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A Força Normativa da Constituição - KONRAD HESSE

Palestra de Hesse em Freiburg em 1958.

CONSTITUIÇÃO REAL X CONSTITUIÇÃO JURÍDICA

16 de abril de 1862. Berlin. Ferdinand Lasalle.

Constituição expressa relações de poder. Poder militar, poder social, poder econômico,
poder intelectual. Questões constitucionais são políticas, não jurídicas.

Constituição jurídica se submete à Constituição real.

Hoje (1958) não se atribui relevância maior à consciência e à cultura como fatores reais
de poder.

História constitucional → práxis política mostra que o poder da força se mostra sempre
superior às forças das normas jurídicas. Normatividade se submete à realidade fática. Exemplo:
debacle da constituição de Weimar (ficou suspensa durante o Terceiro Reich suspendendo-se
as eleições e os direitos fundamentais).

Norma constitucional Estática, racional


Constituição real Fluida e irracional

Constituição real → negação da Constituição jurídica. Negação do Direito


Constitucional. Negação do seu valor enquanto ciência jurídica.

Direito Constitucional é ciência normativa. Diferencia-se da Sociologia e da Ciência


Política que são ciências da realidade.

Função do Direito Constitucional não seria estabelecer uma ordem estatal justa, mas de
justificar as relações de poder dominantes. Deixa de ser uma ciência normativa (dever ser) e
passa a ser uma ciência do ser. Indiferenciada da Sociologia ou da Ciência Política.

INDAGAÇÕES

Se admite que a Constituição contém, ainda que de forma limitada, uma força própria,
motivadora e ordenadora da vida do Estado ? Questão da força normativa da Constituição. Ao
lado do poder determinante das relações fáticas, expressas pelas forças políticas e sociais, existe
uma força determinante do Direito Constitucional ? Ficção ?

Não há garantia externa para a execução dos preceitos constitucionais.

Conceito de Constituição jurídica e de Ciência do Direito Constitucional enquanto


ciência normativa dependem de resposta a essas indagações.
INVESTIGAÇÃO E PONTO DE PARTIDA

Investigação → Limites de possibilidades da atuação da Constituição jurídica.


Pressupostos de eficácia da Constituição. Ponto de partida: relação entre ordenamento e
realidade.

Passado recente marcado pelo isolamento entre norma e realidade. Positivismo jurídico
da Escola de Paul Laband e Georg Jellinek e positivismo sociológico de Carl Schmitt.
Separação entre ser e dever ser não leva a qualquer avanço nas indagações. Separação leva
à norma despida de qualquer elemento de realidade ou de uma realidade esvaziada de elemento
normativo.

Pretensão de eficácia da norma constitucional só pode ser realizada se levando em


conta as condições naturais, técnica, econômicas e sociais da realidade. Também se deve
levar em conta o substrato espiritual do povo (= concepções sociais concretas + base
axiológica) que influencia a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições
normativas.

Pretensão de eficácia da norma constitucional não se confunde com as condições de sua


realização. As condições constituem elemento autônomo. Constituição é determinada pela
realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela. Força condicionante da
realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas, porém não podem ser
definitivamente separadas ou confundidas.

Constituição real e Constituição jurídica estão em relação de coordenação.


Condicionam-se mutuamente. Não dependem uma da outra.

A pretensão de eficácia da Constituição (jurídica) é um elemento autônomo no campo


de forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição tem força normativa na medida
em que é bem-sucedida na pretensão de eficácia.

Indagação: possibilidades e limites na realização da pretensão de eficácia, dentro do


contexto amplo de interdependência com a realidade.

Teoria do Estado do Constitucionalismo → separação entre a Constituição jurídica e o


TODO da realidade estatal.

Humboldt → Nenhuma Constituição fundada num plano racionalmente elaborado pode


lograr êxito. Somente há o desenvolvimento da Constituição que resulta da luta dos opostos:
1) acaso poderoso; 2) racionalidade. Em outras palavras, somente a Constituição que se
vincule a uma situação histórica concreta e suas condicionantes, dotada de ordenação
jurídica orientada pela razão, pode, efetivamente desenvolver-se.

Humboldt → Os projetos que a razão pretende concretizar recebem forma e


modificação do objeto mesmo a que se dirigem. Assim tornam-se duradouros e ganham
utilidade. A razão possui capacidade para dar forma à matéria disponível. Ela não tem força
para produzir substâncias novas. Essa força reside apenas na natureza das coisas. A razão sábia
empresta-lhe estímulo, procurando dirigi-la.

Humboldt → As Constituições não podem ser impostas aos homens tal como se
enxertam rebentos em árvores. É necessário que o tempo e a natureza atuem previamente.
Humboldt (1813) →Toda Constituição deve encontrar um germe material de força vital
no tempo, nas circunstâncias, no caráter nacional, necessitando apenas de desenvolvimento.
(ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO) Afigura-se altamente precário pretender concebê-la com
base, exclusivamente, nos princípios da razão e da experiência.

Se as leis culturais, sociais, políticas e econômicas imperantes são ignoradas pela


Constituição, esta careceria do imprescindível germe de força vital. A disciplina normativa
contrária a essas leis não logra concretizar-se. (LIMITES DA CONSTITUIÇÃO)

Constituição determinada pelo princípio da necessidade. Vincula-se às forças


espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo. Converte-se na ordem geral objetiva do
complexo de relações da vida.

