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, ,

LIRIOS EUC'ARISTICOS
SEGUNDA SéiiiE

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
TRACOS BIOGAÃFICOS

QUINZE MENINOS PIEDOSOS


4lMIGOS
DE
• •

JESUS·HO STIA
POR

1) o m J O A O U I M G. D E LU N A, O . S. 8 •

Monge do Mosteiro do Rio de Janeiro

SEGUNDA SéiiiE

1939

Edições "L UMEN CIIRISTI"


.Mosteiro de 8. Ken�- Rio cie Jaa.eiro

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
NIHIL OBSTAT
Rio de Janeiro, 10 de Abril d.e 1938.
D. Bento Martin:� fios Santos O. S. B.
Ceasor

1MPRIMATU�
In Abbatia B. M. V. Assumptae in urbe S. P•tdi
die H Aprilis 1938
Lflurenl'ius ZeUer O. S. Jl.
Visitator Apostolicus

NIHIL OBSTAT
Rio de Janeiro, 21 de Jun,ho de 1938
Pe. Jolio Batista Sique-ira

IMPRIMATUR
Rio de Janeiro, 22 de Junho de 1938
Jlons. Francisco de Assis Carus•
Pro Vigário Geral.

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,#

INDICE

Pa«.

A's Mães de Familia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11


Luiz Manoba . . .. . .. .. . . . . . . . .. . ..... . . . . . 17
Ema Mariani . ..... . .. .. . . . . . . . . . . . .. . . ... 27
Lívio O peq� eno Correspondente d e
-·,

Jesus................................ 43
Heribert Frass - Congregado Mariano 57
Antônio Martinez de la Pedraja. . . . . . . . . 73
Vasco Fochesato - Vasquinho.......... 93
Antônio da Rocha Marmo................ 103
João Rosa................................ 125
Francisco Cancela....................... 136
Rosálio Sidônio........................... 147
Alfredo Bruno. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
José Inácio Basco y Almeda . . . . ... . . ... 169
José Rui Pizzotti. ........... ... . . .... .. .. 177
José Acúrcio de Queiroz Manta. . . . . . . . . 187
Marina Portugal. . . . . . . . .. ... . .. . . .. .....
. 197
DECLARAÇAO

De conformidade com os Decretos do Sumo Pontífice


Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e � de junho de 1631,
declaramos que tudo o que está relatado neste Livro tea
apenas autoridade humana e privada.
Na exposição dos fatos e das graças extraordinárias
que são aqui descritos não queremos, de modo nenhum,
antecipar o juizo da Santa Igreja, ao qual nos submeteJRos
llumildemente e com filial amor.

DOM JOAQUIM G. DE LlJNA., O. S. B.

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AS MÃES DE FAMILIA

Mães Cristãs!

E' o presente livro a continuação do primeirc.


que, com o título de UR IOS EUCARISTICOS, presen­
teei aos vossos filhinhos. E' um feixe de dados biográ­
ficos de meninos piedosos, dos nossos tempos, que fo­
ram chamados por Deus ao desabrochar da vida.
Como botão, foram colhidos pelo divino jardineiro
para ornarem o trono do Senhor.
O que distinguia êsses meninos, era um grande
e terno amor a Jesús-Hóstia, ao Deus Escondido em
nossos altares, onde dia e noite convida a todos a
se aproximarem d'f:le, sobretudo os que sofrem: Vin­
da a mim todos vós que sofreis e eu vos aliviarei (Sôo
Mat., 11-28).
Mães cristãs! Jesús tem fome e sêde dos cora­
ções dos vossos filhinhos. Sim, Ele tem fome e sêde
dêsses corações puros e inocentes, afim de preser­
vá-los do mal, afim de formá-los na virtude e santi­
dade. E' pois Jesús o grande amigo dos meninos, o
!ronde amigo das crianças: Deixai que venham a
mim os pequeninos (S. More., 1 0-14). Jesús quer
tomar posse dos corações dos vossos filhinhos para
que êles sejam bons e virtuosos, para que sejam a
vossa consolaçõo.
Mas, para que os vossos Hlhos sejam dóceis e
ebedientes, bons e virtuosos, para que sejam mais
tarde modelos na sociedade, é necessário que êles
cresçam num ambiente de piedade. E' preciSQ que
l� DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O.S.B.

&onservem o pureza do coração; que amem o Deus e


desenvolvam as virtudes, desde o despertar da inte�
�igência.
Quantas mães não têm derramado lágrimas co­
piosas, lágrimas grossas e amargos por não terem
encaminhado os filhos, desde pequenos, no amor de
Deus, na prático dos virtudes, no combate aos seus
defeitos! Não é fazendo em tudo a vontade dos fi­
lhinhos que os mães formam os corações dêsses entes
queridos, que preparam filhos obedientes e carinho­
sos!
Mães Cristãs!
Lembrai-vos da vossa missão! Elo é santa! Ela
é sublime! Os pois recebem de Deus o encargo de
aumentar o número dos santos no céu. São êles, de
E:erto modo, cooperadores de Deus na grandioso obro
da criação. Por isso, receberam o bênção do ministra
do Senhor ao pé do altar no dia em que se uniram
pelos laços indissolúveis e sagrados do matrimônio. De­
vem, portanto, receber os frutos dessa união como
bênção do céu, e não considerá-los como fardo pe­
sado .e incómodo, do qual se possam eximir.
Mos poro que essa missão seja completo, poro
que elo correspondo aos desígnios do Criador, é mis­
ter que os pais eduquem os filhos poro Deus, que os
encaminhem na prática dos virtudes. E' dever de
ambos os pois. Entretanto, o papel principal nesse
trabalho tão belo quanto necessário toco á mamãe.
E' elo que deve formar o coração dos filhinhos. A
ela compete o cuidado de desenvolver os virtudes,
ainda adormecidos, que êles receberam em germen
com o graça do batismo. Porquanto, adormecidos es­
tão também no criança os maus instintos, os pai­
xões, triste herança que todos nós recebemos ales
nossos primeiros pois.
LíRIOS EUCAB:tSTICOS 13

Como jardineiro previdente, deve, pois, o ma ­


mã e cultivar' com cuidado e carinho a s florzinhas
dos virtudes, desde o- desabrochar do in tel igê ncia dos
filhinhos, e, solícito, cortar os mós ervas dos vícios
logo ao despontarem.
Procurai, portanto, mães carinhosos, incutir no
espíri to dos vossos filhinhos o piedade! Encami­
nhai-os poro Jesús. Ensinai-lhes o amá-lo no sacra­
mento do amor. Prepara i os poro a primeira comu­
-

nhão, logo que cheguem ao uso do razão; e uma vez


que tenham os conhecimentos necessários, condu­
zi-os ao banquete eucarístico, e procurai que êles
depois comunguem com frequência, afim de que
Jesús-Hóstio sej a o solguardo dos corações dos vos­
sqs filhinhos sobretudo no idade crítico.
Preservai os vossos filhos das mós companhias,
das mós leituras, dos maus cinemas. Desenvolvei
neles o amor ó virtude e á verdade, e o horror ao pe­
cado, ó insinceridade, á hipocrisia, ó simulação, á
mentira. Procurai encher o fontozio dos vossos filhi­
nhos com exemplos de ações nobres, de o çõ� gene­
rosos, com exemplos de histórias (verdadeiras) edi­
ficon tes e atos de virtudes, de modo a gravar no cri­
ança o imagem dessas ações e excitar nelas o desejo
tle imitá-las. A fonto zio ào criança é mui to sensi­
vel ás primeiros impressões, que se gravam nela para
tôdo o vida .

Poro is to serve o história edificante da vida dês­


ses meni nos piedoso s que, sendo dos nossos tempos,
são exemplos de virtudes poro os vossos filhos. E não
penseis, mães carinhosos, que os vossos filhinhos,
imitando os virtudes dêsses pequenos e tornando-se,
como êles, bons e santos, irão por isso morrer ainda
iovens; morrer cedo como êles! Não! Mil vezes, não!
E� preciso que os vossos filhos sejam bons e santos ,

.tesde pequenos, paro que mais tarde sejam homens


14 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, d.S.B.

de caráter e de fé robusta; pais e mães de fomilia


tementes a Deus e de virtudes sólidas, modelos na
nossa sociedade.
E a vossa missão será então completa é o vosso
coração exultará de justa e santa alegria segundo
·as palavras do Livro dos Provérbios: O pai do jus­
to exulta de prazer Tenham esta alegria o teu pai
.•.

e a tua mãe, e exulte a que te deu á luz. ( Prov.


CXXIII, 24-25).

São Paulo, Mosteiro de São Bento - Natal de


1937.

DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.


DUAS PALAVRAS AOS MENINOS

Queridos meninos!

Mais um livrinho de vidas edificontes! Mais um


livrinho de vidas de jovens como vós!
Lede com atenção estas páginas e lede-os mui­
tos vezes. Nelas encontrareis exemplos de virtude o
imitar.
Sede bons como êles: dóceis., amáveis, obedien­
tes, caridosos e puros!
Amai muito a Jesús no Sacramento do Eucaris­
tia e comungai muitas vezes e com grande amor.
Jesús vos amo muito. �le quer possuir os vossos
corações, quer santificar as vossas almas paro que
sejais homens virtuosos no fu.turo e, depois, santos
no céu.
Evitai as más companhias, as más leituras, os
máus cinemas!
Sede bons filhos! Filhos dedicados e obedientes
e tereis as bênçãos de Deus.

São Paulo - Festa dos Santos Inocentes - 28


de dezembro de 1937.
O Autor
I

LUIZ MANOBA
(1904-1914)

Era o pequeno Luiz admirador da natureza e


muito favorecido da graça divina. Nasceu a doze
de novembro de ;1.904, no sul da França, em região
pouco povoada, nas proximidades do santuário de
Nossa Senhora d'Ay . Estava a casa paterna num
sítio que o vovô havia alugado, e rodeada de flores•
tas.
O menino sentia-se feliz na região em que pela
primeira vez viu a luz do dia. Quando podia sair
ao ar livre, passeava j ubiloso pelo pinheiral da vizi­
nhança . Para lá chr'!gar, tinha que transpor um
campo atapetado de cravos vermelhos, lírios, e um
llem numero de outras florzinhas silvestres. A mamãe
acostumou-o, desde pequeno, a ocupar-se com tra­
Balhos próprios dos da sua idade que o obrigavam
a ir muitas vezes ao campo.
No prado, não havia sómente flores perfuma­
das que abriam a corola como cálice de incenso ae
Criador. Havia também pequenos pássaros, uma in­
finidade de avezinhas que, em melodioso concêrto,
louvavam o Senhor . Viam-se aí rôlinhas, pardais,
tentilhões que, de mistura com muitas outras, saú-
1� DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

davam o Autor da natureza com suaves gorgeios,


desde o romper da aurora. Luiz aprendera com êles
a cantar. Como avezinha ainda implume, a princí­
pio apenas ensaiava a voz. Pouco tempo depois, dava
expansão aos seus sentimentos com os sons mavio­
sos da sua voz argêntea, rivalizando assim com os
cantores da natureza.
*

* *

O menino recebera de Deus a graça de têr uma


mãê verdadeiramente cristã que inculcára cedo
no filhinho os princípios de uma educação baseada
no temor de Deus.
Convivia em casa dos pais de Luiz o vovô do me­
nino, o qual era cego e muito piedoso . Rezava
diáriamente o têrço e cantava os salmos do ofício de
vésperas, que sabia de cor . O menino crescia assim
num ambiente de piedade. Em pouco tempo, apren­
deu as orações da manhã e da noite e os princípios
da doutrina cristã. Aprendeu, sobretudo, amar mui­
to a Deus . O Espírito Santo, ás vezes, se manifesta
cedo e de ,modo especial nas almas infantis. Luiz foi
um dêsses privilegiados . Encontrou, certa vez, uma
criança pagã: "Oh! Mamãe, disse êle horrorisado,
êste menino ainda não é batisado! Carrega o demô­
nio no coração. Que desgraça, mamãe! 1:le não per­
tence a Deus, e se morrer assim será privado do
céu!" Tinha Luiz em grande estima a graça do ba­
tismo e grande horror ao pecado.
LíRIOS EUCARíSTICOS 19

"' ...

Gostava Luiz de cantar. Aprendera com as ave­


zinhas empregar a voz em bendizer ao Senhor . Ti­
nha predileção pelos cánticos do Natal e, de modo
especial, pelo Adeste fideles, que sabia de cor . Can­
tava-o muitas vezes e sempre com gra,ude entusias­
mo. Convidava a irmãzinha Margarida para cantar
também com êle . Ela, porém, nem sempre estava
disposta: "Deixa-me em paz! Tu me aborreces com
o teu canto . " O menino, apesar disto, não desistia:
"Se não cantares comigo ficarei zangado e de rela­
ções cortadas contigo! Margarida, no entanto, não
queria perder amizade tão preciosa . Ia cantar com
o irmãozinho. Os moradores da aldeia vizinha gos­
tavam de vir a Chapotier, onde moravam os pais de
.Luiz, para ouvirem os cánticos do Natal, entoados
pelo pequeno tentilhão, como apelidavam o menino.
Logo que Luiz soube escrever, copiou num ca­
derno todos os cánticos que sabia de cor, afim de os
não esquecer e poder assim alegrar-se, cantando-os.
Além disto, queria ser padre. Esses cánticos servi­
riam então para o côro da sua igreja, afim de avivar
no povo o zêlo pela glória de Deus .
Espírito observador, Luiz aprendeu fácilmente
a imitar o sacerdote na celebração da santa missa.
Como lhe faltassem paramentos e outros objetos
para êste fim, o menino achou meio de suprir essa
falta. O cálice era o objeto mais necessário . Foi en­
tão arranjado para isto um bonito copo de cristal
20 DOM JOAQIDM G . DE LUNA, O. S. B.

que a mamãe lhe déra . Sôbre êle colocou um pedaçl)>


de papelão branco, que fazia as vezes de patena e um
lenço de linho servia de véu . A estante, êle mesmo­
a fez, e para missal empregou um livro velho e gran­
de de cánticos que seu tio, um religioso, lhe havia
mandado da América. Margarida, a irmãzinha, a
direita do improvisado celebrante, formava o côro­
d.e cantores e, quando Luiz pregava, devia também
constituir a assembléia d.os fiéis. Entretanto, êste
arranjo nem sempre deu bons resultados . Margarida
protestava energicamente quando o jovem pregador
se referia áqueles mesmos defeitos para os quais o
vovô já havia chamado a atenção da menina . As­
sim, mais de uma vez a alocução foi interrompida de
modo desagradavel .
De quando em quando, os dois irmãozinhos pas­
seavam pelo j ardim, cantando, em procissão, e espa­
lhando flores ao bom Deus, que certamente aben­
çoava ês3es brinquedos piedosos e inocentes . Ambos
tinham ótima intenção, e Luiz exercia essas funções
com a gravidade de um pároco em exercício do seu
ministério.

* *

Era raro que Luiz entrasse em algum botequim,


porque ouvira dizer que lá se ofendia a Deus, que
lá se proferiam blasfêmias . Quando a mamãe o man­
dava a êsses lugares, o menino relutava : "Mamãe,
eu não quero pôr os pés em casa de pecado . Nã<>
LíRIOS EUCARíSTICOS 21

vou a lugar onde s e dizem blasfêmias! "Ia somente


Em obediência, mas contrafeito .
Certo dia de grande calor, Luiz passeava com
um amigo pouco mais velho do que êle . Era duran­
te o outono . As parreiras estavam carregadas de
uvas maduras . Como tivessem muita sêde, o amigo
.cortou dois cachos das videiras e deu um a Luiz
para mitigar a sêde. Ao chegar a casa, o menino es­
tava inquieto . Tinha remorso: "Mamãe, eu roubei
um cacho de uvas! Quanto vale? Quero reparar a
minha falta! "Logo que pôde foi confessar-se e tirou
alguns níqueis da sua caixa e os pôs na dos pobres.
Para ir á escola com a irmãzinha tinha que pas­
sar por uma floresta densa e escura. Margarida ti­
nha medo e preferia tomar a estrada que contornava
a floresta . Entretanto, a mamãe, com receio de que os
filhinhos encontrassem outros meninos, que nem
sempre dão bom exemplo, havia-lhes proibido irem
pela estrada. "Hoje, disse-lhes ela certa vez, se vocês
voltarem logo encontrarão j á preparado um doe�
bem gostoso" As crianças para chegarem cedo cor­
reram o mais possível pela estrada: "Oh! mamãe já
chegámos ! Viemos pela floresta". A senhora deu­
lhes ep.tão o que havia prometido . Momentos d�­
pois, - J.uiz aproximou-se dela pesaroso e confes­
sou ·r· sua falta: "Mamãe, nós mentimos ! Viemos
pela estrada, e para chegar depressa corremos todo
o tempo . Perdoa-nos, mamãe, esta falta! Não meD­
tiremos mais! "
N a escola, era Luiz u m dos melhores alunos . Do-
22 DOM JOAQUIM G . D E LUNA, O . S . B.

tado de inteligência esclarecida e boa memóriap


aprendia com facilidade a lição. E' assim que depois
de vinte mêses de aulas obteve o primeiro lugar da
classe. Foi um triunfo! Voltou entusiasmado da es­
cola e, entrando em casa, gritou jubiloso e radiante:
"Mamãe, mamãe! o primeiro! . . . Sou o primeiro da
classe !" Pouco depois, voltando-lhe a reflexão: "E�
verdade, sou o primeiro, mas não tenho de que me
orgulhar. Porquanto, se tenho um pouco mais de in­
teligência do que outros, devo isto a Deus."

* *

Era Luiz vivo e alegre, mas bastante capricho­


so. Discutia frequentemente com Margarida por
causa da galinha e dos pintinhos . A mamãe havia
proíbido que as crianças fossem á represa . Entre­
tanto, o menino infringia esta proíbição. Ia ao tan­
_que sem que a mamãe o soubesse. Era por vezes alti­
vo. Faltas ocasionadas por um temperamento vivo,
das quais o menino fazia esforço para se corrigir,
pois não queria de modo nenhum ofender a Deus.
Na igreja, Luiz quando rezava parecia um anjo.
Já no caminho, dirigindo-se para o templo sagrado,
ia recolhido e modesto, e aconselhava os companhei­
ros a se comportarem bem: "E' a igreja a casa de
Deus . Se fôssemos saúdar o presidente da repúbli­
ca, com que gravidade não andaríamos! Não se deve,
portanto, pular como cabrito, quando se vai para o
templo sagrado . "
LíRIOS EUCARíSTICOS 23

Tinha o menino grande desejo de se tornar co­


roinha e de cantar no côro. Na missa, olhava com
grande devoção para a santa Hóstia quando o sacer­
dote a elevava após a consagração. A uma observação
de sua mãe a êste respeito, responde : "Mamãe, eu
g osto de olhar a santa Hóstia, no momento da eleva­
ção, porque a vejo muitas vezes circundada de uma
auréola resplandecente. Será que Nosso Senhor não
fica contente comigo porque não me inclino, como
os outros, afim de olhar a Hóstia santa?" E como á'
mamãe ficasse calada, Luiz continúa: "Sim, mamãe,
não minto, é verdade; vejo muitas vezes a santa
Hóstia resplande�ente nas mãos do padre !"
'

PRIMEIRA COMUNHAO

Em 1911, Luiz completou sete anos e desejava


muito fazer a primeira comunhão . Sobreveio-lhe,
entretanto, uma grande provação . O menino caiu
gravemente doente de meningite . Quasi morreu.
Devoto de Nossa Senhora, 'Luiz recusava os remé­
dios: "Nada disto me serve . Dêm-me um pouco d�
água de Lourdes e ficarei melhor". De fato: bebeu
alguns goles da água milagrosa e melhorou logo . No
entanto, a primeira comunhão foi adiada para mais
tarde!.
Finalmente, chegou o dia feliz, vinte e dois de
dezembro de 1912 . Luiz recebeu pela primeira vez
Jesús-Hostia, o grande amigo das crianças, em seu
coração inocente e puro. Graça que êle aspirava des­
de muito tempo. Dêsse dia em diante, a divina Euca-
24 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

ristia tornou-se o centro de sua vida. Tinha o me­


nino grande amor a Jesús-Sacramentado e comun­
gava frequentemente. E cada comunhão era incen­
tivo poderoso para a prática da virtude e aumento
4io amor de Deus .

ENFERMIDADE E MORTE DE LUIZ

Era Luiz fraco de saúde . No cutono de 1913, po­


rém, agravaram-se-lhe os males. O médico proíbiu-lhe
..
oz estudos e mandou que se recolhesse ao leito . Des-
de então, com grande pesar, não pôde mais assistir á
santa missa ,nem exercer na igreja o ofício de cantor
do bom Deus . Foi um sacrifício para o menino, mas
êle se submeteu á vontade d'Aquele que sabe me­
lhor do que nós o que nos con:v ém. Ofereceu também
a Deus todos os seus sofrimentos, inteiramente resi­
gnado á vontade divina: "Quero só o que Deus quer !
Não estou em suas mãos? Nada pode acontecer sem •
seu consentimento . . . Ele é nosso Pai e Senhor: seja
feita, portanto, a sua vontade!"
Na solidão da enfermaria, viera-lhe a l.embrança
das suas faltas passadas. Mas Luiz esperava confiante
41ue Deus já as tivesse perdoado, ou que as � erdoa­
ria: "Mamãe, nunca cometi pecado mortal, mas mui­
tas vezes desobedecí! Tenho sido travêsso e tenhe
zombado de Margarida . Uma ou duas vezes bati em
meus colegas. Já tenho confessado estas faltas e
espero que Deus mas tenha perdoado. Entretante,
agora ofereço os meus sofrimentos em expiação de­
las" .
LíRIOS EUCARíSTICOS 25

"Sim, meu filho, oferece a Deus todos os teus so­


frimentos .
- Oh! sim, mamãe, eu os ofereço em união com
vs sofrimentos da Paixão e morte de Nosso Senhor,
em expiação dos meus pecados e pelos de todos os
homens .
Estando o menino já tão fraco que não podia.
,
(!oncentrar o espírito na oração: "Já não posso re­
zar, mamãe, mas ofereço tudo a Jesús pelos meus
pecados . "
Luiz recebeu pela última vez a santa comunhão.
Ji'oram momentos de graças e de confôrto espiritual
para o pequeno . Seus olhos, inocentes e puros, se ilu­
minaram. Dôce sorriso aflorou-lhe aos lábios e uma
paz e alegria celestiais inundaram-lhe o espírito .
J"esús viera visitar o seti amiguinho, confortá-lo em
hora tão importante e decisiva. Após algum tempo
de íntima fala com Nosso Senhor e de entrega com­
pleta a êle, Luiz exclama: "Mamãe, quando o padre
me deu a comunhão eu vi urna bela pomba, tôda
branca, quasi transparente . Se mamãe a tivesse vis­
to ! Era tão bonita, mamãe ! "
*

* *

Entrou o mês de fevereiro de 1914. Fazia inten­


so frio. Luiz continuava muito mal, em estado de­
sesperador. A mamãe não abandonava o leito do fi­
lho. Atendia ao menino com grande desvêlo : "Quão
grande é a tua bondade, mamãe, eu te agradeço por
tudo! "
26 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

O vigário, tendo-o visitado, pediu: " Quando es­


tiveres no céu, Luiz, lembra-te de mim. Intercede
pelo teu vigário! Pede também pelos meus paro­
quianos." - "Oh! sim, senhor vigário, eu o farei" -
respondeu o menino com voz sumida .
Aproximando-se o último momento, a mamãe�
deu-lhe o crucifixo que Luiz beijou com devoção;
depois pediu: "Meu filho, quando estiveres no parai­
zo dá-nos um sinal. " - "Sim, mamãe, eu o farei se
Deus o permitir."
Durante a noite, pediu ainda água de Lourdes�
mas já não a pôde engulir: "Mamãe, não a posso- be­
ber, chegou a minha última hora . Vou para o bom
Deus! Estou muito cansado . Vou descansar junto de·
Nosso Senhor . "
O sacerdote deu-lhe ainda a absolvição. Estan­
do tôda familia em tôrno do leito çlo pequeno, ê!e·
lançou o olhar sôbre todos, fixou depois a vista sô­
bre a pobre mãe, em lágrimas, e por último sôbre·
uma imagem de Nossa Senhora. Um sorriso trans­
figurou-lhe o rosto, deu um suspiro e a sua alma.
evolou-se para o céu .
Tinha Luiz nove anos e três mêses de idade .
Depois da sua morte, os parentes ouviram um
leve bater no quarto e lembraram-se então da pro­
messa que Luiz havia feito de dar sinal, se Deus per­
mitisse, quando entrasse no paraizo .
Luiz em vida gostava de cantar os louvores de·
Deus, agora estará com os anjos a cantar o canto,
eterno da glória .
li

EMA MARIANI (1)


A criança da Eucaristia (1911-1916)

Nasceu esta humilde florzinha eucarística a de­


zesseis de novembro de 1911, em Lucca, Itália, ci­
dade da grande mística . dos nossos tempos, Gema
Galgani .
Já aos dois anos, a pequenita era atraída pela
Eucaristia . Como estivesse em certa ocasião com a
titia na igreja e ela, inadvertidamente, cuspisse no
pavimento, a criança a repreende: "Jesús está alí na
sua casinha dourada-referindo-se ao tabernáculo-­
não se pode portanto cuspir no chão, pois Jesús é­
Deus e a igreja a sua morada.
Dia a dia cresciam na menina a atração e o amor
a Jesús-Sacramentado . Quando, por acaso, passava
nas vizinhanças de uma igreja ou capela em que se
conservava o Santíssimo, ainda que as não visse,
sentia a presença de Jesús: "Jesús deve estar por
alí, não vejo igrej a, mas sinto a sua fragrância" -
disse mais de uma vez quando em companhia de ou-

(1) Vide: Uma Florzinha da Primavera ou A Pequena Ema Ma·


rlani. (Tra�os Biogré.ficos) pelo cônego }'raneisco Della Santinu. que
!fira honrado com uma carta do cardeal P. C. Gasparri com os agrade·
•imentos do Santo Padre, o Papa, por lhe têr oferecido um exemplar­
tios mesmos.
28 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

tras pessôas andava pela cidade ou pelo campo. De


fato, havi·a alí por perto colégio ou convento de frei­
ras com capela, ás vezes interna, em que se conser­
vava o Santissimo Sacramento.
Certa feita, depois de têr ouvido missa em com­
panhia da tia na igreja de São Paulino, Ema adora­
va a Jesús exposto . A senhora, após as suas orações,
chamou a menina para voltarem para casa, porqae
já era tarde . A criança levantou-se, fez genuflexãe
inclinando-se profundamente, com as mãozinhas pos­
tas, ficando nesta posição uns dez minutos . Chama­
da várias vezes, não respondeu. Finálmente, fez e
sinal da cruz e como em resposta a alguém, disse:
''Sim, sim, fá-lo-ei sempre" . Levou depois a mãozi­
nha aos lábios e dirigiu um beijo a Jesús, tornou a
fazer inclinação profunda e beijou o chão. Em se­
guida, ainda de joelhos, disse á tia: "Por que estás
.aí parada? ajoelha-te e beija o chão !

- Já o fiz . E por que beijar o chão ! ?


- Por que? Perguntas ainda por que? ! - disse

quasi chorando - não sabes que lá em cima está


Jesús? Não o vês? Não o sentes? Ajoelha-t�! não sa­
bes que Jesús é Deus?! . . . E' preciso a gente incli­
nar-se e humilhar-se diante d'Êle . Aj oelha-te e beija
-o chão!

- Já o fiz, menina, vamos embora!

- Pobre Jesús ! Eu te quero tanto! E levando a


mãozinha aos lábios, dirigiu de novo beijos a Jes�;
levantou-se em seguida para acompanhar a tia .
LíRIOS EUCARíSTICOS 29'

- Quem te ensinou isto, menina?


- Ninguém . Eu o senti aqui - apontando o co-
ração - mas Jesús me disse tantas coisas!
Dalí-em-diante, sempre que estava em presença
àe Jesús-Sacramentado guardava profundo recolhi­
mento .

* *

Perguntaram-lhe um dia - tinha a pequerru­


cha três anos e três mêses: "Deus vê tudo?
- Sim, vê tudo, até (apontando a testa) os bu-
raquinhos aqui dentro .
- E que tens lá dentro?
- Que tenho? Ora essa! tenho os pensamentos .
- E quantos tens?
- Tenho um só! - depois de refletir um pouco:
wn só, não! tenho tantos, tantos! Penso em Jesús, no
céu, em Nossa Senhora, nos anjos, nos santos .. . de­
JDOis penso em tantas coisas bonitas, tôdas de Jesús .
E em Jesús penso de tantos modos: penso em Jesús
na sua casinha de ouro (tabernáculo), penso nele
com a corôa de espinhos na cabeça"
Dizia muitas vezes querer tanto bem a Jesíis que
desejava ser sempre e tôda de Jesús .
Antes. de completar os três anos, Ema pedira
com instância para receber a santa comunhão . In­
te:r:rogada sôbre a Eucaristia, respondeu de tal ma­
Reixa que não restou dúvida sôbre os seus conheci-
;lO DOM JOAQUIM G. DE LUNA,O. S. B.

mcnlos a respeito do sacramento do amor. E quem


teria iluminado e ensinado estas verdaC:t.�:.;; tão subli­
mes a uma criança de tão pouca idade? Quem teria
dado a compreensão dêsses belos ensinamentos se­
não o próprio Jesús, o amigo das crianças? Aquele
que disse um dia: "Deixai vir a mim os meninos, por­
que dêstes tais é o reino dos céus!

PRIMEmA COMUNHAO

Depois de muito insistir, Ema recebeu licença de


fazer a primeira comunhão, de receber o querido Je­
sús em seu coraçãozinho faminto do pão dos anjos .
Foi na igreja de São Francisco, de sua cidade natal,
a 18 de novembro de 1914, que a menina teve a fe­
licidade e o indizivel praz!'! r de receber, pela primei­
ra vez em seu coração, a Hóstia santa, a Hóstia pura,
a Hóstia imaculada, o Pão da vida eterna . Tinha
E ma três anos e doze dias! "Foram, sem exagero,
maravilhosos - diz o ··seu biógrafo - a piedade e
devoção da criança ao aproximar-se da mesa euca­
rística . A alegria brilhava no semblante da peque­
nita, e transparecia em seu todo o mais vivo conten­
tamerfte, como quem· possui finalmente o objeto
amado, pelo qual há muito suspirava."
De temperamento vivo e folgazão, a menina
transformava-se diante de Jesús-Sacramentado. Era
de ver o seu recolhimento, a sua profunda concen­
tração de espírito: parecia fora de si.
E entretanto, há pais que não permitem os filhi-
LíRIOS EUCARíSTICOS 31

nhos fazerem a primeira comunhão em tenra idade,


.apesar de terem os conhecimentos necessários e de­
sejarem ardentemente receber a Hóstia-Santa em
.seus coraçõezinhos puros e inocentes! Alegam êles
pouco discernimento nos filhos, apesar de Jesús os
têr esclarecido interiormente a respeito da sua di­
vina presença nesse sacramento do amor!
Foi o dia da sua primeira comunhão, dia de co­
piosas graças para Ema. Ela o dedicou inteiramente
ao divino Hóspede do seu coração. Não brincou. Fa­
lou pouco com os outros; mas falou muito e com
grande ternura com o seu amado Jesús. Consagrou­
se inteiramente a êle, querendo viver só para êle. E
não só no dia do seu primeiro encontro com Jesús­
Hóstia, mas tôda a vez que Ema recebia a santa co­
munhão, e o fazia quasi diáriamente, ao voltar a casa
ficava longo tempo em sflêncio, retirada em um can­
to, a falar intimamente com o amado da sua alma.
Uma tarde, estando sil enciosa e concentrada em
Deus, de repente chama a tia em voz alta e lhe diz:
4'Esta manhã recebi Jesús e o tenho aqui. Sabe, êle
·está sempre aqui, - e apontou o coração - todo o
dia esteve comigo e ainda está. Não o ouves? :€le se
move. . . queima! Vê como está quente"! E fez que
a tia colocasse a mão sôbre o seu coração. Depois
disse que Jesús lhe tinha dito muitas coisas bonitas
e que em breve a levaria para o céu.
O grande desejo de Ema, a sua grande aspiração
era receber diáriamente a comunhão. Pedia esta gra­
ça com os olhos em lágrimas e pronta a todo o sacrí-
32 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

cio afim de obtê-la. Costumava dizer que os doces,


em comp&ração com a comunhão, não tinham sabor.
Que só Jesús era doce. Queria, portanto, recebê-lo
custasse o que custasse.
*

• *

Pela manhã, saindo de casa para a igreja afim


de receber a comunhão, Ema ia recolhida e silencio­
sa, sem olhar sequer para as pessoas que encontrava
na rua. Se porventura a tia, que a acompanhava, se
detinha no caminho, a menina continuava a andar
ou a puxava pela mão. Se encontrava a amiguinha
dos seus folguedos, a quem muito queria, apenas a
saúdava e procurava esquivar-se dela, dizendo de si
para comsigo: "Vamos para Jesús que é melhor. Não
posso perder tempo. Jesús há tanto que me espera ! "
Chegada á igreja, preparava-se . Depois, aproxi­
mava-se do banco da comunhão e, tendo recebido o
querido Jesús, voltava ao seu lugar, ajoelhava-se, in­
clinava a cabecinha, cruzava as mãos sôbre o peito e
ficava em profundo recolhimento, em ação de gra­
ças, falando intimamente com Jesús por espaço de
quinze minutos. Disse muita vez que Jesús ardia em
seu coração.
Devota da divina Eucarístia, amante apaixonada
de Jesús, Ema obteve a graça de comungar diária­
mente. Conseguira assim realizar a sua maior aspira­
�o. A criança vivia para Jesús-Sacramentado. Dia
a dia aumentava o seu amor a Jesús-Hóstia. Uma
LíRIOS EUCARíSTICOS 33

manhã, vendo na igrej a os meninos, Pagens do San­


tíssimo Sacramento, foi tornada de santa inveja e
pediu para fazer parte dessa pia associação.
Durante o mês de j unho, Ema costumava ir com
a tia á Basílica de S. Paulino assistir á devoção ao
Sagrado Coração de Jesús . Aconteceu que urna tar­
de de j unho de 1915, a menina antes da devoção foi
á sacristia e dirigiu-se com humildade e modéstia,
mas desembaraçada, ao sacerdote :
- Senhor Cônego, pode ouvir-me de confissão?
- Sim, minha menina, mas depois da Bênção.
- Obrigada! - respondeu e foi colocar-se
j unto da tia que a interpela:
- Onde foste?
- Fui pedir áquele padre ouvir-me de confis-
são, e êle me disse esperar para depois da Bên­
ção do Santissirno.
Terminada a devoção, Ema aproximou-se do
tribunal da penitência e fez a sua primeira confis­
são e em seguida perguntou se o padre podia ser
o seu confessor.
- "Sim, disse êle, e você não deseja fazer a pri­
meira comunhão?
- Já fi� senhor padre, mas não me quiseram
ouvir em confissão.
- Comunga muitas vezes?
- Sim, todos os dias.
- Comunga com prazer?
- Oh! sim, senhor padre, com muito prazer!
Dêsse dia em diante, Ema foi pontual em fazer
34 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O.S.B.

semanalmente a sua confissão. E com que disposiçã()


se aproximava a pequenita do tribunal da penitên­
cia! Tinha grande veneração pelo confessor e ouvia­
lhe os conselhos como se fôssem do próprio Deus.
Quando voltava no sábado seguinte dizia : "Padre,
fiz o que o senhor me mandou e farei sempre assim,
porque Deus o quer, não é verdade?
Sim, filhinha, desta maneira agradas a Je-
sús.
Obrigada, senhor padre !

