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Um panorama Histórico
a partir do Porto de Santos
São Paulo
2018
Arquitetura Militar:
um panorama histórico
a partir do Porto de Santos
Sumário
Capítulo i
ARQUITETURA MILITAR:
Textos DA “CORTINA VERTICAL” À “CORTINA VIRTUAL”.................................15
Victor Hugo Mori A “cortina vertical” e a neurobalística..............................................................17
Projeto Gráfico, Capa e Editoração A “cortina Horizontal” e a Pirobalística...........................................................20
Guen Yokoyama Vauban e o sistema de defesa territorial: “a Cortina Rasante”.....................24
A “Cortina invisível” e a Artilharia Raiada.....................................................26
A “Cortina virtual” e o fim do capítulo
da história da arquitetura militar......................................................................27
2018
Capítulo ii
A EVOLUÇÃO DA ARTILHARIA...................................................................29
Introdução.............................................................................................................31
A artilharia experimental e o início da colonização do Brasil......................33
O progresso da artilharia lisa no período colonial ........................................39
O “Tratado de Artilharia” luso-brasileiro
do engenheiro Alpoim de 1744..........................................................................43
Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1825, de 20/12/1997)
A época da artilharia raiada...............................................................................45
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Capítulo iii Capítulo vii
AS FORTIFICAÇÕES COLONIAIS NO BRASIL ....................................... 49 AS FORTIFICAÇÕES DA ENTRADA DO CANAL DA BARRA
Introdução.............................................................................................................51 GRANDE: FORTALEZA DE SANTO AMARO DA BARRA GRANDE
A primeira etapa..................................................................................................56 E FORTIM DO GÓES FORTE DO CRASTO OU DA ESTACADA ........125
A segunda etapa...................................................................................................62 Séculos xvi e xvii................................................................................................127
A terceira etapa.....................................................................................................67 Séculos xviii e xix..............................................................................................140
A quarta etapa......................................................................................................72 “Último relatório do Comando da Fortaleza.................................................158
da Barra de Santos de 1º/01/1904”................................................................159
Capítulo iv A História do Restauro nas obras
MAPA DAS FORTIFICAÇÕES DA BAIXADA SANTISTA.........................77 da Fortaleza da Barra Grande..........................................................................160
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Arquitetura Militar
Capítulo x Esse trabalho é dedicado a duas pessoas especiais na história da preserva-
AS FORTIFICAÇÕES DESAPARECIDAS DO CANAL ção do patrimônio no Brasil, recentemente falecidas. Tive o privilégio de ter
DE SÃO SEBASTIÃO.......................................................................................213 sido amigo e aluno informal desses dois mestres, tão diferentes entre si. Um
A Proteção do Porto de São Sebastião............................................................215 muito jovem, arquiteto e professor da fau-usp, o outro, um velho militar dos
quadros da engenharia do Exército Nacional. O que os unia era a paixão
Linha do Tempo comum pela preservação da memória nacional.
PANORAMA HISTÓRICO SÃO PAULO/BRASIL/GERAL.................... 221 O jovem Antonio Luiz Dias de Andrade, a quem o Dr. Lúcio Costa carinho-
samente acrescentava um pronome possessivo "o nosso Janjão", fez sua trin-
cheira de luta no iphan. O velho Coronel Reginaldo Moreira de Miranda,
fez seu baluarte dentro do Arquivo Histórico do Exército. Muito antes do
arquiteto Antonio Luiz iniciar seu aprendizado no iphan, o historiador
Miranda já era um colaborador assíduo de Luís Saia e o ajudou, inclusive,
nos momentos difíceis de sua vida particular como um amigo fraterno.
Parte dos documentos aqui reproduzi-
dos foram frutos de seu trabalho
durante os anos em que serviu no
Arquivo do Exército como Capitão.
O início dos estudos objetivando a res-
tauração das Fortificações da Baixada
Santista, em 1989, levou o jovem Anto-
nio Luiz, então diretor do iphan-sp, a
convocar o velho soldado Miranda
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Arquitetura Militar
para mais essa luta. Nessa batalha de dez anos, em que atuei como coadju- Nota à presente edição
vante e aluno, acumularam-se sobre as mesas centenas de anotações, docu-
mentos, fotografias e desenhos. O "nosso Janjão" queria que eu os transfor- ULTIMA RATIO REGIS
masse em uma Tese de Mestrado sob a sua orientação. O "nosso coronel
Miranda" sonhava com uma grande exposição sobre a engenharia militar Victor Hugo Mori, com muita imaginação, sabedoria e simplicidade, trans-
nos fortes restaurados da Baixada fere ao público não especializado e aos estudantes em geral, conhecimentos
Santista. inestimáveis sobre a complexa evolução da Arquitetura Militar, desde os
O resultado, porém, foi modesto. primórdios da neurobalística até o advento da "guerra nas estrelas". Toma
Nem uma inovadora tese nem tam- como linha narrativa as fortificações do Porto de Santos, para nos conduzir
pouco, uma grande exposição. A à formação histórica da nossa nacionalidade.
importância desse catálogo reside no A pesquisa histórica estabelece um paralelo entre o troar dos canhões e os dife-
tênue lampejo dos ensinamentos rentes sistemas defensivos arquitetados, ao longo dos últimos séculos, sob a
transmitidos pelo jovem arquiteto e forma de fortalezas, fortes, fortins, redutos, baterias e baluartes. Para tanto, Vic-
pelo velho coronel. tor Hugo contou com a colaboração do professor Carlos A. C. Lemos, um dos
mais importantes estudiosos da arquitetura brasileira, e do historiador Adler
Homero F. de Castro, renomado pesquisador da História Militar.
Victor Hugo Mori Até meados do século xx, a Arquitetura Militar oferecia um poderoso invó-
lucro de proteção contra os projéteis de artilharia que cruzavam os espaços
vazios entre forças antagônicas, num campo de batalha. Hoje, os projéteis
cruzam o espaço aéreo, lançados a partir de posições virtuais momentâneas
em perseguição a objetos também fugazes. A Artilharia libertou-se progres-
sivamente dos invólucros arquitetônicos construídos sob a forma de "corti-
Coronel Reginaldo Miranda nas fortificadas", verticais, rasantes, horizontais e invisíveis, submersas ou
no Forte São Luiz aflorantes, deixando porém, de pé ou em ruínas, um acervo patrimonial de
inestimável valor cultural.
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Arquitetura Militar
A Artilharia, conhecida no mundo desde os primórdios da civilização, evoluiu Apresentação
do arco e flecha à catapulta medieval, do canhão de alma lisa ao míssil conti-
nental, sideral, espacial, que transporta ogivas de poder atômico. Nos últimos
séculos, o canhão – último argumento dos reis – troava sob o controle das forças
em teatro de operações militares. No momento, o imaginário desloca-se para a Escolher a publicação de um livro demanda agilidade em avaliar o que de
"guerra nas estrelas", onde vetores balísticos podem atingir qualquer lugar, dis- fato ele oferece como divulgador de cultura, expansão de conhecimentos,
parados sob a chancela do chefe de Estado. A Artilharia, torna-se assim, instru- que lado de uma questão ele vem tornar claro ou reavaliar. Conteúdo bom
mento de um poder avassalador, libertando-se do invólucro da arquitetura em história, ciência ou memória é o que muitas vezes se apresenta em textos
militar que a acompanhou até o século passado. que pretendem tornar-se livros, mas é preciso pôr algo mais na escolha ou
Algumas fortalezas centenárias ainda permanecem de pé, desafiando o aceitação de publicar. Que escolher, visto que, no geral, o autor se ampara
tempo, as intempéries e as agressões humanas. Muito se deve aos profissio- na confiança sem abalos de que seu trabalho é o melhor, talvez até um
nais do iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que achado literário ou científico?
não medem esforços para preservá-las. Apenas para exemplificar a importância desta publicação, podemos afirmar
Victor Hugo Mori, como arquiteto do iphan, foi o responsável pelas obras de que o capítulo "A Organização Militar na Capitania de São Vicente nos Pri-
restauração dos mais antigos e mais importantes monumentos arquitetônico- meiros Séculos", assinado por Victor Hugo Mori, é um substancial acréscimo
militares do Estado de São Paulo: o Forte São João da Bertioga, erguido a partir ao que até agora se escreveu sobre São Vicente, região fundamental na histó-
de 1553, e a Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, edificada a partir de ria de São Paulo e na do Brasil, assim também o capítulo viii: "O Sistema de
1583. Atualmente, como voluntário, o arquiteto empenha-se na restauração do Proteção da Vila de Santos: Forte de Monserrate, Forte de Itapema," e vários
complexo arquitetônico da Fortaleza de Itaipu, na Praia Grande – SP, que abri- outros cujo relato chega ao século xx.
ga a última bateria "invisível" de artilharia construída no Brasil. Só me resta desejar que Arquitetura Militar cumpra a sua função como
livro, abrindo caminhos que levam o homem à consciência do que ele ver-
Ao amigo, que prossiga trilhando o seu caminho do dever. dadeiramente representa neste planeta.
Elcio Rogerio Secomandi - Coronel de Artilharia R/1
Fundação Cultural Exército Brasileiro Sérgio Kobayashi
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Arquitetura Militar
Arquitetura Militar:
da “Cortina Vertical”
à “Cortina Virtual”
A
té o fim da Idade Média,
as guerras eram travadas
com a utilização de arma-
mentos com pouco poder de des-
truição. As armas de arremesso
eram de alcance restrito e precisão
máxima de 50 metros. Os confron-
tos entre as tropas rivais eram,
portanto, à curta distância, e cha-
mados de “combates de contato”.
Foi a era da artilharia mecânica,
conforme veremos no capítulo
seguinte.
A época em que se utilizavam
essas armas primitivas, como o arco-
-e-flecha, a besta e a catapulta, foi
denominada na história militar de:
Castelo de São Miguel em Guimarães (Portugal). A torre central foi construída no século x
pela condessa Munadona. Foi residência de D, Afonso Henriques e considerado o “Berço da período da neurobalística (ciência Combate de contato na Idade Média Viollet
Nacionalidade Portuguesa”. que estuda a impulsão de projéteis, Le Duc
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Arquitetura Militar: da “Cortina Vertical” à “Cortina Virtual”
Castelo de
Chillon na Suiça
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Arquitetura Militar Arquitetura Militar: da “Cortina Vertical” à “Cortina Virtual”
A “CORTINA HORIZONTAL” E A PIROBALÍSTICA riências dentro desses piso inferior. O Castelo
novos princípios, na Itá- da Mina, no Golfo da
A partir do século xv, com o desenvolvimento da pirobalística lia. O mesmo Sangallo Guiné, construído em
(ciência que estuda a impulsão de projéteis através da explosão em 1492 havia aplicado 1482 ainda com influên-
da pólvora), a prática do “combate de contato” começava a perder os baluartes angulares cia da tradição medie-
importância nas guerras. na modernização do Nau de Nicolau Coelho val, é considerado a pri-
Castelo de Santo Ânge- Lisuarte de Abreu meira fortificação por-
A
nova artilharia, composta equipada com artilharia de fogo – lo, em Roma. tuguesa nos trópicos.
de canhões e bombardas, uma verdadeira fortaleza móvel de A Torre de Belém, em Lisboa, As plantas poligonais ou circula-
era capaz de destruir um ataque e defesa1. concluída em 1519 por Francisco res das fortificações medievais
sítio fortificado a distância. A época da pirobalística exigia Arruda, pode ser vista como o para- foram, paulatinamente, sendo subs-
Diante desta nova realidade, o uma nova arquitetura militar, alon- digma do “período de transição” tituídas pela forma de estrela de
sistema da “cortina vertical” pas- gada e de pouca altura: a “cortina entre o sistema medieval e o siste- múltiplas pontas – os baluartes
sou a ser estratégicamente inconve- horizontal”. ma renascentista, ao conjugar num angulares. As estreitas passagens
niente, pois no “combate à distân- Neste período de grande eferves- mesmo projeto a torre de menagem dos arqueiros sobre os muros
cia”, quanto mais alta a construção, cência cultural (Renascimento), os e o baluarte de três faces provido de medievais deram lugar às amplas
mais exposta estaria à mira dos arquitetos italianos, através dos estu- guaritas nos ângulos, com a plata- “plataformas de armas” para as
canhões. Por outro lado, a adapta- dos da resistência dos materiais, da forma superior e canhoneiras no manobras da artilharia. As mura-
ção das cortinas elevadas em plata- balística e da geometria, criaram a
formas de canhões diminuía a pre- forma ideal desta nova arquitetura
cisão da artilharia defensiva, for- militar: a “fortaleza abaluartada”.
çando “os tiros de mergulhão”. O Castelo Farnese, em Caprarola,
No reinado de D. João II (1481- de planta poligonal com baluartes
1495), consolidou-se o poderio béli- pentagonais nos vértices, desenha-
co de Portugal, com a fabricação do em 1515 por Antônio Sangallo e
intensiva de “bocas-de-fogo” e da Peruzzi, e concluído por Jacopo Vig-
criação da “nau” com três mastros nola, revelava as primeiras expe-
Castelo da Mina no Golfo da Guiné (1482) – primeira fortificação portuguesa nos trópicos Castelo Farnese em Caprarola, de 1515. Surgimento de baluartes pentagonais nos vértices
Franz Post da torre P.J. Mariette
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Arquitetura Militar Arquitetura Militar: da “Cortina Vertical” à “Cortina Virtual”
Tour de la Guinette do século XII Viollet Le Duc
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Arquitetura Militar Arquitetura Militar: da “Cortina Vertical” à “Cortina Virtual”
VAUBAN E O SISTEMA DE DEFESA TERRITORIAL:
“A CORTINA RASANTE”
A partir do século xvii, o engenheiro militar Sébastien le Prestre
de Vauban, Marechal do Rei Luís xiv, transformou a tradicional
fortaleza abaluartada num complexo sistema de defesa territorial.
V
auban considerava a “praça partir da praça-forte, configurando
fortificada” apenas como uma “cortina rasante”, quase con-
um instrumento tático ele- fundindo-se visualmente com o per-
mentar, componente de uma estra- fil horizontal do terreno.
tégia global de defesa. Esse novo sistema implicava a
Até mesmo o modesto baluar- necessidade de alto grau de
te angular renascentista, foi especialização, diversificação
transformado num complexo e profissionalização do corpo Planta de Neuf-Brisach (acima)
projeto geométrico poligonal, militar. A seqüência de ele- Planta de Lille, cidade fortificada
por Vauban (dir.)
composto por múltiplos ele- mentos arquitetônicos de
mentos defensivos: fossos, defesa, permitia tanto o aban-
tenalhas, revelins, hornarveques, dono das posições fronteiras com o um período em que a mobilidade
meias-luas, glacis, etc. recuo paulatino até a praça forte, das tropas superou a formação geo-
As formas distribuíam-se numa como o avanço das tropas a partir do métrica da guerra tradicional.
seqüência de cortes e aterros, partes núcleo fortificado, conforme nos As idéias de Vauban se difundi-
enterradas e outras semi-aflorantes, ensinou o historiador militar cel. ram com a publicação dos seus Tra-
com distribuição rádio-concêntrica a Reginaldo Moreira de Miranda. Foi tados em 1704 e 1706, e através das
atividades de seus seguidores. As
cidades de Toulon e de Neuf Brisa-
ch na França, fortificadas por
Vauban e Nardeen, na Holanda são,
exemplos desse sistema.
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Arquitetura Militar Arquitetura Militar: da “Cortina Vertical” à “Cortina Virtual”
A “CORTINA INVISÍVEL” A “CORTINA VIRTUAL” E O FIM DO CAPÍTULO
E A ARTILHARIA RAIADA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA MILITAR
A partir de meados do século xix, com o desenvolvimento O fracasso da "Linha Maginot" em 1940, o surgimento dos
da “artilharia raiada” e da criação do torpedo “obus”, foguetes v-2 e a explosão da bomba atômica em Hiroshima em
o sistema de fortificações abaluartadas tornou-se obsoleto. 1945, encerraram o capítulo da história das fortificações.
O O
alcance quilométrico dos da “cortina vertical” da idade atual e moderno sistema res, buscam se adaptar a novos pro-
projéteis explosivos, a preci- média, reduzido a partir do Renas- de proteção da costa pau- gramas sociais. São documentos da
são dos disparos e o grande cimento na geometria acachapada lista com lançadores história e da arte que as gerações
poder de destruição desta artilharia, da “cortina horizontal”, desapare- móveis de foguetes “Astros II”, ao futuras têm o direito de conhecer e
permitiu concentrar em poucas bate- ceu nesta nova configuração arqui- dispensar a posição fixa das antigas se reconhecer.
rias todo o complexo de fortificações tetônica: a “cortina invisível”. fortalezas e o invólucro da arquite- A defesa do Porto de Santos
criado pelo sistema Vauban. A construção da “Linha Maginot” tura, configura um novo sistema: a representa um retrato resumido
As novas fortalezas foram proje- pela França entre 1930 e 1936 para “cortina virtual”. dessa história da arquitetura mili-
tadas em subterrâneos ou protegi- assegurar a proteção da fronteira As fortificações, que sempre se tar. Do primitivo Forte da Bertioga
das por cortinas blindadas, camu- leste voltada para a Alemanha, foi a caracterizaram como “construções construído para o “combate de con-
fladas na paisagem. O uso do aero- maior obra subterrânea dentro funcionalistas” por excelência, hoje tato” contra os índios, ainda dentro
plano para fins bélicos acentuou a deste princípio militar. Ela de nada esvaziadas de suas funções milita- dos princípios medievais da neuro-
necessidade de se procurar, cada serviu contra o ataque das tropas balística, passando pelo complexo
vez mais, a proteção do subsolo. alemãs em 1940, que partiu pela sistema de defesa projetado por
A arquitetura militar perdeu defi- fronteira norte e ocupou a França. João Massé em Santos, até as arqui-
nitivamente seu caráter simbólico A Fortaleza de Itaipu na Praia teturas subterrâneas e “invisíveis”
de domínio e presença do poder na Grande e o Forte dos Andradas das fortificações de Itaipu e dos
paisagem ao se ocultar e se proteger no Guarujá podem ser incluídos Andradas, cinco séculos de história
nos relevos naturais. O simbolismo nesse estilo. subsistem.
Imagem do lançador de
foguetes Astros II,
chamado de
“fortaleza móvel”
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Arquitetura Militar Arquitetura Militar: da “Cortina Vertical” à “Cortina Virtual”
Notas
1 Moreira, Rafael. "Caravelas e Baluartes" in "A Arquitetura Militar na Expansão Portuguesa".
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Porto, 1994, p. 85.
2 Moreira Rafael. "Fortalezas do Renascimento". Op.cit., p. 129 – O autor neste texto cita Sir
John Hale: O "Estilo Internacional" por excelência do Renascimento foi o da arquitetura militar,
e o seu módulo o baluarte angular".
A Evolução
da Artilharia
28
Arquitetura Militar
INTRODUÇÃO
Os primeiros armamentos criados para a defesa e a caça, eram
de madeira, ossos e pedras impulsionados pela força humana.
Uma grande inovação aconteceu ainda na pré-história, com a
invenção de engenhos de arremesso, como o arco-e-flecha e a
funda. Foi o início da história da artilharia.
A
palavra artilharia, do fran- vra engin, era sinônimo de máquina
cês artillerie tem sua origem de guerra, e sua variante “enge-
etimológica mais aceita nheiro”, significava quem construía
pelos especialistas, nos termos lati- esses armamentos. Assim, desde as
nos Ars Telorum (arte das armas) e suas origens, a arquitetura militar, a
Artilum cujo radical significa “enge- tecnologia das armas e a ciência do
nho”, do francês engin. Aliás, a pala- combate são interdependentes,
Artilharia de assédio
protegida por
cortina de faxina
Guillaume Le Blond
31
A Evolução da Artilharia
umas influenciando outras ao longo de das bocas-de-fogo de alma lisa, A ARTILHARIA EXPERIMENTAL
dos séculos. são deficientes e imponderáveis, e o E O INÍCIO DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
Como vimos no capítulo anterior, “efeito moral” causado pelo estron-
a história da artilharia pode ser divi- do e pelas chamas, supera o real As primitivas bombardas eram construídas com barras de ferro
dida em três grandes partes: poder de destruição. Esse período forjado longitudinais, presas por anéis metálicos à semelhança do
1) Período da neurobalística ou vai do início das primeiras bocas- processo de tanoaria (construção de tonéis de madeira). Segundo
da artilharia mecânica (engenhos de-fogo do século XIII até a primeira Portela F. Alves, “a precisão era deplorável e o alcance não
que impulsionam os projéteis pela metade do século XVI – tempo em ultrapassava o da artilharia neurotona” (cerca de 400 m), e “era
força elástica produzida pela torção que as armas de pólvora ainda con- considerada notável quando podia dar vinte tiros sem arrebentar”.2
ou flexão de cordas ou por outro sis- viveram com as armas mecânicas.1
tema mecânico como o de contra b) da artilharia de alma lisa:
D.
peso), que vai da pré-história até o quando as primitivas bombardas Afonso V utilizou esses arma- começaram a surgir nas tropas por-
fim da Idade Média. evoluíram para os canhões de alma mentos na Batalha de Alcácer tuguesas, ainda convivendo com as
2) Período da pirobalística ou lisa, de bronze ou ferro fundido, que Seguer (Marrocos) em 1458. bombardas de anéis de ferro, espa-
da artilharia de fogo (engenhos disparam projéteis metálicos esféri- Porém, foi na Tomada de Arzila, em das, lanças e balestras. As quatro
que impulsionam os projéteis pela cos. Essa época, que vai da primeira 1471, que algumas peças de bronze tapeçarias que retratam a Tomada
explosão da pólvora), que vai do fim metade do século XVI até meados do
da Idade Média até a Segunda Guer- século XIX, coincide em parte com o
ra Mundial. período da colonização do Brasil
3) Período dos mísseis, que vai pelos portugueses.
da eclosão da Segunda Guerra até c) da artilharia raiada: quando o
os dias de hoje. raiamento das almas dos canhões, o
No caso do nosso estudo sobre a aperfeiçoamento do sistema de
arquitetura militar paulista, interes- retrocarga, e a criação do projétil
sa-nos, sobretudo, o período da piro- explosivo de forma ogival, propi-
balística, que, grosso modo, pode- ciam à artilharia, precisão, alcance
mos subdividi-lo em três épocas: quilométrico e grande poder des-
a) da artilharia experimental: trutivo. Esse período vai de meados
quando a precisão, o alcance, o do século XIX até a Segunda Guerra
poder de destruição e a durabilida- Mundial.
32 33
Arquitetura Militar A Evolução da Artilharia
Página anterior: “Tomada de Arzila” (1471).
Detalhe da tapeçaria existente na cidade
de Pastrana (Espanha), retratando os feitos
portugueses em Tânger, executada em
Flandres.
mos citar as Michelettes que hoje se ferro fundido. Houve, também, expe-
encontram em Mont Saint-Michel, riências no sentido de se construir
a Dulle Griet, de fabricação holan- canhões com carregamento pela O exemplo do Castelo de Edimburgo
desa, com um metro de diâmetro e culatra (retrocarga), aperfeiçoou-se a A construção do Castelo de Edimburgo iniciou-se no século XII sobre uma
comprimento de cinco metros, e a fundição de projéteis esféricos, subs- elevação vulcânica. Em 1449, o Duque de Burgundy mandou construir na
célebre Mons Meg (Monster- tituindo as pedras lavradas, e difun- cidade de Mons a famosa “bombarda gigante” – Mons Meg – como presen-
Margherite), construída em 1449, diu-se o uso dos “munhões” que te para o seu sobrinho Jaime II, rei da Escócia. No ano de 1497 esse canhão
que serviu por anos à proteção do controlavam a pontaria. foi levado para o Castelo de Edimburgo. A partir de 1570 começaram as
Castelo Real de Edimburgo, onde Quando os primeiros portugueses adaptações para modificar o velho sistema de defesa medieval do castelo. Foi
ainda permanece com seus 6.600 chegaram ao Brasil, os indígenas construído o baluarte renascentista em “meia-lua” no lado leste. Nos séculos
que se seguiram, o complexo medieval foi contornado por cortinas, baterias
de canhões e baluartes.
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Arquitetura Militar A Evolução da Artilharia
Desenho de 1611, reproduzido por C. Lechuga
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Arquitetura Militar A Evolução da Artilharia
empregados em Portugal eram: O PROGRESSO DA ARTILHARIA LISA
• Colubrina ou colubreta: peça NO PERÍODO COLONIAL
de bronze de grande comprimento e
grande alcance. A pirobalística ganhou impulso com o Imperador Carlos v,
• Passavolante: pequena colu- depois da vitória em Pavia (1525) sobre Francisco i.
brina. Carlos V também ordenou a normalização dos calibres, disciplinou
• Falcão: peça de bronze de ante- os tipos de artilharia e estabeleceu, inclusive, a composição do
carga equivalente ao calibre 3 (peso bronze (92 partes de cobre para oito de estanho).
do projétil em libra). A descrição do
A
Tipos de canhões antigos documento de São Vicente sugere artilharia imperial foi com- “ao introduzir a bala no tubo, o artilhei-
ser aquele falcão de retrocarga. posta pelas seguintes peças: ro fará o sinal da cruz na boca da peça e
aparelhados, uma arroba de polvora de • Falconete: semelhante e menor o canhão (33 libras e 4 rogará a assistência de Santa Bárbara”.6
espingarda, e vinte espadas com suas que o falcão. onças), a grande colubrina (15 libras Com a abdicação de Carlos V em
bainhas”; tudo isso somado às armas • Bombarda (grossa e miúda): o e 2 onças), a colubrina bastarda (7 1555, o vasto império dos Habsbur-
“que já estavam de Sua Alteza na dita termo bombarda foi inicialmente libras e 2 onças), a colubrina média gos foi subdividido entre seu irmão
Capitania de São Vicente, a saber um empregado nas primeiras bocas-de- (2 libras), o falcão (1 libra e 1 onça) e Fernando, que ficou com o título de
falcão outro de metal, duas camaras para fogo de ferro forjado semelhante ao o falconete (14 onças). A Ordenança Imperador Germânico, e seu filho
ele, vinte pelouros para ele, seis meio morteiro, posteriormente foi aplica- de Carlos V de 1554, prescrevia que Felipe II, que herdou o reino da
berços de metal, dezoito camaras, vinte do genericamente a inúmeros tipos
pelouros, um quintal mais de polvora de de canhões.
bombarda, trinta espadas guarnecidas, • Esmeril: peça pouco maior que o
tudo avaliado em duzentos, quarenta, e falconete.
seis mil, e oitenta, e oito reis”, a serem • Berço: artilharia curta e de
pagos das rendas do donatário Mar- pequeno calibre de retrocarga.
tim Afonso de Souza.5 • Meio-berço: semelhante e menor
Não havia nessa época nenhuma que o berço.
Carlos V,
normalização das bocas-de-fogo. • Pedreiro: tipo de bombarda retratado por Ticiano
Existiam grandes variedades de destinado a lançar projéteis de
calibres, tipos e formatos, com pedra, posteriormente essa deno-
denominações diversas, freqüente- minação foi empregada para o
mente utilizando nomenclaturas canhão-pedreiro da artilharia de
de animais. Os modelos mais D. Manuel I.
