatueta - Pequena figura antropomorfa ou zoomorfa que representa uma divindade, um ancestral, um ser
mítico, animal ou híbrido com status cultural, simbolismo ou poderes especiais.

Família estendida - Para além da família nuclear típica no ocidente, com pais e filhos, a família estendida é
regra em muitos povos africanos e inclui os tios (como se fossem pais), as noras (como se fossem mães), os
primos (como se fossem irmãos) e os avós como patriarcas e matriarcas, muitas vezes donos da casa onde
todo esse grupo familiar estendido reside. Dito isso, fica óbvio o eurocentrismo da noção de "estendido" que
não aceitaria jamais que a familia nuclear típica do ocidente fosse considerada uma "família comprimida".
Em todo o caso, este termo permanece inalterado em praticamente toda a literatura antropológica atual.

Fetiche - Objeto ao qual é atribuído um valor, importância ou poder geralmente mágico ou sobrenatural. No
sentido histórico, o fetiche foi associado ao animismo. Do latim ''facticius" provém o termo "fictício", ou seja,
"artificial", que em português se tornou "fetiche/feitiço" ou "coisa feita". Para a maior parte dos viajantes
pré-coloniais e coloniais, bem como para uma parte dos etnógrafos até o início do século XX, obras africanas
como estatuetas e objetos protetivos eram consideradas "fetiches" - sinônimo para objetos de poderes má-

493
gicos protetivos, benéficos ou maléficos, mas quase sempre erroneamente associados à práticas de feitiçaria.
Questionado por Maurice Delafosse (1901, p. 29-30) desde pelo menos o início do século passado, que cha-
mou o fetichismo aplicado aos objetos africanos de "absurdo", o termo logo caiu em desuso, apesar de por
vezes ser mal empregado no senso comum.

Força vital - Quando aplicado a grupos culturais, o termo não tem relação com o vitalismo bioquímico nem
à teoria da produção de matéria orgânica por organismos vivos. Força vital, na antropologia, diz respeito a
um princípio do vitalismo religioso e filosófico segundo os quais há uma energia vital universal que pode ser
evocada, operada, mantida ou aumentada de acordo com certas práticas culturais e fé. O termo para "força"
ou "energia vital" na china é "Qi" (pronuncia-se "chi"); o termo semelhante entre os iorubanos da Nigéria é
"axé" (À~e).

Griot - Poeta, músico e rapsodo que canta os grandes feitos e mitos do passado. Dotado de grande memória
e conhecimento, os griot por vezes iam de cidade em cidade da África Ocidental, transmitindo os valores
morais e culturais para pequenas multidões empolgadas que retransmitiam o saber adquirido por via oral.
(ver: História oral)

História oral (literatura oral) - Conjunto de saberes históricos, sociais, musicais, religiosos e culturais em ge-
ral transmitidos oralmente por gerações. Música, prosa, versos, lendas, mitos e fatos históricos tem sido os
meios e temas utilizados pela história oral para a transmissão das culturas africanas tradicionalmente.

Iniciação (rito iniciático ou rito de passagem) - Momento de transição entre um período da vida para outro.
Geralmente há inúmeras iniciações. As mais comuns sempre foram a passagem da infância à adolescência, a
entrada em alguma associação, o rito religioso ou a tomada de cargo dentro de grupos iniciáticos.

Matrilinear/patrilinear (matriarcal/patriarcal) - As diferenças entre os termos matrilinear e matriarca! ou


patrilinear e patriarcal são muitas. Matrilinear diz respeito à transmissão da linhagem, filiação e, muitas ve-
zes, de bens por meio da linhagem da materna. Matriarca! é o tipo de poder político, religioso ou ambos nas
mãos de uma ou mais mulheres. Patrilinear, por sua vez, diz respeito à transmissão da linhagem, filiação e,
muitas vezes, de bens por meio da linhagem paterna. Por fim, patriarcal é o tipo de poder político, religioso
ou ambos nas mãos de um ou mais homens. Com a ressalva de acepções mais modernas em que se inclui na
noção de poder político patriarcal o poder masculino sobre a mulher, o que não se generaliza nas sociedades
patriarcais - em algumas, o papel feminino nem sempre era necessariamente subalterno nas principais cir-
cunstâncias, valendo o mesmo para as sociedades matriarcais em relação aos homens.

Mutilação dentária - Escultura na dentição com objetivos culturais ou religiosos na qual se limava ou retira-
va dois ou mais dentes. A corruptela "banguela" - que no português do Brasil significa "pessoa sem os dois
dentes da frente ou algum dos dentes" - provém do termo "benguela", do porto de onde provinham povos
da atual Angola e interiores do Reino do Congo, tratados como escravos no Brasil e que tinham como prática

494
cultural a retirada dos dentes da frente em rito iniciático. Alguns povos banto e também bambuti serram
os dentes para se parecerem com presas de animais (cf. (CASCUDO, 2002, p. 160 e LIRYO; SOUZA & COOK,
2011).

