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Rio Claro
2009
Elise Mazon Albejante
Rio Claro
2009
572.7c Albejante, Elise Mazon
A328w Wari’ : corpo iguais, culturas diferentes / Elise Mazon Albejante. -
Rio Claro : [s.n.], 2009
99 f. : il., figs., tabs., fots., mapas
Figura 1: Mapa com a área de ocupação dos Wari' entre as décadas de 1920 e 1960
(Dados dos locais habitados pelos wari’ a partir do etnomapa confeccionado por
Vilaça, 2006)........................................................................................................................... 18
Figura 2: Mapa com as Terras Indígenas Atuais.............................................................. 24
Figura 3: Casa tradicional Wari'. (Retirada de PAM CAMEREM, 19??). ..................... 28
Figura 4: Cama tradicional dos Wari' (Retirada de PAM CAMEREM, 19??)............... 28
Figura 5: Campo de futebol com casas ao fundo, Sagarana, 2009 (Foto: Luiza
Teixeira Bussius) ................................................................................................................... 29
Figura 6: Foto de uma casa Wari' atual, Sagarana, 2009 (Foto: Elise Mazon
Albejante) ................................................................................................................................ 29
Figura 7: Na esquerda, mulher cuidando de uma criança e "pisando" o milho para
fazer chicha. À direita, mulher carregando uma criança com uma fita de algodão.
(Retirada de PAM CAMEREM, 19??). ............................................................................... 39
Figura 8: Provavelmente grupo voltando de sua roça (xitot) (Retirada de PAM
CAMEREM, 19??). ................................................................................................................ 40
Figura 9: Homem pescando com arco e flecha (Retirada de PAM CAMEREM, 19??).
.................................................................................................................................................. 46
Figura 10: Wakam, instrumento tocado pelos homens Wari' nas festas tradicionais
(Retirada de PAM CAMEREM, 19??). ............................................................................... 49
Figura 11: Mulher fazendo esteira (Retirada de PAM CAMEREM, 19??). .................. 56
Figura 12: Mulher carregando panero cheio de milho (Retirada de PAM CAMEREM,
19??)........................................................................................................................................ 72
Figura 13: Festa com música, dança e chicha (Retirada de PAM CAMEREM, 19??).
.................................................................................................................................................. 76
Figura 14: Homens voltando de uma caçada com suas flechas, caça no ombro e
assoviando para anunciar a chegada na aldeia (Retirada de PAM CAMEREM, 19??).
.................................................................................................................................................. 78
Figura 15: Casa temporária, usada atualmente para pernoitar na mata (Retirada de
PAM CAMEREM, 19??). ...................................................................................................... 80
Figura 16: Artesanatos Tradicionais. (A) Tambor tocado nas festas; (B) Borduna; (C)
Panero; (D) Cesto Tradicional; (E) Machado de Pedra; (F) Flecha Tradiciona. (Fotos:
Luiza Bussius e Michel Metran da Silva)l .......................................................................... 97
Figura 17: Diferentes formatos de cestos e Marico (bolsa tradicional de outra etnia).
(Fotos: Luiza Bussius e Michel Metran da Silva).............................................................. 98
Lista de Tabela
INTRODUÇÃO ............................................................................................................9
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ......................................................................................12
1. Cultura e Sexualidade........................................................................................12
2. O povo Wari’ ......................................................................................................14
2.1 Primeiros Contatos.......................................................................................20
2.2 Expedições Pacíficas ...................................................................................22
2.3 Sagarana......................................................................................................24
3. Estrutura das Aldeias.........................................................................................26
4. O corpo Wari’.....................................................................................................30
OBJETIVOS ..............................................................................................................32
METODOLOGIA........................................................................................................33
ANÁLISES E RESULTADOS ....................................................................................37
1. Atividades Femininas.........................................................................................37
1.1 Passado .......................................................................................................38
1.2 Presente.......................................................................................................41
2. Atividade Masculina...........................................................................................43
2.1 Passado .......................................................................................................44
2.2 Presente.......................................................................................................45
3. Artesanato .........................................................................................................47
3.1 Passado .......................................................................................................47
3.2 Presente.......................................................................................................50
4. Educação...........................................................................................................51
4.1 Papel da Mãe ...............................................................................................52
4.2 Papel do Pai.................................................................................................53
4.3 Passado X Presente.....................................................................................54
5. Educação Sexual...............................................................................................54
6. Menstruação ......................................................................................................55
7. Paquera .............................................................................................................57
8. Namoro ..............................................................................................................58
9. Relação Sexual..................................................................................................60
10. Casamento ......................................................................................................62
11. Rapto de Mulher ..............................................................................................66
12. Traição.............................................................................................................67
13. Gravidez ..........................................................................................................68
14. Parto ................................................................................................................72
15. Amamentação..................................................................................................73
16. Método Contraceptivo......................................................................................73
17. Festa................................................................................................................74
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................83
ANEXOS E APÊNDICES ..........................................................................................86
ANEXO 1-A............................................................................................................86
ANEXO 1-B............................................................................................................89
ANEXO 2 ...............................................................................................................95
APÊNDICE 1 .........................................................................................................96
APÊNDICE 2 .........................................................................................................97
APÊNDICE 3 .........................................................................................................98
9
INTRODUÇÃO
Antes de iniciar o trabalho, cabe ressaltar o que motivou a pesquisadora
realizar o mesmo. Ela foi buscar na cultura Wari’ o que tanto a instigava em sala de
aula, no curso de Ciências Biológicas. A concepção de corpo que se tem na cultura
não indígena e, mais especificamente, na ciência. Como os processos fisiológicos e
seus conceitos são normatizados, fazendo com que definam como eles devem
ocorrer no corpo, seus desejos, sua orientação sexual, seus anseios. Enfim, como
estes conceitos são transferidos para a sociedade e como esta se apóia neles, para
explicar a sexualidade e o corpo sexual.
Ou seja, como estas idéias se misturam e quais seriam as influências que a
cultura não indígena obteve das diversas culturas indígenas, partindo do
pressuposto que em meados de 1500 se iniciou um grande processo de
miscigenação entre europeus, africanos e indígenas.
Com isso, a pesquisadora foi buscar na cultura Wari’, cujo contato com a
cultura não indígena ocorreu apenas no século XX, a concepção que se tem do
corpo feminino e do corpo masculino. Para então observar quais as transformações
ocorridas dentro desta civilização indígena após um contato mais intenso com esta
cultura externa e, de forma mais implícita, as transformações ocorridas na cultura
não indígena.
Para tal, este trabalho, teve que se estruturar nos moldes científicos, uma vez
que as inquietações da aluna, agora na universidade, tomaram força e se
constituíram em pesquisa.
O trabalho se desvelará com a introdução, com o desenvolvimento,
abordando o povo Wari’, a metodologia, as análises e resultados, e por fim, as
considerações finais. Entretanto, sabendo que a introdução “tem o objetivo de situar
o leitor no ‘estado da questão’, colocá-lo a par da relevância do problema e do
método de abordagem” (SALOMON, 1979, p.221), ressalta-se que, por este trabalho
ter um viés antropológico e se tratar de uma etnia indígena não muito conhecida
pela maioria dos brasileiros, há a necessidade de historicizar a origem dos Wari’, sua
10
gente, seu cotidiano, como se deu o contato entre os Wari’ e os não indígenas, sua
estrutura social e sua concepção de corpo
Não será aprofundado tudo que se refere ao povo Wari’, uma vez que há
muito por contar, mas espera-se que, com este pequeno apanhado, os leitores
possam procurar em outras pesquisas, documentos e livros, o aprofundamento na
descoberta deste povo, que é de suma importância na construção de nossas
origens, de nossa cultura.
Cabe ressaltar ainda que há diversos aspectos culturais interessantes na
cultura Wari’, como a espiritualidade, a alimentação, o pajé, a pintura corporal, entre
outros. Porém, estes assuntos possuem uma complexidade tamanha que cada qual
poderia constituir diferentes trabalhos e, caso fossem abordados aqui, seria
demasiadamente superficiais. Além disso, o tema central da pesquisa é a
sexualidade e a relação de gênero que se tem na cultura Wari’.
Entretanto, há determinados pontos da discussão que os mesmos aparecem,
já que uma cultura é composta por temas interconectados. Portanto, o trabalho
caminhou por explicar os pontos chaves para a compreensão dessas discussões.
Os temas abordados se restringiram aos aspectos culturais que se
relacionavam ao tema proposto na pesquisa, pois, segundo Salomon (1979, p.219),
um trabalho de monografia é aquele que se especifica a um único assunto, no caso
deste, a sexualidade de uma cultura indígena.
Há ainda alguns dados coletados que não serão relatados, ou por não
pertencerem ao tema central da pesquisa, ou por um respeito à comunidade, uma
vez que foi combinado entre as partes, tanto por respeito, quanto a pedido da
própria comunidade, para não abordar determinados temas.
A pesquisa abordou a divisão de trabalho baseada em gêneros, os papeis
femininos e masculinos, os espaços e o papel que cada o gênero se coloca em suas
atividades. Também foram abordados os temas relativos à sexualidade, como os
relacionamentos afetivos, desde a paquera, namoro até casamento e traição. O
entendimento que se tem das relações sexuais, da gravidez, da menstruação, da
amamentação, do parto, dos métodos contraceptivos e todos os temas transversais
que os envolvem, também foram motivos de pesquisa. Além disso, foram tratados os
artesanatos e as festas, assim como seus significados.
11
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
1. Cultura e Sexualidade
“Os antropólogos sabem de fato o que é cultura, mas divergem na maneira de
exteriorizar este conhecimento.” (MURDOCK, 1932 apud LARAIA, 2009, p.63). Nota-
se com esta frase inicial, que o conceito de cultura é algo construído e em constante
transformação, assim como a própria cultura. Portanto, é difícil definir a cultura com
apenas uma linha de pensamento restrita, fechada e somente com um referencial
teórico.
