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AS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO DOS TRABALHADORES


CANAVIEIROS DO MUNICÍPIO DE BRASILÂNDIA DO SUL - PR

Maria de Oliveira Mendes∗

Rinaldo José Varussa – Orientador∗∗

RESUMO:

O presente artigo foi desenvolvido como etapa final do Programa de


Desenvolvimento Educacional - PDE, para professores da Rede Pública Estadual de
Ensino do Paraná. O trabalho propõe a análise das condições de vida e de trabalho
dos trabalhadores canavieiros do município de Brasilândia do Sul, até o ano de
2007, considerada uma das áreas agrícolas mais desenvolvidas do país. Com base
em observações diretas, nas entrevistas com trabalhadores do setor agroindustrial
canavieiro e consulta a bibliografias pertinentes, a análise revela o processo de
extrema exploração da força de trabalho. Discute também a exposição diária dos
cortadores de cana a cargas físicas, químicas e biológicas, que causam uma série
de doenças, ferimentos e outros acidentes e as condições de vida em que vivem
esses trabalhadores em decorrência do baixo salário que recebem.

PALAVRAS- CHAVE: trabalhadores rurais; exploração; condições de trabalho;


acidentes de trabalho.

ABSTRACT:

The herein article was developed as final stage of the Educational Development
Program – EDP, to teachers of the State Public Department of teaching of Paraná.


Professora de História do Colégio Estadual Rui Barbosa de Brasilândia do Sul-Pr, Pós Graduada em
Administração, Supervisão e Orientação Educacional pela UNOPAR e Processo Ensino
Aprendizagem pelas Faculdades Clarentianas, Batatais-SP.

Professor de História da UNIOESTE, Campus de Mal. Cândido Rondon, doutor em História pela
∗∗

PUC-SP.
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The work proposes the analysis of the life and the labor conditions of the people who
work in canebrakes in the town of Brasilândia do Sul, until the year 2007, considered
one of the most developed agricultural areas of this country. Based on direct
observations, interviews with the laborers of the sugar-cane alcohol industry sector
and consult to pertinent bibliography, the analysis reveals the process of extreme
exploitation of the labor force. It also discusses the daily exposition of the cane
cutters to physical, chemical and biological cargo, which causes several sickness,
injuries and other accidents and the life condition in which those laborers live due to
the low salary they earn.

KEY WORDS: rural laborers; exploitation; labor condition; labor accidents.

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa está inserida no Programa de Desenvolvimento Educacional -


PDE, para professores da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná.

A História tem como objeto de estudo os processos históricos relativos às


ações e as relações humanas praticadas no tempo e no espaço.

“... Quanto mais o aluno sentir a História como algo próximo dele, mais terá
vontade de interagir com ela, não como uma coisa externa, distante, mas
como uma prática que ele se sentirá qualificado e inclinado a exercer”.
(Pinsky, 2005, p. 28).

Nessa perspectiva, o objetivo deste artigo é investigar as condições de vida


e de trabalho dos trabalhadores canavieiros do município de Brasilândia do Sul. Esta
pesquisa pautou-se pela história oral e pelo diálogo com a bibliografia existente
sobre o tema.

Esta pesquisa, vale frisar, voltou-se principalmente para o ensino em sala de


aula, visando constituir a pesquisa como uma prática escolar.

No que se refere à história oral, esta resulta não apenas numa mudança de
enfoque, como também na abertura de novas áreas importantes para investigação.
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Além disso, ela se constitui num importante instrumento no sentido de conseguir


uma melhor interação entre professores e alunos.

Dentro disso, a história oral é uma possibilidade de estimular professores e


alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Além disso, torna possível a
percepção, na pesquisa, da dimensão de sujeito histórico dos diferentes
personagens investigados, contribui para uma prática histórica dinâmica.

Como aponta o historiador Paul Thompson,

“A história oral devolve a história às pessoas em suas próprias palavras. E


ao lhe dar um passado, ajuda-as também a caminhar para um futuro
construído por elas mesmas”. (Thompson, p.337)

Para desenvolver este estudo foi necessário algumas leituras bibliográficas


para fundamentar o estudo e pesquisa de campo a qual se deu através de
entrevistas individuais e semi-dirigida. Contactamos aproximadamente com 15
trabalhadores da cana-de-açúcar e destes foram entrevistados 10 trabalhadores.

Referente a essa temática, foi desenvolvido no decorrer do estudo outras


atividades tais como: elaboração de material didático-pedagógico pertinente ao
objeto de estudo para ser usado em sala de aula com alunos do Ensino Médio;
orientação ao grupo de trabalho em rede com os professores da rede pública
estadual, do que poderão resultar produções de textos do professor PDE em
colaboração com os professores da rede; elaboração de uma proposta de
intervenção para ser implementada na escola, utilizando o material didático que foi
elaborado; no término do processo, será apresentado um artigo, com a temática
voltada ao objeto de estudo.

O município de Brasilândia do Sul é de pequeno porte possui


aproximadamente 3.306 habitantes, segundo o senso de 2007, e está localizado na
região noroeste do Estado do Paraná, apresentando poucas alternativas de
emprego, pois não possue indústrias, razão pela quais muitas pessoas, fugindo do
desemprego, buscam sustento da família na usina Sabaralcool, no município de
Perobal, distante aproximadamente 48 km de Brasilândia do Sul. Nesta usina,
exercem a exaustiva atividade de cortadores de cana.
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Muitos desses trabalhadores são pais e/ou parentes de alunos que


freqüentam o Colégio Estadual Rui Barbosa, sem contar, que alguns trabalhadores
são ex-alunos que devido ao trabalho árduo exigido pela função, evadiram da escola
há alguns anos, o que se constitui num importante fator motivacional, tendo em
conta a proximidade e presença daquela realidade em relação ao ambiente escolar.