Constituição jurídica logra converter-se em força ativa, que se assenta na natureza


singular do presente. Constituição pode impor tarefas. Transforma-se em força ativa se essas
tarefas forem efetivamente realizadas, se houver orientação da conduta segundo a ordem nela
estabelecida.

A Constituição se converterá em força ativa se fizerem-se presentes na consciência


geral, em particular na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional, não
só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição. (PRESSUPOSTO DE
EFICÁCIA)

Vontade de Constituição possui 3 vertentes:

1. Compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que


proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. (VALORATIVO)

2. Compreensão de que a ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos,
necessitando estar em constante processo de legitimação. (PROCESSUAL)

3. Consciência de que essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana.
(ADESÃO VOLUNTÁRIA)

Todos nós estamos convocados a dar conformação à vida do Estado, assumindo e


resolvendo as tarefas por ele colocadas.

Essência e eficácia da Constituição reside na natureza das coisas.

Pressupostos envolvem tanto o conteúdo da Constituição, como a práxis constitucional.

PRESSUPOSTOS

1. CONSTITUIÇÃO COM CORRESPONDÊNCIA NA NATUREZA SINGULAR DA


REALIDADE PRESENTE

1.1. Correspondência do conteúdo da Constituição com a natureza singular do presente


➔desenvolvimento de sua força normativa. Deve levar em conta elementos sociais,
políticos, econômicos, mas também deve incorporar o estado espiritual de seu tempo.

1.2. Constituição deve se mostrar adaptável a eventuais mudanças dos condicionantes. Fora
de disposições técnico-organizatórias, a Constituição deve limitar-se ao estabelecimento
de alguns poucos princípios fundamentais, cujo conteúdo poderá ser desenvolvido em
face de mudanças na realidade sociopolítica. Constitucionalização de interesses
momentâneos ou particulares exige uma constante revisão constitucional, com
desvalorização da força normativa da Constituição.

1.3. A Constituição não deve assentar em estrutura unilateral. Se quiser preservar a força
normativa de seus princípios fundamentais, deve incorporar, mediante ponderação, parte
da estrutura contrária. Direitos fundamentais e deveres. Divisão de poderes e
concentração de poder. Federalismo e unitarismo. A concentração absoluta de um desses
princípios levaria (em momento de crise) à ultrapassagem dos limites da força normativa.
A realidade poria termo à sua normatividade. Os princípios estariam derrogados.

2. PRÁXIS - PARTILHAMENTO DA VONTADE DE CONSTITUIÇÃO

Vontade de Constituição deve ser preservada, mesmo que tenhamos de renunciar a


alguns benefícios ou vantagens. Fortalecimento do respeito à Constituição e garantia de um
bem da vida indispensável à essência do Estado democrático. (Walter Burckhardt)

Frequência de reformas constitucionais por valoração de exigências de índole fática em


detrimento da ordem normativa vigente debilita a força normativa da Constituição.

Interpretação contribui para a consolidação e preservação da força normativa da


Constituição. Interpretação constitucional submete-se ao princípio da ótima concretização da
norma. Correlação entre condicionante dos fatos concretos da vida com as proposições
constitucionais. Concretização ótima do sentido da norma dentro da situação real. Interpretação
construtiva.

Mudança de relações fáticas pode provocar mudanças na interpretação da Constituição.


O sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação, portanto de qualquer
mutação normativa. A finalidade de uma proposição constitucional e sua nítida vontade
normativa não devem ser sacrificadas em virtude de mudança de situação.

Se o sentido da proposição normativa não pode mais ser realizado, impõe-se a revisão
constitucional.

LIMITES DA FORÇA NORMATIVA

Limites da força normativa da Constituição estão vinculados tanto à vontade de


Constituição como aos fatores sociais e econômicos.

Quanto mais intensa for a vontade de Constituição, menos significativos serão as


restrições e os limites impostos à força normativa da Constituição.

Sempre haverá limites à força normativa da Constituição nos condicionantes naturais.

Em situações de emergência, nos tempos de necessidade é que se prova a força


normativa da Constituição. Importância de verificar durante o estado de necessidade a
superioridade da norma constitucional sobre as circunstâncias fáticas.

Quando os pressupostos estão presentes, assegura-se a força normativa da Constituição


mesmo em caso de confronto com a realidade.
Se os pressupostos não estiverem presentes, os problemas constitucionais passem de
questões jurídicas para questões de poder e a Constituição jurídica sucumbe em face da
Constituição real.

DIREITO CONSTITUCIONAL

Não é mera ciência normativa. Está condicionado pela grande dependência que o seu
objeto apresenta em relação à realidade político-social, como também ausência de garantia
externa para observância de suas normas.

Normatividade e vinculação do direito com a realidade. Direito constitucional depende


de ciências da realidade mais próximas, como História, Sociologia e Economia.

Concretização plena da força normativa constitui meta a ser almejada pela Ciência do
Direito Constitucional.

Compete ao Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade de


Constituição que garante a sua força normativa.

FORÇA NORMATIVA E ESTADO DE NECESSIDADE

Cláusula especial para o estado de necessidade. Ausência justificaria estado de


necessidade suprapositivo, regra que expressaria a ideia de que a necessidade não conhece
limites. A renúncia da Constituição à disciplina representa uma capitulação do Direito
Constitucional diante do poder dos fatos.

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