Você está na página 1de 379

ARQUITETURA

AMAZÔNICA:
TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E INOVAÇÃO

CYBELLE SALVADOR MIRANDA


DINAH REIKO TUTYIA
RONALDO MARQUES DE CARVALHO
(Organizadores)
ARQUITETURA
AMAZÔNICA:
TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E INOVAÇÃO
CYBELLE SALVADOR MIRANDA
DINAH REIKO TUTYIA
RONALDO MARQUES DE CARVALHO
(ORGANIZADORES)

ARQUITETURA
AMAZÔNICA:
TRADIÇÃO, TRADUÇÃO E INOVAÇÃO
Administração Superior da UFPA
Reitor: Prof. Dr. Emmanuel Zagurhy Tourinho
Vice-reitor: Prof. D. Gilmar Pereira da Silva
Pró-Reitor de Administração: Prof. Dr. João de França Mendes Neto
Pró-Reitora de Planejamento: Profª. Drª. Raquel Trindade Borges
Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Prof. Dr. Edmar Tavares da Costa
Pró-Reitor de Extensão: Prof. Dr. Nelson José de Souza Júnior
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Profª. Drª. Maria Iracilda da Cunha Sampaio
Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Prof. Drº Raimundo da Costa Almeida
Pró-Reitora de Relações Internacionais: Profª. Drª. Marília de Nazaré De Oliveira Ferreira
Prefeito do Campus: Prof. Dr. Eliomar Azevedo Do Carmo
Direção do Instituto de Tecnologia - ITEC
Diretor Geral: Prof. Dr. Newton Sure Soeiro
Diretor Adjunto: Prof. Dr. Hito Braga de Moraes
Direção da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU
Diretora: Profª Drª Roberta Menezes Rodrigues
Vice-Diretora: Profª. Drª Vanessa Watrin
Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU
Coordenadora: Profª. Drª Cybelle Salvador Miranda
Vice Coordenador: Prof. Dr. José Júlio Lima

Copyright © 2021 by Cybelle Salvador Miranda et al

Grafia atualizada conforme o novo Acordo Ortográfico da Língua Portugesa de 1990,


que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Capa
Tapeçaria desenhada e executada por Cybelle Miranda.

Diagramação
Pedro Henrique Lobato

Revisão
Talita Bastos

Projeto Gráfico
Gyzelle Góes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


M672a Miranda, Cybelle Salvador

Arquitetura amazônica : tradição, tradução e inovação / Cybelle


Salvador Miranda, Dinah Reiko Tutyia, Ronaldo Marques de Carvalho
– Belém: Folheando, 2021.

376 p. il.

ISBN: 978-65-88714-97-3

1. Arquitetura. 2. Arquitetura - Amazônia. I. Tutyia,


Dinah Reiko. II. Carvalho, Ronaldo Marques de. III. Título.

CDD: Ed. 23 – 720

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Semias Araújo CRB-2/1225

[2021]
editora folheando
Rua Quinze de Agosto, 51
66821-345 — Belém — pa
Telefone: (91) 99159-6480
contato@editorafolheando.com.br
www.editorafolheando.com.br
facebook.com/editorafolheando
instagram.com/editorafolheando
Sumário

PREFÁCIO............................................................................................8

APRESENTAÇÃO...............................................................................14

RECONHECENDO A TRADIÇÃO

CASARÃO AYRES, MAZAGÃO (AP): uma experiência de interação entre


Universidade e sociedade na construção de suas referências culturais .......22
Dinah Reiko Tutyia, Cybelle Salvador Miranda, Ronaldo Marques de Carvalho
Guilherme Pantoja Alfaia, Raimundo Lobato Marques

ENTRE O TOMBAMENTO E O APAGAMENTO: a casa “colonial” da


travessa Joaquim Távora, Cidade Velha em Belém do Pará.....................45
Dinah Reiko Tutyia

AS JANELAS DO AFETO EM CASAS DOBRADAS: matéria, memória


e artefato...............................................................................................77
Cybelle Salvador Miranda, Ronaldo Marques de Carvalho, Beatriz Martins Maneschy

ESTUDO DAS FACHADAS NEOCOLONIAIS EM BELÉM: linguagem


arquitetônica tradicionalista no bairro de Nazaré.................................108
Felipe Moreira Azevedo, Cybelle Salvador Miranda

TRADUÇÃO: VERSÃO DE UM PASSADO

CIDADE VELHA: um exercício de apreensão da imagem do conjunto


patrimonial tombado em Belém do Pará ....................................................140
Dinah Reiko Tutyia, Cybelle Salvador Miranda
VOZES E MEMÓRIA: uma proposta arquitetônica de um ponto de memória
em tecnologia em terra em Mazagão Velho (AP).............................................165
Guilherme Pantoja Alfaia, Dinah Tutyia

UMA HABITAÇÃO PARA O TRÓPICO ÚMIDO: projeto para um


terreno estreito ...................................................................................194
Ronaldo Marques de Carvalho

O CHALÉ DE ANTONIO LEMOS EM TRÊS DIMENSÕES: memó-


ria, criptohistória e reabilitação paisagística..........................................233
Cybelle Salvador Miranda, Rony Helder Nogueira Cordeiro, Flavia Galende Marques de Carvalho

POR UMA ARQUITETURA PARAENSE NUM PROCESSO DE INOVAÇÃO

USO DA TECNOLOGIA BIM PARA A DOCUMENTAÇÃO DO


PATRIMÔNIO: a Reabilitação do chalé 522 da Avenida Nazaré........262
Bianca Barbosa do Nascimento, Cybelle Salvador Miranda

O MÉTODO E A METODOLOGIA PROJETUAL ARQUITETÔNICA:


do Modernismo ao Pluralismo Contemporâneo..................................293
Ronaldo Marques de Carvalho

COBRINDO GRANDES VÃOS: a utilização da madeira, do metal e do


concreto armado para a construção das estruturas................................317
Ronaldo Marques de Carvalho

AS PLACAS DO FORRO DE ESTUQUE DA ANTIGA CAPELA DA


SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DO PARÁ: elaboração de protótipos
como subsídio para reabilitação...............................................................344
Bianca Barbosa do Nascimento, Larissa Silva Leal, Ronaldo Marques de Carvalho

ORGANIZADORES..........................................................................370

AUTORES..........................................................................................374
PREFÁCIO

O livro Arquitetura Amazônica: Tradição, Tradução E Inovação, or-


ganizado pelos professores Cybelle Salvador Miranda, Dinah
Reiko Tutyia e Ronaldo Marques de Carvalho, traz em seus 15 artigos
um panorama da pesquisa acadêmica e extensionista desenvolvida no
Curso de Arquitetura e Urbanismo e no Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará e no
Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ama-
pá. Estruturados nos três módulos que integram o título – Tradição,
Tradução e Inovação –, os textos mostram um importante esforço de
pesquisa, registro e análise da produção arquitetônica do Pará e do
Amapá e de sua patrimonialização.
O tema Tradição é debatido pelo viés da moradia e de suas diver-
sas dimensões em relação ao patrimônio. Segundo os organizadores,
associa “o registro da materialidade (técnicas e detalhes construtivos,
morfologia, volumetria, elementos estéticos) à imaterialidade (memórias,
afetividade, referências culturais)”. A habitação – com suas formas,
ambientes, materiais construtivos, móveis e objetos – reflete o con-
texto histórico, geográfico, social e, sobretudo, cultural da Amazônia.

8
A Tradução compreendida como “versão de um passado” traz a
atenção dos pesquisadores para “uma versão, uma transposição ou uma
releitura de um tema arquitetônico de um outro momento histórico”.
Neste sentido, os quatro textos do módulo desenvolvem reflexões
sobre a arquitetura e seus princípios – venustas, firmitas e utilitas – ao
longo do tempo, identificando na contemporaneidade permanências,
adequações e rupturas.
A Inovação mostra as possibilidades de contribuição das novas
tecnologias para a preservação do patrimônio, seja na precisão do
registro, na incrementação da pesquisa ou, ainda, nas soluções de
intervenção, com o uso de novos materiais que prolongam a vida
útil do bem cultural.
Os três módulos do livro Arquitetura Amazônica: Tradição, Tradução
E Inovação revelam uma produção acadêmica e extensionista robusta
e abrangente, porém pouco conhecida em âmbito nacional. Os textos
analisam bens culturais em suas diversas dimensões, na pluralidade
de suas manifestações, em diferentes escalas e valores individuais,
sociais, artísticos, históricos, de memória etc.
O Patrimônio Cultural é aqui entendido como “um conjunto de
recursos herdados do passado que as pessoas identificam” e “um reflexo
e expressão dos seus valores, crenças, saberes e tradições em permanente
evolução”, como explicita a Convenção de Faro (2005). Tal conceito
mais alargado do Patrimônio Cultural, embora consolidado teori-
camente – defendido na Carta de Veneza (1964) e no artigo 216 de
nossa Constituição de 1988, entre outros documentos – apresenta
morosidade na sua adoção. Trata-se de um processo em construção
que pressupõe a identificação, a valoração e a salvaguarda dos bens
culturais, além do envolvimento de toda a sociedade, temas presentes
tanto no documento de Faro (2005) como nos artigos que compõem
Arquitetura Amazônica: Tradição, Tradução E Inovação.
Neste sentido, o livro traz uma importante contribuição para

9
a identificação dos bens culturais, à medida que expressa um com-
promisso com o seu conhecimento e análise, considerando aspectos
históricos, estéticos, artísticos, formais e técnicos. Os textos filiam-se
à uma tradição presente nas recomendações das Cartas Patrimoniais,
desde o documento de Atenas (1931), e do IPHAN (1937), que se
mantêm na atualidade. Concomitantemente, as pesquisas e levan-
tamentos apresentados ultrapassam os “aspectos de forma e desenho,
materiais e substância, uso e função, tradições e técnicas, localização e
espaço” e registram o “espírito e o sentimento, e outros fatores internos
e externos”, como destaca a Conferência de Nara (1994).
Arquitetura Amazônica: Tradição, Tradução E Inovação contém
análises e reflexões que buscam revelar as referências culturais dos
bens estudados, suas características e os diferentes valores que lhe são
atribuídos. Alinham-se com o entendimento contemporâneo sobre
“a necessidade de colocar a pessoa e os valores humanos no centro de um
conceito alargado e interdisciplinar de patrimônio cultural” (CON-
VENÇÃO DE FARO, 2005).
Por sua vez, o tema da salvaguarda – aqui compreendido em sua
amplitude e abarcando preservação, proteção, promoção, valoriza-
ção, educação formal e não-formal e revitalização deste patrimônio
– perpassa os diferentes trabalhos. Inclui-se neste direcionamento, a
constatação em vários artigos da “profunda interdependência” entre
o patrimônio cultural imaterial e o patrimônio material cultural,
como afirma a Convenção para a salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial (2003).
Outro importante aspecto a ser destacado é a contribuição dos
textos que se debruçam no uso da tecnologia para a documentação de
bens culturais e de metodologias projetuais para as intervenções em
preexistências. Se tais questões já tinham sua importância reconhecida
em 1985, na Convenção para a salvaguarda do Patrimônio Arqui-
tetônico da Europa, na atualidade elas se tornam imprescindíveis.

10
Por fim, registra-se a intenção e a ação deste grupo de professores
e pesquisadores de dialogar com os diversos grupos sociais, buscando
a identificação e valoração do Patrimônio Cultural da Amazônia. A
Carta de Atenas (1931) já apontava que o “respeito” da sociedade
pelos bens culturais contribuía para a sua efetiva preservação. Con-
temporaneamente, a participação social nos processos de salvaguarda
e gestão do Patrimônio Cultural é considerada fundamental, questão
reconhecida e sublinhada neste livro.
As constantes referências ao alinhamento dos diversos autores de
Arquitetura Amazônica: Tradição, Tradução E Inovação às premissas
das Cartas Patrimoniais – desde a década de 1930, mas sobretudo
às contemporâneas – buscam enfatizar a pertinência, a atualidade
e, principalmente, a importância dos temas estudados. Os artigos
do presente livro estruturam-se em arcabouços teóricos sólidos e
revelam o papel substancial da academia no processo de preservação
do Patrimônio Cultural.
Boa leitura!

Elizabeth Amorim de Castro


Professora adjunta de Teoria e História da Arquitetura do Departamento
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná e do Curso
de Especialização PARC: Patrimônio, Arquitetura, Cultura, da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná. Pesquisa a História da Arquitetura e Urba-
nismo, com ênfase nos seguintes temas: Patrimônio Cultural, Patrimônio
Cultural de Curitiba, Modernização/Higienismo de Curitiba, Hanseníase no
Paraná, Arquitetura/História de Hospitais de Isolamento, Arquitetura/His-
tória de Colégios e Educandários e de Conventos e Seminários em Curitiba.

11
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


1988. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao.
Acesso: 2/10/2021.

CONSELHO DA EUROPA. Convenção para a salvaguarda do


Patrimônio Arquitetônico da Europa. Granada, 1985. Disponível:
http://www.patrimoniocultural.gov.pt. Acesso: 2/10/2021.

CONSELHO DA EUROPA. Convenção-Quadro do Conselho


da Europa relativa ao valor do Patrimonio Cultural para a so-
ciedade. Faro, 2005. Disponível: http://portal.iphan.gov.br. Acesso:
2/10/2021.

ICOMOS. Carta internacional sobre conservação e restauração


de monumentos e sítios. Veneza, 1964. Disponível: http://portal.
iphan.gov.br. Acesso: 2/10/2021.

SOCIEDADE DAS NAÇÕES. Carta de Atenas. Atenas, 1931.


Disponível: http://portal.iphan.gov.br. Acesso: 2/10/2021.

UNESCO. Conferência sobre a autenticidade em relação à con-


venção do Patrimônio Mundial. Nara, 1994. Disponível: http://
portal.iphan.gov.br. Acesso: 2/10/2021.

UNESCO. Convenção para a salvaguarda do patrimônio cultu-


ral imaterial. Paris, 2003. Disponível: http://portal.iphan.gov.br.
Acesso: 2/10/2021.

12
APRESENTAÇÃO

Ao longo de 12 anos, o Laboratório de Memória e Patrimônio


Cultural vem sendo o espaço físico e intelectual de pesquisas, nos
diversos níveis de formação, abrangendo graduandos que desenvolvem
trabalhos de conclusão de curso, de iniciação científica e extensão,
bem como mestrandos e, mais recentemente, doutorandos. Deste pro-
cesso, articulado a partir de 2010 com o Programa de Pós-graduação
em Arquitetura e Urbanismo, vem sendo produzidas pesquisas de
significativo impacto no conhecimento e reconhecimento de nossa
produção arquitetônica.
Neste diálogo, que se estende e entrelaça com outras universidades
brasileiras, a pesquisa iniciada no Mestrado do PPGAU/UFPA se
amplia e diversifica na produção da atual professora Dinah Tutyia na
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), em parceria sólida com
o LAMEMO. Dinah agrega os saberes da Arquitetura, antropologia
e História em orientação de graduandos, que trazem novos olhares
acerca do patrimônio amazônico. Assim como o nosso decano, Pro-
fessor Ronaldo Carvalho revive e reinventa sua trajetória acadêmica

14
e profissional em capítulos em que o método projetual, as técnicas
construtivas e os estudos acerca da adaptabilidade climática da ar-
quitetura regional servem de paradigma para o ensino da graduação.
Este livro, portanto, visa alcançar os graduandos em Arquitetura,
sendo acessível como leitura complementar a disciplinas de áreas
diversas como: Teoria e História da Arquitetura, Estética, Projeto Ar-
quitetônico, Preservação do Patrimônio e Tecnologia das Construções.

15
RECONHECENDO
A TRADIÇÃO
O significado da tradição vem se modificando ao longo do tem-
po, especialmente quando tratamos deste conceito na nossa
cultura, a amazônica. No campo da Antropologia os povos tradi-
cionais são aqueles que já ocupavam o território antes da chegada
dos colonizadores, que aqui se implantaram trazendo suas práticas e
saberes, as quais necessariamente foram incorporadas e reformuladas.
Assim, neste movimento dinâmico que forma a cultura, a tradição foi
questionada com o advento da modernização nas cidades do Norte
Brasileiro, especialmente na segunda metade do século XX.
Baudrillard busca a gênese da Modernidade na descoberta do
Novo Mundo no século XVI, visto que a Modernidade é marcante
enquanto processo cultural Ocidental que se tornou possível através
das descobertas tecnológicas, mas na verdade é marcada pela trans-
missão de um modo de vida ou cultura. O capitalismo, a metropo-
lização, o desenvolvimento dos meios de difusão da informação são
faces desta lógica que se norteia pela mudança, inovação, inquietude,

18
instabilidade, tensão, crise e mitologia1. Na verdade, a Modernidade
seria uma ideologia e não uma revolução; a contradição entre moderno
e tradicional se faz na aparência, já que a essência não se modifica.
Os paradoxos da Modernidade referem-se ao amálgama entre
tradição e novidade, em que a ruptura como postulado na verdade
se configura na dinâmica do amálgama, ou seja,
Assim, as culturas tradicionais assimilam em parte as formas
da modernidade – os artefatos tecnológicos, a cultura de massa, o
cotidiano – apenas como aparência, sem assimilar o longo processo
econômico e político de racionalização por que passaram as culturas
desenvolvidas, desembocando no campo social em reivindicações
de mudanças.
Na Arquitetura, a tradição de reproduz ao longo dos séculos,
sendo o tipo mais significativo de sua expressão a casa, morada ou
habitação. Nesta parte do nosso livro, a tradição é analisada na pers-
pectiva do valor da arquitetura habitacional como patrimônio. Há
vários cruzamentos possíveis entre os estudos aqui expostos: o casarão
Ayres em Mazagão e a casa da Rua Joaquim Távora são exemplares
com características da arquitetura colonial, ao mesmo tempo em
que nos capítulos se apresenta duas vertentes de reconhecimento das
mesmas em sua patrimonialidade.
A casa como lugar de afeto é o embrião que faz germinar, da me-
mória individual a coletiva, cujos padrões morfológicos são registros
de modos de construir e de viver das famílias paraenses no início do
século XX, assim como as fachadas neocoloniais enquanto registro de
uma linguagem ‘tradicionalista’ permite reescrever parte da história
da arquitetura local e dos modos de morar de seus proprietários.
Na cidade de Mazagão, no Amapá, o Casarão de linhas estéticas
e técnicas construtivas coloniais é objeto de estudo e discussão entre
grupo de especialistas universitários e a população do local, em busca
1 BAUDRILLARD, Jean. Modernité. Enciclopedia Universalis, Paris, v. 12, s. d.
p. 425.

19
do reconhecimento de seu valor de memória. O primeiro capítulo
desta parte narra o processo adotado no projeto de extensão que
agregou os Cursos de Arquitetura da Universidade Federal do Amapá
e do Pará, em que as professoras Dinah Tutyia, Cybelle Miranda e
Ronaldo Marques de Carvalho, em conjunto com os então estudantes
de Arquitetura Guilherme Alfaia e Raimundo Marques visam definir
quais as referências culturais que se agregam ao Casarão, enraizando
o mesmo na tradição local.
Esta perspectiva de autentificação do patrimônio pela comuni-
dade, em voga a partir da Cara de Nara (1994), dialoga com a noção
de colonialidade presente nos discursos dos sujeitos envolvidos no
processo de patrimonialização da Casa colonial da Travessa Joaquim
Távora, em Belém, vigente nos anos 60 do século passado. No texto
Entre o tombamento e o apagamento: a casa “colonial” da Travessa
Joaquim Távora, Cidade Velha em Belém do Pará, Dinah Tutyia con-
textualiza a casa em questão na paisagem do bairro inicial de Belém,
qualificando-a na perspectiva da morada típica colonial, ao mesmo
tempo em que nos conta acerca dos discursos adotados pelos plei-
teantes para fundamentar a necessidade de proteção desta enquanto
marco da arquitetura de uma época. Fica claro no contraponto entre
os dois capítulos, a mudança no entendimento do papel dos docu-
mentos e dos especialistas como únicos capazes de autenticar o selo
patrimonial a um bem, passando mais tarde a integrar os indivíduos
que convivem com aquela arquitetura como sujeitos fundamentais
para esse reconhecimento.
Nos estudos das vilas e das fachadas neocoloniais, duas vertentes
do tipo habitação são escrutinadas, nos conduzindo a entender sua
importância enquanto artefato e registro de modos de morar. No
capítulo “As janelas do afeto em casas dobradas: matéria, memória e
artefato”, os professores Cybelle Salvador Miranda e Ronaldo Marques
de Carvalho, juntamente com a mestranda Beatriz Martins Maneschy

20
abordam o tema pelo olhar afetivo dos moradores, associado ao re-
conhecimento dos elementos arquitetônicos, construtivos e estéticos
que nos permite enquadrá-las enquanto patrimônio local.
O estudo de fachadas neocoloniais em Belém: linguagem arqui-
tetônica tradicionalista no bairro de Nazaré, desenvolvido a partir da
dissertação de Felipe Moreira Azevedo em coautoria com a professora
Cybelle Miranda, ressalta o papel dos elementos estéticos gravados nas
fachadas das residências neocoloniais do bairro de Nazaré enquanto
marcas de uma época, dos gostos e referências estéticas de grupos
sociais. Os autores enfatizam a importância da documentação dessas
arquiteturas, por muito tempo desvalorizadas por não conter elemen-
tos de valor monumental, em razão do desaparecimento iminente
de muitos exemplares. Ambos os estudos, das casas dobradas (termo
cunhado pelos autores para individuar este tipo específico, fugindo
ao termo genérico vila) quanto das casas neocoloniais registram parte
importante da identidade do bairro de Nazaré, marcado pela cons-
trução da Basílica, e que no século XX se consolidou como local de
moradia das elites locais.
Deste modo, os estudos tratados nos quatro capítulos do módulo
I: Reconhecendo a tradição ligam os estudos da história da arquitetura
ao reconhecimento destes artefatos enquanto patrimônio, associando
o registro da materialidade (técnicas e detalhes construtivos, morfo-
logia, volumetria, elementos estéticos) à imaterialidade (memórias,
afetividade, referências culturais).

21
CASARÃO AYRES, MAZAGÃO (AP): uma experiência de
interação entre Universidade e sociedade na construção de
suas referências culturais

Dinah Reiko Tutyia


Cybelle Salvador Miranda
Ronaldo Marques de Carvalho
Guilherme Pantoja Alfaia
Raimundo Lobato Marques

1. DIÁLOGO COM A COMUNIDADE NA CONSTRUÇÃO


DO SENTIDO DE PATRIMÔNIO

É no tripé ensino, pesquisa e extensão que trilhamos a prática


docente nas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas no Brasil.
Na elaboração do livro “Uma formação em curso: esboços da gradua-
ção em Arquitetura e Urbanismo da UFPA” de Miranda, Carvalho
e Tutyia (2015), tratamos da história do curso de Arquitetura e Ur-
banismo da Universidade Federal do Pará, sendo um dos capítulos
dedicado às atividades extensionistas nas quais o curso se envolveu,
seja como promotor ou como participante. Dois aspectos se destacam
nestas atividades: a visibilidade da profissão do Arquiteto e urbanista
para atender às demandas da comunidade em geral, e a possibilidade
de pensar a disciplina em parceria com outras áreas do conhecimento,
que abrangem desde as Ciências Sociais às Engenharias.
Como exposto, percebemos que a extensão universitária nas IES
brasileiras passou por várias fases ao longo do tempo, iniciando com
a figura da universidade como provedora do conhecimento, que de-
veria ser levado à sociedade, e chegamos na atual conjuntura, com
a atividade extensionista ancorada de forma indissociável ao Ensino
e a Pesquisa, tendo um papel de fomentar conjuntamente com a

22
sociedade extramuros a produção de conhecimento, pautando ações
que visem o compartilhamento de saberes. Neste capítulo visamos re-
latar a experiência da construção de um entendimento de patrimônio
cultural baseado na experiência da comunidade de Mazagão Velho
em diálogo com os docentes, técnicos e discentes das Universidades
federais envolvidas – Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e
Universidade Federal do Pará (UFPA).
O distrito de Mazagão Velho é o locus do projeto de extensão
“Inventário e Proposta de Restauro e Reuso da Casa Ana Ayres na Vila
de Mazagão Velho (AP) para um Centro de Cultura Mazaganense”,
desenvolvido pelo Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIFAP,
em parceria com professores de Engenharia Civil da UNIFAP e com
o Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO) da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA. Mazagão Velho,
localizada no estado do Amapá, apresenta um rico acervo de bens de
natureza imaterial, material e paisagística. Dentre estes bens patri-
moniais, destaca-se o objeto de estudo e intervenção do projeto de
extensão, o Casarão Ayres (nome pelo qual é reconhecido pela comu-
nidade local). Tida como uma das edificações mais antigas da vila, a
casa é uma fonte histórica e de memória da comunidade local, con-
siderada por segmentos desta como um objeto que atribui identidade
cultural à população mazaganense. A edificação se encontra, hoje, em
um processo de degradação avançado de suas estruturas de taipa de
mão, situação esta que coloca o imóvel em risco de desaparecimento.
Em 2015, a partir do desenvolvimento do Trabalho de Conclusão
de Curso de Raimundo Lobato Marques, surgiu uma demanda por
parte do proprietário do imóvel – que contou com o apoio de pes-
soas da população local que trabalham com ações de preservação da
cultura mazaganense – por uma parceria com a Universidade Federal
do Amapá a fim de viabilizar a elaboração de projeto arquitetônico
para restauração da casa, e que pudesse adaptá-la ao uso como Centro

23
de Cultura. O contato com o Casarão Ayres teve início com ações
que visavam o conhecimento do bem, por meio de pesquisa histórica
acerca da casa e da vila na qual se inscreve. Esta proximidade nos
proporcionou o contato com a comunidade, extremamente compro-
metida com o que denominamos de “saber cultural local”, fato que
culminou na troca de experiências entre universidade e a comunidade
durante o evento “Casarão Ayres: Patrimônio, História e Memória
do Povo Mazaganense”, realizado em novembro de 2016.
Os resultados do evento nos fizeram refletir sobre a construção
do conceito de patrimônio a partir da experiência da comunidade,
como exposto a seguir.

2. MAZAGÃO VELHO E O CASARÃO AYRES

Conhecida popularmente como Vila de Mazagão Velho, o distrito


de Mazagão Velho está localizado no Estado do Amapá, no município
de Mazagão. Fundada no século XVIII, no período colonial brasi-
leiro – mais precisamente no período pombalino – recebeu naquele
momento a denominação de Nova Mazagão para se diferenciar da
Mazagão marroquina, da qual vieram trasladados parte dos habitantes
que então povoaram a Mazagão amapaense. Em virtude do difícil
acesso, ainda no período colonial, houve o deslocamento da sede
do município para a Vila de Nova Anauerapucu, posteriormente
chamada Mazagão, ficando a antiga vila conhecida por Mazagão
Velho (IBGE, s.d.).
As características das novas vilas e cidades coloniais fundadas ao
longo do século XVIII no Brasil também foram aplicadas na região
Norte do país, cujos planos urbanos de Macapá e Magazão Velho -
esta última desenhada pelo engenheiro italiano Sambucetti, membro

24
da Comissão Demarcadora de Limites entre Portugal e Espanha - são
exemplos do discurso político que o Marquês de Pombal tentava
implementar nas colônias portuguesas. A regularidade do traçado das
vias, a padronização do tamanho dos lotes, das quadras, a presença
do espaço-praça são características que compuseram os planos das
referidas cidades (ARAÚJO, 1998).

Figura 1 – Plano de Mazagão datado de 1773, nota-se o traçado xadrez, regular do plano
proposto para a vila.

Fonte: VALLA, 2015.

A colonialidade também caracterizou as edificações da Vila de


Mazagão Velho - o padrão de constituição desses espaços nos primeiros
séculos de intervenção da coroa portuguesa em solo brasileiro tratou
por consolidar a arquitetura civil ocupando as laterais e a testada dos
lotes contíguos, os quais, em conjunto, davam o traço da via.

25
Reis Filho (1978) destaca que tais uniformidades eram fixadas
por Cartas Régias, que garantiam a padronização da aparência das
colônias portuguesas. O conjunto da arquitetura civil deveria ter
certa monotonia de composição no meio urbano, destacavam-se as
casas térreas e os sobrados e as edificações recebiam ornamentações
simples. As casas adotavam beiral, vergas retas nos vãos de portas e
janelas, com a planta marcada pelo corredor, o qual ligava os demais
ambientes da edificação. Esta paisagem monótona, garantia destaque
à arquitetura oficial e religiosa estabelecidas nas constituições de vilas
e cidades portuguesas.

Figura 2 – Modelo das edificações adotado por Sambucetti para Vila de Nova Mazagão.

Fonte: Vidal, 2008.

26
Quanto às tecnologias construtivas empregadas na arquitetura
civil deste momento, destacam-se a taipa de mão, a taipa de pilão,
a alvenaria em pedra e cal e algumas tecnologias construtivas seme-
lhantes a estas. Marques (2016) ressaltou que a moradia de Mazagão
Velho apresentava dois modelos-padrão:

de quatro e seis cômodos onde foram distribuídos de acordo


com o tamanho de cada família. A mão de obra na construção
era indígena. A tecnologia adotada foi a taipa de mão. Os
primeiros telhados foram feitos de palmeira ubim entrela-
çada, enquanto os primeiros fornos para o fabrico de telhas
não estavam prontos. Além disso, os construtores preferiam
fazer as amarrações com fibras vegetais ao invés de utilizarem
pregos (MARQUES, 2016, p. 61).