2. DESENVOLVIMENTO

“A história humana não se desenrola apenas


nos campos de batalha e nos gabinetes
presidenciais. Ela se desenrola também nos
quintais entre plantas e galinhas, nas ruas de
subúrbios, nas casas de jogos, nos namoros de
esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia.
Dessa matéria humilde e humilhada, dessa
vida obscura e injustiçada, porque o canto não
pode ser uma traição a vida, e só é justo cantar
se o nosso canto arrasta as pessoas e as
coisas que não tem voz.” (Ferreira Gullar)

Nos últimos anos houve uma grande expansão da área e da produção da


cana-de-açúcar, estimulado pelo crescimento favorável dos mercados nacionais e
internacionais do açúcar e do álcool combustível.

Segundo a Agência Estadual de Notícias a produção brasileira de cana-de-


açúcar na safra 2006/2007 estava estimada em 471,17 milhões de toneladas,
superior em 9,2% a da safra anterior, que foi de 431,41 milhões de toneladas. Os
técnicos da Conab, que trabalharam no levantamento da safra, atribuem o
crescimento à expansão de cultura em 312,5 mil hectares (5,5%) na área e de 2.599
quilos/hectares (3,5%) na produtividade média.
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Neste artigo, analisaremos os processos de trabalho referentes à cana-de-


açúcar, a fim de captar a exploração e dominação que lhes são subjacentes no que
se refere aos trabalhadores.

Segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), o Paraná é apontado como o


terceiro colocado no ranking de maior produtor nacional de cana-de-açúcar, atrás de
São Paulo e Alagoas. Entretanto, com base nos dados de 2005, o Estado é o
segundo colocado na produção de álcool.

Segundo a Agência Estadual de Notícias a distribuição espacial confere a


liderança à região de Umuarama com 20%, Maringá vem em segundo com 15,6%.
Depois aparecem as regiões de Jacarezinho com 13,5 %, Londrina com 12,8%,
Cornélio Procópio com 11,3% e Paranavaí com 11,6%. Estas regiões contribuem
com 85,6% da produção paranaense de cana-de-açúcar.

Uma particularidade deste processo de expansão da produção


sucroalcooleira é que a cana vem se expandindo sobre as terras mais férteis do
Estado e é a cultura que apresenta a melhor relação entre renda gerada e parcela
do solo ocupada. Dentro disso, a cana ocupa desde grandes fazendas até pequenas
propriedades.

É na região Norte que concentra a maior expansão de indústria


sucroalcooleira no Estado. No início a produção açucareira era pouco expressiva,
mas com o passar dos anos tornou-se bastante significativa.

Um dos motivos apontados para a expansão está ligado à fertilidade das


terras, à disponibilidade da mão de obra, à facilidade de transporte da produção e à
proximidade com o estado de São Paulo.

Outro fator que favorece o cultivo da cana nessa região é a pouca ocorrência
a risco de geadas, que em outras regiões do Estado é bastante grande.

A criação de novas usinas de cana-de-açúcar no Paraná tem aumentado a


geração de emprego e também os investimentos no campo.
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Com o crescimento da produtividade do campo cresceu também a


produtividade do trabalho no corte de cana, medida em metros de cana cortada por
dia por cada trabalhador.

A VIDA E O TRABALHO DOS CORTADORES DE CANA

Pela análise das entrevistas verificamos que os trabalhadores da Usina


Sabaralcool estão na faixa etária de 21 a 50 anos, sendo que a maioria tem primeiro
grau incompleto. O que mais chamou a atenção é que são todos católicos.

Há divisão de trabalho entre eles, pois uns cortam cana queimada, outros
cana crua, outros plantam, não são contratados só para realizar uma tarefa, mas
também outras tarefas. Se não der para cortar cana ou plantar ou se não for época
da colheita da cana, por exemplo, eles vão carpir.

O dia para o trabalhador de cana começa logo de madrugada, quando se


levanta, por volta das quatro horas. Muitas vezes os homens levantam um pouco
mais tarde, as mulheres levantam mais cedo do que os homens, para terminar de
preparar o almoço, para colocar na marmita e também o que se vai deixar para os
filhos e depois preparar as ferramentas de trabalho e ir para o ponto tomar o ônibus.
É o que nos diz Clarice de 28 anos, em sua entrevista:

“Tem dia assim que levanto quatro horas no dia que vai sair mais cedo, tem dia que levanto
cinco horas, faço o almoço, quer dizer deixo pronto o almoço levanto de manhã só faço a mistura e
esquento, põe na marmita, me troco e daí a gente vai pro ponto ali no Fome Zero”.

Quando chegam no Fome Zero (Local onde serve café e pão para os
trabalhadores) tomam café com pão e margarina e ficam esperando o ônibus para
seguir para o trabalho. O transporte não é confortável, sendo um ônibus velho, que
foi comprado para transportar esses trabalhadores para o trabalho. Eles pegam no
serviço por volta das sete horas. Conforme o depoimento de Eliane de 28 anos.

“No Fome Zero, tomo café lá. O ônibus não é muito confortável é tipo circular com banco
reto, sete horas estamos na roça”.
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Segundo Cristina de 37 anos, a viagem no ônibus é tranqüila, muitos


chegam a dormir, outros vão conversando porque são todos amigos.

Se o canavial for perto chegam por volta das seis horas e trinta minutos e se
for longe chegam por volta das sete horas. Daí começa todo o preparativo para
começar o corte. Como diz Cristina:

“A gente leva algumas roupas na bolsa pra por lá, porque tem vez que eles põe a gente
na diária então a gente não pode ir pronta pra corta cana né, então com uma calça e uma saia e um
pano na cabeça, daí chega lá se vai corta, bota uma camisa de manga comprida por cima da outra
que sai de casa, coloca o mangote, amarra o pano bem na cabeça, nóis temo uma caneleira que vem
da usina, um avental, um óculos, boné, com um paninho assim por cima do boné e outro por dentro,
pra protege do sol e de alguma palha de cana que fica...”

Como vimos nesse depoimento, os trabalhadores não vão totalmente


prontos para trabalhar, levam algumas peças de roupas na bolsa para colocar no
local de trabalho.

Esses trabalhadores geralmente usam os EPIs - Equipamentos de proteção


individual, que se constituem de boné com abas, óculos, luvas, perneiras e botinas.

Mas antes da obrigatoriedade do fornecimento dos EPIs para os


trabalhadores, eles não usavam EPI, trabalhavam muitas vezes de chinelo, não
usavam luva nem óculos, nem caneleira, só o facão e a lima, como diz Francisco de
61 anos, hoje aposentado, em seu depoimento.