Com isso, Keesing apud Laraia (2009, p. 60) cita que há três teorias idealistas
de cultura: 1. Cultura como sistema cognitivo; 2. Cultura como sistemas estruturais;
3. Cultura como sistemas simbólicos.
A primeira teoria baseia-se no estudo de classificação de folk e, segundo ela,
cultura é tudo aquilo que o individuo precisa conhecer e acreditar para se interagir
harmonicamente em uma sociedade.
A segunda, a teoria estruturalista, desenvolvida por Claude Lévi-Strauss,
preocupa-se em definir os princípios da mente que geram a estruturação dos
domínios culturais, pois acredita que a cultura, é “um sistema simbólico que é a
criação acumulativa da mente humana.” (KEESING apud LARAIA, 2009, p.61)
Já na terceira teoria, a cultura é um conjunto de mecanismos que ditam
regras, costumes, moral, valores, instruções direcionando o comportamento do
indivíduo que nela vive. “Estudar a cultura é, portanto estudar um código de
símbolos partilhados pelos membros dessa cultura.” (LARAIA, 2009, p.63)
Nesta última teoria, a cultura é construída socialmente e é ela que organiza as
regras de condutas aceitáveis no meio em que o indivíduo vive. Ela é diferente,
dependendo de onde se vive e pode se transformar ao longo dos anos, ou seja,
também é vária de acordo com a época.
13
E será neste sentido que esta pesquisa tratará da sexualidade, como uma
construção social e cultural, podendo se dispor de diferentes formas em diferentes
culturas, assim como ocorre na cultura não indígena brasileira e na cultura Wari’.
2. O povo Wari’
A etnia Wari’, também conhecida como Pakaa Nova, não possuía um nome
que a designasse como um todo antes do contato pacífico entre a mesma e os não
indígenas. No passado, e ainda hoje, eles se dividem em oito subgrupos (que será
especificado mais adiante) e chamam as outras etnias de waijam, que significa
inimigo. Após o conhecimento da existência deste grupo, os não-indígenas
passaram a chamá-los de Pakaa Nova, por ter relatos de um primeiro contato, ainda
distante (foram apenas avistados) no rio homônimo. Porém, é como Wari’ que
gostam de ser chamados (palavra que significa “nós” / “gente”) e será desta forma
que a pesquisadora os designará. (CONKLIN & VILAÇA, 1998; HAVERROTH, 2004,
p.81; VILAÇA, 1991/1995, p.556, 1998, 2006,p. 55)
Esta etnia pertence à família isolada Txapakura (CIMI - RO, 2002, p.51),
composta, segundo Nimuendaju (1943-1944, apud VILAÇA, 2006, p.219) pelos
seguintes grupos: Capakura, Moré (ou Itene), Huanyan, Matama (ou Matawa),
Cujuna, Kitemoka, Pacaas Novas, Urumacan, Cumuna, Uomu, Abitana, Kabisi,
Itoreuhip, Mure, Nepaka, Itén, Torá, Jaru, Urupá e Rokorona. O mesmo autor ainda
ressalta que nos anos que realizou sua pesquisa, os grupos Torá, Mure, Jaru,
Urupá, Itén, Abitana, Rokorona, Capakura, Kitemoka e Napeka estavam extintos
(VILAÇA, 2006, p.219). Entretanto, Peggion apud VILAÇA (2006, p.219) afirma que
há ainda alguns indígenas Torá, tentando se reorganizar.
Atualmente diversas referências apontam que os grupos remanescentes da
família Txapakura são, além dos Wari’, os Torá, os Cujibim, os Cabixi, os Moré ou
Itenes, os Miguelem e os Orowin, sendo poucos os representantes deste último
grupo, já que foram praticamente dizimados pelos ataques dos não-indígenas (CIMI
- RO, 2002, p.51, CONKLIN & VILAÇA, 1998). Estas etnias, segundo Vilaça
(1991/1995, p.556) viviam em sua maioria na bacia do Madeira e são os únicos
falantes de uma língua de tal família, porém não são os últimos representantes dos
povos pertencentes a estes grupos, o que mostra uma maior representação de
culturas deste tronco lingüístico.
15
1
Ressalta-se ainda que a pesquisadora do presente estudo analisou as diferentes versões descritas
por Vilaça (2006, p.56-58 e 307-319), uma das principais pesquisadoras do povo Wari’ e uma versão
contida numa coletânea de mitos Wari’ feita por Arruda & Col.(1997, p.9-15). Com isso, foi decidido
descrever resumidamente o mito usando o referencial da Aparecida Vilaça, porém, caso o leitor
queira ler outras versões deste mito, olhar Vilaça (2006) ou Arruda (1997).
2
Este trabalho contará com duas versões em texto integral (copilado exatamente como o original) que
trata da discussão do mito na etnia Wari’, em anexo 1 (A e B), elaborada por Arruda (1997) e Vilaça
(2006), por entender, que este anexo tem como tema transversal a divisão do trabalho dentro da
cultura Wari’, baseada em gênero. Com isso, ele desvelou a esta pesquisa suporte importante para a
compreensão da cultura e das suas dinâmicas com relação ao gênero e ainda, dará ao leitor a
oportunidade de conhecer mais sobre o povo e seus mitos.
16
Figura 1: Mapa com a área de ocupação dos Wari' entre as décadas de 1920 e 1960 (Dados dos
locais habitados pelos wari’ a partir do etnomapa confeccionado por Vilaça, 2006)
Eram nas proximidades dos igarapés que os Wari’ construíam suas roças ou
xitot, e também organizavam suas aldeias. O sistema de plantio utilizado por esta
etnia se resumia na derrubada de um local feita, no passado, com os machados de
pedra (Apêndice 2, Figura 16- E) e, segundo Vilaça (2006, p.64) a partir da década
de 1920 foi introduzido o machado de metal.
Com o primeiro tipo de machado, a área do roçado era menor, sendo que
eram retiradas apenas os vegetais baixos e os galhos das árvores altas,
posteriormente faziam uma queimada no local. Eles usufruíam destas roças por um,
dois ou mais anos até que o solo daquele local tivesse sido todo utilizado, depois
partiam para outra região em busca de uma área para a abertura de sua nova xitot,
sendo que a área “abandonada” ficava em estado de pousio. (VILAÇA, 2006, p.64)
19
[...] os Wari’ comentam que suas aldeias eram maiores no tempo dos
antigos, mas não grandes demais, pois nunca gostaram de viver em
meio à multidão como nós, os brancos. (VILAÇA, 2006, p.70)
havia muita dedicação, por passarem apenas poucos meses em suas aldeias.
(SILVA, 1983; p.43 e 45)
Os Wari’ viviam – desde o tempo que sua memória alcança até a
pacificação – na terra firme amazônica, em aldeias situadas, de
modo geral, próximo a pequenos igarapés e distante dos grandes
rios. Desconheciam a navegação e deslocavam-se exclusivamente
por trilhas na floresta. O local das aldeias era escolhido em virtude da
roça de milho, o principal cultivo. (VILAÇA, 2006; p.62)
(2002), Vilaça & Conklin (1998) e Haverroth (2004); Os dados quanto a população
foi retirado do CIMI-RO (2002) e as aldeias que compõem cada TI é descrito em
Haverroth (2004).
Como a Terra Indígena Sagarana foi o local de estudo, será feita a descrição
de sua história, além de ser destacada em laranja no mapa da Figura 2, para maior
compreensão e visualização do leitor.
24
2.3 Sagarana
Após o estabelecimento dos postos de atração e, por conseqüência a
proximidade que os indígenas passaram a ter com os não indígenas, a incidência de
doenças e epidemias foi uma constante nos primeiros anos de contato pacífico.
Estes indígenas foram afetados principalmente pelas gripes e sarampo, o que
diminuiu drasticamente a densidade demográfica do povo Wari’. Segundo o CIMI-RO
(2002, p.52), a estimativa da população Wari’ antes dos massacres era de 5.000
pessoas, passando para 1.000 e, posteriormente, com estas epidemias, foram para
399 pessoas.
Para ajudar o SPI (Sistema de Proteção do Índio, antiga FUNAI) com estes
enfermos, alguns missionários atuaram nestes postos. Vilaça (2006, p.355) diz que
25
as ajudas feitas pelas MNTB, foram aceitas pelo SPI, em postos de atração
principalmente por uma necessidade de assistência material.
Alguns impasses entre os missionários (católicos e protestantes) e o SPI são
relatados tanto por Vilaça (2006) quanto pelo CIMI-RO (2002). Um dos impasses
que é importante ressaltar, se refere a um episódio que ocorreu entre os
missionários católicos da Prelazia e o SPI, quando este órgão proibiu estes
missionário de atuarem no posto Ribeirão, onde atendia os Wari’ que por ali
habitavam (CIMI-RO, 2002).
Entretanto, talvez por uma falta de recurso ou de informação (neste ponto há
dados que divergem possivelmente por conflitos políticos), as doenças passaram a
matar cada vez mais a população Wari’.
Dom Geraldo Verdier (bispo da Diocese de Guajará-Mirim há 29 anos) relatou
em encontro com a pesquisadora, que com o tempo, os indígenas começaram a
buscar ajuda com um padre que tinha também formação médica, chamado
Ferdinando A. Bendoraitis, em sua casa na cidade de Guajara-Mirim. A procura pelo
médico/padre foi muito grande, por parte do povo Wari’, que houve um momento em
que haviam 42 índios numa área improvisada para a recepção destes. (CIMI-RO,
2002, p.51).