As características apontadas acima puderam ser apreendidas


também ao longo da coleta da história oral relatada pelos mora-
dores do distrito de Mazagão, como é o caso de Josué Videira2
, mestre de cultura que desenvolve trabalhos de transmissão da cul-
tura imaterial para crianças e adolescentes do distrito. Josué, ao ser
questionado sobre as antigas edificações, relatou que era recorrente
a utilização da madeira como também da taipa de mão como tec-
nologia construtiva da estrutura, e as cobertas eram de palha. Na
figura 3 observamos, no registro da festividade de São Tiago (que
ocorre há mais de 200 anos no mês de julho, nesta localidade) um
conjunto edificado que se utiliza da tecnologia construtiva de taipa
de mão. Observa-se também a configuração dos vãos de portas e
janelas, comumente utilizados na arquitetura consolidada no período
colonial brasileiro.

2 Entrevista concedida por Josué Videira à Dinah Tutyia em janeiro de 2018.

27
Figura 3 – Registro da festividade de São Tiago, ao fundo as edificações de Mazagão Velho
com a tecnologia de taipa de mão.

Fonte: Acervo da família Nascimento, s/d.

WORKSHOP CASARÃO AYRES

No início do mês de novembro de 2016, em uma reunião com a


equipe do projeto de extensão, alguns questionamentos haviam sido
levantados por parte dos integrantes historiadores Joseane Calazans
e Márcio Pantoja, que se intitulam “filhos de Mazagão”3, atuantes
na discussão sobre preservação patrimonial no distrito. As angústias
estavam focadas na necessidade de aproximar mais o projeto e as
reflexões do objeto de pesquisa, sobre sua significância cultural4, com
a comunidade mazaganense.
Segundo Joseane Calazans, o povo mazaganense é ciente da
3 Cabe destacar que os filhos e os netos de moradores do distrito de Mazagão Velho,
mesmo não tendo nascido ou não residindo no local, se autodenominam “Filhos de Mazagão”,
fato que marca a relação de pertencimento com a cultura local.
4 Segundo a Carta de Burra, de 1980, documento do Conselho Internacional de
Monumentos e Sítios (ICOMOS), o termo significação cultural é definido como o “[...]valor
estético, histórico, científico ou social de um bem para as gerações passadas, presentes ou
futuras” (IPHAN, 2004, p. 247).

28
riqueza dos bens materiais e imateriais da localidade, porém, são
considerados ‘passivos’ diante dos acontecimentos que visam trans-
formar o local, ou para beneficiar ou para desestruturar as relações
da comunidade com os bens, fato que incomoda as pessoas que
difundem a cultura do lugar.
Tendo em vista a pauta colocada, foi decidida a realização de
um evento nos dias 29 e 30 de novembro de 2016, que integrasse
as instituições envolvidas no projeto, UNIFAP e UFPA, com a Co-
munidade de Mazagão. Optou-se em fazer um dia de evento nas
dependências da Universidade Federal do Amapá, no Campus Marco
Zero, em Macapá, para que fosse possível o compartilhamento das
atividades desenvolvidas ao meio acadêmico e à comunidade em geral.
O segundo dia ocorreu no Distrito de Mazagão Velho, para que a
comunidade mazaganense se apropriasse das temáticas patrimoniais
envoltas à Casa Ayres, sendo organizadas três oficinas com o Mestre
de cultura Josué Videira, como forma de partilha dos conhecimentos
locais para a comunidade acadêmica. A seguir vê-se o cartaz produzido
para a divulgação do evento.
Figura 4 – Cartaz de divulgação do evento.

Fonte: elaborado por Raimundo Marques, 2016.

29
O evento, financiado pelos organizadores e palestrantes, contou
com a participação dos professores Doutores Cybelle Salvador Mi-
randa e Ronaldo Marques de Carvalho, do LAMEMO-FAU-UFPA,
que trouxeram as palestras “Patrimônio cultural: uma construção
da comunidade” e “A taipa como patrimônio cultural: preservação
do saber fazer”, respectivamente. Estes temas objetivaram destacar a
importância da comunidade local no trato e apropriação de seus bens
patrimoniais, assim como ressaltar a tecnologia construtiva da Casa
Ayres, a taipa, como uma técnica cujo saber fazer é significativo para
preservação. Também participaram como palestrantes a professora
Mestra Dinah Reiko Tutyia, do curso de Arquitetura e Urbanismo
da UNIFAP, juntamente com o Arquiteto Raimundo Lobato Mar-
ques, com a palestra “Arquitetura Civil Colonial no Brasil”, tratando
da caracterização dessa arquitetura no processo de colonização da
América Portuguesa, servindo de base para a caracterização da Casa
Ayres, tema da palestra “Casarão Ayres: herança colonial para Mazagão
Velho” proferida pelo historiador Márcio Pantoja e pelo discente do
curso de Arquitetura da UNIFAP Guilherme Alfaia.

Figura 5 – Participação do professor Antônio Munhoz na palestra dos professores Cybelle


Miranda e Ronaldo Carvalho da UFPA, no realizada no DCET, UNIFAP.

Foto: Kevin Cordeiro, 2016.

30
Figura 6 – Público ouvinte no DCET, UNIFAP.

Foto: Kevin Cordeiro, 2016

A programação contou ainda com a palestra “Das origens em


Marrocos: El Jadida Mazagan à Vila de Mazagão Velho – Amapá”,
na qual a historiadora Joseane Calazans e Josué Videira, mestre de
cultura de Mazagão Velho, relataram a experiência do documentá-
rio “Mazagão: porta do mar”, no qual puderam visitar a Mazagão
marroquina. A fala do jornalista Gabriel Penha abordou o calendário
religioso cultural de festividades de Mazagão, destacando o patri-
mônio imaterial do lugar e o discente Salomão Fonseca, do curso
de Arquitetura da UNIFAP, retratou as relações espaciais com uma
análise comparativa de mapas do projeto da cidade do século XVIII
de Sambucceti, com a atual configuração do distrito, na palestra
intitulada “Mazagão Velha de Sambucetti e Mazagão”.
No período vespertino do segundo dia de evento destacaram-se
as oficinas de confecção de máscara de argila, de cavalinho de buriti
e confecção de caixa de marabaixo, ministradas por Josué Videira aos
participantes do evento em Mazagão.

31
Figura 7 – Palestra em Mazagão Velho.

Figura 8 – Oficina com o mestre Josué Videira em Mazagão Velho

Fotos: Kevin Cordeiro, 2016


Nota-se que os temas tratados nas palestras visaram contribuir
para a compreensão do Casarão Ayres como um bem de interesse
à preservação, destacando que esse bem, assim como as festividades
de natureza imaterial que ocorrem ao longo do ano são elementos
constituintes do patrimônio do estado do Amapá. Ao longo dos dois
dias de evento, que contou com 113 participantes inscritos, a gran-
de maioria era da comunidade acadêmica da UNIFAP e de outras
instituições que oferecem o curso de arquitetura no Estado. Uma pe-
quena parcela da comunidade mazaganense esteve presente, contudo,
sua interação efetiva durante as palestras e oficinas propiciaram um

32
compartilhamento significativo sobre o sentimento de pertencimento
ao distrito.
Ao entendermos a Extensão Universitária como um “processo
educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de
forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre uni-
versidade e sociedade” (BRASIL/MEC, 1987, p. 11), com a dupla
troca de saberes que abrange docentes, discentes e a comunidade,
destacamos a relevância do evento “Casarão Ayres: Patrimônio, His-
tória e Memória do Povo Mazaganense”, como uma atividade que
integrou o tripé base do ensino superior no país. A troca de saberes
entre as instituições da Amazônia, UNIFAP e UFPA, tendo o olhar
para a comunidade extramuros, possibilitou gerar conhecimento que
viesse realimentar as práticas de ensino e pesquisa para o projeto de
arquitetura.
Ressaltamos também a participação discente, uma vez que o en-
volvimento dos voluntários no projeto de extensão fez como que os
mesmos aplicassem a pesquisa histórica sobre o Casarão na produção
de conteúdo temático das palestras à comunidade mazaganense. Esta,
por sua vez, repassou os conhecimentos de saberes tradicionais, assim
como a história oral e seus pensamentos no tocante ao patrimônio
de Mazagão Velho, desta forma, efetivando a missão extensionista no
que tange “[...]a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular,
terá como conseqüência: a produção do conhecimento resultante do
confronto com a realidade brasileira e regional; a democratização do
conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na
atuação da Universidade” (BRASIL/MEC, 1987, p. 11).

33
3. CASARÃO AYRES: PONTO DE REMEMORAÇÃO
DA VELHA MAZAGÃO OU EXEMPLAR DA ARQUITE-
TURA COLONIAL?

Figura 9 – Fotografia da fachada do Casarão Ayres onde se observam as características da


arquitetura colonial brasileira

Fonte: Dinah Tutyia, 2017.

O objeto de estudo do projeto de extensão é reconhecido po-


pularmente por “Casarão Ana Ayres”, “Casa da família Ayres” ou
“Casarão Ayres”. No início dos estudos desta edificação observamos
os elementos arquitetônicos e sua tecnologia construtiva, e os mes-
mos nos remetem às feições das edificações construídas no período
colonial brasileiro5.
O Casarão Ayres, localizado na Rua Senador Flexa, bem em
frente ao Rio Mutuacá é considerado um dos únicos no estado do
5 A foto e a caracterização da Casa Ayres foram feitas antes da mais recente intervenção
na edificação, realizada em maio de 2017. A família decidiu mudar a técnica construtiva da
fachada, substituindo-a por alvenaria de tijolo, no entanto, o interior permanece construído
em taipa de mão.

34
Amapá que apresenta características da arquitetura colonial: telhado
aparente com telhas de barro, vãos de portas e janelas com verga aba-
tida e tecnologia construtiva em taipa de mão. A fachada principal
apresenta quatro vãos com verga em arco abatido, cujas esquadrias
são executadas em tábuas de madeira, sem vidro. A casa está elevada
do solo por um porão baixo, o qual apresenta três aberturas de ven-
tilação, denominadas óculos. Três vãos encontram-se resguardados
por um guarda corpo em ferro. Apresenta cobertura em duas águas,
com telha de barro tipo capa-canal, sem forramento interno, estilo
telha-vã. A planta baixa apresenta hall de entrada, sala de estar, uma
sala de jantar e uma alcova – parte inicialmente classificada como
“original”–, uma cozinha e banheiros – porção da edificação classi-
ficada como extemporânea.

Figura 10 – Planta baixa do levantamento físico da Casa Ana Ayres.

Fonte: elaborado por Guilherme Alfaia, 2017.

35
Segundo Márcio Pantoja6, historiador pertencente à família pro-
prietária da edificação, a casa foi adquirida na década de 1930 pela
família, e, segundo relatos dos moradores, sofreu duas intervenções,
a mais significativa realizada em 1992, a qual contou com o apoio
do Governo do Estado do Amapá, por meio do Governador Annibal
Barcelos. Manoel Deodato de Queiroz do Couto7 foi o engenheiro
responsável pela reforma do Casarão nos anos 90; em entrevista, o
mesmo demonstrou profunda sensibilidade à preservação da casa
como patrimônio, relatou que identificava o valor histórico e de
memória desta edificação para o estado do Amapá:

Trabalhei com Dora Alcântara no restauro da Fortaleza de


São José, eu tive uma aula de preservação convivendo com
ela e sua equipe quando estiveram em Macapá, aprendi a
dar valor e a reconhecer a importância dessas edificações
e não teria como eu destruir a casa Ayres no momento do
projeto de 928.

O engenheiro Manoel narrou que, durante a reforma, se manteve


a configuração de planta, com a tecnologia de taipa de mão. Porém,
esta foi renovada, com nova estruturação em várias paredes, embora
não tenha recordado quais esteios, ou paredes ainda se preservaram
do momento anterior à intervenção: “optamos por preservar a tec-
nologia construtiva tendo em vista que isso marcava a casa, isso era
importante”. Também foram realizadas a ampliação na parte posterior
da edificação, com a cozinha e banheiro construídos em alvenaria
de tijolo, assim como o aterramento do porão, perdendo sua função
original. Se preservou também o modelo das esquadrias internas e
externas.
6 Palestra proferida no Evento “Casarão Ayres: Patrimônio, Memória concedida por
Márcio Pantoja em novembro de 2016.
7 Entrevista concedida por Manoel Deodato de Queiroz do Couto à Dinah Tutyia
em novembro de 2016.
8 Entrevista concedida por Manoel Deodato de Queiroz do Couto à Dinah Tutyia
em novembro de 2016.

36
Figura 11 – Planta baixa demonstrando a tecnologia construtiva do Casarão Ana Ayres

Fonte: elaborado por Guilherme Alfaia, 2017.

Ao longo do ano de 2015, parte da cobertura e das estruturas


internas da casa desabaram, em virtude do período de chuvas ama-
zônicas, causando grande dano ao imóvel. O uso atual da edificação
permanece habitacional, porém é utilizada esporadicamente pela
família nos períodos de festividades religiosas ou do aniversário da
cidade, assim permanece parte do tempo em desuso.
O Casarão Ayres faz parte da paisagem de Mazagão Velho: nos
relatos coletados ao longo do levantamento de campo, transeuntes,
moradores de Mazagão tem duas percepções da edificação: uns faziam
menção à edificação como “uma edificação de importância para a
cidade”, como “uma edificação que guardava a memória da Velha
Mazagão”, como “uma edificação histórica”, dentre outros comen-
tários. E outros moradores apresentaram reações, tais como “uma

37
casa que é importante apenas para a família”, ou como “uma casa já
modificada”, trazendo uma outra relação com o bem. Cabe ressaltar
que nas falas que não enxergam a edificação como um bem comum,
destacou-se uma noção de patrimônio atrelado à “originalidade”, ao
que hoje permanece intocado, sem transformações, ou ainda uma
diferenciação entre bem público e bem privado, como se, por se
tratar de uma edificação particular, a mesma não pudesse ser tratada
como um patrimônio de todos. Estes relatos nos guiaram a pensar
os valores afetivos a ela atribuídos pela população local, em adição
ou contraposição aos valores históricos, arquitetônicos e tecnológicos
identificados pelos pesquisadores.
Celine Verguet descreve o processo de autentificação patrimonial
a partir do ponto de vista de grupos que se apoiam em argumentos
históricos ou argumentos afetivos. No espaço de “lutas de significação”
a prova da patrimonialidade de um bem ou local se apoia em argu-
mentos ora racionais, ora emotivos, sendo os primeiros adotados pelos
experts (Arquitetos, historiadores, sociólogos, portadores do discurso
erudito) em contraposição aos moradores não qualificados, que se
apoiam em narrativas que incluem o objeto de valor patrimonial em
sua história de vida pessoal e familiar.
Segundo Verguet

A atenção se volta de forma mais introspectiva sobre os mo-


dos compartilhados de fabricar o patrimônio no cotidiano,
a partir da construção de provas autentificantes fundadas na
experiência dos lugares, dos objetos, sobre os conhecimentos,
mas igualmente sobre a representação da noção de patrimônio
que o homem comum pode possuir e manipular no cotidiano
(VERGUET, 2015, p. 4. Tradução nossa).

Assim, o recurso à memória é adotado como estratégia de atri-


buição de valor, bem como o conhecimento histórico, pois o co-
nhecimento do passado é dotado de valor simbólico. O recurso às

38
dimensões memorial e histórica integram a polissemia patrimonial
descrita pela autora.
Quanto aos valores intrínsecos ao edifício enquanto arquitetura
e técnica construtiva, os pesquisadores destacam a importância da
taipa de mão. Segundo Carvalho e Miranda (2015, p. 13),

Na construção em taipa realizada no Pará, se utiliza estru-


turas em xadrez em que varas finas e tortuosas (galhos) são
fixadas com cipó em amarras, confeccionando desta maneira
as paredes que ao deixarem pequenos vazados, como num
treliçado rústico, estes são preenchidos com barro jogado
com a mão na chamada técnica do sopapo, uma vez que o
barro é lançado com força como uma pedra, facilitando sua
fixação na vertical. Este processo pode ser testemunhado pelo
autor durante atividades de campo realizadas na Extensão
Universitária nos anos 70 e 80 do século passado.

Os autores discutem o problema da significação cultural e o con-


ceito de autenticidade, ressaltando a necessidade de contextualizar o
conceito, como foi o resultado da Carta de Nara (1994), que passa
às culturas locais o julgamento da autenticidade:

11. Todos os julgamentos sobre atribuição de valores con-


feridos às características culturais de um bem, assim como
a credibilidade das pesquisas realizadas, podem diferir de
cultura para cultura, não sendo, portanto, possível basear os
julgamentos de valor e autenticidade em critérios fixos. Ao
contrário, o respeito devido a todas as culturas exige que as
características de um determinado patrimônio sejam conside-
radas e julgadas nos contextos culturais aos quais pertençam
(CONFERÊNCIA DE NARA,1994; 2000, p. 321).

Segundo a Carta de Brasília (1995), a autenticidade deve ser


balizada pela identidade cultural, que, por ser mutável e dinâmica,
pode “adaptar, valorizar, desvalorizar, revalorizar os aspectos formais e

39
os conteúdos simbólicos de nossos patrimônios” (CARTA DE BRA-
SÍLIA 2000. p. 325). Atentando para a efemeridade de materiais
utilizados em construções vernaculares, preservando a relação entre o
objeto arquitetônico e o seu significado, a substituição de elementos
danificados por outras técnicas tradicionais também é considerada
uma prática autêntica.
Carvalho e Miranda (2015) propõem, portanto, que sejam feitos
estudos regionais para a adoção de recomendações que contemplem
os valores atribuídos pela comunidade, bem como a preservação do
saber-fazer necessário à sua continuidade, ampliando “o repertório
técnico da construção por meio de inovações que partilhem o saber
tradicional e o saber científico (acadêmico), que retorne as comuni-
dades e contribua para a continuidade da taipa como saber fazer e
como herança cultural” (p. 16).
Ao longo do século XX, assistiu-se ao alargamento quantitativo
dos bens patrimoniais, fato consequente da ampliação do conceito
‘patrimônio’. Algumas bibliografias que abordam a temática, ao con-
ceituarem o Patrimônio, partem do significado original da palavra
e traçam a evolução semântica que ela veio adquirindo até os dias
atuais. Empresta-se aqui o significado para o verbete segundo a En-
ciclopédia Larousse Cultural que o define como: herança paterna;
bens de família; o que é considerado como herança comum. Hoje,
além dessa definição, a expressão apresenta-se ligada à herança cul-
tural, conforme percebemos na definição de Horta (1999): herança
constituída da riqueza cultural, individual e coletiva, a memória, o
sentido de identidade, aquilo que distingue povos e culturas, a marca
inconfundível de uma cultura.
A ampliação da abrangência do conceito ‘Patrimônio’ deve-se à
incorporação de adjetivos tais como patrimônio histórico, patrimônio
arquitetônico, patrimônio natural, de modo que Castriota (1999)
afirma que o aumento destas “heranças” se deve não somente ao

40
quantitativo de bens, mas ao deslocamento dos valores relacionados
ao mesmo, passando de históricos e artísticos para os valores cultu-
rais e urbanos. Esta mudança, por sua vez, implicou também uma
transformação na maneira de se intervir sobre esse patrimônio, em
que o paradigma de preservação se desloca para a conservação do
bem cultural. Para Castriota (2009), esta perspectiva, que veio sendo
construída, sobretudo a partir dos anos 60 do século XX, sobrepõe a
preservação enquanto concepção estática pela ideia de conservação
com uma dimensão dinâmica, fato relacionado à consolidação das
definições e entendimentos do patrimônio urbano.
Ao refletirmos sobre a autentificação do patrimônio Casarão
Ayres, observamos que as falas de alguns moradores versam a edifi-
cação como um ponto no tecido de Mazagão Velho, capaz de fazer
lembrar o passado, de fazer rememorar uma época em que as demais
edificações eram edificadas em taipa de mão, ou ainda, uma época
na qual haviam edificações mais singelas com a mesma tecnologia
construtiva e com cobertura em palha. Os valores que emergem estão
atrelados ao cotidiano de um passado, no qual a fisionomia da cida-
de fora perdida, a partir da substituição dos materiais construtivos,
prática decorrente do processo de transformações das cidades ante o
anseio de modernização. Tal dinâmica, intrínseca à cidade, foi ressal-
tada por Castriota (1999) que, ao tratar de políticas contemporâneas
para preservação, destaca que a falta de vestígios da historicidade
nas cidades é fruto da obsolescência de sua fisionomia. Observamos
então que esta paisagem obsoleta, fruto da ausência de manutenção,
muitas vezes decorrente do abandono, enseje a renovação por meio
de novas formas e materiais, numa constância que varia com o tempo
de cada lugar, de cada povo. Uma moradora ao ser questionada sobre
sua percepção do Casarão, disse que “acho feia”, e nas entrelinhas
de sua fala, podemos perceber a desvalorização do antigo como algo
que remetia “ao velho, obsoleto”.

41
Assim, a edificação que ora é cenário de fundo da festividade de
São Tiago, ora é um ponto de rememoração da antiga Mazagão, a edi-
ficação se configura como uma referência cultural que traz significação
para o local, seja por empregar técnicas construtivas remanescentes
do período colonial brasileiro, seja pela composição de sua fachada
com adoção de modelos que também fazem alusão às construções
do século XVIII.
Desta forma, ao aproximarmos as reflexões acadêmicas sobre
“valores patrimoniais”, de Mazagão Velho a partir do projeto de ex-
tensão, nos colocamos a emergir no campo de troca de conhecimen-
to da comunidade extramuros, com a comunidade que a vivencia,
que tem a experiência cotidiana com o objeto de estudo acadêmico.
Esta aproximação possibilitou problematizarmos e ampliarmos a
conceituação de patrimônio, que passa a agregar o ponto de vista
mazaganense para com o bem. Tal ação dialoga com os objetivos e
o papel da atuação da extensão universitária na contemporaneidade
que se refere a: atrelamento entre pesquisa e ensino, estabelecimento
de redes de parcerias com outras instituições, fomentar a partilha de
saber com a comunidade extramuros e desenvolvimento de atividades
de preservação cultural relevante para afirmações de manifestações
regionais (FORPROEX, 2012).

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Renata Malcher de. As Cidades da Amazônia no Século


XVIII – Belém, Macapá e Mazagão. 2. ed. Porto: FAUP Publicações,
1998.

BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. I Fórum Nacional de


Pró-Reitores de Extensão de Universidades Públicas. Documento
Final. Brasília, 1987.

42
CARVALHO, Ronaldo Marques de; MIRANDA, Cybelle Salvador.
A taipa como patrimônio cultural: a preservação do saber fazer.
Revista de Ciência e Tecnologia RCT, v. 1, p. 1-18, 2015.

IPHAN. Carta de Brasília. Rio de Janeiro, IPHAN, 2000.

CASTRIOTA, Leonardo Barci. Alternativas Contemporâneas para


Políticas de Preservação. Topos Revista de Arquitetura e Urbanismo.
v. 1, p. 134-138, jul./dez. 1999.

______. Patrimônio Cultural: Conceitos, Políticas, Instrumentos.


Belo Horizonte: Editora Annablume, 2009.

IPHAN. Conferência de Nara. Rio de Janeiro, IPHAN, 1994; 2000.

FORPROEX - Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades


Públicas Brasileiras. Política Nacional de Extensão Universitária.
Manaus: FORPROEX, 2012.

HORTA, Maria de Lourdes Parreira. Guia Básico de Educação


Patrimonial. Brasília: Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Museu Imperial, 1999.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Amapá: Ma-


zagão – infográficos históricos. Disponível em: https://cidades.
ibge.gov.br/brasil/ap/mazagao/historico. Acesso em 23 de mai. 2017.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.


Cartas Patrimoniais. 3ª ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004.

43
MARQUES, Raimundo Lobato. Albergue: uma proposta de restauro
e reuso da “Casa Ana Ayres”. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso
(Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal
do Amapá, Santana, 2016.

MIRANDA, Cybelle Salvador, CARVALHO, Ronaldo Marques de,


TUTYIA, Dinah. Uma Formação em curso: Esboços da graduação
em Arquitetura e Urbanismo da UFPA. Belém: Universidade Federal
do Pará, 2015.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil.


São Paulo: Perspectiva, 1978.

VALLA, Margarida. O Diálogo entre o urbanismo português e os


rios como identidade territorial brasileira. Disponível em <http://
confins.revues.org/10074> . Acesso em 8 de mar. 2016.

VERGUET, Céline. Faire la preuve du patrimoine: authentification et


plaidoyer patrimonial. l’Argument Historique et l’ argument familial.
Revista Memória em Rede. v. 5, n. 12., p 1-21, jan./jun. 2015.

VIDAL, Laurent. Mazagão: A cidade que atravessou o Atlântico.


São Paulo: Martins, 2008.

44
ENTRE O TOMBAMENTO E O APAGAMENTO: a casa
“colonial” da travessa Joaquim Távora, Cidade Velha em
Belém do Pará9

Dinah Reiko Tutyia

1. A POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO


NACIONAL

Olhar a cidade como um artefato, vai além de enxergá-la como


um simples produto do fazer humano, ante os materiais disponíveis na
natureza, ao voltar aos estudos da historicidade dos espaços urbanos,
percebe-se que eles guardam fisionomias resultantes das sociabilidades
urbanas, como também de relações políticas e econômicas atuantes
nos discursos de época. São nesses discursos, que se encontra o Serviço
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)10 – órgão
9 Este objeto de estudo faz parte da pesquisa de tese desenvolvida pela autora no
Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará
(PPHIST/UFPA), sob orientação do Prof. Dr. Márcio Couto Henrique.
10 Atualmente a referida instituição, é conhecida como Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), porém ao longo de sua história recebeu outras deno-
minações, sendo a inicial Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) em
1937, passando para Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN) em
1946, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1970, Secretaria
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e Fundação Pró-Memória em 1979.
No ano de 1990 houve a extinção do Ministério da Cultura, e a paralização das atividades do
SPHAN e extinção da Fundação Pró-Memória, sucedida pelo Instituto Brasileiro de Patrimônio
Cultural (IBPC), em 1994 foi restabelecido o nome IPHAN, em substituição ao IBPC. Neste
trabalho optamos por utilizar a nomenclatura usual em cada período correspondente (MEC/
SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA, 1980).

45
fundado nos anos 1930 e que direcionou a seleção de bens imóveis e
móveis a serem resguardados – e a “retórica da perda”, seu discurso de
convencimento de salvaguarda do bem ante o processo de destruição
que vinha ocorrendo no Brasil (GONÇALVES, 1996).
Os bens imóveis – que compõem o acervo do patrimônio nacio-
nal – foram “escolhidos” sob a crença da existência de uma “auten-
ticidade”, e o autêntico, naquele momento, estava vinculado a uma
arquitetura que se apresentava como “brasileira”. Elegeram, então, a
arquitetura colonial, como excepcional, arquitetura essa envolta de
uma aura que transmitia a “originalidade brasileira”.
A fundamentação da identidade nacional ou local está diretamen-
te ligada à memória coletiva, desta forma, a seleção dos símbolos e
sinais é retirada de referências da história “dignas de serem recordadas”
e, consequentemente, capazes de fortalecer a autoimagem da nação
(ASSMANN, 2003).
Bispo (2011), ao se voltar para o estudo das memórias oficiais,
destaca que elas são construídas e consolidadas a partir do trabalho de
gestão do passado, que classifica e seleciona as memórias pertinentes
a determinado fim, que por sua vez, passam a influenciar o horizonte
cultural de determinada sociedade. O autor trabalha a atuação dos
agentes do IPHAN, nos anos iniciais de criação do órgão, anos 1930
e 1940, período em que a instituição foi marcada pelo predomínio
de técnicos arquitetos e de vertente modernistas:

Os modernistas ampliam seus interesses estéticos e históricos


para toda uma coletividade, forjando uma memória que é
coletiva porque emerge dos contatos entre esses intelectuais
e seus pares, mas não nacional, na medida em que não é
compartilhada diretamente pelo todo grandioso que a ideia
de “povo brasileiro” (BISPO, 2011, p. 38).