“... a usina não dava o instrumento, tudo era nosso, era nóis que comprava, tinha dia que
trabaiava de chinelo ou de sapatão normal de roça, não usava luva nem óculos nem caneleira, só o
facão e a lima, depois com o tempo vei a lei e daí pra cá eles começou a dá o instrumento, como:
luva, sapatão, caneleira, depois veio o óculos e bonel.”

Esses instrumentos foram criados para proteger o trabalhador e deverão ser


aprovados pelo órgão competente do Ministério do Trabalho, mas eles são alvos de
freqüentes reclamações dos cortadores de cana, porque podem causar ferimentos
nos trabalhadores, pois muitos deles não se adaptam ao corpo do trabalhador, ao
clima da região ou ao serviço.
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Em pesquisa realizada em são Paulo pela Fundação Jorge Figueiredo de


Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), em março de 2002, constatou-se
que todos os EPIs fornecidos para o corte da cana (luvas, boné com abas,
perneiras, botinas e óculos) causam desconforto e podiam trazer riscos ao
trabalhador. O problema mais crítico, de acordo com a pesquisa, são as luvas de
proteção: de tamanho inadequado, não fornecem atrito suficiente com o cabo do
facão, que pode escorregar no momento do corte e ferir o trabalhador. (Thenório,
2006).

Verificamos nas entrevistas com os cortadores de cana do município de


Brasilândia do Sul o que mais os incomoda são os óculos, chamados por eles de
“rayban”, porque suam, embaçam e sujam de carvão quando é cana queimada,
dificultando assim a visão. Tais situações os levam constantemente a retirarem este
equipamento, deixando-o sobre a testa, colocando somente quando o fiscal da usina
se aproxima, para não levar “gancho” (dia (as) sem trabalhar com desconto no
pagamento).

Uma cortadora de cana Dona Cristina conta: “eles fala que é pra gente usa direto o
ray-ban, mas tem vez que a gente abusa, né, porque a gente não agüenta usa direto porque é muito

calor daí a gente usa ele em cima do boné né, e quando a gente vê o segurança a gente corre e põe
nas vistas”.

Além desses equipamentos existem outros feitos pelos próprios


trabalhadores de cana como: panos ou camisetas usadas na cabeça ou pescoço,
aventais que protegem a roupa do melado da cana e facilitam a limpeza, os
“mangotes”, que protegem o braço ao “abraçar” a cana... (SENAR, 2004)

A legislação brasileira obriga todas as usinas a fornecer gratuitamente os


EPIs. Cabe também a empresa a escolha da marca e do modelo a ser comprado e o
trabalhador pode ser demitido caso se negue a utilizar o equipamento. Através do
contato com os trabalhadores percebi que a empresa quer o EPI apenas para não
ser multadas, não porque estão preocupadas com a proteção do trabalhador.

O processo de trabalho no corte de cana na década de 1980 consistia em


cortar retângulos com 6 metros de largura, em cinco ruas (linhas em que são
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plantadas a cana), por um comprimento que variava por trabalhador, que era
determinado pelo que conseguia cortar em um dia de trabalho. Este retângulo é
chamado pelos trabalhadores de eito, e seu comprimento varia de trabalhador para
trabalhador, pois depende do ritmo de trabalho e da resistência física de cada um.
(Alves, 2006)

Os trabalhadores da usina Sabaralcool iniciam o serviço às sete horas, o


fiscal apontador distribui o eito que pode ser de cinco ou sete ruas de canas. Mas,
geralmente são de cinco ruas. Os trabalhadores entrevistados apontam que a
produção rende mais na parte da manhã, porque as temperaturas são mais amenas
e o sol menos intenso.

Existem duas formas de medir o que o trabalhador produziu em um dia de


trabalho, pelo comprimento do eito, que seria por metro linear ou metro quadrado, ou
pela quantidade de cana cortada, que seria por tonelada.

No século XVIII e XIX, os trabalhadores recebiam por produção e tinham o


controle da sua produção. Hoje os trabalhadores não controlam nem a medida do
seu trabalho nem o valor do seu trabalho. Eles não controlam a medida porque, ao
final do dia, o encarregado, munido de um compasso com ponta de ferro, faz a
medição do seu trabalho. Algumas vezes não é permitido ao trabalhador
acompanhar a medição, outras vezes a medição só é realizada depois que os
trabalhadores se retiraram do eito. Muitas vezes, os trabalhadores sabem que
cortaram uma quantidade de metros elevada, mas como a cana pode ser de pouco
peso, como a cana de 5ª soca, eles acabam tendo um ganho pequeno. (Alves,
2006).

Paulo de 37 anos, afirma: “Nóis recebe por metro, o metro vareia né, a cana mais ruim
como ontem mesmo, nóis cortemo a R$ 0,04, hoje já foi a R$ 0,14, o salário não é um preço fixo por
mês, vareia né, tem mês que recebo quatrocentos e noventa reais outro quinhentos e pouco reais”.

Analisando o que o entrevistado disse, verificamos que a cana não tem um


preço fixo por metro, o preço depende do tipo de cana, se ela for mais pesada o
preço é melhor, se for cana caída o preço também é melhor, só que cortam menos
porque é difícil de ser cortada. Os cortadores de cana não têm um salário fixo por
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mês, pois depende da produção de cada um, mais o salário no final do mês fica em
torno de R$ 450,00 a R$ 585,00.

Os trabalhadores da cana são dominados e explorados pela empresa, pois


no final do dia não tem certeza de quanto ganhou, recebe um recibo (pirulito) onde
consta a quantidade de metros cortados por cada trabalhador. Percebi pelas
entrevistas que eles não reagem contra essa situação.

Os trabalhadores da usina Sabaralcool preferem que seu trabalho seja


medido por metro quadrado e não por toneladas, porque o metro eles podem ter
uma noção. Acompanhar a pesagem é mais complicado, pois depende de uma
balança que fica localizada na usina. Mas no caso desta usina o controle é feito por
metro quadrado, no final do dia o medidor usa um compasso de dois metros para
medir a cana cortada pelos trabalhadores.

