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1
São Paulo: Paulus Editora, 1994, p 38.
2
BOFF, Leonardo. Igreja, Carisma e Poder. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1982, p 58.
3
Fundamentação Atual dos Direitos Humanos entre Judeus, Cristãos e Muçulmanos. Caderno de Teologia
Pública da UNISINOS – Ano IV – N. 28 – 2007, p 05.
2
trabalho. O jurista italiano Norberto Bobbio, por exemplo, em sua A Era dos Direitos, não
expressa reconhecimento do papel determinante da herança cristã para a elaboração dos
conceitos fundantes dos direitos humanos. Mesmo quanto à história da formação dos direitos,
afirmará que “sua primeira fase deverá ser buscada na filosofia” 4 moderna, em especial, no
legado de John Locke e Jean-Jacques Rousseau5, ignorando o caldo cultural greco-romano e
judaico-cristão que possibilitou a expressão filosófica destes grandes mestres do Iluminismo.
4
Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992, p 28.
5
Jean-Jacques Rousseau, por exemplo, era de tradição calvinista, expressão religiosa altamente política e
antimonárquica.
6
Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p 481.
7
São Paulo: Editora Atlas, 2005, p 154-155.
3
influência que as Sagradas Escrituras produziram sobre a cultura ocidental”. E isto porque no
Ocidente, “as tradições, os hábitos, os costumes, as crenças populares, a moral, as instituições,
a ética, as leis... estão profundamente marcadas pelas lições cristãs”.8
A temática dos direitos humanos, mais especificamente acerca dos fatores políticos,
religiosos e teóricos que lhes deram expressão, não poderia fugir à regra da necessidade de
tratamento multidisciplinar. O objeto deste trabalho faz desta metodologia a sua característica
principal, pois se prestará a perquirir sobre em que medida o Cristianismo colaborou para a
expressão teórica dos direitos humanos – mais precisamente, sobre as declarações de direitos
de 1776, nos Estados Unidos e, nisto, indiretamente para a declaração francesa de direitos em
1789.
A modernidade, por sua vez, não é um período linear na história, antes um fenômeno
cultural que se inicia na Europa, e só muito lentamente vai se estendendo ao restante do
mundo. Por esta razão, crucial é a pergunta de sentido, feita por Frédéric Lenoir: “Por que
será que aquilo que chamamos de ‘modernidade’ não teve lugar em outro lugar – na China, na
Índia ou no Império Otomano, por exemplo – e num outro período da História?”11
8
BITTAR & ALMEIDA, 2005, p 145.
9
Filosofia dos Direitos Humanos. São Leopoldo: UNISINOS Editora, 2000, p 158.
10
BOBBIO, 1992, p 02.
11
A Filosofia de Cristo, p 163.
4
Na verdade, ainda hoje o vernáculo dos direitos humanos não se faz presente, em sua
completude, em importantes nações. Neste sentido, o escritor espanhol Fernandez Garcia
Eusebio, em sua obra Dignidad Humana y Ciudadania Cosmopolita, fazendo uso de relatório
publicado pela UNESCO, revela os limites enfrentados por alguns países quanto à efetivação
dos direitos humanos.
No sânscrito, por exemplo, língua oficial da Índia, não existe nenhuma palavra
equivalente a direito. Ainda, afirma que “en la concepcion hindu los derechos sólo pueden
derivarse de los deberes que rigen la acción meritória”,14 sendo estranha, por exemplo, a ideia
de uma dignidade intrínseca ao fato de alguém ser um ser humano. A situação é de tal
gravidade que se alguém diz a um hindu, imerso na tradição hinduísta, que existem
determinados direitos em virtude de que se é um ser humano, simplesmente tal hindu irá rir.15.
Uma lista de direitos humanos desconexa de outra lista de deveres não lhe fará sentido, tal é o
condicionamento que sofre, de que direitos estão sempre associados a deveres. Também no
Japão, notifica o autor, é “inquietante que no exista (...) una palabra que corresponda a
12
LENOIR, Frédéric, p 163.
13
Depois da Virtude. Bauru: EDUSC Editora, 2001, p 126-27.
14
EUSEBIO, Fernandez Garcia. Dignidade Humana Y Ciudadania Cosmopolita. Madrid: Dykinson Editora,
2001, p 65.
15
Idem, ibidem.
5
derecho, droit, right, recht. Y mas aún, que la cultura japonesa se base fundamentalmente en
obligaciones y deberes y no en derechos”. 16
16
EUSEBIO, 2001, p 64.
