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universidade onde atuamos. Esse espaço – que agora já faz parte da cultura do curso de
dia dos encontros é fixado, a cada ano, em função dos nossos horários de aulas. A
acontecer na prática, muitas das discussões teóricas que realizam durante o curso; os
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Docentes do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, Universidade São Francisco,
Itatiba/SP.
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Graduandas em Matemática e bolsistas de Iniciação Científica.
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ganha destaque no grupo uma tarefa colaborativa, na qual professores e alunos
preparam, aplicam e analisam uma atividade em sala de aula da educação básica. Para
tanto, cada subgrupo é organizado de forma a ter um docente, que define, a partir de seu
voluntário, não havendo restrições para saídas e/ou novos ingressos a cada semestre. No
entanto, nesses dois anos de existência, há em torno de 7 pessoas que vêm se mantendo
fixas.
reflexivos, registros das atividades realizadas, gravações das reuniões e nossos diários
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apresentava como um desafio, visto que ainda não tínhamos explorado tais tarefas em
mês, aproximadamente, para a realização das tarefas e selecionamos aquelas que não
meses de trabalho do grupo. A cada encontro eram novas descobertas, novas conjecturas
informais e demonstrações.
processo. Por mais que tentássemos que houvesse uma discussão inicial nos subgrupos,
isso nem sempre ocorria, visto que havia uma interação entre os subgrupos propiciada
tanto pelas formadoras que, ao formularem questões a algum subgrupo, de certa forma,
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interferia nas atividades dos outros subgrupos, quanto pelo próprio espaço físico do
idéias entre os subgrupos da mesma mesa. Mesmo com todos esses momentos
pensar’ do grupo e isso nos deixou mais atentas. Decidimos tomá-los como objeto de
participantes.
Construindo a investigação
Por se tratar de uma pesquisa de abordagem qualitativa, esta foi sendo construída
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própria experiência, e suas hipóteses iniciais vão sendo reformuladas e modificadas à
1) diário de campo das pesquisadoras. Para isso, contávamos com as duas auxiliares de
para fazer as anotações. Ao final e, sempre que possível, no mesmo dia, uma das
2) registro dos participantes. Cada um deles tem uma pasta na qual guardam todo o
material do semestre (e até mesmo do ano). Essa pasta fica no laboratório, à nossa
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3) audiogravação de algumas reuniões. Utilizávamos tal recurso em momentos de
“(a) ver o mundo de um ponto de vista matemático (tendo predilecção por matematizar:
situações) e, (b) ter os instrumentos para tirar proveito para matematizar com sucesso.”
(1999) afirma que, para a grande maioria das pessoas que provavelmente se esquecerão
valioso para ver e conseguir compreender o mundo. Para esse autor é tão importante aos
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sujeitos para a realização da atividade, bem como os processos de argumentação e
validação utilizados.
geométrico que possibilita uma maior flexibilidade nos momentos de realização de uma
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Trata-se do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática – NEPEM, vinculado ao curso de
matemática e ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação.
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preferia trabalhar individualmente, mas que participava dos momentos de socialização.
evidenciaram.
Momentos no grupo
Dobragens e Cortes, cujo item 1.B Mais dobragens e um só corte, apresenta a seguinte
proposta: “Vai agora investigar o que acontece quando faz mais do que uma dobragem
mantendo ajustados os lados da folha de papel. Com duas dobragens e um corte, que
Samantha, diante da tarefa, começa a levantar conjecturas. A Profa. Adriana diz em voz
alta: “ao cortar com duas dobragens e um corte, se se cortar com qualquer medida, a
figura obtida é losango; duas medidas iguais, resulta o quadrado”. Regina questiona
quais seriam as condições de corte para que se obtenha uma ou outra figura. Os demais
argumentos e questões propostas giram em torno das condições para que a figura obtida
seja losango/quadrado.
utilizando.