Existem dois tipos de cana a ser cortada: a cana queimada para a produção
do açúcar e do álcool e a cana crua, ou seja, em palha destinada para o plantio.

A cana queimada: queima-se a


cana para facilitar o seu corte, e
apresenta outras vantagens como:
não tem palha, nem cobras, nem
aranhas, somente algumas
abelhas devido o melado da cana.
Mas apresenta também certas
desvantagens como: a terra fica
aquecida e, algumas vezes, o
calor se conserva até o início da Cana queimada
jornada.

Além disso, o trabalhador, durante a sua jornada de trabalho, estará exposto


à poeira, à fuligem da cana queimada que impregnam seu rosto, suas mãos e suas
roupas, a fumaça das queimadas dos canaviais formam nuvens no céu e lança no ar
gases tóxicos e cancerígenos, que contribuem para o efeito estufa, aquecimento da
terra, altera o clima e o regime de chuvas, podendo originar sérias conseqüências
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para a saúde da população, tais como: irritação nos olhos, nariz, garganta, tosse.
Quem mais sofre com esse problema são os idosos e crianças. A fuligem da cana e
os gases atingem toda a população em geral, seja na área urbana ou rural, porque a
fuligem e os gases são espalhados pelo vento atingindo até as cidades próximas.
Por exemplo, em Brasilândia do Sul quando cortam cana queimada, a fuligem suja
casas, roupas, calçadas e ruas, elevando ainda mais o consumo de água e energia
elétrica. Já a fumaça e labareda aumentam o número de acidentes em rodovias.
Sem contar os animais que morrem queimados quando se queima a cana.

Cana crua: Ela é cortada da


mesma forma que a cana
queimada, e é tirado no ar o
ponteiro (ponta da cana). A
vantagem de cortar cana crua é
que quase não se suja, mas tem
muitas desvantagens: é mais
difícil de ser cortada porque as
palhas atrapalham, têm muitos
insetos e animais peçonhentos, a Cana crua

palha da cana causa irritação na


pele e bate no olho e machuca.

Para cortar a cana, tanto a queimada como a crua, o trabalhador abraça um


feixe de cana. Dependendo da pessoa e da cana, pode ser duas, cinco ou mais
canas por vez e vai batendo o
facão até cortar todas as canas.

Há vários tipos de facão:


tem o de cabo curto, o qual exige
maior esforço físico e possibilita
maior ocorrência de acidentes,
devido à proximidade do corpo,
principalmente nos joelhos e na

Afiando o facão
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canela; o de cabo comprido, que oferece maior segurança ao cortador porque o local
do corte mantém distante do corpo, geralmente permitindo cortar um número maior
de canas por batida, diminuindo o esforço do braço e coluna, pois o trabalhador
necessita abaixar-se menos para fazer o corte; o de cabo torto, que permite um
corte “pranchado” (rente ao solo, promovendo um corte horizontal) não deixando
toco alto, evitando que o cortador raspe a mão no chão e curve demais a coluna; o
com folha ou lâmina torta, que possui as mesmas vantagens que o facão de cabo
torto. Cada trabalhador escolhe o que achar melhor para o seu labor.

Os facões são amolados várias vezes ao dia. Antes de amolar deve-se


limpar o facão e segurá-lo com o corte voltado para o lado de fora do corpo. A lima
deve se guardada em protetores de madeira, PVC, ou outro material, para evitar a
entrada de umidade, sujeiras do açúcar da cana e aumentar a sua durabilidade.

Em relação a isso, Clarice afirma: “a gente tem que corta bem certinho e tem que tira
o ponteiro certinho né, que é o olho da cana, a gente corta bem baixinho, pra corta a gente pega o
tanto de cana que guenta, pode corta uma, duas, três, quatro ou cinco de uma vez.

Como disse a entrevistada, o corte deve ser feito bem rente ao solo,
promovendo um corte horizontal, evitando-se o toco alto, pois é no pé da cana que
se concentra a sacarose.

Alguns prejuízos causados pelo toco alto

Para a empresa:

• Perda de gomos ricos em sacarose;

• Baixa qualidade do produto;

• Baixa produção de toneladas por hectares.

Para o cortador:

• Presença de toco seco ou bucha;

• Apontador ou fiscal no pé, com risco de pegar gancho;

• Necessidade de repasse;
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• Menor preço, devido à queda na produção;

• Maior ataque de brocas;

• Maior risco de acidentes (tropeçar);

• Maior desgaste do facão e lima;

• Perda de tempo;

• Maior esforço físico.

O corte não pode atingir a raiz para não prejudicar a rebrota. É proibido deixar
jacarés (cana não cortada que fica escondida em baixo do monte ou esteira). Os
trabalhadores fazem isso para se ter um maior rendimento no eito.

Para a empresa isso causa grandes desperdícios, prejudicam a brotação, pois


as soqueiras podem ser arrancadas pelo carregamento, aumentando o serviço dos
bituqueiros (pessoas que pegam as canas que sobram depois que o motô cana
passa).

Também não é permitido o telefone (corte da cana deixando-se uma ou duas


ruas sem cortar, voltando em seguida para igualar o eito). Para os cortadores isso
permite melhor rendimento de corte. Quando a empresa permite deve ser usado
somente para cana em pé.

Existe também o “Baião de Dois”, que é o corte feito por dois cortadores no
mesmo eito. É permitido em algumas empresas durante uma ou duas horas antes
do término do expediente ou quando a cana está muito ruim, diz Alvina. Mas a usina
Sabaralcool não permite esse tipo de corte, segundo alguns entrevistados.

No corte de cana existem duas situações de cana:

• Cana em pé: É aquela que se encontra reta por ocasião do corte, conhecida
como cana paquinha, etc.
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• Cana caída: É quando a cana


está totalmente caída. Pode estar
voltada para um lado só ou para
todos os lados, também chamada
de ”pé-de-rolo”.

A cana em pé é a mais fácil


de cortar só que mais barato do que
a cana caída que fica toda trançada.