46
Os agentes do patrimônio daquela época acreditavam estar ele-
gendo bens que representassem a nação, a coletividade cultural do
povo brasileiro, porém estavam muito longe de abranger a diversidade
do país, submetendo-a a uma memória coletiva de um grupo, e este
é o risco incutido quando se trata da “elaboração” de uma memória
oficial: A supressão de outras memórias, o esquecimento.
Nesse processo de formação da memória nacional brasileira pela
eleição destes símbolos materiais, surge o que Fonseca (2005) carac-
terizou como “patrimônio em pedra e cal11, bens que foram eleitos
nessa concepção de arquitetura histórica autêntica brasileira.
Havia em Belém, segundo Figueiredo (2010), entre os anos
1920 e 1930, uma efervescência artística que gerou um movimento
modernista na Amazônia, com destaque para área da Literatura. O
foco desses intelectuais estava centrado em valores culturais, como
folclore, os costumes, as crenças etc. No final dos anos 1930, segun-
do Figueiredo (2010), algumas dessas personalidades apoiaram e
realizaram os estudos e os pareceres dos tombamentos, que vieram a
ocorrer nos anos seguintes.
Dentre estes sujeitos, destaca-se Ernesto Cruz, historiador pa-
raense, que a partir de 1946 fora indicado por Artur César Ferreira
Reis12 para o substituir na representação do SPHAN no Pará, ficando
responsável pela intermediação com a sede do órgão, localizada na
capital federal daquele período, o Rio de Janeiro.
É no recorte de tempo final dos anos 1930 e anos 1940 que se
inicia a produção de uma Belém dotada de “patrimônios”, assim
11 A arquitetura do período colonial brasileiro foi construída com a utilização de
técnicas construtivas, como taipa, alvenaria mista, alvenaria em pedra seca, alvenaria em pedra
argamassada etc. A argamassada, o material aglutinante das alvenarias, geralmente era constituída
de cal, areia, água ou gordura de origem animal.
12 Artur César Ferreira Reis, nascido em Manaus, foi jornalista, bacharel, professor.
Atuou como governador do Amazonas na década de 30 e teve vários cargos ao longo do Estado
Novo Varguista, dentre esses a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Ama-
zônia (SPVEA) em 1953. Foi também autor de diversos livros com temáticas da região norte.
Para maiores informações sobre o assunto ver: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/
verbete-biografico/reis-artur-cesar-ferreira.

47
como outras capitais no Brasil, sendo os primeiros tombamentos do
SPHAN, em ordem cronológica: a Coleção Arqueológica e Etno-
gráfica do Museu Paraense Emilio Goeldi (1940), as igrejas de São
João Batista, da Sé, de Nossa Senhora das Mercês, de Nossa Senhora
do Carmo, de Santo Alexandre e o Colégio Jesuítico que ladeia esta
última (1941), o Palácio Antônio Lemos (1942), o Palácio Velho
(1944), o Solar do Barão de Guajará (início do processo em 1944 e
tombamento em 1950), a Igreja e o acervo de Nossa Senhora do Ro-
sário dos Homens Pretos (início do processo em 1948 e tombamento
em 1950) e do Cemitério de Nossa Senhora da Soledade (início do
processo em 1948 e tombamento em 1963)13.
Dentre os bens imóveis citados acima, apenas dois não se enqua-
dram no período colonial: o Palácio Antônio Lemos e o Cemitério
Nossa Senhora da Soledade, sendo que as edificações tombadas es-
tão localizadas dentro do hoje chamado Centro Histórico de Belém
(CHB) e do seu entorno (entorno do CHB), ou seja, é com o res-
guardo desses imóveis que se deu o percurso inicial do tombamento
do conjunto do CHB14 pelo município em 1993.
Os pedidos de tombamento ao longo das décadas de 50 e 60 se
avolumaram e diversificaram no que tange sua natureza e “estilo”,
alargando os valores para além do colonial, embora este prevalecesse.
Nessas duas décadas teremos dentre as solicitações para tombo, um
número expressivo de indeferimentos, esses pedidos foram negados
pela superintendência central do DPHAN15, que tinha sua sede no
Rio de Janeiro. Dentro deste conjunto de recusas à proteção federal,
encontra-se o caso do objeto de estudo deste trabalho.
13 A lista de bens tombados pelo IPHAN encontra-se disponível em http://portal.
iphan.gov.br/pagina/detalhes/126
14 É importante destacar que a “colonialidade” é tão marcante ao longo da história
da política de preservação brasileira como “parâmetro” para tombamento que, na análise dos
documentos do projeto de elaboração da Lei Municipal n. 7.709, de 1994, que regulamenta
o CHB, constatou-se que a ambiência a ser preservada na lei estaria atrelada ao colonial.
15 Utilizaremos as denominações corresponde a cada época, no caso, Diretoria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN).

48
2. O BAIRRO DA CIDADE VELHA
E A ARQUITETURA COLONIAL

Figura 1: Vista das fachadas da “Casa da Joaquim Távora

Fonte: autora, 2021.

A imagem acima traz a vista atual da edificação que nomeia o


Processo nº 609-T-60, “Casa: Joaquim Távora (trav.), 60. Belém,
Pará”. Podemos observar pela fotografia, tomada a partir da Traves-
sa Joaquim Távora, um grande bloco maciço horizontalizado, sem
aberturas de vãos de portas ou janelas, sendo o único destaque nesta
estrutura o beiral, marcado pela avantajada cornija com seus frisos,
onde a cimalha suporta a terminação da cobertura em telhas de barro
do tipo capa-canal. Os extremos da casa apresentam os resquícios

49
das pilastras, e a união das faces o cunhal, faixa sobressalente que
abrange da base ao coroamento. A fachada voltada para a Praça do
Carmo apresenta dois grandes vãos, um de porta e outro de janela,
ambos com a verga reta, onde podemos identificar o uso atual, de
oficina mecânica.
Esta edificação passaria despercebida ao olhar desatento de um
transeunte, alheio às escassas informações remanescentes de outras
épocas, ainda presentes na fachada. Um olhar mais atento para a
estrutura, cobertura, assim como para o lote e o bairro no qual se en-
contra o imóvel, poderia levar às indagações quanto a sua ancianidade.
A edificação encontra-se localizada no Centro Histórico de Be-
lém (CHB), no bairro da Cidade Velha, conjunto arquitetônico e
paisagístico, tombado pela Lei Orgânica do Município em 1990 e
regulamentado pela Lei 7.709 de 1994. Os bairros apresentam hoje
marcas em sua arquitetura e no tecido urbano do processo de colo-
nização iniciado em 1616. É importante pontuarmos esta questão,
a construção do espaço onde localiza a “Casa da Joaquim Távora”,
pois determinadas características desse “tempo” são destacadas como
significativas no pedido de tombamento do imóvel em 1960.
A aparência do bairro da Cidade (posteriormente chamada de
Cidade Velha) no seculo XVII, o primeiro sítio de ocupação portu-
guesa de Belém, apresenta-se por meio de relatos de viajantes retratada
da seguinte forma:

[...] ruas estreitas e tortuosas, poucas edificações, mas com


algumas importantes Igrejas e conventos compondo o con-
junto arquitetônico. As casas predominantemente de dois
pavimentos, de taipa ou barrote revestido de tijuco (PEN-
TEADO, 1968, p. 118).

A fortificação era o primeiro ponto de estabelecimento em ter-


ra do projeto de colonização, posteriormente ia se configurando o

50
núcleo urbano, com a presença das edificações do governo, igrejas,
conventos, a arquitetura civil e militar.
Reis Filho (1978) ao discorrer sobre a arquitetura brasileira, da
colônia aos meados do século XX, adota uma perspectiva analítica
da transformação da arquitetura ante sua adaptação ao lote urbano.
Segundo o autor, assim como Araújo (1998), a política urbana de
ordenação das cidades no período colonial contava com a presença
dos engenheiros militares (o fortificador) ou o arruador, os quais
eram responsáveis pelos primeiros traçados de ruas, quadras e lotes.
As ruas apresentavam aspecto uniforme, com as casas térreas ou
sobrados no limite da via pública, assim como ocupando as laterais
dos lotes. As vias acabavam sendo delimitadas pelo conjunto das
casas, que eram erguidas uma em continuidade da outra, geminadas,
sem afastamentos laterais. A maior parte das vezes a arquitetura civil
apresentavam certa monotonia, tendo em vista a uniformidade dos
partidos arquitetônicos adotados.
No século XVIII o crescimento urbano é orientado para o interior
afastando-se do litoral. Em 1753 no governo de Francisco Xavier de
Mendonça Furtado - irmão do Marques de Pombal, ministro do Rei
- chega a Comissão Demarcadora dos Limites com a finalidade de
fixar as fronteiras das duas nações ibéricas de acordo com o Tratado
de Madri. A Comissão traz para o desenvolvimento de suas atividades
engenheiros, arquitetos desenhadores, astrônomos e topógrafos, que
atuaram na transformação da paisagem da cidade.
Belém passa a ser a capital da Capitania do Grão-Pará e Mara-
nhão em 1751, as relações entre capitania e metrópole se intensifi-
cam, seja pela mudança da capital, seja pelo parentesco de Francisco
Xavier, com o ministro do Rei. Nas colônias portuguesas as vilas e
cidades passam a intensificar as diretrizes de ordenamento urbano
implementadas através das Cartas Régias, com normativas sintéticas
e simplificadas que previam: criação de praça; instalação de edifícios

51
oficiais; abertura de ruas largas e direitas, em linha reta; a definição
de um modelo único de fachada para que sempre se conservasse a
mesma formosura das terras e a mesma largura das ruas (ARAÚJO,
1998). É importante colocar que a padronização de fachadas era
valorizada para que se vislumbrasse a hierarquia das edificações, onde
se destacavam os edifícios religiosos, militares e oficiais.
José Morgado (2008) ao estudar um sobrado colonial localizado
no bairro da Cidade Velha, conhecido popularmente na atualidade
como “Casa Rosada”, considera que nesse momento Belém sofrera
transformações significativas, especialmente no seu perfil arquitetôni-
co e volumétrico a partir da monumentalização – da qual este sobrado
de dois pavimentos, com os vãos de porta e janelas emoldurados com
ricos detalhes é exemplo.
A expansão urbana de Belém passa por significativas mudanças
no século XIX em virtude do aterro do alagadiço Piri, área pantanosa
que dividia os dois bairros da cidade até o início do referido século.
A obra de “higienização” iniciada no governo do Conde dos Arcos
possibilitou a ocupação dessa extensa área tomada pelo alagado assim
como o crescimento da cidade à Leste da cidade. A paisagem urbana
desta época foi relatada por alguns viajantes naturalistas, que deram
importantes contribuições para a caracterização da arquitetura civil:

A arquitetura é singela, raro tendo as casas mais de dois


pavimentos; quase sempre térreas, são menos decoradas do
que as do Maranhão, simplesmente caiadas e em geral sem
vidraça; mas o conjunto é asseado, cômodo e dá a impressão
de uma vida domestica feliz (PENTEADO, 1968, p. 127).

Na segunda metade do século XIX às primeiras décadas do sé-


culo XX, Belém sofreu significativas transformações em virtude do
capital gerado pelo ciclo econômico da borracha. Estas partiram das
aspirações da nova classe social, a burguesia gomífera, emergida em

52
decorrência da cultura extrativista. As aspirações desta classe encon-
traram forte apoio dos governantes uma vez que coincidiam com os
projetos higienistas desses para a cidade.
Assim, data das primeiras décadas do século XX a aplicação do
código de posturas imposto pelo intendente Antonio Lemos, como
também o incremento de equipamentos públicos e de diversão como
praças, mercados, teatro, cinematógrafos, etc.
O bairro da Campina – também chamada de Comércio – se
destacou com os investimentos em infra-estrutura, tanto do governo
quanto da burguesia, tais como: calçamento, iluminação, reformas e
construções das casas de venda de produtos importados europeus. A
Rua dos Mercadores, atual João Alfredo, é considerada como a via
mais emblemática da época, o crescimento e a concentração de co-
mércios e serviços na mesma demonstra a mudança do eixo comercial
de Belém. A arquitetura eclética foi “eleita” como expressão deste
poderio econômico, e permaneceu “vigente” até meados da década
de 20, quando a cidade demonstrava as consequências da decadência
da economia extrativista.
Figura 2: Delimitação do Bairro da Cidade Velha, feita em 1967 pelo município.

Fonte: CODEM, modificado pelo autor, 2012.

53
O recorte de tempo acima tratado, é aquele que constituiu a
identidade, a historicidade na construção do CHB, ao resgatarmos
as legislações preservacionistas de Belém, encontramos uma das pri-
meiras tratativas que associam a delimitação espacial à necessidade
de salvaguarda patrimonial, datada de 1967. A Câmara Municipal
estatuiu naquele ano a Lei n° 6.307 que delimitava a área do Bairro
da Cidade Velha, com a finalidade de sua “[...] preservação histórica
e arquitetural naquilo em que ela representa as origens da cidade e
os primórdios de sua formação [...]” (BELÉM, 1967). Segundo a Lei
a poligonal a qual definiu o bairro (Fig. 2), representa o núcleo de
formação da cidade, da sua fundação até sua expansão para o bairro
da Campina.
A área considerada como “zona da velha Cidade de Belém”
(BELÉM, 1967) foi delimitada para que fosse possível a preser-
vação do “testemunho dos fundamentos da capital paraense, nos
períodos dos séculos XVII e XVIII” (BELÉM, 1967). O desen-
volvimento da legislação se deu nos anos subsequentes, até cul-
minar no tombamento pela Lei Orgânica do Município de 1990
, que por sua vez alarga a historicidade do CHB, agregando as ar-
quiteturas do século XIX e início do século XX como de interesses
a preservação.
No que tange a fisionomia a qual as legislações visavam/visam
resguardar, recorreremos aos mapas abaixo para discorrer sobre os
aspectos da cidade. As figuras trazem a configuração de Belém no
século XVIII, a “Planta da Cidade de Bellem, Capital do Estado do
Gram Par.” (Fig.3) de 1761 de autoria não identificada e o “Plano
Geral da cidade do Pará” (Fig.4) de autoria de Teodósio Constanti-
no de Chermont, datado de 1791 e a imagem de satélite (Fig.5) do
Google Maps do ano de 2021.

54
Figura 3: Recorte da Planta de Belém datada de 1761. A imagem traz parte da vista do bairro
da Cidade Velha, e em destaque a área de localização da casa da Joaquim Távora.

Fonte: REIS FILHO, 2000.

Figura 4: Recorte da planta de Teodósio Chermont, de 1791. A imagem, mesma área da figura
3, traz em destaque o que seria a delimitação do lote de localização da casa da Joaquim Távora.

Fonte: Acervo Biblioteca Nacional.

Podemos observar, que na primeira imagem, em 1761 já havia a


delimitação do lote referente ao objeto de estudo, que se localiza na
esquina das travessas Joaquim Távora e Praça do Carmo. A planta
de Chermont de 1791 apresenta o nível de detalhes mais apurado e
podemos também visualizar no lote onde se encontra a casa, o blo-
co sólido, inferindo a existência de uma área edificada, visto que o
terreno contiguo a este na Praça do Carmo há um vazio - em ambas

55
as representações, ou seja, aquele espaço estava ocupado por uma
edificação já no século XVIII.
Figura 5: Imagem de satélite da área onde está localizada a edificação em estudo. Recorte
espacial semelhando aos das figuras 4 e 5.

Fonte: Google Maps, 2021.

Ainda no que se refere ao desenho do mapa de 1791, podemos


identificar outras curiosidades, como nos espaços internos das quadras
a existência de áreas verdes, a forma de implantação da arquitetura
no loteamento colonial gerava esta característica:

A impressão de monotonia era acentuada pela ausência de


verde. Inexistindo jardins domésticos e públicos e a arbori-
zação das ruas, acentuava-se naturalmente a impressão de
concentração, mesmo em núcleos de população reduzida.
Atenuava-se apenas os pomares derramando-se por vez sobre
os muros (REIS FILHO, 1978, p. 24)

A ausência de afastamentos laterais e frontais determinava o pa-


drão de ocupação do solo, descrito pelo autor. Na representação de
Chermont, o nível de detalhes, nos permite identificar as plantações

56
nos quintais e a ausência de representação de vegetação em áreas livres
públicas. A imagem de satélite de 2021, aponta, dentre as mudanças,
que as referidas áreas internas de permeabilização de quadras foram
sendo reduzidas e até apagadas, novos padrões surgiram com o aden-
samento das construções. Observa-se também o “aparecimento” do
paisagismo na praça – cabe salientar que a Igreja Rosário dos Homens
Brancos, localizada em frente à edificação em estudo, fora demolida.
O recorte de tempo acima tratado, da fundação ao século XIX,
fundou um imaginário de uma Belém de arquitetura colonial16, muito
embora as edificações consolidadas e transformadas neste período
transbordem o tempo da Colônia, passando pelo período Imperial
até início da República Velha. As características arquitetônicas da
arquitetura civil colonial implantada no bairro da Cidade Velha,
foram das casas térreas ou sobrados de dois pavimentos com ou sem
camarinhas, alinhadas na testada do lote e geminadas umas às outras.
As ilustrações abaixo do livro “Quadro da Arquitetura no Brasil”
de Reis Filho (1978) demonstram o padrão adotado no Brasil colonial
(Figuras 6 a 8):

Figura 6: Croqui da disposição das casas térreas no lote colonial.

Fonte: REIS FILHO, 1978, p. 31.

16 A referida discussão é tratada por Tutyia (2013) na dissertação “Rua Dr. Assis: uma
incursão pela paisagem patrimonial transfigurada da Cidade Velha, Belém do Pará”, disponível
em: http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/8593

57
Figura 7: Croqui com modelos de casa térrea e sobrado. As coberturas podiam ter variações,
como no sobrado há o destaque para a presença da água furtada e na casa térrea da camarinha.

Fonte: REIS FILHO, 1978, p. 31.

Figura 8: Vista em perspectiva e corte do sobrado colonial, demonstrando as disposições dos


ambientes. Podemos observar a parte posterior com a presença do quintal.

Fonte: REIS FILHO, 1978, p. 29.

As casas térreas e sobrados geralmente apresentavam a cobertura


em duas águas com beiral, mas também, como nos exemplos acima,
poderia haver as variações com a camarinha ou água-furtada. As
telhas eram de barro do tipo capa-canal, raros eram os modelos com
forro, geralmente adotava-se o padrão da telha vã. O piso em chão
batido nas casas térreas e assoalho em madeira no segundo pavimen-
to dos sobrados. A tecnologia construtiva das edificações variava
entre argamassa em pedra e cal e taipa17, quanto os vãos de portas e
janelas os mais comuns podiam ser em verga reta ou arco abatido,
com esquadrias em madeira. Os sobrados eram dotados de guarda
17 Para maiores informações da tecnologia de taipa empregada em edificações no Pará,
ver o trabalho “A taipa como patrimônio cultural: a preservação do saber fazer” de Carvalho
e Miranda (2015). Disponível em: https://revista.ufrr.br/rct/article/download/2479/1802

58
corpo em madeira ou ferragem. Quanto maior e mais complexa a
habitação, maior era o poder econômico e social daquela família,
a materialidade arquitetônica deste período diz sobre uma camada
especifica da sociedade brasileira.
As figuras 9 e 10 são fotos do bairro da Cidade Velha e remetem
a ambiência da paisagem descritas pelos viajantes e historiadores, e
sugerem o caráter colonial do bairro.

Figura 9: Edificação na Rua Dr. Malcher, Figura 10: Conjunto de edificações da Praça
registrada por Robert Smith entre os anos do Carmo, registrada por Robert Smith entre
37 a 47. os anos 37 a 47.

Foto: acervo fotográfico Fórum Landi, s/d. Foto: acervo fotográfico Fórum Landi, s/d.

As fotos são registros feitos pelo historiador norte-americano


Robert Smith datados de 1937 a 194718, quando pesquisava sobre
o urbanismo, a arquitetura e a arte colonial brasileira. Podemos ob-
servar nos conjuntos edificados as características bem marcantes da
arquitetura civil descritas anteriormente no trabalho, o imóvel da
figura 10 não existe mais e os da figura 11, que se localizam na Praça
do Carmo, foram remembrados, ou seja, houve a junção interna dos
18 As informações de datação foram coletadas no acervo fotográfico Fórum Landi em
2011; Bueno (2012) indica que Robert Smith “descobriu” o Brasil em 1937, a partir de uma
bolsa do American Council of Learned Societies, ocasião na qual realizou uma longa viagem
por várias cidades brasileira, incluindo Belém; por sua vez, Pessoa e Araújo (2012), por sua
vez, afirmam que Robert Smith deixou para o SPHAN inúmeras fotografias de monumentos
da Bahia, Rio de Janeiro e Pará, os quais foram capturados entre as décadas de 1940 e 1950.
Desta forma, por não haver comprovação da datação correta, optamos em deixar registrado
estas informações.

59
dois sobrados que hoje formam um único sobrado e que pertence a
Universidade Federal do Pará, onde funciona o Fórum Landi. A casa
térrea também fora apagada da paisagem.

3. A CASA DA JOAQUIM TÁVORA (TRAVESSA) Nº 60

Figura 11: Vista da fachada pela Praça do Figura 12: Vista da fachada pela travessa
Carmo. Joaquim Távora.

Foto: IPHAN, 1960. Foto: IPHAN, 1960.

É neste contexto de apagamentos e transformações que apresen-


tamos o que foi a “Casa da Joaquim Távora nº 60” em suas configu-
rações externas “iniciais”.
A foto atual da casa, exposta no início do trabalho, mostrou
os vestígios de alguns elementos que compunham o imóvel, como
o beiral, as telhas capa-canal em barro, o cunhal de junção entre as
fachadas. Aqui podemos recompor sua fisionomia externa e observar
os vãos de portas e janelas emoldurados com frisos que acompanham
a verga em arco abatido, sendo quatro janelas e uma porta na fachada
da Praça do Carmo, e três janelas e uma porta na fachada da Joaquim
Távora. Outros elementos que também são presentes: o embasamento
e as feições da pilastra com os socos - a base da coluna – ainda em
suas formas definidas.
Belém no final da década de 50 e ao longo da década de 60 passou

60
por um processo acelerado de transformação de sua paisagem urbana,
este fato pôde ser observado no jornal “A Província do Pará”, destas
décadas. A modernização dos espaços livres, equipamentos públicos
e privados eram recorrentes nas propagandas de prefeitos e governa-
dores, assim como em colunas de periodistas, os quais uns clamavam
pelas transformações da cidade e outros contestavam tal processo19. O
processo de verticalização da cidade estava estampado nas páginas dos
jornais, diversos são os anúncios de imobiliárias, como por exemplo da
Sul-Americana (Fig. 13) que anunciava o empreendimento “situado
na avenida mais aristocrática de Belém”, a avenida Nazaré, fato que
demonstrava novos eixos de verticalização da cidade.
Imagens de novos materiais utilizados na indústria da construção
civil, mobiliários para decoração, eletrodomésticos, enfim, o espírito
de época daquele momento transbordava nos periódicos, demons-
trando que o passado colonial e da Belle Époque abria a guarda para
um novo modelo arquitetônico.

Figura 13: Perspectiva do “Edifício Nossa Senhora de Nazaré”, projeto de Judah Levy, es-
tampava o anúncio de venda de apartamentos da Imobiliária Sul América em 1955 no jornal
“A Província do Pará”.

Foto: Edifício..., 1960.

19 As considerações fazem parte da discussão da pesquisa de tese da autora e encontra-se


em fase de desenvolvimento.

61
Mas o tensionamento entre as duas cidades era latente, a Belém
de novos ares tentava apagar os elementos da Belém “passadista” para
deflagrar o processo de modernização. Essa ação, todavia, enfrentava
resistências, como podem ser ilustradas pela figura do representante
estadual do DPHAN, o representante estadual, o historiador Er-
nesto Cruz, que acolhia e fazia as demandas, enviando-as para a
sede daquele órgão no Rio de Janeiro. As solicitações tinham por
finalidade o resguardo federal dos bens com o instrumento de tom-
bamento, estabelecido no Decreto Lei nº 25 de 1937. O processo
de tombamento de um imóvel apresenta, geralmente, um conjunto
de documentos com informações de natureza diversa20, que visam
auxiliar o parecer da equipe técnica da Instituição à apreciação do valor
cultural do objeto. São em algumas dessas fontes que este trabalho
se debruçou para analisar as práticas patrimoniais do DPHAN no
recorte de tempo dos anos 60.
O processo da Casa da Joaquim Távora, nos chamou a atenção
primeiramente pelo seu indeferimento, e posteriormente por ser um
objeto que fugia do padrão da monumentalidade dos tombamentos
feitos naquele período. A casa térrea marcada pela pátina21 do tempo
em sua fisionomia, já estava em “descompasso” com a modernização
da época, de modo que a retórica da perda (GONÇALVES, 1996)
é lançada com a finalidade de evitar o apagamento daquele imóvel
pelo progresso.
A análise documental do processo demonstra que este fora soli-
citado por Paulo Fender, senador do Pará, em 16 de abril de 1960,

20 A Portaria nº 11 de setembro de 1986 do IPHAN, que trata da normatização de


procedimentos para processo de tombamento, dispõe no Art. 4º, inciso 1º, que a instrução do
pedido consta “[...] de estudo, tanto quanto possível minucioso, incluindo a descrição do(s)
objeto(s) de sua(s) área(s), de seu(s) entorno(s), à apreciação do mérito de seu valor cultural
[...] informações precisas sobre a localização do bem ou dos bens, o(s) nome(s) do(s) seu(s)
proprietário(s), certidões de propriedade e de ônus reais do(s) imóveis, o(s) seu(s) estado(s) de
conservação, acrescidas de documentação fotográfica e plantas” (IPHAN, 1989, p. 2).
21 Pátina são as marcas da passagem do tempo na materialidade arquitetônica.

62
ao encaminhar uma carta a Rodrigo Melo Franco de Andrade22 com
provas as quais julgava informar o “reconhecimento do valor histórico
do imóvel”. Segundo Fender a demolição estava a vias de se iniciar
“[...] o referido prédio – agora objeto de vandalismo capitalista, que,
em nome da civilização, a ela própria apunhala no seu cerne histórico
e tradicional, sem aquele mínimo de respeito exigível ao que deve ser
preservado [...] (FENDER, 1960, p. 2). Nota-se na fala do senador
que a possível perda prematura do imóvel, por questões econômicas
imobiliárias, clamava pelo seu resguardo pela legislação federal, uma
vez que ele tinha valores históricos e tradicionais.
Paulo Fender anexa à carta um “atestado” dos valores atribuído
por Ernesto Cruz. O referido documento, por sua vez, é uma carta do
historiador em resposta a “Sr. Dr. Carlos Zoghbi”, sobre informações
históricas da casa, declaradas em 9 de fevereiro de 1960:

A casa de referência é uma das mais antigas residências da


era colonial, de Belém. Deve remontar ao século XVIII ou
princípios de XIX. Os naturalistas Bates e Agassiz que es-
tiveram no Pará, no século XIX, descrevem nos seus livros,
este tipo de casa, usada pelos moradores daquele tempo.
Todas as suas características, deste o talhe, feitura das janelas
e portas, disposição do telhado, soleiras etc. Indicam ser a
casa em tela, uma residência colonial. Constitui, realmente,
uma relíquia do passado, que deve ser conservada na sua es-
trutura original, cujo valor histórico não pode ser esquecido
(CRUZ, 1960, p. 3).

O historiador se pauta nas descrições das edificações de Belém,


presentes nos relatos dos viajantes, nas características da arquitetura
do século XVIII, para conferir de antemão a possível autenticidade
daquele objeto, e tentar dar os primeiros passos para garantir o seu
resguardo. Nota-se que a residência por ter as características coloniais
22 Jornalista mineiro, foi o primeiro diretor do SPHAN, permaneceu neste cargo ao
longo de 30 anos.

63
deve ser elevada à categoria patrimonial em sua feição integral, a
estética da edificação é utilizada naquele momento pelo historiador
como o próprio valor histórico.
Além disto, para construir a autenticidade inicial do objeto, Cruz
(1960) faz uso da citação do Art. 1 do Decreto Lei nº 25, reforçando
assim os referidos valores. O Decreto-Lei nº 25 vai carregar um papel
simbólico na estruturação da política preservacionista brasileira, os
objetos para participarem do conjunto patrimonial nacional, preci-
savam/precisam ter a qualificação de “vinculados à fatos memoráveis
da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico
ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (IPHAN, 2006, p. 99) –
argumento utilizado pelo historiador na carta.
Segundo Chuva (2017), foi um trabalho intenso para que o
Decreto Lei nº 25 fosse legitimado, as referências ao mesmo são
constantes nos processos, nos enunciados de Rodrigo Melo Franco,
da equipe técnica assim como do Conselho Consultivo do SPHAN.
A construção da nação simbolizada por meio dos objetos patrimoniais
protegidos por esta Lei estava pautada sobre os valores artístico e his-
tórico, para a representação da nação. E foi com base nesse decreto,
que o historiador conferiu o “atestado de valoração” da edificação:

O prédio nº 60, da travessa Joaquim Távora, nesta capital está


inegavelmente vinculado a fatos memoráveis da história do
Pará, tal seja – a época colonial, - a fase que vem merecendo
dos historiadores brasileiros, constantes investigação para o
seu completo conhecimento (CRUZ, 1960, p. 3).