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Arquitetura Militar A Evolução da Artilharia
Espanha, grande morteiro de “tiro bate, e foi o Marechal de Luís XIV,
parte da atual Itália, curvo” utilizado Sébastien le Prestre de Vauban, quem
Borgonha, Países nessa época para melhor sistematizou na arquitetura a
Baixos e as posses- atingir alvos ocul- complexidade desse sistema.
sões nas Índias e no tos por cortinas ou Em 1732, Jean F. Vallière por
Novo Mundo. A afundar navios, não ordem de Luís XV estruturou a
partir de 1580, com a possuía precisão e fabricação da artilharia francesa.
morte de D. Henri- funcionava em fun- Vallière estabeleceu proporções de
que em Portugal, ção do acaso e das espessura e peso das peças, dimen-
que não deixou des- tentativas. A balísti- sões dos projéteis e carga de pól-
cendentes diretos, Felipe II de Espanha –
ca ainda desconhe- vora, fixou os calibres e redese-
Felipe II, cuja mãe Felipe I de Portugal, cia a ação da gravi- nhou os reparos (carretame) para
retratado por Rubens
Isabel era filha de D. dade e a resistência facilitar os deslocamentos. Com
Manuel I, assumiu o trono português do ar, fundamentais para o cálculo Artilharia de Vallière (1735) pequenas variações, o “Sistema
com o título de Felipe I. Toda a Amé- da trajetória curvilínea. Durante o Vallière” transformou-se em
rica ficou unificada até 1640. reinado de Felipe II, o mais impor- Trinta Anos, suprimiu as pesadas norma internacional, difundido
Grande parte da atual Itália tam- tante engenheiro militar espano-ita- armaduras dos soldados e, utilizan- em inúmeros países fabricantes de
bém pertencia à Espanha ou estava liano na América era Giovanni Batis- do o binômio artilharia-infantaria boca-de-fogo. Na Inglaterra, a pri-
sob protetorado do Império dos ta Antonelli, patriarca de uma famí- com canhões de pequeno calibre, meira uniformização de material
Habsburgo. Daí, saíram inúmeros lia que adotou o mesmo ofício. Os transformou o conceito de mobilida- bélico foi feita pelo Cel. Bogard, de
arquitetos, engenheiros militares e Antonelli introduziram na arquite- de em fator determinante nas guer- 1716 à 1719, que foi posteriormen-
matemáticos para trabalhar na corte tura do novo mundo, o sistema de ras. Foi o fim das formações geomé- te reformulada por Armstrong a
de Felipe II, que havia sido governa- plataformas de armas escalonadas, tricas das tropas, substituídas pelas partir de 1727.7
dor da região milanesa antes da abdi- que permitia à artilharia de defesa, movimentações e combinações táti- Outra inovação no século XVIII foi
cação de seu pai. Esses especialistas lançar tiros rasantes (trajetória cas. A arquitetura militar teve que o emprego regular do “obus”, um
“espano-italianos”, transformaram os tensa) e mergulhantes (trajetória acompanhar esse novo tipo de com- canhão mais curto, de tiro curvo,
arcaicos sistemas defensivos existen- inclinada) contra os navios inimi-
tes no novo mundo, introduzindo os gos. Os projetos das Fortalezas de
modernos preceitos da arquitetura El Morro em Havana, de San Felipe
militar renascentista, apropriados del Morro em Porto Rico e da Barra
para a nova artilharia que surgia. Grande no Guarujá, todos da lavra
Os armamentos de Carlos V e dos Antonelli, seguem este estilo.
Felipe II eram propícios para o “tiro O rei da Suécia (1611-1632) Gusta-
tenso” ou de trajetória rasante. O vo Adolfo, durante a Guerra dos
Artilharia de Gustavo
Adolfo: pequeno
canhão escocês
(1642)
do Museu do Castelo Canhão francês Gribeauval com desenho simplificado sem ornamentações barrocas –
de Edimburgo Tratado de Heinrich O. Schell’s de 1800
40 41
Arquitetura Militar A Evolução da Artilharia
O “TRATADO DE ARTILHARIA” LUSO-BRASILEIRO
Seção de um obuseiro do século XVIII DO ENGENHEIRO ALPOIM DE 1744
segundo Rudyerd (1791-1793)
José Fernandes Pinto Alpoin foi um dos mais importantes engenheiros
militares que atuaram no Brasil colonial. Nascido em Viana do Castelo,
em 1700, teve como padrinho, outro célebre engenheiro militar, Manuel
Pinto Vila Lobos, que em 1712 elaborou um projeto para a Fortaleza do
Crasto em Santos posteriormente modificado por João Massé.
F
oi seu ao Brigadeiro
padrinho Alpoim a intro-
quem o dução, no Brasil,
que possibilitava o carregamento mais leves e ligeiras e a eliminação iniciou nos estu- da verga em
com as mãos. de decorações supérfluas das peças, dos da artilharia “arco abatido”
O “Sistema Vallière” foi aperfei- que passaram a ter uma aparência na Academia de nas suas obras no
çoado em 1765 pelo “Sistema Gri- “limpa” – a influência do Barroco Viana. Em 1738, Rio de Janeiro,
beauval”, cujo criador foi chamado diminuía na arte militar. Em Portu- Alpoim foi desig- como o Palácio
por Napoleão Bonaparte de “pai da gal essas inovações chegaram apenas nado a reger o dos Vice-reis e o
artilharia francesa”. O general Gri- no final do século XVIII. “ensino de enge- Arco do Teles, e
beauval introduziu o eixo de ferro O progresso da Física nos campos nharia militar” no Palácio dos
nos reparos, criou o carretame leve da força gravitacional e da resistên- no Rio de Janeiro Governadores
de quatro rodas, e reorganizou a arti- cia do ar, permitiu ao estudioso da com o posto de em Ouro Preto.
lharia de acordo com a função mili- balística Benjamin Robins (1707- sargento-mor. Sil- Mas foi no seu
tar de Campanha, de Sítio, de Praça 1751), estabelecer que a precisão do va-Nigra atribuiu livro “Exame de
e de Costa. O sistema Gribeauval foi tiro estava associada à velocidade, Artilheiros”
também responsável pela padroniza- que por sua vez dependia da carga e publicado em 1744 em Lisboa, con-
ção dos acessórios, a criação de peças da forma do projétil. siderado um dos primeiros e escri-
tos no Brasil, que o seu amplo
conhecimento sobre a engenharia
militar pode ser apreciado. Esse
Tratado permite-nos compreender
o que foi a artilharia luso-brasileira
no século XVIII.8
O “Exame de Artilheiros” abran-
ge a matemática, a geometria e a
artilharia, sempre acompanhadas
de elucidativos desenhos. Descreve
os canhões e seus apetrechos sem se
Canhão Paixhans de alma lisa, do
Santa Bárbara,
esquecer de preceitos religiosos.
século XIX - Forte da Bertioga (SP)
padroeira dos artilheiros Antes do tiro, recomendava que
42 43
Arquitetura Militar A Evolução da Artilharia
A ÉPOCA DA ARTILHARIA RAIADA
Giovanni Cavalli, em 1846, construiu um obuseiro de retrocarga de
150 mm de alma sulcada com dupla raia espiralada. O projétil, de
forma ogival de 30 kg, atingiu a distância de 5 km com relativa precisão.
O
s franceses creditam a ano, George Armstrong fabricou a
“São panelas de barro, com suas asas, cheias invenção do raiamento ao primeira peça raiada de retrocarga
de pólvora fina, com uma granada carregada
“Ballas encadeadas, enramadas, dentro. Se cobre com pele de carneiro e nas
General Treville de Beau- composta de várias partes.
palanquetas, de pernos, diamante asas se colocam morrões acesos ou estopim”. lieu em 1855, e os norte-americanos O forte atrito dos projéteis nos sul-
e mensageira”. Desenho do “Exame Desenho do “Exame de Artilheiros” de
de Artilheiros” de Alpoim – 1744 Alpoim – 1744
a Daniel Treadwell.10 cos do raiamento demonstrou que a
A Guerra da Criméia (1854-1855) resistência do bronze ou do ferro
“em nome de Deus e da senhora Santa ou da terra”. Sobre a peça de artilha- entre a Prússia de um lado e a Tur- fundido eram inadequados. Alguns
Bárbara, pegará o Artilheiro a lanada”, ria: “é um instrumento, ou boca-de- quia, França, Inglaterra e o Piemon- autores atribuem ao inglês Blakely a
para limpar a alma do canhão, “e fogo, comprido, e côncavo, por dentro, te do outro, foi talvez o último
feito o sinal da Cruz com a dita bala na em forma redonda, feito de ferro, ou de grande conflito internacional com a
boca da peça (…) meterá a bala em nome bronze, com o qual por meio da pólvora, utilização dos canhões de alma lisa.
da Senhora Santa Bárbara”. se arrojarão balas, bombas, e granadas”. Durante o governo de Napoleão
Alpoim definia a Artilharia como Na segunda metade do século III na França, La Hitte, Temésier e
“toda a sorte de peças, toda a sorte XVIII em Portugal, Bartolomeu da Beaulieu construíram canhões de
de armas, todas as ferramentas e Costa (1731-1801) encarregado da antecarga com raiamento em larga
petrechos, que podem servir na fundição de obuseiros de campa- escala. Na Inglaterra, Lancaster
guerra, ou nos ataques das Praças e nha, foi o responsável pela normali- construiu canhões de alma helicoi-
Projétil Armstrong (esq.),
sua defesa, ou nas batalhas do mar, zação dos calibres.9. dal ovalada. Whitworth em 1855 projétil Whitworth (dir.)
introduziu o raiamento em espiral Canhão raiado Whitworth no
Morro do Castelo por volta de 1895
com seção poligonal, e nesse mesmo (abaixo)
44 45
Arquitetura Militar A Evolução da Artilharia
calibres variando de 155 à 280mm e
alcance de até 40 km.
No Brasil, a defesa da costa resu-
mia-se à artilharia de alma lisa
assentada nas velhas fortificações
coloniais. A modernização iniciou-
se no princípio do século XX com o
Ministro da Guerra Gal. João Nepo-
Obuseiro Krupp de 280 mm do Forte dos muceno Mallet, construindo as pri-
Andradas, no Guarujá (SP)
meiras fortalezas de concreto e
alguns para o Exército, inclusive um adquirindo canhões Krupp e Sch-
de 11 polegadas. A maior parte da neider-Canet. Os fortes foram arma-
artilharia de costa moderna era dos com canhões que iam de 150
composta de canhões Whitworth, mm (Krupp e Schneider) até 305
Canhão Armstrong da Fortaleza de Itaipu no município de Praia Grande (SP).
sendo que a partir de 1877, foram mm (Copacabana), sendo que a
construção do canhão de aço forjado. se com a artilharia obsoleta. Foram comprados diversos de retrocarga. defesa do Porto de Santos foi equi-
A fábrica Krupp, na Alemanha, tam- fabricadas no Rio de Janeiro alguns Esses canhões (Armstrong e Whit- pada com seis peças de 150 mm Sch-
bém desenvolveu a fabricação de canhões de bronze no sistema La worth), continuaram em serviço até neider-Canet C/50 modelo 1902
canhões de aço. Era a consolidação Hitte, copiados de canhões franceses o final da década de 1920, assim Tiro Rápido e quatro obuseiros de
da artilharia raiada com a consagra- e espanhóis adquiridos pouco antes como alguns La Hitte, empregados Krupp 280mm C/16 modelo 1912.
ção do sistema de retrocarga, cujo do conflito, somando aos existentes em fortes menores. Durante a 2ª Guerra se pensou em
desenvolvimento levou ao canhão de Whitworth, além de inúmeras bocas- No fim do século XIX surgiram na equipar o Porto de Santos com
tiro rápido, que empregava cartu- de-fogo de alma lisa. A guerra civil França o canhão de tiro rápido, de canhões de 7 e 12 polegadas norte-a-
chos e disparadores elétricos. norte-americana também fomentou a trajetória tensa, com alcance de mericanos. Os canhões foram com-
O avanço tecnológico nas siderur- sua indústria bélica, que passou a 11.000 metros, e na Alemanha o obus prados e a construção de um forte
gias, com o emprego do aço, cromo fabricar excelentes artilharias como 105 mm de tiro curvo com alcance de para eles chegou a começar, mas as
e níquel, transformou as empresas as de Rodman e Parrott. 6.000 metros. A Primeira Guerra obras foram interrompidas.
Krupp, Schneider, Armstrong, O exército brasileiro se rearmou, Mundial foi o campo de teste, onde O Forte dos Andradas, no Guaru-
Bethlehem, Firth, Holtzer, etc., nos após 1872, com canhões Krupp de se consagrou a artilharia pesada com já, é um excelente exemplo dos pro-
grandes fabricantes de armamentos campanha de 75mm. Na artilharia
na virada do século. de costa, a Marinha comprou um
A Guerra do Paraguai surgiu no certo número de canhões Arms-
momento em que o País encontrava- trong para seus fortes e repassou
Canhão Schneider-Canet
do Forte de Jurubatuba Lançamento de foguete na Fortaleza de Itaipu
46 47
Arquitetura Militar A Evolução da Artilharia
blemas técnicos surgidos no Entre de costa do País, adquirindo-se
Guerras. Quando foi decidido cons- material norte-americano composto
truir o Forte dos Andradas (o último de 99 peças Vickers-Armstrong de 6
a ser construído no País), os obusei- polegadas (152,4 mm), modelo 1917,
ros, ao invés de ficarem concentra- para os Grupos de Artilharia de
dos em poços, como era o caso dos Costa Motorizada. Posteriormente
dois fortes com armas semelhantes foram usados também canhões de
do Rio de Janeiro (Duque de Caxias 90 mm antiaéreos, em disparos de
e Pico), foram dispersos na mata. tiro tenso, contra embarcações.
Além disso, as instalações de apoio O surgimento dos foguetes V2 na
foram “enterradas” dezenas de Segunda Guerra, marcou o início
metros abaixo do solo. Era a fortale- de uma nova fase da história da
za invisível dissimulada no relevo artilharia. Na costa paulista os
da paisagem da Ponta do Monduba. canhões Vickers-Armstrong foram
Na Segunda Guerra Mundial substituídos pelo Sistema de
decidiu-se modernizar a artilharia Foguetes Astros-II.
As Fortificações
CALIBRES E ALCANCES DA ARTILHARIA
Ano Peça Peso da bala (Kg) Calibre (mm) Alcance útil (m) Coloniais no Brasil
1620 Falcão 1,3 (sólida) 74 420
Notas
1 Alves, J. V. Portella F. “Seis Séculos de Artilharia - A História da Arma dos Fogos Largos,
Poderosos e Profundos”. Biblioteca do Exército, Rio de Janeiro, 1959, p. 96.
2 Idem. Ibidem., p. 97.
3 Moreira, Rafael. “A Artilharia em Portugal na Segunda Metade do Século xv”, adaptado do
texto original “A Artilharia Portuguesa nas Tapeçarias de Arzila” de Nuno José V. Valentim, in “A
Arquitectura Militar na Expansão Portuguesa”. Comissão Nacional para os Descobrimentos
Portugueses, Porto, 1994, pp. 16-26.
4 Lead, Peter. “Mons Meg: A Royal Cannon”. Mennock Publishing, Staffordshire, 1984.
5 “Documentos Históricos (mandados, alvarás, provisões, sesmarias) – 1549-1553”, vol. xxxviii.
Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, Biblioteca Nacional, 1937, pp. 214-217.
Carlos A. Cerqueira Lemos
6 Alves, J. V. Portella F. Op. cit., pp. 104-107.
7 Caruana, Adrian B.. “The identification o British Muzzle Loading Artillery”. Part 1, the
Designers. In: “Canadian Journal of Arms Collecting”, vol. 21, nº 4, (nov. 1983), p. 132.
8 Alpoim, José Fernandes Pinto. “O Exame de Artilheiros” – 1744. Biblioteca Reprográfica
Xerox, Rio de Janeiro, 1987.
9 Alves, J. V. Portella F. Op. cit., p. 147.
10 Manucy, Albert. “Artillery Trough the Ages”. Division of Publications National Park,
Washington, dc, 1985, pp. 13-14.
48
Arquitetura Militar
INTRODUÇÃO
Na costa brasileira, as primeiras feitorias portuguesas corriam o
risco permanente de assaltos de piratas ingleses, franceses e
holandeses. Nacionalidades variadas também tentaram a posse
efetiva de regiões ainda não ocupadas por gente de Portugal,
querendo estabelecer enclaves destinados a transformar-se em
colônias que romperiam a continuidade do litoral lusitano.
A
França, por exemplo, soube Os primeiros estabelecimentos
aliar-se a alguns indígenas portugueses também se viram
inimigos dos portugueses e ameaçados pelos índios, nem sem-
chegaram mesmo a fixar-se longa- pre amigos porque, guerreando-se
mente, pelo menos no Rio de Janei- entre si, muitas vezes atacavam as
ro, em 1555, e no Maranhão, em povoações dos colonizadores onde
1612. Os holandeses, mais ambicio- estivessem homiziados os seus
sos, organizados e financiados por desafetos, ali bem relacionados.
poderosas companhias de comércio, Assim sendo, os portugueses eram
trataram de conquistar núcleos já hostilizados tanto pelos seus inimi-
estruturados e ricos produtores de gos europeus como, muitas vezes,
açúcar. Atacaram, no início do pelos selvagens da terra conquista-
segundo quartel do século XVII, a da. Inimigos, pois, possuidores de
Bahia e logo depois conquistaram diferentes logísticas e estratégias,
Pernambuco, lá ficando quase vinte uns na Idade da Pedra Polida, usan-
Forte de São Marcelo - S. Salvador (1698) BN
e cinco anos. do métodos primitivos, mas eficazes,
50 51
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
Forte de São Marcelo em Salvador (BA), também chamado Forte do Mar.
Obra de Frias de Mesquita (1622)
52 53
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
mitindo o exame atento dos arredo- posição de datas em relação à ante-
res descampados; depois, os primei- rior, abrange o período de perma-
ros muros abaluartados. Vejamos, nência dos holandeses no litoral
porém, os que nos interessa: as for- pernambucano, aproximadamente
talezas defensoras, de norte a sul, de 1630 a 1654, não havendo cons-
dos limites portugueses nas terras truções defensivas significativas
da América do Sul. no resto da costa, fora da nordesti-
Podemos estabelecer uma meto- na. Uma terceira etapa, na bacia
dologia de abordagem desse vasto amazônica, vai desde os últimos
tema relativo à defesa do território anos do século XVII até pratica-
Ataque holandês aos Engenhos na Bahia de Todos os Santos protegidos brasileiro, dividindo a história das mente ao fim do século XVIII, refe-
por paliçadas de madeira (1640), segundo Franz Post
fortificações em algumas etapas rindo-se aos planos de fortificação
recentes recursos em matéria de Podemos dizer que, de um modo significativas do período colonial. da área contra os franceses, ingle-
armamento com base na pólvora, tra- geral, as fortificações brasileiras Salvo melhor juízo, uma primeira ses e holandeses, interessados em
taram os Lusitanos de providenciar foram condicionadas à experiência etapa compreende os primeiros estabelecer domínio ao longo da
fortalezas. Lembremo-nos, porém, italiana de fortificações a partir do anos a partir de 1500 até o ataque margem esquerda do rio Amazo-
de um aspecto: até 1580, o sistema século XVII, abandonando totalmente holandês, aquele que verdadeira- nas. A quarta etapa corresponde
defensório português era incipiente as maneiras transitórias baseadas mente ameaçou a integridade do ao período em que os espanhóis
porque não havia, verdadeiramente, ainda na tradição medieval das altas litoral brasileiro; corresponde, a da Argentina procuraram ocupar o
valores a defender, a não ser meia muralhas e das ostensivas torres de grosso modo, ao tempo pioneiro litoral ao sul de Cananéia, já que
dúzia de povoações ainda não bem defesa. Agora havia que privilegiar de tomada de conhecimento do ainda eram nebulosas as divisas
estruturadas economicamente atra- as fortificações baixas e de grande, território somado ao período de entre os domínios de Castela e
vés de atividades lucrativas de modo enorme, espessura. De pouca altura dominação espanhola sobre Portu- Portugal antes do Tratado de
efetivo. para oferecer o menor alvo possível, gal, que vai de 1580 até 1640. Uma Madrid, de I750, e do Tratado de
Foi durante o domínio espanhol e grossas para absorver o impacto de segunda etapa, com ligeira sobre- Santo Ildefonso, de 1777.
sobre Portugal que realmente se projéteis de força incrível.
organizaram os primeiros sistemas Esses primeiros tempos de coloni-
Artilheiros holandeses
eruditos de fortificação, principal- zação, o primeiro século de posse, na Batalha
mente à vista do perigo holandês. foram realmente anos de muito de Guararapes.
Detalhe da pintura
Assim, desde aquele ano até 1640 a sacrifício e improvisação. Os docu- “A Batalha de
arquitetura das fortificações, no mentos demonstram o heroísmo dos Guararapes” no
forro da Igreja de
Brasil, foi baseada nas ordens dos colonizadores defendendo-se de N. Senhora da
Conceição dos
arquitetos sob o comando espanhol perigos de toda ordem. Esses papéis
Militares em Recife,
e a vigilância especial de Felipe II. dos arquivos falam-nos das fortifi- atribuída a João de
Deus Sepúlveda.
Os Italianos, na época os maiores cações iniciais, principalmente pali-
especialistas em fortificações çadas, cercas pontiagudas de paus-
modernas apropriadas às novas -a-pique protegendo as pequenas
armas de fogo, foram os mentores povoações; trincheiras, atalaias, tor-
dos espanhóis, agora donos de toda res, mesmo as de igrejas providas de
a América. seteiras, como a de Cananéia, per-
54 55
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
A PRIMEIRA ETAPA in encontrou desguar- ou de Santo Amaro, que
necida a Fortaleza de hoje vemos na ponta da
Por motivos bastante compreensíveis a primeira etapa, Santa Cruz ao assaltar a Praia daquela cidade.
carece de ampla documentação escrita e é praticamente omissa cidade. Mas não deve- Do primeiro século, de
em iconografia referente às primeiras fortificações brasileiras. mos esquecer o primei- 1532, também é a
ro desses aventureiros pequena fortificação
do mar que saqueou o levantada por Martim
O
s construtores militares vin- Como sabemos, até o início do litoral sul brasileiro, Afonso para defender,
dos nas comitivas dos pri- século XVIII, os maiores rendimentos que foi Thomas Caven- na barra da Bertioga, a
meiros donatários e gover- de Portugal no Brasil provinham da dish, autor da proeza vila próxima de São
nadores eram infatigáveis, e talvez o produção açucareira das áreas lito- de encurralar toda a Vicente do ataque dos
pedreiro Luís Dias seja o modelo râneas do Nordeste. Da Bahia para o população de Santos, índios tamoios, e parece
Felipe II, rei de Portugal e
deles. Luís Dias esteve na Bahia com sul, desde os primeiros anos até no Natal de 1591, den- Espanha retratado por que nisso tal providên-
Tomé de Sousa por volta de 1549, lá aquela data, as povoações, eram tro das igrejas, nos Ticiano cia foi inoperante, pois
residindo alguns anos. Construiu os muito pobres, sem expressão algu- momentos das cerimô- o local foi assaltado em
primeiros baluartes e muros da ma que pudesse justificar um siste- nias religiosas daquele dia e saquear 1551 pelos selvagens, que acabaram
cidade, tudo obra de taipa de pilão. ma de defesa categorizado. Os a cidade e os modestos engenhos de por aprisionar o seu artilheiro, o ale-
Parece que a taipa de pilão foi, no pequenos portos daquelas humildes açúcar no caminho de São Vicente. mão Hans Staden, autor de célebre
começo da pirobalística, um mate- cidades eram unicamente assedia- Sabemos que o almirante Diogo livro de memórias. Essa pequena
rial recomendável nas fortificações dos por corsários já conformados Flores Valdez, na sua viagem de Fortaleza da Bertioga foi aperfeiçoa-
porque amortecia o impacto dos com os irrisórios despojos que ante- reconhecimento pela costa, anotou da entre 1551 e 1560, e praticamente
projéteis, evitando o sempre perigo- viam. Talvez ali aportassem mais os lugares que deveriam ser guarne- reconstruída em 1750. São essas
so ricochetear de alcance imprevisí- por desfastio ou diversão, porque cidos e que chegou mesmo a erigir duas fortalezas santistas, as únicas
vel. Essa qualidade talvez fosse de nada havia de importante a roubar. algumas fortificações até à altura de ainda existentes, que podem perten-
certo interesse, mas a precariedade E vinham de vez em quando, pas- Santos, local onde a sua esquadra cer ao primeiro século na nossa clas-
e conservação permanente, ligadas sando ao lado de fortalezas vazias e fora assaltada por ingleses. Ali fez sificação. As primeiras trincheiras e
à taipa, logo exigiram recobrimen- de canhões abandonados, como modesta fortificação que, aos pou- baterias do Rio de Janeiro foram tão
tos de pedra aparelhada, fazendo a aconteceu no Rio de Janeiro em cos, foi sendo aperfeiçoada até se alteradas a partir da transferência
pedra o papel do taipal. 1712, quando o pirata Duguay-Trou- transformar na Fortaleza da Barra, da capital do vice-reinado da Bahia,
56 57
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
Fortaleza dos Reis Magos em Natal. Em
1603, essa fortificação foi reconstruída com
novo projeto de Francisco Frias de
Mesquita, definida por uma tenalha em
cauda de andorinha na parte posterior e
uma obra coroa na frente. M.I.
Forte do Picão em Recife em mapa de 1759 P.J. Caetano governo de Matias de Albuquer- Em 1614, Francisco Frias de Mes-
que. A obra foi terminada em 1612 quita estava às voltas com a Forta-
em 1763, e a seguir à instalação da sionista de Felipe II numa das três e elogiada, como é relatado por leza dos Reis Magos, em Natal, Rio
corte de D. João VI e à independên- vagas existentes no curso de Sousa Viterbo. Possuía nove lados, Grande do Norte, que fora iniciada
cia, proclamada por D. Pedro I, que Arquitetura que o monarca manti- ocupando praticamente toda a em 1598 pelo padre jesuíta Gaspar
mais nada de original existe, restan- nha em Lisboa. Com os estudos superfície do parcel que lhe deu o Samperes. O arquiteto José Luís
do delas somente vagas indicações concluídos em 1603, é remetido ao nome, medindo aproximadamente Mota Meneses, no seu livro sobre
e velhas plantas e vistas em esmae- Brasil com o importante título de dez braças de diâmetro, e a sua as fortificações do litoral nordesti-
cidas aquarelas e em algumas gra- engenheiro-mor, permanecendo muralha alamborada tinha mais no brasileiro, vê proximidade de
vuras já do século XVIII. na colônia por trinta e dois anos de de quatro braças de altura. O pró- concepções entre este projeto de
No alvorecer do século XVII, muito trabalho. Foi, além de enge- prio Frias, em 1618, escreveu que o Frias de Mesquita e o da Fortaleza
sobressai Francisco Frias de Mes- nheiro militar, também soldado povo espontaneamente havia con- de Jesus em Mombaça, da segunda
quita e sua obra, englobando, valoroso. Por volta de 1608, estava corrido com recursos para o fabri- metade do século XVI, onde espe-
inclusive, trabalhos de arquitetura a construir a Fortaleza da Laje, co desta fortaleza, auxílio também cialistas italianos atuaram segundo
religiosa. Francisco Frias de Mes- também conhecida por Castelo do ocorrido durante a construção da os mais recentes critérios de fortifi-
quita, engenheiro militar portu- Mar, Forte de São Francisco ou matriz de Olinda, o que sugere cação. Assim, a Fortaleza dos Reis
guês, nasceu em 1578, e aos 20 Forte do Picão, no Recife, desenho tenha sido aquele templo também Magos não seria mais que um
anos de idade conseguia ser pen- de Tibúrcio Spanochi, no tempo do projetado por ele. exemplar feito segundo uma conti-
58 59
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
1622, projeta, com base nas orienta- ainda ostenta a sua forma original
ções de Spanochi, o Forte do Mar, circular, com quase 90 m de diâme-
em Salvador. Essa também é uma tro. Também foi chamada de São
fortificação brasileira importante, Marcelo ou de Nossa Senhora do
imaginada para defender a capital Pópulo. Durante a frustrada inva-
baiana dos holandeses. Construída são holandesa de 1624–1625 sofreu
sobre uma laje que aflorava na maré agravos que depois foram repara-
baixa, como no caso do Recife, dos pelo próprio Frias.
Forte de Jesus em Mombaça segundo desenho de João Teixeira Albernaz c. 1548. ONB
nuidade teórica norteadora das de Natal. O seu papel era mais polí-
novas defesas. A fortaleza em causa tico, simbolizando a inamovível
não possui os já vigentes baluartes presença luso-espanhola da costa.
triangulares agenciados às cortinas Muitas vezes a fortaleza defendeu-
pelos flancos de ângulos variados. se bravamente, mas um dia, em
A sua muralha envolvente é quase dezembro de 1631, a sua pequena
um retângulo de 50 m por 100 m guarnição não resistiu ao poderio Vista do Forte dos Reis Magos, em Natal (RN).
Desenho da Casa de Pólvora, de autoria de Frias de Mesquita.
cujos lados são quebrados fazendo de dois mil holandeses chegados
ângulos reentrantes na maior numa esquadra de 16 navios.
dimensão e um ângulo saliente na Então, passou a chamar-se Castelo
face que olha para o mar. Na face Ceulen. Foi recuperada em 1654.
oposta, há a entrada defendida por Em 1617, na barra da lagoa de
dois “orelhões”, espécie de baluar- Araruama, nas proximidades da
te provido de um só flanco, como recém-fundada vila de Cabo Frio,
mostra com mais clareza a ilustra- Frias localiza o Forte de São Mateus,
ção. Talvez seja a Fortaleza dos Reis obra destinada a proteger aquela
Magos o mais belo exemplar de área das incursões de ingleses e
fortificação remanescente dos tem- holandeses que ali, com a conivên-
pos heróicos da posse portuguesa, cia dos índios, furtavam pau-brasil.
constituindo exemplo de fortifica- Nesse ano, freqüenta o Rio de Janei-
ção única isolada na vastidão do ro, ali próximo, e elabora o seu mais
litoral abandonado, defendendo prestigiado projeto de edifício reli-
tão- somente a humilde povoação gioso: o Mosteiro de São Bento. Em
60 61
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
A SEGUNDA ETAPA
A segunda etapa da história das fortificações brasileiras trata
primordialmente das obras relacionadas com o período holandês
em Pernambuco e áreas limítrofes, onde, pela primeira vez no Brasil, o
sistema defensivo é articulado, envolvendo variados redutos, cujos
alcances de tiro garantiam a defesa contínua de extensa faixa litorânea.