Na mesma época, a Igreja ganhou uma doação de um território por uma
organização civil chamada São Judas Tadeu. O mesmo se localizava nas
proximidades da vila de Surpresa, um pouco acima da confluência entre o rio
Mamoré e Guaporé, na beira deste último rio (VILAÇA, 2006, p.360).
Segundo relato de Dom Geraldo, o padre Bendoraitis e o padre Roberto (que
posteriormente virou bispo e sempre atuou junto aos Wari’) resolveram alojar
provisoriamente os enfermos que se encontravam em Guajará Mirim, neste terreno.
Chegando ao local, os indígenas preferiram uma área mais longe daquele grande
curso de água, foi aí que escolheram ficar em uma baía chamada de “Baía da Coca”,
no próprio rio Guaporé, onde, fundou-se no dia 17 de novembro de 1965, a aldeia
Sagarana. (CARAVITA & ARRUDA, 2002, p. 31).
Dom Geraldo ainda contou que certa vez, em 1975, a Polícia Federal iria
retirar os indígenas de Sagarana, por não se tratar da região de origem da etnia,
entretanto o que era provisório virou definitivo, Oron Pawa (um dos indígenas que
vivia na aldeia) disse à polícia que não queriam sair daquela terra.
26
Figura 5: Campo de futebol com casas ao fundo, Sagarana, 2009 (Foto: Luiza Teixeira Bussius)
Figura 6: Foto de uma casa Wari' atual, Sagarana, 2009 (Foto: Elise Mazon Albejante)
30
4. O corpo Wari’
Para entendermos melhor qual é o olhar dos wari’ sobre o corpo humano,
precisamos antes entender o que eles consideram por humanidade. Para eles,
alguns animais possuem espírito e é esta a característica que determina a
humanidade de um ser vivo o que, portanto, faz com que eles considerem alguns
animais irracionais como humanos.
Segundo Vilaça (1998), os Wari’ consideram que apenas alguns seres vivos
possuem jam3·, como certos mamíferos, dentre eles os próprios Wari’, os inimigos,
as onças, os queixadas, além de todos os peixes, algumas aves, as abelhas, as
cobras e alguns poucos vegetais.
3
jam: pode ser traduzido, de forma simplista, como equivalente ao que a sociedade não indígena
considera como alma. Há também outros detalhes e definições, se o leitor quiser se aprofundar, vide
Vilaça, 1992.
31
OBJETIVOS
A finalidade deste trabalho é estudar as construções e desconstruções na
cultura do povo Wari’ quando os mesmo entraram em contato com outras cultura.
Para assim observar se houve influência nos diferentes olhares de homens e
mulheres indígenas tanto para com o seu próprio corpo e para com os corpos dos
seus próximos do mesmo sexo, quanto para com os seus próximos do sexo oposto,
quando da chegada da cultura não indígena. Além de observar se o papel dos
gêneros feminino e masculinho desta comunidade indígena foi transformado de
alguma maneira por influência deste contato.
33
METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho, a pesquisadora contou com três abordagens
metodológicas: A observação participante, a entrevista semi-estruturada e a revisão
bibliográfica, tendo como foco a abordagem etnográfica.
4
Segundo Laburthe-Tolra & Warnier (1997, p.39), “[...] os etnólogos dedicam muito tempo e energia à
descrição e análise das sociedades outras [...] Estabelecem comparações entre várias sociedades [...]
É isto que queremos dizer ao afirmar que a etnologia é comparativa.” (grifo do autor)
37
ANÁLISES E RESULTADOS
Os resultados foram divididos em temas a fim de organizar a lógica que
estrutura esta cultura, entretanto esses diferentes temas são interconectados e,
portanto, podem aparecer mais de uma vez ao longo da discussão.
Os dados aqui apresentados foram colhidos ao longo da pesquisa e
comparados com a literatura, tanto aquelas que dizem respeito à cultura Wari’
quanto àquelas que dizem respeito a outras culturas. Outra comparação feita foi com
relação a sua temporalidade, ou seja, os mesmos foram categorizados entre
passado e presente, para observar assim, a transformação que esta cultura vem
sofrendo ao longo destes anos de contato.
1. Atividades Femininas
Como será possível observar, as atividades na comunidade estudada são
baseadas nos gêneros feminino e masculino.
Na maioria das culturas indígenas esta divisão sexual de trabalho é evidente.
A exemplo disso, Silva & Farias (1992, p.92) discorrem brevemente que no povo
Xerente há também a divisão sexual do trabalho na esfera doméstica. Clastres
(2003, p.120) aponta que entre os indígenas Guayaki há a divisão sexual do trabalho
fortemente marcada, formando campos opostos e complementares.
Esta oposição e complementaridade, observada por Clastres, também será
notada nos Wari’ em suas divisões de tarefas e papeis sociais que cada gênero tem
a incumbência. Neste primeiro tópico, será relatado sobre as atividades que cabem
ao gênero feminino e, no item seqüente, serão tratadas as atividades que cabem ao
gênero masculino.
Há diversos afazeres femininos na cultura Wari’. Para melhor compreensão
do leitor, a pesquisadora elaborou uma tabela evidenciando as atividades citadas
durante a pesquisa, classificando-as como pertencentes ao passado e/ou presente.
A discussão destas atividades acontecerá ao longo deste item.
38
1.1 Passado
Desde o passado, cabia ao gênero feminino arrumar a casa, cozinhar, fazer
artesanatos (que será detalhado em um item específico para este assunto), cuidar
dos filhos e, eventualmente, cuidar de outras crianças. Além de prover o alimento
cozido rotineiramente para sua família, o gênero feminino cozinhava, e ainda
cozinha, quando há mutirões, sejam eles feminino, masculino, ou quando ambos os
gêneros participam deste trabalho coletivo.
Estes diversos afazeres domésticos pertencentes ao gênero feminino também
pode ser observado entre o povo Tchambuli, no qual grupos de mulheres
permanecem em suas casas cozinhando, trançando e remendando seus
equipamentos de pesca (MEAD, 1988, p.233). Lá, quando há alguma festividade,
“Cinqüenta ou sessenta mulheres se reúnem numa casa, aglomerando-se em
grupos de cozinheiras ao redor das panelas no fogão [...] onde assam bolos e
cozinham [...] panquecas de sagu, que acompanham toda a festa.” (MEAD, 1988,
p.234)
No caso dos Wari’, há dois itens fundamentais para alimentação, que eram
preparados pelas mulheres. Estes eram a chicha de milho e a pamonha, sendo os
principais complementos alimentares das caças. Tal fato evidencia que a base
alimentar desta etnia era o milho (vide Figura 7).
39
Figura 7: Na esquerda, mulher cuidando de uma criança e "pisando" o milho para fazer chicha. À
direita, mulher carregando uma criança com uma fita de algodão. (Retirada de PAM CAMEREM,
19??).
Outro espaço onde as atividades femininas eram realizadas é a roça. Lá, elas
carregavam panero5, ajudavam na derrubada, plantavam e colhiam. A importância
de ser a mulher a responsável por carregar o panero fica evidente quando se sabe
que ao gênero masculino cabe a proteção de sua família e da comunidade como um
todo. Com isso, os homens que também participaram do mutirão da roça,
precisavam ter a mobilidade necessária para se utilizar do arco e flecha, caso
aparecesse algum perigo (como etnias rivais ou animais perigosos).
Além da proteção, existia a possibilidade deles acharem alguma caça no
caminho entre a roça e a aldeia, com isso poderiam aproveitar o momento para obter
outras fontes de alimentos (para maiores detalhes, vide Figura 8).
Figura 8: Provavelmente grupo voltando de sua roça (xitot) (Retirada de PAM CAMEREM, 19??).
5
Panero: cesto com uma alça presente em várias culturas indígenas, há vários modelos, dependendo
da cultura. Para visualização do panero, vide Apêndice 2, Figura 16 – C.
41
1.2 Presente
Atualmente, o gênero feminino continua cuidando dos afazeres domésticos,
entretanto, alguns itens foram incorporados desde o contato mais prolongado e
intenso com os não indígenas.
Além de arrumar a casa, cozinhar e cuidar dos filhos, as mulheres ainda
lavam roupas e compram alguns itens alimentares no supermercado da cidade. Este
último fato mostra que com o contato, houve a mudança alimentar dos Wari’ desta
comunidade.
No passado, esta etnia se alimentava basicamente de caças, peixes, gongo6,
frutos das coletas feitas na mata e de milho, tanto nas formas de farinha e pamonha
quanto na chicha. Atualmente, com a influência de outros povos (diferentes etnias
indígenas, quilombolas, bolivianos, nordestinos, portugueses, espanhóis,
paranaenses entre outros povos que migraram para a região), a pamonha, a farinha
e a chicha de milho continuam sendo feitas, entretanto foi possível constatar que a
pamonha vem sendo substituída por arroz ou macarrão e a farinha de mandioca
substituiu a farinha de milho.
Ou seja, a base alimentar dos Wari’ se transformou. Hoje, o milho ainda é
utilizado na alimentação, com estas diferentes finalidades citadas acima, entretanto
muitas famílias plantam mandioca e fazem farinha com a mesma e seu excedente é
vendido na cidade.
6
Gongo: larva encontrada nos troncos de palmeiras em decomposição.
42
Este último caso foi constatado, certa vez, em um relato pessoal com a
justificativa de que a população não indígena da região tem o hábito de comer
farinha de mandioca e, por conta de uma maior comercialização, muitos dos Wari’
passaram a plantar e fazer farinha desta raiz ao invés de fazer sua farinha
tradicional.
Já chicha de milho, apesar de citada pelos entrevistados como sendo um item
alimentar do passado, ainda é muito consumida hoje e faz parte da rotina e base da
alimentação dos Wari’. Apesar disso, observa-se também a chicha de mandioca
também é presente na comunidade, porém com um consumo muito menor do que a
chicha tradicional desta cultura.