* *

Ema, além do seu grande amor a Jesús-Hóstia,


tinha grande devoção ao Sagrado Coração, á Pai­
xão do Senhor, ao Menino Jesús e a Nossa Senhora .
Comprazia-se em venerar a imagem do Menino Je­
sús da igreja de S. Simão da sua cidade. Chama­
va-o de queridinho. Uma feita contou com a ingenui­
dade de criança - tinha três anos - que após as
suas orações de costume, o Menino Jesús colocara­
se em seus braços e que ela o havia carregado por
longo tempo, não só pela igrej a, � pelo cami­
nho, quando de regresso para casa . Disse mais que
o menino Deus lhe havia dito muitas coisas bonitas
e que prometera levá-la em breve para o _céu com os
anjos
Em sinal de lembrança e reconhecimento dessa
visita, pediu que escrevessem em uma estampa do
LíRIOS EUCARíSTICOS 35

Menino Jesús os seguintes dizeres : "Meu querido Je­


sús, quando eu tiver que ir para o céu, quero que
esta imagem seja colocada sôbre o meu coração, por­
.que vos quero sempre comigo . A vossa Ema . "
Dessa devoção ao Menino Jesús, nasceu-lhe es­
pecial interêsse pela Obra da Santa Infância, por­
que, dizia ela, êsses pobrezinhos - as crianças pagãs
- não têm quem lhes ensine a conhecer e amar a
D eus . E lamentava-se: "Quem lhes ensinará a amar
a Jesús e a rezar tantas coisas bonitas ! "
Como tôdas as almas prediletas d e J esús, Ema ti­
nha grande devoção á Paixão do Senhor . Ficava pro­
fundamente comovida á vista do Sagrado Coração de
.Jesús circundado de espinhos . Diáriamente medita­
va, apesar de tão pequenina, nos sofrimentos do di­
vino Salvador, fazendo a via-sacra, exercício que ti­
nha em grande estima. Se um dia, porventura, não
<l podia fazer,. na manhã seguinte, após a comunhão
e a ação de graças, pedia um livro de piedade e pos­
to que não soubesse ler, abria-o e começava a medi­
tar nos passos da via-crucis, desde a primeira esta­
ção, contemplando a imagem de cada uma . Eram
edificantes os lamentos e queixas da menina, o que
mostrava a sua grande comiseração e dor: "Vê, Je­
sús caiu! !> odre Jesús! Não pode mais; caiu sob, a
cruz e os malvados estão a atormentá-lo ! . . .
Quanto sofre Jesús ! tle é tão bom; não chora,
não se queixa! Quisera poder ajudá-lo". E continua­
va a lamentar-se e a protestar a sua indignação con­
tra os ultrajes ao querido Jesús.
36 DOM .JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

Quando recitava o têrço, eram os mistérios do­


lorosos os da sua predileção. E como lhe brotasse do
coração grande dôr em vêr Jesús carregado da cruz,
quís compartilhar com êle os sofrimentos, suportando
com admiravel resignação a. sua última enfermidade.
Sem uma queixa, sem um gemido ou lamento, sofria
terríveis dores . Prometera a Jesús sofrer com êle,
levar também a sua cruz, silenciosa e resignada.
Cumpriu a promessa! Nos momentos de maior afli­
ção, tomava o crucüixo ou a imagem do Sagrado Co­
ração e apertava-os sôbre o peito. O que é muito para
admirar em uma criança de pouco mais . de quatro
anos! Só a graça, orvalho divino que brota do lado
aberto do Redentor, póde suavisar a chaga viva dos
corações das pessoas que o amam, até mesmo em cri­
anças de idade tão tenra como Ema. Oh ! Jesús, como
sois generoso com aqueles que se dão inteiramente
a vós e que vos procuram imitar como verdadeiros
discípulos vossos!

* *

Não se pode amar verdadeiramente a Jesús sem


uma terna devoção a Maria, sua santíssima Mãe .
Ema tinha portanto grande amor e devoção a Nossa
Senhora a quem ela tinha o costume de chamar Gra­
tia plena, Mãesinha, Nossa Senhorinha. Desde que
aprendera a rezar o Angelus, estivesse onde estives­
·se, logo que ouvia tocar as Ave-Marias, benzia-se e
LíRIOS EUCARíSTICOS 37

rezava-o com devoção . Tinha, igualmente, particu­


lar devoção ao terço que rezava diáriamente, e ás
vezes o Rosário inteiro.

* *

Dotada com graças especiais, a pequenita che­


gou até a predizer o futuro. E' o caso que em março
de 1915, antes, portanto, da Italia entrar na grande
guerra, uma· senhora pediu a Ema que rezasse muito
afim de que Deus não permitisse que a sua pátria
fôsse atingida por aquele grande flagelo . Era no mo­
mento em que a menina ia para a igreja para assis­
tir á missa e comungar. Ema, silenciosa e com o
pensamento concentrado . em Deus, não respondeu .
Como a senhora insistisse no seu pedido, a pequeni­
ta, ansiosa de receber a comunhão, procurou livrar­
se dela . A tia, porém, que a acompanhava, impôs­
lhe por obediência que respondesse. Ema dirige um
olhar triste para a tia e diz: "Sim, sim, eu rezo e re­
zarei sempre,. mas haverá guerra . " Como a senhora
não ficasse satisfeita com esta resposta evasiva, per­
guntou-lhe se a Itália entraria também na guerra
e quando.
- Sim, sim - respondeu Ema - a Itália entra­
rá na guerra e dentro de dois mêses!
Causara surpresa a resposta da menina . Nin­
guém supunha que a Itália participasse daquela
grande desgraça dentro de tão pouco tempo. Com
38 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

efeito, a 24 de maio, dois mêses precisamente depois


da predição de Ema, a Itália tinha-se reunido aos a­
liados contra os impérios centrais . Em outra ocasião,
_
recomendaram-lhe rezasse afim de que Deus conce­
desse uma graça muito importante em favor de uma
pessoa que se achava em grandes dificuldades . Ema
respondeu que o faria de bom-grado e que a graça se­
ria obtida . Muita vez, quando parecia tudo perdido, a
menina assegurava a essa pessoa que a graça seria al­
cançada . Ainda pouco antes de morrer afirmou de
novo e de modo categórico que tudo se realizaria da
maneira desejada, e que no céu pediria que fôsse
quanto antes. E os acontecimentos confirmaram a
predição de Ema. A graça foi obtida. Em nota, o bió­
grafo dessa menina privilegiada acrescenta: "No que
diz respeito a êste fato, somos obrigados, por pruden­
cia, a calar o nome da pessôa e o objeto da profecia.
Entretanto, o dever nos obriga assegurar ao leitor que
esta foi a maior profecia de Ema, tanto pelo objeto co­
mo pelas circunstâncias. Em caso, porém, de necessi­
dade podemos apresentar os documentos e provas do
fato, os quais temos em mão . "
Era a menina a única filha do casal; não tinha,
portanto, irmãos. No entanto, dissera várias vezes,
diante de outras pessoas, que depois de sua morte
nasceria um irmãozinho . Realmente, tempos depois
a II[áe de Ema esperava um filhinho e desej ava que
fôsse menina para lhe dar o nome da filhinha que já
estava com os anjos no céu . "Não se faça ilusão, se­
nhora - disseram-lhe - será um menino, pois assim
LíRIOS EUCARíSTICOS 39

Ema o predisse . " De fato, o feliz casal recebeu de


Deus um filhinho .

MORTE DE EMA

Lírio de suave odor, quís Deus chamar Ema para


o céu ao desabrochar da vida, afim de que o viço
dessa bela florzinha não fôsse empanado pelas ema­
nações deletérias dessa sociedade corruta .
Foi assim que no dia onze de j unho de 1916, a
pequerrucha adoecera. No entanto, foi ainda nesse
dia á igrej a, bem· como nos quatro seguintes, para
receber a santa. comunhão . A menina insistiu tanto,
tanto, que não houve meio de a dissuadir de ir ao
templo sagrado receber o querido Jesús . Ir de si
mesma, nao; pois Ema já não podia andar. Seu
estado de saúde não o permitia . Era levada nos
braços de pessoas da· família . Ao entrar na igreja
pedia que a pusessem no chão, e apesar de arder
em febre, dirigia-se pressurosa para a capela do
Santíssimo afim de adorar e receber Jesús-Hóstia .
Ao amanhecer do dia quinze, achava-se tão mal
que julgaram prudente não a levar á igreja. Saben­
do isto, a menina começou a chorar, pedindo que a
não privassem da comunhão. Disseram-lhe que fi­
zesse nesse dia a comunhão espiritual e que nos ou­
tros, a seguir, o sacerdote lhe traria Jesús . Ema acal­
mou-se, olhou para a imagem do Sagrado Coração e.
entre suspiros e lágrimas, ofereceu a Deus o sacrifício
de fazer naquele dia somente a comunhão de desejo.
40 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

Ansiosa da visita do querido do seu coração


,
pela madrugada do outro dia indagava de quando
em quando pela hora, achando que o tempo custava
a passar, pois sem Jesús não podia suportar aquela
doença. O mestre bondoso, que está com todos que o
amam, e mais perto ainda daqueles que sofrem, logo
ao despontar do dia veio ao coração de Ema, e não
só naquele dia, mas nos outros também . Cedinho es­
tava o padre á casa da menina com a Hóstia de amor
para lhe preparar a alma para o encontro solene, den­
tro de pouco, nas bodas celestiais . Sómente no último
dia, 26 de j unho, dia da despedida dêste mundo, Ema
não pôde receber J esús sob os véus eucarísticos. Foi
recebê-lo no céu, no esplendor da sua glória.
A's doze horas e cincoenta minutos, a alma pura
e bela de Ema voou com os anjos para a pátria ce­
leste .

* *

Como estava bela a menina no caixãozinho mor­


tuário, vestida de branco com a fita azul de Filha de
Maria! Ao pescoço tinha a medalha da Congregação,
e nas mãos cruzadas sobre o peito, o crucifixo .
Ema parecia sorrir.
Faleceu, a 26 de julho de 1916, tendo de idade
4 anos, 8 mêses e 20 dias . tmula de Nelly Organ no
seu grande amor a Jesús-Hóstia, que recebeu diária­
mente depois da sua primeira comunhão, foi arreba-
LíRIOS EUCARíSTICOS

tada para o céu na mesma idade que ela . O que nos


mostra que a santidade é de todos os tempos e de
todas as idades. E' questão tão sàmente de a querer­
mos, pois a graça nunca falta ás pessoas de boa von­
tade. Muitas graças têm sido obtidas por intercessão
desta criança -iTerdadeiramente extraordinária.
III

LIVIO - O PEQUENO CORRESPONDENTE


DE JESúS
(1910-1917)

Livieto - como era chamado em família - era


um menino que amava muito a Jesús-Hóstia . Nas­
ceu a 30 de novembro de 1910, em uma vila perten­
cente aos seus pais, perto de Vitulázio, Itália.
Não havia ainda completado dois anos, quando
foi acometido de enfermidade tão grave que receia­
varo não pudesse resistir ao mal. A piedosa mãe re­
correu a Santíssima Virgem, pedindo a saúde do fi­
lhinho. Nossa Senhora ouviu-lhe a súplica e Livieto
recuperou a saude .
Era Livieto muito carinhoso para com os pais.
Era o encanto do lar. Entretanto, pouco a pouco fo­
ram-se acentuando, de modo mais visível, as boas.
qualidades assim como os defeitos de seu tempera­
mento . Era o seu defeito principal o egoísmo : o de­
sejo de dominar e sobrepuj ar os outros, de querer o
bem todo para si. A mamãe, como sábia mestra, fez­
lhe ver que uma boa criança não devia proceder as­
sim, que isto desagradava a Jesús. Livieto ouviu
atentamente os conselhos da mamãe, e ·como tinha
boa vontaqe, fez esforços para se corrigir dêsses de­
feitos .
44 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

Tinha o menino quatro anos, quando certa vez


foi á igreja com os irmãos mais velhos, que iam con­
fessar-se. Livieto apresentou-se também ao confis­
sionário, mas não tinha nada que dizer ao padre . Em
outra ocasião, estando na capela da Esperança, j un­
tou-ile a outras pessoas que iam ao tribunal da pe­
nitência . De repente, ouvira-se alguern chorar. Era
Livieto que soluçava. Levado para casa e indagado
do motivo das lágrimas, respondeu: "O padre disse
que os meninos ruins e desobedientes ofendem a Je­
sús! Será que eu façcr' isto?"
Tinha Livieto grant1e desejo de receber a santa
comunhão. Quando os irmãos iam receber o Pão dos
anjos, o menino os acompanhava, ajoelhava-se e fi­
cava com as mãozinhas postas ao pé do altar. Os
irmãos afastavam-no com bondade. "Você é ainda
muito pequeno e é teimoso !"
Um dia Livieto abriu-se á mamãe, que era a con­
fidente de seu coração : "Mamãe, a senhora tenha a
bondade de tornar o lapis e escrever o que eu vou di­
tar. Depois cobrirei as letras com tinta. "
- A quem você quer escrever, filhinho?
- Ao bom Jesús, mamãe .
- E que lhe vai pedir?
- Pedir para ir para o céu. Sim, mamãe, lá deve
ser um lugar muito bonito.
Segue-se a carta:
"Queridb Jesús, quando será que eu irei para o
céu? Papai está ausente, mamãe deu-me licença para
escrever esta cartinha; os irrnãozinhos estão em casa.
LíRIOS EUCARíSTICOS 45

Todos os dias rezo uma Ave-Maria pelo papai. Teu


Lívio . "
Terminada a carta, isto é, depois que Livieto co­
briu com tinta, não sem dificuldade, o rascunho feito
a lapis, colocou-a na chaminé e esperou ansiosamen­
te a resposta. Passaram-se alguns dias; finalmente
chegou a resposta . Que alegria para Livieto !
Era o pequerrucho dotado de vontade enérgica,
que por vezes o fazia teimoso . Mas Livieto queria
ser bom . Queria fazer o bem e amar muito a Jesús:
"Eu quero ser bom; quero comportar-me bem; mas
isto me custa muito" .
"Jesús nunca fará de ti um rapaz correto - dis­
se-lhe alguém - porque és teimoso". - "Ora, Jesús
ama aos pequenos ! " - responde Livieto.

* *

Os pais entronizaram a imagem do Sagrado Co­


ração de Jesús em casa. Foi um dia de alegria e de
festa . Os seis filhos do casal assistiram ao ato com
velas acesas e lírios nas mãos. Haviam escrito os seus
propósitos e resoluções e depositado aos pés da ima­
gem do Sagrado Coração para que os abençoasse. Li­
vieto também escreveu os seus propósitos, e com que
generosidade! Escreveu uma lista comprida de re­
soluções:
1° - Nunca mentirei .
2° - Farei sacrifícios.
-46 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

3° - Serei mais bem comportado do que tenho


sido até hoje.
4° - Serei menos teimoso .
-5° - Confessar-me-ei frequentemente.
6° - Darei brinquedos aos meus irmãos.
7° - Aplicar-me-ei ao estudo do inglês.
8° - Quando receber a Revista, eu a darei a Bibí.
9° - Esforçar-me-ei para nada fazer ás escondidas.
10° - Quando Ana estiver com a Revista não a ti·
rarei de suas mãos .
1 1° - Não enganarei mais os meus irmãos.
12° - Não tomarei coisa que me não pertença.
13° - Não brigarei com os meus irmãos .
14° - Não direi mais que só os irmãos é que rece­
bem presentes ' de papai e de mamãe e eu não.
15° - Porei muitos feijões na caixa do "Bem" e ne­
nhum na do "Mal"
Lista comprida de boas resoluções que, postas
em prática, farão de um menino um homem de ca­
ráter e de virtudes.
Livieto tinha duas caixinhas: uma do "Bem" e
outra do "Mal" . Quando fazia algum sacrifício ou
praticava alguma ação boa colocava um feij ão bran­
-co na caixa do "Bem" . Quando, porém, cometia ai·
_guma falta, punha um feijão preto na do "Mal" .

DESE.JO DE RECEBER A JESúS EM SEU


CORAÇAO

Livieto tendo recebido a resposta da primeira


LíRIOS EUCARíSTICOS

carta a Jesús, resposta escrita pela mamãe, ficou


muito satisfeito e pediu logo para escrever outra:
"Querido Jesús! Já sabes que recebi a tua carti­
nha? Ajuda-me a ser bom e obediente . Deixa-me fa­
.zer quanto antes a primeira comunhão . Quero fazer
algum s·acrifício para livrar as almas do purgatório .
Concede-me a graça de ir para junto de ti e de Nos­
sa Senhora . Teu pequeno Lívio . "
O menino tinha fome de receber a santa comu­
nhão. Entretanto, não havia ainda alcançado esta
licença. Insistiu tanto com a mamãe até que obteve
a promessa : "Sim, no próximo ano poderás fazer a
tua primeira comunhão."
Dias depois, Livieto assiste á missa do padre A . ,
jesuita . Depois de terminado o santo sacrifício do al­
tar e a ação de graças, o sacerdote, que gostava da
criança, fez-lhe um mundo de perguntas a respeito
da primeira comunhão. Livieto já aborrecido diz :
"Ah! sou ainda muito pequeno e muito teimoso . " -
"Pois se o teu confessor não te quer dar a primeira
comunhão, eu a darei . "
Livieto ficou radiante de alegria . Correu ao con­
fessor e lhe disse com ar triunfante : "Já sabe que o
padre A . vai me dar a comunhão, já que o senhor
diz sempre que não?
- Muito bem! Quando queres comungar?
- Amanhã!
- Amanhã, não! E' impossivel. Mas se estive-
res bem preparado e fores bem comportado poderás
comungar pelo Natal .
48 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

- Pelo Natal?!
O menino não ficou contente com esta decisão
de esperar até o fim do ano, quando pensava poder
comungar já no dia seguinte ou poucos dias depois!
No entanto, começou a estudar o catecismo com
grande zêlo, fazendo muitas perguntas, querendo
saber tudo. Jesús, o seu amigo, devia estar ao par do
que se passava, por isso escreveu-lhe outra cartinha:
"Querido Jesús! Estou aprendendo o catecismo .
Brevemente farei a primeira comunhão. E' mamãe
que me está preparando . Hoje estudei novamente .
O teu Lívio . "
Durante o tempo em que o pequenito se prepa­
rava para o seu primeiro encontro com Jesús-Hóstia,
deu-se algo de extraordinário nas suas maneiras e
� em seu modo de agir . Quando brincava com os ir­
mãos, uma vez ou outra, afastava-se dêles, ia ao ora­
tório e rezava com grande fervor . Tornou-se bem
comportado e sério . A' noite, adormecia mais tar­
de . A mamãe sentava-se muitas vezes á beira da
cama do filhinho á noite, quando êle se recolhia, e
era nessas ocasiões que Livieto fazia as suas con­
fidências : "Olha, mamãe, o menino Jesús está entre
nós dois . "
Estando Livieto pesaroso por têr que esperar até
o Natal para receber Jesús, a mamãe lhe disse: "Fi­
lhinho, pede licença a teu confessor para fazer a
primeira comunhão na festa de S. Inácio (31 de j u­
lho) . O menino foi sem demora ao padre fazer-lhe o
pedido que a mainãe lhe havia sugerido. O sacerdote
LíRIOS EUCARíSTICOS 49

concedeu-lhe a licença almejada, apesar de Livieto


têr apenas cinco anos e oito mêses . Esta boa noticia
foi logo comunicada ao seu amigo:
"Querido Jesús! Vou receber a primeira comu­
nhão na festa de S . Inácio . Estudo muito o catecis­
mo . Faze que a guerra acabe quanto antes . Eu rezo
para que ela acabe depressa . Bom Jesús! Tenho duas
caixas: uma do Bem e outro do Mal .
Teu Lívio.
*

* *

Examinado a respeito do seu conhecimento tia


religião, foi ótimo o resultado . Livieto respondia di­
reitinho, com desembaraço e sem titubear . Entre ou­
tras perguntas:
- Está J esús presente também numa parte da
santa Hóstia, depois de partida?
- Sim, senhor padre!
- Até mesmo num pedacinho?
- Sim! E' sempre Jesús .
- t:le está tambem na hóstia que está agora •a
sacristia?
- Não, porque ela não foi consagrada .

PRIMEffiA COMUNHAO

Chegou finalmente o tão almejado dia 31 de ju­


lho de 1916 .
Llvieto levantou-se cedinho . Fez as orações tie
cestume . Vestiu o terno branco de linho que a •a�
50 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

mãe lhe mandára fazer para êsse grande dia. A ma­


mãe diz: ' 'Livieto, meu filhinho, hoje é o dia mais
belo da tua vida! Jesús vai descer ao teu coração para
tomar posse da tua alma, para se unir intimamente a
ti. Podes pedir tudo a J esús . Ele quer que fales com
êle, que lhe faças muitos pedidos . Já sei que tens pen­
sado no que has-de pedir . "
"Não, mamãe, não pensei ainda. Que é que devo
pedir? Dize, Mamãe, dize . . . !
"Vai, filhinho, aos pés da imagem do Sagrado
Coração, fecha os olhos e pede com fervor a J esús
que te inspire o que deves pedir . "
Livieto correu ao oratório, ajoelhou-se diante da
imagem do Sagrado Coração, cruzou os bracinhos sô­
bre o peito, fechou os olhos e ficou assim alguns ins­
tantes . Levantou-se em seguida radiante de alegria
e a exclamar:
"Já sei, mamãe, já sei o que devo pedir a Je­
sús !"
· "Que é, meu bem?"
"Vou pedir a Jesús que antes me deixe morrer
do que cometer um pecado, ainda que seja venial! "
Todos s e dirigiram então para a igreja . Livieto,
vestido de branco, com o laço de fita branca no braço,
os cabelos louros a caír em cachos sobre os ombros.
os olhos resplandecentes de felicidade, tendo · na mão
um lírio, parecia um anj o . A igreja estava ricamen­
te ornamentada . Que momento do céu passado na
terra aquele em que o piedoso menino abeirou-se da
mesa sagrada e recebeu Jesús-Hóstia pela primeira
LíRIOS EUCARíSTICOS 51

vez! Que fala intima a de Livieto com o querido do


seu coração! Nesse mesmo dia escreve:
"Querido Jesús! Muito grato pela graça da primei­
ra comunhão . Sinto-me devéras feliz por têr podido
receber-te! Irei todos os dias á mesa santa para me
unir a ti . Faze que eu te não ofenda pelo pecado, mas
que viva só para ti .
Teu Lívio."
Livieto dirigiu ainda duas cartinhas a Jesús.
Mas ficou admirado que, àepois da sua primeira co­
munhão, as suas cartas não tivessem mais respostas.
Interrogou a mamãe sôbre o motivo . Ela então lhe
explicou : "Olha, filhinho, j á estás maior e recebes
muitas vezes a Jesús no teu coração . Não precisas
mais de lhe escrever, basta falar-lhe depois de o têr
recebido. Assim êle te ouve e dará a resposta" . Li­
vieto ficou grandemente consolado com estas pala­
vras .
*

• •

Dotado de grande vivacidade, era para o meni­


no uma verdadeira tortura o ficar calmo e horas in­
teiras sentado a estudar . Da sua banca de estudo,
Livieto ouvia o ressonar do gato e o gorgeio dos pas­
saros no jardim . Via pelas j anelas o revoar das bor­
boletas e dos insetos . Era tudo isto uma verdadeira
tentação para êle . Tinha ímpetos de se levantar e
correr á janela . De ir atrás das borboletas, ao jar­
dim . De pular, correr, . . . mas não! Prometera a Je-
�2 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. :S.

IÚS ser bem comportado e obediente . Jesús aceitára


a sua promessa; agora era preciso cumprí-la custas­
se o que custasse! E ei-lo sôbre os livros, todo atente
ao estudo, apesar de ter somente seis anos !
Nas horas de recreio, porém, era Livieto que pu­
nha tudo em reboliço ; era êle quem dava vida a tudo.
Para isto servia-se de qualquer coisa : uma pequena
planta, um inseto ou uma formiguinha eram objetos
de novos brinquedos inventados por êle e motivo de
risos e alegria para todos . Posto que fôsse o menor
entre os irmãos, era Livieto quem comandava o gru­
po nas horas de recreio . Os outros obedeciam-lhe .
Franco e leal, era refratário á mentira . Quand&
cometia uma falta, ia confessá-la á mamãe: "Não se­
zangue, mamãe, eu fiz isto . " De coração generoso.
não só servia de mediador entre as irmãzinhas, quan:..
do havia alguma desavença entre elas, mas até as
desculpava diante da mamãe.

MORTE DE LIVIETO

Certo dia, por ocasião da visita do confessor da


familiá á casa paterna, foi a�unto da palestra a en­
fermidade do menino quando pequeno .
- "Gostaria de têr morrido nessa ocasião", diz:
Livieto, "porque teria ido direitinho para o céu . "
- "Mas terias levado para o céu somente o me­
recimento da inocência batismal - replica-lhe o pa­
tlre . Entretanto, tendo uma vida longa, terás tam­
•ém es merecimentos das boas obras . "
LíRIOS EUCARíSTICOS 53

No verão de 1917, Livieto aplicou-se com muito


empenho aos estudos, obtendo ótimos resultados nos
exames . Em outubro, porém, adoecera .
O menino começou a definhar . A' noite, muitas
vezes, não conseguia dormir. No entanto, comia com
apetite e não tinha febre . Dias depois, o mal se agra­
vou . Os médicos, tendo-o examinado com todo o cui­
dado, não conseguiram diagnosticar o mal . "A do­
ença do menino é exquisita e misteriosa", disseram .
Livieto ardia em febre . Tinha os lábios em brasa, o
peito ofegante e, na fisionomia, a expressão de gran­
des sofrimentos .
No dia trinta de outubro, recebeu a comunhão
em viático. O menino sabia que ia morrer, mas não
tinha medo. Nesse mesmo dia convidaram o senhor
bispo para administrar o sacramento da crisma ao
4loentinho . "E' verdade, mamãe, que vou receber
hoje a crisma? Porque é que mamãe me fez esperar
tanto tempo?"
Ao entrar o prelado no quarto de Livieto, o me­
nino o recebeu com sorriso nos lábios . O bispo diri­
giu-lhe algumas palavras de confôrto e perguntou:
"'Queres fazer a vontade de Deus?" - "Oh! sim!"
respondeu o pequeno, já com voz fraca . - "Então,
Lívio", continúa o prelado, "diga muitas vezes : Meu
Deus, seja feita a vossa vontade!"
Grande foi o contentamento de Livieto em rece­
ber êsse sacramento que nos dá, de modo especial, o
Espírito Santo, o santificador das almas . E Livieto
agora fortificado com os últimos sacramentos e aill.-
54 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

da com o da crisma, fortificado assim com os dons do


Espírito Santo e graças especiais, entregou-se inteira­
mente nas mãos de Deus: "Meu Jesús , faça-se em
mim a vossa vontade! " - repetia êle muitas vezes .
No dia seguinte, Livieto teve escrúpulo : "Mamãe,
quando a gente comete um pecado mortal involun­
tàriamente Deus o perdoa?" - "Fica tranquilo, filhi­
nho, Deus perdôa tudo; mórmente uma falta involun�
tária, porque não é pecado mortal" .
A maior dificuldade do menino era a repugnân­
cia em tomar os remédios . Era preciso que a mamãe
lhe lembrasse que assim êle fazia a vontade de Deus,
a qual havia prometido fazer sempre.
Ao amanhecer do dia primeiro de novembro,
festa de todos os santos, Livieto estava nas últimas .
Ainda teve a felicidade de poder receber .a sant_a co­
munhão, mas já não podia quasi falar . Durante a noi­
te a mamãe e outros membros da familia ficaram ao
lado �o pequeno moribundo . Pelas quatro da manhã
do dia dois, dia de finados, Livieto vendo a mamãe
sentada á beira da cama, pergunta com voz sumida :
"'Mamãe, que está a senhora fazendo aqui ? ! - "Nada,
meu bem, quero apenas ficar pertinho de ti"
Pelas sete horas, a fisionomia do menino se trans­
forma. Com os olhos em chamas, pede: "Mamãe, abra
as janelas, quero luz, muita luz! " Em seguida cai
desfalecido . Parece dormir!
A mamãe, entretanto, reza: "Anima Christi -
Alma de Cristo, santificai-o! Corpus Christi - Corpo
de Cristo, salvai-o!"
LíRIOS EUCARíSTICOS 55

Pelas onze horas o menino exala suavemente o


último suspiro . A sua alma foi então gozar daquela
'
Luz verdadeira que ilumina a todo o homem que
vém a êste mundo.
Lívio faleceu ás onze horas do dia dois de no­
vembro de 1917, com a idade çle quasi sete anos .
IV

HERIBERT FRASS
Congregado Mariaae
(1903-1917)

Filho de família distinta e abastada, veio ao mun­


do o pequeno Heribert a 26 de abril de 1903, em In­
zersdorf, na Austria.
Dotado de veia musical, manifestou-se nele des­
de criança o gôsto pela música . Tudo que o impres­
sionasse, fôsse o sofrimento ou a alegria, o menino
traduzia nas notas harmoniosas de seu violino, ora
melancqlicas e suaves, ora j ubilosas e enérgicas.
Aos dois anos, foi Heribert mimoseado por um
sacerdote, amigo da família, com uma caixinha, e:na
cuja tampa desenhara a imagem do Sagrado Coração
de Jesús. Ao entregar-lhe o presente, disse: Olha,
Heribert, eu te inscrevo agora no Sagrado Coração
que tu nunca deves abandonar . "Em seguida escre­
veu em baixo do desenho : "Persevera no bem!" e pôs
a data : 19 de maio de 1905 . Posto que fôsse o me­
nino ainda muito criança, jamais se esquecera dêsse
conselho : "Enquanto eu perseverar no bem - dizia
êle - Jeús se conservará no meu coração" . A cabd.­
nha êle a destinou para cofre das obras das missões:
"Esta obra será do Sagrado Coração de Jesús!"
58 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

Vivaz e brincalhão, Heribert ficava entretanto


sério e tomado de santo respeito quando ouvia falar
em Deus e em coisas santas . Certa feita, estando com
a mamãe no jardim, donde podiam avistar o cemité­
rio, indaga: "Que acontece, mamãe, quando a gente
morre? E' verdade que é sepultada no cemitério ?" -
Sim, filhinho, o corpo vai para o cemitério, mas a
alma vai para Deus e fica com êle, se durante a vida
neste mundo tiver praticado o bem.
- Oh! mamãe, então não ha coisa melhor que a
morte, uma vez que a gente vai para Jesús .
Com as palavras por amor de Jesús obtinha-se
do menino tudo o que se queria . Aos cjnco anos, co­
meçou a mancar em consequência de grave doença
nas pernas . O médico colocou-lhe um aparelho que
tinha por efeito extender-lhe as pernas, o que muito
o incomodava, devendo ficar r:ta mesma posição, em
absoluto repouso, algumas horas durante o dia. As
J_lOites, sobretudo, eram-lhe muito penosas porque o
menino devia ficar deitado de costas com o dito apa­
relho. Impacientava-se por isso, ás vezes, e chorava.
A mamãe segredava-lhe então ao ouvido : "Heribert,
Jesús quer que carregues esta cruz por amor a êlet
fica calmo!" AB lágrimas desapareciam como por en­
canto e a criança �dormecia tranquila .

PRIMEffiA COMUNHAO

Heribert tinha três defeitos principai.,s : era va­


garoso no agir - fazia as coisas com lentidão . Era
LíRIOS EUCARíSTICOS

irascível - irritava-se fácilmente, e era guloso : gos­


tava de escolher o que mais lhe apetecia e comia fora
de horas . Entretanto, aproximava-se o grande dia de
sua primeira comunhão . O menino preparava-se com
o máximo cuidado para receber esta grande e subli­
me graça, combatendo sobretudo êsses defeitos
Durante as três últimas semanas, que precede­
ram a primeira comunhão, Heribert tornou-se sério
e silenc�oso . Nos momentos livres, tocava violino ou
ia ao harmônio e dava expansão aos sentimentos de
sua alma. Ora eram trechos melancólicos em que
predominavam os sentimentos de compunção ; ora,
notas j ubilosas em que transpareciam a felicidade e
alegria de que se achava possuído.
A' proporção que se avizinhava a data para sem­
pre memoravel do seu primeiro encontro com Jesús­
Hósiia, aumentavam no menino o desejo de fazer a
primeira comunhão e os protestos do seu amor a
Jesús .
"'

* "'

Feita a primeira comuphão, Heribert tornou­


se verdadeiro amigo de Jesús-Sacramenltado . Co­
mungava todos os domingos e dias santos . Era de
ver o recolhimento e a devoção com que se aproxi­
mava da mesa eucarística !
A's vezes, durante os brinquedos mais anima­
dos, o menino parava silencioso e concentrado . Nin­
guém sabia o motivo de tão brusca mudança de ati-
tiO DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

tude . Um dia êle confessou á mamãe que nessas oca­


SlOes recitava a oração jaculatória: "Bendito e
louvado seja a cada momento o Santíssimo e Divi­
níssimo Sacratnento! "

HERIBERT TORNA-SE PEQUENO


APóSTOLO

"Mamãe, preciso dizer-te uma coisa . O catequis­


ta perguntou-me ontem que flores estavam no altar.
São lírios, disse-lhe eu . Sim, são lírios, confirmou
êle, que lá estão em honra de São Luiz de Gonzaga .
Depois contou-me a vida dêste santo . Contou-me
como êle amava ternamente a J esús e o fervor e
zêlo com que rezava e procurava levar outros para
Deus . Eu também, mamãe, quero ser assim . Quero
amar muito a Deus; quero ser como S. Luiz".
Desde então Heribert se tornou apóstolo . Re­
partia com os pobres a merenda. Dava aos compa­
nheiros lapis ,penas e cadernos . Distribuía santi­
nhos e convidava os colegas para irem com êle rece­
ber a santa comunhão . Compadecia-se da miséria
dos filhos dos operários: "Mamãe, é preciso que se
constrúa - dizia muitas vezes - uma igreja ao Sa­
grado Coração, afim de que êsses pobrezinhos sejam
acolhidos aí por J esús . " Não se realisou êsse seu
desejo, entretanto, Heribert teve a grande satisfa­
ção de ver renovada e entregue ao culto uma ca­
pela do lugar .
Com o intuito de evitar que meninos maus ofel'l-
LíRIOS EUCARíSTICOS 61

àessem a Deus e mesmo com o fim de os converter,


:lrequentava a companhia dêles . A mamãe, receiosa
tio perigo para o filhinho em andar com tais com­
panheiros, observa-lhe: "Como podes andar com
isses meninos, filho?" "Se eu não estiver com êles.
mamãe� falarão sôbre fitas de cinema e outras coi­
sas más, e assim ofenderão a Deus . "
O seu zêlo apostólico leva-o a extremos que só
compreenderão as ahnas inflamadas do amor de
Deus . "Quando eu fôr catequista - diz êle - da­
rei todos os dias santinhos aos meninos"
- Como recompensa? - indaga-lhe a mamãe .
- Não! Com êsse presente os pensamentos dos
meninos ficarão concentrados nos santinhos todo o
tempo em que estiverem a contemplá-los; c:Io mes­
mo modo o farão os irmãos e outras pessoas a quem
es mostrarem. Quando alguém olha frequentemente
para os santos deve finahnente tornar-se também
santo . Será esta a minha intenção" .
Entretanto, o seu apostolado entre os condiscí­
pulos não obteve o resultado que Heribert desejava.
Falavam frequentemente de coisas inconvenientes,
e isto causava profunda dor ao menino. "Essas con­
versas contristam o Coração de Jesús . Que devo
fazer?" A mamãe aconselhou-lhe que reparasse essas
efensas, oferecendo a Jesús, em desagravo, peque­
nos sacrifícios .
Grande firmeza mostrou Heribert contra aque­
le-s que o queriam desviar do cumprimento do de­
ver ou da observância dos preceitos divinos . E' •
62 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

caso que entre os seus amigos havia um, mais velho


do que êle, j á cursando o Ginásio . Com desprezo do
mandamento da Igreja, quís induzir Heribert a
comer carne em dia proibido. O menino, porém, re­
sistiu á tentação do amigo e repeliu ao mesmo tem­
po as zombarias que êle fazia das coisas santas . Deu­
lhe bons conselhos e corno o amigo não os quisesse
aceitar. cortou relações com êle .