Mutilação genital feminina - Envolta em grandes debates atualmente, a mutilação genital feminina consiste
na retirada cirúrgica da ponta ou de todo o clitóris, geralmente feita por razões religiosas e culturais, mas
que foram consideradas machistas e está sendo pontualmente erradicada na atualidade. Embora seja uma
prática que tem diminuído, a Organização Mundial de Saúde estimou em 1998 que 135 milhões de mulheres
tinham sido submetidas à prática - cerca de 2 milhões por ano (ORSHAN, 2010, p. 258).

Nganga - Sacerdote ou curandeiro típico da África Central que não é necessariamente chefe, mas com poder
e autoridade relacionados ao conhecimento medicinal.

Nkisi - No português brasileiro, "inquice" refere-se às divindades do candomblé de origem banta (candom-
blé angola), e divindades da África Central (Congo e Angola). Na história da arte africana o termo foi utilizado
para estatuetas chamadas convencionalmente de "figuras de poder", identificadas como "fetiche"*, e envol-
to em inúmeros mistérios, como o uso de objetos metálicos inclusive no interior da estatueta de madeira.
Uma das funções dos nkisi seria o uso benéfico medicinal, mas não se restringe a isso (MACGAFFEY, 2000, p.
84). Enid Schildkrout (1998, p. 228) considera o termo "figuras de poder" impreciso para os nkisi.

Olifante - Relacionado a "elefante", é um termo europeu medieval para trombetas, trompas ou chifres sono-
ros de caça feitos geralmente em marfim e utilizados na Europa, África e Ásia (FAGG, 1959).

Ráfia - Fibras vegetais produzidas a partir das folhas de palmeira ressecadas. Inúmeros usos da ráfia foram
registrados, desde vestuário, adorno, elementos decorativos em máscaras ou joias protetivas.

Relicário - Termo utilizado no ocidente para objeto que serve para guardar alguma relíquia de um santo
(tufos de cabelo, pedaços de vestimentas, algum objeto que pertenceu a ele(a). Do ponto de vista etnológico
relicário seriam figuras esculpidas em madeira ou fundidas em metal e depositadas em santuários, templos
ou cemitérios que seriam consideradas guardiãs de ossadas de ancestrais.

Regalia - Emblema, apetrecho usado no corpo para indicar realeza ou conjunto de símbolos que identificam
autoridade. Esse termo é pouco usado para sacerdotes, chefes, guerreiros e membros de associações, para
os quais o termo correspondente seria "parafernália". Regalia seria mais corretamente utilizado para o con-
junto de símbolos usados por reis, rainhas e demais pessoas da alta aristocracia.

Ritual- Conjunto de práticas (atos, gestos ou símbolos) religiosas ou não que seguem um padrão preestabe-

495
lecido e têm um fim comunitário.

Sociedades secretas - Termo da antropologia que caiu em desuso após as primeiras críticas teóricas em
relação ao seu conceito, a partir da virada das décadas de 1950 e 1960. Agrupamentos cujas atividades e
ritos internos eram considerados secretos e adquiriram essa conotação generalizante e por isso o termo foi
substituído. Ver: "associação".

Tribo - Unidade de subsistência. Termo bem empregado quando se refere a grupos culturais horticultura lis-
tas, agricultores e pastores tradicionais ou caçadores-recoletores milenários que criam ou caçam e pescam
animais para subsistência. São grupos de até cerca de cem pessoas com literatura oral e língua e práticas
culturais em comum, alguns com comércio de escambo local dito "intertribal", mas não de longa distância.

Alguns termos já abandonados pelas ciências humanas

África branca e África negra - Uso preferível: África do norte e subsaariana, respectivamente.

Primitivo - Em oposição a "civilizado", às vezes substituído por "primordial" ou, mais comum, "tradicional".

Sociedades secretas - Uso preferível: associações.

Tribo - Por oposição a sociedade ou Estado. O uso do termo "tribo" é restrito, adequado apenas para povos
com economia de subsistência ou caçadores-recoletores, e não a cidades, reinos ou impérios (como na maio-
ria dos grupos de afinidade africanos).

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513
Non, mihi si linguae centum sint, oraque centum, ferrea vox, omnis scelerum
comprehendere formas, omnia poenarum percurrere nomina possim.
Virgílio - (Eneida, livro VI, verso 625).

Mesmo que tivesse cem línguas, cem bocas e voz de ferro, eu não poderia enu-
merar todos os tipos de loucos, nem todas as formas de loucura.
Virgílio - (Eneida, livro VI, verso 625).

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