Além da produção de mandioca, proveniente do contato com os não
indígenas, os Wari’ passaram a plantar arroz, sendo sua finalidade o consumo
próprio. O sal, o óleo, o macarrão, o café e o açúcar também foram apontados como
alimentos que passaram a ser consumidos após o contato e que, no entanto, não
são produzidos em Sagarana (ou por causa do clima, ou por ser industrializado). Os
mesmos são, atualmente, comprados em supermercados da cidade.
Nota-se que o aspecto mais evidente é a mudança na alimentação e sua
influência proveniente do contato. A necessidade de temperar os alimentos com sal,
o gosto pelo doce do açúcar, o complemento alimentar do macarrão mostram e
evidenciam hábitos que foram transformados com estes contatos e convivência entre
as diferentes culturas.
Da mesma forma que a cultura brasileira, como um todo, possui vários
hábitos culturais herdados dos indígenas, como o consumo da mandioca e seus
diferentes modos de preparo, o hábito de tomar banho todos os dias, o uso da rede,
dentre tantos outros também são retirados da cultura indígena.
Na roça, o gênero feminino atua na limpeza e manutenção da mesma com o
uso de enxada e terçado7. Também ajudam a retirar os galhos quando vão reutilizar
as áreas de coivara 8.
7
Terçado: Nome dado ao facão na região Norte
8
Coivara: Sistema de agricultura utilizada há muitos anos pelos indígenas que consiste em esperar
um tempo o solo da região, onde era localizada a roça, se fortalecer. Após este tempo há a queimada
da matéria orgânica que cresceu no local (vegetação regenerante) e posterior plantação, reutilizando
a área de roça.
43
2. Atividade Masculina
Com esta divisão tão acentuada de tarefas e papéis, observa-se também que
os espaços relativos a cada gênero seguem a linha de oposição e
complementaridade anteriormente citada. Como foi observado, as atividades do
gênero feminino são, em sua maioria, encontradas no espaço doméstico, dentro da
aldeia. Já as atividades masculinas, como será possível observar a seguir, envolve
quase que exclusivamente o espaço da floresta, da mata. Porém, cabe ressaltar que
há espaços comuns entre ambos os gêneros. Por exemplo, na roça há tanto
atividades femininas quanto masculinas, o mesmo é observado nos igarapés.
Para melhor compreensão, a pesquisadora confeccionou uma tabela
contendo as atividades relativas ao gênero masculino, evidenciando aquelas que
eram realizadas no passado, no presente ou em ambas as épocas.
9
Caniço: Nome dado na região para vara de pesca.
10
Linhada: Instrumento para pescaria composto por um novelo de linha de pesca e anzol na ponta.
44
2.1 Passado
Ao gênero masculino cabia caçar e pescar e, como conseqüência, alimentar
com as proteínas animais a família que lhe é responsável; seja esta sua família de
origem (ajudar o pai a alimentar sua mãe e irmãs), seja esta, sua esposa e filhos.
Dependendo da quantidade de carne advinda destas atividades, havia e ainda há a
divisão do alimento com seus parentes; como um caso que foi observado durante o
período vivido pela pesquisadora em Sagarana. Neste período, caçaram uma anta,
que gerou alimento para toda a aldeia.
Tanto a caça quanto a pesca eram feitas com arco e flecha (Apêndice 2,
Figura 16 F), sendo que muitas vezes eles pernoitavam na mata e, por isso,
construíam casas temporárias, descritas pelos Wari’ de Sagarana como casa de
rabo de Jacu. Além disso, eles ajudavam as mulheres no represamento do igarapé e
também pegavam os peixes nos troncos ocos das árvores caídas nestes cursos de
água, métodos de pescarias descritos e discutidos no item anterior.
Entre os Guayaki também se observa uma procura rotineira de fontes de
alimentos, entretanto, no caso deste povo, a agricultura era ausente, o que fazia
recair aos homens esta função quase que exclusiva de prover os alimentos, apesar
das mulheres coletarem frutos, mel e larvas. (CLASTRES, 2003, p.121 e 125-6)
Diferentemente dos Guayaki, os Wari’ tinham na agricultura outra fonte de
alimentação. Neste espaço, o papel masculino era mais direcionado para a
45
derrubada da mata, abrir o roçado. Também agiam assim nas proximidades das
casas, para que não houvesse o perigo de animais ferozes/peçonhentos se
aproximarem e pegarem as pessoas que ali habitavam.
A derrubada da mata para abrir a roça, consistia na retirada de grandes
galhos com machados de pedra e, posteriormente, colocavam fogo na região onde
iriam plantar os alimentos. Todavia, este instrumento foi trocado por terçados e
machados de ferro, anteriormente ao contato pacífico. As aquisições destes novos
objetos aconteciam, na maioria das vezes, antes mesmo da tentativa de um contato
pacífico, dado pelos não indígenas; porém, às vezes, os Wari’ conseguiam estes
instrumentos, quando encontravam e pegavam na mata ou nos acampamentos dos
waijam.
2.2 Presente
Além da substituição dos machados de pedra por terçado e machado de ferro,
o arco e flecha das caçadas também foram trocados por armas de fogo. Estas trocas
foram, evidentemente, influenciadas pelo contato. Entretanto, por elas terem maior
eficiência, foram rapidamente efetivadas, o que não significa que esta comunidade
mudou os valores que embasam a cultura.
Ou seja, com o advento destes eficientes materiais, os indígenas desta
comunidade poderiam obter mais alimentos em menos tempo, entretanto não
passaram a se importar com o acúmulo de bens, sendo assim, não passaram a ter
uma visão capitalista. Ao contrário, eles continuaram obtendo o necessário para a
sua alimentação e a de seus parentes.
Além disso, nota-se uma vantagem em não haver uma exploração e produção
intensiva nessas sociedades. Uma vez que fossem intensificados, o meio ambiente
46
talvez não responderia, assim como não responde à sociedade capitalista, com a
velocidade aumentada para uma produção visando o acúmulo. Lembrando que os
principais “bens de consumo” das sociedades indígenas são a própria natureza,
portanto a harmonia entre ela e estes grupos humanos é fundamental para a
perpetuação destas pessoas.
A troca do arco e a flecha pela arma de fogo na caçada também permitiu uma
velocidade maior na captura de animais, já que as chances de um tiro matar a presa
é maior do que a flecha conseguir tal morte. Por mais que esses indígenas tenham
excelente pontaria, poderiam apenas machucar estes animais, não os matando
definitivamente. Além disso, o volume de material para se levar ao mato quando se
utilizava o arco e a flecha era muito maior do que levar uma arma com suas
munições.
Porém, ainda pernoitam na mata, já que muitos animais possuem hábitos
noturnos, portanto a construção da casa de rabo de jacu continua sendo um hábito
dos Wari’ de Sagarana. Outro aspecto/tecnologia preservado entre estes indígenas
é o uso de arco e flecha nas pescarias (Figura 9), entretanto eles incrementaram a
flecha colocando uma ponta de metal.
Figura 9: Homem pescando com arco e flecha (Retirada de PAM CAMEREM, 19??).
47
3. Artesanato
Tanto no passado quanto no presente, homens e mulheres faziam e fazem
artesanatos, entretanto alguns deles são produzidos exclusivamente por um dos
sexos. Clastres (2003, p.123), relaciona a manufatura de determinado objeto com a
atividade na qual o mesmo será empregado; ou seja, o homem faz os artesanatos
que serão necessários a ele, à atividade dele; já a mulher irá fazer os artesanatos
relativos às atividades dela.
Um fato curioso é que a diversidade de artesanatos citados sendo produzidos
pelos homens, no passado, é maior do que aqueles citados como sendo feitos pelas
mulheres na mesma época. Entretanto, a maioria destes objetos masculinos era
produzida tendo as festas como finalidade, como será descrito adiante.
Este traço cultural se assemelha ao papel dos homens Tchambuli. Segundo
Mead (1988, p.239): “[...] os Tchambuli [...] vivem principalmente para a arte. Todo
homem é um artista e a maioria é hábil não apenas numa arte, porém em várias: na
dança, na escultura, no trançado, na pintura etc.”
3.1 Passado
Os homens faziam seus arcos e flechas, tanto para caçar quanto para pescar.
Também faziam vários artesanatos que enfeitavam seus corpos como brincos e
braceletes. Os indígenas, de uma forma geral, valorizam bastante a estética, tanto
48
Alguns fatos evidenciam que a estética e o paradigma dos Wari’ eram outros.
Pois, ao contrário do que geralmente acontece atualmente, antes do contato, eram
os homens que tinham mais enfeites do que as mulheres, usando brincos, colares e
braceletes (feitos por eles mesmos). Também usavam o cabelo comprido enquanto
as mulheres o cabelo curto.
Vidal (1992, p.13) aponta que estas variações na forma de se enfeitar, seja
com ornamentos ou com pinturas corporais, evidenciam uma “concepção tribal de
pessoa humana, a categorização social e material e outras mensagens referentes à
ordem cósmica. Em resumo, manifestações simbólicas e estéticas centrais para a
compreensão da vida em sociedade.”
Nas festas eles colocavam uma espécie de cocar, feita da penugem branca
do peito do urubu, manufaturadas pelos próprios homens. Este mesmo material era
utilizado pelos Asurini, entretanto, aplicavam esta pelugem em seus corpos e este
era um ornamento exclusivo dos dançarinos de uma festa (ANDRADE, 1992, p.117).
Os homens faziam vários instrumentos para as festividades, como: o Hwiroroi
(um tipo de flauta feita de taboca11 com um ouriço de castanha na extremidade), o
wakam (consiste em dois troncos grossos e ocos, suspensos paralelamente, além
de uma baqueta, Figura 10) e a pele do tambor tradicional (Vide foto no Apêndice 2,
11
TABOCA: Uma espécie de bambu
49
Figura 10: Wakam, instrumento tocado pelos homens Wari' nas festas tradicionais (Retirada de PAM
CAMEREM, 19??).