"'

* *

Certo dia voltava Heribert da igreja com a ma­


mãe . O menino andava com os olhos baixos, e pen­
sativo . De repente rompe o silêncio e diz: "Mamãe,
já sei porque os sacerdotes, na santa missa, quando
dizem Dominus vobiscum, virando-se para o povo,
abrem os braços . - Qual o motivo? - Para se com­
preender êste gesto dos sacerdotes basta que se olhe
para cima do altar onde está a cruz. Jesús tem os
braços abertos . Sabes, mamãe, por que? Hoje eu a
olhei com muita atenção e compreendi que Jesús
ama tanto aos homens que quer abraçar a todos .
E o sacerdote quando se vira para o povo deve tam­
bém amá-lo tanto que deseje abraçá-lo e levá-lo
para J esús . . . " Depois de pequena pausa: "Eu tam­
bém, mamãe, quero amar a todos os homens e con­
dazí-los para Nosso Senhor .
Foi esta a primeira vez gue Heribert manifes­
tou o desejo de ser padre .
LíRIOS EUCARíSTICOS 63

NO COLE'GIO

Em 1912, os padres jesuitas fundaram, em Fre­


inberg, perto da cidade de Linz, o colégio Aloiziano,
afim de angariar vocações sacerdotais para a Com­
panhia . Heribert tendo ouvido falar dêsse instituto
·quís matricular-se nele. Os pais, porém, acharam
melhor confiar o filhinho aos padres do colégio de
Karlsburg, nas proximidades de Viena . Posto que o
menino sentisse a decisão dos pais, matriculando-o
naquele colégio, conformou-se no entanto e prepa­
rou-se para o exame de admissão, que fez no co­
mêço das férias de 1913.
Edifício grandioso, situado entre colinas verde­
jantes e ao lado de magníficos parques, sentiu-se Her­
bert á vontade, desde logo, nesse colégio que a soli­
citude paterna lhe destinara . Além disso, o espírito
de ordem, a caridade e disciplina em todos os cursos
despertaram a atenção do menino, grangeando-lhe a
simpatia pelo colégio . E' assim que nos dias de visi­
ta ou nos de saída, fazia os maiores elogios ao institu­
to: "Vê, mamãe, como o nosso colégio é belo ! " Ou en­
tão: ""Mamãe, não fiques zangada comigo, mas não
posso imaginar um lugar Em que eu possa estar tão
bem como aqui . "
Ao voltar de casa, depois das primeiras férias
que passara com os pais, o professor de religião per­
gunta-lhe: "Para que estado de vida sentes inclina­
ção, Heribert?"
- Para o estado sacerdotal, senhor padre!
.1-t ·•,.... DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

- Recebe, pois, diáriamente a santa comunhão!


Tens ocasião de fazê-la todos os dias .

* *

Comungar todos os dias! Ora, era isto o que


Heribert desejava desde muito tempo . Dêsse dia em
diante abeirava-se quotidianamente da mesa euca­
rística para receber em seu coração, o pão dos an­
jos, o querido Jesús . E com que devoção o fazia?
Que ações de graças! Que fala intima a de Heribert
com o divino hóspede de sua alma! E' Jesus fogo de
amor que abrasa os corações daqueles que o rece­
bem com amor . Assim. fortificado com a comunhão
diária, o menino tornou-se cada vez mais piedoso e
cu.mpridor dos seus deveres .
Fiel observador do regulamento do colégio, He­
ribert era escrupuloso em cumprí-lo nos menores
detalhes. Era proíbido aos alunos trazer de casa
doces e gulodices para o colégio. Certa vez os seus
irmãos, conhecedores da escrupulosidade de Heri­
bert nesse ponto, colocaram-lhe nos bolsos, quando
êle voltava na tarde do dia de saída, balas, sem que
o menino percebesse. Logo, porém, que o notou, He­
ribert repetiu a sua frase predileta, quando via al­
guma infração ao regulamento: "Isto não está direi­
to! E' contra o regulamento." E lançou fóra as balas.
Congregado mariano,. dava Heribert o exemplo
aos colegas pelo exato cumprimento dos seus deve­
res nessa pia associação . Comprazia-se em ajudar á
LíRIOS EUCARíSTICOS 65

missa, e dizia êle: "Quando ao pé do altar respon­


demos: Ad Deum, qui lretifieat juventutem meam -
(até a Deus que alegra a minha j uventude) - estas
palavras nos lembram a verdade de que todos os
bens que temos são dons de Deus, por isso a nossa
JUVentude é verdadeiramente alegre.

"'
• *

- Queria perguntar-te uma coisa, mamãe!


- Que é, filho?
- Se eu fôr sempre aplicado ao estudo e obser-
var com todo o cuidado o regulamento do colégio ;
s e obedecer aos padres como s e fôra a Deus, e s e me
esforçar em pensar em Jesús, mamãe me dá licença
para ser padre?
- Não me toca a mim, filho, dar-te esta licen­
ç�. Quando Deus chama um jovem para se consa­
grar a êle, seja como sacerdote, sej a como religio­
so, os pais não têm o direito de impedí-lo . Cabe ao
confessor ou diretor espiritual, neste caso, exami­
nar a vocação dêsse jov"em e uma vez que êle acha
que o moço é verdadeiramente chamado por Deus
para um estado de vida mais perfeito, os pais têm
até o dever de auxiliá-lo neste sentido . Do contrá­
t·jo, poderiam ser causa da infelicidade do filho.
Por que desejas tanto ser sacerdote? Deves saber
que, se a vocação sacerdotal é a mais bela, é tam­
bem a mais difícil .
- Sim, mamãe, bem o sei . Aos apóstolos per-
66 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

guntou Jesús: Podeis beber o cálice que vou beber?


E' verdade que Jesús se refere nesta passagem aos
seus sofrimentos . Pedir-lhe-ei instantemente que
êle me ajude a beber o seu cálice e me dê forças
para carregar a sua cruz. Por favor, mamãe, não me
negues esta licença!

A idéia da vida sacerdotal não lhe saía da men­


te. Quando ouviu dizer que depois dos oito anos do
curso ginasial devia ainda estudar seis para rece­
ber as ordens sacras, as lágrimas lhe vieram aos
olhos: "Devo ainda esperar tanto tempo até ser pa­
dre ? ! E é tão grande o meu desejo de trabalhar por
Jesús! "

Como preparação para a vida sacerdotal, o me­


nino mortificava-se .

Curioso por conhecer os costumes da vida re­


ligiosa, indaga do professor de religião: "E' verda­
da, senhor padre, que os religiosos não podem pos­
sui,!' nada de próprio? Como é então que o padre
prefeito tem um relógio tão bonito"

- Sim, os religiosos podem usar os objetos que


lhes são necessários, com licença dos superiores, mas
não são donos dêles .

- Nem mesmo do hábito e do breviário ?

- Não! Os religiosos não têm nada de próprio.


Os superiores lhes dão o necessário, mas êles não
podem dispor dêsses objetos sem licença dos su­
periores . E é isto necessário afim de que aqueles
LíRIOS EUCARíSTICOS 67

que deixaram tudo para seguir a Nosso Senhor não te­


nham os corações apegados ás coisas terrenas .

• •

Heribert, que era por natureza egoista, queren­


do, porém, tornar-se sacerdote e sacerdote j esuita,
começou a desapegar-se das pequenas coisas . Até
(:ntão tinha grande apêgo aos seus brinquedos; di­
ficilmente os cedia aos irmãozinhos . Agora os ofe­
rece para que brinquem com êles . Até mesmo um
livro de orações, que recebera de presente e ao
c;ual tinha grande estima, êle o dá a um menino
pobre . Como lhe notassem esta mudança, Heribert
explica : "Devo acostumar-me a renunciar a todo o
supérfluo . Se o padre não fôr escrupuloso neste
ponto, tomará muito tempo para cuidar das coisas
terrenas com prejuizo da cura das almas . "

* *

Sofrendo da garganta, Heribert devia subme­


ter-se a uma operação cirúrgica durante as férias
de 1915 . O menino tinha muito medo . Quando se
preparava para ir ao médico, disse : "Mamãe, não
posso ir! Nem se quer posso pensar nos instrumen­
tos!
E' preciso, filho, do contrário perderias a
voz .
tiS DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

Tomando coragem, submeteu-se calmamente á


cperação, mas teve que ficar em silêncio qbsoluto
vários dias. Quando o médico lhe deu licença para
dizer algumas palavras em voz baixa, tomou papel
e escreveu: "Quero empregar estas poucas frases
para a cÔnfissão"
Dias depois lhe disse o médico: "Amanhã po­
derás cantar para ver se a voz ainda está rouca" .
Na manhã se� inte, Heribert passeava com a ma­
mãe pelo j ardim em flôr O menino entoou então
-

o Gloria in excelsis Deo, cantando êste hino de lou­


\lor a Deus pela graça que acabava de obter .
*

* *

Ao terminar o 3° ano do colégio, teve Heribert


sérias dificuldades nos estudos . Acharam melhor
que êle repetisse o ano . Foi isto causa de grande pe­
sar para o menino . "Ah! queixava-se êle, mais um ano
de atraso no trabalho pelos interesse� de Jesús! "
Sobrevieram-lhe também escrúpulos que lhe ator­
mentaram o espírito, roubando-lhe a paz habitual .
O pensamento de ser condenado, de perder a salva­
ção eterna, o fez sofrer horrivelmente . Deus permi­
tiu que o seu pequeno servo fôsse assim atormentado
afim de purificá-lo das faltas passadas e ao mesmo
tempo aumentar-lhe a glória no céu .
Pelo Natal do mesmo ano, recobrou a paz de es­
pírito. Mas, na Páscoa do ano seguinte, caíu doente .
Seu primeiro cuidado foi informar-se sôbre a gravi­
dade do mal, com o intuito de se preparar para a
LíRIOS EUCARíSTICOS 69

morte. Nas primeiras semanas era admiravel a sua


paciência e resignação. No entanto, com a continua­
ção do mal, Heribert ficava por vezes irritado. Logo,
porém, que ficou melhor, tornou-se de novo alegre,
(!Omprazendo-se em contemplar os canteir® em flôr
e em ouvir o gorgeio dos pássaros, quando levado no
carrinho a passeio pelo jardim.
Apesar de doente, o menino queria exercer a
mortificação no comer, tomando os alimentos sO­
mente quando lhes eram oferecidos. A mamãe teve
CfUe intervir, obrigando-o a pedi-los toda a vez que
se, sentisse fraco .
Durante as grandes férias de 1917, nova prova­
ção sobreveio ao menino . Heribert que amava tanto
o colégio de Karlsburg a ponto de lhe fazer os
maiores encômios, sente aiora grande repugnância em
voltar para lá . A mamãe, testemunha desta luta, lhe
diz: "Não te preocupes, filho, em vez do colégio de
Karlsburg podes frequentar um ginásio em Viena".
- "Não, mamãe, responde êle, irei para o colé­
gio . Foi lá que comecei os estudos, é lá que hei-de
terminar o curso .
Posto que Heribert tivesse tudo que podia tor­
nar risonha a sua juventude, era no entanto assalta­
do, com frequência, por pensamentos melancólicos:
''Mamãe, por que será que a minha j uventude é tão
cheia de sofrimentos?"
- "Filho, Jesús tem os seus prediletos . A estes
envia uma parte dos seus sofrimentos interiores .
Por êste meio, a alma fica mais purificada, mais bela
70 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

c niais agradavel aos olhos de Deus . Assim, essas


almas compreendem melhor os sofrimentos alheios
E· podem trabalhar com mais eficácia para J esús d()
que aqueles que não experimentam essas penas . "
Heribert ficou muito satisfeito com esta expli­
cação e preparou-se corajosamente para tomar sôbre·
si as dificuldades do novo ano letivo . Entretanto>
eram outros os desígnios de Deus a seu respeito .

MORTE DE HERIBERT

Tendo recuperado a saúde e a j ovialidade, Heri­


bert voltou para o colégio no começo do novo ano le­
tivo. No entanto, durante as férias, o menino disse
mais de uma vez que ia morrer cedo, como se tivesse
pressentimento da morte .
- Mamãe, seria bom que eu fizesse <J meu tes­
tamento, pois morrerei cedo!
� Não o podes fazer, filho . Os meninos nada
possuem .
- Sim, mamãe ! Mas eu me refiro á caderneta
àa Caixa Econômica e á minha caixinha do Sagrado
Coração de Jesús . Deixo-as a ti, mamãe, pa':'a que
as apliques ás obras das missões .
Em outubro, quando os pais foram visitá-lo, en­
contraram Heribert muito bem disposto . Ficaram,
então, tranquilos por notarem que o filho estava de
r_ovo satisfeito e feliz no colégio . No dia 3 1 do mPs­
mo mês receberam, porém, aviso de que Heribert
adoecera.
LíRIOS EUCARíSTICOS 71

N o dia seis d e novembro, o pai d o menino r•bteve


licença de vir a casa; achava-se em campanha na
grande guerra . Heribert ainda o reconheceu . Fstava,
porém, nas últimas .
Pouco antes de morrer, pediu a medalha de Con­
gregado Mariano com a fita azul, colocando-a :.>.o pec;­
coço, e em uma das mãos tomou o crucifixo <'('m �':1-
dulgência da bôa morte e na outra uma .i magem de
S. Luiz de Gonzaga . Recitou em seguida: "Santa
Maria,. mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora
e na hora da nossa morte . "
Pelas três horas da manhã do dia oito, estavam
todos da familia em volta do leito do pequeno agoni­
zante . A irmã enfermeira j á havia recitado as ora­
ções dos moribundos, quando de repente Heribert
estende os braços e entôa, com voz clara e bela, um
cántico de louvor a Nossa Senhora, que êle gostava
de cantar ao violino. Era a sua despedida dêste mun­
do. Filho de Maria, queria partir para a eternidade
louvando a Mãe do Céu. Calmo depois, apenas movia
os lábios . Finalmente, a respiração foi pouco a pou­
co tornando-se mais fraca e, pelas quatro horas, an­
tes do nascer do sol, Heribert voava para o céu .
Faleceu, pois, a oito de outubro de 1917, pelas
quatro horas da manhã. Tinha quatorze anos, cin­
co mêses e doze dias .
v

ANTôNIO MARTINEZ DE LA PEDREJA


(1920-1929)

Nasceu Antônio Martinez de la Pedraja a oito


de agosto de 1920, em Santander, Espanha, de pais
ilustres e profuf!damente católicos .
A piedosa mãe de Antônio obteve a graça dêsse
filhinho por intercessão de Nossa Senhora do Pi­
lar e consagrou-o a Deus antes mesmo que êle
viesse ao mundo . E Deus tomou posse dêle logo
ao nascer . E' que Antônio teve a felicidade de ser
batisado, sob condição, no momento em q�e apare­
cia neste vale de lágrimas; pois duvidavam que o
menino estivesse vivo . No dia treze do mesmo mês,
levaram-no á igrej a paroquial para serem preen­
chidas as ceremônias dêsse sacramento; e, aos qua­
tro anos, recebeu das mãos de seu tio, o Arcebispo
de Monterrey (México) , o sacramento da confir­
mação.
Era Antoninho, como chamavam o menino em
família, dotado de uma inteligência p rivilegiada.
Pequenino ainda, bebia com sofreguidão, no colo da
mamãe, os belos ensinamentos que ela lhe ministra­
va, de acôrdo com o despertar da inteligência do pe­
quenito . Aos dois anos, a mamãe lhe explicou que
74 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

Deus nos creara e creara tôdas as coisas do nada, e


que tudo o que temos devemos a Deus . Antoninho
ouviu-a com muita atenção e depois exclamou: Oh!
mãezinha, como Deus me ama! E eu também o amo
muitissimo!"
Tinha Antoninho cêrca de três anos, quando um
dia, vendo um crucifixo, perguntou a sua mãe: "Mãe­
zinha, por que está morto Papai Deus?
A boa senhora, que se servia de todo ensejo para
ensinar o filhinho e formar-lhe o coração, contou-lhe a
história da Paixão de Nosso Senhor .
O menino ao ouvir a narração dos sofrimentos
de Jesús derramou muitas lágrimas . A mamãe in­
terrompeu a narração . Antonito pediu-lhe, suplicou
n1esrno que continuasse a contar-lhe os sofrimentos do
Redentor . Como ela lhe dissesse que Nosso Senhor
agora está glorioso no céu, o menino se acalmou e in­
queriu:
- "E' verdade, mãezinha, que J esús agora, feliz
no céu, j á não sofre?
- Sim, filhinho, sofre quap.do os homens, em vez
de amá-lo o ofendem .
- Pois eu, mãezinha, o amo muito . . . muitíssi­
mo! mais do que a ti. E tu sabes o quanto te amo .
Não quero que Jesús fique triste por minha causa ...
Tenho feito Jesús sofrer, mamãe?
- Não, filhinho, os meninos inocentes como tu
não fazem Jesús sofrer .
- E porque é que a gente quando crescida
LíRIOS EUCARíSTICOS

r.ão ama a Jesús, se Jesús morreu por nós? . . . Expli­


ca-me mamãe!
- Ofende-se a Jesús e faz-se que êle sofra, filhi­
nho, pelo pecado .
- Pecado! . . . e que é isto, mamãe?
- Sabê-lo-ás mais tarde, filhinho, quando apren-
deres o catecismo . Por ora é bastante que saibas que
os meninos pequenos como tu não cometem pecado
mortal .
- E se os cometer, quando maior? . . . Que horror,
mãezinha, quizera antes morrer!
- Olha, filhinho, não te preocupes agora com
isto: O que deves fazer é diser todos os dias: "Vir­
gem do Pilar, antes morrer do que pecar!" E acres­
t
cent r depois das três Ave-Marias que rezas pela ma­
nhã e á noite: "Maria, minha boa mãe, livrai-me do
pecado mortal! "

• *

A mãe de Antoninho tendo-lhe comprado um ca­


tecismo e uma história sagrada em imagens, o me­
nino passava horas a fio a estudá-los, indagando da
mamãe a significação das imagens dos mesmos . Em
pouco tempo, chegou Antoninho a saber de cor êsses
livros, fazendo depois, frequentemente, aplicações dos
exemplos dos patriarcas e das parábolas do Evan­
gelho .
Como são belos e importantes para a formação
do coração da criança os ensinamentos da mamãe,
quando baseados nos exemplos dos santos e, sobre-
76 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.
"
tudo, nos da Sagrada Escritura e vida de Nosso Se-
nhor, como o fazia a mãe de Antoninho! E', pois, o
regaço materno a melhor escola para fornnar o cora­
ção dêsses entes queridos .
Certo dia folheava Antoninho o catecismo, e a
mamãe, que estava ao lado dêle, vê grossas lágri­
mas correrem pela face do pequeno . Indaga-lhe en­
tão a causa .
- Choro, mamãe, porque tenho inveja e não
queria tê-la.
- Não digas tolices, Antoninho! Por que hás
de têr inveja? Eu ainda o não notei .
- Sim, mamãe, é porque só me conheces no ex­
terior . Eu a tenho no coração . . . E os olhos encqem- ·
se de novo de lágrimas .
A mãe explica-lhe que aquilo que lhe parecia
inveja não era mais do que ciume por lhe parecer
que outros meninos eram mais· acariciados do que
êle . Ao que Antoninho responde :
- Não é só isto, mamãe! Vê o que diz o catecis­
m o : "Que é inveja? - E' um pesar do bem alheio ... "
Pois é o que eu tenho, mamãe! Quando vou á casa
de outros meninos e vejo brinquedos mais bonitos
do que os meus fico um pouco triste e gostaria, en­
tão, que não os tendo eu, êles também os não ti­
vessem . . . Vou pedir a Jesús todos os dias, mamãe,
que êle me tire a inveja, e êle há-de tirá-la .

Uma ocasião brincava Antoninho com outro


LíRIOS EUCARíSTICOS 77

pequeno e a certa altura se desavieram, e Antonito


recebeu uma bofetada do companheiro, sem que pu­
desse tirar desforra da ofensa, porque a ama que o
acompanhara não lho permitiu . Voltou o menino
excitadissimo a casa . Os pais, com receio que êle
r,doecesse, tranquilizaram-no, dizendo-lhe que no
dia seguinte se vingaria do companheiro insolente .
A estas palavras, Antoninho recuperou a calma ha­
bitual . Pouco depois, porém, triste e a chorar, disse
a sua mãe:
- Ah! Mamãe, não o posso fazer ! Não vês que
desgostaria a Jesús? Pois, não diz o catecismo que
devemos perdoar aos que nos têm ofendido e feito
mal afim de que Deus também perdoi os nossos pe­
cados?
De outra feita, brincava Antoninho com outros
meninos e tendo o pai ido buscá-lo, ao voltar a casa
lhe diz êle:
- Se visses, papai, como o Bento é malvado.
Vinha atraz de nós com um pau, e eu tinha medo ...
- Parece mentira - lhe diz o pai - que te­
uhas medo de Bento . Com uma bofetada podias lan­
ç.á-lo ao chão, tomar-lhe o pau e dar-lhe com êle .
- Por Deus ! papai . Não posso fazer isto! Como
poderia bater num menino menor do que eu? ! Não
Yês que o pobrezinho não conhece a Deus?

DESPRENDIMENTO DAS COISAS Dl!:STE


MUNDO

Antoninho, sob a direção vigilante da carinhosa


78 DOM JOAQillM G . DE LUNA, O. S. B.

mamãe compreendeu cedo a importância das coisas


·espirituais e o pouco valor das dêste mundo .
Estando um dia no colo da mamãe, ela o inter­
pela:
- Gostaria de saber por que estás sempre ale­
gre e contente, filhinho!
- Ah, mãezinha! é porque tenho a consciên­
<!ia tranquila . Como me disseste que obedecendo
aos pais e superiores obedecemos a Deus, eu estou
sempre contente, porque se me mandas estudar, sei
que estudando agrado a Jesús. Se, pelo contrário,
me mandas brincar, eu me divirto muitíssimo, sobre­
tudo na casa dos primos . Quando não queres que
-eu vá á casa dêles, conformo-me . Brinco então sO­
zinho . Não me divirto tanto, é verdade ; mas não
viemos a êste mundo para nos divertir, e sim para
servir a Deus . . . O que me importa é ser santo. Oh!
sim, mãezinha, quisera ser santo! "
Como a mamãe lhe fizesse ver, e m outra oca­
·sião, que os avarentos são uns miseráveis, porque o
dinheiro para êles de nada serve, pois não desfru­
tam o confôrto que o dinheiro lhes proporciona, An­
toninho observou:
- Não é isto o pior mamãe. O maior mal é que
êles perdem o céu . Eu, quando maior, gastarei pou­
co . Não irei aos cafés nem ao teatro, dar-te-ei o di­
nheiro e também a papai e a vovó . Para que quero
dinheiro, se tenho que o deixar? Quero ser rico é no
céu! O que for ganhando, irei mandando para o ou­
tro mundo .
LíRIOS EUCARíSTICOS 79

- Muito bem, filhinho ! Mas, como o has-de man­


dar?
- Distribuindo-o entre os pobres e fazendo ou­
tras obras de caridade .

• *

Em recompensa pelo seu bom comportamento e


aplicação aos estudos, a vovó fizera presente a An­
toninho de um pequeno cofre com algumas moedas .
O menino entregou-o a sua mãe para guardá-lo .
Tempo depois, com novos prêmios da vovó e outras
dádivas, havia aumentado a importância do cofre .
Antoninho empregava êsse dinheiro em obras de
caridade . Era a mamãe a tesoureira . Certo dia in­
terpela-a:
- Mamãe, quanto dinheiro tenho?
- Uma cédula de 25 pesetas, alguns duros e vá-
rias moedas menores .
- Não é isto, mamãe, que quero saber. Pergun­
to quanto tenho mandado para o outro mundo,
�uanto tenho dado a Jesús .
- Não sei, filhinho . Não me lembra quanto tens
dado de esmola .
- E se eu der aos pobres todo o dinheiro que
tenho, e todos os brinquedos,_ sem ficar com ne­
nhum, que acontecerá, mamãe?
- Que dirá Jesús, quando eu me apresentar no
dia de juizo?
80 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

. . . Dize, mamãe, que dirá?


- Se já o sabes, filhinho, por que mo pergun­
tas? Mas não penses que eu te deixe dar tudo.
- Por que, mãezinha?
Porque quero que saibas também economi-
zar.

* *

Um dia, algumas das religiosas, a quem Antoni­


nho havia socorrido secretamente por intermédio da
vovó, quiseram vê-lo para agradecer-lhe a genero­
bidade . Louvaram-lhe, então, a caridade e boa ação
que havia feito. Depois que as religiosas saíram,
disse Antoninho aos pais:
- Por que contam aos outros as boas obras que
faço? Ao ouvirem isto, dizem que sou bom menino
e outras coisas de lisonja que me agradam, e assim
perco o merecinlento .
Tempo depois, entregando a seu confessor 25
pesetas para as obras da igreja, recomendou-lhe mui­
to que o não dissesse a ninguém .
Se Antoninho ligava pouca i �portância ás coi­
sas materiais tinha, pelo contrário, em grande aprê­
çc as que dizem respeito ao bem da alma .
Em colóquio com a mamãe, manifestou-lhe e:er­
to dia o desejo de, quando grande, tornar-se sacer­
dote, afim de receber J esús diàriamente .
- Não necessitas de ser padre para comungar
todos os dias, filhinho.
L1RIOS EUCARíSTICOS 81

- E' verdade, mamãe; mas não poderei têr Je­


sús em minhas mãos .
Pouco antes da morte de Antoninho, durante a
sua última enfermidade, a mamãe, para o entreter,
contou-lhe que êle havia recebido muitos presentes
por ocasião do batismo e que receberia ainda muito
mais quando se cazasse . Antoninho diz-lhe então :
- Que vale mais, mamãe, receber presentes ou
ser padre?
- Já te disse, filhinho, que para servires a DEus
não precisas tornar-te sacerdote .
- E' verdade, mamãe; mas ser padre vale mais
do que todos os presentes e tôdas as riquezas do
IDUildO .
A boa senhora, por certo egoísmo, de que mais
tarde se arrependera, não se podia fazer idéia da
separação do querido filho. - "E que seria de tua
pobre mãe - lhe diz - sem ti, filhinho? ! "
- Ah, mãezinha, pertenço mais a Jesús do que
a ti!

* *

Tinha Antoninho também grande zelo pela gló­


ria de Deus e s àlvação das almas. Com a simplici­
dade dos da sua idade e a pureza de um coração
sem malícia, não podia ver relaxamento no cumpri­
mento dos deveres religiosos sem chamar a atenção
dos negligentes sôbre esta matéria e dar conselhos,
ainda que de criança, mas bem apropriados.
82 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

E' assim que uma vez o menino repreendeu a


uma pessoa amiga da familia,.
- Tenho que te dizer uma coisa .
- Que · é Tôtô?
- Que não és bom pai de família .
- Hom'essa! Por que, então?
- Porque não mandas teus filhos á missa aos
domingos .
- O maior vai quando não tem trabalho a fa­
zer . E o outro é ainda muito pequeno .
- Pequeno, não! Pois já tem oito anos, e desde
os sete temos obrigação de assistir á missa . E quan­
to ao maior, eu digo que não podes deixá-lo sem as­
sistir á ela pelas razões que alegas . Pois antes de
cuidar das coisas dêste mundo, temos obrigação de
servir a Deus .

DEDICAÇAO E AMOR AOS PAIS

Tinha Antoninho grande amor aos pais, e em


particular a sua mãe. Era grande o seu prazer quan­
do recebia dela algum presente . Por pequeno e in­
significante que fôsse o objecto recebido, o menino
se desfazia em amabilidades e carícias para com a
mamãe. - "E' precioso, mãezinha, o teu presente .
�le me encanta .
Estando a mamãe uma vez ausente no seu àia
onomástico, o menino lhe escreve : "Queridissima
mamãe! Já sabes que teu filho é homem de pala­
vra . Escrevo-te esta como te prometi . Como ama·
nhã é o dia do teu santo, eu te felicito .
LfRIOS EUCARíSTICOS 83

Na comunhão, pedirei por tua saúde, porque te


quero muitíssimo . - Teu filho que te dá mil bei­
j os . ''
Quando a mamãe estava doE!nte, o menino fi­
cava ao pé da cama dela todo o tempo livre . Uma
tarde pediu-lhe que o dispensasse do passeio, por­
que - diz êle - o bom filho deve cuidar dos pais.
Como não obtivesse a licença pedida, antes de sW.r
Antoninho chamou o pai e lhe disse :
- Papai, tenho que te pedir um favor.
- Pede o que queres, meu filho .
- E' que não deixes mamãe sózinha . Que fiques
com ela até que eu volte. Preocupava-se Antoninho
igualmente com a vóvó, quando enfêrma.
"Se precisares de alguma coisa, vovózinha,
basta chamar-me, pois estou aqui pertinho . . . Te­
nho tanta pena de ver a vovó sofrer! Antes estives­
se eu doente. Quisera morrer, a ver-te morta, vo­
vózinha! "
Durante a sua última enfermidade, s e bem que
Antoninho sofresse muito e pressentisse que ia mor­
rer, dissimulava, no entanto, os sofrimentos, afim
de não afligir os pais .
Estando uma manhã a mamãe · no quarto, ao
lado do filhinho enfêrmo, diz o menino á vovó: "Pa­
rece que mamã e está triste . Acho-a um pouco pre­
ocupada . Não será nada, mamãe!"
Ocultava assim a gravidade do mal com receio
�e que a querida mãe ficasse doente, se s oub e�sE:- a
realidade . No entanto, a um sacerdote, amigo da
84 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

família, que lhe perguntara como estava passando,


Antonito respondeu: "Mal, muito mal! " - "Voa
morrer" - diz êle á religiosa que lhe assiste - mas.
não . importa, porque vou para o céu" .

COMBATE CONTRA OS DEFEITOS

Desde pequenino, já aos dois anos, manifestou­


se: Antoninho de gênio violento, mas bastou que a
mamãe lhe dissesse que assim desagradava a Pap&i­
Deus para que o menino procurasse a se dominar, tô­
da a vez que o invadiam ímpetos do gênio.
Anos depois, num acesso de raiva, Antoni...r ho
deu na ama . O pai, afim de corrigí-lo, castigou-o. O
menino sentiu muito o castigo, pois era a primeira
vez que o pai lhe batia . Tinha êle cerca de cinco
anos . Todo choroso, foi lançar-se nos braços da ma­
mãe. Momentos depois, indo o pai dar-lhe um beijo,
o menino relutou um pouco . A mãe, como boat mes­
tra, mostrou-lhe que se o pai o castigava erà• para
seu bem, para que se corrigisse do defeito de seu
gênio rebelde . Antoninho ouviu calado os conse­
lhos da mamãe . Dias depois foi ao j ardim e trouxe
uma haste e disse ao pai:
- Papai, guarda esta vara, afim de qu.:: , quan­
do eu ficar genioso outra vez, me batas com ela, e
com fôrça .
- Não, não o farei! - disse-lhe o pai -- nãa
gesto de castigar, ainda menos com vara .
LíRIOS EUCARíSTICOS 85

- Deves fazê-lo, papai e eu te agradecerei mui­


to. Não vês que gênio tenho eu? Se continúo assim,
quando fôr maior deixar-me-ei levar também pela ira
e pode acontecer que levante a mão contra ti ou
contra mamãe ou vingar-me de alguém, e assim co­
meter pecado mortal . Quero, pois, que me castigues
para que eu não ofenda a Jesús . Não é melhor, pa­
pai� que tu me açoites do que Deus tenha que me
castigar?
Antoninho reconhecendo que era o gênio o teu
àefeito principal, empreendeu o combate a êle, pro­
curando dominar-se inteiramente, sempre que ihe
irrompiam os tmpetos da raiva . E para alcançar vi­
tória, o meruno rezava e rezava muito, pedindo a Je­
sús que o tornasse semelhante a êle, manso e hu­
milde de coração .
- Dize-me, mamãe! Já te respondi mal algu­
ma vez?
'
- Não me lembra, filhinho, que o tenhas fetto.
- E' que, tendo o gênio muito forte, custa-me
a imitllr a Jesús que era manso e humilde de cora­
ção.
Um dia, á hora da rE!feição, como o pai quises­
se servir a Antoninho daquilo que o menino mais
gostava, êle lhe diz: - "Não, papai, J:?.ão pode ser!
Tomarei do prato que os outros não gostam." E como
o pai o servisse em primeiro lugar, a mamãe exda­
rnou por gracejo: "Oh! . . . como o mimoseias !"
- "Que queres - respondeu o pai - se é o
único filho! " Antoninho dirigindo-se então a êle lhe
8G DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

diz amavelmente e a sorrir: "Não deve ser assim,


papai; pois se me acostumas a ser o primeiro tornar­
me-ei egoista . Além disto, os pais devem ser servi­
dos antes dos filhos . "

PRIMEIRA COMUNBAO

Tinha Antoninho cinco anos de idade quando


um dia manifestou o desejo de fazer a primeira co­
munhão . A mamãe lhe disse que somente ao com­
pletar os sete poderia fazê-la . "Que pena não poder
receber Jesús em meu coração! Como desejo rece­
bê-lo! Ainda me falta muito tempo até que comple­
te os sete anos! Por que não posso comungar agora,
M já sei todo o catecismo? ! "
Antoninho, tendo grande desejo de receber o
Senhor quanto antes, tinha inveja dos pais por pos­
suírem a Jesús pela comunhão, e desabafava-se em
beijos e abraços quando êles voltavam da igreja,
dizendo-lhes: "Quanto sois felizes em terdes a Je­
sús no coração! Quando será que eu o terei tam­
bém ?"
Tendo a mamãe preparado o filhinho e dado li­
cença para se confessar, Antoninho todos os sába­
dos. aproximava-se do tribunal da penitência, au­
:mentando assim a graça em sua alma como prepa­
ração para o seu primeiro encont:ro com Jesús-Hói­
üa, dois anos depois!
Finalmente, chegou o dia tão almejada por An­
toninho . A cerimônia da primeira comunhão reali-
LtRIOS EUCARíSTICOS 87

zou-se na Capela da casa paterna em Liencres, du­


J'ante a missa celebrada pelo confessor do menino, a
oito de agosto de 1927, aniversário de Antoninho .
Foi um dia de festa e de regosijo para a familia
e sobretudo para o néo-comungante. Desde então,
Antoninho comungava diàriamente. A comunhão era
para êle a sua maior consolação. Uma vez a mamãe
lhe perguntou o que êle dizia a Jesus, quando o ti­
nha no coração. "Digo-lhe: querido Jesús, eu vos
amo muitíssimo e me entrego inteiramente a vós."