As trocas de correspondências entre a Diretoria do DPHAN e a


representação desse no Pará, por meio de Ernesto Cruz, demonstra-
ram que, no tramitar do processo, houve exigência de detalhamento
da aferição de valores feitos pelo historiador – sobretudo referente
ao excerto acima. Além de fotos do imóvel, Carlos Drummond de

64
Andrade – que respondia como chefe da Seção de História (S.H) da
instituição – solicitou comprovações de “indicações de fato preciso,
ou de circunstância histórica relevante, que permita relacionar espe-
cificamente a casa da Praça do Carmo com a história brasileira no
período colonial” (ANDRADE, 1960, p. 6).
A casa da Joaquim Távora por si, pelas suas características e ele-
mentos que a vinculava com a arquitetura colonial brasileira, não
poderia ser tombada, aos olhos de Carlos Drummond. A edificação
deveria estar atrelada à “história brasileira no período colonial”, des-
ta forma, as afirmativas feitas por Cruz deveriam ser comprovadas
historicamente, assim como a vetustez do imóvel.
O chefe da S.H ainda pondera que a comprovação da ancia-
nidade23 da construção, pode conferir a mesma o “testemunho do
passado”, consequentemente sua inscrição com os exemplares de
interesse histórico, contudo:

Esta caracterização, [...], quando desligada de ocorrências pró-


priamente históricas, desenroladas no imóvel ou que nêle de
algum modo repercutam, só vem sendo feita pela DPHAN se
a edificação é realmente ilustrativa de uma fase arquitetônica,
de um estilo, de um modo de construir, e se outros modelos
mais ilustres não se oferecem ao interêsse do pesquisador,
na mesma cidade ou região[...] (ANDRADE, 1960, p. 6)

A fala de Drummond demonstra que naquele início dos anos 60,


havia uma seleção mais rigorosa dos bens que, para serem elevados à
categoria de patrimônio nacional, por sua relevância arquitetônica,
deveriam ser singulares nos aspectos explicitados. Desta maneira, o
processo passaria por uma análise “à luz de critério arquitetônico” na
Seção de Arte do DPHAN.
Ernesto Cruz dá início à tentativa de “autenticar” os valores da
23 A ancianidade é empregada nos documentos deste processo no sentido de tempo
histórico decorrido, o mesmo que antiguidade.

65
casa, por meio de fotografias e documentações solicitadas, inseria
pequenos textos, onde tentava se valer de sua autoridade de historia-
dor e diretor da Biblioteca e Arquivo Público do Pará para persuadir
aquela equipe “estrangeira” da importância do imóvel para o Pará.
Dentre estes textos, afirmava a Rodrigo Melo Franco:

A casa é de construção colonial, datando do século XVIII.


Está situada na CIDADE VELHA, de onde partiram os co-
lonizadores portugueses para o desbravamento. Este edifício
impressionou profundamente o Dr. Robert Smith, pelo seu
estilo e pela sua antiguidade, sendo mesmo um dos monu-
mentos da cidade (CRUZ, 1960, p. 7).

Por mais que ainda não tivesse apresentado as provas documen-


tais, o historiador utilizava argumentos reafirmando a colonialidade
da casa, primeiramente através de sua localização no bairro gênese
da colonização portuguesa em Belém, e também considerando as
impressões do historiador Robert Smith (embora não adicione nos
documentos referências materiais das impressões deixadas, se por
fotografia, por texto ou por oralidade). É interessante notar que o
historiador de Belém resgata o olhar de Robert Smith para com o
objeto - um historiador com “lastro” nas pesquisas da arquitetura
colonial brasileira para aquela instituição24, com a finalidade de de-
clarar que a casa é um monumento para Belém.
A transformação da cidade e da arquitetura de outrora é latente
na documentação de tombamento, a pressão do capital imobiliário
pela renovação dos espaços é sempre pontuada pelos sujeitos paraenses
que aparecem no processo: “o seu atual proprietário pretende demolir

24 Segundo Bueno (2012), Robert Chester Smith, vem ao Brasil pela primeira vez
em 1937, e a partir desse momento passa a investigar a arquitetura e urbanismo colonial no
Brasil. O historiador americano estabeleceu vínculos com o corpo técnico do recém-criado
Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, desta forma se nutrindo e contribuindo
para as pesquisas da instituição. Publicou uma série de artigos para a Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional.

66
esta impressionante relíquia do Pará-colonia, para em seu lugar erigir
um prédio moderno. Se isto acontecer Belém vai perder uma peça
valiosa de sua História” (CRUZ, 1960, p. 7).
Segundo Vidal e Lima (2018) este período foi marcado pela
presença de novos agentes do setor privado que passaram a participar
da exploração de recursos minerais da Amazônia. As ações desses no
tecido da cidade se dava na tentativa de criar uma nova paisagem da
“metrópole da Amazônia”, modernizada, que tinha na construção de
edifícios a via para a produção da nova imagem de Belém.
Ernesto Cruz clamava pela salvaguarda do imóvel, mas não bas-
tava o valor simbólico que aquele objeto tinha para o representante
regional do DPHAN. Era preciso atender às exigências da equipe
técnica da sede. No decorrer do processo outros sujeitos apontaram
para a necessidade de estudos aprofundados sobre as “primeiras edi-
ficações” erguidas no mais antigo sítio da cidade, dentre esses, Arthur
Cezar Ferreira Reis – requerido por Rodrigo Melo Franco de Andrade
– que sugeriu à Diretoria um inventário do casario do bairro, para
que fosse possível tomar conhecimento daqueles mais antigos e assim
“merecer a interferência do Estado na sua ação visando á preservação
do patrimônio histórico e artístico local” (REIS, 1960, p. 15).
O relatório de Paulo Thedim Barreto, Chefe do Setor de Artes
do DPHAN, também recai nos aspectos da arquitetura tradicional,
antiga. Este por sua vez relata que a Praça do Carmo era um dos
poucos núcleos onde as edificações não sofreram massivamente a
inserção de platibandas: “[...] o incentivo lastimável da lei municipal
que determina o despojamento das cornijas e beirais das casas de
Belém” (BARRETO, 1960, p. 11).
Acrescenta ao parecer que as “casas desfiguradas são em pequeno
número” e solicita urgência para o tombamento do convento carme-
lita, adaptado a colégio, assim como da Casa da Joaquim Távora, pois
“Essa vivenda, de fato, por suas proporções e robusto cornijamento,

67
é uma daquelas que como disse bem Saint Adolphe ‘foram feitas de
pedra-e-cal com solidez e elegancia25’” (BARRETO, 1960, p. 11)
As observações de Barreto (1960) sobre a Casa da Joaquim Tá-
vora trazem algumas informações que nos ajudam a refletir sobre
as várias formas de mudança da paisagem arquitetônica de Belém
naquele período, seja pela renovação total da edificação no lote, seja
por intervenções pontuais, mas que desfiguravam a “Belém colonial”,
apagando alguns dos elementos de composição da fachada. Fica ex-
plicito tanto na fala de Reis como na de Barreto que as características
da “colônia” deveriam ser preservadas, cujo valor era atribuído em
referência à arquitetura de pedra e cal do período colonial.

4. O INDEFERIMENTO: CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desfecho desse processo chama a atenção pelo fato de Ernesto


Cruz, que demandou empenho para validar a relevância histórico e
estética da Casa da Joaquim Távora, tenha atestado a seguinte con-
clusão sobre o imóvel, em 24 de junho de 1960: “não possuir as
caraterísticas positivas de ancianidade”.
Mas como se chegou a este veredito? Na busca pela documen-
tação que atestasse a data de existência da casa na história colonial
brasileira – pois o valor colonial era o almejado – o historiador de
Belém havia encontrado a “Escritura Pública e o Termo de Traspasse”,
comunicando a Rodrigo Melo Franco de Andrade “ao contrário do
que informei anteriormente, louvado na tradição oral, muitas vezes
falha e imprecisa, dito prédio não possue a antiguidade que lhe é
atribuída” (CRUZ, 1960, p. 21).
25 A citação se refere ao conteúdo presente no verbete “Belêm” do “Dicionário
Geographico, historico e descriptivo do Imperio do Brazil”, originalmente publicado em 1845
pelo militar francês Millet de Saint-Adolphe. Saint-Adolphe menciona o sistema construtivo
da pedra e cal, ao se referir às edificações “da cidade de Belêm” no século XVIII. Segundo o
autor Belém recebera o título de “cidade” no ministério do Marquês de Pombal (SAINT-A-
DOLPHE, 1845).

68
Cruz (1960) assume que fora levado a reconhecer a antiguidade
da edificação através da oralidade e atribui a isto a falha da possí-
vel datação cronológica no perídio colonial brasileiro. O Termo de
Traspasse, que indica o processo de compra, constava que o Barão
de Arary havia adquirido dos herdeiros de José Antonio Oliveira, em
abril de 1865, um terreno na atual Joaquim Távora. O historiador
concluiu que pelo motivo do Termo de Traspasse não se referir a
“terreno edificado” e simplesmente “terreno”, que o Barão de Arary
havia construído a edificação após aquela data de compra, sendo assim
“Não se trata de casa colonial, quer dizer, do tempo da colônia, mas
do estilo da época em que foi construída, posterior ao ano de 1865”.
A partir da exposição de Cruz na carta, o processo foi arquivado
e fora dada autorização para que o atual proprietário executasse as
“obras de restauração”, tendo em vista o estado precário de conserva-
ção da parte interna do imóvel. Podemos destacar alguns pontos de
reflexão sobre o processo: o valor do documento oficial com a datação
do século XIX teve mais peso que as características coloniais que a
casa apresentava, ou seja, a ancianidade “não positiva” que o papel
atribui suplanta a ancianidade estética da materialidade – mesmo
com o parecer de Paulo Thedim Barreto, Chefe do Setor de Artes
do DPHAN. Segundo consta em seu relatório,

as casas da Praça do Carmo ainda formam um conjunto


apreciável [...] valorizando mais ainda a referida praça lá estão
a igreja do Carmo, projeto de Landi e o Palácio Velho. É pre-
ciso, pois, que o DPHAN preserve o ambiente tradicional e
característico desses dois momentos já tombados, tombando
também aquela pequena praça – com todas as construções
que lhe ficam a borda (BARRETO, 1960, p. 11)

Existia uma composição harmoniosa entre o conjunto edificado, a


igreja do Carmo e o Palácio Velho – ambos já haviam sido tombados

69
pela instituição – a Casa da Joaquim Távora contribuía para compor
essa vista formando um “ambiente tradicional” com ambos os bens.
Porém, por não estar explicito em documentos que havia edificação
construída no terreno comprado pelo Barão de Arary, na segunda
metade do século XIX, esta passou a não possuir características po-
sitivas de ancianidade, desfavorecendo o interesse ao tombamento.
A arquitetura do século XIX foi relegada a segundo plano nas
primeiras décadas de tombamento do SPHAN/DPHAN, sendo in-
visibilizada aos olhares dos técnicos atrelados ao modernismo. Se-
gundo Fonseca (2017), havia uma aversão ao gosto burguês que
acompanhava o padrão europeu com as linguagens de revisitação ao
passado. Críticas ao passadismo da linguagem acadêmica da arqui-
tetura da Escola de Belas Artes francesa, estilo atrelado à República
Velha brasileira do final do século XIX às primeiras décadas do século
XX, eram correntes no grupo dos técnicos da instituição. A casa da
Joaquim Távora, que não apresentava um caráter monumental, não
havia sido palco de fatos históricos significativos para a nação e es-
tava sendo enquadrada no século XIX, deixou de ter a importância
que foi construída nas primeiras correspondências do processo para
tombamento.
A análise dos recortes dos mapas, com as indicações de existência
de construções no local, também nos levar a questionar se realmente
não haveria remanescente do século XVIII naquela edificação? Fato
que deixamos em aberto para que em futura pesquisa se possa apro-
fundar o conhecimento sobre os documentos “Termo de Transpasse”
do século XIX.
Devemos atentar também aos discursos produzidos pelos agentes
da instituição, como mencionado anteriormente, os modernistas se
apropriaram deste lugar na construção dos objetos de excepciona-
lidade histórico-artística, são os intelectuais e homens públicos do
SPHAN/DPHAN das primeiras décadas de sua fundação, o SPHAN

70
de Rodrigo Melo Franco de Andrade, que terminaram por “fixar”
uma hierarquia de valores com suas respectivas características a pre-
servar. Os intelectuais assumiram a implantação do serviço destinado
a proteger as obras de arte e de história no país, com suas concepções
sobre arte, história, tradição e nação, foram responsáveis pela elabo-
ração da “ideia na forma de um conceito abrangente de patrimônio
que se tornou hegemônico no Brasil[...]” (FONSECA, 2017, p. 83).
Desta forma, fica evidente que o conjunto de bens tombados
ainda “deveriam expressar a ‘memória nacional’ ou a produção cultural
‘mais autêntica’ da nação, capaz portanto, de narrar sua história e
origem, conforme expressão distinta e recorrente nos discursos dos
agentes do órgão” (CHUVA, 2017, p. 210).
No processo da Casa da Joaquim Távora é recorrente a menção à
“ancianidade positiva”, “aspecto tradicional”, “casario antigo” e essas
denominações recaem ao período colonial brasileiro, que por sua vez
está relacionado a uma materialidade arquitetônica “autêntica”. Essa
noção foi sendo perpetuada ao longo das décadas na instituição e
ainda nos 60 eram realizadas as práticas do período inicial de tomba-
mento. Os documentos do início do processo apontam que foram as
características coloniais da edificação que fomentaram o historiador
a construir, através de relatos, que se tratava de uma casa “autêntica”,
porém após a análise do termo de traspasse, houve a contestação da
datação no século XVII e XVIII.
Assim percebemos que Ernesto Cruz, como representante regio-
nal, também adotara, no processo dessa edificação, a referida postura
de atribuição de valor à excepcionalidade histórica, que pairava no
autêntico colonial.

71
REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Renata Malcher de. As Cidades da Amazônia no Século


XVIII: Belém Macapá e Mazagão. Porto: Faculdade de Arquitectura
da Universidade do Porto, 1998.

ASSMANN, Aleïda. A Gramática da Memória Coletiva. Revista


Humboldt, Rio de Janeiro, ano 45, n. 86, p. 2, 2003.

BELÉM. Lei n° 6.307, de 03 de abril de 1967. Limita a Área da Ci-


dade Velha para Sua Preservação Histórica e dá outras Providências.

BISPO, Raphael. Selecionar, disputar e conservar: práticas de co-


municação social e constituição da memória nacional pelo IPHAN.
Revista CPC, n. 11, p. 33-59, nov. 2010/abr. 2011.

BUENO, Beatriz Piccolo Siquera. Robert Smith: um olhar inédito


para linhas e entrelinhas do discurso visual. In: REIS FILHO, Nestor
Goulart (org.). Robert Smith e o Brasil: arquitetura e urbanismo.
Brasília: IPHAN, 2012.

CARVALHO, Ronaldo Marques de; MIRANDA, Cybelle Salvador.


A taipa como patrimônio cultural: a preservação do saber fazer. Re-
vista de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de Roraima
RCT, v. 1, n. 1., 2015.

CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: socio-


gênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2017.

72
EDIFÍCIO Nossa Senhora de Nazaré. A Província do Pará. Belém,
p. 9, 9 jun. 1955.

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Caminhos da Memória e do Tem-


po. In: IPHAN-PA. Pedra & Alma: 30 anos de IPHAN no Pará.
Belém: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2010.

FONSECA, Maria Cecília Lourdes. O Patrimônio em Processo:


trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ; MINC-IPHAN, 2005.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os


discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ; IPHAN, 1996.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.


Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.


Portaria nº 11, de 11 de setembro de 1986. Dispõe das normas de pro-
cedimento para os processos de tombamento, no âmbito da Secretaria
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: http://
portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Portaria_n_11_de_11_de_se-
tembro_de_1986.pdf. Acesso em: 19 ago. 2021.

MEC/SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA. Proteção e Revitalização do


Patrimônio Cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: Ministério
da Cultura/Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/
Fundação Pró-Memória, 1980.

73
MORGADO NETO, José Marques. Termo de Referência e Estudo
de Reabilitação da “Casa Rosada”. 2008. Monografia (Especiali-
zação em Interpretação, Conservação e Revitalização do Patrimônio
Artístico de José Landi) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2008.

PENTEADO, Antonio Rocha. Belém do Pará: Estudo de Geografia


Urbana. Vol. I, II. Belém: Editora UFPA, 1968.

PESSOA José; ARAÚJO, Renata. O Acervo Fotográfico de Robert


Chester Smith relativo ao Brasil In: REIS FILHO, Nestor Goulart
(org.). Robert Smith e o Brasil: arquitetura e urbanismo. Brasília:
IPHAN, 2012.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil.


São Paulo: Perspectiva, 1978.

SAÍNT-ADOLPHE, J. C. R. Milliet de. Dicionário Geographico,


historico e descriptivo do Imperio do Brazil. Paris: J.P. Aillaud,
1845.

TUTYIA, Dinah Reiko. Rua Dr. Assis: uma incursão pela paisagem
patrimonial transfigurada da Cidade Velha. 2013. Dissertação (Mes-
trado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal do Pará, Belém, 2013.

VIDAL, Celma Chaves Ponte; LIMA, George Bruno de Araújo.


Cidade e modernidade: Processos de modernização urbana em Belém
do Pará entre 1930-1960. Revista Registros, v. 12, p. 88-112, 2018.

74
Processos de Tombamento DPHAN

Processo nº 609-T- 60: Casa Joaquim Távora (trav.) 60. Belém,


[1960].
ANDRADE, Carlos Drummond de. [Correspondência Processo
DPHAN nº 609-T-60]. Destinatário: Rodrigo Melo Franco de An-
drade. Rio de Janeiro, 27 abr. 1960. 1 carta, p. 6.

BARRETO, Paulo Thedim. [Correspondência Processo nº 609-T-


60]. Destinatário: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Rio de Janeiro,
3 mai. 1960. 1 carta, p. 11.

CRUZ, Ernesto Horácio da. [Correspondência Processo DPHAN


nº 609-T-60]. Destinatário: Carlos Zoghi. Belém, 9 fev. 1960. 1
carta, p. 3.

_____. [Correspondência Processo DPHAN nº 609-T-60]. Des-


tinatário: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Rio de Janeiro, 27 abr.
1960. 1 carta, p. 7.

_____. [Correspondência Processo DPHAN nº 609-T-60]. Des-


tinatário: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Rio de Janeiro, 24 jun.
1960. 1 carta, p. 21.

FENDER, Paulo. [Correspondência Processo DPHAN nº 609-T-


60]. Destinatário: Rodrigo Melo Franco de Andrade. Rio de Janeiro,
16 abr. 1960. 1 carta, p. 2.

75
Plantas da Cidade de Belém

PLANTAS Teodósio Constantino de Chermont: disponível em:


https://bndigital.bn.gov.br/exposicoes/a-metropole-da-amazonia-
-400-anos-da-cidade-de-belem/cartografia-e-arquitetura/. Acesso em
19 ago. 2021.

PLANTA da Cidade de Bellem, Capital do Estado do Gram Par.:


REIS FILHO, Nestor Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil
Colonial. São Paulo: EDUSP, 2000.

76
AS JANELAS DO AFETO EM CASAS DOBRADAS:
matéria, memória e artefato

Cybelle Salvador Miranda


Ronaldo Marques de Carvalho
Beatriz Martins Maneschy

1. DO PARTICULAR AO COLETIVO

Os laços afetivos se constroem entre sujeitos e a arquitetura,


enquanto objeto que sinaliza um ponto de ancoragem da memória.
Assim começou a história de amor com a casa 674 da Rua João Balbi,
em Belém do Pará. A relatividade do tempo mostra que, apesar de a
casa ter sido integrada à posse da família Miranda em 1997, há cerca
de 20 anos, é como se sua imagem arquetípica fizesse sentido desde
sempre. Traduzir as imagens do inconsciente não é simples, mas es-
pera-se deste ensaio a elucidação das motivações que tornam a casa
o lugar da felicidade, na qual todos se sentem acolhidos. Embora ela
não tenha sido adquirida para moradia, exerceu a função de atelier de
artes, como escola para crianças e adultos, e hoje, como laboratório
de artes e artesanatos, biblioteca, pinacoteca e refúgio.

77
Figura 1: Foto de família que mostra as casas no ano de sua aquisição.

Fonte: Acervo Maiolino Miranda, 1997.

Esta digressão quer também responder à questão da motivação


da investigação científica, demonstrando o quanto é importante par-
tir do pessoal, por vezes das raízes mais íntimas do ser, pois neste
nexo se revelam possibilidades de que o sentido individual se torne
coletivo. É o caso da ‘casa da JB’, que se integra no conjunto de
casas dobradas Andrade Ramos, e quiçá, na paisagem patrimonial
do bairro de Nazaré.
O bairro de Nazaré surge a partir da Estrada de Nazaré, cami-
nho onde se implantaram no início do século XIX as rocinhas, casas

78
de campo da burguesia belemense, as quais foram paulatinamente
substituídas por residências de partido neoclássico, muitas delas em
formato de casas dobradas26 (moradia em banda, para os portugueses),
bem como casas burguesas soltas no lote, em estilo clássico e eclético.
O predomínio da arquitetura residencial burguesa no bairro, além
da arborização com mangueiras das principais artérias, confere a este
uma distinção em relação aos demais sítios de Belém27.
No relato de Penteado sobre a Belém da década de 40 do século
XX, havia duas grandes áreas funcionais: a comercial e a residencial, a
primeira circunscrevendo-se ao bairro do Comércio, que para o autor
subdividia-se no velho centro e no novo centro, este representado pela
Avenida 15 de agosto (atual Avenida Presidente Vargas) “‘a grande
artéria da nova Belém do Pará ...’, ‘avenida larga, moderna’; nela, já
existiam ‘uma pequena série de arranha-céus e se encontravam os
melhores hotéis, os escritórios das grandes companhias de navega-
ção, algumas repartições públicas e vários consulados de repúblicas
andinas’”(PENTEADO, 1968, p. 181).
Divide os bairros residenciais de Belém em três tipos: o bairro
de Nazaré, local nobre, arborizado, com

numerosas mansões cercadas por grandes jardins, localizadas


ao longo das avenidas de Nazaré, São Jerônimo e Indepen-
dência; de outro, bairro residencial modesto, ocupado pela
classe média, contornando o bairro do Comércio, caracteri-
zado pelas residências ‘no alinhamento da rua, algumas com
pequenos jardins laterais’; e de um terceiro setor ocupado
pelos bairros residenciais pobres, que se estende pela periferia

26 Em debate acerca do tema, os professores Cybelle Miranda e Ronaldo Marques de


Carvalho definiram a classificação casas dobradas como um conjunto de residências geminadas
originadas por parcelamento de lote, cujas entradas são voltadas para vias principais (ruas ou
avenidas). Tal designação serve para diferenciar esse tipo arquitetônico das vilas como são do
conhecimento do senso comum, situadas em passagens ou entradas no interior de quadras,
sem que as casas fiquem voltadas para corredor viário.
27 O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional realizou dois levantamen-
tos sobre casas em vila em Belém, ver Derenji (1984) e Derenji, Chaves e Monteiro (1997).

79
da cidade, onde são frequentes as “casas de madeira cober-
tas por fôlhas de palmeiras, algumas edificadas em terrenos
muito úmidos e, por isso mesmo, elevadas sôbre estacas;
outras assentadas diretamente sôbre o chão’ (PENTEADO,
1968, p. 181-182).

Além dessas características, o bairro abriga os tradicionais colégios


particulares da cidade – Colégio Marista, Colégio Santa Catarina,
Colégio Gentil Bittencourt, bem como Escolas públicas tais como
Orlando Bitar, Deodoro de Mendonça, Ulisses Guimarães, Barão do
Rio Branco, e a Escola de Música Conservatório Carlos Gomes. Por
fim, a Avenida Nazaré encerra na Basílica Santuário de Nossa Senhora
de Nazaré, ponto culminante da procissão do Círio de Nazaré, inscrito
no livro do patrimônio imaterial (IPHAN)28.
Apesar de toda a dinâmica e o tombamento individual de algumas
edificações, o bairro está ameaçado em sua paisagem pelas constantes
investidas da incorporação imobiliária, de modo que o mesmo sofre
com a descaracterização iminente.

2. A CASA COMO AFETO – MEMÓRIA E O ESPÍRITO DO


LUGAR

Segundo relatos coletados por meio de entrevistas com os atuais


proprietários das casas, Raul Moreira, filho dos primeiros proprietários
da residência 678, e Socorro de Almeida Gemaque, nora dos primeiros
proprietários da casa 668, foi possível delimitar o histórico do con-
junto Andrade Ramos, localizado na rua João Balbi com a Passagem
Ramos, no bairro de Nazaré. Formada por quatro residências, esta
fora construída em 1934, sob encomenda do Sr. Pedro de Andrade
Ramos, para quatro de suas seis filhas: Emiliana, Heloísa, Maria dos
28 Outros capítulos deste livro trarão estudos sobre arquiteturas do bairro de Nazaré,
tratando das residências neocoloniais e do Chalé da Avenida Nazaré.

80
Anjos, Haydé, Ligia e Lourdes; as últimas foram contempladas com
casas na Passagem Ramos.

Figura 2: Localização e delimitação do bairro de Nazaré e das casas dobradas Andrade Ramos,
marcadas em vermelho.

Desenho: Beatriz Maneschy, 2019.

Acredita-se que Pedro de Andrade Ramos tenha vindo do Ceará


para o Pará juntamente com seu tio-avô, José Júlio de Andrade, fa-
moso político e latifundiário, durante as primeiras décadas do século
XX, para trabalhar em sua empresa Andrade & Ramos Co, em pleno
apogeu econômico da borracha na Amazônia. Em Belém, Pedro de
Andrade acumulou muitas riquezas e terras, possuía um palacete no
terreno onde está localizada atualmente a Secretaria Municipal de
Educação e Cultura (SEMEC), na Av. Governador José Malcher, há
algumas quadras do local onde residia seu tio, o palacete Bibi Costa,
também chamado de palacete José Júlio de Andrade29.
29 Para maiores detalhes consultar: MIRANDA, Cybelle Salvador; CARVALHO,
Ronaldo. N. F. M.; MANESCHY, Beatriz. M. Cronologia construtiva e decorativa do Palacete
Bibi Costa como expressão do zeitgeist em Belém do Pará. In: VI COLÓQUIO INTERNA-
CIONAL – A Casa Senhorial: anatomia dos interiores. Rio de Janeiro/Belém: Fundação Casa
de Rui Barbosa/Universidade Nova de Lisboa (no prelo).

81
Figuras 3 e 4: A Passagem Ramos e a SEMEC.

Fonte: Beatriz Maneschy, 2019; Cybelle Miranda, 2019.

A Passagem Ramos, denominada em homenagem à família, es-


tava locada aos fundos do terreno do palacete de Pedro de Andrade
Ramos. Por isso, construiu as residências de suas filhas nesta área,
sendo duas casas edificadas na Passagem propriamente dita e quatro
já locadas como vila, na Rua João Balbi. Reflete-se nessa escolha a
hierarquia das vias: a Avenida São Jerônimo como logradouro nobre,
e a Rua João Balbi, via que se manteve sem pavimentação até os anos
60 do século passado.

Figuras 5 e 6: Vaso em porcelana original dos primeiros proprietários. Prato decorativo com
a fotografia da filha de Pedro de Andrade Ramos, Maria, e seu cônjuge.

Fonte: Acervo Socorro Gemaque, s.d.

82
Como Pedro de Andrade era possuidor de muitas terras e bens,
tanto na capital paraense, quanto no interior do estado, legou suas
propriedades para seus filhos, deixando todos amparados, uma vez
que, além das seis filhas, o casal também havia tido quatro homens:
Pedro, Clóvis, Freitas, (...). Estes filhos receberam casas próximas à
Passagem Ramos, exprimindo o costume da época, quando os mem-
bros da família moravam próximos, na mesma vizinhança.
Dos atuais proprietários, apenas dois mantém relação com a
família original: Socorro Gemaque, nora de Maria dos Anjos, e Raul
Moreira, filho de Emiliana. Raul nos mostrou a casa, sendo o respon-
sável por sua manutenção, após o falecimento dos pais. Demonstrou
enorme carinho pela sua residência, devido ter vivido nela muitos anos
de sua vida, inclusive a infância. Nesta casa, é possível notar alguns
detalhes que demarcam a figura paterna da qual Raul relembrou ao
longo deste encontro. Seu pai, o coronel Raul Moreira, manteve a
residência nas cores verde militar, sendo a madeira do assoalho reco-
berta por uma espessa camada de cera, remetendo às botas brilhosas
de um militar. O quarto do casal ainda mantém o guarda-roupa, no
qual o filho orgulhoso mostrou a farda do pai, bem como alguns livros
e álbuns de fotos. Os troncos de aquariquara que servem de pilares
para a cobertura da garagem, segundo ele, foram trazidos pelo pai de
uma expedição ao Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa.
Socorro, parente dos Ramos por casamento, abriu as portas de sua
residência timidamente, sempre simpática e prestativa, concordando
em nos contar toda a história que sabe sobre a residência a qual habita
desde o matrimônio. Foi a partir desta entrevista que se descobriu a
relação das proprietárias das casas com Pedro de Andrade Ramos e José
Júlio de Andrade. Esta informação foi de grande valor, uma vez que
conecta a vila ao contexto das Casas Senhoriais do bairro de Nazaré,
como o palacete Bibi Costa, cujo proprietário foi o rico e temido
latifundiário José Júlio de Andrade, figura envolta em fantasmagorias

83
que integram o imaginário popular da cidade. Além disso, Socorro nos
informou sobre a árvore genealógica da família, bem como forneceu
algumas fotografias que nos permitiram visualizar alguns detalhes de
pisos e objetos de valor afetivo.