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Nesse processo, identificamos dois modos matemáticos de pensar:
empírico – ocorreu, sobretudo, com os subgrupos nos quais havia apenas alunos do 1 o
depois que fazíamos várias interferências. Para ilustrar tal fato, retiramos de nosso
presentes cinco alunos: Paulo, Rogério, Clóvis, Claudio e Thiago. Thiago conjecturava
terem feitos os cortes, sem um refinamento das conjecturas. Verificavam que ora
seja, as condições para se ter um quadrado. O grupo não conseguiu responder. A Adair
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interviu, novamente, perguntando quais eram as propriedades do retângulo. O grupo não
erro, fazendo cortes e mais cortes no papel. A Adair vai até a lousa e desenha o
retângulo com as diagonais traçadas. A partir disso, o grupo conclui que estas são
congruentes e se cruzam ao meio. Thiago, então, consegue concluir que se o corte for na
respeito à compreensão de que propriedades válidas para uma classe de figura são
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Esse fato pode ser decorrente da trajetória estudantil desses alunos. Esta foi
nomear figuras e calcular perímetros e áreas com fórmulas memorizadas. Dessa forma,
esses alunos viam nesse espaço de formação também uma possibilidade de ampliar o
O segundo modo matemático de pensar – aquele que parte das propriedades dos
quadriláteros para se pensar no corte – ocorreu no item 2 da mesma tarefa, ou seja, com
das condições para que a figura obtida fosse: quadrado, octógono convexo e não
convexo. Após várias tentativas e recortes, os alunos foram concluindo que: se o corte
for num segmento perpendicular à dobra, a figura será um quadrado. Isso pode ser
vértice da dobra (portanto, num ângulo menor que 90o em relação ao corte anterior) o
octógono será não-convexo; se o corte for no sentido contrário ao vértice (portanto, num
segunda parte da questão (De que maneira consegue obter um quadrado?). No entanto, o
Milton ficou no seu canto tentando resolvê-la. Seu raciocínio, bastante diferente do dos
idênticas, com eixo de simetria na dobra”. A partir dela, buscou a representação gráfica,
ou seja, ele esboçou a figura, para depois fazer as dobragens no papel, descrevendo, ao
lado do desenho, suas conjecturas parciais. Inicialmente, afirmou que com uma dobra
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não era possível formar o quadrado com um corte; “com duas dobras – 2 eixos de
como seria a segunda dobra e o corte no papel para obter o quadrado (figura 1).
quadrado dividido em 16 triângulos referente a quarta dobra, constatou que esta não
vértice, pois observou no seu desenho que o quadrado total teria 16 triângulos, sendo
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Figura 3: quarta dobra
Ao constatar tal fato, Milton reformulou sua conjectura inicial de que as cópias
A partir desse fato, conseguiu fazer a quarta dobra sem se sobrepor a terceira.
Ao abrir a folha constatou, juntamente com Regina e Adair – que acompanhavam o seu
retângulos (8) e que a área de cada trapézio era o triplo da área do triângulo (figura 4).
(os cortes). Nesse sentido, houve um movimento dialético entre o pensamento racional e
o empírico. Esse raciocínio vem ao encontro do pressuposto defendido por Pais (2000,
duplamente vigilante para que toda informação proveniente de uma manipulação esteja
em sintonia com algum pressuposto racional e, ao mesmo tempo, que todo argumento
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Entendemos que um dos fatores que possibilitou esse movimento dialético no
uma trajetória marcada por 29 anos de docência junto ao ensino médio e a cursos pré-
participação nesse grupo era “após tantos anos ensinando no abstrato, aprender a
Validação empírica
tarefa:
das professoras da educação básica que buscavam a posição da segunda diagonal com
Adriana: Então eu fiz a dobradura. Traço a diagonal inclinada, porque senão dá errado.
Samantha: Pronto, fiz a diagonal inclinada.
Alice: dobrei ao meio
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A tarefa consistia em, dado um segmento vertical, desenhar outro, de modo que os dois segmentos sejam
as diagonais de um quadrilátero. A idéia é de que, inicialmente, o aluno trace o segundo segmento já
partindo das hipóteses do quadrilátero a ser obtido.
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Adriana: Não, tem que partir da diagonal. Eu fiz com a diagonal e vou traçar as
paralelas, dobrando e dobro a metade no vértice da diagonal.
Samantha: Como você pensou isso?
Adriana: Não sei! Aí você vai quadriculando (fazendo as dobras). Agora eu vou fazer
uma reta, vou fazer uma reta aqui embaixo (outro vértice) e quadricular.
Alice: Mas não usa régua?
Adriana: Nada com régua. Pronto! Nosso trapézio já está pronto.
Samantha: Não estou enxergando
Adriana: Traça aqui. E une os vértices formando um trapézio retângulo.
(Desenha no quadriculado feito a partir das dobras)
Neste ponto
Adriana: Aí, agora, a gente tem que provar que é um trapézio retângulo.