Nota-se que eram os homens os responsáveis pela maioria dos objetos que
animavam as festas. Vincular o gênero masculino com a festa parece cabível aqui.
Voltando às atividades baseadas nos gêneros e sua relação com o artesanato,
percebe-se que cada gênero confecciona o objeto que lhe é útil em sua atividade.
Em uma passagem do livro de Vilaça (2006, p.112), ela comenta que as
festas tamara eram compostas, em sua maioria, por homens jovens e velhos e
mulheres solteiras ou casadas ainda sem filhos. Entretanto, ela ainda cita que uma
vez participou de uma festa em que as mulheres com filhos pequenos também
50
participaram desta festividades – porém como ao gênero feminino cabe cuidar dos
filhos – elas ficavam sentadas amamentando e cuidando das crianças.
Outro objeto feito pelos homens é o papaw, ou seja, a borduna. Diversas
etnias têm suas bordunas tradicionais, cada qual com um modelo diferente (para ver
o modelo feito pela cultura Wari’, vide Apêndice 2, Figura 16 B), porém com
finalidades muito semelhantes: utilizá-la em brigas com inimigos e às vezes, com
pessoas da mesma etnia. Esta ferramenta também pode ser usada na caça de
animais. As brigas com bordunas entre os Wari’ serão mais detalhadas no item 12.
Foi mencionado também um tipo de saco para carregar, do mato até a aldeia,
as caças capturadas. Esta bolsa chama-se Tukuram e é feita pelos homens
rapidamente, logo após caçar a presa.
Já as mulheres faziam cestos (Apêndice 2, Figura 16 D), esteiras (sobre a
qual dormiam), paneros (para carregar o milho), uma faixa de algodão (para carregar
o filho) e o pote de barro para a composição do tambor tradicional. O que evidencia,
portanto, que suas manufaturas estavam intimamente relacionadas com suas
funções/papeis sociais.
3.2 Presente
Atualmente, os homens Wari’ confeccionam arco e flecha, anel, colar,
pulseiras, canoa e remo. Todos estes artesanatos feitos apenas no presente são
influências do contato. Cabe ressaltar que os últimos dois utensílios (remo e canoa)
mostram a influência da cultura não indígena e da cultura de outras etnias indígenas
na cultura Wari’, já que eles não eram grandes conhecedores de navegação. Isto
porque tinham medo dos grandes rios, onde, na crença deles, se localizava/localiza
a aldeia dos mortos, no mundo subaquático.
As mulheres, por sua vez, fazem anéis, brincos, colares, paneros, marico
(bolsa feita com a fibra da folha de uma palmeira), pulseiras, palito de cabelo e
cestos. O palito de cabelo, além de ser confeccionado pelas mulheres, é também
usado por elas. Ou seja, atualmente, são as mulheres que usam o cabelo comprido
e os homens o cabelo curto.
A mudança no comprimento do cabelo de homens e mulheres já foi apontada
anteriormente, todavia fica evidente que este fato mostra a influência cultural e a
quebra de paradigmas que ocorre quando culturas diferentes estabelecem uma
relação de contato. Sendo esta reconstrução mutuamente transformada ao longo do
tempo, alterando assim as concepções estéticas tidas como padrões anteriores ao
contato.
Agora, partindo do pressuposto apontado por Vidal (1992, em citação anterior
na página 47), de que a estética de um povo desvela sua função ética, nota-se que
essas mudanças de paradigmas, no caso o comprimento do cabelo para cada
gênero, evidencia uma influência de novas concepções que esta sociedade passou
a ter após o contato. Esta mudança de paradigmas, advinda do contato, também
pode ser observada ao longo de todo o trabalho.
Estes artesanatos feitos por elas são tanto para uso próprio quanto para
comercialização, sendo uma das principais fontes de rendas das mulheres indígenas
de Sagarana. Por causa deste fim comercial, novos formatos para os objetos
tradicionais podem ser observado entre os Wari’ de Sagarana, que confeccionam
cestos com formas variadas. (vide Apêndice 3, Figura 17)
Estas transformações relativas aos artesanatos, seja por sua nova função ou
por seus novos formatos, também é evidente no povo Asurini. As mulheres desta
etnia confeccionavam duas formas de cerâmica no passado, atualmente foram
incorporadas novas formas, sendo que estas podem estar intimamente relacionadas
com a nova função que o artesanato adquiriu nos tempos atuais, a sua venda.
(ANDRADE, 1992, p. 118).
4. Educação
É interessante notar como se dá a educação para os meninos e para as
meninas. Os primeiros possuem uma educação mais voltada à caçada, as atividades
masculinas de prover alimento para sua família; já as meninas possuem uma
52
Certa vez, uma menina de dez anos contou à pesquisadora que estava
fazendo almoço para sua mãe e cuidando das crianças, enquanto sua genitora fazia
outros serviços que era de sua obrigação.
Diversas vezes também era possível observar as meninas com quatro/cinco
anos cuidando das crianças mais novas que a mesma. A liberdade que as crianças
têm em uma aldeia é muito diferente que as dos não indígenas. Elas ficam todas
53
muito juntas e uma cuida da outra, basta ser uns anos mais velha para cuidar das
crianças mais novas. Os meninos também têm esta liberdade e andam sempre
juntos, se ajudam, entretanto o ato de carregar os menores no colo foi extremamente
mais observado como uma atitude feminina.
As mães também aconselham tanto os meninos quanto as meninas,
entretanto é com as meninas que elas conversam sobre namoro e outros aspectos
que envolvem o relacionamento. Há quem diga ainda que algumas mães mal
conversam com suas filhas sobre namoro e relacionamento. Como será discutido
mais adiante, esta questão ainda é tabu na comunidade Wari’.
5. Educação Sexual
Antigamente existia a divisão de gênero na educação sexual, ou seja, as
mães educavam as filhas mulheres e os pais educavam os filhos homens. Com
relação a este item foi relatado pelos Wari’ que eles conversavam e conversam
sobre o assunto com os filhos desde a infância dos mesmos.
Alguns exemplos de ensinamentos citados pelos Wari’ foram que os filhos
tomassem banho de manhã bem cedo, para que eles crescerem saudáveis, e para
que os casais não fizessem muitas brincadeiras entre eles, pois poderia causar
briga.
Atualmente, não há tanta distinção de gênero na educação sexual como
ocorria no passado. Entretanto, a mãe aconselha mais a filha mulher do que o filho
homem, já o pai aconselha mais o filho homem do que a filha mulher. O hábito de se
tomar banho bem cedo para crescer saudável ainda é um dos pontos ressaltados,
entretanto os jovens não adquiriram o mesmo, dizendo que os pais os aconselham a
se banhar de madrugada, entretanto, falaram que nunca se banham no horário
estipulado.
É curioso notar que eles citaram a questão de tomar banho de manhã bem
cedo enquanto era abordada a educação sexual. Os mais velhos dizem que tomar
55
banho de manhã bem cedo faz com que as pessoas cresçam fortes. Novaes (1996,
p.78) diz que “[...] parceiros sexuais lavam-se logo pela manhã, a fim de remover
resíduos de fluidos sexuais e secreções de seus corpos. A falta de higiene íntima é
explicativo para certas doenças.” Portanto, nota-se que este fato está ligado à
higiene pessoal, sendo esta passada desde criança, quando eles ainda não têm
relação sexual, para assim criarem este hábito.
6. Menstruação
No passado, dentro da cultura Wari’, a menstruação só era considerada
verdadeira após a primeira relação sexual, com isso, é considerada como um sinal.
Novaes (1996, p.64), aponta que o sangue é formado por duas fontes de matérias
primas, os alimentos ingeridos e outros fluidos vitais. Tal pesquisadora cita o sêmen
como um destes fluidos. Talvez seja este o motivo para a menstruação ser
verdadeira só após a primeira relação sexual, já que uma das substâncias que
compõem este sangue menstrual é o sêmen proveniente da relação.
7. Paquera
No passado, a paquera consistia em o homem predestinado a determinada
menina presentear os pais da mesma, o que mostra uma pessoa que cuida de sua
futura família e que cuidará da menina prometida para ele. Esses presentes
consistiam em arcos e flechas bem feitos, além de caças e peixes que o rapaz trazia
após uma caçada ou uma pesca. Esta “propaganda” que era feita aos pais da
12
karowara é uma força sobrenatural que causa descontrole sobre a pessoa que a recebe
(ANDRADE, 1992, p.126)
58
8. Namoro
Sobre este assunto a pesquisadora se restringiu ao período presente. Isto
porque, como já foi discutido, no passado o namoro não ocorria, já que a menina,
59
9. Relação Sexual
Os Wari’ relataram que só depois do casamento é que os casais podiam sair
para passear no mato ou pescar com sua futura esposa/marido. Uma explicação
plausível para tal restrição é que o fato de “passear no mato” e “pescar” pode ser
interpretado como um eufemismo de ter relação sexual, como apontado
anteriormente. (VILAÇA, 1992, p.175).
Outra restrição relativa ao relacionamento sexual que foi descrita pelos Wari’
consiste em não se relacionar sexualmente antes de sair para o mato, para caçar. A
explicação para a mesma é que quando um casal tem relação sexual, há muitas
trocas de fluidos, sendo que os hormônios são demasiadamente produzidos. Com
estas trocas, o corpo de cada um do casal ficará com cheiro do ato sexual.