3. A CASA DA INFÂNCIA RESIGNIFICADA

A residência São Jerônimo, do Arquiteto/artista visual Alexan-


dre Sequeira, é vizinha próxima da JB 674. Compartilha também
as memórias do residente, sendo que nela o autor morou desde a
infância, assim como apresenta os mesmos materiais de revestimento
da casa em estudo (parquet de tacos em madeira, pastilhas coloridas
nos banheiros), embora as casas adotem porte e linguagem distinta.
A residência São Jerônimo também integra as memórias da in-
fância de uma das autoras que, quando criança, estudou na escola de
mesmo nome, situada numa casa de porão bem ao lado da residência
dos Sequeira. Para uma infanta de 9-10 anos, as formas curvas da
casa eram um tanto assustadoras.
A tese de Alexandre adota o método da autoficção, e se inscreve
como resposta à perspectiva inexorável de que, o dia de bater a porta
e levar consigo alguns fragmentos de memória, chegará. Diante desta
visão melancólica, o artista propõe a produção de novas memórias
que venham a dar novos sentidos a esse lugar, no qual convivem os
fantasmas de antepassados que figuram como guardiões das ações
presentes e quiçá, futuras.
A narrativa de Alexandre calou fundo nas memórias da autora,
que vive e revive o dilema de manter a casa da infância duplicada.
Explica-se: esta não é a casa da infância real, mas um simulacro da
casa da Cametá, no bairro da Cidade Velha, onde a autora e seu pai
nasceram. Ao adquirir este imóvel, o pai a descreveu como “uma casa
da Cametá com estilo”. A morfologia em dois pavimentos, e a escada
em madeira são elementos que reforçam essa ligação.

84
Ao longo das duas décadas após a casa passar da família Mescouto
para a família Miranda, esta foi Atelier de Artes, biblioteca e escri-
tório, e, neste ínterim, foi sendo mobiliada com rescaldo da venda
de outros imóveis pertencentes à família. Mesas, cadeiras, estantes
foram sendo adicionados e renovados num palimpsesto em que cada
objeto é uma referência de memória. A casa hoje se caracteriza como
biblioteca e pinacoteca, com um acréscimo significativo a partir de
2018, quando do falecimento do patriarca e divisão de seu acervo.
Maiolino de Castro Miranda foi médico psiquiatra, apaixonado
por artes, música, artes visuais e um aficionado por cinema. O perfil
intelectual de ampla formação nas ciências humanas, fundador de
cineclube e crítico de cinema, viajante corajoso e comprador compul-
sivo de livros fê-lo amealhar um acervo de cerca de 40 mil volumes,
os quais foram cuidadosamente selecionados e doados a bibliotecas,
sendo que, cerca de 1/10 deste acervo foi mantido na JB 674.
Assim, as memórias são revividas a cada passeio pela casa, que
incorpora as vidas vividas por diversas gerações. As paredes grossas,
em tijolos cerâmicos, suportam o andar superior, cujas divisões são
feitas por taipa de mão e o assoalho em madeira dança e vibra aos
passos dos moradores, bem como aos raios e trovoadas das chuvas
amazônicas.
A casa respira, por seus materiais e suas memórias. Flores “conside-
ra que o ato mnemônico fundamental é o comportamento narrativo,
que se caracteriza, antes de mais nada, pela sua função social, pois se
trata de comunicação a outrem de uma informação, na ausência do
acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo” (FLORÈS
apud JANET, 2003, p. 420). Memória e narração estão, portanto,
ligados pela necessidade de transmitir o conhecimento do passado,
sendo que o que deve ser lembrado e esquecido é determinado pelos
grupos dominantes em todas as sociedades históricas.
Nas sociedades sem escrita, a memória se baseia nas atividades

85
cotidianas, desenvolvendo-se como reconstrução generativa, permi-
tindo o uso da imaginação, e não como aprendizagem automática.
Nessas sociedades a memória coletiva organiza-se em torno de três
interesses: a idade coletiva fundada pelos mitos de origem; o prestígio
das famílias dominantes expressos nas genealogias e o saber técnico
que se transmite por fórmulas práticas ligadas à magia.
Com o surgimento da escrita, a memória passa a ser desenvolvida
através da celebração expressa em momentos comemorativos dos
grandes feitos, temos como exemplos os obeliscos e estelas no antigo
Oriente e os arcos de triunfo no Império Romano. Também surge a
memória armazenada em papiros ou papéis, cuja existência deve-se
à evolução social e ao desenvolvimento urbano. A memória urbana
é também memória real: ela cria instituições-memória como arqui-
vos, bibliotecas, museus. Na Grécia se desenvolveu a mnemotécnica
fixando a distinção entre lugares e imagens, precisando o caráter ativo
destas no processo de rememoração e formalizando a divisão entre
memória das coisas e memória das palavras.
Le Goff (2003) ressalta que a memória é um elemento essencial da
identidade, simbolizando a rotina, o capital necessário à sobrevivência
do grupo. Portanto, há necessidade de permanência de marcos físicos
do passado, bem como de indivíduos que promovam a continuidade
das atividades cotidianas que permitem a sobrevivência dos lugares.
No mundo contemporâneo, percebe-se a valorização da memória
simbolizada pelos elementos materiais do passado, como as obras
arquitetônicas e os objetos de arte, enquanto perde-se a memória
como narrativa oral. O surgimento da fotografia no século XIX re-
voluciona a memória, multiplicando-a e democratizando-a, através
dos Álbuns de Família, que servem como elemento aglutinador da
trajetória familiar a ser repassado às gerações posteriores.
O relato do narrador, do contador de histórias é o objeto central
da possibilidade de várias leituras do passado, que não se dá de forma

86
acabada e definitiva, e que assimila a perspectiva dos vários grupos
sociais. O acontecimento lembrado é infinito, pois é apenas a chave
para tudo o que veio antes e depois (GAGNEBIN, 1993).
E a memória é o meio do vivido, que deve ser vasculhada como
quem escava, em busca das várias camadas de tempo que estão imersas
nesse espaço. Os produtos deste trabalho são “as imagens que, despren-
didas de todas as conexões mais primitivas, ficam como preciosidades
nos sóbrios aposentos de nosso entendimento tardio – como torsos
na galeria do colecionador” (BENJAMIN, 1987, p. 239). Benja-
min ensina o caminho que deve trilhar aquele que deseja conhecer
o passado: assinalar no presente o local do achado antigo e indicar
as camadas das quais esses achados se originam, desde a superfície.
Portanto, para ler os fragmentos da história expressos nas formas
materiais da arquitetura e do espaço urbano é preciso ultrapassar a
leitura mítica e fazer o papel do historiador crítico: ouvir as vozes
esquecidas, através dos pequenos indícios, das imagens apagadas na
memória daqueles que vivem o espaço. Recolher os traços das ativi-
dades cotidianas serve para fazer ecoar esse passado da experiência
coletiva, muito distante das coleções particulares organizadas nos
museus, composta por fragmentos descontextualizados, iluminados
feericamente pelo foco da história oficial.
Benjamin alerta para a memória-arqueologia: o passado deve ser
sondado como quem escava, revolvendo várias vezes o mesmo fato, e
partir da trajetória do inventariante, de modo que memória e sujeito
sejam um todo. “E se ilude, privando-se do melhor, quem só faz o
inventário dos achados e não sabe assinalar no terreno de hoje o lugar
no qual é conservado o antigo” (BENJAMIN, 1987, p. 239). Só faz
sentido o passado se ele puder falar de nós e para nós.

87
4. A CASA COMO ARTEFATO – REFORMAS E DETALHES

A memória se alimenta da arquitetura enquanto artefato, sendo


necessário os detalhes, as pequenas partes da residência, responsá-
veis por uniformizar e criar a arquitetura como um todo, por isso a
necessidade de abordar a tectônica da casa. Frascari (2008, p. 539)
afirma que os detalhes possuem uma função geradora, ou seja, neles
estão englobados os aspectos construtivos e a significação atribuída à
construção. Fazendo uma analogia, o estudo da tectônica de uma obra
arquitetônica seria como costurar uma colcha de retalhos (ainda que a
palavra retalhos leve a uma ideia de remendos, aqui será utilizada em
um sentido metafórico): cada um destes retalhos vem de uma história
diferente, com estampas e tecidos distintos, mas quando juntos em
uma colcha, unem-se em uma só forma de expressão e significação.
A escolha destes detalhes –retalhos- pode partir de diversos princí-
pios, dependendo de diversos fatores, como a escolha do arquiteto, o
cliente, o construtor, a despeito do clima, terreno, contexto histórico
e sociocultural. Contudo, sem a utilização destes retalhos, a colcha
não existe. Sem a utilização dos detalhes e dos detalhamentos, não
há construção. Por isso, o esforço na valorização dos detalhes na
arquitetura, da tectônica.
Para Frascari (2008, p. 539), os detalhes vão muito além de meros
elementos secundários, eles são “unidades mínimas de significação da
produção arquitetônica de significados. Essas unidades foram escolhi-
das e separadas em células espaciais ou em elementos compositivos,
módulos ou medidas (...)” -os retalhos. O autor também afirma
sobre a importância dos detalhes para se evitar erros de construção
nas dimensões profissionais do arquiteto, a ética e a estética. Algo
semelhante também fora ressaltado por Vitório Gregotti (2008, p.
537), o qual afirma que os arquitetos deixaram-se levar pela concep-
ção global, pela abstenção do detalhe, o que acaba passando uma

88
“desagradável sensação de uma maquete ampliada, de uma falta de
articulação das partes em diferentes escalas (...)”.
As casas dobradas Andrade Ramos possuem uma planta que ainda
se assemelha às casas do período eclético devido à ocupação do lote
estreito. Conforme o estudo de Nestor Goulart Reis Filho (1995), as
casas econômicas de tipo médio dos anos 1920-1940 mantinham a
ocupação nos limites laterais dos lotes, com pequenos recuos frontais
nos quais se plantavam jardins, sendo construídas edículas aos fundos
do terreno. Nelas, a circulação de serviço ocorria através das salas.
Figura 7: Planta padrão de casa econômica de tipo médio

Fonte: Reis Filho, 1995, p. 67.


Da planta padrão esboçada pelo arquiteto, nota-se a semelhança
de partido, com geminação lateral, a presença de um jardim frontal

89
e um quintal, sendo que o setor social ocupa o térreo, enquanto os
dormitórios situam-se no pavimento superior, dotado de uma ampla
sala de banho. Duas curiosidades do partido da casa 674 consistem
na presença de uma área lateral para a qual se voltam a sala de almoço,
cozinha e despensa/ banheiro, bem como no término do volume em
dois pavimentos com a cozinha, sendo seguido de um volume de 1
pavimento no qual se instalam a despensa e o banheiro. No quintal
há uma edícula a qual, pelas dimensões, funcionava como depósito.
Nota-se uma persistência da separação do setor de serviço em
relação ao corpo principal da casa que, neste caso, se dá por meio da
volumetria. A mesma solução foi encontrada no projeto do Chalé
522 da Avenida Nazaré, o qual apresenta volume em dois pavimentos
composto pelos setores social e íntimo, sendo acrescido ao fundo um
setor térreo composto pela copa, cozinha, despensa e banheiro de
serviço (NASCIMENTO, 2017).
Figuras 8 e 9: Planta do pavimento térreo e primeiro pavimento da casa 674 do conjunto
Andrade Ramos, levantamento físico e cadastral realizado em 2019.

Fonte: Beatriz Maneschy, 2019.

90
Analisando fotos antigas, possivelmente entre as décadas de
1950/60, pôde-se reconstituir o piso dos ambientes da sala de vi-
sitas e sala de estar da casa 668, composto por ladrilho hidráulico,
inexistente em todas as residências do conjunto atualmente, além,
também, de identificar as cores das paredes internas e das esquadrias.
Figuras 10 a 12: Detalhes do interior original de uma casa, como o piso em ladrilho hidráulico
e a cor das esquadrias. A ilustração indica o provável desenho do ladrilho.

Fonte: (01) e (02): Acervo Socorro Gemaque editadas por Beatriz Maneschy, s.d.. (03): Beatriz
Maneschy, 2019.

91
Em relação aos outros revestimentos, o piso da residência 674 no
pavimento térreo no setor social era constituído por tacos de madeira
mosaicados, em pequenos quadriláteros que unidos formam novas
figuras e ladrilho hidráulico no setor de serviço. No segundo pavi-
mento o piso era composto de assoalho de madeira, provavelmente
acapu e mais um tipo de madeira não identificado.

Figuras 13 a 20: Na primeira linha, estão os ladrilhos remanescentes encontrados nas residências
Moreira e Miranda. Na segundo linha, à esquerda está o piso mosaicado original da sala de
estar e à direita o assoalho de madeira do primeiro pavimento.

92
Fonte: Beatriz Maneschy, 2019.

As esquadrias em madeira e vidro apresentam almofadas, dis-


pondo de janelas com venezianas e aberturas duplas e portas com
bandeiras, estas sem fechamento para circulação da ventilação. As
janelas, além de serem divididas em duas partes, também possuíam
uma pequena abertura na divisão de cima, onde as folhas com al-
mofadas abriam e o componente das janelas com fechamento em
vidro ficava exposto. Este artifício possibilitava a circulação do vento
e uma maior iluminação sem obrigar a abertura total da esquadria,
preservando a privacidade da família, conforme comenta Carmen Cal
(1989). Entendemos que esta solução é uma derivação simplificada
das esquadrias duplas usadas nos palacetes de inspiração europeia,
como se pode ver no Palacete Bibi Costa, projetado pelo engenheiro
Francisco Bolonha.

93
Figura 21: Portas e janelas da sala de estar

Fonte: Beatriz Maneschy, 2019.

As paredes localizadas ao longo da escada possuíam barra revestida


em madeira até cerca de 1,50 m de altura, o restante sendo pintado
por algum tom rosado ou bege. Todas as esquadrias eram brancas,
mesma cor em que se encontram atualmente.
A residência 674, assim como as outras da vila, é constituída por
dois pavimentos habitáveis medindo aproximadamente 3,00 metros
de pé direito e acesso ao telhado por meio de alçapões. Tanto a casa
quanto a edícula possuíam características e elementos construtivos
semelhantes, dentre eles tijolos de barro - que mediam, provavelmen-
te, entre 24 e 30 centímetros; telhado em madeira com telhas tipo
Marselha. Por meio da análise dos manuscritos das telhas cerâmicas,
acredita-se que sua fabricação provém da olaria Paraense, propriedade
do arquiteto e construtor José Sidrim, o qual a comprou por volta
da década de 1930, em Benfica como afirma Matos (2017, p. 75).
A data da inauguração da olaria coincide com a época de construção

94
da residência, tornando-se um denominador comum entre as in-
formações, mais um indício da produção regional de telhas na vila
Andrade Ramos.
Figuras 22 e 23: Na primeira fotografia, lê-se os dizeres “Cruzeiro” e “J. Sidrim – Pará”, os
quais levou à olaria Paraense. Abaixo, foco para a parede de tijolos originais.

Fonte: Beatriz Maneschy, 2019.

A escada balanceada utilizada como circulação vertical entre o


pavimento térreo e o primeiro pavimento fora construída em madeiras
amazônicas nobres e resistentes, provavelmente o acapu e de mais
uma espécie não identificada. O revestimento original em madeira
das paredes da escada visualizado nas fotografias antigas, fora reti-
rado da residência estudada, porém, como este revestimento ainda
se encontra na casa de esquina do Sr. Raul, acredita-se que este era
mais um dos elementos decorativos em comum da vila. O primeiro
degrau, do sentido de quem sobe, é executado em granilite, também
encontrado em outros elementos da casa.

95
Figuras 24 e 25: Imagens das escadas da casa Gemaque e Miranda.

Fonte: Beatriz Maneschy, 2019

Em relação aos revestimentos, o piso da residência no pavimento


térreo no setor social era constituído por parquet em madeira, em
pequenos quadriláteros que unidos formam novas figuras e ladrilho
hidráulico no setor de serviço. No segundo pavimento o piso era
composto de assoalho de madeira, provavelmente acapu e mais um
tipo de madeira não identificado.
O banheiro superior era constituído por uma laje revestida por
pastilhas cerâmicas hexagonais de aproximadamente 3 a 5 centímetros
nas cores verde e branca. Infelizmente, não é mais possível encontrar
este revestimento em nenhuma das residências, porém, achou-se uma
cerâmica em uma residência neocolonial localizada na Rua Dom
Pedro I, próxima à Praça Brasil, que se aproxima com a que outrora
existira nas residências da vila.

96
Figura 26: Pastilhas cerâmicas hexagonais da residência próxima à Pça. Brasil e desenho es-
quemático das pastilhas da vila Andrade Ramos.

Fonte: (01): Luiz Alberto Maneschy, 2019; (02): Beatriz Maneschy, 2019.

Quanto ao forro pertencente a ambos os pavimentos construído


em madeira, possuía rodateto de 15 centímetros, que, além da função
estética, possuía função de retenção de impurezas de um pavimento ao
outro. Ressalta-se que o forro do pavimento térreo funcionava como
assoalho do piso do pavimento superior, o que oportunizava conforto
térmico à residência (coeficiente da madeira), em detrimento de um
maior conforto acústico. Todavia, nem todos os cômodos seguem o
padrão acima descrito, vez que um dos cômodos do pavimento térreo
não possui forro, mas sim laje, justamente por se tratar do cômodo
situado abaixo do banheiro superior.

97
Figura 27: Forro de madeira com rodateto

Fonte: Beatriz Maneschy, 2019.

FACHADAS E TELHADO COMO INTEGRAÇÃO DO


CONJUNTO

Em estudo da elevação frontal da extensão total da vila, é pos-


sível afirmar que segue padrões geométricos e retilíneos de viés Art
déco, demonstrando uma influência mais moderna no conjunto das
residências, uma vez que, como afirma Correia (2008, p. 48), alguns
autores designaram determinadas construções como protomodernas,
as que configuravam composições com viés déco. A autora também
cita uma pesquisa sobre a arquitetura recifense produzida entre as
décadas de 1930 e 1940 (período da residência aqui destacada) que
inclui construções de linhas Art déco nomeadas como “iniciativas
modernizantes”.
Cabe esclarecer que, como elucidado por Correia (2008, p. 49),
uma arquitetura protomoderna não se trata de uma arquitetura ante-
rior à moderna, mas sim concomitante durante algumas décadas e que,
devido a estas limitações do termo, é mais apropriado e abrangente

98
categorizar determinada tendência entre a década de 1930 e meados
de 1950 como Art déco.
Pelo motivo elucidado acima, em que pese a vila Andrade Ra-
mos ser considerada uma residência eclética inserida no contexto
pós-eclético, as circunstâncias econômicas e socioculturais da época
a qual fora construída podem ter influenciado, de certa forma, os
elementos decorativos e sua volumetria externa. Em suma, a vila,
ainda que seja considerada eclética devido seus elementos e técnicas
construtivas, tipologia de planta e hábitos de morar, possui algumas
iniciativas modernizantes em sua fachada, que já a insere em uma
simplificação do Art déco.
Destarte, através da análise dos elementos da fachada, ainda que
a planta baixa da residência seja constituída de influência eclética
colonialmente modernizada, pode-se concluir que a volumetria pos-
sui características Art Déco. O gosto déco fora expressado no Brasil
através de volumes, platibandas e ornatos de formas escalonados,
seguindo a tendência de zigzag modern. Além disso, decoração des-
pojada, matérias de construções baratos, como a alvenaria de tijolos
revestida com reboco e parcos detalhes ornamentais também são
elementos da arquitetura Art déco. Ademais, as platibandas coroando
a composição das fachadas, com superfícies lisas decoradas com frisos
ou relevos geométricos aplicados também eram frequentes (COR-
REIA, 2008, p. 99).

99
Figura 28: Detalhe para a platibanda das casas, apresentando um desenho triangular e com
pequenos frisos quadriláteros adornando-a e delimitando cada uma das residências.

Fonte: Beatriz Maneschy. 2019.


Em alguns casos, a platibanda é um prolongamento da parede
externa que recebe um elemento de arremate, uma faixa simples ou
pequena marquise, que define o limite inferior da platibanda (COR-
REIA, 2008, p. 99). Outro apontamento importante frisado por Cor-
reia (2008) que caberia a comparação para o estudo da apresentação
da vila Andrade Ramos com elementos do Art déco, são os elementos
frequentes em habitações em grupos, como os frontões escalonados
e os frisos nos limites das fachadas das casas, demarcando as casas
dispostas geminadas. A unidade compositiva destas casas também era
enfatizada com a repetição de elementos em um único modelo, na
busca pela unidade compositiva do conjunto, além da demarcação
dos limites de fachada das casas como forma de individualização de
cada residência. O desenho esquemático abaixo esclarece os elementos
decorativos que levaram à questão Art déco.
Ademais, foram analisados os elementos da fachada que

100
funcionariam como unificantes, isto é, que servem para gerar uma
unidade compositiva, e os que funcionariam enquanto individualizan-
tes, os que demarcariam os limites das fachadas entre as residências.
O esquema ilustrativo está exposto abaixo.
Figura 29: Ilustração da fachada demonstrando os elementos individualizantes e os de união.

Fonte: Beatriz Maneschy, 2019.

Dito isso, esclarece-se alguns pontos entre as influências nos ele-


mentos construtivos e decorativos da vila Andrade Ramos. Enquanto
o esquema de planta, materiais e técnicas construtivas ainda estão
atreladas à forma de construir eclética, apresentando, inclusive, um
resquício da influência colonial. Por conseguinte, na fachada da vila,
já é possível notar alguns elementos que a tornam mais modernizada
e diferente de outras vilas ecléticas, por isso, foram acredita-se que
alguns adornos mais geométricos podem inferir em uma referência
mais simplificada ao Art déco.

101
6. A CASA COMO PATRIMÔNIO

A construção das vilas fora uma espécie de um movimento in-


ternacional, alavancadas pelo fortalecimento do sistema capitalista.
De início elaboradas de forma geminada, utilizando uma parede em
comum entre as casas, e posteriormente desdobrando-se em diversos
tipos. Um exemplo disto são as chamadas row houses estado-unidenses
encontradas, principalmente, na cidade de Nova York; as terraced
houses, modelo britânico das residências em vila (LAUDAU, 1975);
e as moradias em banda portuguesas, muito difundidas, principal-
mente, na cidade do Porto.
Dentre as formas de habitar da burguesia portuense oitocentis-
ta, destacam-se duas referências distintas: o modelo parisiense, que
consiste no prédio de rendimento que comporta várias habitações
divididas por diversos pisos; e o modelo de origem flamenga, definido
pela justaposição de habitações unifamiliares. Esta última compõe o
modelo predominante no Porto, chamadas de moradias em banda,
e segue o mesmo padrão encontrada nas vilas geminadas, inclusive
o objeto de estudo deste trabalho, a vila Andrade Ramos.
Segundo Matos (apud Mota, 2010, p. 71), este tipo de arquitetura
em “tiras” não correspondia ao ideal de habitação moderna oitocen-
tista. Encontrou-se relato parecido em Belém, vindo do intendente
Antônio Lemos, cujo considerava monótona a uniformidade das casas
em vila e que a fachada afetava a estética urbana da capital paraense
(SOARES, 2008). As moradias em banda surgiram anteriormente à
expansão da cidade do Porto, quando ainda havia as muralhas me-
dievais limitando o crescimento da cidade, por isso, as residências
eram obrigadas a crescer para cima, e não longitudinalmente, pelo
simples motivo da falta de espaço.

102
Regionalmente neste período, Belém experienciava um boom po-
pulacional e a elite via neste ponto uma possibilidade de investimento
devido à especulação imobiliária que iniciava na cidade. Bonduki
(apud BONDUKI, 1994) afirma que a rentabilidade da locação
habitacional e o investimento imobiliário garantia uma reserva de
valor e um intenso processo de valorização. Contudo, àqueles que
não possuíam a renda suficiente para construir a casa própria, resta-
vam poucas opções de habitação no período da borracha em Belém
(República Velha em nível nacional).
Morar no centro da cidade significava habitar casas modernas,
que seguissem os preceitos ecléticos, os quais apenas a elite gomífera
e a emergente classe média com suas casas ecletizadas possuíam este
privilégio. Por isso, os proletários, impossibilitados de tal luxo, viam-
-se obrigados a pagar casas de aluguel, quartos em pensões ou até
mesmo morar nos fundos das casas dos patrões, ou acomodando-se
nos porões. A partir destes trabalhadores surgiram novos bairros ope-
rários, como Canudos, Reduto e Umarizal, onde a especulação ainda
não chegara, por serem considerados bairros periféricos. Contudo, a
distância para o centro afastava alguns trabalhadores da realização da
casa própria, popular, mesmo que fora dos padrões lemistas (SOA-
RES, 2008, p.196).
Por consequência, a maioria dos proletários não obtinha a segu-
rança e renda necessárias para a construção de uma casa, sendo as vilas
construídas por empreiteiros, casas aviadoras ou bancos para serem
alugadas por famílias e seus funcionários, ficando conhecidas como
moradia da classe média e baixa do início do século XX.
A construção destas casas era fácil e rentável, pois geralmente
eram pequenas, higiênicas, cômodas e dividiam uma mesma parede
comum entre as casas. Bonduki (1998, p. 203) também avalia uma
outra motivação para a construção destas vilas, não apenas as cons-
truídas de patrões para empregados, visando o aluguel, mas também

103
uma solução tipológica econômica de uma classe mais emergente para
morar no centro da cidade, onde já se enfrentava as consequências
da especulação.
Portanto, pode-se afirmar que, no início do século XX em Belém,
existiam dois modelos de vilas: as vilas para trabalhadores e as vilas
ecléticas. A primeira seguia o modelo para aluguel e a segunda é um
modelo não totalmente aceito pelo principal idealizador da capital
paraense moderna do início do século XX, o intendente Antônio
Lemos, mas ainda assim difundido e explorado por uma classe média
que almejava o modo burguês de se morar, dentro das suas próprias
condições financeiras.
Estas vilas da classe média se tornam mais aceitas pela intendên-
cia municipal devido às premissas ecléticas respeitadas e a qualidade
projetual do espaço interno, que já seguia as inovações propostas
para a casa moderna. Segundo Soares (2008), os moradores desta
segunda modalidade de vila buscavam denotar “maior estratificação
social, o que, na prática, significou a introdução de novos hábitos
modernos dentro da casa, mas em especial no melhor tratamento
estético das fachadas”.
Este padrão habitacional perdurou ainda por décadas, sendo
muitas residências dobradas construídas durante toda a primeira
metade do século XX, adotando pequenas alterações em sua planta
e nos perfis estéticos das fachadas, até assumir formas geometrizantes
e platibandas em concreto com claras linhas modernistas. Mantendo
como paradigma a geminação, estes conjuntos mantiveram modos
de vida e de interação entre vizinhos que aos poucos vai se tornando
incompatível com os hábitos da sociedade de finais do século XX.
A partir destas imagens percebeu-se que a arquitetura não é feita
apenas para pessoas, mas também feita de pessoas. A cada nova gera-
ção que adentra as residências da vila, que as experienciam, as vivem,
sempre acarretam mudanças às casas. Revestimentos são substituídos

104
devido ao desejo ou à necessidade, ambientes tem suas funções ori-
ginais alteradas: a antiga sala de estar, é agora o ateliê de costura da
Sra. Socorro, ou então, a edícula da casa 674 funciona, atualmente,
como um ateliê de artes ou um laboratório experimental. Nota-se
que mesmo um patrimônio cultural, uma casa antiga que resistiu à
passagem do tempo, na verdade, se transformou. Mesmo que a edifi-
cação ainda esteja firme, com suas estacas e fundações presas ao chão,
a arquitetura se mudou, transfigurou-se. A cada nova geração, uma
nova vivência arquitetônica. Uma nova casa. Uma nova arquitetura.
A mesma construção.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Felipe Moreira. A linguagem Arquitetônica Tradi-


cionalista: Estudo das residências neocoloniais no bairro de Nazaré,
em Belém do Pará (1910-1940). 2015. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.

BENJAMIN, Walter. Escavar e recordar. Obras Escolhidas II. Rua


de Mão Única. São Paulo: Brasiliense, 1987.

BONDUKI, Nabil Georges. Origens da Habitação Social no Bra-


sil. Análise Social, v. 29, n. 127, p. 711-732, 1994.

CAL, Carmen Lúcia. Esboço da Evolução da Arquitetura Residencial


em Belém, na Primeira Metade do Século. Revista do Tecnológico,
v. 2, p. 64-83, jan./jun. 1989.

CANCELA, Cristina Donza. Casamento e relações familiares na


economia da borracha (Belém - 1870-1912). 2006. Tese (Doutorado

105
em História Econômica) - Departamento de História da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2006.

CORREIA, Telma de Barros. Art déco e indústria: Brasil, décadas


de 1930 e 1940. Anais do Museu Paulista, v. 16. n. 2, p. 47-104.,
jul./dez. 2008.

CRUZ, Ernesto. As edificações de Belém 1783-1911. Belém: Con-


selho Estadual de Cultura, 1971.

DERENJI, Jorge (coord.). Levantamento e estudos de vilas em


Belém. Projeto PróMemória/SPHAN, Belém, vol. I, set./dez. 1984.

______. CHAVES, Celma; MONTEIRO, Ana Cláudia. Levanta-


mento e estudos de Vilas em Belém. Belém, dez 1997.

FRASCARI, Marco. O detalhe narrativo. In: NESBITT, Kate (org).


Uma nova agenda para a Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

GAGNEBIN, Jeanne-Marie. Walter Benjamin – os cacos da história.