Depois de cortadas as Corte de cana em pé

canas são colocadas em esteiras na linha central, geralmente na terceira rua em


eitos de 5 ruas e na quarta rua, em eitos de 7 ruas, só depois eles voltam tirando os
ponteiros. O desponte deve ser
feito no último gomo visível. Ela
pode ser feita no alto se for cana
utilizada para mudas e no chão
para a indústria. Os ponteiros
devem ser afastados da esteira ou
monte, no mínimo um metro para
diminuir as impurezas levadas para
a usina. Elas devem ser alinhadas
nas esteiras uma após a outra na Cana caída

mesma direção, para evitar o escorregamento durante o carregamento e os


desperdícios. Fica claro que a quantidade de cana cortada por dia por um
trabalhador depende exclusivamente de sua força e habilidade de trabalho e
também da sua necessidade em cortar mais para ganhar mais.

Os cortadores entrevistados têm carteira assinada, recebem férias, 13º


salário, mas trabalham de segunda a sábado, das 7h00min às 15h20min, quando
vem embora. Na maioria dos feriados são dispensados, mas em feriados que
trabalham a usina paga um preço melhor ou dispensa um dia na semana. Isso
geralmente acontece quando sobra bastante cana queimada. Como podemos
verificar na entrevista da Cristina.
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“ Nóis trabaia na cana seis dias na semana, de segunda a sábado, quando é feriado é
dispensado, mas tem feriado que eles não que dispensa, eles paga mais né, pra pode corta, porque
as vezes tem bastante cana queimada daí eles pede pra gente corta também no feriado, as vezes
eles faz acordo com o motorista pra gente í né corta, ou eles paga mais ou deixa falta um dia na
semana,um dia desses nóis foi corta no domingo porque tinha bastante cana queimada e tinha que
corta, eles reuniu com o motorista e com nóis pra í corta e nóis foi e na segunda eles deu folga pra
nóis.”

Mesmo quando está chovendo eles precisam ir ao trabalho, ficando dentro


do ônibus. Se a chuva não passar para trabalhar quando chegar perto do horário de
vir embora eles dispensam.

Um trabalhador que corta 6 toneladas de cana, em um eito de 200 metros de


comprimento por 6 metros de largura, caminha durante o dia uma distância de
aproximadamente 4.400 metros e despende aproximadamente 20 golpes com o
podão para cortar um feixe de cana, o que equivale a 66.666 golpes por dia
(considerando uma cana em pé, de primeiro corte, não caída e não enrolada, que
tenha uma densidade de 10 canas a cada 30 cm.). Além de andar e golpear a cana,
o trabalhador tem de, a cada 30 cm, abaixar-se e torcer - se para abraçar e golpear
a cana bem rente ao solo e levantar-se para golpeá-la em cima. (Alves, 2006)

Analisando o que disse Alves em sua pesquisa, os cortadores de cana


gastam por dia muita energia andando, golpeando, agachando, carregando peso
além de várias vestimentas que usam para proteger-se do sol escaldante, fazendo
com que suem abundantemente e percam muita água junto a sais minerais, levando
a desidratação, câimbras e tonturas, chamados por eles de tanguá.

Além disso, os movimentos repetitivos e seqüenciais realizados pelos


trabalhadores favorecem o aparecimento de doenças do trabalho como: dores no
corpo, tendinites, bursites e problemas de coluna. Para conter as câimbras,
desidratação e o tanguá a usina leva para o canavial um suplemento energético,
visando a reposição dos sais minerais e distribui para os trabalhadores, além de
remédios para dor de cabeça e dor no corpo.

Como disse Paulo em sua entrevista: “Eles dão alguns remédios, por exemplo, pra
dor de cabeça, e pra alguma dor no corpo, esses remédios fica no ônibus, quem que toma, vai lá e
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pega, quem não que não toma, eles dão um suco em saquinho pra abate o cansaço né? um
energizante vitamínico. Eu trago o meu saquinho pra casa e muitas vezes tomo em casa perto da
hora de dormi”.

A usina aceita atestados quando ficam doentes. Mas muitas vezes os


médicos dão uma declaração que a usina não aceita, descontando o dia do
trabalhador. Em relação a isso, Cristina afirma que

“Quando a gente fica doente e leva atestado daí eles paga, mas se a gente leva declaração
eles não aceita, porque é costume de a gente í consulta e eles dá declaração e daí não adianta
porque eles dá gancho do mesmo jeito, esses dias pra tráis acho que faz uns dois méis eu não tava
muito boa né fiquei em casa pra consulta daí consultei daí o médico me deu uma declaração...
Aquele dia trabalhei mas quando foi no outro dia eu fiquei em casa, fiquei de gancho e sendo que
estava doente”...

Para as refeições, os trabalhadores têm geralmente uma hora, sendo feitas


entre as 11 e as 12 horas, se for
na diária. Já no corte de cana por
produção, cada um escolhe o seu
horário.

Na hora do almoço, cada


um almoça onde melhor lhe
convir, podendo ser debaixo do
toldo do ônibus, em umas mesas
e cadeiras. Este espaço é muito Ônibus com toldo.
pequeno não comportam a todos.
Por vezes, eles preferem almoçar
no próprio eito, sentado em cima
da garrafa de água.

Quando eles vão cortando


as canas, arrastam também o
embornal de comida e a garrafa
de água para não ficar muito

Bolsa de alimentos e garrafa d’água exposto ao sol.


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distante e não perder tempo para ir buscá-los. Também não há no ambiente de


trabalho local adequados para guardar as marmitas, garrafas de água e café, o que
leva muitas vezes a deterioração dos alimentos, já que ficam muitas vezes expostos
ao sol.

Cristina disse em sua entrevista que muitos deles levam guarda chuva,
porque muitas vezes chove e o motorista sai, e eles abrem o guarda chuva para se
proteger da chuva.

Quando não dá para cortar cana ou quando termina a colheita os


trabalhadores vão fazer outros serviços como carpir ou replantar as canas que não
nasceram, daí recebe por diária. Eles pagavam, em 2007, pela diária em torno de
R$13,66, segundo o depoimento de Clarice.