Caso um homem saia para caçar no mato após ter uma relação sexual, ele
poderá atrair um jaguar ou uma cobra por causa do cheiro proveniente do momento
passado com a outra pessoa. Correndo o risco de morrer, pois, além de atrair estes
animais, também têm em seu corpo outras substâncias que não apenas a sua
própria, de tal forma que isto o tornasse mais fraco para a recuperação destes
acidentes.
Este acontecimento pode ser evidenciado de forma análoga com a restrição
ao período menstrual, discutido no item 5, no qual os homens não podem se
relacionar sexualmente com as mulheres menstruadas por causa do cheiro, que,
assim como neste caso, poderá atrair o jaguar.
61
Com outro viés, após uma expedição guerreira, os homens passavam por um
tempo de reclusão, no qual não podiam ter relações sexuais. A explicação para esta
reclusão envolve diversas crenças. Quando um homem flechava seu inimigo, ele
passava a ser consubstancial do mesmo (assim como ocorre na relação sexual),
pois o espírito-sangue13 da vítima era penetrado em seu corpo. Quando voltavam,
estes homens precisavam passar por um período sem fazer muitos esforços, para
assim guardar aquelas substâncias em seu próprio corpo e ficarem mais fortes.
(VILAÇA, 2006, p.176 e 179)
Dentre as várias restrições para não se perder este espírito-sangue, ressalta-
se que os matadores não podiam fazer sexo, pois, caso contrário, a substância
adquirida do inimigo passaria toda para a mulher e, conseqüentemente, ela
engordaria sozinha. Vilaça (2006, p.179), ainda aponta que “Dentro do corpo, o
espírito-sangue do inimigo propiciaria o engordamento do matador, o que, dizem os
Wari’, era o objetivo principal da guerra e da reclusão.”
Após o estabelecimento dos postos de atração, as expedições guerreiras
ficaram cada vez menores até acabarem, com o contato pacífico.
Conseqüentemente, a reclusão deixou de ser algo notório na cultura, o que inclui a
diminuição das restrições relativas às relações sexuais.
Hoje os jovens têm relação sexual antes do casamento, sem a proibição que
havia para as mulheres. Ou seja, antes de se casarem, eles saem para “passear no
mato” e “pescam” com os namorados ou namoradas. Também quando “ficam”
podem ou não se relacionar sexualmente, dependendo das pessoas envolvidas.
A iniciação sexual entre os jovens varia de acordo com cada indivíduo.
Porém, como a pesquisadora pediu para eles relatarem uma idade média, eles
disseram que é por volta dos 13, 14 anos, mas deixaram muito claro que depende
do casal.
A restrição quanto a ter relação sexual antes de sair do mato ainda persiste e,
ao que parece, eles respeitam a mesma. Um fato interessante, que será mais bem
discutido no item “gravidez” é com relação à interpretação da relação sexual e desta
troca de substâncias. Para eles, quando duas pessoas se relacionam sexualmente,
trocam fluidos, o que tornam seus corpos um só, assim como o de seus filhos. Além
13
Segundo Vilaça (2006, p.176), o termo espírito-sangue foi usado “[...] porque os Wari’ alternam
estes dois termos ao se referirem à parte do inimigo que penetrava no matador.
62
disso, o simples ato de compartilhar da mesma comida diariamente também faz com
que seus corpos se assemelhem.
10. Casamento
Os Wari’ contam que, antes do contato, eram os pais os responsáveis pela
escolha do futuro genro. Os homens escolhidos naquela época eram bem mais
velhos que suas respectivas esposas, tinham cerca de trinta anos a mais que a
menina.
Por serem bem mais velhos e mais maduros, os pais confiavam no homem
escolhido, pois sabiam que ele cumpriria com as responsabilidades para com suas
filhas. Além disso, tinham maturidade para não ter tantos filhos e o espaço de tempo
entre um filho e outro ser muito maior do que se observa atualmente (para melhor
entendimento ver item “Métodos Contraceptivos”).
Estes homens viviam na casa dos homens solteiros (ou kaxa’) anteriormente
descrita. Por uma facilidade na observação do comportamento destes homens, os
pais optavam, na maioria das vezes, por rapazes que viviam na mesma aldeia que
eles. Mesmo porque, as aldeias eram muito distantes umas das outras. Ou seja,
existia a facilidade na observação dos pais em relação às características deste
homem, se era trabalhador, se ajudava em casa e se, sob a óptica do casal, ele
seria um bom marido para a recém nascida.
Como as aldeias eram constituídas basicamente de um subgrupo, a exogamia
desses subgrupos era algo raro. Entretanto, às vezes acontecia de um casal
escolher um homem solteiro de outra aldeia, neste caso a escolha era geralmente
feita em festas realizadas com estas aldeias envolvidas.
casamento geralmente ocorre quando os pais da garota têm ciúmes de sua filha, ou
então não confiam na responsabilidade do rapaz com que ela pretende se casar.
as meninas para fugir por uma noite ou então passam a morar juntos, casando
escondido.
Houve alguns relatos nas entrevistas que diziam sobre algumas mães que,
quando descobrem que suas filhas fugiram com um determinado rapaz por uma
noite, ficam bravas e brigam com suas filhas.
O fato dos pais serem contrários ao namoro já foi discutido no item namoro,
mas cabe ressaltar ainda que umas das justificativas dadas para esta fuga é o ciúme
que os pais têm de suas filhas, não permitindo o namoro entre elas e um
determinado rapaz.
12. Traição
Sobre este assunto, os Wari’ deixaram claro que a traição é algo conflituoso,
não aceito culturalmente. Também ressaltaram que a traição acontece mais entre os
casais de namorados do que entre os casados.
Antes do contato, quando um dos membros de um casal traia seu
companheiro ou sua companheira, uma briga se instaurava. Primeiramente a pessoa
traída batia com a borduna na pessoa traidora. Esta, por sua vez, batia em quem lhe
havia batido. A família da pessoa traída se indignava com a situação e, por sua vez,
batia na pessoa traidora. Com isso, a família da pessoa traidora, também indignada
com a situação, batia na família da pessoa traída. Porém, depois que a raiva
passava, bebiam chicha e ficava tudo certo, sem maiores rancores.
É interessante notar esta relação com a briga e com a raiva que este povo
tem. O sentimento existe, porém, após ter sido posto pra fora (através da briga), ele
passa, e a pessoa permanece sem guardar mágoa uma da outra.
Atualmente a briga, por causa de uma traição, continua acontecendo. Porém,
hoje eles não se utilizam mais da borduna e, as famílias dos envolvidos também não
participam do conflito. No máximo os pais interferem na briga do casal. O que
continua deste conflito é a relação entre a raiva e a briga. Após o casal brigar e
expor todo aquele sentimento de raiva, o conflito passa.
68
13. Gravidez
Os pontos conversados sobre a gravidez não diferiram muito entre o passado
e o presente. Portanto, a pesquisadora resolveu mesclar hábitos do passado com os
hábitos atuais, especificando quando ocorre em apenas uma das épocas ou nas
duas.
Nota-se que, na cultura Wari’, a gravidez é profundamente observada pelos
pais, uma das justificativas para isso é porque eles não podiam, e nem podem
contar, com a tecnologia vigente das cidades. No passado, e ainda em alguns casos
de hoje, não apenas os pais observam a gestação, mas também a parteira da aldeia
acompanha todo o desenvolvimento deste período, já que é ela a detentora deste
conhecimento.
Atualmente, quando fazem um acompanhamento pré-natal por meio das
tecnologias da sociedade não indígena, precisam se deslocar até hospitais, o que se
torna praticamente inviável fazê-lo com a freqüência que os casais urbanos fazem.
Há ainda algumas mães e pais que permanecem na cidade durante os últimos
meses da gestação.
Por esta dificuldade de acesso e pela inexistência destes aparelhos no
passado, os cuidados no período de gestação são inúmeros, dentre eles, foi descrito
pelos Wari’ o fato de ouvir o batimento cardíaco do bebê e sentir a posição em que o
bebê está no útero da mulher. Outro cuidado curioso consiste nos tabus alimentares
para este período.
Tabus Alimentares na
Cotia NADA
gravidez
Tabus Alimentares na
Ovo de gaivota Para o bebê não chora muito
gravidez
Tabus Alimentares na
Quati Causa tontura na criança
gravidez
Tabus Alimentares na
Saracura Para o bebê não chora muito
gravidez
não irá recuperar de determinada doença e/ou ficará doente, pois o alimento de seus
pais, de certa forma, atinge seu corpo.
Como foi apontado na Tabela 4, dentre os alimentos que devem ser excluídos
da alimentação do casal durante a gestação, foram descritos: alguns peixes, como o
cascudo – pois senão o bebê irá respirar pela boa –, o quati – porque pode causar
tontura na criança –, ovo de gaivota, saracura e alencor – para que o bebê não
chore muito –, além disso, se o alencor (uma ave) for ingerido neste período, o bebê
poderá ficar inchado, gavião e gato marajá – pois, caso contrário, o bebê pode
nascer morto – e a paca – para que a criança não fique com manchas brancas pelo
corpo, as chamadas “mancha de paca” – além da cotia, que não souberam explicar
o motivo para a pesquisadora, apenas afirmaram que não podia ingeri-la neste
período.
Outra restrição citada pelos Wari’ no período da gravidez foi com relação ao
pai da criança matar alguns animais como a onça, algumas cobras e o queixada. Há
algo em comum entre estes animais. Eles possuem jam- (podendo ser traduzido por
alma), o que para os Wari’ é um fator muito relevante, já que os animais que
possuem jam- são considerados humanizados:
Figura 12: Mulher carregando panero cheio de milho (Retirada de PAM CAMEREM, 19??).