São Paulo, Brasiliense, 1993. (Coleção Tudo é História)

GREGOTTI, Vittorio. O exercício do detalhe. In: NESBITT, Kate


(org). Uma nova agenda para a Arquitetura. São Paulo: Cosac
Naify, 2008.

LAUDAU, Sarah Bradford. The Row Houses of New York’s West


Side. Journal of the Society of Architectural Historians, v. 34, n.
1, p. 19-36, mar. 1975.

106
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento In: História e
Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. p. 525-541.

MATOS, Ana Léa Nassar. José Sidrim (1881 – 1969): Um capítulo


da biografia de Belém. 2017. Tese (Doutorado em História Social da
Amazônia) – Faculdade de História, Universidade Federal do Pará,
Belém, 2017.

MOTA, Nelson Jorge Amorim. A arquitectura do quotidiano:


público e privado no espaço doméstico da burguesia portuense nos
finais do século XIX. 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010.

NASCIMENTO, Bianca Barbosa do. Reabilitação do Chalé 522 da


Avenida Nazaré: proposta de um anteprojeto arquitetônico destinado
ao Programa de Pós-graduação em Antropologia e Arqueologia
(PPGA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). 2017. Trabalho
de conclusão de Curso (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo)
– Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do
Pará, Belém, 2017.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil.


São Paulo: Perspectiva, 1995.

SEQUEIRA, Alexandre Romariz. Residência São Jerônimo: entre o


acontecimento, a memória e a narrativa. Tese (Doutorado em Artes)
– Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, 2020.

SOARES, Karol Gillet. As formas de morar na Belém da Belle-


Époque (1870-1910). 2008. Dissertação (Mestrado em História
Social da Amazônia) – Faculdade de História, Universidade Federal
do Pará, Belém, 2008.

107
ESTUDO DAS FACHADAS NEOCOLONIAIS EM BELÉM:
linguagem arquitetônica tradicionalista no bairro de Nazaré

Felipe Moreira Azevedo


Cybelle Salvador Miranda

1. A LINGUAGEM NEOCOLONIAL NO BAIRRO DE NAZARÉ

A arquitetura Neocolonial na cidade de Belém se desenvolveu,


assim como em grande parte do Brasil, tanto na arquitetura oficial
(institucional) - fora adotada como linguagem em escolas, postos de
saúde, mercados, bem como em prédios administrativos e residências
militares, quanto na arquitetura privada, em residências unifamiliares
e multifamiliares (AZEVEDO, 2015). Para este trabalho optou-se por
abordar a arquitetura Neocolonial civil residencial, devido à quanti-
dade significativa de exemplares existentes nesta cidade.
Com a 1ª Guerra Mundial, em 1914, dificulta-se a importação
de materiais de construção europeus que o ecletismo consumia, logo,
se recorreu à importação de produtos dos Estados Unidos (REIS
FILHO, 2011). Devido à precariedade dos materiais disponíveis, as
construções passaram a simplificar os telhados, adotando os beirais
desimpedidos que, aliado aos novos modos de ocupação dos lotes,
com recuos e afastamentos, exigidos pela prefeitura para os novos
arruamentos30, acabaram por facilitar a execução e manutenção das
casas.
30 Citamos o Código de Polícia Municipal de 1901, instituído pelo Intendente
Antônio José de Lemos.

108
Nota-se que, na década de 20, do século XX, algumas casas passam
a empregar largos beirais com cachorros, frontões curvos das igrejas
do século XVIII, vergas de arcos abatidos, dentre outros elementos
característicos da arquitetura ibérica (AZEVEDO, 2015). E a partir de
1924, os intelectuais brasileiros simpatizantes do ideário modernista
passaram a propalar como questão primordial a elaboração de uma
“cultura nacional”, pois “só atingiremos o universal passando pelo
nacional” (MORAES, 1978). Em Belém, esta linguagem é adotada
pelos construtores da época a partir da cópia de catálogos (revistas)
e desenvolve-se na forma de moradia muito comum neste momento
chamada de bangalô31.
Percebendo a variedade desta estética em Belém, delimitamo-nos
a abordar o estudo das residências neocoloniais no bairro de Nazaré,
cuja paisagem é composta por diversos tipos e composições deco-
rativas. As residências neocoloniais oscilam entre a complexidade
quanto à distribuição dos ambientes em planta, à volumetria e ao
repertório decorativo e os exemplares simplificados no desenho de
planta e volumetria (AZEVEDO, 2015).
Neste estudo identificou-se que os edifícios residenciais enqua-
drados nesta linguagem podem ser segregados em três categorias:
com influência da arquitetura vernácula portuguesa, a qual se deno-
mina Neocolonial luso-brasileiro; com referência ao Mission Style32, o
31 Bangalô: Casa de porte médio e no máximo dois pavimentos,
provida comumente de alpendre e pequeno jardim, caracterizada por seu
aspecto rústico e sua implantação em áreas predominantemente residenciais
da cidade. Tem sua origem nas construções feitas pelos colonizadores ingleses
na Índia para sua residência. Caracterizava-se pela presença de alpendre
que circundava pelo menos três das quatro paredes externas da edificação.
Predominou na arquitetura brasileira, sobretudo nas décadas de 30 e 40
(ALBERNAZ; LIMA, 1998, p. 82).
32 Mission Style: Estilo arquitetônico adotado, sobretudo nos anos 20 e 30 que associava
as formas hispânicas às do neocolonial brasileiro. Permitiam suprir de elementos decorativos
as edificações em estilo neocolonial, escassos na arquitetura civil colonial brasileira. Seus traços
característicos são maciças arcadas em arco pleno, colunas torsas e reboco grosso com desenhos

109
Neocolonial hispânico-americano, identificado nas casas conhecidas
como bolos de confeiteiro33, bolo confeitado ou bolos de noiva, com
mistura de elementos mouriscos, manuelinos, barrocos e outros; e
os que relembram as habitações econômicas34, apresentando menores
dimensões e programa menos complexo.
Sabe-se que, em Belém, os responsáveis pelo projeto e construção
da maioria das habitações no período (a primeira metade do século
XX) eram, em sua maioria, engenheiros e mestres de obras35. Durante
o século XIX, a implantação da moradia era baseada no padrão das
antigas casas brasileiras, ou seja, ocupando todo o lote (extenso em
profundidade e com largura ou testada pequena) e sendo comuns as
casas geminadas. Porém, no bairro de Nazaré, ocupado pelas antigas
Rocinhas, casas de campo dos burgueses que habitavam os bairros
antigos da Cidade e da Campina, foram sendo paulatinamente subs-
tituídas por outras tipologias ecléticas, como as casas com alpendre
lateral e os chalés (CAL, 1989).
Atenta-se também a relação entre estética e política na arquitetura
neocolonial referente a ideologia populista, típica da Era Vargas e da
Intendência de Magalhães Barata, no Pará. Assim, a partir da primeira
metade do século XX, em especial na década de 30, haverá prédios
públicos, escolas e casas particulares erigidos adotando o Neocolonial
como linguagem arquitetônica, com composição de elementos ma-
nuelinos, barrocos, mouriscos, que afirmam influências ideológicas
variadas, como as raízes portuguesas no Brasil (BORGES, 1998).
Por esta percepção, portanto, optou-se por designar o Neocolonial
como linguagem, pois aquele termo representa uma arquitetura onde
informais lembrando vagamente a decoração árabe (ALBERNAZ; LIMA, 1998, p. 391).
33 O Bolo de Confeiteiro é uma designação popular atribuída às residências Neoco-
loniais com textura na parede externa pintadas em branco, por sua semelhança com um bolo
com glacê.
34 Ver A Casa, 1929, n. 59, p. 22-23.
35 Ver MIRANDA, Cybelle Salvador, CARVALHO, Ronaldo Marques de; TUTYIA,
Dinah. Uma Formação em Curso: esboços da graduação em Arquitetura e Urbanismo. Belém:
UFPA, 2015.

110
há a unificação entre dois pensamentos: é vertente ou movimento,
devido ter uma ideologia bastante consistente e alicerçada através de
valores e defensores; mas, também, é estilo, pois utiliza elementos,
partes de outras arquiteturas, principalmente o mourisco, o manue-
lino e o barroco de influência portuguesa (D’ALAMBERT, 2003;
AZEVEDO, 2015).
A ideia de linguagem arquitetônica também pode ser confirmada
a partir de outro registro que é a memória, ou seja, o homem. Ricardo
Severo e José Mariano Filho, por exemplo, pretendiam marcar na
memória da sociedade brasileira as tradições – lusas, no caso daquele,
e do colonial brasileiro, no caso deste – que estariam, segundo eles,
ameaçadas pela abertura ao ecletismo. Logo, a concepção de uma
arquitetura ‘autêntica’ almejava mostrar a essência do que para eles
era a arquitetura brasileira, para que a psyché coletiva e individual
pudesse reconhecer, através dos exercícios de memória (ASSMANN,
2011), o passado arquitetônico brasileiro.

2. ESTADO DA ARTE SOBRE A ARQUITETURA


NEOCOLONIAL

A arquitetura Neocolonial no Brasil, embora seja ideologicamente


relacionada com a identidade luso-brasileira, não é a representação
fiel deste ideário. José Mariano Filho aponta como um dos fatores
que contribuem para esta disparidade a falta de pesquisa acerca da
arquitetura colonial, o que teria resultado em uma produção assaz
fantasiosa (BANDEIRA, 2008). E sobre esta diversidade estética do
Neocolonial, em Belém por exemplo, assinala-se a necessidade de
diferenciação das famílias que os adotava como símbolo de distinção,
possuindo elementos como brasões e azulejos com imagens de santos
católicos, associados à tradição portuguesa.
Ricardo Severo, engenheiro português que chega a São Paulo em

111
1891, foi um dos idealizadores desta linguagem no Brasil, em conco-
mitância com a militância de Raul Lino pela casa portuguesa (LINO,
1933). Em 1914, Severo profere a conferência “A Arte Tradicional
no Brasil: a casa e o templo” na Sociedade de Cultura artística de São
Paulo, na qual destaca a importância de compreender a arquitetura e a
arte tradicional, assim como seus fundamentos étnicos e históricos, a
fim de constituir uma arte genuinamente brasileira (KESSEL, 2002).
Associa-se também a essa ideia José Mariano Filho, enfatizando
a necessidade da preservação do patrimônio arquitetônico brasileiro.
Logo, como uma de suas ações fora propor a implantação do estudo
da arquitetura colonial brasileira como disciplina na antiga Escola
Nacional de Belas Artes (ENBA), a fim de difundir o conhecimento
sobre o que para ele seria a base da estética Neocolonial (BANDEI-
RA, 2008).
Através da Tese de Mascaro (2008) percebeu-se, também, que
esta linguagem é caracterizada pelo pragmatismo de seus projetis-
tas, notando-se que “desde muito cedo houve uma diferença entre
o neocolonial e a prática arquitetônica fruto dele” (MASCARO,
2008, p. 167). Em Belém, a arquitetura residencial representa muito
essa diferença, adotando traços rememorativos da tradição ibérica,
sem preocupar-se em empregar estruturas compositivas restritas que
simbolizassem um único estilo, influenciadas por veículos de comu-
nicação, como as Revistas, voltadas ao gosto dos proprietários e aos
padrões de bangalô e chalé preexistentes na cidade.
Como um modismo que agradou a diversos estratos da sociedade,
o Neocolonial, portanto, pode ser identificado em vários níveis de
complexidade formal, simbolizando um ideal de “modernidade”. A
recriação de modelos e motivos decorativos pelos mestres de obras e
engenheiros mesclava a ideologia nacionalista com repertórios pre-
sentes nas revistas (a exemplo da “A Casa” e “Mi Casita”) (AZEVE-
DO, 2015). Comprovando-se, portanto, que a ideologia professada

112
por Ricardo Severo e Raul Lino repercutiu em Belém na forma de
repertório estético, pouco considerando as questões de tradição e
identidade nacional que a ideologia preconizava.

3. GRAMÁTICA COMPOSITIVA E MORFOLÓGICA DA


ARQUITETURA NEOCOLONIAL NO BAIRRO DE NAZARÉ

Partindo do explanado anteriormente, como método de com-
preensão do sítio estudado, associando arquitetura à sua inserção
urbana e a relação com a sociedade, a Etnografia de Rua (ROCHA;
ECKERT, 2001) foi a guia para, através de percursos predefinidos,
identificar os exemplares da linguagem em sua situação atual. Fo-
ram adotadas como estratégias o caminhar sem anotação e o uso de
Câmera fotográfica.
Já em outras incursões optou-se por instrumentos de apoio como
a prancheta para desenho e anotações. Portanto, experienciar a cidade
através da etnografia de rua permitiu a interação entre o pesquisador/
observador e o indivíduo que se encontra, bem como com os objetos
físicos de estudo em seu contexto urbano, capturado em imagens a
serem analisadas e classificadas (ROCHA; ECKERT, 2001).
Os roteiros permitiram visualizar os exemplares em conjunto
com outros edifícios de diferentes épocas e linguagens, de modo a
percebê-los não como elementos isolados, mas como parte da paisa-
gem do bairro de Nazaré. Dialogando com o espaço e o tempo, este
responsável pelas adaptações das formas e espaços a novas necessi-
dades, o que muitas vezes conflita com a preservação da coerência
estética das residências estudadas.
Para a realização do levantamento das edificações Neocoloniais
existentes, foram realizadas cinco incursões, nas quais detectou-se a
presença de 104 edificações, classificadas como: 45 casas do tipo ban-
galô, 34 casas econômicas e/ou geminadas e 25 casas com tipologias

113
que remetem ao Mission Style, chegando a uma proporção aproxi-
mada de 5:7:9 por grupo.
Ao realizar esta amostragem estratificada optou-se por cerca de
20% do número total de residências para este capítulo, respeitando
a proporção encontrada, o que levou a um total de 21 edificações,
sendo 5 Mission Style (figura 1), 7 casas econômicas/geminadas (figura
2) e 9 bangalôs (figura 3) distribuídos ao longo do bairro de Nazaré.
Figura 1 - Mapa com as edificações mission style.

Fonte: Felipe Moreira Azevedo, 2015.

114
Figura 2 - Mapa com as edificações geminadas/econômicas

Fonte: Felipe Moreira Azevedo. 2015.

Figura 3: Mapa com as edificações bangalô

Fonte: Felipe Moreira Azevedo. 2015.

115
Em Belém, a arquitetura Neocolonial apresenta uma interação
com novos materiais e técnicas, bem como com a composição dos
ambientes, adotando método de modulação por quadrículas. A adap-
tação dos diversos tipos36 geravam tipologias37, coexistindo estilos
diferentes através do historicismo arquitetônico. Nos anos 20 do
século XX, tem-se como exemplar de destaque a Residência do Sr.
José Leite Chermont, nº 871, construída em 1925 pelo proprietário
rural, filho do Senador Bento Chermont e irmão do Governador Justo
Chermont, família de relevo na administração pública do Estado do
Pará38, com projeto do Arquiteto José Sidrim.
A antiga moradia apresenta implantação no terreno seguindo
padrões já adotados desde o ecletismo, como a presença de recuo
frontal ocupado por jardim e afastamentos laterais. Ressalta-se na
fachada elementos do Mission style como a fonte e a escadaria com
guarda-corpo ornado com volutas, além de outros detalhes do barroco
português: o frontão mistilíneo e a cobertura em telha de capa e canal
com presença de rabos de andorinha nos vértices, além de pináculos
e cobogós (figuras 4, 5 e 6).

36 Para Quatremère de Quincy: “A palavra ‘tipo’ não representa tanto a imagem de


uma coisa a ser copiada ou imitada perfeitamente quanto a ideia de um elemento que deve
ele mesmo servir de regra ao modelo (...). O modelo, entendido segundo a concepção prática
da arte, é um objeto que deve se repetir tal qual é; o tipo é, pelo contrário, um objeto segundo
o qual qualquer pessoa pode conceber obras que não assemelharão nada entre si. (...) (apud
ARGAN, 2004, p. 66).
37 “A tipologia organiza a série de ideias abstratas, significando uma concepção
concreta da evolução e organização dos signos.” (FEFERMAN, 2009, p. 52-53).
38 Ofício Nº 00144/93 do Instituto do Desenvolvimento Econômico- Social do
Pará (IDESP).

116
Figuras 4, 5 e 6 - Cobogó, frontão mistilíneo e fonte na antiga Residência do Sr. José Leite
Chermont, hoje sede do Centro Integrado de Governo (CIG), respectivamente

Fotos: Bianca Barbosa. 2014.


Nas composições de fachadas Neocoloniais no bairro de Nazaré
as influências dos padrões luso-brasileiro e hispânico-americano se
fazem notar, geralmente associados na mesma edificação. Dentre as
características mais marcantes tem-se a aplicação da texturização nas
paredes externas, com a intenção de conferir aspecto de rusticidade à
edificação, remetendo a uma apropriação da arquitetura mexicana39.
39 Ver RODRIGUES, Eduardo de Jesus. As Fachadas na Arquitetura Paulistana:
O Estilo Missões. 1985. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985.

117
Ao analisar as fachadas neocoloniais do bairro de Nazaré identi-
ficou-se, também, variedades de técnicas e padrões de textura rústica
pois, além da textura chapiscada40 – a mais usual – há técnicas que
lembram o esgrafito, texturização com ligeiros sulcos (figura 7), ge-
rando um desenho de disco nervurado; e o de caráter irregular, cuja
aplicação lembra a retirada de parte da argamassa a partir de um objeto
de formato retangular, em sentido diagonal ou horizontal (figuras
8, 9 e 10). As texturas recebem pintura, predominantemente na cor
branca – considerada a cor da arquitetura Neocolonial em Belém.
Figuras 7, 8, 9 e 10 - Representação de texturização rústica encontrado nas residências nº
1049 e nº 1716, respectivamente.

Fotos: Bianca Barbosa. 2014.

Em atenção aos elementos estético-funcionais foram analisados 23


exemplares no bairro de Nazaré. Desses: as torres são encontradas em
3 edificações, sendo 2 circulares e 1 facetada/prismática, característica
da influência hispânico-americana. A torre destaca a verticalidade,

40 Chapiscado: Acabamento rústico feito com argamassa de cimento e areia atirado


com colher de pedreiro através de uma peneira ou aplicado com máquina própria. (ALBER-
NAZ; LIMA, 1998, p. 144).

118
abrigando ambientes de caráter íntimo como escritórios conforme
visto na planta do CIG, nº 871, porém o uso mais comum é como
caixa de escadas internas como na atual sede do CREA-PA (figura 13).
Figura 11 - Torre circular na Sede do CREA – PA

Foto: Felipe Moreira Azevedo, 2014.


As colunas também são marcas da linguagem, tanto pela estética
luso-brasileira quanto pela hispânico-americana, identificadas em 8
edificações na composição de sacadas e varandas. Basicamente têm-se
dois tipos de colunas: as da ordem toscana41, encontradas em quatro
edificações, como a localizada na Travessa 14 de Março nº 1716 (fi-
gura 12) que possui duas colunas em ordem toscana na sua varanda,
organizadas em base, fuste e capitel, e as do tipo torsa42 ou torcidas,
presentes em quatro edificações, a exemplo da varanda da residência
localizada na Travessa Doutor Moraes nº 79 (figura 13). Atenta-se
para a adoção da coluna torsa tanto no mission style quanto como
referência ao estilo manuelino de Portugal.

41 Coluna toscana: pertencente à ordem toscana caracterizada pelo capitel asseme-


lhado com o capitel da coluna dórica. Tem capitel formado por um ábaco retangular e por
um equino. Diferentemente da coluna dórica, possui base e seu fuste é liso, sem caneluras.
Foi usada em edifícios coloniais e neocoloniais. (ALBERNAZ; LIMA, 1998, p. 165).
42 Coluna torsa: coluna cujo fuste possui forma helicoidal. É característica dos prédios
em estilo missões, construídos durante as décadas de 20 e 30. Foi muito usada nos retábulos
de antigas igrejas coloniais. (ALBERNAZ; LIMA, 1998, p. 165).

119
Figuras 12 e 13 - Presença de Coluna Toscana, casa nº 1716, e Torsa, casa nº 79

Fotos: Bianca Barbosa. 2014.

120
Com destaque, ainda, para o elemento coluna, existe, em algumas
edificações Neocoloniais do bairro de Nazaré, em alternativa às peças
em argamassa, o uso de esteios em seis das 21 edificações analisadas.
Estas peças de madeira ou de alvenaria em formato de paralelepípe-
do são adotadas na composição de sacadas e varandas, assim como
próximas às esquadrias, com acabamento envernizado ou pintadas,
basicamente, nas cores branco ou azul, a exemplo da Vila Militar
localizada na Avenida Governador José Malcher, nº 737, que possui
esteios de madeira nas varandas (figura 14). Este elemento auxilia
na confirmação da ideia sobre a singularidade que cada arquitetura
possui em um determinado local, pois a adoção deste elemento remete
a arquitetura vernácula regional, não se repetindo na arquitetura
Neocolonial das demais regiões do Brasil (figura 15).
Figuras 14 e 15 - Presença de esteios na arquitetura Neocolonial no bairro de Nazaré e exemplo
de edificação vernacular no bairro do Guamá

Fotos: Felipe Moreira Azevedo. 2014.

Outros elementos que remetem ao barroco português são notados,


como o cunhal43 localizado em 4 exemplares, no nº 42 da Passagem
Ramos (figura 16), bem como os azulejos44, que estão presentes em
5 edificações Neocoloniais. As cores predominantes destes são o azul

43 Cunhal: Faixa vertical saliente nas extremidades de paredes ou muros externos do


edifício. Em geral abrange da base ao coroamento da construção (ALBERNAZ; LIMA, 1998,
p. 193).
44 Ver AMARAL, Helena Carmem. Azulejaria Portuguesa em Belém (PA): História,
Estética e Significado. 2002. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Educação
Artística) –Centro de Ciências Exatas e Naturais e Tecnologia, Universidade da Amazônia,
Belém, 2002.

121
real, o amarelo e o branco, em relevo ou liso, localizados em diferentes
partes das fachadas como: em detalhes na parede externa ou postos
no guarda-corpo de sacadas e varandas e no centro de frontões ou
em fontes. Destacam-se os azulejos de registro com imagem alusiva a
Nossa Senhora no Laboratório Guadalupe (figura 17) e a placa azulejar
de identificação localizada na entrada da Vila Alda Maria (figura 18).
Figura 16 - Presença de cunhal na arquitetura Neocolonial em Belém

Foto: Bianca Barbosa. 2014.


Em 14 exemplares Neocoloniais encontram-se arcos e arcadas,
com representações e medidas variadas, possuindo ou não detalhes
decorativos como pedra, simulações de alvenaria rústica ou azulejo. A
maioria fica localizada na fachada principal das edificações, compon-
do portadas de entrada ou aberturas nas varandas, como na fachada
principal da edificação nº 1716, na Travessa 14 de Março (figura 19),
e na arcada que compõe a fachada do Laboratório Guadalupe (figura
20), na Avenida Alcindo Cacela.

122
Figuras 17 a 20 - Presença de azulejos e arcos nas fachadas Neocoloniais

Fotos: Bianca Barbosa. 2014.

Em termos de embasamento levantou-se, nos 21 exemplares,


quatro tipos: os com aplicação em pedra em 6 edificações; a textura
chapiscada foi encontrada em 6 exemplares, bem como dois exem-
plares com padrão liso e 4 edificações com embasamento revestido
em cerâmica tipo São Caetano (Figuras 21 a 23).

123
Figuras 21 a 23 - Tipos de Embasamentos nas fachadas Neocoloniais

Fotos: Bianca Barbosa. 2014.

Quanto às técnicas decorativas encontradas, tem-se: o cimento


imitando pedra, localizado em 7 modelos, na maioria, compondo os
detalhes de arcos e arcadas, como na Residência nº 103 na Passagem
Joaquim Nabuco (figura 24), ou sendo aplicado como textura em
parte de paredes externas e no embasamento de muros; os elementos
em ferro, utilizado na Residência nº 1625 (figura 25); e outros deta-
lhes como molduras em janelas e arcos, cártulas, medalhões, brasões,
azulejos e formas geométricas em gesso.
Figuras 24 e 25 - Tipos de técnicas decorativas nas fachadas Neocoloniais.

Fotos: Bianca Barbosa. 2014.

124
Os pináculos, identificados em 8 exemplares, estão presentes
ladeando o frontão, a exemplo da atual sede do Centro Integrado de
Governo (figura 26); e no ponto central das coberturas. O frontão
curvilíneo, existente em 28 edificações, a exemplo do localizado na
Residência nº 123, na Passagem Joaquim Nabuco (figura 27), geral-
mente está posto na fachada principal, sendo ornados por volutas,
telhas, molduras ou azulejos.
Figuras 26 e 27 - Tipos de pináculos e frontões nas fachadas das edificações Neocoloniais

Fotos: Bianca Barbosa. 2014.

Com relação à cobertura, nota-se a maior liberdade de composi-


ção de telhados, caracterizada, em 9 edificações, principalmente pela
variação de pés-direitos, bem como a adoção de cimalhas de janelas
arrematadas com telhas, a exemplo do CREA-PA, (figura 28). Quanto
ao tipo de telha empregada, majoritariamente encontra-se a do tipo
capa e canal, presente em 19 das edificações levantadas, relacionan-
do-se, principalmente, com a vertente Neocolonial luso-brasileira;
e o elemento denominado rabo de andorinha/ pomba/ pluma fora

125
localizado nos vértices das coberturas, assim como na composição
de telhados, presentes em 11 exemplares.
Figura 28 – Cimalha com telhas como proteção de aberturas

Foto: Bianca Barbosa. 2014.


Os cachorros ou cachorrada45 na arquitetura Neocolonial no
bairro de Nazaré estão presentes em 7 edificações, com dois tipos de
composição: encontrados abaixo dos beirais, sacadas e varandas ou
trabalhados como elementos decorativos nas fachadas, a exemplo
tem-se o nº 1049 na Avenida Governador José Malcher (figura 29)
apresentando cachorrada abaixo da sacada.
Figura 29 - Exemplos de cachorros nas edificações Neocoloniais no bairro de Nazaré

Foto: Bianca Barbosa. 2014.


45 Cachorro ou cachorrada: Peça de madeira em balanço apoiada no frechal para
sustentar o beiral do telhado. Muitas vezes fica aparente no beiral, sendo então frequentemente
recortado, constituindo-se também em elemento decorativo. Às vezes é usado simplesmente
como ornamentação. É também chamado consolo (ALBERNAZ; LIMA, 1998, p. 104-105).

126
As sacadas46 e varandas47 são elementos que compõem a morfo-
logia das edificações Neocoloniais, sendo a primeira presente em 4
edificações e a segunda em 19 exemplares; caracterizam-se por possuir
guarda-corpo trabalhado em variados materiais como azulejos, gradil
decorado, elementos vazados, balaústres em madeira ou concreto ou
em alvenaria sem ornamentação. Temos exemplos de sacada com
falsos balaústres em madeira (balaústres planos) na Sede do CREA-
-PA (figura 30) e varanda com vedação em gradil decorado como na
Travessa Doutor Moraes, nº 294 (figura 31).
Figuras 30 e 31: Exemplos de sacada e varanda

Fotos: Bianca Barbosa. 2014.


46 Sacada: Atribuição dada ao elemento que forma uma saliência no paramento da
parede. Por extensão, bacia dos balcões quando em balanço (ALBERNAZ; LIMA, 1998, p.
554).
47 Varanda: Ambiente com guarda-corpo em geral vazado, formado por gradeamento
as janelas rasgadas e janelas-púlpito. Coberta por telhado independente do telhado principal
do edifício (ALBERNAZ; LIMA, 1998, p. 649).

127
Como elemento que demarca a privacidade do lote, o muro é
adotado em todas as residências estudadas, nas versões em alvenaria
lisa ou texturizada (chapiscados, em pedra, cimento imitando pedra,
tijolo, azulejo ou cerâmico), ou divididos em partes com alvenaria
e outros em gradis trabalhados, balaustradas ou elementos vazados;
os muros onde se pode detectar presença de elementos originais do
neocolonial são baixos ou médios: na Residência nº 103, da Passagem
Joaquim Nabuco o muro é baixo, com embasamento em pedra rústica
e parte superior em alvenaria pintada em amarelo com presença de
gradil trabalhado (figura 32).
Figura 32 - Exemplo de muro

Foto: Felipe Moreira Azevedo. 2014.

4. MATRIZES E PECULIARIDADES DAS CASAS


NEOCOLONIAIS EM BELÉM

Embora, em Belém, o processo de descaracterização de edifica-


ções Neocoloniais seja acentuado, com este levantamento pode-se
realizar um estudo dos elementos estético-funcionais, assim como
da volumetria das edificações, organizando-as em tipos e tipologias.
Atentou-se, também, em verificar a atual função destas edificações,
pois sabe-se que a maioria fora construída para servir como residên-
cias unifamiliares, à exceção do antigo Edifício Pérola, atual sede do
CREA-PA, erguido como edificação multifamiliar.