Samantha: Provar que é um trapézio retângulo?
Adriana: As dobras não garantem que são perpendiculares?
Samantha: Garantem
Adriana: Vou tentar, acho que consegui! Isso daqui são dois retângulos, as bases são
iguais e esse triângulo é metade do retângulo. Então, vamos perguntar a Regina!
Metade do retângulo
a
b
Figura 6: Justificativa do trapézio retângulo
Regina: Aqui você quadriculou e está justificando que essa medida é igual a essa pelo
quadriculado, agora justifiquem sem o quadradinho.
Adriana: Bom, o mais difícil já foi.
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Na situação descrita acima notamos que as professoras buscavam a construção
do subgrupo dos alunos, visto que existia uma intencionalidade e planejamento: partiam
utilizado. A intervenção da Regina sugerindo que buscassem uma outra justificativa que
resulta da ausência de uma maturidade lógica e que para muitos “a evidência empírica
Adriana, o recurso de recortes e dobraduras em sala de aula. Nesse ano de 2004, parte
de sua carga horária era cumprida num projeto de oficina para os alunos da escola
básica, cuja temática era dobraduras. Acrescenta-se a isso o fato de ela atuar em uma
faixa etária (11 e 12 anos) em que as provas formais não fazem parte do currículo
escolar.
Validação Formal
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Vamos destacar um outro modo matemático de pensar a mesma tarefa
isósceles.
Conclusão: Na diagonal AB, temos dois ângulos alternos internos congruentes, logo os
lados AD e CB são paralelos
formal. Faz parte da prática do ensino superior – tanto do docente quanto dos alunos – a
formal se diferencia das provas informais no sentido de que esta não depende do
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pensamento empírico, muito embora tenham se apoiado em um “esboço” do trapézio
desejado.
identificados a partir da dinâmica existente no grupo – desde o seu início em 2003 – que
e formadoras só foram possíveis pelo fato da equipe contar com duas auxiliares de
pesquisa que se alternavam nos subgrupos, buscando anotar as discussões que ocorriam.
Evidentemente nesses registros já havia uma seleção prévia daquilo que se mostrava
mais significativo para o processo de formação docente. Esse fato reforça a importância
de pesquisas dessa natureza poderem contar com uma equipe que atua de forma
contemplados.
explicitado anteriormente, as tarefas que previam um mês para sua realização, ocuparam
três meses dentro do semestre. Não havia a pressão de um conteúdo a ser cumprido o
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pedagógicos de seu ensino. Quanto às questões epistemológicas, conforme evidenciado
foram em mão dupla: para os subgrupos que buscavam validações e provas empíricas, a
básica trabalhar com uma geometria mais exploratória, sem perder de vista a
processos e criar condições para uma aprendizagem que respeite o movimento dialético
representações: desenho (desde um esboço até uma construção mais técnica envolvendo
algébrica).
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captar particularidades do processo e, em especial, como no presente estudo, os
uma atividade, prevista desde o início, que consistiu na preparação de uma temática
grupo. Embora não houvesse uma orientação no sentido de que a temática contemplasse
contextos. Para o próximo semestre (2º semestre de 2005) a ênfase do grupo será em
com alunos da educação básica no próprio espaço da universidade. Esse fato se mostra
importante, considerando que, para a realidade brasileira, não são todas as escolas
Referências Bibliográficas
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NACARATO, Adair Mendes et. al. A universidade como espaço de aprendizagem
compartilhada: professores e futuros professores pesquisando e refletindo
sobre o ensino de geometria. 7º Encontro de Pesquisa em Educação da Região
Sudeste. Belo Horizonte, junho de 2005.
OLIVEIRA, Paulo. A investigação do Professor, do Matemático e do Aluno: uma
discussão epistemológica. Portugal. Universidade de Lisboa, 2002. Tese
(Mestrado).
PAIS, Luiz Carlos. Uma análise do significado da utilização de recursos didáticos
no ensino da geometria. 23ª reunião anual da ANPED, Caxambu, 2000.
PONTE, João Pedro; BROCARDO, Joana; OLIVEIRA, Hélia. Investigações
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ABRANTES, Paulo; LEAL, Leonor Cunha; PONTE, João Pedro. (Orgs.)
Investigar para aprender matemática. Portugal, APM, 1998, p. 61 – 71.
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