É
verdade que esse sistema de sa em volta da fortaleza propria-
apoio mútuo foi iniciado mente dita. É claro que essa acomo-
pelos espanhóis, inclusive na dação às planícies nem sempre era
Bahia, mas foram os holandeses que viável nas costas brasileiras, mas,
o aperfeiçoaram, construindo forti- de um modo geral, ela foi aplicada
ficações em pontos desguarnecidos tendo sempre o cuidado de se evi-
e fortalezas projetadas conforme tar padrastos próximos, providên-
novas bases, próprias da chamada cia que os portugueses nem sempre
“escola holandesa”. Na verda- tomavam, embora fosse justa-
de, essa maneira batava mente da sua tradição a Ataque dos holandeses à cidade do Recife em 1630 Le Brésil
62 63
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
próximos, o que as torna vulnerá-
veis. O de Santo Antônio da Barra
teve, ao longo do tempo, o seu perí-
metro aumentado, passando a mos-
trar a forma de um polígono irregu-
lar de dez lados e nenhum baluarte,
mas tão-somente guaritas nos vérti-
Forte de Santo Antonio da Barra
em Salvador (BA), em desenho ces salientes.
do século XVIII AHE
A Fortaleza de Nossa Senhora de
1534 e foi reconstruído em pedra e Monserrate de Salvador tem inte-
cal pelo governador-general D. resse arquitetônico e, ao mesmo
Francisco de Sousa, e desde aquele tempo, documental porque talvez
tempo a sua eficácia foi posta em seja a última fortificação brasileira
causa. Foi tomado pelos holandeses projetada e construída por um
e logo depois reconquistado. Em arquiteto italiano especialmente
1627, nas suas imediações, foram trazido para tal mister. Antigamen-
levantados os Fortes de Santa Maria te chamava-se Forte de São Felipe,
e São Diogo, para que fossem evita- em homenagem ao rei espanhol,
dos novos desembarques nas tendo sido feita sobre uma primiti-
redondezas. va fortificação, entre 1591 e 1602,
Forte de Nossa Senhora de Monserrate, Salvador (BA)
As três fortificações, no entanto, por ordem do mesmo D. Francisco
estão à mercê de padrastos bem de Sousa, tendo como arquiteto o
gentil-homem florentino Baccio di nas suas vistorias nos pontos
Filicaya, que certamente trouxe importantes ainda falhos de defesas
para o Brasil as novidades arquite- eficazes. Na foz do rio Paraíba pro-
tônicas não só referentes às constru- videncia ele a ereção de um forte
ções militares, mas também às projetado pelo engenheiro alemão
obras religiosas e particulares. Essa Cristovan Lintz por volta de 1585.
Fortaleza de Nossa Senhora de Foi trabalho mal executado, no
Monserrate tem como planta um entanto. As suas taipas não resisti-
hexágono irregular mostrando nos ram aos anos e às intempéries. Isso
vértices seis torreões, ou guaritas fez com que o próprio Felipe II orde-
abobadadas, que lhe marcam incisi- nasse uma “reformação” de tal for-
vamente a silhueta. taleza, altamente degradada. Cum-
Na área de influência pernambu- prindo tais ordens, em 1618, D. Luís
cana há a destacar, na região da de Sousa, o então governador-geral
Paraíba, a célebre Fortaleza de da capitania, vai ao local, na com-
Santa Catarina de Cabedelo. O seu panhia de Francisco Frias de Mes-
Sistema bastionado segundo o “Método Luzitano de Desenhar Fortificações das Praças
primeiro projeto deveu-se ao zelo quita, e planeia uma nova constru-
Regulares e Irregulares”, de Serrão Pimentel (1680) do já citado Diogo Flores Valdez ção, aquela que hoje ombreia em
64 65
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
Fortaleza de Santa Catarina de Cabedelo na Paraíba Barlaeus, 1647
conservação, até surgir a planta defi- truíram, data de 1631 e, situada ao sul
nitiva, que hoje vemos, caracterizada da ilha daquele nome, defendia a
pelo convencional quadrado provido barra do Rio Igaraçu, que, mesmo na
de quatro baluartes nos seus vértices. maré baixa, dava calado aos navios
A Fortaleza de Santa Cruz de Ita- de grande porte. Possuía planta qua-
maracá, também denominada Forte drada, com os sempre presentes qua-
Fortaleza de Santa Cruz de Itamaracá, na Barra do Rio Igaraçu, (PE). Antigo Forte Orange,
edificado pelos holandeses em 1631, foi tomado pelos portugueses em 1654, quando foi
Orange pelos holandeses que a cons- tro baluartes de ângulo agudo.
rebatizado com o nome atual. AHU
T
gravura do século XVII do livro de Barlaeus.
leza de Santa Cruz de Itamaracá (ou udo era muito nebuloso de de rios envolvendo gigantescas flo-
Forte Orange). Santa Catarina, ao sul de restas que escondiam riquezas ini-
importância arquitetônica com os Hoje, a Fortaleza das Cinco Pontas Cananéia, em direção a Bue- magináveis haveria que ser reparti-
Reis Magos de Natal. Em 1634 é está envolta pelo casario do Recife e nos Aires, e também nada estava do. Os bandeirantes paulistas, desde
tomada pelos holandeses, que ali há muitos e muitos anos que já não definido no que diz respeito às divi- os anos iniciais do século XVII, per-
ficam por vinte anos fazendo obras existem os cinco baluartes que lhe sas no âmago do continente, pois correram, em busca de índios a
de ampliação e manutenção. Passou deram o nome, apelido, aliás, vindo todo aquele sertão, praticamente escravizar e de ouro, em viagens que
a chamar-se Forte Margaret. A sua dos tempos dos flamengos, que resis- desconhecido, aguardava uma deci- duravam anos, todas aquelas remo-
planta irregular apresenta três tiu a todas as modificações introduzi- são que indicasse o que pertencia a tas paragens e durante essas andan-
baluartes voltados para o oceano. das no seu perímetro. Realmente, Portugal e o que seria espanhol. ças fixaram-se em pontos isolados,
Da Paraíba para o sul começa o essa fortaleza, levantada em 1630 Contrariando o velhíssimo Tratado que serviram de balizas lusitanas na
grande sistema defensivo que carac- pelo engenheiro holandês de Tordesilhas, estavam os portu- hora das confrontações territoriais.
terizou o período da dominação Commersteyn, possuía um períme- gueses fixados centenas de léguas a Em 1750, ocorre o Tratado de
holandesa. Só na costa pernambuca- tro pentagonal que aos poucos pas- oeste, quase nas faldas dos Andes, e Madrid, que estabelece as divisas
na podemos identificar vinte e oito sou a ser remodelado em obras de realmente aquele remoto labirinto entre as duas nações com base numa
66 67
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
incipiente cartografia que simples- rido tratado diplomático. Dentre os poucas fortalezas, que vêm a consti-
mente apontava rumos ou direções, três, Landi talvez tenha sido o mais tuir as da terceira etapa da nossa clas-
sem a possibilidade de indicar com famoso no exercício da profissão, sificação, e duas delas, pelo menos,
exata precisão o percurso da raia pois revelou-se um arquiteto compe- tiveram, e têm ainda, grande signifi-
separadora das duas línguas. Há tente, tendo sido responsável pela cação arquitetônica: uma, a de
necessidade, então, de profissionais introdução de novas versões estilísti- Macapá, no imenso delta amazônico,
que viessem à América do Sul para cas que poderíamos chamar de “tar- e a outra bem no interior, nas mar-
demarcar os limites imaginados do-maneirismo” a partir de suas gens do Guaporé, já para os lados da
pelos diplomatas na corte espanhola. obras civis de Belém do Pará. No remota capitania do Mato Grosso.
Planta da Fortaleza de N. Sra.
Portugal arregimenta o que há de entanto, como engenheiro fortifica- de Nazareth no Rio Tocantins (PA) AHE A Fortaleza de São José de Macapá
melhor entre os seus profissionais, dor, assumiu aspecto apagado. Os foi projetada em 1764 por Henrique
principalmente cartógrafos e enge- seus patrícios, porém, na arquitetura zuela os espanhóis desciam pelos Antônio Galluzzi. Esse cidadão ita-
nheiros militares, e manda também militar tiveram papel atuante. rios da cabeceira para atingir o mar liano, parece que natural de Mânto-
que sejam contratados especialistas O rio Amazonas era vulnerável facilitador das comunicações com a va, foi contratado em 1750 como aju-
italianos que facilitem o intento de porta aberta para o interior do conti- Europa. Havia que trancar o rio. dante de infantaria, com o exercício
balizar o território através de obser- nente, e daí a extensão do problema Coisa difícil, no entanto, porque só de engenheiro. São José de Macapá
vações astronômicas e, inclusive, surgido aos portugueses: pela sua da terra firme seria impossível o esta- foi, deve-se reconhecer, uma fortale-
localizar fortificações nos pontos- quilométrica foz, ingleses, franceses e belecimento articulado de fortifica- za de pouca eficácia, dada a imensa
chave. Dentre esses italianos distin- holandeses, insatisfeitos só com a ções. A defesa dos canais necessaria- largura do rio à sua frente e também
guiram-se Antônio José Landi, Hen- posse das Guianas, voltadas para o mente haveria de ser comprometida por estar sempre malguarnecida de
rique Antônio Galluzzi e Domingos Atlântico, desejavam também fazer com o emprego de navios de guerra. soldados devido à pestilência do
Sambuceti, todos chegados ao Norte frente para as águas amazônicas, No entanto, em alguns pontos julga- local, naquela época caracterizado
do Brasil poucos anos depois do refe- enquanto no Peru, Colômbia e Vene- dos estratégicos foram levantadas por pântanos envolventes. Pois
Portal do Forte
Príncipe da Beira,
em Rondônia CI
68 69
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
Real Forte Príncipe da Beira em Guajará Mirim (RO).
Em baixo, detalhe do portal do forte CI
70 71
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
A QUARTA ETAPA Anhatomirim e Raton Grande e a
terceira na ponta Grossa da ilha de
As providências demarcatórias das divisas entre a Espanha Santa Catarina, onde se situava a
e Portugal na América do Sul, decorrentes do já citado Tratado cidade do Desterro, a atual Floria-
de Madrid, na parte da marinha sul, não chegaram a bom termo, nópolis, capital do estado de Santa
não impedindo as escaramuças entre gente de Buenos Aires e os Catarina. Tais fortalezas foram ine-
moradores da colônia do Sacramento, o ponto mais avançado ao sul, ficazes, permitindo, por exemplo,
nas margens do Prata, em que os portugueses se haviam fixado. que em 1777 os espanhóis, sob o
comando de D. Pedro Ceballos,
E
m 1735 a colônia foi atacada cipalmente no Nordeste, edifícios ocupassem a ilha. Essas três fortale-
duramente, iniciando-se a contidos dentro da mais austera zas foram: Santa Cruz de Anhato-
guerra entre os dois países, composição classicizante. Acontece mirim, São José da Ponta Grossa e
que durou alguns anos. Acordaram que Silva Pais, como seus colegas Santo Antônio de Raton Grande,
nessa hora os portugueses, vendo o engenheiros militares portugueses, ou Fortaleza dos Ratones. As três
seu vasto litoral sul totalmente des- ainda estava preso ao maneirismo fortificações foram organicamente
guarnecido, e trataram de fortificá- histórico que antecedeu ao barroco. adequadas às conformações topo-
-lo rapidamente. A expedição ao sul O Palácio do Governo, projetado gráficas de seus sítios de implanta-
foi confiada ao brigadeiro José da por Silva Pais, cujos desenhos origi- ção, de modo que não apresentam
Silva Pais, engenheiro e arquiteto de nais estão em Lisboa, hoje totalmen- nas suas plantas nenhuma ordena-
muita importância na história da te desfigurado, pode ser considera- Anhatomirim segundo desenho de José ção geométrica. Os seus perímetros
Custódio de Sá e Faria, ca. 1754 BMMA
arquitetura brasileira porque foi o do a primeira construção clássica são sinuosos e irregulares, permi-
primeiro a projetar na colônia, em brasileira do século XVIII, que reto- são maneirista desaparecida duran- tindo grandes terraplenos, onde o
plena euforia barroca, ocorrida prin- mou, depois de cem anos, a conci- te a guerra com os holandeses. arquiteto, ao longo de uns dez
José da Silva Pais talvez tenha anos, foi dispondo edifícios neces-
sido melhor arquiteto do que forti- sários e normais às praças de guer-
ficador, porque imaginou, em 1739, ra assim fortificadas. Delas, a mais
um sistema triangulado de fortale- importante (e hoje restaurada) é a
zas situando duas delas nas ilhas primeira, a de Santa Cruz, cujas
Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim em Florianópolis, SC “Prospecto da Fortaleza de S. Cruz da Ilha Anhatomirim”, 1760 BMMA
72 73
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
Fortaleza de Jesus Maria José, no Rio Grande do Sul, projetada por Manuel Vieira Leão AHU
74 75
Arquitetura Militar As Fortificações Coloniais no Brasil
va-se a posse política. Daí, por porto do Rio de Janeiro, chegou a
exemplo, a nem sempre correta justificar o estabelecimento da
escolha do sítio a ser fortificado, razoável articulação entre fortale-
demonstrando uma certa displicên- zas, talvez porque os prováveis ata-
cia ou, quem sabe, precaução. É que cantes da pirataria, institucionaliza-
até os próprios padrastros, um dia, da agora em meados do século XVIII,
acabariam por favorecer os colonos preferissem agir em alto mar, inves-
espoliados… tindo contra a frota rica. Assim, no
Somente depois dos tratados de que diz respeito à arquitetura mili-
Madrid e de Santo Ildefonso é que tar, o Brasil, devido a esses sucessos
Portugal realmente se precaveu, todos, apresenta uma interessantís-
com estudada racionalidade na sima diversificação tipológica que, a
defesa das suas terras, tanto no ser- nosso ver, está à espera de um aten-
tão amazônico como no litoral sul. to pesquisador que venha a mostrar
Somente depois desses acordos. Na como a teoria dos especialistas em
verdade, nem o ouro de Minas, des-
pachado para a Corte através do
Portugal se manifestou despoliciada
na colônia. Mapa das Fortificações
da Baixada Santista
D. João pintado por Debret.
A transferência da Corte
para o Rio de Janeiro encerrou
um capítulo da nossa história
militar.
76
Arquitetura Militar
Bertioga
Guarujá
Fortim do Góes
Forte da Estacada
Praia Grande
Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande
Legenda
Fortaleza de Itaipu Forte dos Andradas ou do Monduba Fortificações existentes
Fortificações destruídas
fonte INPE
78 79
Arquitetura Militar Mapa das Fortificações da Baixada Santista
Forte de S. Tiago ou S. João da Bertioga Forte do Crasto ou da Estacada
Situado na entrada do Canal da Bertioga, O Brigadeiro João Massé projetou essa for-
foi construído por ordem de D. João III em tificação em 1714, que seria construída por
1551, para proteger a Capitania de S. João de Crasto na praia fronteira ao Forte
Vicente contra os tamoios do litoral norte. da Barra Grande. Devido a erros constru-
Ampliado e reformado em 1751 pelo tivos, apenas a tenalha foi edificada em
governador Sá e Queiroga, foi restaurado pedra e cal, sendo o restante completado
pelo IPHAN em 1942 e 2000. precariamente com estacadas de madeira.
Foi demolido no início do século XX para a
construção do edifício que hoje abriga o
Museu de Pesca de Santos.
80 81
Arquitetura Militar Mapa das Fortificações da Baixada Santista
A Organização Militar
na Capitania de
São Vicente
nos Primeiros Séculos
A
época foi favorável a essas lucro advinha da intermediação e
transformações: a passagem transporte de mercadorias. Era o
do artesanato para a manu- modelo adequado a uma nação
fatura, a revolução urbana em opo- pequena e montanhosa voltada para
sição ao enfraquecimento da econo- o mar. A expansão marítima de Por-
mia rural, o desenvolvimento da tugal foi, portanto, uma empresa de
artilharia de fogo, que reduziu os caráter “puramente mercantil”.1
castelos feudais a símbolos arquite- A manutenção do monopólio das
tônicos do passado e o progresso da rotas de comércio implicava ocu-
engenharia naval. par, produzir e defender a área con-
Portugal antecipou o processo de quistada, tarefa que a classe mer-
unificação do poder, gerando assim cantil não dispunha de capacitação
as condições políticas para desen- nem de meios para a sua execução.
volver o surto mercantil, segundo O empreendimento tornou-se viá-
Nélson Werneck Sodré. Essa nova vel a partir da associação com a
Gravuras de 1557 do livro Hans Staden representando economia era desvinculada da pro- casta de fidalgos, que ainda conser-
um engenho de açúcar idealizado como uma construção medieval dução de gêneros e manufaturas. O vava a tradição ancestral de con-
fortificada em São Vivente e uma paliçada de defesa com suas
bombardas em Igaraçu.
85
A Organização Militar na Capitania de São Vicente nos Primeiros Séculos
Folha do Tratado de Tordesilhas, 1494. Mapa do Brasil com a divisão em capitanias, c.1590.
AGI, Sevilha, Espanha Biblioteca da Ajuda, Lisboa, Portugal
quistar, ocupar, produzir e defen- vasto território desconhecido, des- tas almas, e de escravaria mais de três ços e dez espingardas com pólvoras
der um território. provido de infra-estrutura, de meios mil e seis Engenhos e muita fazenda”.2 necessárias, e dez bestas, e vinte espadas
A divisão em Capitanias Heredi- e de súditos foi o feudal-escravista, O Regimento de Tomé de Souza e dez lanças ou chuças, e vinte corpos de
tárias foi a estratégia política adotada centrado na produção de açúcar. de 17/12/1548 definiu o número armas de algodão”.3
para a colonização do Brasil, enquan- Catorze anos após a criação da mínimo de artilharias para as capi- Os restos quinhentistas do Enge-
to o interesse da coroa portuguesa Capitania de São Vicente, o fidalgo tanias. Ordenava ainda, que “os nho dos Erasmos, em Santos, uma
estava voltado ao lucrativo comércio Luis de Góes em carta ao rei relatava senhores de engenhos e fazendas que, das pioneiras instalações de pro-
das especiarias. O único sistema que “só nesta capitania entre homens, por este Regimento, hão de ter torres ou ducão de açúcar no Brasil, confi-
encontrado para a ocupação de um mulheres e meninos há mais de seiscen- casas-fortes, terão ao menos quatro ber- guram uma construção civil forti-
86 87
Arquitetura Militar A Organização Militar na Capitania de São Vicente nos Primeiros Séculos
ficada para se proteger dos “con- No dia 13/02/1552 Thomé de
trários” quatorze anos antes do Souza, “respeitando a contínua guerra
Regimento de Tomé de Souza. que nas ditas capitanias havia” man-
Segundo Júlio Katinsky, “a forma dou provê-las “de alguma artilharia, e
compacta e alongada das grossas pare- munições necessárias para a segurança
des de “pedra canjica” (opus incer- delas”. Para a Capitania de São
tum), de grande resistência e estabili- Vicente (Fortaleza da Bertioga)
dade, e as seteiras remanescentes indi- “mandava para defesa dela a artilharia e
cam construção com função também munições seguintes”: “um pedreiro de
defensiva, adequada àquele primeiro metal e um reparo de rodas maciças”,
período da conquista.” 4 “um falcão também de metal”, “o rabo e
Nos primeiros anos da coloniza- pião dele”, “duas câmaras”, “a chave e o
ção vicentina os conflitos entre os reparo dele”, “trinta pelouros para o
Brasão
portugueses e os indígenas do lito- dito falcão”, “quatro berços também de
de Martim Afonso
ral norte, aconteciam na barra da metal”, “doze câmaras e quatro chaves de Souza
Bertioga, local onde foram cons- para eles”, “vinte pelouros”, “seis arca-
truídas as duas primeiras fortifica- buzes aparelhados”, “uma arroba de pól- pelouros para ele”, “seis meio berços de necer pacífica e quase esquecida até
ções da capitania: o Forte de San- vora de espingarda”, e “vinte espadas metal”, “dezoito câmaras”, “vinte a época das descobertas auríferas.
tiago e o Forte de São Felipe. Era o com suas bainhas”; tudo isso somado pelouros”, “um quintal mais de pólvora A organização militar na Capita-
ponto de divisa entre os territórios aos armamentos “que já estavam de de bombarda”, “trinta espadas guarne- nia de São Vicente ainda conservou
das duas nações inimigas: os tupi- Sua Alteza na dita Capitania de São cidas”, tudo avaliado em “duzentos, sem grandes alterações até o fim do
niquins, aliados dos portugueses, e Vicente, a saber um falcão outro de quarenta, e seis mil, e oitenta, e oito século XVII o sistema implantado no
os tamoios, aliados dos franceses. metal”, “duas câmaras para ele”, “vinte reis”, a serem pagos das rendas do Foral de 04/09/1534 e no Regimento
donatário Martim Afonso de Souza.5 de Tomé de Souza de 17/02/1548.
A conclusão do Forte de São Tiago As tropas regulares (ou de linha)
da Bertioga em 1560, a expulsão dos profissionais pagas pela Coroa, eram
franceses do Rio de Janeiro, o trata- responsáveis pela defesa das rotas
do de paz com os tamoios, e a trans- mercantis, e as forças não regulares,
formação de Santos como a princi- denominadas Serviços de Ordenan-
pal vila da capitania, levaram a ças, convocadas e mantidas em caso
barra pequena da Bertioga a perma- de guerra pelos donatários e capi-
tães, garantiam a defesa da terra. A
expulsão dos franceses do Rio de
Janeiro demonstrou, que em casos
de invasões externas as duas forças
se conjugavam para a defesa do ter-
ritório colonial: a frota de Simão de
Vasconcelos enviada de Portugal, e
as Ordenanças compostas pelos
Mapa da Capitania de São Vicente com
Paliçada indígena ou caiçara suas quatro primeiras fortificações colonos da Capitania de São Vicente.
88 89
Arquitetura Militar A Organização Militar na Capitania de São Vicente nos Primeiros Séculos
consagradas pela metrópole. Após a
difícil retomada de Pernambuco e a
restauração do trono português, a
Fazenda Real encontrava-se descapi-
talizada e as tropas militares do nor-
deste enfraquecidas. Ocorreram inú-
meros ataques de tribos inimigas nas
áreas nordestinas, obrigando a coroa
a recorrer aos bandeirantes de São
Vicente.
Em 1657, o governo requisitava o
auxílio do Capitão-mor de São
Vicente para enviar “sertanistas” para
destruir índios que atacavam os por-
Oficial do Corpo de Dragões de São Paulo em 1775 (esq.); soldado do Regimento
tugueses do Recôncavo, pois todas de Infantaria de Santos e soldado do Corpo da Marinha de Santos, segundo
as tentativas locais haviam fracassa- desenho de W. Douchkine
90 91
Arquitetura Militar A Organização Militar na Capitania de São Vicente nos Primeiros Séculos
inferior, 1 cabo e 8 soldados no For- O reconhecimento dos navios era
tim do Góes. O Forte da Estacada atribuição da Fortaleza da Estaca-
comandado pelo tenente Francisco da, que em caso de suspeita daria
Borja, possuía 1 oficial inferior, 1 “dois tiros de Pessa, com intervallo de
cabo e 8 soldados. O Forte de Itape- hum minuto” hasteando a “bandeira
ma comandado pelo alferes Manoel encarnada”. A Fortaleza da Barra
de Albuquerque possuía, 1 cabo e 2 Grande reconhecendo o sinal de
soldados. O Forte de São Luiz e o de rebate, “firmará bandeira com outros
São João da Bertioga (Registro) eram dois tiros de Pessa”, que seria repeti-
comandados pelo tenente Francisco do pelo Forte de Itapema. Este
de Carvalho, sendo o destacamento sinal, ao ser reconhecido pelas tro-
do primeiro composto de 1 cabo e 8 pas em Cubatão seria enviado ao
soldados, e o do segundo, de 1 cabo planalto, que providenciaria o des-
e 4 soldados. Na antiga Fazenda dos locamento de tropas para socorrer
Jesuítas situada na subida da Serra o litoral, através da Calçada do
de Paranapiacaba, existia um desta- Lorena inaugurada em 1792, e pro- OS ENGENHEIROS MILITARES
camento composto de 1 cabo e 6 sol- teger a Serra de Cubatão.9
dados sob o comando do encarrega- No século XIX, com a instalação da Mario Mendonça de Oliveira escreveu com muita propriedade
do da Fazenda Real do Cubatão. Corte no Rio de Janeiro e principal- sobre a impossibilidade de se estudar a Arquitetura e a
O sistema de defesa do Porto de mente, após a Independência, a Urbanística de Portugal e do Brasil até o século xix, “sem
Santos foi bastante detalhado no ofí- organização iria sofrer profundas defrontar-se, obrigatoriamente, com a Engenharia Militar”.10
cio do governador Antonio de Mello transformações condicionadas ao
N
Castro e Mendonça, de 16/10/1800. novo momento histórico do país. os dois primeiros séculos o meiro projeto enviado do reino para
Corpo de Engenheiros não São Vicente foi “a traça” do peque-
se constituiu numa casta de no forte da Bertioga em 1551, na
elite dentro da organização militar época em que o “Mestre das obras
do reino. Chegou mesmo a ser um da fortificação do Reino, Lugares-
quadro desprestigiado dentre os ofi- -d’além e Índias” era ocupado pelo
ciais de infantaria e artilharia, prin- famoso Miguel de Arruda.
cipalmente os nascidos em terras A publicação em 1680 do livro
brasileiras. Sequer havia distinção “Método Lusitânico de Desenhar
de atribuições entre os construtores as Fortificações”, em Lisboa, de
civis e os engenheiros militares. Os autoria do engenheiro-mor do
primeiros chegaram a construir for- Reino Luís Serrão Pimentel, busca-
tificações enquanto os militares pro- va o estabelecimento de uma meto-
jetaram e construíram incontáveis dologia nacional, a partir das expe-
prédios religiosos, edifícios públi- riências portuguesas e das escolas
cos, além de obras urbanísticas. As francesa e holandesa, além de
regras medievais das corporações salientar a especificidade da fun-
Engenho dos Erasmos em Santos: parede quinhentista com seteiras de defesa. de ofício ainda prevaleciam. O pri- ção da engenharia militar.
92 93
Arquitetura Militar A Organização Militar na Capitania de São Vicente nos Primeiros Séculos
Foi no século XVIII que a carreira mundo na função de “Ingegnere
de engenheiro militar começou a Maggiore di questo Stato” designado
destacar-se como uma instituição pelo governador-geral Francisco de
profissional especial no quadro da Souza: “mi ocupò yn restaurare molte
organização militar. A semente foi di esse ( fortezze) et altri porti fortifica-
plantada pelo engenheiro-mor bri- re di nuovo; discoprire cierte mine dè
gadeiro Manuel de Azevedo For- oro e plata, faciendo una discrizione di
tes, autor da obra “O Engenheiro tutte quelle provincie, e facilitando el
Portuguez” publicada em benefitio di dette mine, dove
1729. A proposta de Aze- continuai cinque anni yn
vedo Fortes tinha detto servitio; scobrire e
como fonte de inspi- conquistare le provinzie
ração a criação do de fiume Maragnone e Capela de Montserrat em Santos, projeto atribuído ao engenheiro militar Baccio
de Fillicaya no início do século XVII.
corpo dos “Enge- Amazone (por solici-
nheiros do Rei” por tação de Diogo Bote-
Luís XIV, segundo lho), (…) dove conquis- memorie”, que havia deixado no Bra- reira” (João Fortes Engenharia, São
Rafael Moreira e Rena- tamo dugiento leghe di sil (Verzino) e que seriam posterior- Paulo, 1981). Aliás, o engenheiro
ta M. de Araújo.11 terra, e sugietamo molte mente enviados, porém estes pre- Costa Ferreira, foi o autor da primei-
O primeiro engenheiro-mor nationi di gentili a questa Corona.” ciosos manuscritos são hoje desco- ra estrada pavimentada ligando o
do Brasil foi talvez o florentino Bac- Em outra carta, Filicaya acrescenta- nhecidos.12 Porto de Santos ao Planalto (Calçada
cio de Filicaya, que aqui chegou no va que “yn basso del mio viaggio (ao O primeiro engenheiro militar a do Lorena) inaugurada em 1792, do
fim do século XVI. A carta-relatório Brasil) vo rilatando tutti i costumi, trabalhar em São Vicente foi o espano- chafariz da Misericódia na cidade de
de Filicaya de 1608, endereçada ao guerre, medicamenti, viveri e leggi; de -italiano Giovanni Battista Antonelli, S. Paulo, elaborou em 1801 o levanta-
seu protetor Grão-duque da Tosca- gentili e di molti sorte di animali di autor do projeto da Fortaleza da mento métrico do Colégio de São
na Ferdinando I, relatava a plurali- dette parte (…)”. Afirmava também Barra Grande em 1583. No Caribe, Miguel em Santos, projetado pelo
dade de suas atividades no novo que havia executado “molti disegni e onde exerceu a função de principal jesuíta Francisco Dias no século XVI e
engenheiro de Felipe II, além das executou as obras do cais do Porto de
famosas fortificações de Cartagena, Santos atrás desse Colégio em 1805.