• *

Antoninho, tendo a consc1encia tranquila, rece­


bia diàriamente o querido Jesús, ficando ás vezes até
ciuas semanas, quando não tinha ocasião de o fazer,
sem se confessar . A mamãe advertiu-lhe não fô�se
assim comungar todos os dias sem se aproximar do
tribunal da penitência . Com tôda humildade o r'1e­
nino respondeu:
Muito bem, mamãe, mas não tenho pecado
mortal .
- Sim, filhinho, não tens pecado mortal, mas
tens veniais .
- E' verdade, mamãe, mas rezo o ato de con­
trição e o eu pecador, e os meus pecados ficam pe-r­
doados! Não me proíbas, mãezinha, a comunhão diá­
ria!
Em outra ocasião, a mãe de Antonito lhe dii::se
88 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

que no dia seguinte êle não podia comungar, por­


Que fasia mau tempo .
- Não me tires, mãezinha, a comunhão, eu te
suplico, pois não quero condenar-me!
- Por isso não te-hás de condenar, filhinho .
- Bem sei, mamãe, que não tenho obrigação de
comungar todos os dias, mas se me acostumo a cei­
xar a CO!llunhão, uma vez que me torne maior' e tu
venhas a desaparecer, pode ser que eu encontre maus
companheiros e, como estarei fraco por não receber
Jesús, que eu vá com êles e cometa pecado mortal.
Se, porém, comungo, como tenho Jesús comigo, ain­
da que t � venhas a faltar, não pecarei . Já vês, ma­
mãe, que devo comungar .
E Antoninho, não só recebia diàriamente o bom
Jesús em seu coração, mas preocupava-se também
com os queridos pais, desejando que êles se aproxi­
massem frequentemente do banquete eucarístico .
E' assim que certa vez o menino tendo-se con­
fessado e os pais também, na manhã seguinte foi
ao quarto_ dêles para rezar as orações de costume e
�chou-os ainda na cama. Perguntou, então, a sua
mãe: "Estás doente, mãezinha?" Como ela respon­
desse que não se sentia bem, Antoninho lhe disse:
''Pois não te preocupés, mamãe, teu filho pedirá a
Jesús por ti" . Em seguida dirigindo-se ao pai, de­
pois de tê-lo beijado carinhosamente, perguntou-lhe
se não ia comungar . O papai respondeu-lhe que, ten­
do passado a noite sem dormir, estava cansado, poc
isso não ia . Antoninho não ficou satisfeito com o
qRIOS EUCARíSTICOS 89

motivo alegado pelo pai . "Ah! paizinho, não te vás


enfraquecer! Não vês que é a comunhão o aiimento
da alma? Se não comungas, papai, tu te enfraque­
ces, e o pior é que podes cometer pecado mortal .
Que horror, paizinho, se chegasses a cometê-lo! Como
vês, tu queres que eu coma porque sabes que se não
me alimento enfraqueço-me e morro . Assim tam­
bém eu quero que comungues, porque não comun­
gando ficas fraco e podes cair em pecado e matar a
tua alma"

* *

A maior felicidade de Antoninho era receber o


querido Jesús na comunhão diária . "Nunca deixa­
rei a comunhão, mamãe - diz êle - ainda que do­
ente, a não ser que esteja com febre . "
Os pais do menino tinham receio de que a saú­
de do filhinho viesse a sofrer com a preocupação
constante pela comunhão, despertando ás cinco da
manhã e indagando se já era hora de ir á igrej a .
A mamãe lhe disse certo dia:
- Antoninho, querido filho, tenho que te privar
da comunhão diária.
- Por que, mamãe? - perguntou o menino
imensamente triste .
- E' porque não dormes ! Não vês que assim,
dormindo pouco, ficarás doente e morrerás? Dize­
me, então, por que não dormes? . . . Já sei; é que ao
9tl DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

adormecer estás com o pensamento na comunhão�


não é verda de?
- Sim, mamãe, durmo pensando em Jesús .
Daquele dia em diante Antoninho não indagou
mais a hora pela manhã, mas ficou quietinho na
cama, ainda que estivesse acordado, com medo de
ser privado da comunhão diária .

MORTE DE ANTONINHO

"Certa vez - narra a mãe do menino - . falou­


me Antoninho a respeito do céu, de sua alegria em
\'er Jesús e Nossa Senhora; de se encontrar com os
avós, etc. "Est0u desejando ir para o céu, mamãe,
mas tenho medo da morte. Se a gente pudesse ir
para o céu também com o corpo . . mas, ficar o cor­
.

po enterrado! Dize-me, mamãe, a quem pertencem


os olhos, ao corpo ou á alma? E se me enterram os
olhos, mamãe, como poderei ver Jesús? A alma deve
tê1· olhos . E' verdade, mamãe? Explica-me, explica­
me como hei-de ver Jesús! "
No di a três de fevereiro de 1929 - festa de São
Brás - foi Antoninho para a cama com forte dor
de garganta e sinais de difteria. O médico, depois
de rigoroso exame, achou que não era êsse o mal,
de modo que os pais do menino ficaram tranquilos .
Antoninho, porém, como pressentisse que ia morrer,
estava preocupado, mas silenciou, afim de não con­
tristar os queridos prus . Em certo momento, repe­
tiu as palavras de Jó: - "Deus ma deu; Deus ma ti­
rou, seja louvado o nome do Senhor."
LíRIOS EUCARíSTICOS 91

- Que estás a dizer, Antoninho? perguntou


turiosa a mamãe . - Que foi que Deus te deu e de­
pois tirou? - A saúde, mamãe! "
Quando a s dôres eram muito fortes, o menino­
k)mava o crucifixo e apertava-o sôbre o peito . Ja�
mais se ouviu de seus lábios a menor queixa . Mos-­
t:::-ava-se, pelo contrárfo, alegre e risonho, afim de
ocultar aos pais os seus sofrimentos . " Parece que
mamãe está triste; acho-a um pouco preocupada!"
Nos momentos de maior aflição, pedia que les­
!em a vida de Jó: "Mamãe, lê-me a vida de Jó, por­
que estou um pouco impaciente . "

No dia 22 de fvereiro, agravou-se o mal . A' tar­


de daquelle dia, o diretor de Antoninho ouviu-o de
confissão e prometeu trazer-ihe na manhã seguinte a
comunhão. Tendo dormido bem áquela noite, os pais
pensavam que o menino estivesse salvo. A's cinco
horas da manhã, Antoninho desperta e diz com mui­
ta alegria, a todos, que ia comungar. E falava só da
vinda do bom Jesús. Preparou-se, então, para o seu
último encontro neste mundo com Jesús-Hóstia, e,
impaciente pela demora, indaga : "Não chega?" ...
como tarda! Mamãe, quando virá Jesús?" Como al­
guém lhe dissesse : "Pede a Jesús que te cure", An­
toninho nada respondeu a isto.
A's sete heras e meia, chegou o sacerdote com a
Hóstia de amor que vinha fortificar Antoninho para.
levá-lo á comunhão eterna com seu querido J esús
no céu . Antoninho recebeu-a em viático com gran­
tie júbilo e fervor . Depois juntou as mãozinhas, fe--
92 DOM JOAQtnM G . DE LUNA, O. S. B.

chou os olhos e ficou em íntima união com o divino


hóspede de sua alma, entregando-se inteiramente a
êle .
A enfermeira, notando, momentos depois, que
Antoninho piorara repentinamente e que estava
nas últimas, chamou ás pressas o médico . Ao che­
gar, lhe diz o menino: "Vou morrer . . . morro! "Ma­
mãe ? ! "Foram as suas últimas palavras . E sua alma
bela e pura voou com os anjos para o céu .
Eram quasi oito horas da manhã de 23 de feye­
reiro de 1929 . Tinha Antoninho 8 anos, 6 mêses e
15 dias .
Vestido de branco, em traje de marinheiro, com
um doce sorriso nos lábios, Antoninho parecia dor­
mir. Do pescoço, pendia-lhe a cruz que recebera no
dia da primeira comunhão, e tinha nas mãos, entre­
laçadas sôbre o peito, um crucifixo .
Sua morte foi grandemente sentida pelp popu.-·
!ação da cidade, e muitas têm sido as graças extra­
ordinárias obtidas pela intercessão dêsse piedoso me­
n�no .
VI

VASCO FOCHESATO
Vasquinho
(1919-1930)

Nasceú êsse piedoso menino na cidade de Ca­


:;.cias, Estado do Rio Grande do Sul, a onze de feve ·

reiro de 1919, dia em que Nossa Senhora aparecera


pela primeira vez a Bernadete, em Lourdes, no ano
de 1858 .
Logo ao despontar, foi essa bela florzinha con­
sagrada, pelos piedosos pais, a Santíssima Virgem,
a quem conservou terna devoção durante a sua cur­
ta vida .
O sinal da cruz que a carinhosa mamãe lhe tra­
çava na fronte e os doces nomes de Jesús e Maria,
que ela lhe repetia, foram as primeiras lições que
recebera a criancinha no lar paterno . Assim, a pri­
meira palavra balbuciada por Vasquinho foi - Je­
bÚS .
Bem cedo, porém, o pequenito perdeu a queri­
da mamãe, arrebatada pela mão implacável da mor­
te. Mas Deus Nosso Senhor, que nunca desampara
a sua criatura, fez com que a criança encontrasse os
carinhos de mãe na vovó e nas titias, que se incum­
biram de guiar os primeiros passos do menino .
·94 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

As tias, sobretudo, foram-lhe anJos tutelares .


Ensinaram-lhe o caminho da igreja, que ficava a
pouca distância . Vasquinho comprasia-se em per-
manhecer aí longo tempo, ajoelhado, de mãozinhas
postas, com os seus belos olhos, puros e inocentes,
fixos sôbre o tabernáculo onde está Jesús-Sacramen­
tado, dia e noite, por nosso amor.
Já aos cinco anos, ia o menino cedinho á igreja
para ajudar á santa missa . E era de ver a devoção
com que desempenhava êsse ofício ao pé do altarf
O seu porte digno e a sua piedade atraíam a aten­
ção dos fiéis.
Aos seis anos, Vasquinho começou a frequentar
a escola paroquial . Daí passou para o Instituto de
Nossa Senhora do Carmo, dirigido pelos Irmãos das
Escolas Cristãs . Foi nesse colégio que se preparou
pa.ra o gral_lde e tão suspirado dia da sua primeira
comunhão. Aos oito anos recebeu, pois, Jesús pela
primeira vez em . seu coração ardente de amor .
Era verdadeiramente grande o desejo de Vas­
-quinho de receber Jesús e de recebê-lo muitas ve­
zes. E, com êste desejo, nascera-lhe também outra
aspiração sànta, que era a de se tornar um dia sa­
cerdote, ministro de Deus, dispensador das suas gra­
ças, para dar Jesús também aos outros, para salvar
muitas almas !
Sentindo-se chamado por J esús para uma vida
mais perfeita, para o sacerdócio, vive agora Vasqui­
nho só para Jesús . Oferece-lhe tudo ; estudos, re­
�reios, comportamento irrepreensível para com ter
LíRIOS EUCARíSTICOS 95

dos e em tôda a parte, afastamento de tudo que lhe


possa embaciar as virtudes . Conhecia apenas a casa
1>aterna, a igreja e o colégio . Divertia-se somente com
as pessoas de casa . Acompanhava, ás vezes, os sa­
�erdotes no desempenho do ministério sagrado, edi­
ficando a todos com a sua piedade e simplicidade . E
aas lições dos seus diretores espirituais, tirava pro­
veito para o progresso na virtude . Era, pois, Vasqui­
nho, já aos nove anos, um menino exemplar pela sua
sólida piedade; wn menino, portanto, muito querído
de Jesús .

NO INTERNATO

Decidido a se tornar sacerdote, era Vasquinho,


no entanto, aos nove anos, ainda muito pequeno para
entrar no Seminário . Por isso, fôra internado no co­
légio dos Irmãos Maristas, em Garibaldi. O ·irmão
àiretor, ao vê-lo pela primeira vez, ficou impressiO­
nado com a candura, porte digno e simplicidade do
menino.
Entretanto, maior impressão lhe causára a ple­
dade de Vasquinho ao vê-lo no dia seguinte aproxi­
mar-se da mes� eucarística para receber a santa co­
munhão.
Admitido como coroinha da capela do colégio,
foi grande o prazer dêsse piedoso menino em poder
assim continuar a ajudar á santa missa ; aproximar­
se do altar em que J esús se imola de novo, de m�do
místico, por nosso amor, e tomar parte ativa nesse
96 DOM JOAQillM G . DE LUNA, O. S. B.

santo sacrifício pela comunhão do Corpo de Nosso


Senhor com o sacerdote. Durante os dois anos que
ficou no colégio, exerceu essa santa função com gran­
de edificação dos assistentes .
A comunhão frequente, Jesús-Hóstia, recebido
com grande amor, foi o alimento da inocência de Vas­
quinho, o preservativo contra a curiosidade, ao des­
pertar das paixões, e contra os exemplos pouco edi­
ficantes dos colegas, o incentivo poderoso na prática
das virtudes . E' assim que Vasquinho procurava
corrigir-se de seus defeitos e precaver-se contra os
maus exemplos que pudessem arrefecer o seu amor
ao querido Jesús.
Sempre prazenteiro, nunca fôra visto de mau
humor ou rancoroso; assim corno j amais ofendera a
o_uem quer que fôsse . Pelo contrário, afável para
com todos, cedia sempre a outrem o quanto era per­
mitido, mesmo com prejuizo próprio . Foi dest'arte
que Vasquinho, em pouco tempo, adquiriu sôbre os
colegas um ascendente de respeito e veneração que
bastava aproximar-se de um grupo para que todos
estivessem alerta : "Atenção! vem o Vasquinho! "

• *

Tinha Vasquinho particular devoção a Jesús­


Sacramentado. Não lhe era bastante recebê-lo todos
Oil dias pela comunhão; visitava-o com frequência .
Comprazia-se em ir nos momentos livres á capela e
LíRIOS EUCARíSTICOS 97

aí ficava bastante tempo ao pé do tabernáculo em


adoração Aquele que por nosso amor quís ficar dia
e noite prisioneiro em nossas igrejas.
E' a Eucaristia fogo abrasador que purifica as
impurezas das almas que se aproximam com amôr
dêsse sacramento . Donde compreendemos que Vas­
quinho tenha feito em tão pouco tempo tão grande
progresso na virtude. Não disse Nosso Senhor : "Quem
come minha carne e bebe o meu sangue fica em mim
e eu nele?" Eis aí o segredo da vida edificante de
tantos jovens que, nos últimos tempos, sobretudo de­
poi s do decreto de Pio X a respeito da comunhão
frequente, foram arrebatados para o céu, em odor
de sanidade.
Foi a comunhão ,recebida diária ou frequente­
mente com amor por essas almas inocentes, foi Jesús,
�ixando a êsses corações ainda puros, que os tl;ms­
"
formara e os elevára a tão alto grau de virtude· � tão �
pouco tempo. Por isso, mães cristãs, trabalhà i com Je­
sús na santificação dos vossos filhinhos! Quereis que
os vossos filhos sejam obedientes, dóceis, ruriAveis ca­
ridosos, santos? Preparai-os para a pJ.li:tléira co­
munhão logo que chegarem ao uso da razão afim
de que J esús tome posse dêsses coraçõezinhos en­
quanto inocentes e puros, e assim os preserve con­
tra a onda do vício que tem corrompido tantos co­
rações jovens e feito derramar copiosas lágrimas a
muitas mães carinhosas !
"Quem come a minha carne e bebe o meu san­
gue fica em mim e eu nele . " (S . João, VI, 56) . E'
98 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

Jesús vindo a essas almas que as santifica . E não


penseis, mães carinhosas, que os vossos filhinhos,
recebendo a Jesús frequentemente e tornando-se as­
sim bons, virtuosos e santos, vão por isso morrer
ainda jovens . Não! Mil vezes não! E' preciso que
ê1es sejam bons, virtuosos e santos desde o desa­
brochar da vida para que mais tarde sejam homens
de caráter e de fé robusta; homens tementes a Deus
e de vittudes sólid8.8, modelos na nossa sociedade .

* *

Congregado da Associação de Nossa Senhora dos


Anjos, Vasqttinho não se contentava só com as prá­
cas íntimas de piedade dessa confraria ; o seu zêlo
apostólico arrastava os outros confrades á comu­
nhão frequente. "E' tão fácil para nós, pequenines,
receber Jesús seguidamente na santa-comunhão", di­
zia e ao mesmo tempo incitava também os amigos
mais queridos entre os colegiais a rezarem pela con­
versão dos pecadores e pelas almas do purgatório .
Aos domingos e dias santos, comprazia-se em lei­
turas piedosas . Nas últimas férias, tendo lido a vida
de Guy de Fontgalland disse á titia que desejava ser
como êle . Ouvia com muita atenção as práticas de
capelão do colégio; e, quando em casa da familia du­
rante as férias, imitava o sacerdote na celebração da
santa missa com alocução aos assistentes, meninos
como êle, concitando-os a que recebessem com fre­
quência a santa-comunhão .
LíRIOS EUCARíSTICOS 99

Querendo, pois, Vasquinho tornar-se sacerdote


para conduzir muitas almas para Jesús, procurava
desde logo ser apóstolo o quanto lhe era possível .

• •

Muitos alunos, mesmo entre os dos · �atos


católicos, quando vão passar as férias em c11sa, dei­
xam as práticas de piedade de lado, como se hou­
vesse também férias na práfica das virtudes, no
amor de Deus Nosso Senhor! E' triste, é muito tris­
te, lamentavel mesmo, que meninos e meninas que
se mostram piedosos durante o ano letivo, assistin­
do á missa e comungando quasi diáriamente, não só
deixem de comungar, durante as férias em casa dos
pais, mas até não assistam á missa aos domingos por
pura negligência e preguiça, e mesmo se esqueçam
de fazer as orações da manhã e da noite !
Vasquinho, porém, não pertencia ao numero
déstes . Ao voltar para o colégio, no começo do ano
letivo, achava-se ainda mais piedoso, como atesta
um dos diretores, do que quando deixara o colé­
gio : simples no trato, muit.o afetuoso, grande bonda­
de para com todos, extraordinária gravidade, parti­
cular distinção e dignidade em suas manéiras e um
olhar puro e inocente, que traduzia bem a pureza da
a;;u a alma, eram qualidades que distinguiam êsse pie­
doso menino. Era também muito aplicado ao estudo;
por isso, apesar de não têr dotes especiais de inteli-
100 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

gência, preparava bem as suas lições . Quando, por­


ventura, não correspondia ás exigências do professor,
informava-se espontaneamente sôbre o que devia fa­
zer e que castigo merecia .
Estando firme no seu propósito de se tornar sa­
cerdote, um professor do seminário, passando por
Caxias nas últimas férias, encoraj ou-o a prosseguir
na sua vocação ; por isso Vasquinho estava resolvi­
do a entrar no seminário no ano seguinte, em que ia
completar doze anos . Deus, porém, tinha outras vis­
tas sôbre o seu pequeno servo .

MORTE DE VASQUINHO

Ao voltar para o colégio, em 1930, após as fé­


rias, notaram em Vasquinho algo de extraordinário
como se tivesse o pressentimento da morte próxima
e quisesse ultimar o trabalho da sua perfeição .
No correr do mês de março, aparece, certo dia,
com uma pequena picadura na perna, que ficou logo
muito inchada . Pouco depois, cedeu a inchação ; mas
o mal se estendeu rapidamente pela perna, de modo
a dificultar-lhe o andar . Recolhido no dia seguinte á
enfermaria do colégio, Vasquinho ardia em febre .
O médico, chamado á:;; pressas, declarou que
era necessária uma intervenção cirúrgica, para t>
que se fazia mistér levar o menino para a cidade
de Caxias . Entretanto, a febre havia baixado, gra­
ças ao tratamento enérgico a que fôra submetido .
Tanto assim que, j á no dia seguinte, que era um do-
URIOS EUCARíSTICOS 101

mingo, Vasquinho pôde rezar o têrço, invocando com


fervor a mamãe do céu . Vendo, porém, que os co­
legas se dirigiam á capela para assistir á missa e
receber a santa comunhão, ficou triste e com certa
inveja dos companheiros que tinham a felicidade de
receber o querido Jesús . "Meu Jesús, misericórdia !
- exclama êle - Maria, minha boa mãe, rogai por
mim ! . . . Não posso comungar . . . faço o sacrifício da
minha vida" ! E desatou a chorar . Acalmando-se de­
pois, continuou a rezar, pedindo somente que avisas­
sem á família .
O pai de Vasquinho tendo chegado, o menino
fez-lhe várias recomendações .
A's dez horas do mesmo dia, ao ser conduzido
para a cidade de Caxias, diz Vasquinho: "De certo,
titia, poderei voltár para o colégio depois de Pás­
coa . . . eu tinha mesmo desej o de passá-la em casa."
Doce ilusão! Era no céu que Deus o queria premiar
�om a Páscoa eterna . Uma criancinha de quatro anos
ao vê-lo ser transportado, exclama: "E' Vasquinho
que vai · para o céu !"
Em Caxias, á noitinha do mesmo dia, voltou. a
febre que o não abandonou mais . Entretanto, todos
os recursos da ciência médica foram-lhe aplicados
j untam ente com os carinhosos desvelos da família .
O vigário da cidade, assim como o seu coadj utor, vi­
sitaram-no várias vezes e, a pedido insistente de Vas­
quinho, trouxeram-lhe a santa comunhão, que re­
cebera sempre com grande piedade todos os dias que
poderia fazê-lo.
1 02 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

A febre, por vezes, fazia-o delirar, e nesses mo­


mentos pensava estar no colégio. Chamava então
pelos mestres e colegas, e, em suas divagações, mos­
trava-se preocupado com os seus deveres de estu­
dante.
Muitas foram as preces dirigidas ao céu em pról
da cura de Vasquinho . Não só em Caxias, mas tam­
bém em Garibaldi e São Leopoldo foram feitas ora­
ções, novenas e promessas ao Sagrado Coração, a
!-I ossa Senhora, a S . Terezinha, etc . , na esperança
de se operar um milagre com a cura do menino, cujo
estado era desesperador . Tudo, porém, em vão! Deus
não queria que alma tão pura permanecesse por mais
tempo neste mundo tão corrupto. Quem vivera como
anjo entre as misérias e perigos desta vida era pre­
ciso que fôsse gozar com os anjos a glória sem fim .
A's onze horas da noite de domingo da Paixão, 6
de abril de 1930, Vasquinho exalava o último sus­
piro e a sua alma bela e pura se evolava com os an­
jos. Tinha Vasquinho onze anos e quasi dois mêses.
O enterro, no dia seguinte, foi assás concorrido
e a sua morte muito sentida, não só em Caxias, mas
também nos municípios vizinhos, onde era Vasqui­
nho conhecido. Beati mortui qui in Domino moriun­
tnr. Felizes daqueles que morrem na paz do Senhor!
Vil

ANTONIO DA ROCHA MARMO


(1918-1930)

Durante a grande epidemia da gripe, que cei­


fou sem compaixão vidas preciosas em tôdas as ca­
madas da sociedade, e nos dias em que ela se mos­
trou mais terrível na capital de São Paulo, foi que
veio ao mundo essa interessante criança, a dezeno­
ve de outubro de 1918 . Na pia batismal recebeu o
nome de Antônio, ficando assim sob a proteção do
grande taumaturgo de Lisbôa, a quem o menino de­
dicou particular devoção durante a sua curta exis­
tência neste mundo .
O divino Espírito Santo, apossando-se dessa
alma pela graça do batismo, dotou-a com dons ex­
traordinários como veremos nesses traços biográfi­
cos, relatados pelos pais, pessoas dignas de fé, e
muitos dêles foram também testemunhados por
outras pessoas .
Bêbêzinho de seis mêses, nos braços da ama,
sempre que passava diante de uma igreja gesti­
culava com as mãozinhas, dando sinal de que que­
ria entrar no templo sagrado. Satisfeito o seu dese­
jo, fixava os olhos sôbre o altar, e se por acaso era
durante a bênção do Santíssimo Sacramento, êle
imitava o sacerdote, abençoando o povo.
1 04 DOM JOAQillM G . DE LUNA, O. S. B.

De inteligência lúcida e boa memória, era o me­


nino muito vivo e conversava com muita graça, com
seriedade e convição de pessoa crescida, e discutia
com discernimento superior aos da sua idade.
Piedoso desde pequenino, tinha grande prazer
em assistir á santa missa, e quando o celebrante re­
citava o Confiteor, batia no peito ao - mea culpa
corno o sacerdote.
Era Antoninho (assim o apelidavam) muito afá­
vel para com todos, sobretudo mui carinhoso com os
pais. Por isso, fôra encarregado de receber as visitas
na casa paterna, o que êle fazia com distinção.
Os pais de Antoninho, notando algo de extraor­
dinário no filhinho, receiavam que êle fôsse arreba­
tado cedo para o céu. É assim que para atr�ír as
bênçãos de Deus sôbre a criança, dando-lhe longa
vida, entronizaram o Sagrado Coração de Jesús na
sala principal da casa no dia do primeiro aniversá­
rio de Anti:minho, conservando dia e noite uma lám­
pada acesa ao pé da imagem.
Aos seis anos incompletos, fôra o menino matri­
culado no Grupo Escolar. Miúdinho e franzino, ou­
via com máxima atenção as explicações do professor.
No fim da aula, dava conta com exatidão do que ti­
nha ouvido. O mestre, reconhecendo a inteligência
pouco vulgar do menino, aconselhou aos pais que o
retirassem do Grupo, pois era ainda muito pequeno
e fraquinho. Que êle cuidasse por enquanto da saú­
de, porque tempo lhe sobrava para os estudos .
LíRIOS EUCARíSTICOS 165

Mais tarde, quando os pais tencionavam man­


dá-lo á Escola manifestou-se-lhe a enfermidade que
() não abandonou mais até levá-lo á sepultura.

FATOS EXTRAORDINARIOS NA VIDA


DE ANTONINHO <1)

Certo dia conversava Antonir.ho com uma reli­


giosa do Hospital Central : tinha o menino cêrca de
.seis anos . O assunto versava sôbre a Igreja e o Papa .
O pequeno pergunta-lhe então por que motivo o che­
fe da Igrej a não pode saír de Roma. A boa religio­
sa explica-lhe qui:! por razões especiais os Papas,
desde Pio IX, consideram-se prisioneiros, por isso
não saem do Vaticano . - "Mas isto não pode conti­
nuar assim! - diz a criança com convição - a se­
nhora verá que dentro de pouco tempo o Papa não
.será mais prisioneiro".
Realmente, em 1929, pelo tratado de Latrão, foi
resolvida a Questão Romana e o Vigário de Cristo
recuperou a sua plena liberdade, realizando-se dês­
te modo a predição de Antoninho.
Coração puro e inocente, era o menino querido
até das avezinhas do Senhor. Ê assim que estando
um dia sentado á porta da casa da vóvó, de repente,
€m rápido vôo, aparece um lindo canário do reino e
pousa tranquilo no colo de Antoninho. J!:le o afaga,

(1) No concernente aos fatos extraordinários aqui descritos não


lhes damos maior valor do que o do testemunho dos pais do menino e o
de outras pessoas de quem ouvimos a narração dos mesmos.
O Autor.
106 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

dá-lhe de comer e engaióla-o depois. O passáro tor­


na-se seu amigo e lhe retribue a bondade com o ma­
vioso canto.
Estando Antoninho em tratamento de saúde em
Campos do Jordão, distraía-se em apanhar pássaros.
Havia dias em que recolhia de dez a doze canários .
Apenas colocava a armadilha em lugar seguro e os
bichinhos iam entrando aos dois e três. Os compa­
nheiros de folguedos debalde colocavam os seus al­
çapões. Não apanhavam nada. Antoninho por hu­
mildade e para os consolar dizia.-lhes : "É porque
vocês não sabem colocar a armadilha ; façam-no as­
sim" e ensinava-os como deviam fazer; porém em
vão!
Tinha o menino o olhar tão penetrante que as
pessoas de consciências culpadas não podiam supor­
ta-lo. Nem tão pouco contemporizava êle j ámais com
o mal. Onde quer que visse uma coisa que não esti­
vesse conforme as regras da moral logo a repreendia,
com bondade é verdade, mas com energia. Mais de
uma pessoa deixou assim a vida de pecado, corrigin­
do-se de suas faltas, pelas admoestações de Anto­
ninho.
Não eram, entretanto, sómente corações culpa­
dos o que o olhar penetrante deAntoninho desven­
dava; descobria também as enfermidades corporais.
Uma moça que fôra a Campos do Jordão para
fortificar a saúde, soube que lá se achava Antoni­
nho; de 19uem j á tinha ouvido contar algo de ex­
!
traordinãrio. Fo visitá-lo. Enquanto a moça conver-
URIOS EUCARíSTICOS 107

sava com a mamãe, o menino a observava atenta­


mente. Depois lhe disse com graça. "Olha, tens água
na pleura. Vai sem demora ao médico ! " A moça ten­
do-se impressionado com as palavras de Antoninho�
disse-lhe a mãe do pequeno que êle estava a brincar .
"Não, mamãe, não é brincadeira, F . . . tem água na
pleura e deve ir quanto antes ao médico! "
A moçt:. no dia seguinte foi, acompanhada do pe­
queno, consultar um dos melhores clínicos do lugar.
Antoninho dirigindo-se então ao especialista : "Dou­
tor, examine esta moça, pois ela tem água na pleu­
ra". Auscultada, o médico constatou a veracidade do
que dissera o menino, extraíndo mais tarde grande
quantidade de água j á purulenta. "O diagnóstico é
meu, doutor! "
- E quem t e ensinou isto?
- Foi Deus !
Era também grande a sua caridade. Nao podia
ver alguém sofrer sem procurar aliviar-lhe os so­
frimentos. É o caso que estando ainda em Campos
do Jordão, soube em certo dia que um pobre homem,
pai de família, tinha sido preso. Compadecido da
sorte dêsse infeliz, empregou todos os meios para
libertá-lo. Já muito fraco, não podendo portanto an­
dar, pediu com bondade a uma pessoa caridosa que
o levasse á Delegacia. O delegado, porém, não esta­
va presente na ocasião. Antoninho pediu então a
um soldado que transmitisse ao delegado o seu pe­
dido de soltar o preso. E para que não houvesse es­
�uecimento, tomou da pena e traçou num memoran-
1 08 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

dum da Delegacia, que estava na mesa, algumas ga­


ratujas, pois não sabia escrever. O delegado ao che­
gar vendo aquilo ficou irritado. O soldado explicou­
lhe que fôra Antoninho que o fizera e lhe transmi­
tiu o pedido do menino. O delegado, que já ouvira
falar do pequeno, acalmou-se e não querendo assu­
mir a responsabilidade por si só a respeito daquele
homem, mandou-o para Pinda. Lá êle foi logo sôlto.
Vendo-se agora livre e sabendo que fôra Antoni­
nho o seu benfeitor, o pobre homem para agtadecer
ao menino êsse ato de caridade subiu a pé de Pinda
a Campos do J ordão, puxando uma cabra com dois
cabritinhos para oferecer de presente a Antoninho
em sinal de reconhecimento.
O pequeno recusou-se a aceitar o presente.
Aconselhou-lhe que o vendesse e com o dinheiro su­
prisse as necessidades da família. Que êle agrade­
cesse a Deus. "É a Deus que o senhor deve agrade­
cer e não a mim. Servi apenas de pequenino instru­
mento nas mãos de Deus para libertá-lo".

*
* *

Vários outros fatos extraordinários deram-se


�om Antoninho. O menino nada sabia de música,
nem sequer solfejar. Certo dia perliu ao pai que lhe
comprasse um violão. Satisfeito o seu pedido, toma
do instrumento, afina-o e, com admiração dos pre­
sentes, toca uma modinha como se conhecesse a arte
musical. Comprou depois uma sanfona e um violino.
LíRIOS EUCARíSTICOS 109

Os dedos do menino deslizavam sôbre as cordas do


instrumento, arrancando, ás vezes. lágrimas aos ou­
vintes. Um vizinho querendo certificar-se da apti­
dão do pequeno para a música, tomou-lhe um dia o
violão e tocou erradamente, de propósito, uma peça .
Antoninho, percebendo o ardíl pede o instrumento
e executa com perfeição o mesmo trecho. Depois lhe
diz : "Nunca mais procure enganar o próximo. Pro­
cedeu incorretamente comigo, porque sou criança,
mas se o fizer com outros talvez que lhe não saia
bem."

Fazia já uns quinze anos que havia desapareci­


do uma mulher, deixando em completo abandono
uma filha menor. Em vão haviam procurado o pa­
radeiro dessa mãe desalmada . Já ninguem se inco­
modava com o caso, quando se apresentou uma po­
bre a Antoninho pedindo esmola. Tendo-lhe dado al­
guns níqueis e alimento, o menino aponta a indigen­
te, dizendo a ·sua mãe: "Mamãe, esta pobre mulher
poderá dar notícias da fugitiva". De fato, era ela a
pessoa procurada.

Estando Antoninho em São José dos Campos,


foi certo dia, a pedido da superiora do Sanátorio, vi­
sitar um sacerdote enfêrmo que alí se achava em
tratamento . O padre já há muito tempo, guardava o
leito em consequência de pertinaz moléstia. O meni­
no, depois de cumprimentar o doente, pôs-se de joe­
lho a orar com fervôr . Depois entregou-lhe um sant�­
nho, e ao saír disse á superiora : "Esse sacerdote há- de
110 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O . S. B.

ficar bom" . Realmente, aos poucos foi êle recuperan­


do as forças e tempos depois teve alta do Sanatório .
Mais interessante ainda é o caso que se deu
no mesmo Sanátorio com outro sacerdote, já de ida­
de avançada. Antoninho o tinha em grande estima.
Foi visitá-lo um dia e encontrou-o muito abatido e
pesaroso porque já não tinha mai� esperança de po­
der celebrar a santa missa . O pequeno animou-o e
compadecido do estado do bom sacerdote, indicou­
lhe um remédio, recomendando-lhe: "Tome-o e verá
que ficará melhor e poderá ainda muitas vezes di­
zer a missa." O padre seguiu o conselho de Antoni­
nho e teve a satisfação de poder subir ainda várias
vezes os degraus do altar para oferecer o santo sa­
crifício .
Afável e bondoso para com todos, era ao mes­
mo tempo muito sensível ás atenções que lhe dispen­
savam. Um amigo tendo comprado um automovel
convidou Antoninho para um pasf.eio no carro. Des­
lumbrado com as vistas e panoramas que havia con­
templado, disse o menino ao amigo em sinal de gra­
tidão: "Compre um bilhete de loteria com o núme­
ro do seu carro, que será premiado". O moço não
tendo feito caso do que ele lhe dissera, não comprou
o bilhete. �te, porém, saira premiado com 100 con­
tos.
Ainda podemos acrescentar um fato interessante
na vida dêsse menino, o qual não se póde explicar se­
não por uma graça tôda especial.
Achava-se gravemente enfêrma a superiora de
LíRIOS EUCARíSTICOS 111

uma casa de caridade de São Paulo. Todos lastima­


vam a perda dessa boa religiosa e a grande lacuna
-que ia deixar. Antoninho que estava presente ouvia
tudo calado. Nesse ínterim, entram duas religiosas
da mesma Congregação, que vinham de uma cida­
de distante visitar a enfêrma . O menino aponta uma
delas e, batendo-lhe de leve sôbre o ombro, diz:
"Eis a irmã que será eleita superiora desta
casa".
Dias depois, tendo falecido a superiora enfêrma,
foi eleita para substituí-la a religiosa que Anto�o
havia predito.
ENFERMIDADE DE ANTONINHO

Aos nove anos, Antoninho adoece pela primeira


vez com sarampo. A febre cede dias depois e já nin­
guém dá importância ao caso.
Era, entretanto, essa primeira enfermidade do
menino apenas o preámbulo de uma série de doen­
ças que Deus Nosso Senhor permitira para purifi­
car essa alma de suas pequenas faltas e elevá-lo em
méritos pelo crisol dos sofrimentos.
Tendo, pois, Antoninho ficado bom do sarampo,
dias depois cai de novo doente com pneumonia. O
menino sofre e sofre muito, mas resignado, sem se
queixar.
Os pais do pequeno, a conselho do médico, le­
vam-no para a cidade de Santos ; de lá para São Ro­
que e desta última cidade voltam para São Pauio.
O menino, entretanto, continúa a definhar.�..Subme-
1 12 DOM JOAQUIM G , DE LUNA, O. S. B.

tido a rigoroso exame médico, foi constatado que


Antoninho tinha uma lesão pulmonar. � interessan­
te que nessa ocasião, tendo-lhe o médico tomado �
temperatura disse-lhe para que êle se não assustas­
se: "Você tem apenas 36,5 grs" - "O senhor se en-·
gana, doutor, replicou o menino - estou .com 38,5,
verifique bem" . O médico, que não esperava essa,
ficou devéras admirado.