Segundo a Folha de Londrina (26/09/2007), no Noroeste do Estado,


encontram-se cortadores de cana com jornadas exaustivas, equipamentos
ultrapassados (velhos sem condições de uso), baixos salários, falta de cumprimento
das leis trabalhista. Como se tudo isso não bastasse, eles se queixam também de
maus tratos, humilhação e até mesmo exploração por parte dos patrões.

A partir da década de 1990 houve um grande aumento da produtividade do


trabalho. Para garantir seus empregos, os cortadores de cana precisavam cortar no
mínimo 10 toneladas de cana por dia, aumentando a média de cana cortada para 12
toneladas por dia. Na usina Sabaralcool, eles “aceitam” se cortar um pouco menos
(8 toneladas) dessa quantia. Porém, abaixo desta quantia, os trabalhadores não
recebem a cesta básica que é dada mensalmente. Só recebe quem corta mais de
oito toneladas/dia, como podemos verificar no depoimento de Paulo

“Esse ano corto em torno de sete e oito toneladas de cana por dia, esse ano caiu 100% né
em relação ao ano passado, que cortava 18 a 20 toneladas. Agora esse ano eles tão dando uma
cesta básica, alguns não recebe a cesta porque a maioria não consegue atingir a tonelada”.

A Isto é (28/03/2007), afirma que a situação desses cortadores de cana


podia se agravar a partir daquele ano (2007), porque começa a ser colhido um novo
tipo de cana, mais leve por ter sido geneticamente modificado. Além de pesar menos
- pois elimina bastante a água -, esse tipo de cana concentra uma maior quantidade
18

de sacarose (açúcar). Tudo ótimo, menos para o trabalhador, que precisa cortar 100
metros de cana para produzir dez toneladas e por causa da novidade transgênica
precisará cortar o triplo para produzir a mesma quantidade.

Os versos de Pedro Costa, publicados na Revista De Repente (maio de


2006), interpreta esta realidade de “sub-escravo”:

Os usineiros da cana
Ostenta esta visão
Política do lucro fácil
Cultura da exploração
Um pensamento arcaico
Do tempo da escravidão

O trabalhador do campo
É mais do que explorado
Dez toneladas por dia
Pra manter registrado
Quem não atingir este teto
Já está desempregado

Milhares de nordestinos
Vivem estes empecilhos
Num trabalho sub-escravo
Seus olhos perderam os brilhos
Acorda Brasil, acorda!
Pra cuidar dos teus filhos...

Devido o trabalho árduo e exaustivo “cortadores de cana têm vida útil menor
que a dos escravos, já que o tempo de trabalho no setor é de cerca de 12 anos, diz
estudo; escravos chegavam a trabalhar até 20 anos”. (Folha de São Paulo, 2007)

Atualmente se verifica importantes avanços na qualidade do emprego nos


canaviais, como por exemplo: redução do trabalho infantil, aumento do nível de
formalidade, ganhos reais de salários, aumento de alguns benefícios. Mas, também
se constata problemas relacionados com a exploração e com o desrespeito aos
direitos trabalhistas.

Como foi exposto é impossível negar o quanto o trabalho do cortador de


cana é árduo e exaustivo. Ele fica exposto a todo tipo de intempéries e tem de
submeter a ritmos acelerados de trabalho uma vez que o ganho, geralmente, dá-se
por produção.
19

Mas a situação pior é a dos trabalhadores vindos de outros estados,


conhecidos como "Andorinhas" - porque “não são nem de cá e nem de lá”, deixam a
sua família em busca de emprego. Mas, muitos mal conseguem pagar as despesas
contraídas nos alojamentos. (Silva, 1990)

Segundo Thompson (1998, p. 287), “O trabalho mais árduo e prolongado de


todos era o da mulher do trabalhador na economia rural”. Principalmente se ela for
cortadora de cana, com jornada dupla, já que ao chegar em casa exausta, ainda tem
que cuidar das tarefas domésticas, dos filhos para depois se repousar e levantar no
outro dia para recomeçar tudo de novo.

Como define Maria A. de Moraes Silva, sobre o trabalho da mulher

“Agora, é obrigada a acumular a dupla jornada de trabalho,


transformando-se em dona de casa e ”bóia-fria”. Suas funções
na casa resumem-se às tarefas repetitivas de lavar, passar,
cozinhar”.

A entrevistada Alvina de 24 anos, é uma dessas trabalhadoras que acorda


de madrugada para arrumar a comida e as ferramentas para levar para a lavoura e
ainda tem que arrumar as crianças para deixar na casa da mulher que cuida deles
até a hora de ela levá-los para a creche, e ao retornar do trabalho vai buscar as
crianças na creche, só depois que vai tomar um banho e fazer as atividades
domésticas e depois descansar.

Verificamos nas visitas que foi feita nas residências desses trabalhadores
que as condições de vida da maioria são bem precárias, pois vivem em casa bem
simples, sem forro, só com contra piso, cobertas de telhas de amianto, com poucos
cômodos. Destas, algumas são próprias, financiados pelo BNH, outras são
alugadas, sem infra-estrutura.

Através das entrevistas com os trabalhadores observamos que a


alimentação, não é a ideal para repor os nutrientes perdidos durante o trabalho
devidos o grande esforço físico, pois o que ganham não dá para comprar carnes,
frutas e verdura diariamente, pois muito tem que pagar o aluguel que consome uma
20

boa parte do ganham. Se o trabalhador passar mal no canavial, geralmente ele é


socorrido pelo motorista do ônibus, porque não existe ambulância no canavial. O
motorista socorre e liga para a ambulância vir de encontro para levar o doente ou
ferido para o hospital.

No canavial, os
trabalhadores fazem as suas
higienes, muitas vezes, em
condições precárias. Em alguns
canaviais são montadas as barracas
sanitárias, que são tendas
desmontáveis, sustentadas por
hastes de alumínio ou ferro, fixadas
ao solo formando uma pirâmide
revestida de lona plástica. Depois Pia e barraca sanitária.

de montada é aberto no interior da barraca um buraco no chão, para que após cada
utilização seja jogado um pouco de cal virgem. No fim do dia a barraca é
desmontada pelo motorista do ônibus e a fossa vedada. Há também uma pia com
uma torneira para lavar as mãos.

Vaso sanitário.