Havana e Porto Rico, foi o autor do
traçado urbano de Antígua e do pro-
jeto da Capela dos Quatro Santos.
Sobre a extensa atividade desses
engenheiros em São Paulo, que extra-
polou em muito o ofício militar, dese-
nhando cidades, monumentos, igre-
jas, estradas, etc., Benedito Lima de
(página anterior) Capa do livro “Methodo Lusitânico de Desenhar as Fortificações das Toledo já a descreveu em seu livro “O
Pracas Regulares & Irregulares” de Serrão Pimentel Real Corpo de Engenheiros na Capi- Chafariz da Misericórdia, construído por
(acima) Engenheiro Azevedo Fortes
tania de São Paulo, destacando-se a Tebas e projetado pelo Real Corpo de
Calçada do Lorena concluída em 1792 pelo Brigadeiro João da Costa Ferreira do Real Corpo
Engenheiros, em desenho de Edmund Pink,
de Engenharia em desenho de Hércules Florence, c. 1825 obra do brigadeiro João da Costa Fer- 1823
94 95
Arquitetura Militar A Organização Militar na Capitania de São Vicente nos Primeiros Séculos
artilharia ministrado pelo brigadeiro
José Fernandes Pinto Alpoim.
Os ideais iluministas defendidos
pelo marquês de Pombal fizeram
dos engenheiros militares os princi-
pais agentes da política de defesa
territorial no século XVIII. Em função
dos estudos que culminaram no
Tratado de Madri (1750) e Santo
Ildefonso (1777), inúmeros enge-
nheiros militares foram designados
para demarcar os limites desconhe-
cidos do Brasil, construir fortifica-
Sistema bastionado
ções, levantar marcos e ocupar o
Em 1699 foi instalada a Aula de vazio territorial do interior do País.
Fortificação e Artilharia em Salvador,
onde lecionou o Sargento-mor José
Antonio Caldas, e em 1735 curso
Em 1787 foi criado o Real Corpo de
Engenheiros por ato de D. Maria I
conforme preconizava Azevedo
As Fortificações do
semelhante foi criado no Rio de
Janeiro, onde se destacou o ensino de
Fortes em 1729 – embrião da Arma
de Engenharia.13
Canal da Bertioga:
Notas
Fortes de São Tiago
ou São João - São Felipe -
1 Sodré, Nélson Werneck. “História Militar do Brasil”. Civilização Brasileira, 2ª ed. Rio de
Janeiro, 1968, pp. 14-15.
2 Carta de Luis de Góes, de 12/05/1548, escrita da Villa de Santos a El-Rei D. João iii, pedin-
do-lhe que socorresse urgentemente as capitanias e o litoral do Brasil, para que a Coroa portugue-
São Luiz
sa não perdesse esta sua conquista americana. “Documentos Interessantes para a História e
Costumes de São Paulo”, vol. xlviii, Arquivo do Estado de S. Paulo, pp. 09-12.
3 “Corpo de arma de algodão” era o escupil, um tipo de dalmática estofada de algodão para a
proteção de flechas. Sodré, Nelson Werneck. Op. cit., pp. 20 -22.
4 Katinsky, Júlio Roberto – “Monumentos Quinhentistas da Baixada Santista” in Revista USP,
n° 41, S. Paulo, Universidade de S. Paulo, 1999, p. 80.
5 “Documentos Históricos (mandados, alvarás, provisões, sesmarias) – 1549-1553”, vol. xxxviii.
Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, Biblioteca Nacional, 1937, pp. 214-217.
6 “Annaes do Museu Paulista”, Documentação Brasileira Seiscentista, Tomo iii, São Paulo,
1927, pp. 286-288.
7 Idem, pp. 294-302.
8 Idem, pp. 307-308.
9 Correspondência do Governador de S. Paulo de 16/10/1800. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de S. Paulo, Vol. liii, 1956, pp. 443-449.
10 Mendonça de Oliveira, Mário. “Robert Smith e a Engenharia Militar Brasileira” in "Robert C.
Victor Hugo Mori
Smith: “A Investigação na História de Arte”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2000, p. 260.
11 Moreira, Rafael e Araújo, Renata Malcher de. “A Engenharia Militar no Século xviii e a
Ocupação da Amazônia”, in “Amazônia Felsínea – Antônio José Landi, Itinerário Artístico e
Científico de um Arquitecto Bolonhês na Amazônia do Século xviii”, Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1999, p. 177.
12 A Carta de Baccio de Filicaya foi publicada por Gorrini, Giacomo, “Un viaggiatore italiano
nel Brasile” in “Atti del Cong. Di Scienze Storiche”, Roma, 1904, x, p. 39, apud. “Gli Italiani nel
Brasile”, Graphico Paquino Coloniale, S. Paulo, 1922, pp. 70-74.
13 Moreira, Rafael e Araújo, Renata Malcher de. Op. cit., p.181.
96
Arquitetura Militar
SÉCULOS XVI E XVII
Nas primeiras oito décadas após a chegada de Cabral na Bahia,
a política de investimento da Coroa Portuguesa estava
centralizada na rota lucrativa do comércio das Índias.
A
existência de ouro e prata a “paliçadas, cercas pontiagudas de paus
oeste da Linha de Tordesi- a pique, atalaias e torres”. Até mesmo
lhas, provocou o interesse os muros de proteção de Salvador
Foto montagem do Forte de São João da Bertioga depois da restauração de 1999 imediato da Coroa espanhola nos na Bahia, construídos por Luís
seus novos territórios. A costa brasi- Dias, em 1549, “eram obras de taipa
leira sem esses atrativos imediatos de pilão”, segundo afirma Carlos A.
de lucro, foi entregue à administra- C. Lemos1.
ção privada com a implantação do O envio da Armada de Martim
Regime das Capitanias Hereditárias Afonso de Souza, em 1531, tinha
a partir da terceira década. como objetivo estratégico a conquis-
Foram, portanto, incipientes os ta do Rio da Prata. A colonização de
investimentos na colonização do São Vicente nos limites meridionais
Brasil neste período, daí o pouco das terras portuguesas era parte
interesse em se construir “Fortale- importante desta geopolítica volta-
zas Reais” para proteger o territó- da ao domínio do Atlântico sul.
rio. Sobre essa época de improvisos Martim Afonso teria chegado ao
e sacrifícios existem poucos regis- Canal da Bertioga no dia 22 de janei-
tros. As primitivas fortificações ro de 1532, denominando o local de
provavelmente reduziam-se às “Rio de São Vicente” em homenagem
Representação esquemática do Forte da Bertioga, segundo Hans Staden
99
As Fortificações do Canal da Bertioga
Projéteis arremessados pelo tensionamento de cordas (neurobalística),
segundo imagem do Atlas de Diogo Homem, c.1558
100 101
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
Vista do canal do terrapleno do Forte da Bertioga, São Paulo
102 103
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
Mapa de São Vicente (1572-1573), mostrando as três primeiras fortificações: S. Thiago, S.
São Felipe e Forte Vera Cruz de Itapema. “Roteiro de Todos os Sinais na Costa do Brasil”.
Códice Quinhentista da Biblioteca da Ajuda, Lisboa
104 105
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
acompanhamento direto do Gover- de Janeiro em 1567, transformou
nador Geral, demonstra que esta estas área de conflitos incessantes
“Casa de pedra” deveria ser um pro- em uma região de grande calmaria
jeto modesto destinado a cruzar nos anos que se seguiram. Até
fogos com a de Bertioga. mesmo a Vila da Bertioga criada
Durante anos o condestável Pas- por Tomé de Souza em 1553, atra-
choal Fernandes, sua esposa e filhos vés de um ato de força obrigando
foram os únicos moradores da Ilha compulsoriamente seu povoamen-
Na foto à esquerda, proporção atual do Forte S. João da Bertioga conforme obra de Sá e
do Guaibe. A “residência fortifica- to, foi desaparecendo uma vez per- Queiroga em 1751. À direita, a proporção do Forte no séc. XVI
da” deveria estar localizada no dida a sua função estratégica de
único sítio plano da ponta da Serra defesa da Capitania contra os Em janeiro de 1585, o Pe. Fernão afinal os maiores rendimentos da
do Guararu onde poderia abrigar tamoios e franceses do litoral norte. Cardim passando pelo Canal da coroa até o início do século seguinte
pomares e criações – “a praia estrei- O “milagre das luzes celestiais” Bertioga assim escreveu: “a fortaleza provinha do açúcar ali produzido. A
ta” onde existiu a paliçada de Mar- atribuído à Anchieta na década de é cousa formosa, parece-se ao longe com incipiente economia paulista estava
tim Afonso e hoje abriga as ruínas 1970 deste primeiro século, presen- a de Belém e tem outra mais pequena centrada no planalto no comércio
da Armação de baleias. ciado do terrapleno da fortaleza defronte, e ambas se ajudavam uma á escravo e aprisionamento de índios.
Em 18/03/1560, o Rei D. Sebas- por Afonso Gonçalves, genro do outra no tempo das guerras”15. Essa Nesse contexto a proteção do Porto
tião escreveu ao governador Mem comandante, retrata simbolica- imagem do Forte de São Tiago vis- de Santos permaneceu quase inalte-
de Sá que “a fortaleza da bertioga que mente este período de calmaria, lumbrada após 25 anos de sua con- rada, com as mesmas fortificações
está na dita capitania estava por acabar independentemente da veracidade clusão, certamente não se referia a construídas no século anterior: os
e muito desapercebida assim de pólvora, da narrativa do padre jesuíta Simão uma paliçada de madeira improvisa- fortes de São Tiago e São Felipe na
camaras de bombardas como de bombar- de Vasconcelos14. da. A descrição comparativa, descon- Bertioga, a Fortaleza de Santo
deiros e outras coisas” e estava envian- A partir de 1580 com a incorpora- tada a distorção de escala que a dis- Amaro, a bateria de Vera Cruz no
do por Antônio Adorno as peças de ção de Portugal e suas colônias à tância exagera, parece revelar um canal da Barra Grande e o reduto da
artilharia e pólvora necessárias para coroa espanhola, a costa brasileira “baluarte de pedra” com suas guaritas “Praça” ou da Vila de Santos atrás
“armar” a Fortaleza Real12. ficou exposta aos ataques dos ingle- angulares direcionadas para as do Colégio dos Jesuítas.
O Forte denominado de São Tiago, ses e holandeses, inimigos da Espa- águas, semelhante ao forte que ainda A descoberta do ouro em Minas
em função do orago da capela da nha. A cena destes conflitos foi des- hoje marca a paisagem do canal. pelos paulistas em 1698 e o ataque
vila anexa, foi portanto, concluído locada para o Canal da Barra Gran- Durante o século XVII com a ocu- dos espanhóis à colônia portuguesa
neste ano de 1560. O “Traslado de de que era o principal acesso ao pação holandesa em Pernambuco e de Sacramento em 1735, levariam a
Nomeação” do Pe. Fernão Carapeto, Porto de Santos – principal núcleo francesa no Maranhão, a atenção da coroa a reforçar as defesas militares
em 1555 para a “Vigairaria da Igreja da Capitania neste período. A cons- política de defesa foi voltada exclu- das capitanias do sul no decorrer do
de Santiago na Vila da Bertioga”13 com- trução da Fortaleza da Barra Grande sivamente para a região nordestina, século XVIII.
prova o santo padroeiro da primiti- pelo Almirante espanhol Diogo Flo-
va Bertioga. res Valdez, iniciada imediatamente
O “Armistício de Iperoig” com após a expulsão do inglês Edward
os tamoios intermediado pelos Fenton do Porto de Santos em 1583,
jesuítas Nóbrega e Anchieta em demonstra bem essa mudança e o
1563, a conversão dos maramomis, relativo esquecimento do “Canal da
e a expulsão dos franceses do Rio Barra Pequena”.
106 107
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
SÉCULOS XVIII E XIX
O Governo português enviou o brigadeiro João Massé entre 1712
e 1714 a Santos, para projetar um sistema de defesa do porto e
reformar as instalações militares existentes.
N
as primeiras décadas do O Conselho Ultramarino do Rei
século XVIII, considerando acatando as determinações de Silva
a cobiça das “nações estran- Paes, ordenava que “se devia fazer
geiras e de piratas, pelas boa esperan- defronte” ao Forte da Bertioga “na
ças que nesta Capitania há de novos encosta do monte que faz para aquela
descobrimentos” o Governador Ro- parte” um fortim para oito peças,
drigo Cezar Menezes procurou conforme o “risco que também vos
Na imagem de cima, o Forte de São Tiago da Bertioga nos séculos xvi e
“por na última perfeição a fortaleza da remete”17. Este “fortim” estava distan-
xvii.Provável configuração com o volume do terrapleno demolido em 1751.
barra da Bertioga” conforme relatou te daquela “praia estreita” da ponta
O edifício dos quartéis ainda permanecia com duas águas e era protegido por
em carta de 20/05/1724. Foi substi- da Armação, onde se situava a “Casa
uma dupla estacada.
tuída a antiga “estacaria dobrada” de de pedra” de São Felipe. O novo sítio
Na imagem de baixo, o Forte no século xviii. O governador da Praça de
madeira na parte voltada para a escolhido situava-se na encosta
Santos, Luís A. Sá e Queiroga, entre 1745 e 1751 substituiu o volume da
terra, por uma moderna tenalha: íngreme do morro na ponta do canal.
primitiva bateria por uma nova plataforma de armas, mais ampla que a
“porque gastando-se com ela de três em Provavelmente por falta de recursos
anterior. Provavelmente foram reaproveitadas as pedras e cantarias das
três anos muito perto de quinhentos este projeto só seria retomado na
cortinas primitivas. O antigo edifício dos quartéis de planta regular alpen-
mil réis com madeira, ultimamente se segunda metade desse século. As
drada foi mantido nas obras do século xviii. Tratava-se de edificação com
fez de pedra e cal, com muita regulari- “oito peças” de artilharia devem ter
apenas 2,20 metros de altura em duas águas, estruturada em pilastras qua-
dade e tudo o mais necessário para a sido colocadas em uma “trincheira”
drangulares distribuídas segundo uma retícula modulada. A tenalha de
sua boa defesa por um conto setecentos provisória que em um desenho
pedra e cal foi construída pelo governador Rodrigo C. de Menezes em 1724
e setenta mil réis”16. (1751/1769) aparece com a designa-
substituindo antiga estacada de madeira. O projeto de 1751 pretendia
O brigadeiro Silva Paes enviado ção de “Estacada de Simão da Vega”.
aumentar sua altura, mas parece que nada foi feito.
pelo Rei D. João V para fortificar o sul Este precioso desenho mostra tam-
do país, esteve na Barra da Bertioga bém na praia da Fortaleza da Bertio-
em 1738, e encontrou apenas “aquela ga uma capela alpendrada denomi-
bateria, que tem na praia quase toda area- nada de “São João”.
da”. O pequeno forte de São Felipe na O governador da Praça de Santos,
ilha de Santo Amaro, erguido em Luís Antônio de Sá Queiroga, em
1557 por Jorge Fernandes defronte ao 1751, praticamente reedificou a “torre
de São Tiago, parece ter desaparecido da Bertioga”. A diminuta plataforma
face ao abandono a que ficou relega- de armas quinhentista com cerca de
do durante todo o século XVII. Até 100 m2 (80 x 25 palmos) foi demolida
mesmo as denominações dos santos e substituída pela atual com cerca de
“Tiago e Felipe” ficaram perdidas 250 m2. A tenalha voltada para o
nas memórias do século XVI. norte foi elevada para 9 palmos e
108 109
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
complementada por uma estacada assim o determinou”19. Alguns inter-
paralela. O edifício do quartel foi pretaram esta alternativa como vai-
apenas reformado, mantendo-se a dade pessoal do Capitão-General e
estrutura modular quinhentista e sua a denominação da nova fortificação
tipologia palladiana de planta retan- de “São Luiz” acentuou as suspei-
gular e alpendre central. tas. Porém os detratores deveriam
Por volta de 1769 um maremoto levar em consideração três fatores
destruiu parte do terrapleno do Forte nessa escolha: o primeira seria a
da Bertioga construído em 1751. A proteção da “armação de baleias”
guarita e a cortina voltada para leste iniciada à partir de 1748 na “praia
foram deslocadas conforme aparece estreita” do canal do lado de Santo
em um desenho da época pertencen- Amaro; o segundo era a melhor
te a “Coleção Morgado de Mateus” localização do ponto escolhido pelo
da Biblioteca Nacional. A “Capela de Brigadeiro Silva Paes em 1738, cuja
São João” já não aparece neste dese- encosta íngreme ao sul e a platafor-
nho. Situada na areia da praia deve ma natural de rochas sobre a água
ter sido destruída pelo mar e o seu impediam o desembarque e a toma-
orago transferido para o oratório do da do forte pelos inimigos; e o ter-
forte. Ainda neste ano o governador ceiro era a constatação da inadequa-
D. Luiz A. de Souza Botelho Mourão ção do Forte de São João aos novos
(1766-1775), o Morgado de Mateus, conceitos de defesa militar “vauba-
ordenou ao Capitão Fernando Leite niano”, pois esse não possuía arti-
“ir á Bertioga eleger o terreno em que se lharia pelo flanco norte e o desem-
há de delinear a nova Fort.ª”18. barque era facilitado pela extensa
Em janeiro de 1770 o governador praia onde se assentava.
escreve que, entre reformar o terra- O Forte São Luiz apresentava um
pleno “que o mar destruiu” e cons- baluarte semicircular com guaritas
truir uma nova fortificação, esco- nos pontos de deflexão, flanqueado
lheu a segunda opção. Sua justifica- por duas faces em ângulo. Este dese-
tiva para esta atitude foi: “porque nho permitiria que os alinhamentos
sucedeu arrasar o mar a Fortª. da Ber- das artilharias cobrissem “simulta-
tioga, e tenho dado principio a outra no neamente, a entrada do canal, a enseada
morro, que lhe fica fronteiro, com muita fronteira e o mar alto”, conforme des-
grandeza, a qual desejava poder deixar creveu o engenheiro e escritor Eucli-
muito adiantada para poder suprir a des da Cunha20. O projeto de Silva
falta daquela que se demoliu, e possa Paes poderia ter servido de base
dar ocasião a que se dissessem, que se para o novo “risco” executado por
no meu tempo, se acrescentaram umas D. Luiz A. de Souza Mourão, porém
Na imagem de cima, Planta da Fortaleza de São Luiz da Bertioga levantada
também se perderam outras, ainda que as obras deste forte nunca chegaram pelo engenheiro militar José Antonio Teixeira (1898) AHE
esta foi sem culpa minha, porque Deus a se concluir. Embaixo, visualização aproximada do projeto do Forte no século XVIII VHM
110 111
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
Forte da Bertioga na segunda metade do século XVIII. VHM Restauração executada pelo IPHAN no Forte São João baseada na obra de Rufino Felizardo
e Costa incorporando as modificações ocorridas no século XIX. VHM
112 113
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
Planta do Forte da Bertioga, da Coleção Morgado de Matheus. BN
A- Planta da Fortaleza da Bertioga e terrapleno; B- cavidade; C- contraescarpa que o mar
destruiu; D- cortina que desceu de seu lugar por impulso do mar.
tacaniça” ou quatro águas. Acrescen- 1769 havia deslocado deve ter rece-
tou ainda uma cozinha e uma des- bido uma leve reforma, pois apenas
pensa onde “por cima do vigamento em 1942 o SPHAN a recolocou no
deve ter uma parte assoalhada para prumo definitivamente.
guardar as munições de guerra”. A Em 1860, o relatório do Coman-
escarpa leste que o maremoto de dante José Olinto de Carvalho
114 115
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
SÉCULO XX
No início do século xx, as fortificações da Barra da Bertioga
estavam esquecidas e arruinadas. O espírito desse abandono foi
retratado pelo escritor e jornalista Euclides da Cunha.
V
isitando o canal da Bertioga sobre os parapeitos, espalhando as suas
em 22/08/1904 o autor de longas e tortuosas raízes para toda
“Os Sertões”, assim descre- banda num trançado inextricável”.
veu o quartel do Forte São João: Finalizou o relatório com o pensa-
“acaçapada e em ruínas – cômodos mal mento típico do romantismo da vira-
repartidos, sem soalhos e quase sem da do século: “Mas pode-se prever que,
abrigos sob o telhado levadio que desa- afinal com o decorrer dos tempos, cedam
bou”. Afirmou também que era as mais sólidas junturas, operando-se a
“aproveitado como um posto de linha pouco e pouco a demolição inevitável.
costeira do telégrafo nacional, e deve-se a Quaisquer melhoramentos ou retoques,
esta circunstância única não ter caído no que se executem, serão contraproducen-
mais absoluto abandono”. Sobre o tes, desde que o principal encanto dos
Forte São Luiz acrescentou um dois notáveis monumentos esteja, como
lamento: “o reduto secular de Hans de fato está, na mesma vetustez, no
Staden está hoje em condições deplorá- aspecto característico que lhe imprimiu o
veis – invadido de mato, desguarnecido curso das idades”24.
e mal percebido (…) denunciado pelas As ruínas abandonadas recobertas
próprias figueiras-bravas que lhe nasce- pela mata, quase sempre nos dão a
ram por toda a área da plataforma, e impressão de uma antigüidade
116 117
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
baluarte quinhentista de Hans Sta-
den – “a fortaleza de São Felipe”.
Nem mesmo as cortinas escarpadas
de pedra do tipo opus quase reticula-
tum existentes, contrariando as alve-
narias quinhentistas do tipo opus
incertum (pedras irregulares), ou o
desenho cônico em cantaria das
bases das guaritas com as bolas em Primeiro estudo para a recomposição do quartel do Forte São João de autoria de Luís Saia
forma de gotas típicas das fortalezas em 1942. IPHAN
118 119
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
O Forte de São João da Bertioga antes das A restauração concluída em 2000 foi baseada na obra do Engenheiro Rufino Felizardo e
obras de restauração iniciadas em 1997. Costa de 1817. VHM
VHM
de estudar o tombamento e a res- edificou uma residência com três tada para abrigar o Museu João
tauração do Forte de S. Tiago ou S. dormitórios para o zelador do forte, Ramalho. Foram executadas algu-
João. No seu relatório assim o des- permanecendo o restante das pare- mas “obras arcaizantes” à revelia do
creveu: “o forte de S. Tiago é de uma des antigas descobertas. IPHAN, como os balaústres bandeiris-
expressão magnífica. No primeiro sécu- A administração da área ficou com tas e um falso altar jesuítico na cape-
lo defendeu Santos dos Tamoios que o Instituto Histórico e Geográfico la, grades de ferro sugerindo uma
vindos do mar, desejariam atacar a vila Guarujá-Bertioga a partir de 1960. A antiga prisão no quarto do oficial, a
pelas costas. Hoje é simplesmente gra- residência do zelador foi então adap- “casa de farinha” e um padrão de
cioso. As suas pedras enérgicas, a sua
plataforma de vasta perspectiva, as
suas vigias pueris, são duma elegância
arquitetônica impecável. O dedo do
tempo, que é o maior de todos os feiti-
ços, transformou Hércules na própria
Onfale”27.
O tombamento pelo SPHAN acon-
teceu em 1940, e dois anos após ini-
ciaram-se as obras de restauração
das cortinas do terrapleno dirigidas
pelo arquiteto Luís Saia. O estrago
do maremoto de 1769 foi enfim
solucionado. Ainda em 1942, o
A imagem da pesquisa arqueológica por geo-radar demonstra que o “baluarte”
Ministério da Guerra aproveitan- quinhentista foi demolido e suas pedras reaproveitadas na reconstrução de 1751.
Trabalho da arqueóloga Marizilda Campos para o IPHAN.
do-se de parte do primitivo quartel
120 121
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
Notas
1 Lemos, Carlos A. Cerqueira – capítulo “O Brasil”, in “História das Fortificações Portuguesas
no Mundo”. - Direção de Rafael Moreira, Publicações Alpha, Lisboa, 1989, pp. 235-254.
2 A versão mais aceita pelos historiadores baseada na Carta de Navegação de Pero Lopes, é que
o ano da chegada de M. Afonso à S. Vicente seria 1532. Frei Gaspar da Madre de Deus tinha como
hipótese mais provável a data de 22/01/1531. Alonso de Santa Cruz cosmógrafo da armada de
Caboto, em “Die Karten von Amerik in dem Islario General” descreve uma povoação já denomi-
nada “Sanct Bicente” em 1530, cuja localização no mapa é a mesma da atual São Vicente. Houve o
equívoco de dois anos na data ou existiria de fato uma feitoria de S. Vicente antes da fundação
oficial da Vila por Martim Afonso, comandada pelo Bacharel de Cananéia.
3 Madre de Deus, Frei Gaspar da - "Memórias para a História da Capitania de S. Vicente"- ori-
ginalmente publicada em 1797 - Lisboa. Ed. Weiszflog Irmãos, São Paulo / Rio, 1920, p. 131.
4 Staden, Hans – “A verdadeira história dos selvagens, nus e ferozes devoradores de homens,
encontrados no novo mundo, a América… (1548-1555)” – publicado originalmente em Marburg,
1557. Ed. Atual/Dantes Editora, Rio de Janeiro, 1999, p. 49.
5 “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”. Volume xlviii,
Arquivo do Estado, pp. 09-12.
6 “Documentos Históricos 1549-1559 Provimentos Seculares e Eclesiásticos”. Volume xxxv,
Ministério da Educação e Saúde, Bibliotheca Nacional, Rio de Janeiro, 1937, pp. 165-166.
7 Alguns autores atribuem a data de 1547 para a destruição da Paliçada dos Irmãos Braga,
tomando como referência a frase das memórias de H. Staden: “Cerca de dois anos antes de minha
chegada, os cinco irmãos…”. Porém, o termo “minha chegada” deve ser interpretada “a Bertioga”
(1553) e não “a São Vicente”. A Carta do Pe. Diogo Jácome relatando este mesmo conflito em 1551
confirma esta afirmação.
8 Leite, Pe. Serafim. “Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil” (1538-1553). Comissão do Quarto
Centenário de S. Paulo, 1954, pp. 238-247. O relato do Pe. Diogo Jácome de S. Vicente sobre a des-
Imagem do quartel do Forte São João após a restauração de 1997-2000.
truição das casas da Bertioga em 1551, citada por Staden, acrescenta a causa do ataque dos tamoios:
“há poucos dias que daqui fugirão duas moças, ambas irmãs e casadas com homens brancos, as
Martim Afonso no lado externo, tan- tos protestaram imaginando ser a quaes ellas sam filhas de homem branco e de india, de maneira que estão ambas com os contrários:
as quaes dizem são tam maas, que ordenaram com que os indios vieram a dar aqui guerra a huma
que de cimento imitando cantaria destruição do “quartel militar colo- fortaleza, que os brancos tem feita pera resguardo das povoações dos brancos, (…) ficaram muyto
mal feridos de frechadas, e também levarão a artelharia que puderam, e puseram foguo ás casas de
lavrada, etc. A arquitetura residên- nial”. Reaberto no dia 22/04/2000, o palha; só huma de telha avia em que se salvarão os feridos de os nam levarem. Assi que isto diz
que causaram estas molheres maiores diabolidades que nestas terras se fazem…"
cial construída em 1942 e adaptada quartel readquiriu a configuração 9 Este Alvará real pode ser considerado a “certidão de nascimento” da Fortaleza da Bertioga –
cenograficamente para parecer um do projeto do engenheiro militar “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”. Volume xlviii, pp. 19-21.