128
Assim, dos 21 exemplares estudados: 8 ainda cumprem função
de moradia, como as residências pertencentes às Vilas militares; 6 são
utilizadas com fins comerciais ou de serviço – destaca-se estas, pois
são as que possuem o maior número de intervenções de adaptação;
uma com função mista (serviço/comércio e moradia), cito o Salão de
Beleza na Passagem Joaquim Nabuco; e 6 são prédios institucionais
(Sindicato, Conselho profissional, Repartições governamentais e pólo
de Universidade).
Outra constatação decorrente do levantamento da gramática e da
morfologia da arquitetura Neocolonial no bairro de Nazaré é a relação
entre o aspecto das edificações e os desenhos veiculados nas revistas
da época. Seja portuguesa, da América do Norte, latino-americana
ou brasileira, nota-se que, tanto na concepção volumétrica quanto
no emprego dos elementos estético-funcionais, há assimilação de
padrões, afirmando a importância destas como propagadoras de ideias
e modelos arquitetônicos, em Belém e em outros Estados brasileiros.
Destacam-se padrões como arcadas na fachada principal, presença
de sacadas e varandas, adoção de colunas e molduras nas esquadrias,
bem como o emprego de elementos decorativos como os detalhes em
alvenaria rústica encontradas em arcos; azulejos, cunhal, pináculo,
frontão curvilíneo, além de guarda-corpo com elementos vazados.
Tais composições, em certos exemplares, demonstram a adoção de
desenhos encontrados nos catálogos de revistas de época, que eram
adquiridas pelas famílias, muitas delas abastadas, as quais os cons-
trutores (mestres de obras e engenheiros) utilizavam como base para
a construção das residências (figuras 33 e 34).
Porém, mesmo recebendo esta influência, o Neocolonial Paraense
apresenta ligeiras peculiaridades, pois há em cada lugar uma forma
específica de aplicá-lo, baseada na cultura local. Como integrante da
Cultura material de um povo, a Arquitetura forma-se pela tradução
e adaptação de elementos exógenos a soluções e técnicas endógenas,

129
e a necessidades climáticas e funcionais específicas. Percebe-se estas
peculiaridades pela preferência pelos beirais que protegem as pare-
des das chuvas, arrematados nos vértices com rabo de andorinha,
a textura nas paredes externas, o uso da cor branca e a presença de
esteios (madeira ou alvenaria), em alguns exemplares, substituindo
as colunas (torsas ou toscanas).
Figura 33 - Arcadas como elemento compositivo em Belém

Foto: Felipe Moreira Azevedo. 2014.

Figura 34 - Arcadas como elemento compositivo veiculado na Revista Architectura e Construções

Fonte: Architectura e Construções, maio de 1930.

130
Por fim, é flagrante o apagamento dos vestígios da Arquitetura
neocolonial em Belém, os quais não se encontram protegidos pela
legislação que trata da preservação do patrimônio cultural, o que
nos leva a pensar no valor que a sociedade atribui a estes edifícios. A
falta de conhecimento da história local, bem como a flutuação nos
padrões estéticos contemporâneos, como assinalou Rïegl (2006),
determinam o iminente desaparecimento desta linguagem, e da me-
mória a ela associada. Portanto, o estudo realizado contribui para dar
a conhecer ao público em geral, e, em especial à sociedade paraense,
as peculiaridades desta linguagem que condensa os ideais políticos,
ideológicos e estéticos da Belém da primeira metade do século XX.

REFERÊNCIAS

ARGAN, Giulio Carlo. Sobre o conceito de tipologia arquitetônica.


In: ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e destino. 1. ed. São Paulo:
Editora Ática, 2004.

ASSMANN, Aleïda. Espaços da Recordação: formas e transforma-


ções da memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.

AZEVEDO, Felipe Moreira. A Linguagem Arquitetônica Tradi-


cionalista: estudo das residências neocoloniais no bairro de Nazaré,
em Belém do Pará (1910-1940). 2015. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.

BANDEIRA, Julio. Solar de Monjope. Rio de Janeiro: Reler, 2008.

131
BORGES, Tatiana Carepa R. Os primórdios da arquitetura mo-
derna: um levantamento da arquitetura residencial de Belém no
período de 1920-50. 1998. Monografia (Graduação em Arquitetura
e Urbanismo) – Universidade da Amazônia, Belém, 1998.

CAL, Carmen Lúcia Valério. Esboço da evolução da arquitetura


residencial em Belém, na primeira metade do século. Revista do
Tecnológico, Belém, v. 2, p. 64-83, jan./jun. 1989.

D’ALAMBERT, Clara Correia. Manifestações da Arquitetura Re-


sidencial Paulistana entre as Grandes Guerras. 2003. Tese (Dou-
torado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

FEFERMAN, Milton Vitis. Caos e ordem: origens, desenvolvimentos


e sentidos do conceito de tipologia arquitetônica. In: OLIVEIRA,
Beatriz Santos de; LASSANCE, Guilherme; PEIXOTO, Gustavo
Rocha; BRONSTEIN, Laís (org). Leituras em Teoria da Arquite-
tura. Rio de Janeiro: Editora Viana & Mosley, 2009.

KESSEL, Carlos. Vanguarda Efêmera: Arquitetura Neocolonial na


Semana de Arte Moderna de 1922. Estudos Históricos, v. 2, n. 30,
p. 110-128, 2002.

LINO, Raúl. Casas Portuguesas: alguns apontamentos sobre o ar-


quitectura das casas simples. Lisboa: Edição de Valentim de Carvalho,
1933.

MASCARO, Luciana Pelaes. Difusão da Arquitetura Neocolo-


nial no Interior Paulista, 1920-1950. 2008. Tese (Doutorado em

132
Arquitetura e Urbanismo) – Escola de Engenharia de São Carlos,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

MORAES, Eduardo Jardim de. A Brasilidade Modernista: sua Di-


mensão Filosófica. Rio de Janeiro: Graal, 1978.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil.


São Paulo: Perspectiva, 2011.

RIEGL, Aloïs. O culto moderno dos monumentos – sua essência


e sua gênese. Goiânia: Editora da UCG, 2006.

ROCHA, Ana Luiza Carvalho da; ECKERT, Cornelia. Etnografia


de rua: estudo de antropologia urbana. Iluminuras, v. 4, n. 7, p.
1-22, 2003.

133
TRADUÇÃO:
VERSÃO DE UM PASSADO
S egundo o Dicionário Michaelis, tradução é a “transposição ou
versão de uma língua para outra”1. Podemos partir dessa expli-
cação para refletir sobre os trabalhos desta parte, visto que a espinha
dorsal das pesquisas dialoga com diversos aspectos - uma linguagem
ou tecnologia – da arquitetura de outrora. Os artigos demonstram
uma versão, uma transposição ou uma releitura de um tema arqui-
tetônico de um outro momento histórico. A tradição serve de aporte
para as reflexões dos autores e a partir de suas abordagens específicas,
nos colocam a diversidade do ofício do arquiteto e urbanista, que
perpassa para além da prancheta.
Em “Cidade Velha: um exercício de apreensão da imagem do
conjunto patrimonial tombado em Belém do Pará”, Dinah Tutyia
e Cybelle Miranda observam o bairro da Cidade Velha, reconheci-
do como Centro Histórico de Belém (juntamente com o bairro da
Campina), através do olhar de um grupo de alunos da graduação em
1 Definição do vocábulo disponível em: https://michaelis.uol.com.br/
moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/tradução/.

136
Arquitetura e Urbanismo da UFPA. Aquela paisagem, à qual muitos
atribuem o sentido de lócus da “arquitetura tradicional”, carrega em
suas fachadas os estratos históricos do tempo, coabitam em um con-
junto os mais diversos modelos arquitetônicos com as mais diversas
linguagens. É nesse aglomerado material que os alunos fornecem a
releitura do tecido e a contribuição para reflexão sobre atribuição de
valor aos bens patrimoniais e para estabelecimento de critérios de
intervenção em estruturas urbanas consolidadas.
O Amapá é o campo em que Guilherme Pantoja e Dinah Tutyia
realizam a apreensão dos saberes tradicionais, a partir das pesquisas
no projeto de extensão “Inventário e Proposta de Restauro e Reuso
da Casa Ana Ayres na Vila de Mazagão Velho (AP) para um Centro
de Cultura Mazaganense”, desenvolvido pelo Curso de Arquitetu-
ra e Urbanismo da Universidade Federal do Amapá, em parceria
com professores de Engenharia Civil da mesma instituição e com o
Laboratório de Memória de Patrimônio Cultural (LAMEMO) da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA.
O distrito de Mazagão Velho é conhecido historicamente como a
“cidade transposta” do Marrocos para a Amazônia, fato ocorrido no
século XVIII, durante o Período Pombalino. Recebe o reconhecimen-
to de “portadora da cultura tradicional” do Amapá, em virtude das
festividades e demais saberes imateriais que emanam daquela comu-
nidade. O passado fora marcado por edificações com características
coloniais, atreladas à tecnologia de taipa, saber fazer que vem sendo
esquecido, seja pela mudança de materiais seja pelos apagamentos
das arquiteturas remanescentes com a referida técnica. Desta forma,
Guilherme Alfaia e Dinah Tutyia propõem um projeto com linguagem
contemporânea que absorve na fonte do saber tradicional, desenvolvi-
do no capítulo “Vozes e Memória: uma Proposta Arquitetônica de um
Ponto de Memória em Tecnologia em Terra em Mazagão Velho (Ap)”.
Por sua vez, “O chalé de Antonio Lemos em três dimensões:

137
memória, criptohistória e reabilitação paisagística” de Cybelle Salvador
Miranda, Rony Helder Nogueira Cordeiro e Flavia G. Marques de
Carvalho, reestabelece o contato com a Belém do contexto do final
do século XIX e início do século XX, por meio de uma proposta de
reabilitação paisagística no jardim onde esteve edificado o antigo chalé,
em arquitetura de ferro, residência do Intendente Antônio Lemos.
O referido espaço é projetado a partir de um mergulho na sig-
nificância da memória da edificação que era emoldurada pelo ajar-
dinamento que ali existiu. Traduzem para a contemporaneidade as
referências da Belém da Belle Époque, no seu fragmento representado
pelo antigo Chalé – incendiado em 1912 por adversários políticos do
Intendente Lemos. Os autores utilizam o conceito de cripto-história
da arte, estudo de obras parcialmente ou totalmente apagadas, para
a investigação do repertório documental existente.
O lote do antigo Chalé encontra-se, hoje, ocupado pelo Insti-
tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instalado em duas
edificações ecléticas. Todavia a pesquisa, através da cripto-história,
traduziu por meio das fontes iconográficas e dos vestígios existentes
no terreno, a possível planta da residência de Antônio Lemos. Sob
o olhar patrimonial, reavivou o jardim histórico da casa, elaborando
projeto paisagístico que objetiva enfatizar os principais aspectos que
atribuem historicidade ao jardim, aliando às práticas contemporâneas
contemplativas de lazer.
Uma habitação para o trópico úmido: projeto para um terreno
estreito, de Ronaldo Carvalho, nos apresenta o processo projetual
desenvolvido na década de 80 para uma residência unifamiliar. Nesta
época alguns arquitetos locais questionavam a adoção de modelos
arquitetônicos exógenos à realidade climática de Belém. O autor
se propõe então um resgate do processo de adaptação da arquitetura
na cidade.
É, portanto, nesse retrospecto, que o autor considera que a

138
concepção projetual ecologicamente amazônica deveria se distanciar
de projetos inadaptáveis ao clima tropical, como a exemplo de algumas
edificações modernas que faziam uso de soluções ou materiais não
condizentes com o clima quente e úmido do trópico amazônico. As
inferências são feitas a partir das reflexões sobre a forma tradicional de
adaptação da arquitetura no lote estreito, característico dos traçados
coloniais, que ainda hoje encontra-se presente em parte dos bairros
que compõem o Centro Histórico de Belém e seu entorno.
Desta forma, o autor demonstra o estudo de adoção do partido
arquitetônico para um lote estreito tradicional, trazendo o diálogo
hodierno de soluções que priorizam a adequação ambiental a partir do
emprego de materiais e tecnologias locais, propondo o engajamento
por uma arquitetura amazônica do trópico úmido.
As propostas aqui expostas apresentam possibilidades de atua-
ção no campo do projeto de arquitetura, no âmbito do edifício e
da paisagem. Reforçam a importância do diálogo entre passado e
presente, ressaltando as permanências da configuração urbana como
condicionantes que precisam ser readequados face ao contexto local.
Assim, convidamos o leitor para percorrer a multiplicidade temática
deste módulo II: Tradução, que tem como fio condutor a observação
de práticas tradicionais no campo da arquitetura, urbanismo e pai-
sagismo para composição de seu embasamento reflexivo, plasmando
suas interpretações nas referidas contemporaneidades.

139
CIDADE VELHA: um exercício de apreensão da imagem do
conjunto patrimonial tombado em Belém do Pará

Dinah Reiko Tutyia


Cybelle Salvador Miranda

1. O CAMPO DE ESTUDO: ASPECTOS GERAIS SOBRE O


BAIRRO DA CIDADE VELHA

São múltiplas as questões que conjugam a prática preservacionista,


fazendo-a transitar pelo âmbito multidisciplinar do conhecimento.
Deste modo, nossa pesquisa é uma tentativa de pensar o bairro da
Cidade Velha articulando os saberes da Arquitetura com conceitos e
métodos das Ciências Sociais.
Este conjunto arquitetônico e paisagístico, tombado pela Lei
Orgânica do Município em 1990, compõe juntamente com o bairro
da Campina o Centro Histórico de Belém, núcleo que teve sua for-
mação com a fundação da cidade em 1616. Séculos após a chegada
dos colonizadores portugueses, uma nova cidade passou a se delinear
sobre as mãos de engenheiros militares, arquitetos, artífices, mestres
de ofício, artesões, brancos europeus, indígenas, negros, mestiços
que trabalharam juntos para erigir uma nova paisagem sobre outra,
pré-existente no sítio. O saber fazer e os mais variados materiais lo-
cais, ainda podem ser observados desde os edifícios monumentais às
humildes construções do bairro, criando uma paisagem que carrega
a identidade da cidade. Estes vestígios do transcorrer da história são

140
objetos à espera de leitura e interpretações sob múltiplas perspectivas
disciplinares.
Igualmente ao ocorrido em alguns Centros Históricos do Brasil,
as novas exigências econômicas e sociais, o crescimento urbano de-
sordenado, a falta de “apego” dos proprietários às edificações antigas,
a forma de atuação de órgãos públicos preservacionistas – sobretudo
nas últimas décadas do século passado – fizeram com que algumas
destas características que conferem valor patrimonial ao conjunto
fossem se perdendo:
[...] A necessidade de criação de novos espaços de morada,
trabalho, lazer e circulação traçou diretrizes próprias na ex-
pansão urbana das cidades, criando tipologias diversas ao
parcelamento do solo, implantação das edificações nos ter-
renos, alterando sobremaneira a configuração espacial dos
núcleos tombados [...] (SIMÃO, 2006, p. 38).
Estas mudanças, em um contexto mais recente, puderam ser evi-
denciadas a partir da atualização do levantamento de bens imóveis do
bairro da Cidade Velha, realizado pelo Fórum Landi2. O levantamento
foi desenvolvido em maio de 2006 durante o evento “Landi: Cida-
de Viva” pelo Escritório Público de Arquitetura sediado no Fórum
Landi e visava à identificação e avaliação das edificações quanto ao
uso do solo, linguagem arquitetônica, estado de conservação, grau de
originalidade e tipologia, além do registro fotográfico dos imóveis e a
aplicação de um questionário direto aos moradores, a fim de melhor
conhecer a relação habitante/edificação/bairro. Vale ressaltar que a
área delimitada por este levantamento não correspondia à totalidade
do bairro da Cidade Velha, mas à poligonal em preto representada
na figura 1, na qual se encontra a Rua Dr. Assis.
2 O Fórum Landi é uma organização que integra a Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da UFPA, à qual estive vinculada enquanto discente na condição de bolsista entre
os anos de 2006 a 2008. O Laboratório – tendo como mote as obras construídas na cidade
no século XVIII pelo arquiteto italiano Antonio Jose Landi – desenvolve, estimula e apoia
pesquisas multidisciplinares sobre a História da Amazônia, em seus aspectos sociais, religiosos,
artísticos, arquitetônicos, urbanísticos, científicos, econômicos e políticos. Ver http://www.
forumlandi.ufpa.br.

141
Segundo caminho aberto em Belém, a Rua Dr. Assis recebeu a
denominação inicial de Rua do Espírito Santo, como de costume à
época, em referência a um morador influente – Sebastião do Espírito
Santo Tavares. Esta designação permaneceu por dois séculos e meio,
quando passou a se chamar Rua Dr. Assis em homenagem a Joaquim
José Assis, destacado jornalista fundador de alguns periódicos na
cidade durante o final do século XIX e início do século XX (CRUZ,
1992). Hoje o logradouro é delimitado por onze faces de quadra,
mais a lateral da Catedral da Sé, local de onde parte a procissão do
Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
Figura 1: Delimitação de áreas do Centro Histórico de Belém

Fonte: CODEM, modificado por Tutyia (2010).

142
A partir dos dados obtidos naquele momento, pôde-se traçar
o perfil da Cidade Velha como um bairro onde existe predomínio
habitacional, com relativa diversidade dos demais usos, dentre eles, o
misto e o comércio, abrigados em um conjunto peculiar de imóveis,
marcados pela heterogeneidade de linguagem e tipologia arquite-
tônica. Nota-se quantidade significativa de edificações “descarac-
terizadas”3, em ambos os aspectos – linguagem e tipologia – sendo
possível constatar exemplares que vão do colonial às desfigurações
sem classificações, da monumentalidade às mais humildes habitações,
espalhadas em uma malha de vias estreitas e sinuosas, não tão bem
conservadas.
A necessidade da população local em atualizar-se e adaptar-se às
diversas solicitações da modernidade, criou e recriou o cenário hoje
presente: casas ecléticas com abertura para garagem em residências
ou para facilitar a entrada de maquinários e clientes em comércios,
dentre outras modificações. Transformações exigidas por novos pro-
gramas de necessidades, que ao longo dos anos geraram um número
de imóveis classificados como parcialmente “descaracterizados”, porém
tão importantes quantos os “originais” para a preservação do patri-
mônio edificado do lugar. Além destes, uma grande quantidade de
imóveis classificados como “totalmente descaracterizados” também
foram surgindo no tecido histórico, representando aproximadamente
47% do total de edificações analisadas, de modo que se encontravam
“sem análise” quanto à linguagem arquitetônica4 no ano de 2006
(TUTYIA, 2010).
Desta forma, houve a necessidade explorar os significados
3 Descaracterização, desfigurações são termos usados para tratar os imóveis classifi-
cados por “renovação” na Lei 7.709 - responsável pela preservação e proteção do Patrimônio
Histórico, Artístico, Ambiental e Cultural do município de Belém. A categoria “renovação”
enquadra os imóveis sem interesse à preservação, onde em seu lugar pode ser construída uma
nova edificação.
4 As linguagens arquitetônicas foram definidas pela equipe técnica do projeto, para
maiores informações ver: FÓRUM LANDI. Estudo Tipológico e Sócio-Econômico do Bairro
da Cidade Velha Belém. Belém, 2006.

143
incutidos nas transformações dessa paisagem, seguindo os indícios
das alterações dos estratos históricos a partir da pesquisa de campo
realizada. Elegemos a Rua Dr. Assis como objeto de estudo, sendo
esta um lugar emblemático do Bairro da Cidade Velha no que tange
às alterações das fachadas dos imóveis. Esta mudança na fisionomia
da Rua é uma decorrência das transformações históricas, uma vez que
esta passou a abrigar muitos comércios, os quais são, a princípio, os
maiores responsáveis pelas mudanças radicais na aparência do bairro.

2. O OLHAR DO VISITANTE: UMA EXPERIÊNCIA DE


APREENSÃO DA ARQUITETURA

É importante destacar que o locus de pesquisa, a Rua Dr. Assis,


foi explorada inicialmente pela perspectiva da etnografia de rua5 e
posteriormente, a partir das análises dos diários de campo, nos quais
emergiram alguns questionamentos, que poderiam ser aprofundados
ao avaliar o olhar e o comportamento de um grupo de estudantes de
arquitetura ante aquele ambiente. A escolha desse grupo se deu em
virtude da futura prática projetual, como profissionais, no espaço
patrimonializado, em compreender como o futuro arquiteto dotado
com os fundamentos da história da arquitetura da cidade refletiria
sobre a imagem do conjunto de arquiteturas de uma área do Bairro
da Cidade Velha. O que aqueles objetos fixados na via historicizada
“falariam” sobre suas temporalidades? O referido exercício explora-
tório apresentou respostas extremamente interessantes para se pensar
a leitura do Centro Histórico de Belém.
Em 18 de novembro de 2011 realizamos uma atividade de percep-
ção que visava a interpretação da composição das fachadas dos imóveis
de renovação situados na referida Rua. O público-alvo constituiu-se
5 O resultado completo da pesquisa consta na dissertação “Dr. Assis: um percurso
pela paisagem patrimonial transfigurada da Cidade Velha em Belém do Pará” (TUTYIA, 2013).

144
por alunos do quarto semestre do Curso de Arquitetura e Urbanismo
da FAU/UFPA, durante uma visitação ao Bairro da Cidade Velha
promovida pela Disciplina de Teoria e História da Arquitetura e do
Urbanismo (como parte das atividades de Estágio Docente6), propor-
cionando aos discentes o contato direto com o ambiente construído
ao longo da colonização portuguesa na Amazônia (Fig. 02).
Figura 2: Percurso em amarelo, com a numeração das quadras

Fonte: CODEM, modificado por Tutyia (2011).

O exercício, que fora enviado antecipadamente aos discentes por


e-mail, trazia o seguinte comando:
6 As autoras deste capítulo são a professora da disciplina e a então mestranda que
realizava a atividade de Estágio docente.

145
Ao caminhar pela Rua Dr. Assis, faça o registro fotográfico das
edificações que você acha que destoam da aparência do bairro
da Cidade Velha, e aquelas que você acredita que tenham
“uma aparência” do bairro da Cidade Velha. Após a visita,
preencher o formulário anexo, ‘colando’ as fotos na coluna
correspondente e explicando o motivo da escolha na coluna
3. O trabalho será individual, e contará para a pontuação
referente à 3ª avaliação da disciplina.

A visitação iniciou na Praça Frei Caetano Brandão, defronte ao


Forte do Castelo, onde a professora da disciplina proferiu uma breve
explanação a respeito das edificações ali presentes, no entorno da
praça, tais como o Forte do Presépio, o Colégio dos Jesuítas, a Igreja
de Santo Alexandre e a “Casa das 11 janelas”. Posteriormente nos
dirigirmos à Rua Dr. Assis, onde reforçamos como seria realizada a
atividade. Os alunos, orientados a levar a máquina fotográfica para
o registro das edificações7, foram se separando em grupos menores e
assim se aproximavam daqueles que possuíam o equipamento.
Após a visitação, obtivemos a resposta de 26 relatórios8, cujas
apreensões reunimos em eixos temáticos, escolhidos a partir das mo-
tivações que levaram as classificações para diferenciar as edificações
com aparência e sem aparência do bairro histórico: necessidades
contemporâneas, uso do solo, uso de materiais, configuração geo-
métrica de fachada, monumentalidade, camuflagem e mimetismo. É
importante reiterar que a atividade aplicada aos alunos nos ofereceu
suporte para refletir como as características da composição arquite-
tônica dos objetos construídos e modificados em um determinado
contexto sociocultural são interpretadas hoje, relacionando-as com
a historicidade deste lugar.

7 Optamos por não identificar os nomes dos alunos, bem como substituímos as fotos
dos mesmos por imagens autorizadas.
8 A utilização de excertos, todos feitos entre aspas, das justificativas dos alunos no
relatório de visita resguardará a identificação dos discentes.

146
3. NECESSIDADES CONTEMPORÂNEAS

Esse tema foi definido a partir das justificativas que tinham como
base as atuais necessidades dos usuários em relação à edificação. Um
dos aspectos recorrentes foram as adaptações para entrada de veí-
culos, que ora permitiram enquadrar o imóvel como destoante da
aparência da Cidade Velha, figura 3, ora foram considerados dentre
aqueles “que tem aparência” do bairro. Quanto ao imóvel da figura 4,
segundo uma das respostas, foi classificado como não aparentado ao
bairro pois, além da presença da garagem, tal fachada poderia ser de
qualquer bairro da cidade de Belém, devido à “contemporaneidade
comum” de sua aparência “[...] totalmente fora do contexto histórico
da Cidade Velha”. Tal justificativa reforça a hipótese de que a paisagem
da Cidade Velha está associada à complexidade histórico-estética com
data limite, criando-se assim no imaginário das pessoas uma noção
de que os imóveis devessem ser imunes ao percurso de outras “eras”,
diferindo assim da imagem hoje consolidada no bairro.
Figura 3: Imóvel que mostra o descompasso entre a presença da garagem e a fisionomia,
classificado como “possuidor da aparência” do bairro

Foto: Dinah Tutyia (2011).

147
Figura 4: Imóvel classificado como sem aparência do bairro da Cidade Velha, a garagem foi o
elemento fundamental para tal categorização

Foto: Dinah Tutyia (2011).

Além desta mudança no programa de necessidades, foram con-


sideradas destoantes as casas com afastamento frontal preenchido
por jardins, delimitado por muros ou grade de proteção e mesmo
arame farpado, bem como aquelas com pátios e varandas com espaço
útil de circulação. Nos exemplares seguintes, o discente destacou
no imóvel vermelho o guarda-corpo do terceiro pavimento, como
uma mudança dos padrões antigos (figura 5). De acordo com sua
justificativa, podemos interpretar que a nova edificação apresenta seu
guarda-corpo como uma releitura da janela balcão de outrora, embora
não possuindo a pequena área de circulação do imóvel da figura 6.

148
Figura 5: imóvel com a releitura de uma sacada de outrora

Foto: Cybelle Miranda (2011).

Figura 6: Imóvel com aparência da Cidade Velha

Foto: Cybelle Miranda (2011).

149
4. USO DO SOLO

Alguns imóveis, marcados por tipologia arquitetônica com mais


de três pavimentos, característica de prédios multifamiliares, comer-
ciais e de serviços os quais vimos despontar em Belém a partir do
início do século XX, foram enquadrados como elementos destoantes.
Alia-se esta característica à questão do uso comercial que fora associado
como algo fora do contexto da Cidade Velha, como se esta atividade
fosse um uso recente da área. Esta identificação com o uso misto
também é associada como algo extemporâneo ao espaço, pois “foge
à proposta local”, segundo um dos questionários.
Quanto a edificação da figura 7, é dito que: “[...] demonstra cla-
ramente que a Cidade Velha não possui mais as suas características.
Vários pavimentos, a presença de botecos, vendas...”; “Outra forma
de descaracterização do edifício para com seu entorno é a utilização
de seu pavimento térreo como ponto comercial, que difere do uso
domiciliar inicial do logradouro da rua Dr. Assis”. Outro trecho
atribui o não pertencimento de um imóvel ao padrão do bairro devido
à alteração da configuração original da edificação, com aberturas de
grandes vãos no pavimento inferior para uso comercial.

Figura 7: Uso multifamiliar, juntamente com comércio no pavimento inferior, características


que determinaram a classificação deste imóvel como não pertencente ao bairro

Foto: Felipe Moreira (2011).

150
5. USO DE MATERIAIS E CONFIGURAÇÃO GEOMÉTRI-
CA DE FACHADA

Os alunos viram no uso de alguns materiais uma “modernida-


de” que não fazia parte do “contexto” da Cidade Velha. Tais como
vidro temperado, esquadrias de alumínio, grades de segurança, o
uso de pinturas com cores fortes, emprego de pastilhas e caixa de
condicionador de ar foram indicadas como “desrespeitosas à arqui-
tetura original”. De acordo com algumas classificações, a presença
de azulejaria denominada como “portuguesa” em algumas fachadas,
ora marcam uma dita “arquitetura colonial”, ora a arquitetura do
período da borracha, ambas harmoniosas ao bairro.
As fachadas com configurações “mais geométricas”, “com forma
regular estática”, consideradas modernas nas justificativas dos alu-
nos, foram taxadas de “fora do contexto histórico”, e assim como
as contemporâneas foram colocadas no grupo das edificações que
destoam do bairro, seriam “edificações desestilizadas”. Agregam-se a
este conjunto os imóveis que trazem estampado em suas fachadas a
manifestação conhecida regionalmente como Raio-que-o-parta9. A
esse respeito, foi relatado como a configuração arquitetônica: “[...]
que tomou lugar na capital depois da configuração da Cidade Velha”,
ou seja, a temporalidade do bairro é limitada aos períodos colonial,
imperial e de início da República Velha. Porém, houve um relatório
discordante quanto a esta percepção do Raio-que-o-parta: um dos
alunos enquadrou uma edificação com tais características no grupo
dos imóveis que possuem aparência do bairro, uma vez que naquele
espaço havia um número significativo de edificações similares, embora
fossem apenas dois exemplares no percurso.
Outras características dos destoantes, segundo os relatórios, estão
9 Expressão arquitetônica regional marcada pela presença de desenhos geométricos em
forma de raios na fachada, geralmente as imagens são formadas por azulejos, com tonalidades
de cores diferentes, compondo um mosaico (MIRANDA; CARVALHO, 2008).