14. Parto
No passado, eram as mulheres mais velhas que faziam o parto, por serem
elas as detentoras deste conhecimento. Os Wari’, principalmente as mulheres,
explicaram brevemente como o mesmo ocorria. Na hora do parto, participavam três
mulheres; uma ficava nas costas da grávida, outra ficava massageando a barriga,
colocando o bebê na posição certa (caso ele não estivesse) e induzindo-o a sair, e a
terceira ficava auxiliando no que fosse preciso e era ela que segurava o recém-
nascido. Após o nascimento, o bebê permanece um tempo em cima da barriga da
mãe e só após este momento o cordão umbilical é cortado.
Alguns detalhes importantes quanto ao momento do parto. Os homens não
podiam estar presentes, nem as crianças. Eles explicaram que se uma criança
estivesse no momento do parto, poderia atrapalhar querendo atenção ou brincando
com algo, fazendo com que essas mulheres se distraíssem. Já com relação aos
homens não houve nenhum explicação, apenas que eles não podiam presenciar o
episódio.
Atualmente há ainda este parto realizado na aldeia. Entretanto a restrição da
presença dos homens não é mais tão rígida, mesmo porque os agentes de saúde
indígenas também fazem alguns partos e os mesmos nem sempre são mulheres.
73
Entretanto, foi relatado que hoje a maioria dos partos é feita na cidade, em
hospitais. As mulheres vão à cidade geralmente nos últimos meses de gravidez e
tem seus filhos no hospital. Após o parto há um período de resguardo, no qual não
se pode ter relação sexual, caso contrário o bebê fica com disenteria, como será
mais abordado no próximo item.
15. Amamentação
Este assunto aponta uma diferença de atitude entre os períodos antes do
contato e após o contato com a cultura não indígena. Antes deste contato, as
mulheres Wari’ amamentavam os bebês até eles completarem três anos de idade; a
amamentação era complementada com outros alimentos quando o bebê completava
um ano de idade e acreditava-se que durante o período de amamentação os pais
não podiam ter relação sexual, pois caso contrário a criança teria diarréia.
Atualmente foi relatado que os casais não têm respeitado este período de
resguardo na amamentação. Isto pode ser um fator que explica porque antigamente
o espaço de tempo entre um filho e outro era maior quando comparado com os dias
atuais, entretanto este assunto será analisado no item seguinte.
Além disso, hoje, os Wari’ disseram que as mães complementam a
amamentação, dando outros alimentos ao bebê quando o mesmo tem por volta de
seis meses a oito meses, não esperando eles completarem nem um ano de idade.
Estas alterações evidenciam a influência e troca cultural com os não indígenas da
região.
17. Festa
No passado as festas reuniam mais de 300 pessoas, vinda de diversas
aldeias, contando com mais de um subgrupo. Vilaça (2006, p. 107-8) cita três tipos
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As festas tinham, como uma de suas finalidades, trocar elementos que cada
aldeia tinha em abundância e/ou em particular da área onde habitava. Também era
o momento para reencontrar parentes e amigos que moravam longe.
Também podiam ser idealizadas quando uma aldeia fazia muita chicha e, por
isso, chamava as outras aldeias desta etnia para beber junto, cantar e dançar (vide
Figura 13). As pessoas cantavam as músicas sentadas, dançavam de pé, dando
passos para frente e para trás e se enfeitavam para as festividades.
Figura 13: Festa com música, dança e chicha (Retirada de PAM CAMEREM, 19??).
14
Cabe colocar que apenas na festa huroroin’ a chicha de milho é imprescindível, nos outros dois
tipos de festa, pode haver outras bebidas que não a chicha de milho. (VILAÇA, 2006)
15
“Com o fim das expedições guerreiras (desde a ‘pacificação’ pelo SPI e missionários das Novas
Tribos, realizada entre 1956-69), somente os ‘civilizados’ continuaram a ser chamados waijam, o que
hoje se observa.” (VILAÇA, 1992; p.94)
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Figura 14: Homens voltando de uma caçada com suas flechas, caça no ombro e assoviando para
anunciar a chegada na aldeia (Retirada de PAM CAMEREM, 19??).
essa atitude como castigar, pois as mulheres se vestem de não indígenas (neste
vestir, usam da criatividade para fazer gozação com as características dos
ocidentais) e castigam os índios que estão chegando.
Este fato é interessantíssimo, já que no passado o mesmo era feito nas
festas. Quando as outras aldeias iam para as festas, a aldeia anfitriã os recebia com
muita chicha e os castigava. Este provavelmente era um método para embriagar os
convidados, pois assim os anfitriões tinham o controle da situação, já que tratavam
os convidados como estrangeiros.
Figura 15: Casa temporária, usada atualmente para pernoitar na mata (Retirada de PAM CAMEREM,
19??).
Em uma conversa pessoal, uma jovem, quando descrevia este ritual, disse
que não se pode brincar ou rir das músicas cantadas, pois elas são sagradas, elas
pedem permissão para a natureza, pois assim não desrespeitarão a mesma nesta
pesca. Quando alguém faz o contrário, faz gozação das músicas, pode levar uma
mordida de peixe no momento em que estiver pegando-os. Esta “vingança” da
natureza é também descrita Vilaça:
distribuição dos peixes para toda a aldeia; o mesmo acontece com as caças, o que
mostra um costume após as caçadas abundantes, como cita Vilaça (1992, p.66). A
distribuição é feita de maneira proporcional as pessoas e a família a qual faz parte
(se for de uma família grande, recebe um pedaço grande). Até mesmo as crianças
recebem seu pedaço de caça e este também é proporcional ao seu tamanho.
Ao final de ambas as expedições, tanto aqueles que ficaram na aldeia quanto
aqueles que saíram, compõem uma música e quando estão todos reunidos, há uma
competição das músicas. Tanto os homens quanto as mulheres catam suas músicas
e no final é consenso de qual música foi melhor, ou seja, não há um júri, todos
decidem e geralmente é algo unânime, apesar de ser raro, às vezes algumas
pessoas não concordarem com o que a maioria decidiu.
Uma competição entre homens e mulheres também pode ser observada pelo
povo Xerente, entretanto esta etnia faz uma competição de corridas de toras,
podendo esta ser feita entre homens, entre mulheres ou entre homens e mulheres
(SILVA, 1992, p.101)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fica evidente assim, que a cultura Wari’ se transformou ao longo dos anos,
tanto por um processo intrínseco a qualquer cultura, quanto por um contato pacífico
e, em um primeiro momento, forçado.
Além da convivência quase que diária com os não indígenas (por causa de
uma vila próxima à Sagarana, chamada Surpresa), a aldeia ainda conta, há cerca de
cinco anos, com alguns aparelhos de televisão.
Assim como acontece na sociedade não indígena brasileira, a influência da
televisão na comunidade está cada vez maior. Esta influência se inicia na troca das
conversas nas noites de luar por causa de uma novela ou de um jogo de futebol. O
que marca a diminuição de um dos momentos mais ricos na transmissão da cultura
dos mais velhos para os mais novos, através de várias histórias contadas nestas
noites iluminadas.
Com a atuação de algumas instituições que não eram presentes no passado
como: a escola, a religião, a mídia, o governo, entre outros meios de comunicação, o
processo de transformação da cultura passa a se acelerar. As conseqüências deste
fato ficaram evidentes em cada ponto abordado ao longo do trabalho.
Mas, até que ponto tais mudanças são positivas ou negativas na construção
da sexualidade? Será esse processo, uma aculturação total da etnia? Será que tais
alterações fazem com que eles deixem de ser indígenas? As pessoas desta etnia
estão perdendo seus valores? Será que uma pessoa não nascida e crescida nesta
cultura/meio é capaz de julgar tais desconstruções e novas construções?
Estas perguntas ainda deslumbram o olhar da pesquisadora e somente o que
está porvir mostrará o que acontecerá a esta etnia. O que realmente importa é que a
construção da sexualidade deles seja respeitada, à medida que eles elegem suas
escolhas, seus caminhos, tão subjetivos, cheios de sabedorias... Não abrindo mão
de seus mitos, cultura, mas considerando o entendimento da ciência que o século
XXI desvela, como possíveis contribuições não só a eles, mas a todas as pessoas,
independente de sua cultura, etnia, etc.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRUDA, L.G. & COL. O mundo OroWari’ mitos e lendas do povo indígena
OroWari’. Guajará-Mirim, RO. 1997
CARAVITA, A. & ARRUDA, D.L.G Dom Rey: Força de Leão, Coração de Criança.
São Paulo, 2002
GNACCARINI, J.C. O Rapto das Donzelas. Tempo Social. Revista Sociologia USP,
São Paulo. 1989
PLANS, J.I. Amazônia, a Igreja diante da devastação ambiental. São Paulo 1ed.
2007
ANEXOS E APÊNDICES
ANEXO 1-A
Nanananana
É o que os antigos contavam sobre o que aconteceu muito tempo atrás com o
espírito da chuva. Chovia muito, muito, vários dias seguidos. Então chegou o espírito
da chuva. Parecia uma velha, avó materna deles, mãe das mulheres. Ela trazia um
cesto muito velho. As mulheres disseram: “Nossa mãe chegou!” Era igualzinha à
mãe das mulheres. A chuva havia se transformado [em gente]. “Você veio, mãe?” “É.
O fogo dos irmãos mais velhos de vocês apagou. Eles não têm o que comer”, disse
a velha, com uma voz sumida. “É mesmo?”, disse-lhe a filha, que estava mexendo
chicha no fogo. A velha sentou junto do fogo e ficou esquentando as mãos.
Esquentou, esquentou e disse: “Eu vou embora. Dêem-me fogo que eu vou levar
para os irmãos mais velhos [MB, eB] e mães [MZ] de vocês. Estão morrendo lá.”