17
Idem, p 66.
6
“Não faz muito um estudante chinês perguntou-me como ele poderia explicar para
seus futuros alunos a importância cultural do Cristianismo no Ocidente, de modo
que fosse inteligível para eles quando ele lá retornasse como professor. Sugeri que
os estudantes compreenderiam algo do Marxismo, e que o pai espiritual de Marx era
Hegel; logo o avô espiritual de Marx era Lutero”.18
Obviamente que existem enormes diferenças entre os três teóricos acima referidos. No
entanto, o que ressalta-se de Frye é que as ideias filosóficas do Ocidente não nasceram do
nada, antes manifestaram desenvolvimento de ideias germinais que ali já existiam. Neste
sentido, há uma interdependência difusa entre as grandes ideias filosóficas e culturais do
Ocidente, com a singularidade teológica do Cristianismo. Por esta razão, o filósofo e
historiador marxista Milan Machovec, em sua obra Jesus para Marxistas, questiona a
pretensão dos ortodoxos de sua escola filosófica, de abandonar a contribuição da tradição
cristã para a configuração da cultura Ocidental. Em suas palavras, “os que querem
radicalmente separar-se dessa tradição devem, para seu próprio bem, tomar consciência de
18
O Código dos Códigos – a bíbia e a literatura. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006. 2º Ed, p 19.
7
que não é verdadeiramente fácil abandonar tudo do que (e tudo por que) nossa cultura viveu
durante dois mil anos”.19
Esta é, na verdade, uma das teses fundamentais da filosofia de Váttimo. Em sua obra
Depois da Cristandade, defende que “se quisermos falar do Ocidente, da Europa, da
modernidade – termos que, para o nosso discurso, têm o valor de sinônimos – bem como de
entidades histórico-culturais reconhecíveis e caracterizadas, a única noção que podemos
utilizar é justamente aquela da secularização do patrimônio judaico-cristão”. 21 Em outras
palavras, Váttimo entende que o Ocidente é o Cristianismo elevado às consequências
máximas de sua mensagem intrínseca. Repetindo Weber, relembrará que a racionalidade
ocidental que ensejou a Modernidade não se repetiu em lugar algum [ao menos em período
concomitante], senão no seio da tradição judaico-cristã. 22 Tanto para Weber quanto para
Váttimo, o próprio secularismo é fruto de ideias intrinsecamente cristãs. Sem discutir o grau
do eurocentrismo de Váttimo, cumpre apenas destacar que, em grau maior ou menor, a
identidade ocidental está amalgamada à cultura cristã.
Esta visão, na verdade, não está ilhada, quando se fala da formação da cultura e
identidade do Continente Europeu. Da Cátedra Jean Monnet de História da Integração
Europeia, da Universidade de Salamanca - Espanha, Mercedes Samaniego, em seu artigo
¿Que Queremos Decir quando Decimos Europa?, sustenta:
“Nuestros bienes mayores (...) son la Libertad, la Paz, Dignidad Humana, Igualdad y
Justicia Social. [Valores] arraigados en la antigüedad y el cristianismo, que a lo
largo de 2000 años han evolucionado hasta lo que hoy constituyen los fundamentos
de la democracia moderna […] Conjunto de valores que tienen sus claros cimientos
morales y sus obvias raíces metafísicas al margen de que el hombre moderno lo
admita o no”.23
19
São Paulo: Loyola Editora, 1989, p 37.
20
O Futuro da Religião. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006, p 74.
21
Rio de Janeiro: Record Editora, 2004, p 94.
22
Idem. Pg. 96-7.
23
In: GÓMEZ-CHACÓN, Inés Maria. (Ed.). Identidad Europea - Individuo, grupo y sociedade.
Espanha: Universidade de Deusto, 2003, p 41-2.
8
“Grupos como los mennonitas, los cuáqueros, los doukhobors por el protestantismo;
o, primero, los ideales de vida benedictina y el franciscanismo; y, después el
jesuitismo (especialmente, este último, en América Latina) por el catolicismo,
crearían sus propios códigos, sus sociedades fraternales y sus nichos eco-sociales.
Resulta difícil medir en qué grado estas pequenas iglesias minoritarias o este
evangelismo humanista influyeron en el todo social o en la construcción de la idea
de Europa. Lo que es seguro es que influyeron”.24
24
El pacifismo europeu, constructor de identidades transversales y globalizadas. In: GÓMEZ-CHACÓN,
Inés Maria. (Ed.), p 293.
