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China e EUA caminham para a guerra?

Jornal SOL

1. No livro Destinados à Guerra, considerado por David Petreus um dos mais profundos e
intelectualmente estimulantes que leu, Graham Allison, eminente professor de Harvard,
conselheiro de todos os presidentes americanos desde Nixon (com excepção de Trump) e hoje
de Biden, coloca a questão remetendo para a designada ‘Armadilha de Tucidides’. Quando
uma potência emergente tenta ocupar o lugar de uma potência dominadora, o resultado mais
provável é a guerra. «Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso incutiu a Esparta que tornou
a guerra inevitável.», escreveu o historiador grego em A Guerra do Peloponeso.
Nos últimos quinhentos anos, Allison detectou dezasseis casos em que a guerra apenas não
aconteceu em quatro…

2.O mundo nunca assistiu a nada que se assemelhasse à mudança vertiginosa do equilíbrio do
poder a nível mundial. O regresso à proeminência de uma civilização com 5000 anos e 1400
milhões de pessoas não é um problema passageiro. «É uma condição que terá de ser resolvida
no espaço de uma geração». Gerir esta relação sem que haja uma guerra exige uma profunda
compreensão recíproca que não tornou a existir desde as conversações entre Henry Kissinger
e Chou En Lai nos anos setenta.

3. Um dos perigos é a visão do Ocidente que julga eterna a realidade mundial tal como se
constituiu há… 200 anos. Ora, não é possível fingir que a China é apenas mais um grande
interveniente. «É o maior interveniente na história mundial.»
Se a China tivesse seguido a trajectória da ascensão hegemónica dos Estados Unidos,
poderíamos estar a assistir hoje «aos exércitos chineses a avançar e ocupar desde a Mongólia
até à Austrália, da mesma forma que Roosevelt dominou o nosso hemisfério e foi moldando
o mundo aos desejos do poder americano» - escreve Alison.
Mas se a China, por ‘natureza’, está a seguir uma trajetória diferente, nalguns aspectos há
ressonâncias semelhantes.
Se a China não estiver disposta a moderar as suas ambições, ou se Washington não aceitar
partilhar a preponderância no Pacífico, qualquer incidente político, conflito comercial,
ciberataque ou acidente marítimo poderá ser a centelha que espoletará uma guerra que a
nenhum dos lados convém.

4. Combinando de forma magistral a História e os acontecimentos actuais, Destinados à


Guerra? não pretende prever esse futuro mas evitá-lo.
O que quer a China? Ser grande outra vez. É o desejo mais profundo dos 1400 milhões de
chineses, saídos de uma decadência e humilhação inimagináveis. Desejam sobretudo honra, o
que no Ocidente custa a compreender. Querem ser olhados com o respeito que merecem. A
dimensão e ambição deste ‘sonho chinês’ impedem que a competição entre a China e os EUA
desapareça naturalmente. Até porque os valores muito diferentes das duas civilizações
tornam muito difícil uma aproximação.
Observadores isentos em ambas as sociedades reconhecem cada vez mais que nem a
democracia decadente nem o autoritarismo meritocrático serão capazes de enfrentar os
desafios severos do século XXI.
Como Abraham Lincoln advertiu profeticamente, «uma casa dividida contra si própria não
pode manter-se de pé». Sem uma liderança lúcida e determinada do Presidente, os Estados
Unidos podem seguir a Europa pelo caminho do declínio.

5. Ao mesmo tempo, Allison partilha a crítica de Lee Kuan Yew ao modelo chinês. A
tecnologia, curiosamente, está a tornar o actual sistema de governação obsoleto. A lentidão

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do avanço prometido do Estado de direito – exigido pelas elites económicas –, o controlo


excessivo a partir do centro, que Deng procurou reduzir, o regresso aparente de hábitos
culturais que podem limitar a inovação, põem em causa a continuidade do processo de
modernização.

6. Irão os dois Estados reconhecer estas realidades? Serão suficientemente hábeis para
assegurar os seus interesses vitais sem avançar para a guerra? Serão bem-sucedidos? «Ah, se
ao menos soubéssemos», escreve Allison.
O que sabemos, no entanto, é que Shakespeare estava certo: «O destino não está nas estrelas,
mas em nós mesmos».

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