Queria fogo para que pudesse assar a comida, comer. Era mentira. Provavelmente
ela tinha fogo. A chuva havia se transformado [em gente]. “Vamos com você, avó
materna. Temos pena de você nessa chuva.” “Vocês ficam, vocês ficam. Eu vou
sozinha.” Era porque o espírito da chuva não era humano. Ela pegou o fogo. “Leve
uma esteira velha, avó materna.” Ela pegou uma esteira velha e protegeu a cabeça
da chuva. “Se a velha não tivesse com tanto frio...”, comentaram as pessoas. Ela
pegou a bengala e foi embora devagar.
Assim que ela foi embora a chuva engrossou, ficou muito forte. Não era uma
chuvinha à-toa. A água começou a chegar nas casas pelo chão. Os peixes
chegavam nas casas e as pessoas começaram a matá-los. Nanananana sabia:
“Vamos fugir. É possível que afundemos aqui, crianças. Vamos para a casa onde
está o nosso milho. A água vai nos matar”, disse ele para as filhas. Ele e as filhas; os
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maridos não foram “Vão com o pai de vocês. Nós vamos ficar aqui para matar peixes
para que vocês possam assá-los para nós”, disseram à esposas. Á noite, eles
assaram peixes e comeram. Estavam dormindo quando os antepassados
afundaram.
No dia seguinte, o pai [Nanananana] disse: “Vamos ver a aldeia onde estão
os pais de nossos netos.” A água tinha inundado as roças. Das casas só se viam os
esteios. “Os pais de nossos afundaram, nanananana.” Ouvia-se o som de mulheres
moendo milho em pedra, vindo debaixo d’água, como se ainda houvesse gente na
aldeia, como se estivessem vivos. “Vamos pegá-los!” Nanananana cortou uns paus,
amarrou-os e foi para a aldeia: “Eu tenho pena das minhas filhas, nanananana.” As
moças solteiras [que estavam sob a água] disseram: “Está bem. Vamos com o nosso
irmão mais velho.” Elas iam subindo pelo pau, subindo, subindo. As mãos delas
emergiram. Quando a cabeça delas estava aparecendo na superfície, elas
escorregavam e viraram botos. Nanananana disse aos rapazes: “Rapazes, tenham
pena de nós. Ficaremos sozinhos.” “Está bem. Vamos encontrar o nosso irmão mais
velho [referindo-se a Nanananana].” Então os que dormiam na casa dos homens
começaram a subir pelo pau. Quando os braços deles estavam saindo da água, eles
escorregaram e viraram lontras [Lutra platensis]. “Vou pegar a arara vermelha!” Ela
foi andando pelo pau, quando escorregou virou cigana [opisthocomus hoazin, que é
uma ave da beira d’água]. “Vou pegar o jacamim [Psophia SP.]. “E ele virou um tipo
de garça. “Tenha pena das crianças, mãe” [que estava sob a água], disse ele. “Está
bem”, ela respondeu. A velha concordou. Foi subindo pelo pau, escorregou e virou
jacaré. “Vou pegar a borduna.” Mas ela [a borduna] caiu na água e virou peixe
elétrico [Electrophorus electricus]. “Vou pegar esse pedaço de panela para
comermos farinha [de milho].” Ele caiu na água e virou arraia.
Eles voltaram para onde estavam. Depois de um tempo ele disse: “Vamos
procurar gente [wari’], nanananana.” Foi com as filhas para o mato e encontrou a
roça da outra gente [xukun wari’]. Viu frutos, mamões. Disse para as filhas: “Eu
encontrei gente [wari’]. Vamos pegá-los para comermos frutos também.” “Está bem”,
disseram as mulheres. “Não tenham medo deles”, ele disse. “Está bem”,
responderam as mulheres. O pai sentou-se junto dos frutos. Esperou, esperou, até
que apareceram as mulheres [da outra gente]. Elas vieram para comer frutos. Eram
filhas da outra gente. O pai delas tinha ficado na pedra [na serra]. “Corte [o fruto] que
eu pego aqui, irmã mais velha”, disse uma das mulheres [da outra gente]. Comiam
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os frutos quando Nanananana apareceu. Elas gritaram. “Não precisam gritar por
minha causa. Os pais de nossos netos afundaram, nanananana.” Ele segurou uma
das mulheres pelo braço: “Nós não vamos matar vocês. Os pais de nossos netos
afundaram, nanananana.” “É mesmo?” Ele contou tudo para elas e perguntou:
“Vocês têm irmãos mais velhos, por parte da mãe de vocês?” “Temos sim. Os
nossos irmãos mais velhos ficaram lá.” “Corram e contem a eles!” “Está bem”, elas
responderam. Elas partiram. Depois chegaram os irmãos delas, irmãos mais novos e
mais velhos. “Você veio?”, eles perguntaram. “Eu vim, nanananana. Os pais de
nossos netos afundaram.” “É mesmo!” “Casem-se com minhas filhas”, ele disse.
Então os que viviam na pedra tornaram-se homens casados.
O pai desses homens, que vivia dentro da pedra, quis sair. Os filhos já tinham
saído. Ele disse: “Quero ver as esposas de vocês, meus filhos.” Ele esfregou no
corpo folha para ficar escorregadio, mas não conseguiu passar pelo buraco da
pedra. Era muito corpulento. A mãe deles também:”Vou ver as esposas de meus
filhos!” Tentou sair, mas não conseguiu passar pelo buraco. Não pôde sair. Os
rapazes que se casaram tiveram filhos. Primeiro perto da casa dos pais deles, mas à
medida que foram procriando, procriando, ficaram muitos, tiveram de abrir roças
cada vez mais longe. É possível que o pai deles tenha morrido. Foram se
espalhando e os filhos deles foram abrindo roças.
ANEXO 1-B
Começa a cair uma chuva. Chove muito forte toda uma manhã. Continua a
chuva ainda e vai com mesma intensidade o dia todo. Vem a noite e a mesma chuva
continua e vara a noite toda. No dia seguinte amanhece chovendo e continua o dia
todo. Anoitece ainda com a mesma chuva que continua toda a noite. Amanhece de
novo chovendo. Chove toda a manhã. Chove o dia todo. Vem a terceira noite com a
mesma chuva, sem nenhuma interrupção. E chove ainda a noite toda. Amanhece o
quarto dia com a mesma intensidade de chuva que cai do mesmo jeito durante o dia
todo até à noite. Volta ainda a noite e é a mesma chuva que vai com a mesma
intensidade por toda a noite.
No quinto dia, logo que amanhece, um grupo de pessoas percebe que vem
caminhando para o lado deles, uma velha. Essa velha é o próprio Espírito da chuva.
Ela vem se aproximando deles. Ela vem trazendo nas costas um paneiro velho. É
preto o paneiro que ela vem trazendo. Ela vem direto na direção deles. Mesmo com
esse mau tempo, ela vem prosseguindo. Logo que a viram já bastante perto, um do
grupo disse aos companheiros:
“Acenda alguém ai um fogo, para a nossa vovó poder aquecer-se.” Ela chega.
Entra na casa e vem aquecer-se ao fogo. Pega um pouco mais de lenha, coloca-a
no fogo e o ajeita melhor. Porém ela fica pouco tempo.
“_Já vou embora, menino.” Diz ela.
“_Espere, vó! Esquente-se um pouco mais aí com o fogo!” Assim falam os
presentes.
“_Não, diz ela. Tenho que ir. Adeus para Vocês!”
Imediatamente ela os deixa e sai.
Nesse momento os rios estão todos enchendo. As águas já estão
transbordando e espalhando-se pelas terras e pelas matas. Só se vê água correndo
para um lado, água correndo para outro lado. Água por todos os cantos. Água
cobrindo tudo!...
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a mulher dele é muito gorda. Ficam ambos presos na caverna. É assim mesmo...
Eles têm que ficar lá dentro.
O cacique fica então furioso. Profere insultos, maldições e pragas.
“_Vocês vão crescer muito.” Diz ele. “_Vocês irão crescendo e crescendo.
Mas depois vão parar de crescer e vão diminuir. Quando as mulheres de vocês os
convidarem para irem tomar banho juntos, essas mulheres de vocês vão ficar
pequenas como crianças. Elas não crescerão mais do que A altura da cintura de
vocês.”
Assim fala o cacique e deixa isso dito e decidido para toda a vida. E é o que
vem acontecendo. Tudo vem se realizando exatamente como ele disse.
Um belo dia o homem diz aos companheiros:
“_Vou cantar uma música para vocês. É uma música que escutei há já muito
tempo.”
E ele começa a cantar assim:
“_para e espera aqui, enquanto eu subo ali no mamoeiro... Para e espera aqui
enquanto eu subo ali no mamoeiro... Leva depois uma braçada para o meu irmão
mais velho...”
É isso aí o canto. Por aí ele termina.
Nesse momento já existe muita gente com ele.
As filhas dele começam a ter filhos. Elas têm já muitos filhos. E continuam
tendo sempre mais e mais filhos.
Entretanto, quase todos continuam ainda com o rabo. Só com o tempo é que
o rabo vai diminuindo, até que acaba desaparecendo.
Só então é que começam a ser assim como somos agora,, sem o rabo.
Antes não éramos Oromon, não éramos Ororamxijein ou outro... Éramos todo
OROJOWIN (macaco prego).
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ANEXO 2
APÊNDICE 1
Entrevista Semi-estruturadas
APÊNDICE 2
Artesanatos Tradicionais
Figura 16: Artesanatos Tradicionais. (A) Tambor tocado nas festas; (B) Borduna; (C) Panero; (D)
Cesto Tradicional; (E) Machado de Pedra; (F) Flecha Tradiciona. (Fotos: Luiza Bussius e Michel
Metran da Silva)l
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APÊNDICE 3
Figura 17: Diferentes formatos de cestos e Marico (bolsa tradicional de outra etnia). (Fotos: Luiza
Bussius e Michel Metran da Silva)
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