10 Documento transcrito no livro de Madre de Deus, Frei Gaspar. Op. cit., p. 339-340.
“verdadeiro” quartel militar, transfor- Rufino Felizardo e Costa, incorpo- 11 Escritura transcrita no livro de Madre de Deus, Frei Gaspar. Op. cit., p. 285.
mou-se inadvertidamente num falso rando todos os vestígios do edifício 12 “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”. Volume xlviii, pp.
33-34.
documento da história. primitivo.
13 “Documentos Históricos 1549-1559 Provimentos Seculares e Eclesiásticos”. Volume xxxv,
Quando se iniciou a restauração “O dedo do tempo que é o maior de Ministério da Educação e Saúde, Bibliotheca Nacional, Rio de Janeiro, 1937, pp. 312-317.
14 Vasconcelos, Pe. Simão de. “Vida do Venerável Padre José de Anchieta” (publicado original-
do forte em 1997 com a demolição todos os feitiços”, transformou a esposa mente em 1672 / Porto), Imprensa Nacional Rio de Janeiro, 1943, pp. 194-195.
do telhado da casa do zelador, mui- Onfale novamente em Hércules. 15 Cardim, Pe. Fernão. “Tratados da Terra e Gente do Brasil”. Cia. Editora Nacional, 2ª ed.,
1939, pp. 310-315.
16 “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”. Volume xxxii, p. 71,
transcrito no livro de Muniz Jr. “Fortes e Fortificações do Litoral Santista”, Editado pelo autor,
1982, Santos, p. 22.
17 Carta régia de D. João V, de 27/09/1738 ao governador da Capitania de São Paulo em parte
reproduzindo o relatório do Brigadeiro José da Silva Paes sobre as fortificações da Praça de
Santos, e ordenando o cumprimento das determinações e projetos deixados pelo Brigadeiro –
cópia arquivo iphan – sp
18 “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”, Volume 92, p. 77.
19 “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”, Volume 92, p. 103.
20 Euclides da Cunha em 1904 passando férias em Indaiá, esteve nos dois fortes da Bertioga:
São João e São Luiz que imaginou tratar-se do São Felipe de Hans Staden. Escreveu um texto
denominado “Os Reparos nos Fortes de Bertioga”, publicado posteriormente em “Euclides da
Cunha, Obras Completas, Vol. i”, que incluía um diagrama esquemático da planta do Forte S.
Luiz.
21 Documento intitulado “Sobre as fortificações da costa marítima da Capitania de São Paulo”
publicado em “Doc. Inter. para a Hist. e Costumes de São Paulo”, Volume xliv, pp. 303-308.
22 Trata-se do documento de obras mais completo sobre o Forte S. João da Bertioga disponível
nos arquivos. Acompanhado dos desenhos da planta e da elevação, o relatório descreve com
122 123
Arquitetura Militar As Fortificações do Canal da Bertioga
minúcia o estado anterior do forte (1817) e a proposta de alteração. Maço 20/pasta 2/doc. 6 do
Arquivo do Estado – cópia arquivo iphan.
23 Relatório escrito a lápis datado de 1860, assinado O Genal. Come. Mar. José Olinto de Carvº.
e Silva, do Arquivo Histórico do Exército (RJ) com reprodução no Arquivo do iphan-sp.
24 Ver nota 20 sobre este relatório de Euclides da Cunha. O “jornalista” E. da Cunha também se
manifestou sobre a artilharia inexistente no Forte S. João: “há pouco mais de dois anos, uma
comissão de engenheiros militares percorreu êste trecho da nossa costa, arrolando aquelas velhas
bôcas de fogo, que o governo federal parece ter cedido a um contratante pelo preço dos ferros
velhos imprestáveis…”
25 O tombamento deste forte pelo iphan em 31/10/65 utilizou a denominação “Forte de São
Felipe. Em recente trabalho “Monumentos Quinhentistas da Baixada Santista”, do Prof. Júlio
Katinsky, publicado na “Revista da usp” nº 41, 1999, pp. 74-97, o autor interpretou formalmente os
restos do Forte de São Luiz, como remanescente da construção quinhentista do Forte S. Felipe, ao
encontrar similaridade da sua cortina curva com um provável muro (“barbacã”) de defesa do
Engenho dos Erasmos. Segundo o autor seria este forte comparável aos exemplos do Livro de
Duarte das Armas (1516). Afonso de Taunay foi um dos poucos autores a afirmar que estas ruínas
pertenciam ao Forte de São Luiz: “O Morgado de Matheus (…) ordenara que no local do antigo
forte de São Felipe se erguesse novo baluarte que devia ter o nome de seu santo padroeiro: São
Luiz”. In “Uma Relíquia Notabilíssima a Conservar: O Forte de São Tiago da Bertioga”, Revista do
sphan nº 1, p. 6.
26 Tanto o tombamento do Condephaat como o do iphan reiteraram a denominação “Ermida
Santo Antonio do Guaibe” na Armação das baleias. A carta do gov. D. Luiz Antônio de Souza de
29/12/1766 ao Conde de Oeyras demonstra claramente que as ruínas atuais foram construídas
após o governo do Morgado de Matheus (1768) pelo administrador da Armação Francisco José
da Fonseca, pois o próprio governador proibiu a construção de uma nova capela, tendo em vista
a existência do oratório da Fortaleza da Bertioga: “…fui fazer visitas na Fabrica da Armação das
As Fortificações
Baleas da Barra da Bertioga, no dia 10 de março deste ano…advertindo que se determinava fazer
huma Capella junto as cazas da dita Armação a prohibi por ser em prejuízo da Fazenda de S.
Mag.e…”.
27 Relatório do sphan de 28/11/1937. Onfale (esposa de Hércules). Mário de Andrade também
da entrada do Canal
constatou “uma rachadura de alto à baixo” na cortina sul e a fachada nordeste “está cedendo”,
com a guarita “pendendo para terra ameaça ruir” – era o estrago do maremoto de 1769 que ainda
não fora de todo solucionado.
da Barra Grande
Fortaleza de Santo Amaro da
Barra Grande e Fortim do Góes
Forte do Crasto ou da Estacada
124
Arquitetura Militar
SÉCULOS XVI E XVII
“F
oi durante o domínio espa- vês José Adorno, convidou seu
nhol sobre Portugal que amigo na Inglaterra Richard Staper
realmente se organizaram a enviar um navio para S. Vicente
os primeiros sistemas eruditos de forti- para “trazer mercadorias” e “carregar
ficação” aqui no Brasil, cujos de acúcar”. O navio Minion of
protagonistas foram os London chegou em Santos
engenheiros italianos a em 03/02/1581, perma-
serviço de Felipe II, “na necendo pacificamente
época os maiores especialis- por três meses e partin-
tas em fortificações moder- do em junho carregado
nas apropriadas às novas de açúcar.2
armas de fogo”1. Edward Fenton partiu
As mudanças desse período da Inglaterra em 01/05/1582
tardaram a se refletir na longínqua com destino às Índias pelo Estreito
Capitania de São Vicente. Ainda em de Magalhães. O almirante espa-
1578, o inglês John Whithall, que nhol Diogo Flores Valdez, nomea-
Imagem do “Trattato del Radio”, de Latino Orsini (1583)
Na página ao lado, águia bicéfala dos Habsburgos:
adotara o nome de João Leitão, do por Felipe II “Capitão General
símbolo do poder de Felipe II nas Américas. casado com a filha única do geno- das Costas do Brasil”, com uma
126 127
Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
Detalhe da ilustração “St. Vicent” do livro de viagem de Joris van Spilbergen, ca. 1615.
À direita, na entrada do canal de acesso ao porto, aparece a isolada Fortaleza da
Barra edificada em 1583. A reprodução da gravura do livro “Capitanias Paulistas…”
de Benedito Calixto, apresenta a seguinte legenda: H- é um castelo na costa da terra perto do
rio; I- são quatro de nossas chalupas subindo o rio; K- é um dos nossos navios que protege as Imagem provável da Fortaleza da Barra Grande nos dois primeiros séculos da colonização
nossas chalupas; P- como se incendiou um pequeno navio português. em fotomontagem sobre foto de Carlos Marques (1998) VHM
armada de 16 navios, partiu de O Almirante Flores Valdes partiu prometido recompensar com “dinhei- mento das naus com destino ao
Cádiz em 09/09/1581, para percor- do Rio de Janeiro em novembro de ro e depois lhe fora pago com vinho vina- Estreito de Magalhães. Ao contrá-
rer as costas do Brasil até o Estreito 1582 em direção ao sul. A Câmara da gre e ferro e lona podre”4. rio do Minion of London, desta vez
de Magalhães onde deveria fortifi- Vila de São Paulo, em 1583, se revol- Chegando a esquadra em Santa os ingleses foram recebidos com
car as duas margens. Integravam a tou com a Provisão de Jerônimo Lei- Catarina, Valdez separou três reservas face às novas relações da
esquadra espanhola, Pedro Sar- tão, Capitão de S. Vicente, ordenan- navios dados como impróprios política internacional e principal-
miento Gamboa, designado gover- do pela segunda vez ao moradores para prosseguir, “Almirante, Con- mente devido a presença da esqua-
nador do Estreito de Magalhães; “para que dessem duzentas rezes de gado cepción e Begónia, e mandou-os para o dra espanhola de Felipe II na região.
Alonso de Sotomayor, nomeado vacum para a armada de sua majestade Rio de Janeiro sob o comando de Andrés As negociações com Fenton esta-
governador do Chile; o engenheiro para seguir a viajem do estreito de maga- Igino”, que partiu contrariado, no vam sendo encaminhadas por José
militar Bautista Antonelli e o vedor lhães”. Responderam os vereadores dia 14/01/1583. A esquadra princi- Adorno, seu genro João Leitão
e contador da armada Andrés Egui- ao Capitão que os moradores “todos a pal chegou à entrada do Estreito de (John Whithall), Estêvão Raposo e
no (Igino). uma voz comum disseram que o gado que Magalhães no dia 07/02/1583, e Paulo Bandeves, “quando na tarde de
O tempo da estada no Brasil da ao presente havia nesta vila e seu termo fracassou na tentativa de contorná- 24 entraram as naus espanholas e tra-
esquadra espanhola “passou-se em não era senão vacas femeas e não havia -lo e fazer as fortificações, retor- vou-se o combate”. A nau espanhola
resgate de pau brasil e outras mercado- boi macho nenhum por serem dados o nando ao Brasil.5 Santa Maria de Begónia foi destruí-
rias, rusgas entre os chefes. Os resgates, ano passado para a dita armada de sua No dia 19/01/1583, o inglês da e os ingleses partiram com algu-
verdadeiros peculatos, estenderam-se majestade”. A recusa tinha também Edward Fenton chegou ao porto de mas avarias, retornando à Inglater-
também a São Vicente, onde foi tomada como justificativa que no ano ante- Santos, que era um dos mais impor- ra sem completar a missão nas
carga de açúcar”3. rior (1582) o Almirante Valdez havia tantes entrepostos para o abasteci- Índias.6
128 129
Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
Edward Fenton sentiu o gosto da que se dixiese que habia hecho algo y
vingança cinco anos depois. Foi cubriese lo que no tenia cubierta. Y por
designado pela coroa inglesa esto dejó alli al ingenier que iba para uno
comandante da nau Mary Rose na de los fuertes, y por alcaide á Domingo
batalha que destruiu a “Invencível de Garri”. Segundo Sarmiento, este
Armada” de Felipe II. Essa derrota “ingenier” era Bautista Antonelli.7 A FAMÍLIA ANTONELLI :
marcou o fim da hegemonia maríti- Rafael Moreira acrescenta que esse CONSTRUTORES DE MONUMENTOS
ma da Espanha e Portugal. Nas pró- engenheiro militar era o italiano
ximas décadas as invasões de ingle- Bauttista Antonelli, que “juntamente
ses, franceses e holandeses serão com seu auxiliar o jesuíta Gaspar Sam-
constantes tanto na área caribenha pere” empreenderam obras em San-
como no nordeste brasileiro. tos e no Rio de Janeiro entre 1582 e
Andrés Eguino (Higino ou Igino) 1584, e fora autor de “interessantes
ordenou a construção de um forte estudos para ligar Abrantes ao Escorial e
na entrada da Barra Grande de Madri por via fluvial”.8
Santos, aproveitando-se da artilha- Antonelli permaneceu em Santos Antes da abdicação de Carlos v em seus sobrinhos Francisco (Francesco),
ria e materiais da nau destruída por determinação de Valdez junta- 1555, seu filho Felipe (1527-1598) gover- Cristóbal (Cristóforo) de Roda, e Juan
nava o Ducado de Milão, que se estendia Bautista (Giovan Battista, o jovem).
Santa Maria de Begónia, e seguiu mente com a guarnição do Begónia, de Pavia até Mântova. Todo o sul abaixo de Todos adotaram o sobrenome famoso
para o Rio de Janeiro com as duas projetando e dirigindo as obras da Roma e a região do Piemonte também esta- "Antonelli".
vam sob o domínio dos Habsburgos. Bautista, o irmão mais novo, estava em
naus restantes, deixando a tripula- Fortaleza da Barra Grande, e prova- Em 1557 o engenheiro militar Giovanni 1583 na esquadra de Flores Valdez na
ção do Begónia guarnecendo o velmente, auxiliando os moradores Battista Antonelli, acompanhando o Duque Costa do Brasil para projetar fortificações
Filiberto de Savoia e a família Gonzaga Col- no Estreito de Magalhães. Devido a um
forte. No mês de abril chegou a da capitania a melhorar as incipien- lona de Mântova, teria participado da bata- incidente no Porto de Santos com inglêses,
Santos Pedro Sarmiento Gamboa, a tes fortificações da capitania. A lha de San Quintin, sob o comando do acabou permanecendo na Capitania de São
Duque de Alba, na vitória dos "espano-ita- Vicente para projetar e construir a Fortale-
quem devemos os relatos históri- similaridade tipológica entre os edi- lianos" sobre os franceses aliados do Papa za da Barra Grande, conforme o relato de
cos destes acontecimentos. Em fícios dos quartéis da Fortaleza de Paulo iv. O Tratado de Cateau-Cambrésis Pedro Sarmiento Gamboa.
no ano seguinte referendou como domínio Em 1586, após o saque de Francis Drake
seguida chegou o comandante Santo Amaro da Barra Grande e do de Felipe ii da Espanha as áreas de Milão, ao Caribe, Bautista foi designado engenhei-
Diogo Flores Valdez, retornando Forte da Bertioga (únicos existentes Nápoles, Sicília e Sardenha. Inúmeros ro militar para a região. Chegou acompa-
arquitetos e engenheiros da "península ita- nhado dos parentes engenheiros, todos a
da mal sucedida empreitada no nessa época), não obstante as altera- liana" sem o apoio do mecenato papal e dos serviço de Felipe ii.
Estreito de Magalhães. ções externas que sofreram a partir ducados independentes, buscaram amparo Devem-se à "família Antonelli" inúme-
na corte espanhola através do Duque de ros projetos hoje declarados Patrimônio da
Sarmiento Gamboa relatou que o do século XVIII, tem como hipótese, Alba, vice-rei de Nápoles e Sicília, e do pró- Humanidade pela Unesco: as muralhas
almirante Valdez desqualificou a a influência de Antonelli em 1583 prio Felipe ii que fora governante da região defensivas de Cartagenas de Índias, o sis-
milanesa. tema de fortificação de Havana incluindo a
obra iniciada “de mala traça” por ou do florentino Baccio de Fillicaya, Battista Antonelli foi colega e protegido famosa Fortaleza de "El Morro", a Forta-
Igino, transferindo para si o crédito que esteve em Santos no início do do arquiteto aristocrata Vespasiano Gonza- leza de "San Pedro de la Roca" em Santia-
ga Collona (1531-1591), vice-rei da região go de Cuba, o forte de Portobelo no atual
dessa iniciativa para ofuscar o seu século XVII. valenciana com quem trabalhou no sistema Panamá, o traçado urbano de Antigua na
fracasso na missão no sul: “Y para del A construção dessa fortaleza tinha de fortificação de Alicante a partir de 1562. Guatemala, as fortificações de Campeche
Gonzaga Collona, posteriormente Duque no México, a Fortaleza de "San Felipe del
todo descomponer las cosas del Estrecho, dois objetivos. O primeiro seria de de Mântova, projetou e construiu em 1588 Morro" em San Juan de Porto Rico, etc.
quiso (Valdez), aprovechar-se de la oca- guarnecer o Porto de Santos, um a célebre cidade fortificada de Sabbioneta - São também atribuídos à lavra dos "Anto-
um marco do urbanismo renascentista. nellis" o Forte de Trujillo em Honduras, a
sion del fortezuelo que halló comenzado, entreposto importante para a rota Juan Bautista ou Battista era o chefe de conclusão do Aqueduto "de la Zanja Real"
uma família de engenheiros militares, em Cuba, e o forte de San Juan Di Ulúa
y adjudicó aquello que habia hecho ao Estreito de Magalhães, de nave- composta pelo irmão Bautista Antonelli e em Vera Cruz no México.
Andrés de Aquino (Igino) para si, por- gantes ingleses e holandeses; e o
130 131
Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
segundo, marcar simbolicamente a
presença do rei Felipe II da Espanha
(Felipe I de Portugal) nessas para-
gens perdidas do Atlântico Sul,
impondo aos vicentinos a obediên-
cia legal à dinastia dos Habsburgos.
A resistência e a indignação dos
moradores da Capitania às “expro-
priações de mercadorias” determi-
nadas por Valdez, o comércio ilegal
com navegadores ingleses, e o clima
ainda persistente tanto no Brasil
como em Portugal, do desejo da Canhão primitivo, semelhante aos
restauração do trono português, utilizados na defesa da Capitania de São
Vicente no século XVI – Castelo de Santo
provavelmente levaram o Coman- Ângelo, Roma
dante espanhol à construir essa for-
tificação e a manter uma guarnição A armada de Flores Valdez retor-
“espanhola” com cem soldados. nou a Espanha em maio de 1584,
Além do relato de Pedro Sarmien- após dar início a uma fortificação
to, temos também o testemunho do denominada de São Felipe no
Padre José de Anchieta no seu céle- atual Estado da Paraíba. Em março
bre apontamento “Informações do de 1585, ainda permanecia na For-
Brasil e de suas Capitanias” de 1584: taleza da Barra Grande a guarni-
“Nela fez agora Diogo Flores Valdes, ção de soldados espanhóis chefia-
general da armada que Sua Majestade da por Domingo de Garri, confor-
mandou ao estreito de Magalhães, um me narrativa do padre Fernão Car-
forte com gente e artilharia, porque está dim: “O padre (visitador Christo-
da outra banda do rio que é a barra de vão Gouvêa) em S. Vicente visitou
São Vicente onde podem entrar naus os padres.(…) também visitou o forte
grossas. Nesta barra estiveram o ano que deixou Diogo Flores, com cem sol-
passado de 1583 dois galeões ingleses dados”.9 Certamente muitos desses
que queriam contratar com os moradores soldados-construtores espanhóis
e, vindo de arribada três naus da dita escolhidos eram artífices e deze-
armada maltratada das tormentas, mete- nas deles aqui se radicaram. Como
Implantação provável do projeto original da Fortaleza de Santo Amaro com suas baterias ram os ingleses uma delas no fundo com é o caso do famoso Bartolomeu
escalonadas VHM
morte de alguma gente e se foram aco- Bueno, carpinteiro naval, que pos-
lhendo”. Fica claro que Fenton não teriormente foi o inspetor das
estava em Santos fazendo pilhagens obras da Matriz de São Paulo e pai
mas simplesmente comerciando com dos bandeirantes Jerônimo Bueno
os moradores locais. e Amador Bueno.
132 133
Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
Uma das hipóteses possíveis possuiam ampla formação erudita,
aventada por Carlos C. Lemos seria balizadas pelos seus mecenas e
que “os modelos eruditos construídos à protetores: Vespasiano Collona e
beira do canal de Santos e de Bertioga Ferdinando I.
poderiam muito bem ter inspirado os Muitos autores minimizaram a
projetos de casas rurais, tanto nos pró- capacidade dos engenheiros milita-
prios engenhos litorâneos como serra res na elaboração de projetos arqui-
acima, nos esparsos complexos roceiros tetônicos eruditos. Mário Mendon-
bandeiristas”. O autor questiona ça de Oliveira desfaz esse precon-
porém a possibilidade do Tratado ceito afirmando que bastaria con-
de Andrea Palladio publicado em sultar “um tratado de engenharia mili-
1570, pouco anos depois, estar tar português onde os grandes arquite-
influenciando os construtores nas tos italianos são citados com invulgar
longínquas colônias de Portugal e intimidade, desde Vitrúvio, ao lado de
Espanha.12 Esse modelo tipológico mestres de fortificações como Castriotto,
aqui transplantado tem origem na Sardi, Antoni, Dogen, Freitag, De Ville,
Vila Medici de Poggio a Caiano na Pagan, Vauban, Maralois, Stevin,
Toscana projetada em 1480 por Giu- Medrano, e assim por diante.” 13
liano da Sangallo. A impressão de quem avista a for-
Assim, uma das alternativas viá- taleza, com suas muralhas serpen-
veis seria a presença direta na Capi- teando pelas encostas, é que a topo-
tania de S. Vicente de projetistas grafia foi o elemento determinante
Fortaleza projetada na Barra da Vila de Santos em meados do século XVII – contra-bateria
da Fortaleza da Barra Grande – no local onde existiu o Forte do Crasto AHU “eruditos”, com amplos conheci- do projeto. Essa também foi a inter-
mentos da arquitetura “mediterrâ- pretação de Júlio Katinsky e Fernan-
Teria restado alguma evidência da cio do alojamento dos soldados nea”, das vilas da renascença na Itá- da Fernandes que não identificaram
fortaleza quinhentista edificada por seria “seguramente do século XVIII”.10 lia, e dos textos dos tratadistas ita- nessa planta “a tipologia das fortifica-
Antonelli após as grandes obras de A planta do edifício dos quartéis, lianos. Giovanni Antonelli – o mais ções onde a geometria é o elemento defi-
transformação promovidas no sécu- dimensionada para abrigar “cem importante engenheiro militar de nidor da organização espacial”14. Des-
lo XVIII? Se tomarmos como referên- soldados” de Flores Valdez, poderia Felipe II para as Américas – foi o pri- vinculado das obras dos tratadistas
cia o relatório do Brigadeiro João ter como matriz a tipologia das meiro desses “eruditos” a projetar do Renascimento pela “ausência de
Massé de 1714, poderíamos aferir vilas renascentistas. Seu partido fortificação nessa capitania e inú- bastiões, baluartes e tenalhas”, o proje-
que haviam permanecidos dos sécu- arquitetônica é similar ao que meros de seus artífices aqui perma- to “sugere uma tradição técnica mais
los anteriores, as duas baterias encontramos na Bertioga, e nas neceram. O engenheiro florentino facilmente identificável com as técnicas
sobrepostas “a de dentro e a de fora”,“a casas rurais do planalto dos séculos Baccio de Fillicaya foi o segundo registradas nos desenhos das fortalezas
casa que serve de Armazem de polvora” XVII e XVIII, denominadas “casas que passou por aqui nos primeiros às divisas com a Espanha, do livro de
(atual capela), e o edifício dos “quar- bandeiristas”. Segundo Luís Saia, anos do século XVII, projetando o Duarte das Armas (1516)”15.
teiz”. Tanto esse relatório como o de essas casas paulistas tinham nos Forte de Montserrate e a capela do Qual teria sido o motivo da esco-
autoria do Brigadeiro Silva Paes de desenhos das plantas “além da ori- mesmo nome na Vila de Santos por lha desse sítio acidentado, quando
1738, colocan em dúvida a afirma- gem mediterrânea tradicional” o “tra- ordem de Francisco de Souza. Esses do lado oposto do canal a área
ção de Júlio Katinsky que esse edifí- tamento palladiano erudito”.11 primeiros engenheiros italianos plana permitiria a construção de um
134 135
Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
Vila Mediceas de Poggio a Caiano (esq.)
A INFLUÊNCIA DO RENASCIMENTO ITALIANO Vila Medicea de Artimino (em cima)
Forte Belvedere ou de São Jorge (em baixo, à esq.)
Fortaleza da Barra Grande, na Capitania de
A Vila Medicea em Poggio a Caiano nas cercanias de Florença, é consi- São Vicente (em baixo, à dir.)
derada a primeira da renascença. A residência projetada em 1480 por Giuliano
da Sangallo para Lorenzo Medici, antecede em cerca de setenta anos a tipologia
das vilas com a loggia entalada no eixo da fachada principal ao gosto de Andrea
Palladio, cujo padrão foi disseminado nas terras paulistas.
A Vila Medicea de Artimino, inspirada na vizinha Vila de Poggio, foi
construída entre 1590 e 1595 por Bernardo Buontalenti (arquiteto e engenhei-
ro militar) para moradia de Ferdinando I. O Grão-duque da Toscana, era o pro-
tetor e responsável pela formação educacional do jovem Baccio di Filicaya – o
primeiro Engenheiro-mor do Brasil. O curto aprendizado profissional de Filica-
ya em Florença deve ter sido intenso. Além da construção da Vila Artimino,
Ferdinando I estava construindo o Forte Belvedere em Florença, também pro-
jetado por Buontalenti, onde o edifício do aquartelamento seguia a tipologia das
vilas residenciais como ocorreria em Santos.
Baccio di Filicaya foi o segundo engenheiro militar italiano a trabalhar em
Santos nos primeiros anos do século XVII. Assim como o seu compatriota Gio-
vanni Antonelli, o pioneiro na Capitania de São Vicente, deve ter trazido novi-
dades na arte de projetar e construir nestas paragens desconhecidas e distantes
de Florença – berço do Renascimento.
136 137
Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
do século XVII para um sistema de atual Ponta da Praia de Santos, em
O armazém de Pólvora foi O edifício dos quartéis possuia tropas irregulares particulares sob o frente à Fortaleza de Santo Amaro,
desativado por se encontrar em uma altura a†é o frechal de
lugar desprotegido apenas 2,30 m. comando de um senhor. Surgiram mas nada foi edificado por falta de
as Bandeiras, voltadas para a captu- interesse da Coroa.
ra de indígenas para suprir a imen- Com a restauração do trono por-
sa carência de escravos. tuguês em 1640, a partida dos
No litoral, a existência de uma holandeses de Pernambuco em
fortaleza isolada na entrada da 1654, e principalmente, a descoberta
Barra Grande, desguarnecida pelo de ouro na Capitania de S. Vicente
lado oeste onde um “morro servia de em 1698, a proteção ao Porto de
padrasto”, e sem o apoio de uma Santos voltou a ser uma prioridade
contra-bateria para o cruzamento política da metrópole.
de fogos, servia apenas como marco Aliás, os descobrimentos aurífe-
simbólico do domínio luso-espa- ros alteraram profundamente a
Fortaleza da Barra Grande antes da intervenção de João Massé em 1714 VHM nhol. O ataque do corsário Caven- organização militar no Brasil no
dish ao porto de Santos e à Vila de século XVIII. Com o objetivo de con-
baluarte estelar? O projeto da Forta- timoneiros diante das imprevisíveis S. Vicente em 1591, apenas compro- trolar todas as áreas de extração e
leza abaluartada do Crasto projeta- trajetórias dos projéteis disparados. vou a ineficácia de uma fortaleza de circulação, a Coroa se viu obriga-
do por João Massé em 1714 do lado Nos anos que se seguiram, esse isolada na Ilha de Santo Amaro. da a instalar milícias regulares no
de Santos, demonstrou ser factível rudimentar partido com reminis- Em meados do século XVII foi pro- território, desfazendo, paulatina-
essa opção. cências medievais, foi aperfeiçoado jetado um forte quadrangular com mente, o sistema de defesa “feudal”
Ao observarmos os inúmeros e consagrado no projeto de Neuf- quatro baluartes, fosso e revelins na implantado em 1534.
projetos da “família de Juan Bautis- -Brisach de Vauban.
ta” na região do Caribe, a hipótese No início do século XVII os maio-
do “estilo Antonelli” de fortificar res rendimentos da Coroa advi-
poderia ser a resposta para essa nham da produção açucareira do
indagação. Quase todas as fortifica- nordeste e do monopólio da comer-
ções tem como característica as cialização de escravos africanos. A
“baterias sobrepostas” escalonadas perda da principal área brasileira
sobre as escarpas naturais, que per- de produção de açúcar e dos entre-
mitem linhas de tiros “rasantes” e postos de escravaria na África para
de “mergulhão”. A Fortaleza de S. os holandeses levaram a metrópole
Felipe de Porto Rico chegou a pos- a concentrar os investimentos de
suir quatro níveis de patamares de defesa na área nordestina.
armas, interligados por uma rampa. A Capitania de S. Vicente perma-
Considerando-se o reduzido alcan- neceu nesse período fora da aten-
ce e precisão das primitivas artilha- ção e do controle do governo cen-
rias do século XVI, este “sistema tral. No planalto paulista as orde-
Antonelli” permitiria surpreender o nanças compostas por “regimentos
ataque das naus, desnorteando os não regulares”, evoluíram a partir
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Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
SÉCULOS XVIII E XIX
Através da Carta régia de 02/12/1698, o rei ordenou “a arrecadação
dos impostos” na Capitania de São Vicente com objetivo de “pagar a
edificação da fortaleza da Barra naquela vila”, que serviria de apoio
à antiga Fortaleza de Santo Amaro.