O TRABALHO DOS PLANTADORES DE CANA E MOTORISTA DE ÔNIBUS


21

Formalizar uma relação de trabalho não é tarefa fácil para o trabalhador


bóia-fria. Normalmente, ele precisa contar com a presença e atuação de outra
pessoa, bastante conhecida e atuante nas relações de trabalho dos bóias-frias,
sendo denominado de gato, agenciador, coordenador, que assume
responsabilidades pelos serviços que deverão ser desempenhados e pelo
arregimentamento de turmas de trabalhadores, pois tem conhecimentos da cidade e
sabe onde encontrar mão de obra, uma vez que já tenham experiência com o
trabalho no meio rural. Como podemos observar no depoimento do seu João de 74
anos, hoje aposentado.

“O serviço da roça era pouco, pois o sítio eras pequeno pra mim e os meus filhos, que
nessa época moravam comigo, então os meninos sempre cuidava da roça, eu trabalhava com o
caminhão na usina, como agenciador dos bóias-frias pra leva pra corta cana”.

O mediador assumia o papel intermediário entre patrão e empregado.

Sobre o surgimento desse mediador, consta no estudo de Moraes e Silva,


que:

“... [Ele] deve ser entendido nos contextos da circulação da


força de trabalho, da eficácia da lei como instrumento de
negação do trabalhador e do mascaramento das relações entre
patrões e empregados”. (Mores e Silva, 1999, p.114)

Com o passar do tempo esse mediador foi substituído por um coordenador


de turma, que nada mais é que um “gato”, pois é encarregado de desempenhar as
mesmas funções. (Carmo, 2006, p.146)

Geralmente estas pessoas são também donas do transporte dos


trabalhadores.

Além de arregimentar os trabalhadores e levá-los ao trabalho, também


socorriam em caso de acidentes, encaminhavam ao escritório para fins de registro e
efetuava o pagamento. A esse respeito disse seu João:
22

“Quando chega nos canavial as pessoas ia trabaia eu ia administra o povo... (...) fica
administrando pra pode faze o serviço bem feito né, a tarde os fiscal media a cana cortada... (...) a
usina pagava pra mim, e eu fazia o pagamento pra os bóia-fria, eles recebia por metro, era tudo de
empreita...”

No início o transporte era feito com caminhão, coberto por um toldo


(obrigatório pela legislação), com vários bancos de madeira para os trabalhadores
sentarem. O problema pior para o motorista era nos carreadores que tinha que ir
com muito cuidado, para não tombar o caminhão, com cerca de 90 pessoas, porque
se isso ocorresse podia ser fatal, com mortes de muitos trabalhadores, como se tem
notícias em jornais sobre acidentes com caminhões de trabalhadores rurais.

Nessa época, a exploração dos trabalhadores é avaliada por eles como


sendo pior do que nos dia de hoje. Seu João disse em depoimento que não tinha
hora certa para vir embora, muitas vezes tinham que terminar um talhão, para no dia
seguinte ir pra outro lugar. Certas vezes, o trabalho era concluído quando já era
noite e o motorista ligava o farol do caminhão para terminar.

Seu João relata em seu depoimento que ele ganhava por comissão, 8% do
que a turma cortava, e as despesas do caminhão eram por sua conta. E que
naquela época os cortadores não tinham proteção, nem o facão a usina fornecia
tudo era por conta do trabalhador.

Com o tempo, após muitos acidentes com mortes e mobilização dos


trabalhadores se manifestando contra isso, a lei proibiu o uso do transporte dos
trabalhadores em caminhão, passando para o ônibus, melhorando um pouco a
qualidade de transporte para os trabalhadores.

Seu Sebastião de 50 anos, afirma em seu depoimento que recebia o seu


pagamento por mês, mas que tem mês que a usina atrasava o pagamento, depois
foi terceirizado, daí foi bem melhor, porque ganhava mais. A usina fornece o diesel,
e ele recebe 18% da produção dos trabalhadores, mas a manutenção do ônibus é
pago por ele, por isso sobra pouco.
23

A vida desses motoristas não é nada fácil. Como não são empregados da
usina, se ficar doentes tem que pagar outro motorista para levar os trabalhadores,
não tem carteira assinada, nem férias e nem 13º salário.

Chegando ao canavial armam o toldo, abre uma fossa no chão para servir
de privada, instala a barraca sanitária, a torneira para a higiene pessoal e no final do
dia desmonta tudo e veda a fossa.

Trabalhar como motorista é cansativo, mas é melhor do que muitos outros


serviços. Como aponta seu Sebastião:

“Acho esse serviço cansativo né, mas é razoável, melhor do que ir carpi trabalhar com
trato”.

O trabalho dos plantadores de cana são tão árduos e exaustivos quanto o


dos cortadores de cana que levantam e pegam no serviço no mesmo horário.

Neste serviço, há uma divisão de trabalho: para cada caminhão são quatro
jogadores e passam o dia todo em cima de um caminhão jogando as canas; quatro
plantadores, que geralmente são mulheres, jogam as canas nos sulcos; quatro
picadores ficam no chão picando as canas dentro dos sulcos; também tem um
bombeiro para servir água para as pessoas. Como aponta Edmar de 38 anos, um
picador de cana em seu depoimento:

“São quatro pessoa em cima do caminhão jogando cana inteira, joga dois dum lado e dois
do outro, o caminhão vai na frente, ele vai jogando a cana para as plantadeiras que coloca dentro do
suco, e a gente vai só picando dentro do suco com um facão, picamos duas ou três cana de uma só
vez, com uma só batida de facão”.

Eles plantam quatro a seis ruas de uma vez, o caminhão fica no meio das
ruas para facilitar na hora de jogar as canas dos dois lados, logo atrás vem um trator
jogando terra para cobrir as canas, se ficar ponta sem tampar vem algumas pessoas
com uma enxada para terminar a cobertura. Segundo Edmar esse processo é feito
de fevereiro a final de novembro, já nos meses de dezembro e janeiro e feito a
24

replanta e a carpa ou então em época de seca quando a terra fica muito dura e não
dá para plantar.