Sendo a doença de Antoninho grave, aconselha­


ram aos pais que o levassem para Campos do­
Jordão.

Muita gente do Rio e mestno de São Paulo tal­


vez deconheça que bem perto déstes dois maiores
centros do paiz há um lugar privilegiado para a cura
da tuberculose, que faz tantas vítimas, sobretudo
nas nossas grandes cidades. J!:sse lugar que rivalisa,
sob êsse aspeto, com os melhores da Europa, segun­
do a opinião de abalizados especialistas na matéria,
é Çampos do Jordão. A 1600 mttros de altitude, com
clima delicioso, é com razão que o apelidam de Suí­
ça brasileira. Lá, muitos que j á estavam desengana­
dos de cura pelos médicos, recuperaram inteiramen­
te a saúde . Pois bem, Antoninho em Campos do Jor­
dão continuava a piorar. É que Deus não queria que
êle continuasse por muito tempo neste mundo. Comt1
botão, devia ser colhido para ornar o altar do Alti ;­
simo e aí desabrochar com toda a sua fragrância.

Cada vez pior e a definhar sempre, foi o peque­


no levado de Campos do Jordão para São José dos
LíRIOS EUCARíSTICOS 1 13

Campos. Foi lá que êle teve a grande satisfação de


fazer a primeira comunhão.

ANTONINHO FAZ A PRIMEffiA COMUNHAO

Em São José dos Campos, a mamãe de Antoni­


nho levou-o ao Sanátorio afim de aconselhar-se com
as boas religiosas que o dirigiam a respeito do mé­
doico que devia tratar do filhinho. Indicado o clínico,
êste interroga ao pequeno.
- Então, como está?
- Como Deus quer, doutor .
- Como é que êle quer, bem ou mal?
- Não sei, doutor, depois do exame o senhor
verá.
O estado do menino era muito grave. �le bem
o sabia, mas não se impressionava com isto . Estava
:aas mãos de Deus a quem se entregara completa­
mente, por isso, conservava paz e alegria em seu co­
ração, com inteira conformidade á sua santíssima von­
tade.
Sempre que as . for�as lho pelmitiam, ia ao Sa­
nátorio entreter-se com as bo�s religiosas, que fo­
ram desde logo atraídas pelas virtudes do menino.
Elas, sabendo que êle não havia ainda feito a pri­
meira comunhão, prepararam-no para êsse ato, que
para Antoninho fôra o momento mais feliz de sua
vida. Tinha o pequenito grande prazer em ouvir as.
explicações e os ensinamentos que lhe eram minis­
trados e cada dia aumentava-lhe o desejo de rece-
1 14 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

ber, quanto antes, no seu cora�ão a Jesús-Hóstia,


o grande amigo das crianças.
Examinado pelo capelão do Sanátorio a respei­
to dos conhecimentos da religião, achou o zeloso sa­
cerdote que Antoninho tinha bastante compreensão
da doutrina e que nada impedia que êle fizesse a pri­
meira comunhão quanto antes. Foi logo marcado •
dia oito de setembro (1929) , festa da natividade de
Nossa Senhora para êsse grande ato.

• •

Chegou afinal o dia tão almejado por Antoni­


nho. Acompanhado pelos queridos pais dirige-se o
menino para a capela do Sanátorio São José. Come­
ça a santa missa celebrada pelo c-apelão. Antoninho
todo concentrado em Deus, prepara-se para o seu
primeiro encontro com Jesús-Hóstia. Todos os as­
siste:p.tes estão edificados com a piedade do menino.
Ao Evangelho, o sacerdote dirigE! a palavra ao néo­
comungante. Fala-lhe da bondade do Divino Mes­
tre, do seu grande amor ás ahnas, sobretudo ás al­
mas puras e inocentes dos menir1os.
Diz-lhe o grande desejo que tem Jesús -de vir
I
a êsses coraçõe3inhos para tomar posse dêles e san-
tificá-los. Exorta, em seguida, o pequeno a corres­
ponder a êsse grande amor de Jt>sús pela sua entre­
ga completa a êle.
Terminada a alocução, continúa a santa missa.
LíRIOS EUCARíSTICOS 115

Antoninho está absorto e m Deus. Aprox �a-se o


momento da comunhão. Antoninho de braços cru­
zados, entre os queridos pais e a Irmã Superiora do
Sanátorio, dirige-se á mesa eucarística. O sacerdote
toma a sagrada Hóstia entre os dedos, eleva-a á vis­
ta de todos e pronuncia por três vezes as palavras:
.. 'Senhor, eu não sou digno de que entreis em mi�
nha morada, mas dizei uma só palavra e a minha
alma será salva" Depois colocando a Hóstia santa
na bôca do menino: "Que o corpo de Nosso Senhor
Jesús-Cristo guarde a tua alma para a vida eterna".
E Jesús desce nesse momento ao coração de Anta­
ninho.
Que momento feliz ! � o primeiro amplexo de
Jesús�Hóstia ao seu amiguinho. É verdade que An­
toninho já pertencia a Jesús ; era todo dêle. Desde
o momento do batismo, Deus se apossara dessa
alma; e o menino com o despertar da inteligência
procurou sempre corresponder ás inspirações do Es­
pírito Santo, o santificador das almas .
Quís Deus que essa florzinha pertencesse só a
-êle, que o seu coração não fosse manchado pelas
exalações deletérias dêsse mundo falso e vicioso, por
isso permitiu que desde a alvorada da vida fôsse su­
jeito ao sofrimento. Agora, porém, possuía também
a J esús sob os véus eucarísticos no sacramento do
seu infinito amor.
A ação de graças, em colóquio íntimo com Je­
sús após a comunhão, durou bastante tempo. Depois,
retirou-se Antoninho da capela, muito feliz e pronto
116 � DOM JOAQUilll G. DE LUNA, O. S. B.

para qualquer novo sacrifício que Deus exigisse


dêle. E êste não se fez esperar.
Examinado de novo pelo médico e constatado
o progresso da moléstia, foi-lhe aplicado o pneumo­
tórax durante oito mêses. Antoninho tinha verda­
deiro horror a êsse aparelho e sofria muito cada vez
que lhe era aplicado . Entretanto havia feito o sa­
crifício a Deus.. Jamais se queixou .

• •

A grande aspiração do menino era ser sa­


cerdote para servir a Deus e salvar almas. Reconhe­
eendo, porém, que era irrealizavel o seu desejo, quís
ao menos imitar os ministros de Deus em suas fun­
ções sagradàs. Armou um altar e, tendo rec eJ:lido de
presente um paramento, imitava o sacerdote na ce­
lebração da missa, para a qual convidava os meni­
nos da redondeza. Falava nessa ocasião á petizada,
que ·o ouvia com atenção. Certo dia preparott-se para
a imita.,ão da missa. Não encontrou outro menino
para ajudante a não ser o filho de um homem da
vizinhança, dado a práticas supersticiosas e infenso·
á religião. Estava a meio da ceremônia quando en­
tra a mãe de Antoninho e vê aquele menino ao lado
do filhinho. Ficou então muito aflita com receio do·
pai dêsse pequeno. Antoninho tranquiliza-a dizen­
do-lhe: "Mamãe, nada receie da parte dêsse embus­
teiro. Para quem está com Deus êsse homem não po­
derá fazer nenhum mal".
LíRIOS EUCARíSTICOS 1 17

Apenas tinha dito estas palavras, entra o pai


do sacristão improvisado, excitadissimo e reclaman­
do o filho. Ao ver, porém, a piedade de Antoninho,
acalma-se, prosta-se de joelhos e assim permanece
até que o piedoso menino termina a sua função.
As almas santas exercem forte atração sôbre os
corações simples e puros. Os dons do Espirito San­
to como que transbordam dessas almas como balsa­
mo de suavissimo odor, atraindo assim outras al­
mas. É o que se dava com Antoninho. A criançada
da redondeza, posto que o não conhecesse, procura­
va-o para brincar com êle. Tão grande era a influên­
cia de Antoninho sôbre a petizada que os pais ti­
nham dificuldade em arrancá-los cios seus folguedos.
Antoninho não se limitava a bri11car com êles, mas
aproveitava do ensejo para lhes falar do bom Deus,
contar-lhes histórias e dificantes, e o fazia com ta­
manho engenho e arte que prendia a atenção de
todos.

Não eram, entretanto, sómente as crianças que


procuravam Antoninho. Pessoas grandes iam ao pie­
doso menino pedir-lhe conselho. k vezes, até de
longe procuravam Antoninho, e todos voltavam sa­
tisfeitos. Muitos diziam: "Não é um menino, é um
anjo"!

Certo dia foi Antoninho consultado por um ho­


mem que havia recebido um cão muito bravo.
"Acho melhor - disse-lhe o menino - que o se­
nhor mande o animal para a Fazenda, porque do
1 18 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

contrário pode ser causa de uma grande desgraça".


Por qualquer motivo, não seguiu êle o conselho de
Antoninho. Pouco tempo depois c. cão investe con-:
tra um homem que passava de motocicleta. &te
para se defender saca do revolvex e atira contra o
animal. A bala, porém, resvalou sôbre o dono do.
cão, o qual por um triz escapou da morte.

PRINCIPAIS VIRTUDES DE ANTONINHO

Tinha Antoninho uma grande e terna devoção


a Jesús�acramentado .
Diante do Tab�rnáculo ficava longo tempo em
adoração com profundo recolhimento. Depois da
su� primeira comunhão, recebia sempre que lhe era
possível o querido Jesús . Depois da Eucaristia, era
o Sagrado Coração de Jesús o objecto da sua devo·
ção predileta. Pedira uma vez a vovózinha que lhe
arranjasse uma imagem do Coração de Jesús com
os braços abertos e o coração saliente . Interrogado
por que o queria dessa forma, respondeu: "Ah! Je­
sús tendo os braços extendidos e o coração em evi-
!'t
·· jência parece convidar-nos a nos lançar em seus
braços e acolher-nos no seu coração"

Grande era a sua conformidade com a vontade


de Deus. Com Jesús, queria sofrer calado. Jàmais se
ouviu dos seus lábios a menor queixa. Oferecia a
L1RIOS EUCARíSTICOS 1 19

Jesús os seus sofrimentos. Quantas pessoas não há


que desperdiçam verdadeiros tesouros de méritos e
ll"aças por falta de resignação nos momentos em
que Deus Nosso Senhor permite que elas sejam atri­
buladas? ! E' que desconhecem o valor da cruz, ou
porque não são bastante generosaE. para acompanhar
a Jesús no cam.inho do Calvário . E com isso sofrem
dupla perda: a perda dos méritos da resignação, e
a perda do confôrto moral que dá o ato de confor­
midade com a vontade de Deus. Antoninho, não!
Compreendeu cedo o valor da cruz, por isso estava
sempre contente e conservava essa paz de alma que
só a graça divina pode dar.

É a caridade para com o próximo a extensão


tio amor de Deus. Não pode haver verdadeiro amor
tle Deus sem amor do próximo. Antoninho, tendo
um grande amor a Deus, era ao mesmo tempo mui­
to caridoso. Quando recebia presentes, repartia-os
Cloro os outros ou os dava aos pobres.
Não permitia que em sua presença falassem da
vida alheia. Em reunião familiar descambou um
dia, pouco a pouco, a conversa sôbre assunto pouco
caritativo. Nesse momento entra Antoninho na sala
e percebendo o que se tratava, intervém com sim­
plicidade: "Antes de falarem, consultem sempre ·9
Rei da casa", e aponta-lhes o quadro do Sagrado
Coração que fôra entronizado no dia do seu primei­
ro aniversário. Com espanto, notaram todos que no
momento em que o menino apontava o quadro êste
escilou como a pêndula de relógio .
1 20 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

Quando ouvia qualquer altercação procurava


,

Antoninho dar, com palavras bondosas, razão a


quem a merecia, e assim acalmava os espíritos. Era
sempre muito franco e sincero com quem quer que
fôsse. A dubiedade e a insinceridade não achavam
guarida em seu coração.
Não só procurava o menino exercer a caridade
com todos, mas era também solícito em perdoar as
faltas db próximo. E se era grande a sua caridade,
igualmente grande também era a humildade de An­
toninho. Quando alguém ia agradecer-lhe algum
favor, alguma graça obtida por meio das suas ora­
ções, êle respondia sempre com bondade e com fir­
meza : "Não é a mim que o senhr)r deve agradecer,
e sim a Deus".
Estava um dia Antoninho no consultório do
médico e notou que êle em vão fazia esfôrço para
concertar um aparelho. Depois de algum tempo,
pede o menino para ver aquilo . Satisfeito o seu pe­
dido, em poucos instanteS estava, com admiração de
todos, o aparelho concertado. Fizeram-lhe uma ova­
ção . Antoninho, contrariado e muito sério, diz: "Não
gosto disto!"
É a humildade irmã gêmea da obediência. E An­
t,nio sendo humilde era também exemplar na obe­
diência . Recebida uma ordem, procurava executá-la
sem demora e alegremente. Durante a sua longa e
dolorosa enfermidade, deu provas de uma obediên­
cia que ás vezes atingia as raias do heroismo. Sub­
metido a cruéis tratamentos, conforme as prescri-
LíRIOS EUCARíSTICOS 1�1

ções médicas, apesar de serem muito dolorosos, obe­


decia cega e silenciosamente, sem se ouvir dê!e a
menor queixa.

MORTE DE ANTONINHO

Aproxima-se o termo do peregrinar dêsse ange­


lica menino neste mundo. Antoninho cada vez mais
alheio ás coisas terrenas, concentra-se mais e mais
em Deus. Desde mêses antes do seu trespasse, erá­
lhe muito frequente a oração. Falar com Jesús, en­
treter-se com o verdadeiro amigo do seu coração,
eram as suas delícias. Tinha fome e sêde da glória
de Deus. Não podia ver qualquer transgressão dos
preceitos divinos sem chamar a atenção do delin­
quente a êsse respeito, e se o fazia com bondade,
era ao mesmo tempo com energia.
Reconhecendo os pais de Antoninho que essa
bela florzinha estava prestes a .ser colhida pelo divi­
no j ardineiro, resolveram tra;ê-lo de São José dos
Campos para São Paulo, afim de exalar o último
suspiro entre os parentes e amigos.
Dias depois de têr voltado para São Paulo, a
superiora da Santa Casa foi visitá-lo e achando-o
muito mal, perguntou-lhe se não queria receber os
iiacramentos dos moribundos . "Pois não! E' êsse o
meu desej o ! " Chamado ás pressas um padre capuchi­
nho, êste o ouviu de confissão, deu-lhe depois o san­
to viático, a extrema-unção e a bênção papal.
Antoninho recebeu os últimos sacramentos com
1 22 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

grande devoção. Cruzando depoi s as mãozinhas sô­


bre o peito, ficou por longo tempo imóvel em oração,
em colóquio íntimo com o querido Jesús, que vi­
nha pela última vez, sob os véus eucaristicos, para
levá-lo para os esplendores da glória.
O sacerdote vendo-o naquela atitude, desfigu­
rado, imóvel, com os olhos cerrados, j ulgou que tal­
vez j á tivesse a sua alma deixado o corpo. Tocou-lhe
de leve no ombro, como para despertá-lo. Antoni­
nho fitou no bom padre os seus olhos belos e puros
e disse-lhe em tom grave: "Estou dando graças a
Deus". Finda a ação de graças, exclamou: "Meu Je­
sús, fazei de mim o que fôr do vosso agrado. Estou
pronto para tudo".
No dia anterior ao da sua morte, estava Anta­
ninho sem febre e calmo, portanto em plena lucidez:
de espírito.
Téndo bebido alguns goles de água, exclamou
com um sorriso a florear-lhe os lábios: "Que linda
estrada! Está atapetada de flores. Circulam por ela
muitos anjos. Uns tocam instrumentos, outros sor­
riem e convidam-me a tornar p:arte no cortejo. Ah,
se pudesse seguir-lhes o passo! Ao longe, diviso
um grande clarão e do meio dêle aparece um vulta
que se aproxima . . . é o meu avô materno !".
Tinha Antoninho particular devoção a Sant<>
Antônio, seu padroeiro. Sentindo que a morte se lhe
avizinhava, pediu á mamãe que mandasse comprar
dois castiçais. Satisfeito o seu de�ejo, disse: "Faça e>
favor de colocar os dois castiça1s com velas acesas�
LíRIOS EUCARíSTICOS 1 23

um a cada lado da imagem de S. Antônior - ima­


Jem que lhe encimava o leito. Em seguida acres­
�entou: "As velas não estarão ainda consumidas e
eu j á estarei na eternidade". Assim aconteceu.
Entrou pouco depois em agcnia, que foi lenta e
eomo se estivesse a contemplar alguern. Momentos
depois, aflorou-lhe nos lábios um sorriso. Fixou ain­
da o olhar por alguns instantes no pai que se debu­
lhava em lágrimas, sorriu de novo, e a sua alma
bela e cándida vôa com os anjos para a eternidade.
Era no dia 21 de dezembro de 1930.
Tinha Antoninho 12 anos, 2 mêses e 2 dias.
No dia seguinte ,foi o corpo do piedoso menino.
revestido do burel de franciscano, sepultado no ce-.
mitério da Consolação. Grande foi o acompanha..
mento ao enterro de Antoninho e todos estavam
convencidos que no céu tinham mais um protetor.
Muitas graças têm sido obtidas por sua inter­
cessão.
A sua sepultura é visitada diáriamente por cen­
-.enas de pessôas que lhe vão agradecer as mercês
recebidas.
VIII

JOAO ROSA
(1921-1931)

Filho de pais abastados e profundamente criS­


tãos, nasceu João Rosa em 1921, em Frasne-lez-Gos­
selies, Bélgica .
Iniciado bem cedo no amor de Jesús e na prá­
tica da religião, manifestou o pequenito grande in­
clinação para o sacerdócio e vida de missionário des­
de os verdes anos. Assim, aos quatro anos de idade,
tendo-lhe alguém perguntado que presente de Na­
tal desejava, disse: "Quero as vestes de coroinha".
Miúdinho ainda, teve que esperar até completar os
sete anos para poder exercer essa função sagrada ao
pé do altar, ajudando o sacerdote no sacrifício da
santa missa.
Mais tarde, quando lhe foi permitido êsse ofí­
cio, tinha João Rosa verdadeiro prazer em estar ao
lado do ministro de Deus nas funções de seu minis­
tério. Exemplar na piedaae e na pontualidade, quan­
do ajudava á missa ficava no comêço, ao ser recita­
do o salmo e aa outras orações ao pé do altar, bem
j untinho do sacerdote. Entretanto, êss� prazer du­
rou pouco tempo.
Certo dáa um menino travêsso, estando na sa-
126 DOM JOAQUIM: G . DE LUNA, O. S. B.

cristia da igreja paroquial com João Rosa, lhe dis­


se: "Toca no cálice e verás como é bom". João com
tôda a ingenuidade de criança, pegou no vaso sagra­
do . - "Não se pode tocar nele, é sagrado, lhe diz o
companheiro malicioso, cometeste um .crilégio! ..
João Rosa ficou profundamente impressionado
e triste, pensando têr com isto cometido 1m grande
pecado, um sacrilégio. O companheiro o enganara e
êle havia caído nesta enorme falta. Não houve ra­
zões ou argumentos que lhe tirassem da cabeça essa
ilusão.. O menino andava triste e abatido. Foi neces­
sário que de casa chamassem o coadj utor da paró­
quia e êste com a sua autoridade de ministro de
Deus o tranquilizasse, dizendo que não havia nenhu­
lna culpa no que êle tinha feito por engano e nãe
por malícia. Entretanto, o pai, com receio de que
se repetissem tais cenas, proíbiu que dalí em diante
o filhinho continuasse no ofício de coroinha. O me­
nino ao receber a proíbição disse á mamãe: "Papai,
com isto, vai fazer que eu fique doente".
Inútil lhe fôra todo empenho que fizera afint
de continuar a exercer o ofício que lhe era tão caro.
Só raramente recebia João Rosa hcença para servir
como coroinha; e foi a última vez na sexta-feira que
precedeu á sua morte. Naquele dia tinha feito, re­
·vestido de batina vermelha e sobrepeliz branca, a
Hora-santa bem pertinho de Jesús, exposto. E que
gozo para João Rosa estar ao pé de Jes� olhar para
êle, oferecer-lhe os seus estudos, recreios, alegrias,
cuidados de menino obediente e zeloso no cumpri-
LíRIOS EUCARíSTICOS 127

mento dos seus deveres; oferecer-lhe tôda a sua


vida, todo o seu ser; falar com Jesús, entregar-se
inteiramente a Jesús, a quem só queria pertencer!
Oh! que fala íntima e suave a da alma, abrasada
de amor, com Jesús que e todo amor! Que atração,
que fôrça t. a Eucaristia sôbre os corações puros,
assim como sôbre as almas penitentes que vão aos
pés de Jeais cheias de confiança chorar as suas fal­
tas, desabafar as suas mágoas!

* *

Aos sete anos João Rosa teve a felicidade de ir


além da simples contemplação do querido Jesús no
sacramento do amor. Recebeu-o pela primeira vez
em seu coração! .F'oi uma quinta-feira santa o dia
para sempre feliz da sua primeira comunhão. Dia
em que Jesús, em transporte de amor, quís dar-se
em alimento aos homens, instituindo o mais santo
dos sacramentos.
O menino recebeu com grande amor o Deus de
amor que baixou ao seu coração sob os véus euca­
rísticos para tomar posse plena da sua alma, e es­
tabelecer aí para sempre a sua morada, conforme
as palavras do próprio Cristo : "Quem come a minha
carne e bebe o meu sangue permanece em mim e
eu nele''. Sim, somente o pecado mortal pode que­
brar essa união santa e feliz da alma com o seu
Deus. João Rosa agradece a Jesús tanta bondade e
1 28 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

promete-lhe pertencer só a êle, viver só para êle.


Dalí em diante, todos os domir.go� e primeiras sex­
tas-feiras do mês o piedoso menino aproximava-se
da sagrada mesa para receber êsse pão santo que
nos torna semelhantes aos anjos.
Amante da eucaristia, João Hosa fi,i o primeiro
a se inscrever como membro da Cruzada Eucarísti­
ca, logo que essa confraria fôra estabelecid a em sua
paróquia. O menino não só dava bom exemplo aos
outros associados, recebendo com frequência a san­
ta comunhão, mas o seu amor a J esús e o zêlo pelo
bem das almas o impeliam a arrastar outros para
a mesa eucarística, a começar pelos próprios pais :
"Mamãe, hoje gosto menos da senhora" - diz João
Rosa a sua mãe em certo dia de festa da Igreja por
não têr ela comungado. E ao pai, baixando os olhos
e com semblante pesaroso, indaga : "Papai, recebeu
o senhor hoje a comunhão?"
�sse pequenito interessava-se muito por tudo
9 que dizia respeito a Jesús . E' assim que ficava hor­
rorizado quando ouvia, porventura, falar mal das
coisas santas, ou palavras injuriosas ou de blasfêmia
contra Deus ou contra os santos. Um dia, ouvindo
em casa duas pessoas blasfemarem, segredou ao ou­
vido da mamãe: "Mamãe, estamcs com dois demô­
nios em casa, isto me faz sofrer muito".
Tinha o menino muito recato nas suas palavras,
olhares e gestos. Alma inocente e- pura, se bem que
fôsse de consciência delicada, ás vezes, aos sábados
quando se preparava para se apr�:sentar ao tribunal
LíRlOS EUCARíSTICOS 1 2\}

da penitência, não encontrava matéria para confis­


são : "Mamãe, hoje não preciso confessar-me".
Era João Rosa grande devoto da santa missa.
Assistia a ela rezando com o sacerdote as orações
em seu livrinho de missa. Quando por acaso não via
o altar, perguntava á mamãe em que parte da mis­
sa estava o sacerdote. Em outras ocasiões, para se
orientar em seu missalzinho, subia á cadeira para
ver o padre ao altar.
Nas aulas de religião, estava o menino atento
ás explicações de catecismo e tin�1a verdadeiro pra­
zer em ouvir as narrações de pa:;::�:agens da História
Sagrada e sobretudo de trechos da vida de Nosso
Senhor. Era pontual em rezar diàriamente as ora­
ções da manhã e da noite. No estudo, esforçava-se
para ser um dos primeiros da su 'l. classe.

* *

"Desde que João Rosa entrou para o colégio dos


Irmãos das Escolas cristãs - diz um dos seus pro­
fessores - revelou-se menino estudioso e dócil.
Atrazado no programa do curso do quinto ano, acei­
tava de muito boa vontade lições, trabalhos e estu-
4ios suplementares. Via-se bem no menino o desejo
cile se elevar ao nível dos primeiros alunos da sua
classe. Dotado de bela inteligência e excelente me­
mória, aliando-se a estas qualidades naturais uma
aplicação constante aos estudos e perfeita docilida­
àe, fácil lhe fôra alcançar o seu desiderato".
130 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

E João Rosa, piedoso e dado ao estudo, de cons­


ciência delicada e circunspecto, era no entanto mui­
to jovial. No recreio era o mais alegre, o organiza­
dor de jogos e brinquedos e divertia-se com o mes­
mo ardor com que estudava. Dava vida e animação
ao grupo em que se achava. Ali�s, serviram os j o­
gos de escola para João. De tempnamento vivo, teve
aí muitas vezes que se mortificar, que se dominar
e· assim, aos poucos, modificar a impetuosidade do
seu temperamento. Quando, por acaso, no ímpeto
da luta, respondia descortêzmente ao colega, caía
logo em si e pedia-lhe desculpa· "Foi sem querer,
desulpe-me!"

Os pais, receiosos de que maus companheiros


desviassem o menino do caminho da virtude e d8
dever, retinham o filhinho o mais possível em casa,
Ocasiões havia em que o tiravam dos jogos e brin­
quedos quando êstes estavam mr maior animação.
Era-lhe duro, mas o menino obedecia sem hesitar.

A êstes sacrifícios que a soU citude paterna lhe


impunha, João Rosa acrescentava outros de própria
iniciativa e os oferecia a Deus como meio de se cor­
rigir dos seus pequenos defeitos. É assim que, a<*
oito anos, a mamãe o surpreende com pedrinhas n011
sapatos como instrumento de mortificação. Futuro
sacerdote e missionário, como pretendia êle, queria
desde logo habituar-se ás mortificações e privações
que mais tarde teria que suportar por amor de DeUII
e pela salvação das almas.
LfRIOS EU,CARfSTICOS 131

- Que prefere que eu seja madrinha, vigário


ou missionário?
- Vigário, meu filho - res!Jonde-lhe a vovó -
porque do contrário não nos veríamos mais .
- Ora, madrinha, havemos de nos encontrar
um dia no céu! E' preferível ser missionário, pois se
tem maior mérito.
Em outra ocasião, passando com a mamãe dian-
te de um cemitério, esta lhe diz:
- Eis aí a nossa última morada!
- Para mim, não, mamãe!
- Por que não? Hás-de morrer como os ou-
tros.
- Sim, mas estarei bem longe.
- Eu farei então que voltes.
- Não deve fazer isto, não, mamãe; pois afinal
nós nos encontraremos no céu, e pode ser até que
eu seja devorado pelos leões.
Entretanto, Deus tinha outros desígnios a res­
peito de João Rosa. Não havia êle de ser sacerdote
nem missionário, mas arrebatado na flor da idade
para aumentar o número dos santos no céu.
Ouviu Deus a prece do pai de João:
4 "Coração de J esús, abençoai o meu filho, pro­
tegei-o, guardai-o e defendei-o, porque é êle pro­
priedade e bem vosso! Preservai-o de todos os ma­
les da alma e dp corpo para vo�sa maior glória e
&alvação das almas".
Deus Nosso Senhor abençoou o pequeno, impri ­

mindo-lhe na alma o amor á virtude e aversão ao


132 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

vício; protegeu-o, guardou-o, defendeu-o contra a


malícia dêste mundo corruto, e para que a sua alma
não fôsse mais tarde arrastada pela onda do mal, le­
vou-o, puro como o lírio, para a mansão dos justos.

MORTE DE JOAO ROSA

No dia 29 de j unho de 1931, o menino compare­


ceu á aula como de costume. A tarde, porém, sen­
tiu-se mal. No dia seguinte tinha dores atrozes. O
vigário, indo visitá-lo, dirigiu-lhe palavras de con­
fôrto e animação: "Oferece a Deus os teus sofrimen­
tos". Á noite a vovó, que lhe ass1stia, notando que
João Rosa tinha convulsões, indaga-lhe:
- Sente-se mal, meu filho?
- Ora, si sinto! Mas é preciso que mamãe o não
saiba, porque choraria.
O médico constatou que o menino tinha apendi­
cite e achou que devia ser quanto antes removido
para o hospital. João Rosa no cornêço se opôs a isto,
mas afinal cedeu: "Se devo ir, que seja quanto an­
tes, e não quero que ninguém cho:re; mas que rezem
muito e acendam velas a Nossa Senhora de Lour­
des" - imagem que encimava o altar do santuári•
da casa paterna. Ao passar diante da capela, saú­
dou à Nossa Senhora com um beijo, assim corno a
Jesús-Sacrarnento diante da igreja matriz.
No hospital, o menino foi imediatamente ope­
rado. Urna sêde devoradora atormentava-o. Pedia
com insistência que lhe dessem água. Disseram-lhe
LíRIOS EUCARíSTICOS 133
1..

que tivesse paciência. tle, porém, insiste em seu pe­


dido. O pai, contrariado, lhe diz:
- Ouça, filhinho, se você beber água vai
morrer!
- Não se zangue, papai ! Basta ; não pedirei
mais.
Agravou-se, entretanto, o seu estado. A noite
-em conversa com a enfermeira, ela interroga :
- Que vais ser mais tarde?
___,. Missionário, irmã.
- E o teu irmãozinho ?
- Missionário também.
Onde irás missionar? No Congo, , nas In­
dias? . . . Então, futuro missionár-io, oferece os teus
sofrimentos a Deus!
- Há muito que já os ofereci, irmã.
- Hoje é o dia da Visitação de Nossa Senhora,
pede á Santissima Virgem que te venha visitar.
- Sim, irmã. E pôs-se a rezar, beij ando em se­
guida uma pequena imagem de Nossa Senhora de
Lourdes, que trazia consigo.
Entretanto, tendo chegado o sacerdote e vendo
que o estado do menino era muito grave, prevendo
mesmo que se aproximava o momento final, admi­
nistrou-lhe o sacramento dos moribundos, depois de
1ê-lo ouvido em confissão. Por prudência não . lhe
deu a comunhão. O padre depois perguntou:
- João, você me está reconhecendo?
- Sim, senhor!
134 DOM JOAQUDI G. DE LUNA, O. S. B.