E
sta tentativa também fracas- "Forte do Crasto", possivelmente,
sou, porém, o interesse polí- aproveitando-se do desenho do
tico de dar prioridade à século XVII: planta quadrangular
defesa da vila Santos estava cada com quatro baluartes. O governo
vez mais explícito: “ter nela o maior português, cauteloso diante do
cuidado por ser o único porto para as vulto da obra, ordenou a ida do bri-
minas”. gadeiro João Massé e Manoel
Planta da Fortaleza de Santo Amaro (1734): das obras projetadas em 1714 por Massé
Finalmente, em 30/10/1710, João Pimentel a Santos, para examinar o apenas havia sido construído o reduto no alto do morro AHU
de Crasto de Oliveira em petição ao local e fazer “a figura da fortificação
rei, se ofereceu para edificar a for- que paracer mais conveniente”, pois de elaborar, em 1714, os projetos da forma da planta desenhada pelo
taleza defronte à de Santo Amaro sem o “conhecimento do terreno, se “Fortaleza do Crasto” e da moder- brigadeiro João Massé, e somente
às suas custas, incluindo os “quatro não poderá fazer tão importante obra nização da Fortaleza da Barra Gran- após a conclusão das obras aprova-
quartéis para a Infantaria desta praça”, como a esta que se pretende”.16 de, introduziu na Baixada Santista das por um engenheiro real teria
“sem reparo no grandioso custo a que O brigadeiro João Massé foi o os modernos conceitos de Vauban, “efeito as tais merçês”. O projeto do
há de chegar”, orçados em duzentos mais importante personagem na procurando transformar as primiti- brigadeiro possuía planta quadran-
e cinqüenta mil cruzados, tudo em consolidação da defesa militar da vas fortificações de caráter pontual, gular com uma tenalha voltada
troca das seguintes “mercês”: capitania no período colonial. Além num complexo sistema de defesa para o Canal da Barra, e dois
“1ª O Forro de Fidalgo da Casa de S. territorial. No próximo capítulo, baluartes angulares no lado norte.
Mag. na forma do Estilo. trataremos do projeto que visava a Estava protegido por um fosso e
2ª Dois hábitos de Cristo cada um com transformar a vila de Santos em uma linha externa de estacada.18
Tença de oitenta mil reis cada ano por recinto fortificado: “a praça forte Para a Fortaleza de Santo Amaro,
três vidas para passar de Pai a Filho e vaubaniana”. Segundo Mario Men- o engenheiro Massé iria propor uma
deste a Neto, pagas as ditas tenças donça, o brigadeiro João Massé “era grande obra de reforma. O precioso
nesta provedoria de Santos. de origem inglesa (possivelmente bati- relatório de obras que nos deixou,
3ª A propriedade de um ofício nas zado John Massey) e não francesa, como demonstra que apenas o edifício
minas que renda todos os anos duzen- muitos historiadores dizem e, até dos quartéis ou “casa forte” perma-
tos mil reis. mesmo, antigos documentos infor- neceria na configuração primitiva.
4ª A patente de Sargento Maior da mam”.17 Tudo mais seria alterado e amplia-
Dita Fortaleza para mim e meus des- A provisão régia de 27/01/1715, do para atender os novos preceitos
cendentes com vinte mil reis de soldo considerando “a grande despesa, que da arquitetura militar:
cada mês”. Petição de João de Crasto de Oliveira a fazenda Real não pode suprir”, man- “Na Barra Grande deve-se acabar a
solicitando “mercês” em troca da
Em 1712, Manuel de Vila Lobos construção do Forte do lado de Santos
dou aceitar a proposta de João Fortaleza de Santo Amaro para o que
elaborou um projeto para o novo (1710) AHU (Manuel) de Crasto de Oliveira, na necessita das obras seguintes (…):
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Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
uma estacada paralela aos lados, na de Mato Grosso e os territórios espa-
forma que se tem explicado no papel nhóis da vertente amazônica”. O prin-
que toca a fortaleza nova (na praia cipal personagem na estruturação
fronteira). João Massé” da defesa do litoral sul foi o briga-
A Carta régia de 22/03/1721 orde- deiro José da Silva Paes, que no ano
nava a alfândega do Rio de Janeiro de 1739 projetou “um sistema trian-
consignar 4.000 cruzados anuais ao gulado de fortalezas” para a defesa de
novo governo estabelecido em S. Santa Catarina.21
Paulo, para as obras da Fortaleza de A provisão real de 15/02/1736
Santo Amaro propostas pelo briga- ordenou a suspensão de todas as
deiro Massé. Quase nada havia sido obras de defesa da praça de Santos
Projeto do Brigadeiro Massé para executado, pois ainda faltavam os até a vinda do brigadeiro Silva Paes.
a Fortaleza do Crasto em 1714 AHU (esq.) “parapeitos, um recinto em toda a cir- Um dos fatores que motivaram a
Em 1714, apenas a tenalha projetada por cunvalação do monte, cortadura, casa de presença do brigadeiro em Santos,
Massé foi executada. O restante das obras pólvora, e correr-se uma cortina pela tinha sido a peritagem feita por
foi embargado pelo Brigadeiro Silva Paes
em 1738 VHM (em cima) parte do Rio”.19 ordem do conde de Sarzedas Luís
Enquanto em 1726 o Governo do Antônio de Távora, na “obra princi-
Levantar se os parapeitos das Bate- para aonde se entra do Rio a fortaleza, Rio de Janeiro continuava a explicar piada a custa de João de Crasto cujos
rias até nove palmos por dentro e seis coberta adiante de uma travessa de alve- os motivos que o impediam de alicerces se acharam insuficientes, razão
por de fora, deixando canhoneiras de naria entulhada pelo meio de 15 palmos enviar os 4.000 cruzados anuais para por que vos parecera dar me conta pri-
vinte e cinco, em vinte cinco palmos de de largura. (atual portão espanhol) as fortificações de Santos, as obras meiro para novamente vos declarar se
meio em meio. Continuar se abrir a cortadura até na Fortaleza de Santo Amaro per- aquela Fortaleza se deve principiar
Entre as canhoneiras deve-se fazer por baixo do nível da água do mar e maneciam paralisadas. Do outro sobre outros fundamentos que tenham a
banquetes. fazer cortar o mato que esta nas ladeiras lado do canal da Barra Grande, em suficiencia e segurança necessária a
Acabar de lajear a bateria de baixo. do Outeiro na Fortaleza para o fazer 1733 estavam concluídos parte dos proporção da obra que ali se requer para
Metida na Fortaleza toda a artilharia inacessível em todas as partes. E porque “alicerces da muralha” da Fortaleza defesa daquela barra”.22
necessária deve-se feixar a praça baixa. ambas as baterias da Fortaleza estão do Crasto “que estavam feitos confor- O brigadeiro Silva Paes esteve em
Fazer-se no lugar assinalado pelo Sr. descobertas de um alto que fica para me a Planta do Brigadeiro João Macé”.20 Santos em 1738 para “examinar as
Governador uma Casa de pólvora com alem da cortadura a tiro de espingarda O ataque dos espanhóis da Argen- obras que naquele porto se achavam fei-
aquelas prevenções já explicadas no delas, será necessário levantar um tina à colônia portuguesa de Sacra- tas, e as que se deviam fazer”. Na For-
outro papel. Reduto em forma de Atalaia em cima do mento em 1735 e as constantes ten- taleza de Santo Amaro “faltava só
Desmanchar-se a Casa de Pólvora dito alto capaz de conter 12 ou 15 tativas de “ocupar o litoral ao sul de cerrar-se pela parte de terra com um
que lá está por ser mal construído e em homens para o que bastará uma torre Cananéia, já que ainda eram nebulosas muro, que a cerque de sorte que deixára
sitio muito arriscado. quadrada comprida por baixo de qua- as divisas entre os domínios de Castela advertido ao Governador daquela Praça
Correr-se uma cortina pela parte de renta palmos em cada lado, alto de trin- e Portugal antes do Tratado de Madri, lhe fechar na parte em que hoje se acha
dentro do Rio, e sobre ela fazer uma ta e cinco de sapato ao cordão com de 1750, e do Tratado de Santo Ildefon- a polvora, que é uma casinha de telha
bateria de oito ou dez peças de artilha- escarpa de um palmo sobre seis e suas so, de 1777”, determinaram a vã, e que para Armazem da mesma pol-
ria, lajeada e com os parapeitos na abóbadas e parapelas ... implantação de uma política de vora elegêra o sítio mais capaz na
forma das outras. Ao redor da dita atalaia e a quarenta defesa da costa meridional do Brasil mesma Fortaleza, de que lhe deixára o
Fazer uma porta pequena na paragem palmos de distancia deve-se correr e das “divisas entre a então capitania risco por donde se devia fazer: Que na
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Planta do Forte da Trincheira ou da Perspectiva do Forte da Estacada VHM
Estacada levantada por João da Costa
Ferreira (ca. 1815) AHE
“Fortaleza da Barra Grande: nesta fortaleza todas as baterias são à barbeta”. Planta
desenhada pelo Tenente Izaltino J.M. de Carvalho, no século XIX AHE Parece-nos que Silva Paes pouco abaluartada em Santos. A resolução
acrescentou daquilo que fora deli- do brigadeiro dá-nos a entender
casa forte necessitavam de ser reforça- seguir aquela obra, e por agora não era neado por João Massé em 1714 na que João de Crasto de Oliveira
das as vigas, que a cobrem, para que não mui precisada, importando o seu calcu- Fortaleza da Barra Grande. Limi- nunca receberia a totalidade das
suceda e romperem-na”. Na Fortaleza lo o melhor de sessenta mil cruzados, e tou-se a projetar a nova casa de pól- “mercês” prometidas na Provisão
de João de Crasto a tenalha voltada a fazenda real daquela repartição não vora no alto do morro atrás da ata- real de 27/01/1715.
para o canal “já se achava fóra da terra estava em termos de fazer a tal despesa; laia e mandou prosseguir a cortina As iconografias da Fortaleza do
uma braça de obra, porém como os ali- a julgára o dito Brigadeiro por hora des- até o portão da cortadura projetada Crasto mostra-nos que a tenalha de
cerces se fizeram com pouca precaução, necessária, e que só se podiam conservar por Massé. No velho edifício dos pedra que “já se achava fóra da terra
não estava em termos de se seguir, mas as cinco peças de sorete em que se quartéis apenas sugeriu reforçar as uma braça” fora mantida e o
como o dito João de Castro não queria acham”.23 vigas do telhado. Em 1742 o gover- restante do perímetro com-
nador José Roiz de Oliveira trans- plementado por uma
formou a velha casa de pólvora estacada de madeira.
abandonada em uma capela alpen- A partir dessa oca-
drada com frontão em volutas, e a sião passou a
sineira sobre a parede que prosse- denominar-se
gue do frontispício nunca chegou a Forte da Estacada.
ser executada.
Silva Paes confirmou o parecer
anterior sobre a precariedade das
fundações executadas na Fortaleza
do Crasto, e ordenou a suspensão
definitiva da obra projetada por
Fortaleza de Santo Amaro no final do século XVIII. Haviam sido concluídos: o reduto e a
João Massé. Caso fosse concluída, Retrato de Dom Luís Antonio de
Botelho Mourão,
casa de pólvora no alto do morro e a capela alpendrada VHM esta fortaleza seria a única do tipo o “Morgado de Matheus”
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O governador D. Luiz Antônio de governador resolveu alterar o projeto
Souza Mourão, o morgado de para uma configuração trapezoidal
Mateus, iniciou a partir de 1765 , a “feito de pedra e cal”. No ano seguinte,
remodelação do sistema de defesa faltava completar o parapeito e as
do Porto de Santos. Na Fortaleza da guaritas. “O Forte consta de uma corti-
Barra Grande concluiu a cortina até a na de dois angulos abertos de 2/3 palmos
porta da cortadura, e construiu a pri- de comprido, e de 20 de alto, a qual forma
são no interior do quartel. Mandou tres faces, uma virada para a praia, que
projetar um fortim na Praia do Goes defende o desembarque, e as duas para o
“para impedir os desembarques que mar, da parte de tras é pegado no morro.
podem haver naquela praia, que tem Levará dezoito peças, foi feito com muita
fundo, e podem chegar a ela as embarca- comodidade na despesa, parece-me que
ções sem serem vistas da Fortaleza de andará por três mil cruzados, e faz gran-
Santo Amaro, e desembarcando gentes, e de diferença ao que custou a cortina com
ganhando o morro sem impedimento, que se acrescentou a Fortaleza de Santo
ficam enfiando do alto, sem nenhum obs- Amaro, que sendo quase o mesmo impor-
taculo, com os mosquetes todos os que tou muitos mil cruzados.”24
andarem dentro da dita Fortaleza de Nesta época, o morgado de
Santo Amaro que se descobre toda, e por Mateus também estava edificando o “Obras Novas de Fortalezas na Barra de Santos”. Construção do Fortim do Góes junto à
conseqüencia é logo tomada.” Forte São Luiz na Bertioga. Toda a Armação de Baleia. BN
Forno de cal de
sambaqui pertecente à
antiga Fazenda dos
Jesuítas em Cubatão
(atual Cosipa).
Ele foi reativado pelo
Morgado de Matheus
para as obras das
fortalezas
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“Reduto que D. Luís mandou fazer na Barra de Santos” BN
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Ruínas da Casa de Pólvora no alto do morro
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Planta do “Estado actual dos diversos desméritos do Forte da Barra Grande”,
anterior a 1895. AHE
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Postal da Fortaleza da Barra antes do encerramento das suas atividades militares
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demolida, na foz do Rio de Santo
Amaro junto ao Canal da Barra e a
outra na Ilha de Santos.
Segundo o relatório de Dezembro
de 1897, do Capitão Erico Augusto
de Oliveira, a antiga Fortaleza da
Barra seria demolida e substituída
por um forte retangular completa-
mente fechado e blindado de con-
creto para abrigar “uma bateria torpê-
Canhão Withworth abandonado na
Fortaleza da Barra Grande (1969) IPHAN dica submarina” protegida por “abó-
bodas a prova de bombas” com espes-
de Santos trabalhava sigilosamente suras de 2,5 m. Seriam três tubos
com a hipótese de se criar duas lança-torpedos móveis com "campo
linhas de defesa. A primeira na de tiro de 120º", baseado no sistema
entrada da baía de Santos compos- “indicado pelo general Brialmont em
Interior da Capela de Santo Amaro, antes da restauração
ta de três fortificações assentadas sua Defeuse des Côtes”.
na Ponta do Itaipu, na Ilha das Pal- O comandante da Fortaleza da
mas e um forte marítimo no meio Barra em 1904, desconhecendo o rar a velha fortificação: “Me parece nada Forte Augusto, foi demolida
da baía. A segunda linha também teor destes projetos secretos para a que nesta Fortaleza vão ser executadas no início do século XX para a cons-
com três baterias situadas na Forta- defesa do Porto, ingenuamente pro- obras de adaptação a defesa do porto; trução da Escola de Aprendizes de
leza de Santo Amaro, que seria testava por mais verbas para restau- (…) Quaisquer que sejam as obras, não Marinheiro. Nesse novo edifício,
deixa de ter cabimento o pedido de pro- iniciado em 1906, funciona atual-
videncias contido no presente Relatório, mente o Museu de Pesca de Santos.
e que, datando de anos, assim vão conti- Durante os anos que se seguiram,
nuando. (…) O fornecimento de peque- a história da Fortaleza de Santo
nos canhões para salvas será fatalmente Amaro foi permeada por ocupações
necessário, porque a Fortaleza depois de provisórias intercaladas por perío-
restaurada, não poderá fazer este serviço dos de abandono. Foi sede do Cír-
com canhões de grosso calibre”. culo Militar e posteriormente da
Felizmente, o projeto da “segun- Sociedade dos Amigos da Marinha.
da barreira” foi abandonado pela Tombada como monumento nacio-
Comissão de Defesa do Porto. Em nal pelo IPHAN em 1964, somente
abril de 1905 a Fortaleza da Barra em 02/09/1993 deu-se início ao
foi desarmada após 312 anos de ati- processo de sua recuperação, com a
vidade militar defendendo a entra- assinatura do “Protocolo de Inten-
da do Porto de Santos substituída ções” entre o Instituto do Patrimô-
pela Fortaleza de Itaipu. nio Histórico e Artístico Nacional, a
Interior do quartel destelhado da A antiga Fortaleza do Crasto, da Universidade Católica de Santos e a
Fortaleza da Barra Grande” Estacada posteriormente denomi- Prefeitura de Guarujá.
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“ÚLTIMO RELATÓRIO DO COMANDO DA FORTALEZA DA BARRA DE SANTOS DE 1º/01/1904”
(…) Higiene.
Edifícios Não é lisonjeiro o estado sanitário do pessoal. (…) não possuem os requisitos exi-
Acham-se sob a imediata dependência deste Comando, alem dos dois edifícios gidos pela higiene, tais como latrinas, drenagens de águas pluviais, ventilação (…)
existentes nesta fortaleza, mais os seguintes: deposito de Artigos Bélicos e paiol da Armamento.
Praia do Goes. A fortaleza tem para o serviço dois canhões Krupp 7,5 e 28 sendo que um deles
Na Fortaleza, pode-se dizer que existe apenas uma casa aproveitável. É a que já está com uma das rodas estragada. A não ser este armamento possui mais qua-
subdividida internamente, abrange o quartel e casa do Comando. O outro edifício tro canhões ante-carga Whitworth 4º, que não são aproveitados por pequenos, e
a parte; foi construído em tempos coloniais para capela, acha-se em ruínas. Cons- um canhão antecarga Whitworth 24 libras, desmontado e para o qual não existe
ta-me que a casa foi consertada em 1894; porém as obras então encetadas não foram aqui o respectivo reparo.
concluídas. Beneficiaram somente a frente e oitão direito, porem mais da metade da Até há pouco existiam mais dois canhões de bronze, que auxiliava as sal-
casa; na parte dos fundos; ficou com alguns muros em ruínas, paredes por concluir, vas de artilharia, porem foram retirados pelo arrematante de metais impres-
ausência de soalho ou ladrilho nos compartimentos e falta de portas e janelas. Esta táveis no serviço.
parte do quartel, apesar de nociva, esta sendo aproveitada, por não haver outro Ficaram portanto para o serviço das salvas, apenas os dois canhões Krupp
recurso; pois que a interrupção das obras, importou na supressão de acomodações acima mencionados, pelo que fiz pedido em 31 de Julho do ano findo, de mais dois
indispensáveis, que interiormente existiam. A parte da frente é ocupada pelo prin- outros. Pelo ofício da Seção de Material do Senhor Comandante numero 1619 de
cipal alojamento e casa do Comando, e tem um porão comum, cuja altura varia de 23 de outubro ainda de 1903, fui informado que o fornecimento deixara de ser
um metro a alguns centímetros, conforme os acidentes do terreno. Este porão (cuja feito, porque a Chefia da Comissão de defesa do porto desta Cidade, em informa-
área me parece não ser cimentada, de modo a torna-la estanque) não tem mezani- ção prestada, declarou não convir o fornecimento. (…)
nos nem comunicação para o exterior, para ser arejado ou asseado. Devido ao gran-
de numero de dezenas de anos que o local é habitado, é de presumir, que deve exis- Considerações Gerais.
tir no porão corpos adequados à emanações de gases mephiticos. (…) Me parece que nesta Fortaleza vão ser executadas obras de adaptação a defesa
do porto; serviço este, a cargo da Comissão que há dois anos está trabalhando no
Depósito de Artigos Bélicos. costão fronteiro na barra.
Esta situado fora da Fortaleza e necessita pequenas obras de reboco nas pare- Quaisquer que sejam as obras, não deixa de ter cabimento o pedido de provi-
des, pinturas e substituição de algumas telhas. dencias contido no presente Relatório, para as faltas e inconvenientes atualmen-
te existentes, e que, datando de anos, assim vão continuando. (…) O fornecimen-
Paiol da Praia do Goes. to de pequenos canhões para salvas será fatalmente necessário, porque a Fortale-
É constituído por um pequeno edifício, subdividido internamente em dois com- za depois de restaurada, não poderá fazer este serviço com canhões de grosso cali-
partimentos, armazenando em um deles toda a munição. Para sua guarda, ali exis- bre e isto no caso de serem eles aqui assentados; (…)
te um pequeno destacamento, que reside dentro mesmo do Paiol, no compartimento
contíguo ao da munição; por não haver outra qualquer dependência para esse fim. Fortaleza da Barra de Santos, 1º de Janeiro de 1904.
Me parece que deve ser reparado a falta de uma pequena casa, para moradia do pes- As. Francisco Alvaro de Sousa
soal em guarda do Paiol. Este edifício precisa de ligeiros concertos, inclusive nos Capitão Comandante”
batentes, que apodreceram de uma janela. (…)
Relatório do ano de 1903 da fortaleza da Barra de Santos, manuscrito de 01/01/1904
assinado pelo Capitão Comandante Francisco Alvaro de Souza – Arquivo Histórico do Exército
(RJ) – Cópia IPHAN-SP.
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A HISTÓRIA DO RESTAURO NAS OBRAS primeira proposta de restauro for- Clube Militar. Imaginaram até
DA FORTALEZA DA BARRA GRANDE mulado para a Fortaleza da Barra mesmo a possibilidade de se conti-
Grande, de autoria do arquiteto nuar as obras interrompidas em 1894
Das últimas obras de restauração efetuadas pelo IPHAN em São Paulo, Lúcio Costa35, em 21/09/1950, que por falta de recursos, completando-
os projetos da Fortaleza da Barra Grande na Ilha de Santo Amaro e o assim se manifestava sobre esse se as duas fachadas que faltaram
do Forte São João da Bertioga, foram sem dúvida os mais polêmicos. monumento “já indevidamente refor- com modenaturas ecléticas.
mado, cabendo agora, na eventualidade Os partidários da manutenção do
de obras de adaptação beneficia-lo com aspecto de ruínas, conscientemente
novo telhado (mais baixo e com telhas de ou inconscientemente, evocavam o
modelo antigo), recompondo-se ainda os posicionamento romântico de John
arcos e demais vãos modernizados”. Ruskin (1819-1900) e William Mor-
Para os técnicos do iphan, a polê- ris (1834-1896) no século XIX, ideolo-
mica sobre esse projetos fomentou gicamente firmado na crítica à revo-
uma profunda reflexão e questiona- lução industrial emergente. Sobre a
mento sobre os conceitos formula- restauração, defendida por Viollet-
dos nas cartas de restauro, cuja dis- -Le-Duc (1814-1879) na França, Rus-
cussão é parte das preocupações kin38 afirmava ser “impossível restau-
atuais de inúmeros congressos rar qualquer coisa que foi grande e bela
internacionais. na arquitetura, como é impossível res-
Os diversos posicionamentos suscitar dos mortos, (…), aquele espíri-
assumidos por grupos ou pessoas ao to que se comunica através da mão do
longo deste processo, quase que artífice não pode jamais voltar a vida.”
Fortaleza da Barra Grande em 1983
refletem os mesmos argumentos que A seguir o autor justificava esta afir-
deflagraram debates incessantes na mação39: “nós não temos nenhum direi-
I
ncitaram manifestações públi- A visão dos monumentos paulati- Europa, sobre os procedimentos de to de tocá-los, não são nossos, perten-
cas de aprovação e repúdio. namente ressurgindo, brancos e restauro a partir do século XIX. cem à aqueles que o construíram e em
Estiveram presentes ininter- vigorosos, na paisagem dos Canais Alguns defendiam a idéia romântica parte a todas as gerações humanas que
ruptamente na mídia sob múltiplos da Barra Pequena e Grande, depois da simples manutenção do status os seguiram.”
enfoques e críticas, devido à pro- de décadas de abandono, vandalis- quo, ou seja, a preservação da Forta- É, porém, William Morris, segui-
posta inovadora na concepção dos mo e arruinamento, arrefece as dife- leza da Barra como ruínas, outros, a dor do pensamento de Ruskin, o
projetos de arquitetura. renças conceituais de opiniões, restauração dos edifícios em suas autor de inúmeros enunciados que
Passados oito anos do início do sendo aos poucos substituídas pela formas originais idealizadas por ajudaram a definir o moderno con-
movimento pró-Fortaleza coordena- cumplicidade na ressurreição des- Giovanni Battista Antonelli36 no ceito de preservação cultural. Mor-
do pela unisantos, e da apresenta- ses monumentos. século XVI; haviam os partidários de ris, foi o criador do “The Anti-Res-
ção pública do anteprojeto de res- O partido arquitetônico do projeto se recuar o monumento no tempo toration Movement” em 1877 e da
tauro na Faculdade de Arquitetura para a Fortaleza da Barra Grande até o século XVIII, conforme concebi- “SPAB – Society for The Protection
de Santos, pressente-se hoje uma coordenado pelo Professor Antonio do pelo brigadeiro João Massé 37, e of Ancient Buildings”, fundamenta-
quase unanimidade, quanto à apro- Luiz Dias de Andrade do iphan, opositores que pregavam o retorno do na crença que apenas a socieda-
vação dos critérios arquitetônicos com a colaboração do arquiteto Vic- dos edifícios às feições assumidas de organizada e conscientizada
adotados. tor Hugo Mori, tem sua origem na recentemente quando abrigava o daria eficácia à uma política preser-
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Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
vacionista. Liderou um movimento des catedrais do país”, e afirmou a naire raisonné de l'architecture ções ideais que arquitetos e arqueó-
internacional contra a restauração necessidade do uso do edifício française du XI au XVI siècle” (1854): logos realizaram na Europa, e dos
da catedral de São Marcos em Vene- como meio de preservação: “cada “restaurar um monumento não é ape- ensinamentos nas escolas de arqui-
za, defendendo o “conceito de patri- arquitetura possui a sua particular fun- nas reconstituí-lo, repará-lo, ou refazê- tetura, que motivaram uma séria
mônio humanidade” em artigo inti- ção (…), quando a função vem a faltar, -lo, mas restabelecer um estado com- crítica de César Daly por ensinar “O
tulado “The Restoration of St. toda a construção se extingue. Por essa pleto que pode jamais ter existido”. antigo e nada mais que o antigo. E entre
Mark's”, em 1879, quando afirmava: razão é importante encontrar uma fun- Gallego Fernandez43 prefere tradu- o antigo, nem o começo nem o fim, e sim
“Os edifícios de uma nação não são ção social inclusive para as velhas igre- zir o termo “état complet”, por “estado exclusivamente o apogeu.” 45
somente propriedade desta nação, mas jas abandonadas (…)”. ideal”, por entender ser o objetivo do Também não podemos desconsi-
são do mundo todo”.40 O arquiteto Gustavo Pereira, restauro violletiano a edificação de derar o confronto ideológico de
Em outro artigo, datado de 1885, assim sintetizou o pensamento de um modelo idealizado – um arquéti- Viollet-Le-Duc com os partidários
“The Demolition of Churches in Morris sobre a intervenção em po formulado através dos “momentos da arquitetura clássica, que defen-
York”, Morris41 defendeu a idéia da monumentos: “reparar ao invés de de privilegiada síntese” 44 da história da diam ser a cultura greco-romano, a
preservação de conjuntos urbano, restaurar, prevenir para não ter que arquitetura, desconsiderando-se o gênese da arquitetura nacional fran-
das pequenas construções cujas remediar”.42 que o precede (formação) e o que o cesa, inclusive do românico. Para
demolições “significaria arrancar da Em oposição aos princípios procede (decadência). Viollet-Le-Duc, era o gótico do sécu-
cidade, a sua alma, torna-la um local defendidos por Morris e Ruskin, O pensamento de Viollet-Le-Duc lo XIII idealizado, o arquétipo que
banal”, discutiu a preservação das Viollet-Le-Duc na França, propõe não pode ser dissociado, do pensa- representava o espírito nacional.