Segundo Vanderlei de 32 anos, ficar em cima do caminhão jogando cana no


chão é muito cansativo, é muito arriscado, porque às vezes o caminhão tomba e
quando começa a tombar eles tem que sair pulando, para não ir junto com o
caminhão ou cair embaixo dele.

Esses trabalhadores têm carteiras assinadas, mas o salário não é fixo,


dependendo da produção e recebendo por metro quadrado de cana plantada, que é
medido por um fiscal no final do dia com um compasso de dois metros. Os jogadores
recebem mais do que os outros trabalhadores, mas quando é para replantar ou
carpir recebem por diária, sendo aproximadamente R$13,00 na época da entrevista.

Indaguei a Eliane a nossa entrevistada se a usina não possui máquina que


faz esse tipo de serviço? Ela respondeu:

“Sim, tem uma máquina que planta a cana, mas ela é mais lerda doas pessoas plantando,
ela só planta na terra plana, fica umas quatro pessoas em cima da máquina uns tira a palha da cana
e outros coloca a cana na máquina daí ela pica e planta, só que o ano passado foi usado pouco e
este ano ainda não foi usada”.

Eles reclamam de algumas dificuldades encontradas nesse tido de trabalho


como: jogador que não vence jogar a cana no lugar certo, e tem que buscar a cana
lá na frente para plantar atrás; trabalho curvado e rápido para acompanhar o
caminhão; muita poeira; muito perigoso, pois pode cair do caminhão; quando o
caminhão começa a tombar tem que pular dele. Sem contar as dores na coluna, nos
braços, nas pernas e as câimbras que são freqüentes.

É preciso desde já lutar contra este triste cenário, com coragem e


responsabilidade, pois não é possível aceitar que o mesmo setor que se faz líder de
produtividade de açúcar e álcool continue a ser líder de degradação ambiental e
precarização das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores da cana.
25

CONCLUSÃO:

O presente artigo analisou as condições de vida e de trabalho dos


trabalhadores canavieiros do município de Brasilândia do Sul-Pr no processo de
trabalho da cana-de-açúcar na usina Sabaralcool localizada no município de
Perobal. Os resultados obtidos mostram algumas alterações na qualidade do
emprego para os trabalhadores, principalmente no que diz respeito ao aumento de
nível de formalidade, aos ganhos reais, conquistas de alguns direitos, como férias,
décimo terceiro e outros. Além disso, não constatamos trabalho infantil.

Apesar disso, constatou-se problemas semelhantes aos enfrentados pelos


trabalhadores desde, pelo menos, o século XVIII.

É necessária a melhoria das condições de vida e de trabalho dos


trabalhadores de cana, para evitar que estes venham a adoecer e até mesmo morrer
por excesso de trabalho. Pois para garantir a sua remuneração, eles se esforçam
além dos limites físicos, causando acidentes, problemas de saúde e mutilações.
Para conseguir essa melhoria é necessário mudança no processo de trabalho e na
forma de pagamento por produção.

Em relação à mudança no processo do corte da cana, a substituição do


trabalho manual por trabalho mecanizado e o fim das queimadas precisam ser
acompanhadas de medidas que, pelo menos, permitam aos trabalhadores a
conquista de outros empregos. Dentre estas medidas, no âmbito das políticas
públicas, aponto escolarização e qualificação dos jovens cortadores de cana para
capacitá-los para os novos postos de trabalhos que surgem com a mecanização –
operadores de máquinas, tratoristas, mecânicos, motoristas e outros, e também a
criação de novos postos de trabalho fora do setor canavieiro.

Há que se reiterar, porém, que a política pública que mais gera trabalho e
renda é a da reforma agrária e assentamento de trabalhadores.

Até que essas políticas públicas e a mecanização completa da cana se


concretizam é preciso por fim ao processo por produção.
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É evidente que os usineiros se opõem ao fim do pagamento por produção,


como forma de eliminar os desgastes físicos, químicos, psíquicos e as mortes dos
trabalhadores.

Nesse contexto, cabe ainda uma investigação sobre a saúde desses


trabalhadores dos canaviais.

Este artigo poderá levar as mãos dos professores algumas sugestões,


análise e reflexões para transformar e enriquecer o ensino.

FONTES ORAIS

Cristina, 37 anos, natural de Brasilândia do Sul-PR, trabalha cortando cana.

Clarice, 28 anos, natural de Brasilândia do Sul-PR, trabalha cortando cana.

Alvina, 24 anos, natural de Iporã-PR, separada, trabalha cortando cana.

Paulo, 37 anos, natural de Assis Chateaubriand-PR, casado, trabalha cortando cana.

Francisco, 61 anos, aposentado, natural de Poremas-Paraiba, casado, trabalhou


como cortador de cana.

Eliane, 28 anos, natural de Alto Piquiri-PR, solteira, trabalha plantando cana.

Edmar, 38 anos, natural de Paranavaí-PR, trabalha picando cana no sulco.

Vanderlei, 32 anos, natural de Brasilândia do Sul-PR, casado, trabalha jogando cana


para plantar.

João, 74 anos, aposentado, natural de Grão Mogol- MG, amasiado, trabalhava como
motorista de caminhão.

Sebastião, 50 anos, natural de Santo Expedito-SP, amasiado, trabalha como


motorista de ônibus.

REFERÊNCIAS

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http://www.apsp.org.br/saudesociedade/XV_3/revista%2015.3_artigo%2006.pdf.
Acessado em: 16/6/2007.
27

THENÓRIO, IBERÊ. Proteção Inadequada machuca e incomoda cortadores de


cana. Disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=620%20.
Acessado em: 9/6/2006.
AEN. Produção de cana-de-açúcar do Paraná tem crescimento de 22,7%. Disponível
em: http://www.aenoticias.pr.gov.br/modules/news/article.php?storyid=23179.
Acessado em: 13/10/2007.
CPT. O Paraná e a cana-de-açúcar. Disponível em:
http://www.cpt.org.br/?system=news&action=read&id=379&eid=129. Acessado em:
13/10/2007.
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CARMO, Maria A. A. – Lavradores de Sonhos: saberes e (des) caminhos de


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26/09/2007.
Folha de São Paulo- Cortadores de cana têm vida útil menor que a dos escravos.
29/04/2007.

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