- Diga comigo: Meu Jesús, eu vos entrego a


minha alma.
O menino balbuciou ainda al_gumas palavras,
mas j á com voz amortecida. Juntou depois as mão­
zinhas, elevou os olhos ao céu, fez com dificuldade
G sinal da cruz e sua alma voou com os anjos.
Era no dia dois de julho de 1931, festa da Vi­
sitação de Nossa Senhora.
Tinha João Rosa dez anos .
IX

FRANCISCO CANCELA
( 1919-1933)

O primeiro biógrafo dêste pwdoso menino diz


I'> séguinte ao descrever-lhe a vida edificante: "De
formação pura e genuinamente salesiana, Francisco
Cancela acaba de embalsamar com uma morte san­
ta, cercada de exemplos edificantes, todo o ambien...
te do bairro do Chora-Menino (Capital de S. Pau-
10) e lugares vizinhos" .
Veio ao mundo essa criança a 28 de outubro
àe 1919, em Fama, diocese de Guaxupé (Minas) . No
dia 8 de dezembro seguinte, festa da Imaculada
Conceição, recebeu a graça do batismo. Nossa Sê­
Bhora tomou-o sob a sua maternal proteção, obten­
tlo-lhe graças especiais, afim de que pudesse alcan­
!ar em poucos anos o que muitos só conseguem
após longa vida.
Em fevereiro de 1923, os pais de Francisco mu-
4iaramilse para a capital de S. Paulo e se estabele­
eeram no bairro do Chora-Menino. Os zelosos pa­
tires salesianos, apóstolos dos meninos pobres e
abandonados, ainda não possuíam a chácara com a
igreja de S . Terezinha naquele arrabalde, onde
têm feito tamanho bem á população do lugar. A pe-
136 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

tizada jazia quasi em completo abandono dos deve­


res religiosos, pela distância da igreja matriz. O es­
piritismo e a ceita protestante, como ervas dani-­
nhas, infestavam aquele ameno subúrbio . Eram as
ocianças as principais vítimas dêsses lobos sob pele
de cordeiro. O pequeno Francisco era uma delas.
Frequentava com outros meninos a aula de catecis­
mo espíri ta de um tal curandeiro que, com os seus
passes e remédios homeopáticos, iludia e, corno sóe
acontecer entre êles, esplorava a população do Cho­
ra-Menino.
Entretanto, a autoridade eclP.siástica, com zêlo
tle verdadeiro pastor, reconhecendo as necessidades
espirituais dessa parte do seu rebanho, encarregou
os filhos de S. João Bosco de se estabelecerem aí
eom igreja e aulas de catecismo, afim de arranca­
rem das garras do inimigo essas pobres almas.
Francisco Cancela, atraído pelos jogos e outras
diversões, abandonou o tal curandeiro espírita e co­
meçou a frequentar as aulas de religião do Oratório­
Festivo dos padres salesianos. Desde logo reconhe­
eeu a excelência da religião que agora lhe era mi­
nistrada. Tinha, pois, verdadeiro prazer em apren­
der o catecismo e assim preparou-se para a primei­
ra comunhão, que realizou a vinte de out�ro de
1929. Jesús, o grande amigo das crianças, baixande
ao coração de Francisco sob os véus eucarísticos, in­
flamou-lhe a alma com as chamas do seu amor, de
modo que o menino, dalí em diante, correu a largos
passos no caminho da perfeição.
LíRIOS EUCARíSTICOS 137

Os padres salesianos instituíram na igreja de


S. Terezinha duas piedosas associações com o in­
tuito de aproximarem cada vez mais os meninos de
Nosso Senhor e despertarem neles o zêlo pela gló­
ria de Deus. Assim, fundaram primeiro o pequeno
clero de S. Tarcísio. Desde logo urna pléiade de j o­
vens piedosos começou a servir ao altar, aj udando
diáriamente á missa, á benção do Santíssimo e a
QUtras funções do ministério sagrado. Era de ver o
entusiasmo dos novos coroinhas ! Fundaram depois
a Companhia de S. Luiz de Gonzaga, na qual ingres­
sou um bom numero de meninos ansiosos por imitar
êsse santo modêlo da juventude .
Francisco Cancela pertencia a ambas associações e
servia de exemplo aos companheiros pelo entusiasmo,
bom humor e piedade com que desempenhava as suas
<lbrigações de associado. O dia em que ajudou pela pri­
meira vez á missa foi para êle um dos mais felizes da
sua vida. E tanto se comprazia nesse piedoso exercí­
cio que insistia e fazia questão em ajudar o maior
número de missas que lhe fôsse possível � Assim, fica­
va verdadeiramente contente quando conseguia aju­
dar a duas ou três missas no mesmo dia. Ao voltar pa­
ra casa dizia com ar triunfante : "Hoje aj udei a três
missas ! " •

• •

Tendo a Companhia de S. Luiz atingido grande


desenvolvimento, fôra desdobrada com a fundação
138 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

de outra dedicada ao SS. Sacramento. Para a nóvel


associação passaram os alunos da 4.• e da 5.a classe
ào catecismo . Francisco Cancela, ótimo aluno da 4 . a
classe, foi logo inscrito nessa confraria . O fim prin­
cipal dessa associação era promover a adoração aG
SS. Sacramento e oferecer a Jesús atos de desagra­
vo dos ultrages que recebe nesse sacramento de
amor. Cada associado tornava, pois, o compromisso
de comungar todos os domingos, dias santos e ainda
urna vez na semana, em dia de sua escolha.
Francisco, sempre fiel a esséls obrigações, esco­
lhera o sábado para o dia da confissão. Chegada a
tarde dêsse dia - narra a mãe do menino - não
havia fôrça que o retivesse em casa. Tinha êle a
incumbência de tirar água do poço diáriamente para
o abastecimento de casa. Aos sábados antecipava o
trabalho e, preocupado, dizia : "Mamãe, j á é hora,
não posso chegar atrazado", e corria para a querida
igreja de S. Terezinha. Preparava-se então com
grande concentração de espírito e depois aproxirna­
va._se do confessionário com tais mostras de piedade
que comoviam.
Era, pois, o pequeno Franci8co um dos mais
exemplares na frequência dos santos sacramentos.
Dêsse contacto com J esús nasceu no meninc:;.. o desejo
tie se tornar sacerdote . Assim, um dia em que alguns
dos jovens do Oratório-Festivo se preparavam para
ingressar no colégio de Lavrinhas para serem sacer­
tiotes salesianos, Francisco manifestou aos pais o de­
sejo de seguir o exemplo dêsses seus colegas. E êsse
LíRIOS EUCARíSTICOS 139

desejo não era uma simples veleidade, um entusias­


mo de momento; não! Deu prova& do contrário pelo
progresso nas virtudes, pelo seu entranhado amor
a Jesús-Sacramentado e zêlo peJa salvação das al­
mas.
*

* *

Nos últimos mêses de sua vida, tornou-se o me­


nino um verdadeiro apóstolo. Procurava as crian­
�as abandonadas ou as arrancava dos centros espíri­
bs e as levava para o catecismo. É assim que mui­
tos meninos aprenderam a religião e fizeram a pri­
meira comunhão graças ao zêlo e aos cuidados de
Francisco Cancela. �sse zelo lavou-o até a dirigir-se a
pessoas já idosas, convidando-as para as práticas da
religião. Em casa, fazia questão que os irmãos e pes­
soas amigas se alistassem como membros da Com­
panhia dos Devotos de Nossa Senhora Auxiliadora.
Um dia algumas pessoas afastad<:s dos seus deveres
religiosos falavam com certo menoscabo da religião.
Francisco intervém e rebate com palavras judicio­
sas êsses falsos conceitos.
Tinha o menino preocupsçãc constante do
cumprimento dos seus deveres. Narra um amigo da
família que Francisco fôra un1 �I a visitá-lo. Pôs-se
então a brincar com outros pequenos e quando es­
tavam na maior animação do j ogo, olhou o relógio
e viu que era hora do catecismo. Deixou no mesmo
instante o brinquedo e não houve meio de o reter :
140 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

"Não posso ficar mais tempo, é hora do catecismo ! "


E correu para a igrej a.

Os padres salesianos de Santa Terezinha haviam


determinado dar um passeio com os meninos do cate­
cismo, em dezembro de 1932, ao Horto Florestal. To­
dos esperavam com ansiedade o dia marcado. Fran­
cisco, entretanto, até á véspera não havia conseguido
licença dos pais para essa diversão que lhe seria tão
agradavel. Receiavam êles possíveis perigos em ex­
cursão de cêrca de setenta meninos, se bem que sob
a direção e vigilância de zelosos padres e catequistas.
Contudo, Francisco não perdera a esperança de obter
a licença desejada. Confessou-se também de véspera
com os companheiros com a intenção de ao menos
comungar com êles, no caso que lhe não fôsse dada
participar do passeio. Entretanto, rezou e resignado
entregou o caso· a Nosso Senhor Na manhã seguinte,
quando se preparava para ir á missa e comungar, re­
cebeu a licença que até alí lhe fôra negada. Grande
foi· a alegria de Francisco e maior ainda a sua grati­
dão a Nosso Senhor.

O dia foi de imensa satisfação para todos. Brin­


caram, cantaram, divertiram-se, .apreciaram as be­
las paizagens que oferece aí a natureza e volta�am
todos mui cansados, mas muito t?ontentes e gratos
á bondade dos padres que lhes proporcionaram ho­
ras tão felizes, momentos tão agradáveis.
Francisco ao chegar a casa, apesar de muite
cansado, devia cumprir ainda a sua obrigação de
LíRIOS EUCARíSTICOS 141

tirar água do poço, como de costume. Não se exi­


miu do trabalho. Alegre e a repetir os cánticos pie­
dosos que ouvira durante o passeio, fez o seu tra­
balho. Depois recolheu-se ao quarto, dizendo : "Ago­
ra vou descansar, porque hoje caminhamos muito"
Foi o Natal, 25 de dezembro, o dia escolhido para
a distribuição de prémios aos melhores alunos de ca­
tecismo do Oratório-Festivo. Foi um dia de regozijo
da rapaziada. Marcada para ás 14 horas, cada qual
desde cedo já sentia alvoroçar-se-lhe o coração com o
pensamento da escolha do objeto de sua preferência
entre os muitos e variados que os bons padres ha­
viam obtido para prémio aos alunos. Francisco Can­
cela, sendo um dos que tinham maior número de pon­
tos pelo seu ótimo comportamento, boa aplicação e
pontualidade na frequêência, deixou de lado, no mo­
mento da escolha dos pr�mios, brinquedos e outros
ebjetos fascinantes para tirar roupa de que necessi­
tava e um têrço como lembrança para a mamãe. O
tJUe nos mostra o critério do jovenzinho.

MORTE DE FRANCISCO

A morte não encontrou o menino desprevenido.


Desde mêses se preparava para ela. Já a quinze de
janeiro de 1932, ao arrancar a folhinha do dia, leu
:ao reverso os seguintes dizeres : "Indulgência plená­
ria em artigo de morte - Todo aquele que em dia
tie sua escolha, depois de se têr confessado e co-
142 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

mungado, rezar a seguinte oração, ainda que muito


tempo antes da sua morte e em gôzo de plena saú­
de, ganhará uma indulgência plenária que lhe será
aplicada na hora da morte, se nesse momento es­
tiver em estado de graça". (Pio X - março de
1904) .
- "Senhor meu Deus, desdl� já aceito com co­
ração inteiramente submisso a morte conforme vos
aprouver, na hora, dia e lugar que forem do vosse
11grado, com tôdas as suas penas, angústias e do­
res".
Para ganhar esta indulgência , Francisco confes­
sou-se, comungou e depois fez êsse ato de inteira
submissão á santíssima vontade de Deus, recitando
com grande fervor a fórmula �.�cima. Guardou de­
pois cuidadosamente a folhinha que fôra encontra­
da com outros objetos de sua devoção, após a sua
morte.
Em agosto do mesmo ano, foram os sócios da
Companhia de SS. Sacramento avisados de que po­
diam ganhar as indulgências plenárias da Porciún­
cula. Indulgências que podem ser lucradas desde o
meio dia do primeiro de agosto até á meia noite do
dia seguinte. Na tarde do dia primeiro, Francisco
voltou a casa muito contente por têr, como disse
êle, ganho as indulgências plenárias não só para si
como para outros. Compreendia o menino o valor
das indulgências : pois apagam os restos das penas
dos pecados que deviam ser satisfeitas no purga­
tório.
LíRIOS EUCARíSTICOS 143

A tarde do dia 26 · de dezembro, tirava Francis­


co água do poço, despreocupadamente. Sem se ad­
vertir, pousou o pé numa tábua em que havia um
prego enferrujado com a ponta para cima. O prego
enfiou-se na planta do pé do menino que com a
dor deu forte grito. Acorreu a carinhosa mãe ·que
lhe arrancou o prego e antevenrio o que havia de
acontecer, disse: "Não venha êste pr�:go trazer a in­
felicidade á nossa casa! " Francisco, entretanto, re­
cuperando a calma, tranquiliza-a? "Isto não tem im­
portância, mamãe !"
Até o dia 3 1 nada de anormal sentira o meni­
no. Na tarde dêste dia pediu para ir á igreja con­
fessar-se para comungar na manhã seguinte .
Ao voltar para casa, porém, queixava-se de dôr
muito forte no coração e no peito. O menino ar­
dia em febre. Era o tétano que se manifestara
ameaçador e terrível.
Pelas nove horas da noite, o menino, sentindo-se
muito mal, pediu que chamassem um padre salesia­
no da igrej a de S. Terezinha. Como lhe dissessem
que o chamariam na manhã seguinte, porque já se
fazia tarde, Francisco observa: "Quando um doente
chama o sacerdote a qualquer hora do dia ou da
noite êle logo comparece". Tendo chegado o padre
perguntou-lhe se queria confessar-se.
- "Não, não preciso, respondeu o menino, con­
fessei-me sábado e comunguei no domingo. Desejo
apenas que venham ver-me os padres e catequistas
do Oratório-Festivo".
144 D O M JOAQUIM G . DE LUNA, O . S. B .

A tardinha d e três de janeiro, ou-tro padre


salesiano perguntou :
- Que te dói, Francisco?
- O coração.
- Dói muito?
- Muito, senhor padre.
O sacerdote colocou sôbre o peito do menino­
uma medalha de S. João Bosco. Francisco beijou-a
com devoção e disse: "Oh ! meu Dom Bosco! . . . Te­
nho confiança em Dom Bosco!
,
O padre perguntou-lhe : "Queres confessar-te? .
- Não preciso, senhor padre.
- Olha, trouxe o Santíssimo comigo, queres
comungar?
- Sim, senhor padre, sim!
Rec;ebeu então a comunhão, calmo e muito con­
tente e com um sorriso a aflorar-lhe nos lábios .

* *

Uma sêde devoradora atormentava o menino.


Pede com insistência que lhe dêem água. "Paciên­
cia, Francisco, paciência, lhe diz o padre Diretor da
igreja de S. Terezinha que acabava de chegar. Nos­
so Senhor na cruz, continuou êle, também sofreu
sêde." Francisco resignou-se, não pediu mais água,
queria sofrer com Jesús . Vendo depois a sua mãe ao
lado com os olhos em lágrimas. diz afectuosamente:
"Mamãe, dê-me um abraço! Estou pensando no meu
trabalho de todos os dias: j á não poderei mais fazê-
LíRIOS EUCARtSTICOS 14i

le, não poderei mais ajudar a senhora, mas seja


tudo por amor de Deus".
Dirigindo-se depois ao pai: "Papai, dê-me tam­
lltém um abraço . O senhor me perdoi os desgostos
�ue lhe causei."

* *

A idéia de se fazer padre ainda não abandona­


l"a o menino . Estando o pai ao lado . pergunta-lhe
se no caso que ficasse bom o deixaria ser sacerdote .
Ao têr resposta afirmativa, exclama: "Ah! se eu não
fôr padre na terra, sê-lo-ei no céu! " 'Voltando-se
õepois para a sua mãe : "Mamãe, eu vou morrer,
f!iUero que depois de morto me vista como Dom
Bosco . "
Ouvindo falar que os remédios e médicos custa•
muito, disse : "Queria ser padre e médico para aten­
der os doentes pobres sem lhes cobrar um vintém . "
Obtido um lugar na Santa Casa, foi Francisco
transportado á noitinha do dia quatro para aquele
instituto de caridade . Deixando a casa paterna, des­
pediu-se dela: "Fica-te, casa de Deus, que eu vou
para a Santa Casa para lá morrer! "
N a Santa Casa, o s médicos reconheceram que o
estado do menino era gravíssimo, desesperador mes­
ao. O capelão tendo-se aproximado do doentinho êste
• interroga: "O senhor j á é padre?"

- Sim, responde o capelão .


1 4G DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

- Então me dê a mão para beijá-la .


Pelas onze horas do dia seguinte, tendo o meni­
no piorado, o capelão telefonou aos padres salesia­
nos da igrej 1!l de S . Terezinha para que avisassem
os pais, e viessem quanto antes. Entretanto, adminis­
trou a extrema-unção ao menino, que acabava de
perder os sentidos. Quando os pais de Francisco che­
garam á Santa Casa, tinha êle j á deixado êste mundo.
Faleceu, pois, cêrca do meio dia de cinco de ja­
neiro de 1933 .
Revestido de batina e sobrepeliz, e de barrete de
clérigo na cabeça, conforme o seu pedido, foi o corpo
de Francisco Cancela depositado no caixão . Entre
as mãos entrelaçadas, colocaram-lhe o têrço que ti­
nha recebido de prémio no Natal . Um doce sorriso da­
va-lhe um quê de seren.idade, paz e felicidade que
somente as almas puras sóem gozar. Foi a morte
do menino muito sentida por todos que o co­
nheceram .
X

ROSALIO SIDONIO
(1924-1933)

No dia primeiro de novembro de 1932, ingres­


sou no Instituto Padre Chico - Escola Profissional
para Cegos - da Capital de São Paulo, o pequeno
Rosálio Sidônio .
Nasceu o menino a vinte e nove de junho de
1924, em Pindorama, Estado de São Paulo, de pais
lavradores e pobres . Era o segundo filho do casal .
No dia quinze de agosto do mesmo ano, festa da
Assunção de Nossa Senhora, o pequerrucho recebeu
a filiação divina pelas águas do batismo .
Rosalinho teve sempre, durante a sua breve pas­
sagem por êste mundo, grande amor e devoção á
Mãe de Deus . Gostava de rezar o têrço e trazia com
-carinho a sua medalha .
Aos três anos dé! idade, perdeu a mamãe que,
não obstante pobre, tratava com carinho o filhinho .
O pai do pequenito casou-se segunda vez e Rosali­
nho, em lugar de uma segunda mãe, encontrou uma
verdadeira madrasta, um cruel algoz, naquela que
lhe devia dispensar os desvelos de mãe . Tratado
-com brutalidade e desprêzo, a criança dormia sôbre
.achas de lenha e em lugar húmido, ao lado, muitas
vezes, de animais domésticos e incomodada por êles .
148 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

Em consequência disto, Rosalinho, apanhou


forte dor de cabeça que lhe fez perder a vista, em
treze de outubro de 193 1 . Não havia ainda comple­
tado sete anos.
E que coisa triste é a gente ficar cega! Viver
em noite contínua, sem já poder gozar do espetá­
culo grandioso dos encantos da natureza, dos matizes
das côres, das fisionomias das ptssoas queridas, nem
desfrutar a luz do astro do dia' Viver sempre
envôlta em trevas!
E Rosalinho, que já era órfão, agora ficou cego.
P�rdera com a morte da mamãe os carinhos que
tôda criança tem direito e, com a perda da vista, a
luz do dia que nas encanta e nos faz contemplar as
maravilhas da obra do Criador
Permitiu Deus êsse duplo sacrifício ao nosso
pequenito como meio de santificação do mesmo e
assim arrebatá-lo bem cedo para o céu .
Uma pessoa caridosa, condoída dos sofrimentos
de Rosalinho e da pobreza da família, levou-o á
Santa Casa da capital do Estado, onde foi o menino
tratado com todo o desvêlo, mas sem resultado po­
sitivo . Da Santa Casa foi então Rosalinho levado
para o Instituto do Padre Chico. c lá internado .
Era de ver a maneira distinta, a delicadeza de
trato, a docilidade e obediência do menino, apesar
do ambiente humilde e pobre em que desabrochára
essa florzinha do campo . Quando lhe !pergunta­
vam como havia ficado cego, respondia que fôra em
LíRIOS EUCARíSTICOS 149

consequência dos máus tratos da madrasta . Uma


das religiosas do Instituto pedira-lhe certa vez, que
não dissesse mais a ninguém o que havia sofrido em
casa dos pais, e que perdoasse á madrasta o que ela
lhe havia feito, e assim Deus Nosso Senhor lhe daria
o céu por recompensa . Daquele cila em diante o me­
nino não falou mais do que havia sofrido em casa .
E quando lhe perguntavam como havia ficado
cego, respondia invariavelmente que fôra em con­
sequência de uma forte dor de cabeça .
Rosalinho desde os primeiros dias de sua entra­
da no Instituto conquistou a estima e amizade de
todos . A Diretoria o estimava muito e o apelidou
de "Mascote" . Outros o chamavam de "Flor do Ins­
tituto", "Nené", e "pequeno Guido"
Um vicentino, empregado do Banco do Brasil,
tornou-se amigo do ceguinho . Trazia-lhe aos do­
mingos grande quantidade de bonbons . Rosalinho,
distribuía as apetitosas balas entre os companheiros
de infortúnio, sem reservar nenhuma para si .
Comprazia-se o pequenito em alegrar os outros
ceguinhos, ficando o seu bemfeitor a admirar-lhe a
caridade .
O mesmo vicentino, para o experimentar, per­
guntava-lhe ás vezes: "De quem você gosta mais, da
superiora atual ou da outra que foi embora? A
quem você quer mais bem, a mim ou á superiora?"
A resposta infalivel de Rosalinho era uma risadinha
gostosa .
Tinha o pequenito, apesar de cego, particular
1 50 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

predileção pela côr azul . Pedia que lhe trouxessem


a geléia no copinho azul, gostava de caixinhas azuis,
de papel azul, etc. Se bem que não visse nada por­
que inteiramente cego, conservou, entretanto na re­
tina, o azul côr do céu, para onde em breve havia
de ir .
Era Rosalinho muito dócil e obediente . Nada
fazia sem pedir antes a respetiva licença . Quando
lhe chamavam a atenção sôbre qualquer defeito,
procurava logo corrigir-se dêle . Evitava, com o
maior cuidado, incomodar os outros, mostrando-se
sempre muito humilde e afável para com todos .
Aprendeu sem grande dificuldade a ler pelo méto­
do Braile e estava aprendendo 2 empalhar . Tudo o
que fazia procurava executá-lo com a maior perfei­
ção possível .
Apesar de cego, Rosálio, ao levantar-se pela
manhã, vestia-se, fazia a toilette, arrumava a cama,
êle mesmo, sem auxilio de ninguém .
. Esperava o menino certo dia a visita de um
padre, muito seu amigo . Urna das moças que tra­
balham no Instituto dirige-se a êle e lhe diz: "Ro­
salinho, sei que você gosta muito do P . J . e o es­
pera hoje, mas eu quero conferssar-me . Peço-lhe,
pois que reze para que em vez do P . J . , seu amigo,
venha o P . F . , meu confessor" . O menino ainda
que esperasse ansioso a visita do padre, seu amigo,
respondeu a sorrir: "Pois não ! " E tomou o têrço e
começou a rezar . A' tarde, á hora da Bênção do
Santíssimo, aparece o padre que a moça desejava .
L:fRIOS EUCARíSTICOS 151

PRIMEIRA COMUNHAO E MORTE D E ROSALIO

Rosálio, apesar de têr completado os oito anos


de idade, parecia uma criança dt. seis a sete anos,
tão pouco era desenvolvido físic!lmente . Entretan­
to, vivo e de inteligência pronta, e sobretudo pelos
seus dotes naturais aperfeiçoados pela graça, tor­
'
nou-se querido de todos: era o encanto do Instituto .
No dia quatorze de junho de 1933, amanheceu
:Rosalinho gravemente enfênno .
Passara nial a noite; mas, não obstante isto, j á
á s seis horas da manhã estava preparado para ir
á missa .
A superiora do Instituto, avisada do estado do
menino, mandou tomar-lhe a febre . Tinha 39,5
graus . 1!:le, entretanto, suplicava que o deixasse ir
á missa .
Somente ficou calmo e consolado quando uma
das religiosas lhe disse que Nosso Senhor queria que
êle ficasse na cama, que ela ia rezar por êle . Ro­
salinho ofereceu então os sofrimentos a Jesús e se
resignou á vontade de Deus .
O médico, tendo sido chamado, auscultou o pe­
queno e achou que o estado dê!e era grave . Fez o
:possível para o salvar . O menino tivera um acesso
da moléstia que contraíra quando ainda em casa dos
pais, e agora com complicações dos rins e do cora­
ção . Sofria ao mesmo tempo de um tumor no ou­
vido que lhe provacava dôres atrozes .
No dia seguinte, veio um sacerdote, de quem
152 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

Rosálio muito gostava, ouvi-lo de confissão . Antes,


conversou durante bastante tempo com o padre, fa­
zendo depois a confissão com sinais de grande pieda­
de. Na manhã segliinte, dezeseis de junho, teve a fe­
licidade de receber em seu coração pela primeira vez
a Jesús, o amigo das crianças. O quarto do ceguinhe
achava-se ornado com angélicas, e êle, o Mascote.
do Instituto, vestido de branco n0 SEU leito, parecia
um anjinho . O que, porém, mais impressionou as
pessoas presentes, foi a grande piedade do menino,
o seu grande amor ao querido Jesús . Depois da açãe
de graças, rezou por todos : pelos pais, bemfeitores,
diretoria do Instituto, pronunciando c nome de cada
uma das pessoas .
O sacerdote, sabendo que êle queria morrer
para ir para o céu, indaga-lhE> : "Rosalinho, você
quer mesmo morrer?" . "Então!" responde o peque­
no . "Lembre-se, pois, que você é meu amiguinho",
disse-lhe o padre . "No céu ha muitos lugares", foi
a resposta de Rosálio .
As religiosas, por sua vez, perguntaram tam­
bém:
E' verdade, Rosalinho, que você quer
morrer?"
- "Oh! sim . "
- ..Por que?"
- "Porque vou para o céu" .
E continuando depois a falar, disse: "La no céu
passearemos . De cada lado terei uma das Irmãs
comigo e iremos visitar São José .
LíRIOS EUCARíSTICOS 153

Graças aos cuidados com que fôra tratado.


pôde o menino levantar-se e ir algumas vezes á ca­
pela receber a santa comunhão o que fazia sempre
com grande piedade . Em outubro, porém, agra­
vou-se de novo o mal . Os médicos constataram que
o seu estado inspirava cuidado. Rosalinho, se bem
que mimoseado por todos, jámais se queixou ou exi­
giu a menor coisa. Quando necessitava de auxilio, •
pedia com bondade e, resignado e tranquillo, o es­
perava . Jàmais se ouviu dêle a menor queixa .
No dia vinte e três de outubro, o P . J . , seu ami­
go, foi ao Paraná, onde devia demorar-se alguns
mêses . Rosalinho sentiu muito a ausencia do pa­
dre e repetia a miudo: "Será que eu ainda veja
o P. J . ?"
No dia vinte e nove, fez a última confissão .
Mas já não pôde ir á capela para receber o querido
Jesús . No dia seguinte, amanheceu mal, muit<t
mal . Foi-lhe então administrada a extrema-unção .
O sacerdote hesitava, em vista do seu estado, em lhe
dar o santo viático . Entretanto, uma das religio­
sas perguntou-lhe:
- Rosalinho, quer receber a comunhão?
- Quero, sim! - respondeu o menino como que
despertando de profundo sôno em que a moléstia •
prostrara . Ainda com auxilio di& Irmã, pôde sen­
tar-se no leito e com grande amor recebeu Jesús­
Hóstia, que veio pela últi..."lla vez ao seu coração ino­
cente e puro . Pouco depois, caiu outra vez em
grande prostração .
154 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

Na tarde dêsse dia, o sacerdote que lhe havia


administrado o viático, perguntou-lhe:
- Rosalinho, que foi que voe� recebeu esta.
manhã?
- Nosso Senhor! - respondeu a criança com
aquele timbre de voz que lhe era peculiar .
Ainda nesse mesmo dia, tiraram-lhe da espinha
dorsal. líquido para novo exame, o que lhe causou
dôres terríveis . Um dos médicos, para o entreter.
disse-lhe :
- Vou trazer-lhe um brinquedo amanhã . Qual
é o que você deseja ?
- O senhor traga o que quiser, pois estou tão
mal e sofro tanto que nem posso pensar!
O menino sofria horrivelmente, mas sem se
queixar . Tomava a irnJlgem de Nossa Senhora e a
beijava com amor, assim como a medalha de São
José, santo ao qual tinha grande devoção .
Vendo as religiosas que se aproximava o termo
da vida dessa inocente criança pe:liram-lhe que,
uma vez no céu, lhes obtivesse de Deus graças es­
peciais .
A cada urna respondia amavelmente que sim .
Aumentando, porém, os pedidos, Rosalinho teve es­
crúpulo e disse : "Já são tantos os pedidos que tenho
receio de não me lembrar de todos" .
Tamanho era o seu sofrer que, nãv podendo mais
suportá-lo, pede ao santo de sua grande devoção
que o leve para o céu : "São Jos�. levai-me porque
LíRIOS EUCARíSTICOS 155

já não aguento mais!' Foram as ultimas palavras


de Rosalinho .
Colocou a cabeça no colo Je uma das religiosas
e procurou com a mãozinha o crucifixo e o beijou
com tanta devoção que arrancou láglimas de como­
ção dos olhos da Irmã . Pouco depois, cerrou tran­
quillamente os olhos e entregou a sua alma inocen­
te e pura ao Criador .
Rosalinho parecia dormir . E' assim que algu­
mas pessoas não quiseram acreditar que êle já ti­
vesse deixado êste mundo . C:t...maram-no: Rosali­
nho! Rosalinho!
Entretanto, a sua alma já se tinha evolado com
os anjos para o céu .
Eram quatro horas e meia da tarde de 30 de ou­
tubro de 1933 .
XI

ALFREDO BRUNO
(1920-1933)

Nasceu Alfredo na capital Je São Paulo, a qua­


tro da agosto de 1920 .
Enfermiço desde o berço, pass0u os treze anos
de sua vida em contínuo sofrer .
Foi-lhe sua mãe modêlo de piedade que soube
formar-lhe um coração generos(: de:::de o desabro­
char da inteligência . E' o regaço materno a melhor
escola para êsses entes q ueridos que Deus concede
aos chefes de família . A educação da criança, a for­
mação do seu coração, deve começar desde a infân­
cia . Se a criança é bem dirigida por mãe cuidadosa
e se encontra no lar paterno mna atmosfera de pie­
dade e bons exemplos, amolda -sP a e-la e fica como
que saturada dêsses exemplos, desabrochando-os em
atos de virtude, qual flor em botão que abre a coro­
la ao orvalho matutino.
Aos três anos, começou Alfredo a se interessar
pelas coisas santas Ir á igreja era o seu maior pra-
2er . Em casa, procurava imitar o que via o sacer­
llote fazer no templo sagrado . Relata a mãe de Al­
Y.edo que o menino improvisára um altar com o ne­
ceessário para imitacão da santa missa e que êle ími-
158 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

ta.va o padre nas funções do seu ministério, sem fal­


tar o sermão. para o que uma cadeira lhe servia de
púlpito .
Com o gôsto das coisas santas, nasceu em Didí
- era êste o seu apelido - o desejo de receber o
Senhor de tôda a santidade . Comungar, receber
Jesús em seu coração era para He a maior felicida­
de que podia têr neste mundo! Surgiram, porém,
dificuldades. Era o menino ainda muito criança e
físicamente pouco desenvolvido, pois com o deslo­
camento da espinha dorsal. at:rof:aram-se-lhe os
membros inferiores, de modo que não podia andar .
Receiavam que, com a fraqueza física, também as
faculdades mentais de Alfredo não se tivessem de­
senvolvido . Os seus atos, porém, davam testemu­
nho do contrário, atestando o rlcsenvolvimento pre­
coce de uma inteligência pouco vulf{ar .

Havia ainda outra dificuldade . E' que, não obs­


tante ser a mãe de Alfredo pieJosa, o pai vivia, en­
t retanto afastado d:1 prática da religião e se opunha
,

a que o filhinho comungasse . Além disso, Didí era


aleijadinho, seria preciso levá-lo nos braços á mesa
sagrada, de modo que tôdas as vezes que ia á igre­
já ou a outro lugar, era sempre levado nos braços de
alguma pessoa da famíli a .

Alfredo, entretanto, não desanima . Pede a


Jesús e pede com instância e fervor que venha ao
seu coração sedento de possuí-lo . E Jesús, o amigo
das crianças, ouviu os rogos de Didí .
Submetido a exame, o sacerdvte acha que o me-
LfRIOS EUCARíSTICOS 159

nino tem os conhecimentos necersários para fazer a


primeira comunhão . E Alfredo, numa bela manhã
de novembro de 1925, recebe jubil(\SO Jesús-Hóstia
pela primeira vez em seu coração abrasado de amor .
Tinha cinco anos e três mêses .
Daí em diante continuou a receber o pão dos
anjos aos domingos. dias santos e éÍS quintas-feiras .
"Quando recebia a comunhão - diz seu confessor
- o menino o fazia com piedade e candura angé­
licas e parecia depois arrebatado fm êxtasi . Depois
da comunhão cruzava as mãozinhas sôbre o peito, fe­
chava os olhos e pedia que o levass�m (pois era pa­
ralítico) aos pés de um g:rande crucifixo e aí perma­
necia longo tempo em fervorosa ação de graças" .

* *

A moléstia que o acompanhr.ra desde o berço e


o levára á sepultura, foi fator importante para a san­
tificação de Alfredo Prêso a uma cadeira de para­
lítico, via os outros meninos correr, brincar e diver­
tir-se em jogos, etc . :tle. . . nada! Impossibilitado
de andar, afim de passar de wn lugar para outro, era
preciso que mãos caridos:1s o transportassem . De
temperamento nervoso e vivo, �entia ímpetos de se
movimentar, de correr, de salhr <'orno os outros me­
ninos . As pernas, porém, não lho permitiam . Ti­
nha que se resignar á imobilidade, :ficando na cadei­
ra, sempre na mesma posição . Didí sofria com isto,
160 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

mas sofria resignado . A lembrançs de Jesús prêso


á cruz dava-lhe alento para fic�n também prêso á
sua cadeira .
Não era, entretanto, sàmente a prisão forçada
que fazia Alfredo sofrer . Dôres atrozes tornavam­
no por vezes nervoso, mas dominava-se com o pensa­
mento da Paixão do Senhor, com a lembrança de
Jesús Crucificado Foi assim que pelo caminho dos
sofrimentos o menino aproximou-se cada vez mais
do seu divino modêlo . Didí compreendia o valor
dàs provações quando suportadas pot· amor de Deus.
Por isso, recusava o confôrto que 1he pudesse roubar
o mérito do sofrimento . Certa vez a mamãe colo­
cou almofadas na cadeira . Did1, porém, as recusa;
"Não, mamãe, não quere! Jesús na cruz não teve
ahnofada!"


* •

Aos sofrimentos, Alfredo aliava a oração . · Re­


zava muito, passando horas a fio em fervorosa�
preces . A' noite, quando os outros dormiam, Didí
desfiava o têrço ou recitava outras c-rações, de modo
que o pai o chamava de guarda-noturno . Por gra­
cejo, diziam em família: "Não teir!.os medo de la­
drões; Didí é o nosso guarda-nc�urno"
Fazia muitas vezes novenas para obter de Deus
graças espirituais ou bens temp�rrais para seus ami­
gos ou pessoas que se recomendavam ás suas ora-
LíRIOS EUCARíSTICOS 1 61

ções.. Certa ocasião, uma senhora observou Didí


muito concentrado em fe-rvorosa prece . Pediu-lhe,
então, uma Ave-Maria para alcançar uma graça es­
pecial de que muito necessitava . O menino rezou
com ela a oração pedida e horas 0epois a senhora ob­
tinha a graça desejada .
Quando Alfredo rezava não queria que o inter­
rompessem . Tinha por hábito orar meditando nas
palavras do Padre-Nosso e Ave-:\ttaria, e ficava assim
horas inteiras. Um dia a mamãe lhe disse:
-Meu filho, por que não rezas como os outros?
Talvez a oração feita desta maneira não seja boa.
- Pergunta ao senhor vig:.rio, mamãe .
Indo a senhora ã igreja-matn7., indagou do cura .
1:le lhe disse, então, ser êste o melhor modo de
rezar. Ao narrar ao pequeno, Didí exclama: "Vê,
mamãe, como o nosso vigário é inteligente !"
Eram os cánticos sacros e a pr.,ce a s suas delí­
cias, a sua consolação . Quando levado a Igreja,
o que era sempre para o menino motivo de prazer,
Alfredo elevava a sua voz ar�êntea em cánticos de
louvor a Deus . ·"Soube quE' m. pr:.testantes cantam
alto . Nós devemos, portanto, cantar mais alto do
que êles" .
Alma de apóstolo, o menin0 aconselhava ao ir­
mãozinha: "Quero que -... ccê sej2 f3 dre . ." Já que
.

êle estava impossibilitado de o ser . Repreendia


mesmo pessoas idosas que não cumpriam as suas
ebrigações no concernente á religi.;.·_•: "A senhora faz
muito mal em conservar o seu filho, já moço, pagão"
162 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

- disse certa vez a urr_a ser..b ora que procurava


sempre fugir do olhar penetrante de Alfredo .