“pequenas e humildes igrejas paro- os fundamentos do restauro mento arquitetônico do século XIX, Essa tese libertava a França da
quiais dignas de proteção como as gran- moderno, no seu clássico “Diction- expressa parcialmente nas restitui- influência e dependência cultural
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Mural de Manabu Mabe, em mosaico de vidro, para a Capela da Fortaleza
da Barra Grande (1997)
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Elevação principal do Quartel antes da Interior da Capela destelhada. Na parede do
restauração. Observa-se que a primeira fundo com “pixações” foi executado o mural
pilastra de tijolos havia sido destruída por de Manabu Mabe
ato de vandalismo e reforçada por um apoio
de concreto
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Vista da Fortaleza da Barra a partir de Santos
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Execução do mosaico de vidro no Atelier Sarasá. Abaixo, detalhe ampliado
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da. Nessa circunstância especial,
foram lançadas as bases da Teoria
do “Restauro Crítico”. Piero Gazzo-
la reedificou estilisticamente a ponte
do Castelvecchio em Verona, com-
pletamente destruída pelos alemães.
O próprio Giovannoni reconheceu,
conformado naquele momento: 1
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Evidência da posição do antigo telhado A mudança da técnica construtiva mostra a posição do antigo prolongo do telhado
Carlo Fontana no Pallazo Pubblico tui o fator primordial de sua perma- O conceito de restauro fixado em tauro das obras de arquitetura, dos
di Siena, responsável pelo milagre nência através dos tempos. Ao con- Veneza em 1964, ao abolir o libera- demais objetos de arte e cultura. O
estético da Piazza del Campo. trário das obras de pintura ou escul- lismo do pós-guerra, valorizou a coordenador dos trabalhos de reda-
A generalização das posturas do tura, está exposta aos cataclismos, importância absoluta do passado, ção dessa nova Carta60, Arq. Paolo
restauro, independentemente das aos desgastes do uso, ao tráfego, às assegurando-lhe o direito exclusivo Marconi , sintetiza este documento
diferenças dos objetos tratados, é intempéries, às variações climáticas, de transmissão para o futuro. O apropriando-se de uma frase do
considerado impraticável. A impos- etc. Constitui-se no espaço privile- processo histórico de transforma- Arq. Roberto Gambetti: “far rientrare
sibilidade de se restaurar a cidade giado onde a sociedade se transfor- ção deveria ser interrompido, de l'architettura nella sua storia”.
histórica, a paisagem, o edifício, com ma, e sua sobrevivência depende da modo a alijar a época presente do O projeto final de restauração da
idêntico critério de intervenção da sua capacidade de adaptar-se às direito de permanência. O espaço Fortaleza da Barra Grande, tem
pintura, escultura, objetos históri- novas exigências sociais. Camilo da intervenção contemporânea como compromisso, reintroduzir o
cos, obriga a uma ampla revisão nos Boito, ao reconhecer os valores de deveria ser sempre “fora” do espa- monumento à vida cotidiana da Bai-
critérios de Brandi, já contestado no permanência das estratigrafias ço histórico, afinal o tempo atual xada Santista, devolvendo à vida
passado por Roberto Pane. Busca-se sobrepostas nos monumentos arqui- seria privado de autenticidade – um espaço agonizante. Reincorpo-
uma nova conciliação entre o libera- tetônicos, indiretamente reconhecia “um falso histórico”. rar sua arquitetura no processo his-
lismo arquitetônico do “Restauro o seu caráter de mutabilidade. Da Convenção do “Consiglio tórico interrompido, através de uma
Crítico” e o pensamento conservati- A exigência do respeito absoluto Nazionale delle Ricerche”, em proposta projetual contemporânea,
vo do “Restauro Científico”. às marcas do passado, tanto na Roma (1986), nascia a “Carta 1987 implica necessariamente em buscar
A arquitetura (das cidades, dos arquitetura como nas demais artes da Conservação e do Restauro de o respeito mútuo entre a nova arqui-
edifícios, das paisagens transforma- segundo o pensamento de Brandi, objetos de arte e de cultura”59, cuja tetura e a estrutura antiga.
das), denominada “monuments permite que “uma cidade se reduza à alteração principal das Cartas ante- A “restauração prismática” ou
vivents”, possue intrinsecamente o cenografia” arqueológica, mero obje- riores, fundamenta-se na separação recomposição volumétrica do Casa
caráter da mutabilidade, que consti- to de fruição visual.58 metodológica e conceitual do res- do Comandante, vislumbrada pelo
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mestre Lúcio Costa há quase cin- cia se o futuro assim determinar. Notas
1 Lemos, Carlos A. Cerqueira – “O Brasil”, in “História das Fortificações Portuguesas no
quenta anos – centro focal do con- Todas as marcas do passado foram Mundo” org. por Rafael Moreira, Lisboa, Publicaçõs Alfa S.A., 1989, p. 235.
2 Varnhagen, Francisco Adolfo (Visconde de Porto Seguro). “História Geral do Brasil” – Tomo
junto, e hierarquicamente destacada mantidas conforme recomendava Primeiro (Notas de Rodolfo Garcia). 4ª ed. São Paulo, Edições Melhoramentos, 1948, notas v, p. 446.
na organização do espaço militar – Brandi, e a unidade potencial da 3 Varnhagen, Francisco Adolfo (Visconde de Porto Seguro). Op. cit., p. 447.
4 “Atas da Câmara da Cidade de São Paulo: 1562-1592” – Vol. i Século xvi. Divisão do Arquivo
foi possível com a execução de uma obra se assegurará através da pre- Histórico, Prefeitura do Município de São Paulo, pp. 217/218.
delicada estrutura metálica, moder- sença da arquitetura de hoje, elo 5 Varnhagen, Francisco Adolfo (Visconde de Porto Seguro). Op. cit. Notas vii, p. 447.
6 (Idem, ibidem, notas vi, p. 447).
na e discreta, que parece quase tocar necessário para transmitir o monu- 7 Sarmiento Gamboa, Pedro in “sumaria relación, in coleccion de Documentos inéditos del Archivo de
nas superfícies antigas, porém afas- mento para o futuro, como assegura Indias”, 5. 338 – Apud: Varnhagen, Francisco Adolfo, op.cit., p. 440.
8 Moreira, Rafael. “A Arquitetura Militar”, in “Arte em Portugal”, Lisboa, Publicações Alfa.
ta-se respeitosamente, até cobrir um a Carta de 1986. O mural de Manabu 9 Cardim, Fernão. “Tratados da Terra e Gente do Brasil”. 2ª ed. S. Paulo, Cia. Editora Nacional,
1939, p. 315.
vão protegido de quase 40 metros. Mabe, na Casa de Pólvora converti-
10 Katinsky, Júlio Roberto. Op. cit., p. 87.
A contemporaneidade do desenho da em Capela, simboliza o direito da 11 Saia, Luís. “Morada Paulista”. Editora Perspectiva S.A. 2ª ed. São Paulo, 1978, p. 32.
espacial concebido em aço corten, arte de hoje de se integrar com aque- 12 Lemos, Carlos A. Cerqueira. “Casa Paulista”. S. Paulo, Edusp – Editora da Universidade de
S. Paulo, 1999, pp. 66-68.
revela a obediência aos termos da las produzidas no passado. A conti- 13 Mendonça de Oliveira, Mario: “Robert Smith e a Engenharia Militar Brasileira” in “Robert
Smith: A Investigação na História da Arte”; Coord. Manuel da Costa Cabral e Jorge Rodrigues,
Carta de Veneza, quando prescreve: nuidade entre passado, presente e Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, sd., p. 256.
“todo trabalho complementar reconheci- futuro não será interrompida. 14 Fernandes da Silva, Fernanda. “Fortificações Brasileiras. Máquinas de Guerra e de
Memória”. Tese de Doutorado, São Paulo, fflch-usp, 1991, p. 228.
do como indispensável por razões estéti- O debate sobre esse projeto foi 15 Katinsky, Júlio Roberto. Op. cit., pp. 79/80.
cas ou técnicas, destacar-se-á da compo- um espelho da história da restaura- 16 Doc. Arquivo Histórico Ultramarino – do catálogo do IV Colóquio Internacional de Estudos
Luso-Brasileiros – cópia arq. iphan/sp.
sição arquitetônica e deverá ostentar a ção, o que nos leva a creditar a 17 Mendonça de Oliveira, Mario: “Robert Smith e a Engenharia Militar Brasileira” in “Robert
Smith: A Investigação na História da Arte”. Coord.: Manuel da Costa Cabral e Jorge Rodrigues,
marca do nosso tempo”. todos os que direta ou indiretamen- Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, sd., p. 274 (nota 80) : "A prova da sua nacionalidade pode ser
encontrada em: Chaby, Claudio. Synopse dos decretos remetidos ao extinto Conselho de Guerra. Lisboa:
Não se buscou assim, a imitação te, participaram da luta pela preser- Imprensa Nacional, 1872 (Maço 64) – Decreto de 23 de Janeiro de 1705, sobre oficiais ingleses indicados
do passado recente ou remoto, vação da Fortaleza61, a co-autoria para Portugal e também: Madureira dos Santos, Cel H, M. Decretos do extinto Conselho de Guerra. Lisboa:
Imprensa Nacional 1976 – Decreto de 4 de Novembro de 1720 (maço 79) sobre licença de Massé ir a
optou-se em assumir a arquitetura das obras que ainda prosseguem. Inglaterra sua pátria."
18 “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo” – vol. xlix. Arquivo
contemporânea, como uma verdade Foi um projeto amadurecido por do Estado de S. Paulo, pp. 165/166.
de nosso tempo, reversível tecnica- quase cinqüenta anos, do mestre 19 “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo” – vol. l . Arquivo do
Estado de S. Paulo, pp. 13/14.
mente mas com direito à permanên- Lúcio Costa à participação de todos. 20 Carta régia de 30/10/1733 ao Conde de Sarzedas – cópia arquivo iphan.
21 Lemos, Carlos A. Cerqueira. “O Brasil” in “História das Fortificações Portuguesas no
Mundo” org. por Rafael Moreira, Lisboa, Publicaçõs Alfa S.A., 1989, pp. 237 e 252.
22 Provisão real de 15/02/1736. “Cartas Régias, provisões, alvarás e avisos (1662-1821)” –
Cópia arquivo IPHAN.
23 Provisão real de 27/09/1738 ao Gov. da Cap. de S. Paulo, dando conta do relatório de maio
de 1738, do brigadeiro Silva Paes – cópia Arquivo iphan-sp.
24 Carta de D. Luiz Antônio de Souza de 02/01/1767 – cópia arquivo iphan-sp.
25 Lemos, Carlos A. Cerqueira in “Alvenaria Burguesa” – Ed. Nobel – São Paulo – 1985 – p. 44.
Os remanescentes desta caieira de Cubatão encontram-se hoje preservados dentro da área da
Cosipa no local denominado Casqueirinho.
26 Ofício de D. Luiz Antônio de S. B. Mourão, de 04/12/1767, ao Tenente Antonio Joze de
Carvalho, administrador das Fazendas do P.P. Jesuítas de Santos. Doc. Interessantes para a Hist. e
Costumes de S. Paulo Vol. lxviii – Arquivo do Estado de São Paulo, p. 37.
27 Ofício de D. Luiz Antônio S. B. Mourão, de 17/10/1768, ao Capitão Fernando Leite
Guimarães, Comandante da F. da Barra Grande de Santos: Doc. Interessantes para a Hist. e
Costumes de S. Paulo – vol. lxviii – Arquivo do Estado de S. Paulo, p. 105. Essa argamassa imper-
meável era o “tittin”, composto de pó de tijolo, cal e azeite de baleia “curtidas por muitos dias”,
recomendado para o assentamento das pedras das cortinas das fortalezas voltadas para o mar até
uma altura de “15 palmos”, conforme ensinava o Engenheiro Frias de Mesquita em 1619, nos
apontamentos sobre a Fortaleza do Rio Grande. Silva-Nigra, D. Clemente Maria da – “Francisco
Frias de Mesquita, engenheiro-mór do Brasil” in Revista do sphan, V. 9, 1945.
Fortaleza da Barra Grande: 28 Manuscrito sem data ou assinatura encontrado entre os papéis do marechal Arouche sobre
desenho impresso na as fortificações de Santos, provavelmente dos anos entre 1797 e 1815. Cópia arquivo iphan-sp.
Alemanha por volta de 1900 29 Circular aos comandantes das villas da marinha, de 07/06/1810, mandando submeter a
“Lembrança de Santos”
176 177
Arquitetura Militar As Fortificações da entrada do Canal da Barra Grande
quarentena os navios americanos e tomar providências a fim de evitar a propaganda da revolução
francesa. “Documentos Interessantes para a Hist. e Cost. de S. Paulo”, vol. lix. Arquivo do Estado
de S. Paulo, pp. 20-21.
30 Correspondência oficial do capitão general Antônio José da Franca e Horta ao cel. engen-
heiro João da Costa Ferreira em 17/04/1809. “Doc. Interessantes para a História e Costumes de
São Paulo”. Arquivo do Estado de S. Paulo, Vol. lviii, pp.129-130.
31 Sodré, Nélson Werneck. Op. cit., p. 58.
32 Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro. (Cópia iphan-sp)
33 Relatório a lápis assinado pelo gal. come. mar. José Olinto de Carvalho e Silva de
01/01/1861 – Arquivo Histórico do Exército – RJ (Cópia iphan-sp).
34 Relatório do ano de 1898 da Fortaleza da Barra de Santos, manuscrito de 02/04/1899 assina-
do pelo 1º tenente Comandante Francisco Alvaro de Souza – Arquivo Histórico do Exército (RJ) –
Cópia iphan-sp.
35 O arquiteto e urbanista Lúcio Costa era nesta ocasião Diretor de Estudos de Tombamento do iphan.
36 G. B. Antonelli, responsável pela primeira edificação de um ponto fortificado na Barra
Grande em 1583, ocasião em que acompanhava a esquadra de Flores de Valdez, era segundo
Rafael Moreira, em seu texto “A arquitetura militar”, in “Arte em Portugal” – Editora Alfa, engen-
heiro militar italiano que chegou a Portugal acompanhando o duque de Alba, e foi autor de “inter-
ressantes estudos para ligar Abrantes ao Escorial e Madri por via fluvial{, juntamente com o “seu auxiliar
o jesuíta Gaspar Sampere”, empreenderam inúmeras obras “no Rio de Janeiro e Santos (1582-1584) e no
Nordeste (1597)”.
37 O engenheiro militar brigadeiro João Massé é autor da reestruturação da Fortaleza da Barra
Grande em 1714, e também de interessante projeto de defesa para a Vila de Santos.
38 Ruskin, John. “Le sette Lampade dell' Architettura”, apresentação de Roberto Di Stefano,
Editorial Jaca Book, Milão, p. 227.
39 Idem. Ibidem, p. 228.
40 La Regina, Francesco. “William Morris e l'Anti Restoration Movement”, Revista Restauro,
n° 13/14, 1974, p. 130.
41 Idem. Ibidem, p. 135.
Sistema de Proteção
da Vila de Santos
42 Pereira, Gustavo. “A questão da preservação segundo John Ruskin e William Morris e a
criação do anti-restoration movement em 1877”, trabalho para a disciplina Restauro i – fau-usp/
fupam.
43 Gallego Fernandez, Pedro Luis. “Viollet Le Duc: la restauracion arquitectonica y el racional-
Forte de Monserrate,
ismo arqueologico fin de siglo”, in “Restauración Arquitectónica{, Universidad de Valladolid,
1992, p. 29.
44 Arrechea Miguel, Julio Ignacio. “De la Composicion a la arqueologia”, in “Restaración
Arquitectónica”, Universidade de Valladollid, 1992, p. 12.
45 Arreche Miguel, Julio Ignacio. Op. cit., p. 12. Forte de Itapema,
Casa do Trem Bélico
46 Gallego Fernandez, Pedro Luis. Op. cit., p. 38.
47 Dias de Andrade, Antonio Luiz. “O Paradigma de Atibaia”, Trabalho programado para Tese
de Doutoramento – fau-usp.
48 Gallego Fernandez, Pedro Luis. Op. cit., p. 31.
49 Grassi, Liliana. “Storia e Cultura dei Monumenti”, Società Editrice Libraria, Milão, 1960, p. 434.
e o Plano de Defesa
de João Massé
50 Boito, Camilo. “Questione Pratiche di Belle Arti”, capítolo “Restaurare o conservare{, Milão,
1893. Apud. Grassi, Liliana. Op. cit., p. 434.
51 Boito distingue a arte do restauro em três partes: Restauro arqueológico (Antiguidade);
Restauro pictórico (Medieval) e Restauro arquitetônico (Renascimento).
52 Grassi, Liliana. Op. cit., p. 446.
53 Sobre a “inovação”, a autora Liliana Grassi acrescenta que Giovannoni não acreditava nesta
operação de restauro, pela impossibilidade de coexistência entre a arquitetura moderna e a antiga.
54 Grassi, Liliana. Op. cit. p. 448. Annoni é autor de inúmeras obras de restauro, com vasta
experiência no canteiro. Nessas obras nota-se “a aceitação dos princípios boitianos”.
55 Idem. Ibidem, p. 451.
56 Brandi, Cesare. "Teoria del Restauro", Piccola Biblioteca Einaudi, G. Einaudi Editore, Torino,
1977, pp. 6-8. Victor Hugo Mori
57 Marconi, Paolo. “Il restauro e l'architetto – teoria e pretica in due secoli di debattito”,
Marsilio Editore, Veneza, 1995, p. 10.
58 Idem. Ibidem, p. 5.
59 Reproduzida na obra de Marconi, Paolo, op. Cit, anexos A e B, pp. 207-228.
60 Participaram além de Marconi na redação final desta Carta, Umberto Baldini e Paolo Mora
(Instituto Centrale per il Restauro), Franca Manganelli (ICPL), Giovanni Di Geso (Ufficio
Centrale), Giorgio Tempesti (Accademia di Belle Arti), etc.
61 Vale ressaltar em especial o empenho de dois militares da reserva, o cel. Reginaldo Moreira de
Miranda e o prof. Élcio Rogério Secomandi, ambos profundos estudiosos da história militar no Brasil.
178
Arquitetura Militar
SÉCULOS XVI E XVII
T
anto a paliçada edificada por Barra Grande e provavelmente tam-
Martim Afonso em 1532, bém a pequena bateria de Vera Cruz
possivelmente na área onde de Itapema defronte ao Porto de
hoje se encontram as ruínas da Santos. O já citado apontamento do
Armação de Baleias, como os Fortes Padre José de Anchieta de 1584
de São Tiago e São Felipe de mea- denominado “Informação do Brasil
dos do século XVI, todos se concen- e de suas Capitanias” relata em
traram nesse mesmo local. parte esse momento pioneiro: “Na
Com o desenvolvimento da Vila Capitania de S. Vicente dentro da ilha
de Santos em função de possuir o que é a que primeiro se povoou há duas
melhor porto da Capitania, em vilas de portugueses, duas léguas uma
detrimento à decadência da Vila de da outra, por terra, e há três ou quatro
São Vicente, a defesa da Barra Gran- engenhos de açúcar e muitas fazendas
de de Santos ganhou prioridade. No pelo recôncavo daquela baía e três ou
último quartel do século XVI foram quatro léguas por mar. Em frente tem a
construídos na entrada do Canal de ilha de Guaíbe, no cabo da qual, para o
Santos, pelo lado da Ilha de Santo norte, tem uma barra com as fortalezas
Forte de Itapema fotografado por Marques Pereira no início do século XX. Amaro (Guarujá), a Fortaleza da da Bertioga quatro e seis léguas das
181
Sistema de Proteção da Vila de Santos
“Planta da Barra da Villa de S.tos“ (1765- 1775) BN
Planta do Forte
de Itapema no
séc XIX AHE
182 183
Arquitetura Militar Sistema de Proteção da Vila de Santos
Forte Monserrate: detalhe do mapa do século XVIII: “Praça de Santos”. BN
C - Edifício dos quartéis, D - Forte de Monserrate,
E - Igreja Matriz e F - Colégio dos Jesuítas.
184 185
Arquitetura Militar Sistema de Proteção da Vila de Santos
do livro holandês Reys-boeck naram de “fortalezinha”. Porém, a SÉCULO XVIII
(Livro de viagem ao reino Brasilei- povoação com sua igreja (letra B) ao
ro, Rio da Prata e Estreito de Maga- lado dessa bateria poderia ser a Chegaram quase arruinadas até o início do século XVIII as seguintes
lhães... ) publicado em 1624. representação da pequena vila de fortificações: a de São Tiago da Bertioga, a de Santo Amaro da Barra
Desconsiderando-se alguns equí- Itanhaém. O outeiro representado Grande, o reduto de Itapema e a bateria da Vila ou de Monserrate. A
vocos geográficos e a representação pela letra E, pode ser aquele que se transformação dessas baterias isoladas em um complexo Sistema de
figurativa de caráter meramente denominava Morro do Boturuá que Defesa Militar do porto de Santos foi proposto em 1714 pelo
esquemática sem qualquer preocu- separava a vila de S. Vicente das Brigadeiro João Massé. Por determinação do rei D. João, o
pação com a escala real, os dese- praias de Santos, com o córrego que Governador da Capitania do Rio de Janeiro foi à Santos
nhos mostram as vilas de Santos e o margeava, cuja representação acompanhado do Brigadeiro para “desenhar nela aquelas
São Vicente protegidas por paliça- exagerada parece definir um canal fortificações que forem necessárias para a sua conservação”5.
das ou muros com o incipiente sis- dividindo a ilha em duas. O mapa
C
tema de defesa dessa costa. referência de Spilbergen mostra omo vimos anteriormente, no século XVII eram desconhecidas
O mapa Reys-boeck4 (página ante- apenas o Rio São Jorge dos Eras- Massé determinou a moder- nestas paragens. O sistema bastio-
rior) mostra no primeiro plano, a mos, sem dividir a ilha em duas nização da Fortaleza da nado utilizado pelos holandeses no
baía de Santos com o forte de Santo porções. As duas vilas estão separa- Barra Grande e projetou a sua con- nordeste, era fruto das inovações
Amaro (letra H) na entrada do canal das por um denso canavial que tra-bateria, o Forte do Crasto do que ocorriam nas guerras euro-
da Barra disparando sua artilharia. representa a fazenda do Engenho lado de Santos, do tipo abaluartada. péias. A sistematização dessas ino-
Ao fundo do Canal da Barra Gran- dos Erasmos, cuja sede parece ser o As profundas alterações na vações deve muito ao Marechal de
de aparece o forte da Bertioga (letra edifício de maior destaque do mapa arquitetura militar que ocorreram Luís XIV – Sébastien le Prestre de
G) na junção desse canal com um (letra D) por motivos óbvios.
outro mais estreito que parece ser o Assim, as fortificações existentes
Canal da Barra Pequena ou da Ber- até o fim do século XVII, foram sendo
tioga. A representação de uma bate- construídas ao sabor das conveniên-
ria em disparo (letra C), do lado cias de cada época. Primeiro devido
esquerdo da baía na parte continen- aos ataques dos tamoios aliado dos
tal, que parece nunca ter existido, franceses na Bertioga, depois, em
levou inúmeros autores a imaginar função do incidente entre ingleses,
a existência desse reduto de prote- vicentinos e a Armada de Valdez na
ção à vila de São Vicente, que desig- Barra Grande.
Projeto do Brigadeiro João Massé (1714): “Planta da Vila de Santos e de seu Porto, com
suas Fortificações desenhadas de novo” AHU
186 187
Arquitetura Militar Sistema de Proteção da Vila de Santos
da vila, uma muralha com ângulos
salientes e baluarte circular. Na
extremidade leste da vila, aprovei-
tando-se da elevação do Outeiro de
Santa Catarina, foi projetado a for-
taleza principal bastionada de pro-
teção à cidade, provida de dois
Projeto da Fortaleza para a Vila de Santos
baluartes angulares pentagonais,
de João Massé AHU fosso, revelim ou meia-lua, baterias
reentrantes, etc. No projeto da for-
Vauban. A proteção de um sítio taleza principal a velha igreja de
deveria ser projetada através de Santa Catarina seria mantida,
um sistema estratégico de defesa sendo o outeiro incorporado ao
territorial. corpo da fortificação, de modo a
O Brigadeiro Massé chegou a eliminar o padrasto que esse cons-
projetar um complexo sistema de tituía. Nas duas grandes elevações
defesa para o Porto de Santos. que limitam a cidade ao sul, o
Além das fortificações que protege- morro de São Bento e o morro de
riam a entrada da Barra Grande, Nossa Sra. de Montserrate, foram
Massé pretendia transformar a Vila previstos dois “redutos em forma de
de Santos em uma “praça-forte atalaia”. O antigo Forte da Vila tam-
vaubaniana”. Para o lado do porto bém seria mantido conjugado ao
(norte), desenhou um cais retilíneo, edifício dos quartéis, que seria
e à oeste e ao sul fechando o núcleo construído com recursos de João de
188 189
Arquitetura Militar Sistema de Proteção da Vila de Santos
Representação da Casa do Trem Bélico (armazém de pólvora) no século XVIII. Detalhe da
planta “Villa e Praça de Stos.” BN
dita vila de Santos, e nela deixe dispos- vesse acabada da mesma forma do dese-
to. e delineado tudo o que entender mais nho que a esta obra assistiria um dos
conveniente para a defesa e segurança Engenheiros dessa Praça do Rio de
daquela Praça”.8 Janeiro que vós elegereis para ela (...)."10
Perspectiva do projeto de Silva Paes para o Forte de Itapema em 1738. O formato de um O Governador José Rodrigues de O Brigadeiro Silva Paes foi incum-
baluarte único com o encontro das faces em semicírculo, derivou do reaproveitamento da Oliveira em 1738 relatava ao rei que bido de projetar essa nova fortifica-
bateria quinhentista. Na segunda metade do século, o edifício do quartel já aparece no
centro do terrapleno com duas guaritas nos encontros das faces com os flancos. VHM o Brigadeiro Silva Paes reconheceu ção no lugar do antigo reduto de
“ser de muita utilidade uma casa de Itapema. Graças ao seu projeto para
Santo Amaro somente foi concluída zém de pólvora e armas" e junto a essa pólvora nesta vila, e outra na fortaleza o Forte de Itapema podemos verifi-
na segunda metade do século XVIII. "se fabricar uma casa na qual se possa de Santo Amaro para dividir as muni- car pela legenda do desenho, o pri-
Do interessante projeto da Fortaleza recolher o Trem, e o que lhe pertencer, e ções de um acidente”, e por isso tinha mitivo traçado do fortim quinhen-
abaluartada do Crasto, foi concluí- no sobrado de cima, se recolherão as “delineado duas destas casas”.9 tista com sua bateria semicircular
do apenas a tenalha voltada para o armas sendo as paredes forradas de O Alvará régio de 27/09/1738, fechada por uma pequena constru-
Canal da Barra Grande, sendo o res- tabuões fortes advertindo-vos que a acatou a petição de Trocatto ou Tor- ção, de idêntica tipologia ao Forte
tante completado com outro dese- extensão dessa casa chegue a cobrir o quato Teixeira de Carvalho para da Vila ou da Praça. A planta semi-
nho por estacadas de madeira. armazém de pólvora no qual não se há "reedificar e fazer de novo as obras que circular primitiva, definida pela
Em 1733 o Governador Luís Anto- de por pregos de ferro, mas tornos de são precisas na fortaleza de Itapema que “rocha arrendondada” natural que
nio de Távora, o Conde de Sarzedas, pau (...)".7 fica defronte da Vila de Santos, dando servia de embasamento (itapema),
relatava ao rei sobre o Forte de Ita- No ano de 1736 o rei determinou lhe eu o Governo da dita fortaleza de foi incorporada ao novo projeto de
pema, localizado "em admirável sítio a suspensão das obras e fortifica- Itapema para um filho que tem capas Silva Paes, que procurou transfor-
para a defesa da barra, mas que este, ções da praça de Santos, ordenando com o Posto e soldo de Capitão de Infan- mar o antigo reduto em um baluarte
além de pequeno estava demolido, e “ao Brigadeiro José da Silva Paes a cujo taria, e o hábito de Cristo (...) com circular único.