25
BOBBIO, p 25.
26
BIELEFEILDT, p 146.
9
Para Milan Machovec, “a história conheceu grandes figuras, que arrastaram milhões
de homens: Confúcio, Buda, Sócrates... Passaram séculos e o nome deles não desapareceu”.
No entanto, continua o autor, “o que aconteceu ‘em seu nome’ [de Jesus de Nazaré], quando
esse homem já não percorria a Galiléia e a Judéia, não tem equivalente na história, nem em
27
extensão, nem em intensidade”. Enquanto os filósofos gregos e juristas romanos,
majoritariamente, só são conhecidos em ambiente de literatura dirigida, os valores da cultura
cristã são implantados nas consciências individuais desde a infância, sob o cimento religioso.
Não raras vezes, um debate temático sobre este assunto é interrompido pela tese de
que, mais que afirmar os direitos humanos na história, o Cristianismo os emperrou, fazendo o
papel de inimigo da dignidade humana. Sem exaurir o tema, pois há uma parcial legitimidade
envolvida nesta acusação, cumpre assinalar algumas notas sobre sua pertinência. Quanto a
isto, se pronunciou a teóloga e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Maria Clara Lucchetti
Bingemer:
27
Jesus para Marxistas. São Paulo: Loyola Editora, 1989, p. 36.
28
O Problema da Descrença no Século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p 374.
10
Enquanto Cristandade, ao longo da história, esta tradição pôde avançar com sua
mensagem libertadora, mas também fez recuar suas próprias conquistas. No entanto, enquanto
conteúdo de fé, o Cristianismo atuou como depósito de valores humanizadores, fomentando
em todas as épocas o avanço da civilização.
Deste lócus, Onfray experimenta com maior intensidade a influência da tradição cristã
no Ocidente. Para ele, ‘a época que vivemos (...) não é ateia. Também não parece ainda pós-
cristã”.30 A despeito de as instituições cristãs que encarnaram durante séculos o Cristianismo
não exercerem mais – de forma direta - o poder político de outrora, sua influência ainda é
generalizada, sobretudo, porque embebeu o Ocidente com uma episteme profundamente
enraizada. A inculturação de valores exercida pelo Cristianismo no Ocidente é tão grande que
mesmo indivíduos que se acreditam ateus, professam, sem perceber, uma ética, um
pensamento, uma visão de mundo impregnada de judeo-cristianismo:
Para o filósofo, “A carne ocidental é cristã. Inclusive a dos ateus, dos muçulmanos,
dos deístas, dos agnósticos educados, criados ou formados na zona geográfica ou ideológica
judeu-cristã”, afirma o filósofo. Não somente o corpo, acrescenta o autor. A estética, a
29
Violência e Religião - cristianismo, islamismo e judaísmo. Rio de Janeiro: PUC-RIO Editora, 2002, p 168.
30
São Paulo: Martins Fontes Editora, 2009, p 30.
31
Idem, p 43.
11
pedagogia, a filosofia, a política, o trabalho, a família, a pátria, etc. Mas, será sobre o direito
moderno que Onfray atribuirá ao Cristianismo sua influência mais direta. Em sua visão, o
Código Civil Francês está em linha genealógica direta com a tradição judaica. Mais que isto,
os fundamentos da lógica jurídica provêm diretamente das primeiras linhas do livro bíblico de
Gênesis. Em suas palavras:
A análise da relação entre Cristianismo e Ocidente torna inegável que esta tradição
tenha contribuído, para bem ou para mal, com a produção teórica dos direitos humanos. Neste
sentido, parece razoável a opinião do filósofo Leonard Swildler: “Embora apenas nos tempos
modernos se tenha desenvolvido nossa noção de direitos humanos, ela tem seus fundamentos
nos dois pilares da civilização ocidental: a religião judeu-cristã e a cultura greco-romana”. 33
Ressalta-se que, sob o termo ‘cultura greco-romana, reside um mar de contribuições outras.
De forma idêntica, sob o termo ‘religião judeu-cristã’.
32
ONFRAY, 2009, p 37.
33
Direitos Humanos: apanhado histórico. In: CONCILIUM – Revista Internacional de Teologia. Ética das
Grandes Religiões e Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, v. 228, n. 2, 1990, p 21.