* *

Nos dias de carnaval de 19::<3, os parentes leva­


ram Didí para uma casa á rua por onde passava o
côrso carnavalesco . O meninP., po! ém, não fez caso
do que se passava lá fóra . l<,icou no interior da casa,
recusando-se a olhar o d �sfile dos ta nt &si ados . Le­
vado contra vontade á janela C!_cle dá para a rua, em
dado momento fecha os olhos e d<·.êxa pender a ca­
beça de lado, como se tivesse vertigem . Acodem os
parentes : "Não é nada! Fechei os olhos para não
ver o côrso" - diz Alfredo . De: v olta para casa,
vendo alguns meninos fantasiados, chama-os e lhes
diz: "Não sabem vocês qt:e assim ofendem a Jesús e
que êle sofre nestes dias de carr-av�:: l ? ! "
*

* *

Aos oito anos, com�;>çou Dirli a frequentar a


igreja de Santa Ter!"zinba e tNnou por diretor espi­
ritual um dos religiosos carme1i+as daquele san­
tuário .
Diz o confessor de Alfredo: "D'd{ confessava-se
ás quintas-feiras e comungava em nc.ssa igreja . As
suas confissões eram feitas com lntnta compunção e
erande clareza" .
LíRIOS EUCARíSTICOS 1 63

Era um menino de c:onriência tão delicada que,


sentindo-se culpado da meno!' falta, não ousava
aproximar-se da mesa ew�arís�La, f,f-m primeiro pu­
rificar a alma no tribunal da penitência . Assim,
tendo �tma vez dadc uma res�o..:ta á s per a ao irmão­
zinho, que o importunava, não se atreveu a ir á co­
munhão sem se confessar antE's . b,_ mamãe vendo-o
triste, disse-lhe : "M�u fi ·. no, reza t•m ato de contri­
ção e vai comungr.r" . "Como me aproximar de
Nosso Senhor, mamãe, estando em recado, se mes­
mo com a alma sem manrha sou indigno de
o fazer? ! "
Era a graça qne Lrahalh'lva n a alma d e Alfre­
do e o iluminava a respeito �"ta sant ! dade de Deus .
Pois só assim se póde a lmitir que uma criança, de
pouca instrução rf'ligi.osa, tE'r.ha ('Cmpreensão tão
exata das coisas espirituais, do valor dos sofrimen­
tos, �a fealdade do pecado, etc . , como o demonstra­
ra Didí em muitas ocasiões . E' ainda o confessor
do menino quem afirma : "Durante os cinco anos
em que fui confessor de Alfredo sempre notei nele
verdadeiro horror ao pecado" .
Tinha grande amor a Jesús-Sacrarnentado . Era
a Divina Eucaristía o fogo que abrasava o coração
dêsse piedoso menino . Para comungar, tinha
que vencer dupla dificuldade: a paralisía que o
privava de andar e a oposição do pai . Afim de ven­
cer a primeira, era obrigado a recorrer a sua cari­
nhosa mãe ou a outra pessoa caridosa que o levasse á
igreja. Para afastar a segunda, era necessário esperar
1 64 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

que o pai saísse para o trabalho, pois comungava ás


escondidas dêle . A's vezes tinha que esperar até ás
nove horas ou mais tarde ainda . Apesar disto, Al­
fredo comungava regularmente duas vezes por se­
mana .
Nem a chuva, nem o rigor do frio, nem a febre
traiçoeira, afastavam Didí do banquete eucarístico
nos dias determinados para receber o querido Jesú,s .
Estando uma vez gripado e com febre, pede, su­
plica que o levem á igreja de Santa Terezinha . Era
dia de receber a comunhão . Debalde procuram dis­
suadi-lo disto, mostrando-lhe o perigo a que se ex­
punha . "Se morrer - diz Alfredo - será aos pés.
da, minha santinha" .
Grande devoto de Jesús crucificado, seu modêlo
nos sofrimentos, tinha Didí dois crucifixos : um á ca­
beceira da cama e o outro trazia sempre consigo .
Em fevereiro de 1933, umas religiosas tendo
ouvido falar das grandes virtudes do aleij adinho, fo­
ram visitá-lo . Conversando com êle sôbre assun­
tos comuns, nada de extraordinário notaram em Al­
fredo . Ao falarem, porém, de Deus, o menino se in­
flama . A voz torna-se penetrante, discorrendo com
convição admiravel sôbre o assunto . As boas reli­
giosas deram-lhe, então, como lembrança, um cruci­
fixo . "Oh ! como elas souberam oferecer-me o que
mais me podia agradar! " - exclama Didí .
Tinha Alfredo também particular devoção a_
Nossa Senhora do Carmo . Trazia sempre ao pes­
coço o seu escapulário . Queria morrer com êle e
LíRIOS EUCARíSTICOS 165

ganhar assim as indulgências que lhe são anexas .


Santa Terezinha era também santa da predileção de
Alfredo . Conservava com amor uma relíquia dessa
santa e a beijava muitas vezes . Em casa, os pais co­
locaram na sala de visita a imagem do lírio de Li­
sieux, aos pés da qual o menino dirigJ.a aos céus pre­
ces fervorosas e cheias de confiança, obtendo por sua
intercessão muitas graças . Chamava-a de minha
queridinba .

* *

Aceito como mebro da Cruzada Eucarística, Al­


fredo, tendo grande amor a Jesús-Hóstia, sente-se
·verdadeiramente feliz . Não pode, é verdade, cum­
prir as obrigações exteriores dessa pia associação
pois seu estado de aleij adinho não o permite. O vi­
gário da paróquia dispensou-o dessa obrigação . Didi,
entretanto, compensou essa lacuna com orações e es­
pírito de mortificação .
Sofrer com J esús, levar a cruz com o divino
Mestre era para êle o pão quotidiano . Além da pa­
ralisia, que o conservava prêso a uma cadeira, tinha
<iôres atrozes nas costas e nas pernas . Oferecia tudo
a Deus sem se queixar, recusando mesmo aquilo que
lhe pudesse diminuir o mérito dos sofrimentos:
"Jesús na cruz não teve almofadas" .
O dormir era-lhe verdadeiro suplício . Pasto·
para se deitar, tinha que torcer o corpo e virar a ca-
1 66 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

beça para o lado, o que lhe provocava dôres ter­


ríveis .
Ainda mais: Por amor de Jesús e para conver­
.são dos pecadores, Alfredo mortificava-se . Ficava,
ás vezes, até tarde sem almoçar. Foi preciso que o
confessor interviesse e lho proíbisse . Êle obedeceu,
mas procurou outras mortificações. Tmha verdadei­
ra sêde de sofrer .
Amigo de J esús, Didí zelava seus interesses .
Soubera que seu diretor espiritual havia negado a
comunhão a certas senhoritas que se apresentaram á
sagrada mesa com vestidos sem mangas e decotadas :
''Bem feito ! Muito bem! - exclama - onde se viu
ir a gente assim receber Nosso Senhor em trajes de
bonecas pintadas ? ! "

MORTE D E ALFREDO

Desde as vésperas de Natal de 1932, dizia Didi


repetidas vezes que não chegaria ao fim do ano se­
guinte . E confessava com sinceridade que teria
mesmo prazer em deixar êste mundo no ano cente­
nário da morte de Nosso Senhor .
Em j unho de 1933, fêz o retiro espiritual, edifi­
cando os companheiros com a sua grande- piedade .
Quando voltava para casa, á noite, era castigado pele
intenso frio do inverno daquele ano . Em vez de se
agasalhar contra a friagem, sentia prazer em sofrê­
la .p or mortificação .
Ao terminar o retiro, tem sauda d es dêsses dias
LíRIOS EUCARíSTICOS 1 67

de abundantes graças : "Que saudades que tenho do


retiro . E' pena têr acabado tão depressa; que
não continuasse . . . ! "
Sabe, entretanto, que vai morrer em breve .
Está convencido de que dentro em pouco será cha­
mado para a eternidade . "Vou morrer - diz êle -
portanto, quando me virem passando mal, em vez
do médico, chamem o padre"
E a previsão de Alfredo não se fez esperar . Dias
depois, sente terríveis dôres . Apesar de estar bas­
tante mal, ainda o levaram á igrej a, a dois de agos­
to, para receber a comunhão . No dia seguinte, po­
rém, j á não pôde levantar-se . Alfredo procurava
ocultar aos pais o estado grave em que se achava .
Sabiam apenas que o menino sofria muito pe�os con ·

tínuos gemidos .
No dia quatro, décimo terceiro aniversário de
Didí, o vigário foi levar-lhe a comunhão . Alfredo
recebeu com transportes de j úbilo o querido Jesús .
No dia seis, celebrava-se a festa da Cruzada Euca­
rística. Alfredo pediu á ma mãe : "Mamãe, vai as­
sistir á missa dos cruzados em meu lugar, e faze
como se eu estivesse lá"
Nesse mesmo dia, Didí teve uma crise muito
forte, que fez temer-se o desenlace fatal . O vigá­
rio, sabendo do estado grave do menino, foi visitá­
lo . Entretanto, a crise tinha passado e encontrou
Didí calrm e sorridente . Alfredo quís nessa ocasião
fazer uma confissão geral . O vigário, porém, achou
que não era necessário . Em todo o caso, ouviu-o de
1 68 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

confissão e depois levou-lhe a comunhão . No mo­


mento de receber a Jesús-Hóstia pela última vez, o
doentinho quis levantar-se, ficando depois imóvel
como estátua, com os olhos fechados, a falar intima­
mente com o divino Hóspede de sua alma . Em se­
guida, pediu a mamãe que rezasse com êle as ora­
ções dos moribundos .
No dia sete, Alfredo agonizava .
Em dado momento, a mãe de Didí ouve uma voz
suave e penetrante que entoava um cántico de lou­
vor . Ela indaga curiosa . . . "Sou eu, mamãe! Es­
tou ensaiando a voz" . Era Alfredo que ensaiava o
cántico de louvor e de ação de graças que dentro em
pouco ia cantar para sempre com os anjos no céu .
Chega finalmente a hora da última despedida .
Alfredo, na ansia da posse de Deus quer subir .
Seus olhos se inflamam, erguem-se para o céu, e o
menino, todo absorto em Deus, pede : "Sóbe-me, ma­
mãe! Sóbe-me, sóbe-me . . . !" Beija o crucifixo e
balbucia: "Meu Jesús, misericórdia! "
E a sua alma inocente e: pura sóbe com o s anjos .
Eram sete de agosto de 1933 . Alfredo tinha
treze anos e três dias .
XII

JOSE' INACIO BARCO Y OLMEDA

(1925-1933)

Brotou esta florzinha, como a mamãe o chama­


va, em Manresa, Espanha, lugar em que S . Inácio
se recolhera para escrever os célebres Exercícios Es­
pirituais . Em atenção a êsse fato e porque o pai se
ehamasse Inácio, foi-lhe acrescentado êsse nome ao
de José ao receber o menino o sacramento do batis­
mo, no dia 5 de janeiro de 1925, primeira sexta-feira
_
do mês . Coincidência que parecia indicar que o Sa­
grado Coração de J esús, a quem a criança mais
tarde teve grande devoção, tomou-o desde logo sob
a sua especial proteção .
Em junho do mesmo ano, o pai, que era agente
de polícia, foi transferido para Barcelona.
Foi aí que José Inácio recebeu com o sacramen­
to da crisma a fôrça para obter vitória no combate
aos seus pequenos defeitos e, em parti -
170 DOM JOAQUIM G . D E LUNA, O . S . B.

cular, a paciência p_ara suportar várias doenças qu€


cedo lhe sobrevieram .
Com efeito, enfermiço desde criancinha, o me­
nino sofria muito, mas com tal paciência que causa­
va admiração á família . Não menos era de admirar
a docilidade e obediência de José Ináci o . Tomava
tôda espécie de remédio, por amargo que fôsse, sem
repugnância e sem se queixar . O segredo de tama­
nha virtude em tão pequena criança estava no amor
a Jesús e ao seu divino Coração, que os pais 1!-le ha­
viam incutido desde os primeiros anos. Ésse amor
aumentava dia a dia, sobretudo desde que os pais en­
tronizaram em casa a imagem do Sagrado-Coração.
com grande solenidade, e consagraram o menino a
êsse divino Coração .
Ainda não havia completado três anos e o meni­
no j á manifestava o seu amor a Jesú�, dirigindo bei­
jos á sua imagem, ao mesmo tempo que, com a sua
linguagem infantíl, dava vivas a Cristo-Rei . Com a
idade; cresciam em José Inó.cio o amor •..! o entusiasmo
ao Sagrado-Coração. E' assim que ia ao vizinho pedir
flôres do jardim para ornar a sua imagem, e êle
mesmo ajudava a enfeitar o altar da entronização,
mórmente nas festividades de Cristo-Rei, que eram
sempre para o menino ocasião de grande regosij o .
Nas primeiras sextas-feiras do mês, comprazia­
se em fazer, com os pais, os exercícios da Hora­
Santa diante da imagem entronizada . Depois do
Sagrado-Coração, era a Nossa Senhora que José­
Inácio tinha maior devoção; e entre os santos, S _
LíRIOS EUCARíSTICOS 171

ferezinha era aquela a quem êle recorria com maior


:onfiança e dedicava maior ternura .
A' noite, quando rezavam o têrço em família�
posto que o menino não soubesse ainda bem o Pa­
dre-Nosso e Ave-Maria, ouvia-o de j oelho::; com os
bracinhos cruzados sôbre o peito . Aos quatro anos,
porém, não sómente j á sabia rezar o têrço como tam­
bém responder á ladainha de Nossa Senhora .
O estudo predileto de José Inácio era o do cate­
cismo . Queria sabê-lo quanto antes para fazer a
primeira comunhão . Suspirava pelo grande dia em
que Jesús viesse pela primeira vez ao seu coração,
sob os véus eucarísticos, para enriquecê-lo com gra­
ças especiais . Formava projetos e planos para a so­
lenidade dêsse dia feliz .

* *

De coração extremamente caridoso, não podia


José Inácio ver pessoas necessitadas sem se apiedar
delas . E' assim que saindo com o pai, ao encontrar
algum mendigo na rua procurava auxiliá-lo, compa­
decendo-se da sorte dessa pobre gente . Tão sensí­
vel era o seu coração ao amor do próximo que se não
podia falar diante do menino sôbre crianças famin­
tas e sem abrigo sem que as lágrimas lhe inundas­
sem os olhos .
Ouvindo a narração da obra dos missionários e
sobretudo da catequese entre os meninos da China,
José Inácio tomou grande interêsse por êsses po-
172 DOM JOAQUIM G. D E LUNA, O. S . B.

brezinhos . Nos últimos mêses da sua curta vida,


empregava em prol das Missões o dinheiro que lhe
davam para doces e brinquedos: "E' para os chinezi­
nhos" - dizia êle . Com o mesmo fim, colecionava
selos usados, papel de estanho, etc . ; queria con­
tribuir, conforme as suas posses, para essa obra tão
meritória . E quantos meninos de famílias ricas
gastam grandes somas atôa, quando podiam tão fa­
cílmente contribuir para suavizar a miséria de tan­
tas crianças, se empregassem ao menos urna parte
dêsse dinheiro em benefício das obras da Santa-In­
fância ou das missões! Quão belo e importante é
para a formação do coração das crianças o serem
desde pequenas ensinadas p�los pais a praticar a ca­
ridade, a compadecer-se da miséria do próximo!
José Inácio fôra educado nessa escola de caridade:
comprazia-se em praticar o bem, em enxugar lágri­
mas, em contribuir com o seu pequeno óbulo para a
felicidade dos chinezinhos .
*

De inteligência perspicaz, era o menino pronto


na resposta, assim como gostava de indagar o por­
que das coisas, deixando ás vezes em dificuldades,
com as suas perguntas, as pessoas interrogadas . Em
seus divertimentos, eram os jogos os brinquedos de
sua preferência, porquanto condiziam mais com seu
temperamento nervoso .
* *
LtRIOS EUCARíSTICOS 1 73

Aos seis anos, começou José Inácio a frequentar


o centro de catecismo dos padres dos Sagrados-Co­
rações, onde ,além de aprender a doutrina, assistia á
missa aos domingos e dias santos e tomava parte nos
jogos e outros brinquedos da petizada . Por ser um
dos primeiros alunos do catecismo e pelo seu bom
comportamento, foi José Inácio admitido na asso­
ciação dos Benjamins. Ao contemplar a fita de as­
sociado, que acabava de receber, disse : "Em breve
receberei a dos Tarcísios", querendo significar com
isto que dentro de pouco tempo faria a primeira
comunhão .

*
* *

Em fins de setembro de 1933, tendo o menino


passado o verão daquele ano fora da cidade, nas
montanhas, respirando o ar puro das alturas, os pais
pensaram que o filhinho estivesse bastante forte
para ,começar os estudos . Matricularam-no, pois, no
Colégio dos Irmãos da Doutrina Cristã . Ao apre­
sentá-lo ao Irmão diretor, disse-lhe o pai: "Aqui está
o meu filho! Espero que façam dêle mais santo do
que sábio" . José Inácio com seus olhos grandes e
vivos observava com muita atenção tudo que se pas­
sava no Colégio, satisfeito com o bom espírito, ordem
e disciplina que aí reinavam . Por sua vez, notaram
também os professores as boas disposições do novo
aluno .
1 74 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

ENFERMIDADE E MORTE DE JOSE' INA'CIO

No dia quinze de outubro ( 1933) , ao voltar da


aula de catecismo, o menino queixava-se de dor de
garganta . Tinha muita febre . Consultado o mé­
-dico, êste foi de parecer que devia José Inácio ser
submetido a uma pequena interver. ção cirúrgica.
Extraídas as amígdalas, sobrevieram-lhe fortes he­
morragias que alarmaram os pais . O menino reco­
nheceu que o seu estado era muito grave e tE've
como que pressentimento de que ia morrer. Entre­
tanto, longe de se preocupar com êsse pensamento,
pelo contrário, causava-lhe até alegria, dizendo com
simplicidade que queria ir para o céu.
Era exemplar a paciência do menino, assim
eomo a sua resignação no suportar as grandes dôres
que lhe causavam os curativos . Abraçava-se forte­
mente com o pai nessas ocasiões e pedia que rezasse
ao Sagrado-Coração . Pedia também que lessem para
êle .ouvir a vida de santos, sobretudo a de S . Tar­
císio, o pequeno mártir da Eucaristia, e dizia querer
morrer como êle, unido a J esús-Hóstia .
O padre diretor do catecismo, a que pertencia
.José Inácio, foi chamado para atender ao pequeno
enfêrmo . O sacerdote reconheceu logo que o seu es­
tado era muito grave e ficou devéras admirado da
resignação do doentinho e do seu desprendirnente
da vida . Dizia o menino ser feliz em deixar êste
mundo para possuir definitivamente Jesús, estar
com Nossa Senhora do Carmo, a Mamãe do céu, e
LíRIOS EUCARíSTICOS li5

�om os santos da sua predileção: S . Tarcisio e S . T�­


rezinha . Um só desej o ainda lhe restava neste
mundo e José Inácio manifestou-o ao sacerdote, ro­
gando-lhe que lho satisfizesse : "Quero fazer a pri­
meira comunhão, e depois de têr recebido Nosso Se­
nhor irei em seguida para o céu" O padre prome­
teu-lhe que êle o faria logo que melhorasse um
pouco; uma vez que cessassem as hemorragias . En­
tretanto, confessou-se com grandes mostras de com­
punção e ficou tranquilo com a esperança de receber
o querido Jesús .
Teve efetivamente uma pequena melhora; mas
pouco depois voltaram de novo- as hemorragias, des­
fazendo a pouca esperança de que o menino se resta­
belecesse . Julgaram, então, que se não devia mais
protelar em conceder a graça tão almEjada por José
Inácio . O menino, em consequência da grande
perda de sangue, estava muito fraco, mas com o es­
pírito lúcido, ansioso por r�ceber a comunhão e de­
pois, unido a Jesús, como S. Tarcísio, voar para o
céu . O sacerdote rezou com êle os atos de fé na pre­
sença real de Jesús na Eucaristia, de esperança e de
amor, e José Inácio recebeu a Hóstia santa, apertou
o querido J esús em seu coração, como S . Tarcísio, e
-ofereceu-se inteiramente ao predileto da sua alma,
pronto a deixar êste mundo quando fôsse do seu di­
vino agrado.
Agravando-se-lhe o mal cada vez mais, o me­
nino foi pouco a pouco perdendo as forças e o sacer­
dote reconhecendo que se aproximava a hora da
176 DOM JOAQUIM G . D E LUNA, O . S . B.

despedida final, apresentou-lhe o crucifixo que


José Inácio beijou com os lábios tintos de sangue,
repetindo as jaculatórias que o padre lhe recitava ao
ouvido : "Jesús, Maria, José, a minha alma vossa é .
Assisti-me n a minha agonia e recebei a minha
alma!" Minutos depois, entrou em agonia e a sua
alma vôou com os anjos para o céu .
Faleceu a 17 de novembro de 1933 . Tinha José
Inácio 8 anos de idade .
XIII

JOSE' RUI PIZZOTTI


(1922-1934)

A dezesseis de outubro de 1922, veio ao mundo na


cidade do Rio Claro, Estado de S . Paulo, a interes­
sante criança que na pia batismal recebeu o nome
tle José Rui .
De olhos vivos, denotava o pequerrucho, desde
logo, inteligência não vulgar . E' assim que aos dois
anos mostrava-se vivaz e com discernimento pouco
comum aos da sua idade .
Sempre alegre e expansivo, gostava de música
e, mais tarde, quando se apresentava ocasião, dansa­
va com prazer e elegância .
Ainda não tinha completado os três anos e j á
manifestava o desejo d e s e tornar u m dia sacerdote .
Idéia que alimentou e se desenvolveu com convicção
em seu espírito até á morte . Gurizinho de três
anos, subia numa cadeira e procurava imitar os sa­
cerdotes no púlpito, pronunciando alocuções in­
teressantes .
Aos oito anos, pedia CÇ>m insistência á mamãe
fazer a primeira comunhão . Ela, porém, achando-o
muito pequeno, não lho queria permitir . José Rui
1 78 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

tanto pediu, tanto rogou e insistiu até que obteve a


licença almej a da .
Preparou-se então com grande piedade para êsse
ato tão santo e tão sublime e, cheio de j úbilo, rece­
beu, pela primeira vez, o querido Jesús em seu co­
ração ardente de amor . Ao voltar para casa, depois
do seu primeiro encontro com Jesús-Hóstia, estava
o menino radiante de júbilo que lhe inundava a
alma . Desde êsse dia, José Rui tornou-se apóstolo
de Jesús-Sacramentado, procurando levar outros me­
ninos ao catecismo e á primeira comunhão . Êle
dava o exemplo . Todos os domingos e dias santos,
recebia com grande fervor o pão dos anjos . A idéia
de se fazer sacerdote para salvar almas tornou-se
também mais forte em seu espírito .
O pai para o experimentar, dizia-lhe : "Então,
você, quer ser padre, quer andar vestido de saia?"
"Sim, papai, respondia com ar grave, vestido de pa­
dre ainda hei-de abençoá-lo" Uma senhora lhe
diz: "José Rui, você diz querer ser padre . Diz isto
agora, mais tarde, porém, quando, aos doze anos,
você conhecer o mundo, abandonará esta idéia . "
Os pais do menino tendo-se mudado para S .
Paulo, pedia José Rui com insistência que o matri­
culassem num colégio, afim de estudar para seguir
a sua vocação sacerdotal . Tempos depois, começou
a frequentar a igreja de S . Francisco . Desde logo
os sacerdotes e as pessoas encarregadas da vigilância
. do templo foram atraídos e edificados com a pie­
dade, distinção e bondade do menino . Convida-
L1RIOS EUCARíSTICOS 1 79

ram-no então para servir ao altar como coroinha .


.José Rui aceitou com prazer o convite que assim o
aproximava de Jesús. Sempre correto e de senti­
mentos nobres, e sobretudo muito piedoso, foi o me­
nino, pouco depois, nomeado chefe dos coroinhas .
Firme no seu propósito de se fazer padre, náo
só os colegas, mas até pessoas crescidas procuravam
demovê-lo dêsse intento . Incomodado, aborrecido
mesmo com isto, disse José Rui: "Mamãe, não direi
mais a ninguem que vou ser padre e peço-lhe que
também não o diga . Estou firme no meu propósi­
to, mas não quero mais ser incomodado por isso . "
Voltando a Rio Claro, quando completara os
doze anos, foi visitar aquela senhora que lhe havia
dito que, ao chegar a essa idade, desistiria da .idéia
de se tornar sacerdote : "Vim relembrar á senhora
- diz triunfante - o que me disse quando eu tinha
oito anos . Já completei os doze e estou ainda mais
firme na minha vocação sacerdotal do que naquela
-ocas1ao . Quero ser padre e frade para consolar os
que sofrem, com o balsamo da fé! Quero ser padre
e frade para salvar as almas ! "
Era j á apóstolo o pequeno . Convidava as pes­
-soas das suas relações para frequentarem os sacra­
mentos da confissão e da eucaristia . Aos meninos.,
aconselhava-os a que fizessem a primeira comu­
nhão . A muitos dêles, vadios e rebeldes, levou-os
.ao catecismo e assim se regeneraram, tornando-se
coroinhas exemplares . A outros que não podiam
:frequentar o catecismo, êle mesmo os ensinava e
180 DOM JOAQUIM G . D E LUNA, O . S . B.

preparava para a primeira comunhão . Estando José


Rui, mais tarde, empregado e não tendo tempo para
os ensinar, marcava no catecismo os pontos que êles
deviam aprender .
Uma noite, passando pela rua com tuna de suas
tias e vendo vários meninos a brincar disse José
Rui: "Titia, pudesse eu levar todos os meninos, que
não conhecem J esús, a fazerem a primeira comu­
nhão ! " E acrescentou pesaroso: "Esta vida passa
tão depressa . E' preferivel que a gente sofra neste
mundo, afim de obter a recompensa no outro . Quan­
tos que sofrem e blasfemam contra Deus! Não sa­
bem êles que aqueles que mais sofrem estão mais per­
to de Nosso Senhor!"

,.

* *

De temperamento expansivo e j ovial, onde quer


que estivesse, comunicava José Rui a alegria aos ou­
tros . Atraía, igualmente, com sua amabilidade, dis­
tinção de maneiras e bondade, a simpatia e a ami­
zade logo ao primeiro contoto com outras pessoas. Foi
assim que os pais do menino adquiriram a amizade·
de muitas famílias .
Estando o pai em dificuldades financeiras, disse·
José Rui: "Papai, não fique triste ; vou procurar tun
emprego para aj udar o senhor" . Tinha o menino­
enze anos . Não lhe foi difícil arranjar colocação �
Uma tarde, entra em casa muito contente e diz a
LíRIOS EUCARíSTICOS 181

sorrir: "Já estou empregado! Posso portanto aju­


dar a papai" .
Não podia José Rui ver ninguém triste ou so­
frer sem procurar aliviá-lo em suas penas ou dissipar­
lhe o véu de tristeza . Dirigia nessas ocasiões pala­
vras de confôrto com tamanha bondade que a pes­
soa ficava encantada com a amabilidade do me­
nino.
Tinha o pai de José Rui um pequeno negócio .
Por circunstâncias particulares o havia fechado e j á
fazia tempo que não obtinha colocação . Andava
por isso preocupado e triste . O pequeno redobra a
dedicação e amabilidade para com o pai . Dirige-lhe
palavras de confôrto e reza, e reza muito e com fer­
vor, afim de que êle obtenha emprêgo .
Na escola, era José Rui amigo de todos . Quan­
do, por acaso, via alguma professora triste, indaga­
va amavelmente a causa . Ela, por resposta, pe­
dia-lhe orações .
Nos dias de carnaval instava com os pais para
que não fôssem a êsses folguedos . E como os não
pudesse dissuadir, pedia-lhes para ficar em casa .
Ia somente por obediência, mas contrafeito .
Certa ocasião, estando a merendar, vê um pobre
com fome . Toma o pedaço de pão e lho dá com
prazer . Tamanha era a caridade do menino que os
indigentes, conhecendo-lhe o coração bondoso, es­
peravam-no nas esquinas das ruas . José Rui leva­
va-os ora á casa paterna, ora á igreja de S . Fran­
cisco . E os pobres saíam satisfeitos por terem re-
182 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

cebido, com o alimento do corpo, palavras de ani­


mação e amizade do menino .
Quando a vovó ia lavar a casa ou fazer outros
trabalhos pesados, José Rui não o permitia . �le
.se encarregava de os fazer . Do mesmo modo, nã()
permitia que a mamãe, quando voltava do merca­
do, levasse a cesta pesada para casa . Era êle quem
a carregava .

MORTE DE JOSE' RUI

Estando José Rui com o apêndice inflamado e


a sofrer dôres atrozes, os médicos acharam que era
necessária uma intervenção cirúrgica . A família,
porém, receando que sobreviesse alguma complica­
ção depois, se opunha a ü,to.
O patrão do menino, que o estimava muito,
mandou vir dois médicos a seu escritório, onde José
Rui trabalhava . �les, depois de rigoroso exame,
foram de opinião que o pequeno devia ser operado
quanto antes . Para isto era mister interná-lo na
Santa Casa .
Antes de ir para o hospital, José Rui foi á igre­
j a de S . Francisco, onde era coroinha, e tendo-se
oonfessado disse a Frei Z , seu confessor : "Frei
. . .

Z . , é esta a minha última confissão, pois sei que


. .

vou morrer" Palavras que impressionaram o bom


padre franciscano, pois o estado do menino não ins­
pirava receio .
A quinze de maio de 1934, José Rui ingressou
na Santa Casa . Ao despedir-se, distribuía santi-
LíRIOS EUCARíSTICOS 1 8 3.

Bhos a todos da família . A mamãe que o acampa·


nhava lhe disse : "Meu filho, tua mãe vai ficar mui·
to triste por te deixar sózinho no hospital" .
- E' verdade, mamãe, a senhora vai ficar mais
triste do que eu . E continuou a andar alegre e sor·
ridente . Ao entrar na Santa Casa, dirigiu-se ás re­
ligiosas, pedindo-lhes a bênção . Desde logo atraíu
a atenção e simpatía de todos pelas suas maneiras
rlelicadas e bondosas .
Na manhã em que foi operado, contou aos pais
o sonho que tivéra á noite : Sonhára que seu caixão
saíra de casa e que se abrira, e dêle saíra uma pom­
ba branca que voára para o céu . "E o engraçado,
diz êle sorrindo, é que esta pomba era eu mesmo . "
Operado no dia 16, José Rui sentia-se muito
bem e todos esperavam que dentro de poucos dias o
menino voltasse restabelecido para casa .
Sempre alegre e j ovial, José Rui comunicava a
su a alegria e felicidade aos outros . Assim, duran­
te os oito dias que esteve na Santa Casa, tornou-se
amigo de todos . Ainda mais: era exemplar na pie­
dade, na obediência ao regime do hospital, na con­
formidade á vontade de Deus . Jamais se queixou .
Pelo contrário, estava satisfeito com tudo . Encan­
tava a todos com a sua bondade alegre e comuni­
cativa . A cinco meninos, também internados na
Santa Casa, convenceu-os com palavras bondosas,
da necessidade de 1'azerem a primeira comunhão, o
que êles prometeram .
Ao padre capelão disse que havia feito um pe-
1 84 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

dido a Nosso Senhor, e era que a não ser sacerdote


neste mundo o fizesse um anjo, levando-o para
o céu . .
No dia anterior ao da sua morte, vinte e dois de
maio, José Rui sentiu-se mal. Pediu ás religiosas
que chamassem a sua familia. Ao chegarem os pais,
disse-lhes êle: "Tenho muita pena de vocês, mas Je­
sús já me avisou que vou morrer e no céu serei com­
panheiro de Gui" Como os pais chorassem, o meni­
no os consolou, e dirigindo-se a sua mãe : "Que mãe
feliz é a senhora, mamãe, em dar um filho de doze
anos a Jesús! Mamãe, eu não poderei ajudar a se­
nhora aqui no mundo, aj udá-la-ei, porém, no céu! "
N o dia seguinte, pediu a comunhão, que lhe foi
dada em viático. Recebeu também a extrema-unção
e a bênção papal, com indulgência plenária. José
Rui recebeu os últimos sacramentos com grande
piedade. Foi êle quem recitou o confiteor e respon­
deu ás orações do Ritual . Tamanha a sua conformi­
dade e. entrega completa nas mãos de Deus que até
poucos momentos antes de expirar era êle quem
consolava os pais e as pessoas amigas que choravam
ao lado do seu leito!
Os médicos, as irmãs enfermeiras, todo o pes­
soal da Santa Casa estavam admirados de tanta fôr­
ça de vontade, tanta fé e desprendimento em um
r.nenino de doze anos !
,
No meio de dores atrozes, José Rui sorria e pe­
dia aos outros que sorrissem. Aos pais que chora­
vam, diz: "Não quero que ninguém chore á minha
LíRIOS EUCARíSTICOS 185

morte . Mamãe. ainda não sorriu . Sorria porque a


senhora é muito feliz! Sorria, papai! As lágrimas me
fazem sofrer. Peço que todos, em vez de chorar, sor­
riam."
E não ficava sati�feito enquanto não os via
sorrir.
Quando as dores eram muito fortes, pedia que
todos rezassem. tle recitava então jaculatórias :
"''Meu Jesús, misericórdia! . . . Meu Jesús, eu vos
.amo! . . . Sofro muito, mas vós sofrestes ainda mais
por mim ! " .
Em dado momento, chama o pai: quer falar-lhe
€m particular. "Papai, quero fazer-lhe um pedido.
() senhor promete fazer o que lhe peço ?" Depois de
têr resposta afirmativa, diz José Rui: "E' que eu
morra ou não, o senhor se confesse".
O pai do menino, estando já há algum tempo
afastado da prática dos sacramentos, cumpriu de­
pois a promessa feita ao filhinho moribundo, con­
fessando-se e comungando.
Aproximava-se, no entanto, a hora derradeira
dêsse menino privilegiado . tle conservava sempre
<> mesmo espírito de fé, de conformidade com a von­
tade de Deus e até de alegria.
Pede ao sacerdote o crucifixo . Beij a-o com amor
várias vezes. Ao ver a mamãe com um crucifixo nas
mãos, reconhece-o e diz ao padre capelão : "Senhor
padre, quero morrer com aquele crucifixo que mi:..
nha prima, religiosa, mandara benzer com a indul­
gência plenária na hora da morte".
186 DOM JOAQUIM G. DE LUNA , O. S. B.

Sentindo que era chegado o momento de deixar


êste mundo, José Rui pede que o deitem no chão.
"Ponham-me no chão! Quero morrer no chão! " In­
terrogado por que motivo, respondeu : "É o último­
sacrifício que ofereço a Deus".
Depois pediu que os pais e a irmãzinha colocas­
sem as mãos em sua cabeça e sôbre o :peito. Com(}
êles não compreendessem o que o menino queria,
José Rui toma as mãos de cada um e as coloca em
seu corpo, em forma de cruz, e pergunta : "Sabem·
o que significa isto ?" Como ninguém respondesse,.
diz êle : 1!: a cruz. Eu vos abenÇôo em nome do Pa­
dr...., do Filho e do Espírito Santo".
Quando o relógio dava sete horas da noite, José·
Rui fixou seus olhos belos e puros em seus pais e·
pediu-lhes que o beijassem. Em seguida tomou o­
crucifixo e beijou-o cinco vezes. Momentos depois,
disse: "Jesús, Maria José, minha alma vossa é ! " E"
com um doce sorriso entregou a alma a Deus.
Eram sete horas e alguns minutos da noite de-
23 de maio de 1934.
Tinha José Rui onze anos e oito mêses.
No dia seguinte, cedinho ainda, foi o corpo dO>
piedoso menino levado para a casa paterna. Gran­
de foi o acompanhamento e muitas as visitas, duran­
te o dia todo, ao corpo do pequeno.
O seu entêrro teve grande concorrência .
Eram unânimes os elogios ás virtudes e á bondade­
do menino.
XIV

JOSÉ ACúRCIO DE QUEIROZ MANTA


( 1925-1934)

Mais um lírio eucarístico no jardim da santa


Igreja, em nossa patria !
Nasceu o menino José Acúrcio na cidade de
São Felix, Estado da Baía, a vinte e nove de maio
!3e 1925. A sua vida foi breve, apenas de nove anos,
mas rica em virtudes e belos exemplos de piedade.
Desde pequenino, começou a amar a Deus, a di­
rigir os olhinhos para o alto e a invocar o Papai do
céu.
De temperamento vivo, era irrequieto e brinca­
Jhão. Gostava de indagar o porque das coisas, de
discutir, de emitir a sua opinião ; mas sempre o fa­
zia com delicadeza t. bondade. Comprazia-se tam­
bém em ouvir histórias edificantes, sobretudo as
narrações da História Sagrada, assim como de atos
de abnegação, de sacrifícios e de amor filial. Não
gostava, porém, de histórias inventadas, como his­
tórias da carochinha, etc. Era amante da verdade.