incapaz de poder servir sem um grande cargo está o governo de Rio de Janeiro declaração que não teria efeito as mercês A proposta de Silva Paes para Ita-
reparo". Estava projetado o "Arma- que com a brevidade possível passe a que pedia sem que a dita Fortaleza esti- pema, foi transcrita na Provisão real,
190 191
Arquitetura Militar Sistema de Proteção da Vila de Santos
A “Planta do Forte da
Itapema” de 1871,
conserva a forma do
terrapleno definida
pelo Brigadeiro Silva
Paes, mas com o
quartel em forma de
Portal tardo- “T” no centro do
maneirista da Casa terrapleno e as
do Trem. guaritas angulares AHE
de 27/09/1738 encaminhada ao governo dela para um filho seu (...)”. Os melhor perfeição e ainda para se fazer as ses engenheiros militares, dentre os
Governador José Rodrigues de Oli- dois desenhos denominados “Planta alpendradas do Trem místico do mesmo quais o Brigadeiro Silva Paes foi um
veira: “a Fortaleza de Itapema defronte da Fortaleza de Itapema”, quase Armazém e que também estava determi- dos expoentes. A data marcada na
da Vila de Santos, e em paragem, que idênticos, existentes no Arquivo His- nado fazer-se um Armazém para a pol- verga (1734) refere-se ao começo
enfia o canal por onde devem subir as tórico Ultramarino referem-se a esse vora; porém o sítio que estava elegido e a das obras, que só foram concluídas
embarcações a qual se acha arruinada, e projeto de Silva Paes, inclusive a ver- forma não era ao que deveria ser; assim depois de 1738.
sem artilharia sendo este sitio mais são que alguns atribuem o ano de deixara o risco, e advertido o lugar, em Não sabemos se o projeto do Bri-
importante, pois escapando os navios 1714 (época de Massé), é na verdade, que devia executar esta obra.”11 gadeiro para o Forte de Itapema foi
que entrarem da barra, não temos no cópia dessa descrita pelo documen- O relatório deixa claro que o Bri- integralmente obedecido por Tor-
porto outra defesa mais que esta fortaleza to, com “aguada em carmim, o que se gadeiro Silva Paes, foi o principal quato Teixeira de Carvalho, mas
e lhe parecia se devia reedificar, e fazer-se acha feito”. Silva Paes mandou tam- responsável pela conclusão e acaba- certamente seu “acabamento” foi
a obra, de que mandou o desenho, o qual bém reparar a “bateria antiga com oito mento do edifício do Armazém do aprovado pelo Governo, pois as
com esta se vos envia, vendo-se nela o peças de artilharia junto ao Colégio da Trem Bélico, cujas obras estavam mercês solicitadas foram atendi-
que é de aguada de carmim, o que se Companhia” (Forte de Monserrate ou suspensas desde o ano de 1736. O das. Nas plantas e iconografias
achava feito, e arruinado, e o da aguada da Vila). Sobre o “armazém para reco- elegante alpendre que arremata a posteriores já aparecem as duas
de cima, o que lhe parecia se devia fazer, lher os armamentos da Praça”, que se escadaria externa de pedra lavrada guaritas angulares e o edifício do
principalmente oferecendo-se a fazer tinha “principiado fazer”, e “que está e o portal de cantaria com desenho quartel com a planta em forma de
toda esta obra um Torquatro Teixeira quase acabado”, determinou ao Gover- “tardo-maneirista”, parecem refletir “T” no centro do terrapleno. Os 2
morador daquele sitio, dando lhe eu o nador “o que lhe parecera para a sua o estilo conciso e conservador des- alpendres laterais para abrigo da
192 193
Arquitetura Militar Sistema de Proteção da Vila de Santos
artilharia devem ter sido acrescen- do território brasileiro. Sob o gover- três distintos portos, que distam 7 segurar e defender a fortaleza de Santo
tados após o relatório do Mal. no do Morgado de Mateus (1765- léguas entre si, e são a Bertioga, a Barra amaro, e juntamente a Barra. Como
Arouche na virada do século: “A 1775) a defesa da Capitania foi prio- Grande e a Barra de S. Vicente, as quais pede o sítio e a segurança deste Porto, e
fortaleza de Itapema se acha com seis rizada, e consolidou-se o sistema de todas dão entrada para a Vila de Santos se eu achar cabedal para me alargar
peças, todas desmontadas, porém com defesa do Porto de Santos. Um siste- que fica terra adentro. As fortificações mais, farei tal ou qual fortificação
boa artilharia apesar de não ter tido ma ainda que precário, mas final- que há nestas partes nem são as neces- defronte da Bateria da Bertioga; aonde
quem lhe preste o mínimo benefício. mente um sistema. A primeira visita sárias, nem tem a devida formalidade. A me parece que era mais precisa. Também
Esta fortaleza, pela situação em que se à Santos do Capitão-General cau- melhor, que é a da Barra Grande chama- faço intenção de levantar uma bateria
acha, tem grande vantagem pelo gran- sou-lhe uma profunda impressão, da de Santo amaro, não tem mais do que na Barra de S. Vicente, por me dizerem
de dano que pode fazer aos navios, ape- conforme o seu relato ao Conde de um baluarte e um cavaleiro, de que que a tinham entupido em outro tempo,
sar de lhe apresentar pouco fogo, Oeiras datado de 30/07/1765: “Nes- nasce uma cortina que podem admitir (...) eu a fui ver e achei que já podem
porém, como o canal é muito próximo a tas Americas tudo é grande; as provín- cem, ou cinquenta arcabuzeiros, e nada entrar por ela muito bem embarcações
fortaleza, pode esta pelo menos cortar cias, os rios, os montes, as campinas, os mais; é comandada de um alto ao qual mais pequenas.”13
toda a enxárcia e fazê-lo desarvorar matos, as árvores; excedem extraordina- se pode comodamente subir desembar- D. Luís Antonio de S. Botelho
com planquetas, balas fixas e encadea- riamente as que se costuma ver no cando por detrás do monte em uma Mourão construiu o Forte de São
das pelo ângulo que forma o canal ofe- Reino. Sobretudo as baías e enseadas praia chamada do Góes, que não tem Luiz para servir de contra-bateria à
recem os navios a pôpa ao flanco de são amplíssimas e por este motivo difí- defesa nenhuma. Defronte desta fortale- Fortaleza da Bertioga, mandou edi-
cuja vantagem se podem aproveitar os ceis de fortificar; Estas enseadas de San- za e da outra parte do estreito deram ficar o Fortim do Góes para reforçar
da fortaleza, metendo-lhes ao mesmo tos ainda que não são tão grandes, são princípio a um forte que está principia- a proteção do Canal da Barra Gran-
tempo grande mortandade. Nessa for- com tudo tão extensas que podem as do de estacada; (...) No Porto da Bertio- de e proteger a Fortaleza de Santo
taleza há lugar para se fazer um telhei- naus dar fundo no meio delas sem ga, que dista desta Vila 5 léguas, não há Amaro, além de reparar as outras
ro em que se possam recolher quatro nenhum receio de que lhe chegue a arti- mais do que uma bateria com 4 peças, fortificações existentes. A pretendi-
peças, com seus reparos, e o quartel lharia das praias; somente aonde estrei- sem baluartes nem defesas; e também da “bateria na Barra de S. Vicente”
precisa de grande conserto.”12 ta mais a ria que se divide em três bocas mal situada, porque segundo entendo, nunca foi iniciada.
Já salientamos a importância da é que admite fortificação; a dita ria deveria estar da parte oposta, a não
política pombalina para a proteção dividida nas três diferentes bocas, faz haver duas, porque daquela banda
fariam os seus tiros muito melhor efeito
por passarem os navios muito mais
perto, como também teria a dita Praça
melhor defesa. Navegando pelo rio
acima para a Vila de Santos (...), há
outro pequeno forte chamado Itapema, e
na Vila outro junto ao Colégio, ambos
os quais são obras muito limitadas. Em
S. Vicente não há nada. Para isto se
reduzir à defesa necessária, seria preciso
fazer grandes gastos, e consumir muito
tempo (...) nestes termos eu me resolvo
somente a fazer um pequeno reduto com
Forte da Vila desenhado por Landseer uma estacada na Praia do Góes, para Guarita do Forte de Itapema
194 195
Arquitetura Militar Sistema de Proteção da Vila de Santos
SÉCULOS XIX E XX
Em 1809 o Cel. João da Costa Ferreira do Real Corpo de Engenheiros
foi designado pelo Governador para substituir todos os reparos de
artilharia das fortalezas de Santos, de modo a "que ele seja feito de
quatro rodas, como é o carretame da marinha, já pela razão de se
achar assim mais facilmente a necessária madeira, já por serem estas
carretas as mais aprovadas, e até mais cômodas para se livrarem das
chuvas em um pais como Santos tão sujeito a elas."14
Detalhe da “Planta Topográfica da Vila de “Planta do Colégio Jesuítico e Quartel
Santos”, mostrando a Casa do Trem, o Militar na Vila de Santos no ano de 1801”
edifício dos quartéis e o Forte da Vila. IPHAN AHE
A
ntes de 1860 o Forte de Ita- de “casa de pólvora, onde mando reco-
pema foi todo reformado. lher o que vem pertencente ao Governo, O relatório de 15/01/1877 do fortificações já estavam há muito
Possuía nessa ocasião “cinco não só para essa Província como para as Duque de Caxias, então Ministro ultrapassadas. A artilharia raiada
bocas de fogo, duas de calibre 9 monta- de Goias e Mato Grosso”, segundo da Guerra do Império assim des- que surgiu em meados do século XIX
das em reparo de sítio ou praça ao siste- relatava o General Comandante da crevia a Casa do Trem: “Edifício de exigia a modernização do sistema
ma Onofre, e três de calibre 4 em reparo Praça de Santos em 01/01/1861. Os sobrado, de um só andar, construído de defesa colonial do Porto. Um
de campanha, sendo elas todas de bron- canhões devem ter sido sido trans- de pedra e cal, de sólida construção, novo Plano de Defesa do Porto de
ze”. O edifício do quartel recém-re- ladado para o Forte da Vila, nessa com janelas sobre todas as quatro fren- Santos, já estava em andamento
formado tinha “um dormitório, dois época denominado Forte da Praça tes, tendo o pavimento superior um desde 1896.
quartos, uma prisão e uma cozinha”, “para corresponder aos cortejos que a vasto salão com 13m96 de comprimen- Em 1908 com a fundação do
segundo o relatório do Alferes Anto- Praça fazem os navios de guerra estran- to sobre 7m92 de largura, com prate- “Tiro Brasileiro de Santos no 11”, o
nio Florindo Roiz de Vasconcelos.15 geiros”. O relatório de 1861 também leiras e cabides, e mais três salas de edifício da Casa do Trem passou a
Curiosamente alguns meses descrevia o “Armazém de Artigos menores dimensões, e no pavimento servir de sede provisória para a
depois desse citado relatório, as Bélicos, o qual está em muito bom esta- térreo três armazéns.” 17 nova corporação, sendo a sua
cinco bocas de fogo de bronze já não do, e tem bastante Armamento que vai No dia 02/08/1880 foi extinto o transferência definitiva ocorrida
estavam mais no Forte de Itapema. ficando inutilizado, por não ter quem o Comando Militar de Santos e em em 191018. O Tiro Onze funcionou
Esse forte estava servindo apenas limpe e azeite.”16 1891 foi iniciada a demolição dos até 1945 quando foi extinto. Esse
quartéis. O Forte da Praça, antigo edifício serviu ainda como depósi-
Forte de Monserrate foi demolido to para a Infantaria. Tombado em
para dar lugar às obras de moderni- 1937 a Casa do Trem foi entregue
zação do Porto pela Companhia ao iphan em 1965, reparada em
Docas de Santos. O Forte de Itape- 1977 pelo condephaat, e final-
ma passou para o domínio da Alfân- mente restaurada nos anos noven-
dega em 1905. Uma torre com holo- ta através de uma parceria entre o
fotes foi instalada no lugar do iphan e a Prefeitura de Santos.
demolido edifício do quartel, e o Abriga hoje um Centro de Apoio
que restou do sítio passou a abrigar Social para atendimento da popu-
um posto de fiscalização. As velhas lação local.
Desenho de Edmund Pink do Forte de Itapema em 1833. IPHAN
196 197
Arquitetura Militar Sistema de Proteção da Vila de Santos
Fotografia do Forte de Monserrate ou da Vila em 1860. (col. Arnaldo Aguiar Barbosa) IPHAN
Forte de Itapema nos anos quarenta com a torre de sinalização construída no lugar do
antigo Quartel. Os parapeitos já haviam sido substituídos por um guardacorpo metálico.
IPHAN
Casa do Trem em 1962 colado à edifícios Casa do Trem depois da demolição dos
construídos no seu terreno. IPHAN edifícios vizinhos efetuada pelo IPHAN.
198 199
Arquitetura Militar Sistema de Proteção da Vila de Santos
Notas
“Annaes do Museu Paulista”, Documentação Brasileira Seiscentista, tomo iii, São Paulo, 1927, p. 253.
Paulista”, Documentação Brasileira Seiscentista, tomo iii, São Paulo, 1927, p. 259.
3 Goulart Reis, Nestor. “Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial”. Edusp, São Paulo, 2000, p. 371.
5 Provisão régia de 04/02/1714. “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”,
6 “Fica também fazendo as minhas custas quatro quartéis para a Infantaria desta praça,e sem dispendio
da Fazenda de V. Mag.” – Petição de João de Crasto ao Rei, para fortificar a Barra de Santos e construir quar-
7 “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”. Volume xxiv, Archivo do Estado
de S. Paulo, p. 131.
do de S. Paulo, p. 305.
da Entrada
da Barra de Santos
13 “Mapas e Planos Manuscritos relativos ao Brasil Colonial (1500-1822)”. Ministério das Relações Exte-
14 “Doc. Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”, Vol. lviii, pp. 129-130.
15 “Relactorio do forte da Praça de Santos” de 16/10/1860, Arquivo Histórico do Exército, cópia iphan-sp.
16 “Relactório de 01/01/1861 do Comandante da Praça de Santos General. Com. Mar. José Olinto de
17 Arquivo Histórico do Exército, apud. Muniz Jr., “Fortes e Fortificações do Litoral Santista”, Edição
18 Muniz Jr.. “Fortes e Fortificações do Litoral Santista”. Edição particular do autor. Santos, 1982, pp. 63-64.
200
Arquitetura Militar
FORTALEZA DE ITAIPU
E FORTE DOS ANDRADAS
A
proibição do tráfico negrei- foram reconstruídas em tijolos em
ro em 1850 abriu o caminho conformidade ao novo gosto inter-
para a importação de mão nacional.
de obra assalariada européia. A A Guerra do Paraguai (1864-1870)
implantação da ferrovia São Paulo fortaleceu as instituições militares,
Railway interligando Santos à Jun- criou novas lideranças nascidas fora
diaí deu impulso à produção do da aristocracia senhorial fomentan-
café, abriu o mercado brasileiro às do a modernização do sistema de
novidades do mundo europeu e defesa nacional. A Proclamação da
criou as bases para a industrializa- República marcou a ascensão desta
ção paulista. Até mesmo os estilos casta militar oriunda da Guerra do
artísticos do ecletismo europeu Paraguai, sob o comando do Mal.
aportaram em Santos e espalha- Deodoro da Fonseca e Floriano
ram-se pelo Estado através das Peixoto. Divergências entre essas
linhas férreas. As vilas coloniais do duas lideranças militares na última
planalto edificadas em taipa de década do século XIX, contribuíram
pilão e as do litoral em pedra e cal, para a ocorrência de inúmeros dis-
Forte Duque de Caxias, em Itaipu
203
As Novas Fortificações da entrada da Baía de Santos
Estação Ferroviária de Santos no início do século XX
204 205
Arquitetura Militar As Novas Fortificações da entrada da Baía de Santos
A segunda linha seria composta de Um corredor geral põe em comunicação
uma "bateria torpêdica submarina" em esses diversos compartimentos e um
substituição à Fortaleza de Santo outro conduz às galerias submarinas da
Amaro, outra bateria de canhões bateria.(...) Os alojamentos, o local do
onde existia o Forte Augusto na Ilha farol (em plano superior) e todas as
de Santos, e a última, na junção do dependências necessárias ao serviço do
Canal da Barra Grande com o Rio de forte são à prova de bomba.(...) No flan-
Santo Amaro na Ilha de Guarujá. co direito e junto a entrada colocamos a
O projeto organizado pelo Capi- cúpula para um canhão de tiro rápido
tão do Estado Maior Erico Augusto de 57 mm (...). A bateria torpêdica (...)
de Oliveira foi apresentado ao é armada por 3 tubos lança-torpedos
Ministério da Guerra em móveis em um setor circular de 60˚ que
01/12/1897 acompanhado de 15 dará um campo de tiro de 120˚ (...) As
plantas. Era uma proposta cara e frentes de saídas dos tubos são protegi-
sofisticada, como podemos obser- das por couraças e munida de disposi-
var do projeto da nova bateria que ções que impedem a entrada d´agua".1
substituiria a Fortaleza de Santo A Ponta do Itaipu foi considera-
Amaro: "O que propomos, terá mais da estratégica e prioritária nesse
ou menos a forma retangular e será projeto, pois essa localização per-
completamente fechado. A sua fren- mitia a proteção geral da entrada
te,(...) anexamos uma bateria torpêdica da baía de Santos. As obras inicia-
submarina. Na parte correspondente ao ram-se antes mesmo da conclusão
primeiro terrapleno colocamos o paiol, das desapropriações, sob a coorde-
corpo de guarda, (...) e depósito de nação do engenheiro militar
munições das cúpulas aí instalados. Augusto Ximeno Villeroy. Das obra
206 207
Arquitetura Militar As Novas Fortificações da entrada da Baía de Santos
Forte do Jurubatuba antes do bombardeio de 1932, que destruiu o edifício que aparece na
frente da bateria
208 209
Arquitetura Militar As Novas Fortificações da entrada da Baía de Santos
Vista da Ponta do Monduba que abriga o Forte subterrâneo dos Andradas com as
respectivas “baterias mascaradas” de obuseiros. Na praia avistam-se as instalações do
Quartel de Paz.
Desenho do canhão
Ponta do Monduba com o obuseiro 280 mm voltado para a Baía de Santos obus 280mm
210 211
Arquitetura Militar As Novas Fortificações da entrada da Baía de Santos
Krupp modelo 1912, foram enco-
mendados por Hermes da Fonseca
para o Forte do Campinho no Rio de
Janeiro, cujas obras nunca se concluí-
ram, "ficando em depósito até a década
de 30, quando foram usados para as defe-
sas de Santos". Esse canhão de tiro
curvo pesava cerca de 10 toneladas,
disparando um projétil de 345 kg Vista das instalações subterrâneas do
Forte General Rego Barros que ficou
que alcançava a distância horizontal inacabado
de 9.000 metros.
O Forte dos Andradas possuía dois implantado na defesa do Porto de
edifícios de aquartelamento, um na Santos em 1999, constituindo-se na
elevação do morro (Quartel de Guer- terceira geração de material de arti-
ra) e o outro na praia do Monduba lharia da Fortaleza de Itaipu.
(Quartel de Paz). Recentemente foi
construído um novo aquartelamento
inaugurado em 1997.
O Astros-ii é um "Sistema de Arti-
lharia para Saturação de Área" e pode
lançar quatro tipos de foguetes com
As Fortificações
O aperfeiçoamento dos aviões
bombardeiros na Segunda Guerra, o
alcance variando entre 10 e 98km.
É composto pelas seguintes unida-
desaparecidas do
Canal de São Sebastião
fracasso da Linha Maginot na França des móveis: controladora de fogo,
em 1940 (o maior sistema subterrâ- lançadora múltipla de foguetes,
neo fortificado), a invenção alemã viatura remuniciadora e viatura
dos foguetes v1 e v2, etc., tornaram meteorológica, que podem se deslo-
inviável a conclusão do Forte car em qualquer tipo de terreno,
General Rego Barros em Itaipú. inclusive serem transportados atra-
Iniciava-se a "era dos mísseis" na his- vés de aeronaves. É a "cortina de
tória da artilharia. As fortalezas fixas defesa virtual".
de costa foram paulatinamente desa- A arquitetura militar perdeu
tivadas, sendo substituídas pelas assim uma de suas funções que
modernas baterias móveis, constituí- vinha desde a antiguidade. Foi o
das pelos lançadores de foguetes último capítulo da história das forti-
Astros-II. O sistema móvel foi ficações de costa no Brasil.
Victor Hugo Mori
notas:
1 "Forte que substituirá o atual da Barra Grande – Planta n∞ 9" do memorial do Capitão Erico
Augusto de Oliveira de 01/12/1897. Arquivo Histórico do Exército, cópia iphan-sp.
2 Ofício da "Comissão de Defesa de Santos" n∞ 125, datado de 29/09/1907 e assinado pelo
Ten. Cel. Augusto Villeroy, encaminhado ao Gal. Modestino Augusto de Assis Martins, Diretor de
Engenharia. Arquivo Histórico do Exército, cópia iphan-sp.
3 Amorim, Major Annibal. "História das fortificações do Brasil". Transcrito no Boletim do
Estado-maior do Exército, nº 4, ano xi, Outubro a Dezembro de 1921, Vol. xx, pp.417-427.
212
Arquitetura Militar
A PROTEÇÃO DO PORTO DE SÃO SEBASTIÃO
A
s atividades rurais estavam Amaro, foi desconsiderado pela
dispersas em engenhos ou política de defesa militar até o final
fazendas auto-suficientes do século xviii.
ao longo da costa, assim, o Canal de A economia da região ganhou
São Sebastião, situado no limite das impulso em meados do século xviii
capitanias de São Vicente e Santo com o Contrato de Baleias (monopó-
214 215
Arquitetura Militar As Fortificações Desaparecidas de São Sebastião
Planta do Forte da Ponta das Canas desenhada pelo ten. cel. Teixeira Cabral. O Forte foi
projetado durante o governo do Morgado de Mateus. AHE
lio real), cuja Armação foi levantada arrolados na região de São Sebastião
na Ilha de São Sebastião (Ilha Bela). dezessete engenhos de açúcar e Planta do Forte do Rabo
Em 1770, iniciaram-se as obras do vinte alambiques, como o Engenho Azedo desenhada pelo
ten. cel. Teixeira Cabral
Forte da Ponta das Canas em pedra Santana no continente e os Enge- AHE
216 217
Arquitetura Militar As Fortificações Desaparecidas de São Sebastião
1
Armação
de Baleia
Planta do Forte da Vila Bela da
Princesa desenhada pelo ten. cel. Teixeira 8 2
Cabral (esq.) AHE
O “Cartão Postal Colombo“, de 1950 da Ilha
Bela, sugere que a contrução do antigo pier São Sebastião 7 3
de atracação aproveitou o embasamento
do forte de Vila Bela da Princesa. (abaixo) 6 Ilha Bela
5
A entrada sul do canal era prote- norte também entraram em deca- O Sistema de Defesa do Canal de São Sebastião INPE
gida na parte continental pelo Forte dência. O Porto de São Sebastião 1) Forte da Ponta das Canas 5) Forte do Araçá
2) Forte do Rabo Azedo 6) Forte da Vila de São Sebastião
do Araçá (quatro peças calibre 12) perdeu sua relativa importância
3) Forte da Vila Bela da Princesa 7) Forte de Santa Cruz
em um morro ao sul da vila (Ponta nesse período. As pequenas fortifica-
4) Forte da Feiticeira 8) Forte da Sapituba
do Araçá). Cruzando fogo com essa ções construídas de terra e estacada
bateria pelo lado da Ilha de São (faxina) não resistiram ao abandono.
Sebastião, situava-se o Forte da Os desenhos do Tenente Coronel Tei-
Feiticeira com o seu quartel (duas xeira Cabral, do Imperial Corpo de
peças calibre 9) em uma elevação Engenheiros Militares (Arquivo His-
junto a praia. tórico do Exército), aqui reproduzi-
A chegada da ferrovia a Santos dos, demonstram a simplicidade e a
monopolizou todo o escoamento da precariedade dessas construções.
produção agrícola do estado para Nada restou das únicas fortificações
esse porto na segunda metade do projetadas e construídas no século
século xix. Os engenhos do litoral XIX em São Paulo.
Ruínas do Forte da Ponta das Canas e um dos seis canhões que existiam no local do Forte
do Araçá fotografados pelo IPHAN em 1937
218 219
Arquitetura Militar As Fortificações Desaparecidas de São Sebastião
Linha do Tempo
Panorama Histórico
São Paulo/ Brasil/ Geral
Geral
do teto da Capela
1492 – Cristóvão 1498 – Vasco da Gama Sistina. Diogo de 1520 – Copérnico
Colombo descobre a descobre o caminho Arruda inicia a termina a obra
América. Queda de marítimo para as Índias, construção das “Commentariolus”.
Granada. chegando a Calcutá. fortalezas de Safim, 1519 – Fernão de
Azamor e Mazagão Magalhães inicia a
no Marrocos. circunavegação do globo.
1496 – Os judeus são 1526 – Giulio Romano
Em 1520 descobre o inicia a construção do
expulsos de Portugal ou “Estreito” que interliga o
convertidos Palácio Té em Mântua.
Atlântico ao Pacífico.
compulsoriamente.
1480 – Construção da
Vila Medicea de Poggio 1495 –
a Caiano, próximo a Assume o
Florença. trono 1504 – Publicado o
português “Novo Mundo” de
D. Manuel I, Américo Vespúcio.
“o Venturoso”. 1514/1519 – Torre de
Belém, construída por
Brasil / Portugal
Francisco Arruda em
Linha do Tempo estilo Manuelino,
assinala a transição
1480–1820 das torres medievais 1521 – Assume o trono
português D. João III,
para o sistema de
baluarte. “o Piedoso”.
1494 – Tratado de
Tordesilhas divide 1510 – Início do
o Novo Mundo entre império português na 1516 – João de Castilho
Portugal e Espanha. 1500 – Chega ao Brasil Ásia, com a conquista projeta o portal do
a expedição de Pedro de Goa por Afonso Mosteiro dos Jerônimos
1495 – D. João II (1455- Álvares Cabral. Albuquerque. em Lisboa, em estilo
1495)
manuelino.
Rio de Janeiro,
Preto. chefiada por Lebreton.
1792 – Execução de
Tiradentes. É o início do
1807 – Tropas de neoclassicismo na arte
Napoleão Bonaparte brasileira.
invadem Portugal.
1748 – Inaugurado o
monumental
Aqueduto das Águas 1776 – Principiadas as 1808 – Fugindo de 1822 – D. Pedro I é
Livres em Lisboa. 1759 – O Marques de obras do Real Forte Napoleão, a família proclamado
Pombal expulsa os Príncipe da Beira no Rio real portuguesa instala Imperador do Brasil.
Jesuítas de Portugal e Guaporé, projetado pelo a corte no Rio de É o fim do período
suas colônias. genovês Domingos Janeiro. colonial.
Sambuceti.
230 231
Arquitetura Militar
Sobre o Autor Sobre os Colaboradores
232 233
Arquitetura Militar
A execução deste livro-catálogo somente foi possível com o apoio e a colaboração do Ins-
tituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, da Fundação Cultural Exército Bra-
sileiro, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e, principalmente, dos inúmeros ami-
gos aqui citados e outros que involuntariamente esqueci.
Ao sempre professor Carlos Cerqueira Lemos, que se prontificou a escrever um capítulo
inteiro deste catálogo. Ao Adler Fonseca de Castro, principal orientador na sua área de
especialidade: a história militar. Aos colegas do iphan-sp, Mauro Bondi pelos desenhos
eletrônicos especialmente produzidos, Marise Campos de Souza e Rosemeire Castanha
pela organização dos documentos acumulados durante anos, Cecília Rodrigues dos San-
tos, pelo apoio e permissão do uso do arquivo institucional, José Saia pela cessão das foto-
grafias de sua autoria, Carlos Cerqueira e Jaelson Trindade pelas pesquisas documentais
produzidas. À Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, na pessoa do Sérgio Kobayashi,
pela generosidade na editoração e impressão deste livro. Aos incontáveis amigos da Uni-
versidade Católica de Santos. Ao companheiro Élcio Rogério Secomandi da Fundação
Cultural Exército Brasileiro pela apresentação deste catálogo. Aos comandantes militares
na Baixada Santista Gal. Hamilton Bonat, Cel. Oswaldo Oliva e Ten. Cel. Edison Lefone
por facilitar o acesso aos arquivos do Exército Nacional. Ao Antonio Luís Sarasá, Eraldo
Silva, Jayr Favero, Cláudio Marques, André de Moura e Eduardo Mello pelas belas ima-
gens fotográficas. Aos professores Nestor Goulart, Benedito Lima de Toledo e Júlio
Katinsky pelas aulas informais sobre a arquitetura militar. Ao Prof. Francisco Alves da
Silva pelos livros emprestados. Ao artista gráfico Guen Yokoyama auxiliado pela Danie-
la Nogueira Secondo, que transformou um simples catálogo em um livro de arte. E, por
fim, a minha esposa Alexandrina Mori (Nina) que, corrigiu, opinou, e, até alterou os
roteiros de nossas férias para visitar os indefectíveis castelos e fortificações.