• •

Aos seis anos, José Acúrcio fez a primeira co-


188 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

munhão. Foi um dia de festa para a sua alma. Com


transportes de júbilo aproximou-se da mesa santa
e, entre os queridos pais, que participaram igual­
mente do banquete eucarístico, o menino recebeu
em seu coração pela primeira vez Jesús..-Hóstia. Ao
voltar para casa, nesse dia feliz, disse o menino, re­
ferindo-se á sua primeiril comunhão : "Mamãe, eu
hei de dar frutos". Desde então, teve sempre grande
amor a Jesús Sacramentado. Eram para José Acúr­
cio os dias mais felizes aqueles em que podia rece­
ber em seu coração, inocente e puro, o querido
Jesús.
Comungava frequentemente; mas o seu desejo
era comungar todos os dias : "Mamãe, mamãe, deixa­
me comungar diàriamente - rog� José Acúrcio a
sua mãe que, por motivos de saúde do filhinho,
lhe havia limitado os dias de comunhão.
No entanto, o menino não se conforma, neste
particular, com a decisão da mamãe e apela para
a vovó : "Deixe-me, mãe .Alice, comungar todos os
dias!"
- Não, filhinho, você é ainda muito pequeno. e
fraquinho e, tendo que ir ao colégio, ficaria cansado.
- Mas, mãe Alice, leve-me aqui á igreja, que
está pertinho!
- Sua mãe não o quer, filho .
- E ela não é sua filha? ! A senhora é também
:minha mãe, pode, portanto, fazer o que quiser co­
miio!
Era de ver a piedade do menino quaz:�.do se apro-
LíRIOS EUCARíSTICOS 189

ximava da mesa da comunhão ! Edificava, assim, as


pessoas que o contemplavam, com a sua atitude pie­
dosa : muitos pediam que rezasse por êles .
- Mamãe - inquire José Acúrcio - depois da
comunhão, Jesús fica muito tempo conosco?
- Uns quinze minutos, filho, enquanto não se
alteram as sagradas espécies.
- Pois, Jesús hoje ficará comigo o dia todo .
Tinha José Acúrcio por hábito recitar a miúdo
orações jac ulatórias. Como lhe perguntassem : "Onde
você acha tempo para tantas jaculatórias? - "Que
me custa ? - respondeu - recito-as quando vou para
a aula e quando vamos á capela". Muitas vezes fôra
visto apertando o coração e a repetir : "Sagrado Co­
ração de Jesús, eu vos amo!" Uma das religiosas do
Asilo, sua professora, lhe havia ensinado a recitar
e têrço em jaculatórias, dizendo em vez da Ave-Ma­
ria e do Padre-Nosso : "Meu Jesús, misericórdia"
eu então : "Doce Coração de Jesús, fazei que eu vos
ame cada vez mais'�. E José Acúrcio achava as suas
delícias em recitar estas belas invocações, que são
ricas em indulgências.
Tendo recebido o livrinho "Jesús Amigo das
Crianças", comprazia-se em lê-lo . Certo dia, contem­
plando uma estampa do livro, que representava Je­
sús rodeado de crianças, perguntou : "Mamãe, qual
d.êstes sou eu aqui ?" Como a boa senhora lhe indi­
easse um pequeno que estava por detrás, todo enco­
lhídinho, José Acúrcio protesta : "Não, mamãe, eu
sou êste que está abraçado com Jesús ! "
1 90 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

Era José Acúrcio franco e leal. Quando por aca­


so quebrava um objeto ou cometia qualquer falta, di­
zia com simplicidade : "Sim, fui eu" . Era também mui­
to carinhoso com os pais, com as suas mestras, com
as irmãzinhas, se bem que com estas ás vezes bri­
gasse, como é natural entre crianças. Tinha parti­
cular predileção pela irmãzinha menor .
No dia aniversário natalício da mamãe, costumava
Qferecer-lhe um presentezinho como lembrança. Uma
vez disse á sua mãe: "Hoje é o dia onomástico da Irmã
Superiora do Asilo (onde êle estudava) , vou co­
mungar em sua intenção". E não sómente esta vez,
mas sempre no dia aniversário de seus pais ou de
suas professoras oferecia a comunhão por intenção
dêles. Possuía o menino um coração generoso: acha­
va prazer em fazer o bem.
Pertencia José Acúrsio a várias associações
pias : membro do Apostolado da Oração, trazia com
prazer a fita de associado. Fazia também parte da
Pi� União do Trânsito de S. José. No dia da primei­
ra comunhão, recebeu o escapulário de Nossa Se­
nhora do Carmo, a quem dedicou sempre particular
devoção .
Em seu quarto de dormir, tinha J osé Acúrcio ao
lado da cama um pequeno oratório, onde fazia as suas
-<>rações . Gostava também de ornar com flores o altar
da capela do Colégio.
Costumava rezar diàriamente o mistério do Sa­
grado Coração de Jesús, com o respectivo oferecimen­
to, os Padres-Nossos e Ave-Marias a nossa Senhora
LíRIOS EUCARíSTICOS 191

do Carmo, os atos d e fé, esperança e caridade, ato


de contrição e consagração a Nossa Senhora e ao
Anjo da Guarda.

ASPIRAÇAO AO SACERDóCIO

Amante de Jesús-Hóstia, Acurcinho queria ser


sacerdote para se dar inteiramente a Jesús ; para
pertencer só a êle e poder assim atrair outros para
.Jesús. Repetia muitas vêzes : "Quero ser padre".
Ainda poucos mêses antes de sua morte, como lhe
perguntassem que vocação desejava seguir, o me­
nino sorri e diz: "Já sabem, por que perguntam? ! "
Tinhá grande prazer em ajudar aos sacerdotes
nos atos do seu ministério. Assim, um dia chegou a
casa contentissimo por têr acompanhado o padre na
administração dos santos sacramentos a um enfêr­
rno. Comprazia-se igualmente em exercer o ofício de
coroinha na santa missa, na bênção do Santissimo,
ou em tirar esmola para obras pias. E quando os ou­
tros meninos zombavam dêle por causa das suas
vestes e funções de coroinha, dizia com seriedade:
••Faço isto pelo amor de Deus".

CARIDADE DE JOSÉ ACúRCIO

Era o piedoso menino amigo dos pobres. Rece­


bendo da mamãe, quando ia á escola, níqueis para
comprar doces, ao encontrar algum pobre, êle os dava
de -esmola. Um dia a irmãzinha, que não tinha o
192 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

mesmo espírito de abnegação, ao voltarem os dois


a casa, revela á mamãe a caridade do irmão : "Ma­
mãe, Acurcinho, em vez de comprar doces, deu o di­
nheiro de esmola _a um pobre. Eu é que não faria
isto!" Outra ocasião, José Acúrcio indaga da vovó :
"Mãe Alice, si eu pedisse quinhentos réis para mim
e os desse aos pabres, quem faria a esmola, a se­
nhora ou eu?"
- Você, filhinho!
-Então, dê-me quinhentos réis para os pobres
do Asilo.
Sendo de temperamento tímido, dejxou-se bater
na rua, um dia, por alguns colegas insolentes. Ao
chegar a casa, nada disse do ocorrido aos pais . A
mamãe, no entanto, vindo-o a saber por meio de ou­
tras pessoas, ficou grandemente contrariada e abor­
recida com os tais meninos. José Acúrcio, pelo con­
trário, os desculpou diante da mamãe, sem conser­
var q menor rancor. contra êles.
Na escola, os colegas tiravam-lhes, ás vezes, la­
pis, ·canetas, etc. José Acúrcio não os reclamava. Li­
mitava-se a pedir outros em casa. A mamãe lhe diz
que proteste contra tal maneira de proceder dos seus
colegas. O menino, porém, os escusa dizendo: "Eu
não os vi tirar, mamãe, pode ser que os tenha per­
tiido".
Certa vez em colóquio com a vovó, José Acúr­
cio diz: "Ora, mamãe Alice, a caridade não consis­
te só em dar esmola, a senhora bem o sabe! Por
exemplo, cái um lapis ou um objeto qualquer, eu o
LíRIOS EUCARíSTICOS 1 93

apanho e lho enutrego ; ou quando um colega não


tem caneca ou tinta e eu lho empresto : tudo isto são
atos de caridade".
Frequentando José Acurcio a escola com a irmã­
zinha, um dia foi o menino castigado e, ao voltar
para casa, a irmãzinha o denunciou á mamãe ; sen­
do, porém, ela castigada várias vezes, José Acúrcio
nada dizia á mamãe, afim de que a irmãzinha não
fbsse repreendida.
Quando em desavença com as irmãzinhas, bas­
tava que a vovó lhe dissesse : "Então, Acurcinho,
está a brigar com as irmãzinhas, hein ?" �le corria
logo a abraçá-las e lhes cedia o objeto que havia
motivado a briga . A êsse espírito de caridade, José
Acúrcio aliava o espírito de mortificação : reprimia
es ímpetos de cólera quando ofendido por outros me­
ninos e procturava desculpá-los. Queria também fa­
zer mortificações corporais: nos dias da semana san­
ta insistia com sua niãe para j ejuar como os outros,
sendo êle criança de poucos anos.

AMOR A VIRTUDE DA PUREZA

É a santa pureza a virtude que nos faz seme­


Utantes aos anjos. Deus tem grande predileção
pelas almas puras. Assim, os nossos corações devem
ser tabernáculos santos e puros para que Deus ache
as suas complacências em habitar em nossas almas .
Quão precioso é o tesouro da santa pureza! É
espetáculo grandioso diante de Deus e dos anjos, •
1 94 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

ver jovens conservarem o frescor de sua inocência


em meio de tantos escolhos e perigos ! Para conser­
var e desenvolver esta virtude é preciso que êles
fujam das ocasiões inúmeras que podem embaciar
a pureza de seus corações. Faz-se mister evitarem
as más companhias, as más leituras, os máus cine­
mas . E' necessário que alimentem o fogo sagrado, em
seus corações, de uma terna devoção a Nossa Senho­
ra, a Virgem das virgens ; um acendrado amor a
Jesús-Hóstia ,o Pão dos anjos que germina virgens, e
que tenham o espírito de mortificação, sobretudo da
mortificação interna, das divagações da imaginação
e da curiosidade. São estas as principais salvaguar­
das da santa virtude da pureza.
José Acúrcio tinha amor instintivo a esta vir­
tude. Desde pequenino, não permitia que emprega­
dos ou pessoas estranhas o levassem ao banho, as­
sim como não deixava que outros o despissem, a
não ser a mamãe ou a vovó, Relutava em vestir cal­
ças curtas; só o fazia por obediência, mas constran­
gido. Gostava muito do circo e de cinema; mas só
de fitas boas e edificantes, como a da Paixão do Se­
nhor, a qual assistia sempre que era representada.
Já a sabia de cor . Detestava, porém, como dizia êle, as
fitas de namôro e de beijos. Em seus brinquedos,
não admitia a companhia de meninas, a não ser a
das irmãzinhas .

MORTE DE JOSÉ ACúRClO

No dia onze de abril d� 1924, José Acúrcio Man-


LÍRIOS EUCARÍSTICOS 195

ta, em conversa á mesa, após o jantar, disse: Ma­


mãe, para que eu aprender piano? Acho que não
passarei deste ano ! " Como estas palavras impressio­
nassem a boa senhora, o menino acrescentou logo
para tranquilizá-la : "Mamãe, não faça caso do que
-eu disse".
Teria José Acúrcío o pressentimento de que ia
morrer em breve ? O fato é que a vinte e dois de
junho seguinte o menino adoeceu, agravando-se-lhe
o mal três dias depois . José Acúrcio sofria horrivel­
mente de forte dispnéia e ardia em febre . O médico
constatou que êle tinha pneumonia e que o seu es­
tado era grave. Era, no entanto, edificante a resig­
nação do menino e a paciência com que suportava,
não só a angustia e a aflição que o mal lhe causava
mas também o tratamento com repetidas compressas,
aplicações de ventosas, etc. Uma noite, estando em
grande aflição, disse: "Maezinha, não posso mais! "
Horas depois: "Mãezinha, vou morrer! "
No dia vinte e oito, prevendo que s e aproxima­
_
va o termo da sua vida neste mundo José Acúrcio.
beijou a mamãe e chamou o pai e lhe disse: "Papai,
mande chamar o padre!" Perdendo pouco depois os
.sentidos, o sacerdote deu-lhe a absolvição e a extre­
ma-unção. Tendo voltado a si, mas já com düicul­
-dade em falar, pediu por acenos a fita de membro do
Apostolado da Oração, que lhe fôra colocada ao pes­
coço.
Várias vezes fôra visto a olhar para cima, a
sorrir. Outras vezes perguntava: "Que moça é esta
1 96 DOM JOAQUIM G . D E LUNA, O. S. B.

que está aí ?" As seis horas qa tarde do dia trinta


beijou o pai e apertou a mão das pessoas presentes.
Era a despedida de José Acúrcio dos entes queridos
n�ste mundo. Entretanto, a mamãe rezava no quar­
to vizinho, suplical}do a Deus pelo fillmho Minutos
depois, o menino entrou em agonia e pelas set':! ho­
ras exalou o último suspiro. Antes de morrer, invo­
cou ainda S. Margarida Maria.
·Faleceu, pois, José Acúrcio a trinta de junho
de 1934, aos nove anos e um mês de idade. Grande
tlevoto do Coração de Jesús, foi chamado por Deus
�o último dia do mês dedicado á devoção do Sa­
grado Coração e invocando S. Margarida Maria, a
confidente do Coração Santo .

* *

"Mamãe, eu darei frutos", disse José Acúrcio


no dia feli� de seu primeiro encontro com Jesús­
Hóstia. A sua vida foi breve, f: verdade, apenas de
n ove anos, mas deu os frutos prometidos. São êles
os exemplos de uma vida edificante, sobretudo de
um entranhado amor a Jesús-Sacramentado. E de­
pois da sua morte, José Acúrcio ainda continúa a
dar frutos: sáo as graças copiosas que tem obtido
àe Deus em favor daqueles que invocam com fé e
confiança a sua intercessão j unto ao trono do Altís­
simo . Muitos, pois, tem sido os favores extraordiná­
rios alcançados de Deus por meio do piedoso me­
tlino.
XV

MARINA PORTUGAL
( 1923-1934)

Quem foi Marina Portugal? Uma menina priVI­


legiada que durante a curta existência de onze anos
neste mundo, teve dez de intenso sofrer. Entretan­
to, fôra privilegiada com graças especiais com que
o divino Espírito Santo lhe ornara a alma durante
a vida e, depois de se alar com os anjos para o céu,
tem obtido de Deus bênçãos copiosas para aqueles
que pedem, confiantes, a sua intercessão junto ao tro­
no do Altissimo.
Uma pessoa amiga da familia de Marina, que
'
conhecia de perto essa interessante criança, escreveu
uns apontamentos sôbre a mesma, dos quais cita­
mos alguns trechos nestes dados biográficos. De co­
mêço, diz ela: "Ha três dias desaparecera Marina,
aquela florzinha singela, que, se foi anjo de carida­
de e de bondade, foi santa de energia, de piedade
t de resignação nas dores que sofreu e que não f0-
ram poucas ; pois, em sua vida de onze primaveras,
teve verdadeiramente que suportar dez de inverne
:dgoroso.
"Que foi a sua vida?
"Nascida em lar aprimorado na ternura e ne
198 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

11conchego das afeições mais' fundas, entre mimos e


carícias que a rodeavam, possuía tudo que a pode­
ria tornar extremamente ditosa, desde o confôrto­
rnaterial, que, sem dúvida, contribúe para a alegria
d<• lar, até a veneração dos pais e avós, e o carinho
dedicado de quantos a conheciam.
"Tudo lhe sorria . Porém, ao completar o seu
primeiro ano de vida, achou-a o Senhor, que é bom
e justo, digna de carregar uma cruz bem pesada.
destinando-a a uma alta missão : a do sofrimento.
"Desde então começou a criança a definhar, su­
portando com Nosso Senhor cruel suplício de uma
sêde atroz que se não deixava mitigar de forma al­
guma: sua vozinha angustiada de instante a instan­
tE! repetia : uá . . . uá!
"E não era só o seu estado doentio a maltratá­
la: as repetidas injeções e a dureza do tratamento
que se devia sujeitar aquele organismo débil de
criança de um ano, eram causa de novos tormentos .
Marina aceitava tudo sem relutância, sem se quei­
xar, como sóem fazer as crianças em semelhantes
ocasiões".
Debalde foram empregados todos os recursos da
11iência médica aliados aos carinhos e desvelos dos.
angustiados pais. E devemos saber que o pai de Ma­
rina é médico distintíssimo e de grande nomeada
em S. Paulo. Deus Nosso Senhor tinha outras vistas
sôbre esta criança. Queria associá-la aos seus sofri­
mentos e assim fazê-la instrumento de conversões
de muitas almas.
LíRIOS EUCARíSTICOS 199

"Foi tudo e m vão - continuam os apontamen­


tos a que nos temos referido acima. Passaram-se os
anos; o seu tormento, porém, não passou. Nunca
mais se equilibrou perfeita a sua saúde. Entre al­
ternativas, ora melhor ora piór, chegou ás vezes ás
portas da morte, donde resultava que cada vez mais
se enfraquecia aquele já débil organismo.

"E êsse corpo frágil e pequenino - porquanto


devido ao seu estado enfermiço pouco se desenvolve­
ra - constantemente sob o império de graves per­
mrbações mórbidas, contra tudo que se poderia pre­
ver e esperar, na mais patente contradição com as
leis da ciência, era habitação de um espírito singu­
larmente enérgico, profundamente vibrante e mes­
mo jovial.
"Outro fato ainda mais surpreendente - conti­
núam os apontamentos - nessa criança predestina­
da. O meio em que ela vivia era absolutamente ateu.
Os pais, principalmente a sua carinho�a mãe, con­
fessavam falta de fé e descrença religiosa. A ama
que a embalava era apenas crente, mas sem a prá­
tica de religião. No entanto, essa mimosa criança,
Marina, era j á, aos cinco anos de idade, urna alma
fervorosa.
"É possível que ela tenha encontrado quem lhe
revelasse a existência de Papai do céu : quem lhe en­
sinasse as orações do Padre-Nosso e Ave-Maria,_ pos­
to que sua mãe confesse não saber quem seria êsse
alguem. Entretanto, para incutir piedade assim tão
200 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

profunda em criança de tão verdes anos, é preciso


confessar que não era isto bastante" .

* *

Afirmam os pais de Marina que ela dizia têr


aprendido as orações em sonho, quando dormia. É
verdadeiramente caso extraordinário o dessa pe­
quenita . Um conjunto de circunstâncias fora do co­
mum, não só durante a sua vida, mas sobretudo de­
pois de têr ela deixado êste mundo, envolve a per­
sonalidade dessa menina que podemos dizer : "hic
est digitus Dei" . Sim, a graça divina é tôda poderosa
para operar fatos que parecem impossíveis ao or­
gulho humano.
Um dia pediu Marina : "Mamãe, eu quero uma
cruz com Nosso Senhor pregado nela". Até entãe
não havia no lar paterno nenhuma imagem de saa­
to, nem sequer um crucifixo. Tendo recebido uma
imagem de Sta. Terezinha, estava uma ocasião a
contemplá-la em fervorosa prece quando de repente
exclama, como fora de si e radiante:
- "Mamãe, mamãe! S. Terezinha sorriu para
mim ! "
- "Não digas tolices, Marina ! "
- "Mamãe, e u não minto! e u vi ! S. Terezinha
"Sorriu mostrando os dentinhos brancos." Tinha a
menina nessa ocasião cinco anos.
Desde então, Marina teve especial devoção pela
.santinha das rosas e comprazia-se em ler a sua vida.
LíRIOS EUCARíSTICOS 201

Tempos depois ela indaga : ''Mamãe, por que será


que S. Terezinha não sorriu mais para mim?" Mais
tarde, tendo já maior compreensão, como lhe per­
funtassem se a santinha não lhe havia sorrido de
novo, responde prontamente: "E não basta uma
vez?"
Devemos saber que Marina não conhecia até
.então a vida desta santa para quem Nossa Senhora
havia também sorrido. Além disso, era a menina,
apesar de doentinha e FOuco desenvolvida física­
mente, muito equilibrada em seu modo de pensar.
Franca, leal, jámais fôra apanhada em mentira. Pelo
t'ontrário, tinha verdadeiro horror a êsse vício. Se
alguém dissesse alguma inverdade, ainda que em pro­
veito da menina e da qual ela tivesse conhecimento,
protestava imediatamente: "Não! não foi assim ! " Era
«�.miga incondicional da verdade.
*

* *

Dentro dêsse corpinho frágil e enfermiço ani­


nhava-se um espírito forte, inteligente e de muite
bom senso. Tinha Marina grande fôrça de vontade e
raciocinava com acêrto de pessoa crescida e de juiz•
bem equilibrado. Resoluta, nada fazia com precipi­
tação . Ao contrário das crianças de sua idade, des­
conhecia o medo. Ficando sozinha, tanto de dia come
ee noite, estava tranquila . A' noite, estando as luzes
apagadas subia ao andar superior da casa, para
procurar algum objeto ou para se recolher ao seu
202 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

c;uarto, sem o menor temor. De sentimentos nobres.


devendo certa vez sofrer penoso tratamento por mé­
dico que não era de sua convivência, foi-lhe pro­
posta a substituição por um de sua intimidade. Ma­
r]na depois de refletir um pouco, hesitou em aceitá­
lo, ponderando: "Mas o outro pode ficar sentido" .
Era delicada em suas maneiras, bondosa para
com todos, dedicada aos irmãozinhos e mui carinho­
sa para com os pais. Esta:r..do a mamãe, certa vez.
de cama com forte dor de cabeça, chegou-se Marina
amavelmente a ela com uma estampa de Santa Te­
rezinha, colocou-a sôbre o peito de sua mãe, entre as.
vestes, dizendo: "E' para você nunca mais têr dor de
l·abeça". Tinha grande amor ás flores ; gostava dos
bichinhos, sobrE;!tudo dum cãozinho, um belo lulú�
que se afeiçoara grandemente á menina.
Como tôdas as almas puras, tinha grande recato�
Não mudava de vestidinho dian�e de outras pessoas�
nem mesmo do irmãozinho menor.
Alma de artista, de inteligência lúcida e pers­
picaz, dotada de ótima memória, Marina gostava de
ler e aprendia com facilidade. Por si mesma apren­
dera a recitar poesias e o fazia com grande espon­
taneidade e muita distinção, de modo que era prazer
C'UVi-la.
Miudinha e delicada no físico, côr de cera, em
consequência da terrível moléstia que a martirizava
desde o dia de seu primeiro aniversário, a menina
ao interpretar uma poesia transfigurava-se. Seu
�emblante calmo e desfigurado animava-se de re-
LíRIOS EUCARíSTICOS 203

pente e com voz forte e expressiva, acompanhada


de gestos adequados, declamava com tal expressão
c encanto que ficavam verdadeiramente admirados
aqueles que a ouviam . Escolhia, ela mesma, as poe-
5ias que queria recitar. Apenas perguntava a signi­
ficação de uma ou de outra expressão que não com­
preendia, afim de interpretá-las e dar-lhes o timbre
de voz e gestos adequados.
Uma feita, recitando a poesia "A Cruz" de Fa­
gundes Varela, na casa dos pais, em presença do
:õaüdoso Martins Fontes, êste ficou tão comovido�
que, com os olhos em lágrimas e de j oelhos, abra­
çou a pequenita, exclamando : "Mas você entende o
que diz ? ! Onde aprendeu, você minha filha, a I eci­
tar assim?" Dias depois, receberam os pais de lVIa­
rina um livro de poesias de Martins Fontes, em que
o autor relembra esta cena com as seguintes pala­
vras: "Em lembrança do deslumbramento que a Ma­
rjna me causou".
O que distinguia de modo particular esta crian­
ça era a sua resignação nos sofrimentos. Como j á
vimos, desde um ano d e idade ela fôra pi'Ovada no
crisol dos sofrimentos . Jamais se queixara de seu
penar. Como Jesús, levava a sua cruz inteiramente
n•signada; e para que tivesse diante dos olhos o
exemplo do divino Mestre, pede a mamãe que lhe
riê uma cruz com Jesús pendente dela, com as mãos
e os pés traspassados pelos cravos . Várias vezes
fôra surpreendida fechada em seu quartinho, ajoe­
lhada, de mãos postas, em fervorosa prece. De uma
204: DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

feita, como lhe perguntasse a ama porque fechava


1:1 porta do quarto para rezar, respondeu: "É porque
1namãe não acredita".
Quando saía á cidade com a mamãe, pedia-lhe
C!Ue a levase á Igreja . Era J esús que atraía assim
a sua pequena serva, e Marina:, c01-respondendo ás
inspirações da graça, entregava-se inteiramente ao
querido de sua alma. Daí lhe veio um ardente de­
!>ejo de fazer a primeira comunhão; de receber em
seu coração inocente e puro Aquele que é a fonte
de tôda a santidade . Mas, como filha carinhosa, quer
que a mamãe participe de sua felicidade: "Por que
i!, mamãe, que você não fez a primeira comunhão?"
Tendo recebido uma resposta evasiva, acrescenta:
"Já sei ; vovôzinho não quís, não é? Mas depois de
<:rescida, depois de casada, não pode fazê-la?"
- Sim, filhinha! Você quer ,que a mamãe co­
mungue com você?
- Quero, sim! responde Marina com grande
satisfação.
- Pois no dia de sua primeira comunhão, ma­
mãe fará também a comunhão com a filhinha.
Comprazia-se Marina já com o antegozo dêsse
-dia feliz. E com que fervor se preparava para se
<�presentar ao banquete eucarístico, no dia da sua
primeira comunhão! Receber Jesús para tomar
posse plena de seu coração, para enriquecê-la com
n ovas graças, novas forças para levar a sua cruz
cem êle! E ainda maior era a sua felicidade, a sua
�legria, por têr a promessa da mamãe de comparti-
LíRIOS EUCARíSTICOS 205

lhar com a filhinha do banquete eudarístico. En­


tretanto, a menina não teve êsse prazer. Marcado
por ela mesma o dia trinta de setembro, festa de S .
'l'erezinha, para a sua primeira comunhão, Nosso
Senhor a chamou a si no dia doze do mesmo mês
para a comunhão eterna no céu.
*

* *

Entre outros fatos extraordinários da vida des­


sa menina há um que impressionára vivamente os
pais. Dera-se poucos mêses antes da sua morte. Es­
tava Marina junto a uma mixiriqueira do j ardim
da casa paterna. O pai que já várias vezes havia
fotografado a filhinha aproveitou a ocas1ao para
retratá-la de novo ao pé daquela arvore. A menina
tinha no momento uma pequena boneca na mão es­
�uerda sôbre o peito. Revelada a chapa, qual não
iôra a surpresa da mãe ao ver no peito da criança
um coração bem distinto, encimado por chama·
como é representado o Coração de Jesús ! Da peque
lla boneca quasi não se via nada, mas o que apare­
<'ia bem nítido era um coração. A mamãe com es­
panto mostra a fotografia a Marina, tendo dela, cc.;m
a maior naturalidade, por resposta : "Você não vê
que é milagre!" Devemos ainda notar que essa fo­
tografia fôra tirada por mero acaso no dia 17 de
maio, aniversário da canonização de Santa Terezi­
llha, de quem Marina era grande devota.
Se essa menina fôra extraordinária durante a
206 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

vida; mais extraordinária ainda tem sido após a sua


rnorte, pelas muitas graças que tem obtido. Graças
de curas miraculosas e graças de conversões de pes­
soas cultas, a começar pelos próprios pais. A mamãe
de Marina é hoje católica praticante, assim como vá­
rias outras pessoas, relacionadas com a familia da
menina, as quais antes não tinham fé, são hoje in­
teiramente crentes, devido á influencia dessa criança.

Os pais entronizaram o Sagrado- Coração em


casa, que conserva bem viva a lembrança de Mari­
na. Podemos dizer que a menina vive em cada can­
to do lar paterno. A cada passo vêem-se fotografias
de Marina, de vários tamanho�, nos salões. O mais
impressionante, porém, é o quarto de dormir de Ma­
rina. Lá está a caminha da pequenita onde ela ofe­
recia a Jesús as suas penas, presa a êsse leito como
.Jesús sofrera preso á Cruz. Grande parte de sua
vida passara nessa cama a sofrer com Jesús . Foi tam­
bém nessa caminha que, a dormir, aprendia em so­
· nhos, como confessara ela, as orações. Foi, portan­
to, aí que Marina aprendera amar a Jesús, o grande
é!migo das crianças!

Tudo no quarto de dormir de Marina se con­


serva como no tempo dela em vida. A cabeceira
da cama, estão as imagens do Sagrado-Coração, de
Santa Terezinha, a santinha de sua grande devoção,
e outros santos. Ao lado, está o altarzinho com ima­
gens do Sagrado-Coração, Santa Terezinha e outras
estampas de santos e um crucüixo, que pessoa ami-
LtRIOS EUCARíSTICOS 207

ga lhe oferecera, entre dois castiçais com velas que


a menina acendia quando fazia as suas orações. No
guarda-roupa, os vcstidinhos que ela usava. Aquí e
alí, vários brinquedos de que a menina se servia para
se distraír; entrl!! êlcs a pequena boneca que tinha
na mão no momento de ser fotografada junto á mi­
xiriqueira.
Muitas são as pessoas que vão visitar o quar­
to de Marina, vúrias delas desconhecidas da famí­
lia da menina. Vão agradecer favores recebidos
por sua intercessão . Assim, os pais já têm regis­
trado para mais de 60 casos de graças especiais
obtidas por intermcdio de Marina. Graças de curas
extraordinárias em pessoas que em vão tinham em­
pregado todos os meios da ciência médica, e graças
de conversões nos meios inteletuais inteiramente
descrentes.
Não raro recebem os pais telefonemas de pes­
soas desconhecidas que indagam o lugar da sepul­
tura de Marina, afim de pedirem a sua intercessão
ou agradecerem-lhe favorP.s recebidos . É o caso de
rE-petir com o salmista : Mirabilis Deus in sanctis
suis. É Deus verdadeiramente admiravel em seus
santos! Como se serve até de crianças para derra­
mar as bênçãos da sua bondade, da sua misericór­
dia, ás suas criaturas! Como se serve de instrumen­
tos tão humildes para abater o orgulho humano!
Para abrir os olhos a muitos que até então não en­
xergavam a verdade ! Marina é um dêsses instru­
mentos nas mãos de Deus!
208 DOM JOAQUIM G. DE LUNA, O. S. B.

O interessante é que êsses favores recebidos por


1ntercessão de Marina foram várias vezes manifes­
tados num ambiente embalsamado de forte odor de
jasmim. Era a menina em vida muito amante das
flores e depois de sua morte derrama as graças em­
'klalsamadas em jasmim. Como S. Terezinha é a san­
tinha das rosas, é Marina a mimosa dos jasmins .

• *

Se a curta existência de Marina neste mundo


fôra, desde o primeiro ano, com pequenos interva­
los, um contínuo sofrer, os últimos mêses que pre­
cederam a sua morte foram dum verdadeiro martí­
'
rio . Várias crises de tetania generalizada tortura­
vam cada vez mais aquele organismo, já tão débil e
�ngustiado. Depois dessas crises, estava a menina
com os membros lassos e doloridos. No entanto,
conservava o moral sempre alto. Abatia-se o físico,
aquele corpinho miúdo e delicado, mas o seu espí­
rito varonil enfrentava os golpes cruéis da moléstia
sempre com calma e resignação. A essas crises so­
Brevieram outras provações. Tendo apanhado uma
gripe, seguiri-se-lhe uma série de hemorragias na­
sais com muita perda de sangue. Marina sofria tudo
Eem uma queixa, sem um gemido, sem uma lágrima :
nnia a sua cruz á cruz de Jesús; oferecia a Deus o
�eu penar.
Dois mêses antes de se alar com os anjos para
e céu, Marina teve ainda a dor de perder o vovô, a
LfRIOS EUCARíSTICOS 209

quem muito queria . Como procurassem ocultar êsse


golpe á doentinha, ela, perspicaz que era, compre­
endeu logo do que se tratava. Curtiu a sua mágua
resig:{lada e silenciosa; mas foi dor profunda que lhe
abriu nova c!J,aga no coração. Durante o dia todo
derramou muitas lágrimas, mas em silêncio, ao con­
trário das outras crianças de sua idade que, depois
de chorar e gritar por alguns minutos, foram em se­
guida brincar, já consoladas com o pensamento que
o vovô estava em paz.

MORTE DE MARINA

A dez de setembro ( 1934) , teve Marina a últi­


ma crise de tetania que a pôs em grande prostação .
As quarenta horas, que ainda lhe restavam de vida,
foram de intenso sofrer ; sofrimento constante que
cruciava horrivelmente a menina. No âia onze, pe­
las 18 horas, Marina, apesar das convulsões que con­
tinuavam desde a vespera e de intensa dispepsia,
rnostrou-se muito alegre. A uma brincadeira do pai,
1 i u-se muito, e estendendo-lhe os bracinhos, aper­
tou-o e beijou-o por duas vezes, fazendo o mesmo á
mamãe, num transbordamento de afeto. Depois, pe­
diu o cãozinho, o seu querido "lbis", e abraçou-o
também com grande ternura. Foi a despedida de
Marina dos entes mais queridos neste mundo .
Pela madrugada do dia doze, ainda acariciou a ma­
mãe e abraçou-a, mas j á sem poder falar . Perdendo
pouco a pouco, depois, os sentidos, porém sempre cal-
210 DOM JOAQUIM G . DE LUNA, O. S. B.

ma e como se estivesse a dormir, a sua alma inocen­


te e pura desprendeu-se dê�se corpinho, que fôra
i LStrumento de sua santificação pelos dez anos de
sofrimentos dos onze que passará neste mundo, e
voou para o céu onde foi receber a recompensa que
Deus tem reservado para aqueles que em vida car­
regam a sua cruz em união com o Divino Salvador.
Faleceu Marina ás onze horas e quinze minutos
do dia doze de setembro de 1934. Tinha onze anos
e um mês, menos um dia.

• •

Um ano após á morte de Marina uma pessoa


amiga da família dedicara a essa angélica criança
o seguinte soneto:

A MARINA
Transplantada que foste tenra ainda
Para as plagas da Luz e da Verdade,
Ao clarão celestial da Eternidade
Desabrochas, emfim, mimosa e linda.

Tens agora a existência que não finda,


Vivendo inda entre nós pela saudade,
E ao lembrar-me de ti minh'alma invade
Um encanto subtil, magia infinda!

Ao sofrer com paciência e com brandura


Teu exemplo, criança, nos ensina,
Pois venceste na dor e na amargura .
LÍRIOS EUCARÍSTICOS 21 1

Se servir de anjo bom foi a tua sina,


- Glorifica ao Senhor um'alma pura -
Roga a Deus lá nos céus por nós, Marina !
*
* *

Os restos mortais dessa piedosa criança acham­


�e sepultados no Cemitério da Consolação, São Pau­
lo, quadra 54, sepultura 57.
Muitas e extraordinárias têm sido as graças obti­
das por sua intercessão .

U. I. O. G. D.

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t 83 9

M P R e: s s o

N A S

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RUA DOM GERARDO, 84

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