151
nas perdas de ornamentação, do ritmo, das grandes dimensões de vãos
de portas e janelas, das molduras destes vãos, do gradil trabalhado
ricamente nos guarda-corpos e bandeiras, dos frontões, das plati-
bandas e do alinhamento das fachadas. Para os discentes, a ausência
destes elementos e configurações tendem a simplificar a arquitetura,
fazendo com que a gama de imóveis classificados como sem aparência
da Cidade Velha “não traga lembrança da arquitetura portuguesa
implantada no Brasil”, ou não sejam coerentes com as “características
desejadas no bairro da Cidade Velha”.
Nota-se que a perda da complexidade dos elementos que com-
põem e ornamentam as fachadas, levaram os alunos a classificar os
imóveis como se não pertencessem à Cidade Velha. Estas observações
de uma dupla simplicidade, ora relacionada à perda do caráter anti-
go da Cidade Velha, ora remetendo a um “período original” só são
possíveis emanar em virtude da dinâmica transformadora do espaço
que consolida no tecido urbano a historicidade.

6. CAMUFLAGEM E MIMETISMO

O exemplo da figura 8 foi objeto de enquadramentos antagôni-


cos, em uma delas a edificação foi adicionada ao grupo que destoa,
devido a uma “intenção de imitar a arquitetura colonial [...] com
pouco sucesso”. O aluno relaciona esta intencionalidade ao uso do
azulejo, assim como o modelo dos vãos de janelas. Em posição oposta,
outro relatório enquadrou o mesmo imóvel como tendo aparência do
bairro, devido justamente aos azulejos, altura dos vãos, presença de
sacada com guarda corpo, conferindo assim “ares de Cidade Velha”.
Portanto, esta solução arquitetônica, de imóvel de renovação, que
tenta reproduzir a “historicidade da Rua” provocando uma percepção
paradoxal enquanto à colocação do dilema: tem aparência ou destoa
da aparência do Bairro da Cidade Velha?

152
Figura 8: Imóvel que obteve a classificação em dois grupos, demonstrando sua capacidade de
mimetismo e camuflagem no espaço em que se insere

Foto: Felipe Moreira (2011).


Em contraste, um conjunto composto por quatro unidades (figura
11) também apresentou percepção ambígua, cujas justificativas nos
levam a encará-lo como um exemplo de arquitetura ao mesmo tempo
de camuflagem e “mimetização-inversa”10. Dentre as justificativas, o
imóvel é apresentado como tendo uma arquitetura contemporânea
e, às vezes, moderna “que rejeita o estilo histórico”, porém devido
às dimensões das janelas “leva a crer que poderia ter sido um imóvel
com uma estética da época da formação da Cidade Velha”. Perce-
bemos que este conjunto provoca incerteza, confusão na percepção
dos alunos. Outras respostas ainda confirmam que é um conjunto
de casas antigas que “perdeu os traços europeus como os azulejos e
os adornos da platibanda e gradil de proteção”, ou seja, um caso de
mimetização-inversa.

10 Chaves (2008) ao abordar a arquitetura feita na cidade de Belém entre os anos 30


e 60 do século XX, faz referência à arquitetura de mimeses, uma arquitetura que incorpora e
reitera os elementos característicos de uma determinada linguagem arquitetônica, criando uma
linguagem própria. Utilizamos neste trabalho a ideia da “mimetização-inversa” para expressar
o ponto de vista de alguns alunos durante a atividade de percepção. Esta toma o sentido da
“desincorporação” de determinado vocabulário arquitetônico, da decomposição e exclusão de
certos elementos.

153
Na mesma linha de justificativa, o discente considera que o con-
junto tentou manter o ritmo das abertas e dos adornos dos vãos
– molduras – sem imitar os das antigas edificações, além disso, man-
tém o gabarito aparentemente igual de outros imóveis considerados
originais, logo, segundo o aluno, esta edificação leva a crer que já foi
um imóvel com aparência do bairro da Cidade Velha. Outro aluno
afirma que “embora estas fachadas estejam despidas de ornamenta-
ções, se manifestam como uma tentativa de harmonização com uma
arquitetura passada”.
O conjunto também pôde ser visto como uma “tentativa de dar
uma aparência ‘antiga’ a uma construção claramente recente”, ou seja,
aqui notamos a questão da camuflagem, a nova proposta arquitetô-
nica se disfarça em algo antigo e que segundo o aluno só se aponta
como recente devido ao uso de materiais como a pintura e o vidro
tipo blindex que fecha os vãos. Esta é uma solução arquitetônica que
demanda um estudo criterioso por parte dos órgãos preservacionistas,
uma vez que vem se tornando usual – em outros pontos da cidade e
em outras cidades – para fechar as “lacunas” do tecido, dialogando
com arquiteturas de período anterior.

7. DEDUÇÕES A PARTIR DO EXERCÍCIO DE PERCEPÇÃO

Este pequeno exercício de percepção foi capaz de gerar uma


profusão de interpretações, dentre as quais questionamos o sentido
desta arquitetura, “insípida”, como se referiu Venturi (1995) na época
de seu manifesto, ao criticar a arquitetura moderna. Reutilizamos
tal adjetivo como crítica à supersimplificação tipológica que tende
a ignorar a real complexidade dos programas arquitetônicos e “as
possibilidades espaciais e tecnológicas assim como a necessidade de
variedade na experiência visual” (VENTURI, 1995, p. 5). No caso
destas soluções arquitetônicas, a opção de “despir-se” do trabalho
quanto à complexidade soa aqui como uma forma mais fácil de

154
aprovação de projeto para execução, adotando a fórmula “manter o
ritmo de vãos + volumetria”. Como podemos observar nas figuras 9 e
10, de 2006, foi iniciada uma construção com grandes arcos na parte
fronteiriça, que foi substituída e no ano de 2010 já encontramos a
solução atual (figura 11).
Figura 9: Construção em andamento no conjunto que hoje se encontra com as feições da figura
11; Figura 10: Detalhe que mostra os arcos a serem construídos na fachada.

Fotos: Acervo Fórum Landi (2006).

Figura 11: Novas fachadas construídas, entre o ano de 2006 a atualidade

Foto: Dinah Tutyia (2012).

155
O imóvel da figura 12 se repetiu em muitos questionários, como
exemplo de arquitetura destoante do bairro. Alguns questionários
salientaram que o tipo de revestimento, os frisos, as colunas, os vãos
fechados com vidro, a presença da sacada e da porta de enrolar no
pavimento inferior são os elementos que destoam da aparência da
Cidade Velha.
Classificaram-na como um “ecletismo arquitetônico”, ou ainda
consideram a sua não aparência “por fazer menção a diversos estilos”
ou então “por possuir elementos decorativos típicos das residências
da Cidade Velha, como por exemplo, os frisos e as colunas que reme-
tem à antiguidade clássica”. A fusão destes elementos com materiais
contemporâneos gerou a estranheza da arquitetura, fazendo com que
ela não tivesse aparência do bairro, embora tenha feito uso, a partir
de uma releitura, de elementos que remetem uma arquitetura de
um período “mais antigo”, como as colunas, a platibanda, os frisos
referência recorrentes nas edificações da Cidade Velha.
Figura 12: Arquitetura classificada como destoante, destaque para os materiais e formas em-
pregadas na fachada

Foto: Dinah Tutyia (2011).

156
De acordo com os relatórios, adornos, cobertura escondida por
platibanda, portas e janelas alongadas, porões, gradil trabalhado,
frisos, azulejos em fachadas, são elementos que marcam a aparência
de algumas edificações da Rua Dr. Assis como pertencentes ao Bairro
da Cidade Velha, características destacadas do repertório visual dos
discentes. Independente da linguagem estética de época, algumas
justificativas se referiam à “arquitetura colonial”, “arquitetura da fun-
dação de Belém”, levando a relacionar tal aparência de pertencimento
ao passado longínquo. Esta paisagem-reflexo das referências deter-
minadas pelos órgãos de preservação compõe-se de um grupo seleto
de edificações que acabam por congelar uma paisagem imaginária de
pertencimento e outra de exclusão naquele espaço da cidade.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imersão na Rua Dr. Assis procurou o reconhecimento deste


logradouro - que se encontra dentro de um conjunto urbano tom-
bado pela instância municipal em 1990 - objetivando uma releitura
do que foi classificado como imóveis de renovação pela Lei 7.709
de 1994 - que dispõe sobre a preservação e proteção do Patrimônio
histórico, artístico, ambiental e cultural da cidade11. Refletimos que
a paisagem definida como “sem interesse à preservação”, no tecido
urbano tombado, necessita de incessante reflexão.
O exercício de percepção das arquiteturas da Rua Dr. Assis sobre
a aparência ou “não aparência” dos imóveis com o bairro da Cidade
Velha, se enquadraram em eixos temáticos e a partir desta avaliação
trazemos para a reflexão os valores rememoração e contemporanei-
dade – propostos por Rïegl (2006), na virada do século XIX para o
século XX para os monumentos históricos. Aproveitamos a noção de
11 O Conselho Consultivo do IPHAN aprovou o tombamento dos bairros da Cidade
Velha e Campina em 3 de maio de 2011, em adição à proteção municipal.

157
monumento histórico como construído pela sociedade, pela atribuição
de valores históricos, estéticos e afetivos (CHOAY, 2001).
Identificamos na atividade do caminhar e observar a paisagem
tombada os sentimentos que em muito se assemelham às apreen-
sões de Riegl para determinação das categorias de valores, ligados
ao passado e à contemporaneidade. Destacamos o valor de antigui-
dade, ou ancianidade, que Rïegl (2006) define como um valor que
independe da classe social para sensibilizar o espectador, ou mesmo
de conhecimento científico para tal percepção, uma vez que este age
sobre as massas e está pautado nas imperfeições das obras, na falta
de integridade e na tendência de dissolução de formas e cores. Este
conjunto de características acaba por se opor as características das
obras modernas. Assim que uma obra é concluída, a ação do tempo
passa a atuar sobre ela, começa a destrui-la “[...] agentes mecânicos e
químicos tendem a decompor o objeto singular em seus elementos e
a fundi-lo na grande totalidade amorfa da natureza” (RÏEGL, 2006,
p. 71). Os alunos, ao avaliarem os imóveis como tendo aparência
do bairro, o fizeram pelo reconhecimento da passagem do tempo na
edificação: a “antiguidade” estampada nas fachadas fez com que a
classificação fosse imediata, e sem hesitação, figura 13.
Outro valor destacado tange à contemporaneidade, é o valor
de arte. Segundo Rïegl (2006), valor de contemporaneidade toma
o monumento na forma de uma criação moderna recente, exigindo
que este se apresente no aspecto íntegro e intacto à destruição da
natureza. O valor de arte se divide em dois outros valores, o valor de
arte relativo e o valor de novidade.
O valor de novidade – que acaba por caminhar junto com o valor
de arte relativo – implica na vontade artística moderna que exige
forma física não degradada em um monumento antigo:

Exigimos da criação recente integridade total, não somente


da forma e da cor, mas também do estilo. Em outras palavras,

158
a obra moderna não deve lembrar obras anteriores nem por
concepções nem por tratamento de detalhe de forma e cores
(RIEGL, 2006, p. 101).

Assim posto, destacamos primeiramente o sentimento dual que


pairou entre os alunos nas edificações do tema “camuflagem e mime-
tismo”. Tal sentimento pode-se valer no caso dos imóveis que adotam
a fórmula “manter o ritmo de vãos + volumetria”, que se opõe ao
valor de novidade no sentido de tentar extrair a essência, a forma
de uma obra anterior, por meio da volumetria e alternância entre
cheios e vazios. O enquadramento do conjunto da intervenção nas
justificativas mostrou-se incerto, ora demonstrando sua compreensão
como obra contemporânea, ora relacionando-a com a morfologia
colonial/imperial do bairro.
Outro ponto que salientamos, cabe à questão do “culto” dedicado
às obras “antigas” que mantiveram o aspecto íntegro de suas formas,
com sua fachada sem degradação, com a pintura e o tratamento de
revestimento ao gosto contemporâneo. Estes imóveis foram classi-
ficados como formas “exemplares” de aparência da Cidade Velha,
se diferenciando dos demais com a mesma classificação, pelo valor
adicional que lhes foi agregado, pois além de terem a aparência, sua
aparência foi cultuada. Assim o sentimento que pairou nestes casos,
(figuras 14 e 15), foi diferente em relação ao imóvel que apresentou os
traços da ação do tempo em sua fachada, neste, mesmo não havendo
hesitação da atribuição da aparência do bairro (figura 13).

159
Figura 13: Edificação classificada pelos alunos como possuidora da aparência da Cidade Velha

Foto: Felipe Moreira (2012).

Figura 14: Palacete Pinho, edificação hoje pertencente à Prefeitura de Belém, destacada pelos
alunos como um “exemplar” de aparência do bairro

Foto: Felipe Moreira (2012).

160
Figura 15: Casa da Dona Oneide Bastos, apontada pelos discentes
como exemplar de aparência do bairro

Foto: Felipe Moreira (2012).


Destacamos que, nos exemplos em questão, a aparência “de novo”
com que os bens imóveis são hoje colocados, comprovam o apreço
da sociedade contemporânea por esta característica, sobrepondo o
valor de novidade à vetustez, implicando no fato da kunstwollen de
nossa época preterir o desgaste ao aspecto novo e acabado da obra.
Portanto, ao analisarmos os imóveis categorizados como “de reno-
vação” devemos deter-nos nos critérios contemporâneos do projeto
de arquitetura a ser assimilados em estruturas urbanas consolidadas.
Segundo Choay (2001) “a competência de edificar” consiste na:

[...] capacidade de articular entre si e seu contexto, com a


mediação do corpo humano, elementos cheios ou vazios,
solidários e jamais autônomos, cujo desdobramento na su-
perfície da Terra e na duração tem um sentido tanto para
aquele que o edifica quanto para aquele que o habita [...]
(CHOAY, 2001, p. 250).

161
Essa competência de edificar está ligada à configuração tradicional
da cidade, do edifício, na organização das paisagens, no traçado das
vias e que contribuem para o estabelecimento das relações entre os
homens e com o mundo natural. A competência de edificar está pau-
tada em uma dimensão antropológica, em um construir articulado,
contextualizado e modulado na dimensão humana e que, segundo
a autora, a cultura do patrimônio ajuda a ocultar, uma vez que os
fenômenos da inflação patrimonial, que gera o comportamento narci-
sista, encaminham para a perda da função construtiva substituindo-a
pela função defensiva.
Abordando outro aspecto da questão, Koziol (2013) debate a
relação entre valoração e valorização, partindo dos conceitos de Riegl
e de outros estudiosos contemporâneos, de modo a demonstrar o
papel econômico latente na atribuição de valor e como isso se reflete
na problemática da preservação de bens patrimonializados. Considera
que a atribuição de valor por especialistas repercute na valorização
econômica do bem pelo mercado, o que implica em ressignificações
em função de tendências contemporâneas de uso e de consumo do
patrimônio.
Concluímos que as formas de intervenção expostas anteriormente
devem ser objeto de reflexão crítica dentro de uma “competência de
edificar” nos órgãos preservacionistas que autorizam projetos e refor-
mas em áreas tombadas. Conclui-se que as soluções que apresentam
Camuflagem e Mimetismo não são as melhores para o preenchimento
das lacunas e composição do conjunto.
Diante do panorama atual que abrange igualmente a parcela
material e imaterial do patrimônio, ressaltamos a importância da
adoção de um levantamento cadastral, por parte dos órgãos públicos,
que contemple a oralidade dos moradores, especialmente os mais
antigos. Esta fonte é capaz de refazer parte do passado, em seus usos e
costumes, nas relações sociais aliadas à materialidade, que se mantém

162
ou que foi perdida no local. Portanto, a paisagem antiga reconstruí-
da por documentos será identificada, reconhecida e resguardada no
momento de um inventário de bens imóveis, sem a necessidade de
reconstrução e pastiches.
A revisitação às fontes que deram origem a tal paisagem se mos-
trou de extrema importância para o processo de reavaliação dos valores
empregados naquele contexto. A característica intrínseca à cidade,
sua dinâmica, faz com que determinado tipo de classificação, como
o proposto pela Lei de 1994, deva ser passível a releituras periódicas,
para que novos valores culturais sejam identificados e assim agregados,
contribuindo para a manutenção da cultura local.

REFERÊNCIAS

BELÉM. Lei Ordinária nº 7.709, de 18 de maio de 1994. Dispõe


sobre a preservação e proteção do Patrimônio Histórico, Artístico,
Ambiental e Cultural do Município de Belém e dá outras providên-
cias. Disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/semaj/app/Sistema/
view_lei.php?id_lei=1407. Acesso em: 18 jan. 2011.

CHAVES, Celma. Modernização, inventividade e mimetismo na


arquitetura residencial em Belém entre as décadas de 1930 e 1960.
Risco, n. 8, p. 145-163, 2008.

CHOAY, Françoise. Alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP,


2001.
CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico de suas de-
nominações. Belém: CEJUP, 1992.

KOZIOL, Christopher. How Heritage’s Debate on Values Fuels Its


Valorization Engine: The Side Effects of Controversy from Alois Riegl

163
to Richard Moe. Change Over Time, v. 3, n. 2, p. 244-257, 2013.
DOI: 10.1353/cot.2013.0012.

MIRANDA, Cybelle Salvador; CARVALHO, Ronaldo Marques


de. Dos mosaicos às curvas: a estética modernista na Arquitetura
residencial de Belém. Anais eletrônicos – DOCOMOMO N-NE.
Salvador: UFBA, 2008.

RIEGL, Aloïs. O Culto moderno dos monumentos: sua essência


e sua gênese. Goiânia: Editora da Universidade Católica de Goiás,
2006.

SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Preservação do Patrimônio Cultural


em Cidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

TUTYIA, Dinah R. Albergue: uma proposta de turismo e sustenta-


bilidade no Centro Histórico de Belém. 2010. Trabalho de Conclusão
de Curso (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará, Belém, 2010.

VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição em Arquitetura.


São Paulo: Martins Fontes, 1995.

164
VOZES E MEMÓRIA: uma proposta arquitetônica de um ponto
de memória em tecnologia em terra em Mazagão Velho (AP)

Guilherme Pantoja Alfaia


Dinah Reiko Tutyia

1. INTRODUÇÃO

A motivação para o Projeto de um Ponto de Memória em Maza-


gão Velho surgiu ao longo do contato, como bolsista do Departamen-
to de Extensão (DEX-UNIFAP), do projeto de extensão “Inventário
e proposta de restauro da Casa Ana Ayres em Mazagão Velho” que se
iniciou no ano de 2016. A experiência com esta atividade serviu de
base para a elaboração do programa de necessidades e de referência
projetual do ponto de cultura.
O distrito de Mazagão Velho, fundada como vila no período
colonial brasileiro no século XVIII no atual Estado do Amapá, região
norte do Brasil, passou por inúmeras transformações, em consequên-
cia disto, referências de bens culturais estão se perdendo. A reflexão
deste trabalho parte da necessidade da preservação dos bens culturais,
estabelecendo o foco nos moradores que ali vivem, em conjunto com
a presença de espaços dispersos na vila que não convergem para uma
ação de preservação e exposição de referências culturais de Mazagão
Velho.
Por meio de pesquisas, inventariou-se alguns bens culturais,
destacando as festividades, edificações e produções feitas durante

165
as festividades – a dança, a musicalidade, letras e vestimentas. Para
atender esta função de ponto de cultura utiliza-se a museologia social
através da metodologia do ‘Programa Ponto de Memória’. A utiliza-
ção da terra como técnica construtiva é uma tentativa de estabelecer
ligações com o passado da vila, com o objetivo de trazer a luz o
conhecimento da tecnologia de terra.
Utilizou-se como metodologia de pesquisa a qualitativa, com
revisão bibliográfica acerca dos conceitos e experiências no campo
da preservação do patrimônio, bem como visitas de campo para
diagnóstico e levantamento de dados, utilizando de técnicas como
entrevistas com moradores do local, registro fotográfico e mapeamento
de bens culturais na cidade.

2. O QUE É UM MUSEU?

O desenvolvimento de um projeto arquitetônico que toma con-


tornos de um museu se faz inicialmente pelo entendimento do que é
um museu, assim como de dois outros conceitos: a museografia e a
museologia12. O tema se desenvolveu através das particularidades em
relação a alguns conceitos e definições no meio acadêmico, o espaço
e suas formas, além de seu aspecto sociocultural e político.
As fontes bibliográficas utilizadas levam a entender que o museu,
como hoje é conhecido, é uma instituição com funções acumuladas
durante seu desenvolvimento. Espacial e funcionalmente, transfigu-
ra-se das primeiras coleções nos gabinetes de curiosidades do século
XIX, voltados à acumulação e a exposição de objetos, para a versão

12 O projeto arquitetônico do ponto de memória é um item dentre vários aspectos no


planejamento museológico. Para alcançar êxito no funcionamento, destacam-se os trabalhos de
profissionais específicos da área da museologia para o planejamento museológico e museográ-
fico. Estes profissionais devem dialogar com o arquiteto, o qual é responsável pela concepção
projetual. A abrangência do museu extrapola o projeto arquitetônico, e a arquitetura em sua
concepção não deve ser considerada encerrada por si mesma.

166
contemporânea, que abarca reflexões de representatividade em termos
de coleções e função social.
Durante a segunda metade do século XX ocorrem diversas ade-
quações relativas ao museu. São nas décadas de 1960 e 1970, marcadas
por uma eclosão de movimentos político-sociais em todo o mundo,
que os preceitos museológicos sofrem fortes críticas. Nesse contexto,
as questões ambientais, políticas e culturais passam a ser temáticas
constantes em todo mundo e posteriormente, atendidas pelos museus.
Em relação à definição de museu, no âmbito nacional temos a
instituição máxima dos museus no Brasil, o Instituto Brasileiro de
Museus (IBRAM), que instituiu o Estatuto de Museus através da Lei
nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, e postula:

consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições


sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam,
interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pes-
quisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e co-
leções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de
qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço
da sociedade e de seu desenvolvimento (IBRAM, 2009).

Segundo o pesquisador francês Dominique Poulot (2013), dedi-


cado aos estudos patrimoniais e de museus, é que considera

A definição de um museu culmina, classicamente, na enu-


meração de suas funções. Um Manifesto, publicado em abril
de 1970, pelo futuro presidente da Associação Americana
dos Museus Joseph Veach Noble identificava cinco funções:
colecionar, conservar, estudar, interpretar e expor. O museó-
logo holandês Perter Van Mensch prefere evocar somente
três: preservar, estudar e transmitir (POULOT, 2013, p. 6).

Logo, a definição do museu torna-se indissociável da função do


museu. A instituição apresenta três características fundamentais, as

167
quais são adotadas neste trabalho para se pensar no espaço museal. Os
aspectos elegidos por Poulot (2013) descrevem as funções relacionadas
à conservação; estudo e pesquisa; e comunicação.
A Conservação, segundo Poulot (2013) “remete a um corpus
erudito que induz a uma iniciação, a conhecimentos suscetíveis de
serem ampliados” e “expõe ao contrário objetos ou obras que dão
testemunho de referências compartilhadas” (POULOT, 2013, p.
06). O Estudo e Pesquisa realizados nos museus se relacionam dire-
tamente com as coleções e com a equipe de conservação, a função é
essencial e é em si, a finalidade de aquisição, exposição das coleções,
toda produção e atividade documental. A Comunicação dos museus
se manifesta desde a exposição à transferência de conhecimentos,
utilizando cenários inovadores, tecnologia e o uso de dispositivos
interativos para difusão de saberes (POULOT, 2013).
O museu adquire novas proporções em consequência das “novas”
formas de encarar o patrimônio. Logo, compreende-se como instru-
mento ideológico que constrói identidades por meio da apropriação
e que fomenta ações políticas. O museu, assim como a sociedade,
expressa suas constantes mudanças e transformações.
A partir das referências utilizadas refletiu-se que o museu não
se exime de suas funções como agente social e de gestão de infor-
mações, deve incentivar um espaço de diálogo com a comunidade,
com o lugar em que está localizado, estabelecendo um processo de
construção comum de cultura.
As preocupações sobre a função do museu deram origem à De-
claração de Santiago do Chile, em 1972, foi a primeira expressão
pública e internacional do movimento de nova museologia, que pôs
em debate a função social dos museus na atualidade, originando o
processo de renovação da prática e no campo teórico. Doze anos
depois, a Declaração de Quebec debate a necessidade de envolver as
comunidades, estimulando a emancipação dessas e incluindo-as nos

168
processos museológicos. São resultados e experiências que iniciaram
com o movimento de nova museologia (ecomuseologia, museologia
comunitária e todas as formas de museologia ativa).
Em 1992, a Declaração de Caracas propõe uma reflexão sobre
novo enfoque nas ações dos museus no desenvolvimento integral da
região. Esta chama atenção para a necessidade de os processos mu-
seológicos integrarem as questões da globalização. Por sua vez, a De-
claração do Rio de Janeiro resultado do XVI Encontro Internacional
do Movimento Internacional para uma Nova Museologia (MINOM),
em 2013, coloca em foco os afetos, a formação de histórias contadas
pelos protagonistas, assim sendo, na própria comunidade, ou mesmo
nas figuras públicas daquele lugar. Percebe-se a emergência de uma
museologia em que os museus sejam processos políticos, poéticos e
pedagógicos na reconstrução dessa realidade (LEITE, 2014).
Segundo, George Henri Riviere (1981), chamado por vezes como
o criador do conceito do ecomuseu, define museologia:

como uma ciência aplicada, a ciência do museu. Ela estuda


em sua história e no seu papel na sociedade, nas suas for-
mas mais específicas de pesquisa e de conservação física, de
apresentação, de animação e de difusão, de organização e de
funcionamento, de arquitetura nova ou musealizada, nos
sítios herdados ou escolhidos, na tipografia, na deontologia
(RIVIÉRE, 1981 apud DESVALLÉS, MAIRESSE, 2013,
p. 61).

Percebe-se na mudança do termo uma transição de uma mu-


seologia tradicional, conceito de ciência dos museus que preconiza
objetos para apresentação e difusão do patrimônio ao público, para
uma nova museologia que almeja o desenvolvimento da comunidade,
através do patrimônio, ou seja, para o conceito de ciência que estuda
o homem e sua herança cultural.

169
A partir das mudanças na museologia, o museu assume feições de
uma instituição cultural e social onde se reúne conhecimento e troca
do mesmo. Assim, o papel dos museus na museologia contemporâ-
nea preocupa-se em definir suas necessidades e tudo que compõe o
museu, bem como a necessidade de apresentar explicações sobre sua
função e existência.

2.1 O ESPAÇO MUSEOGRÁFICO

As discussões museológicas em torno do espaço do museu reco-


mendam e direcionam seu funcionamento para uma maior abertura
ao público, tornando tal lugar mais acessível a partir de seu desen-
volvimento. Para alcançar as funções que lhe são atribuídas, o museu
necessita tomar decisões sobre a preservação e exposição, englobando
atividades administrativas e organização de gestão da instituição.
A museografia fica a cargo dessas ações. Segundo Desvallés e
Mairesse (2013), a museografia abrange “o conjunto de técnicas
desenvolvidas para preencher as funções museais” (DESVALLÉS;
MAIRESSE, 2013, p. 58), ou seja, a museografia nada mais é que
práticas instituídas ao museu, desde sua administração e estrutura,
compreendendo métodos e processo curatorial, isto é, a aquisição, a
salvaguarda e a linguagem comunicacional das coleções.
Fundamentalmente a museologia possui o papel de contextua-
lizar, necessita de ferramentas como a expografia e cenografia para
assim poder apresentar as informações dos objetos de forma didática,
envolvendo o público com o tema exposto.
O museu transfigura-se em um sistema orgânico que carrega
consigo um conjunto de técnicas e práticas que afetam de modo
crucial o espaço e seu conteúdo. A museografia deve garantir a pre-
servação e conservação adequada das coleções, seus estudos devem

170
conduzir sempre para uma investigação dos materiais e métodos de
exposição, garantindo uma eficiente comunicação e relação entre o
museu e a sociedade.

2.2 SOBRE MUSEOLOGIA SOCIAL

A Museologia Social é utilizada como suporte teórico para o Pro-


jeto do Ponto de Memória em Mazagão Velho e, segundo Moutinho
(1993), esta provém do esforço de adequação das estruturas museoló-
gicas aos condicionalismos da sociedade moderna, ou contemporânea
(MOUTINHO, 1993). Se para Moutinho a museologia social surge
como adaptação das estruturas museológicas às transformações da
sociedade moderna, para Leite (2014) o desafio da museologia social
é o de tornar o museu um espaço de vida, de encontro e de questio-
nar a vida do quotidiano. O museu passa a ser uma ferramenta para
ligar as pessoas, assim, é preciso que se abram as portas dos museus
(LEITE, 2014). De que forma? Questionando as pessoas, procurando
compreender seu território e a cidade. A museologia social afirma-se
então a partir da relevância da sua função social (LEITE, 2014).
O movimento de museologia social tem raízes na Declaração de
Santiago realizado em 1972. A diferença entre a nova museologia
e o museu tradicional é que essa primeira busca uma linguagem
e expressão mais acessível, dando maior abertura e dinamismo e
participação sociocultural, preconiza e impulsiona uma tipologia
diferente de museu, em contínua procura de novas formas criativas
de comunicação, saindo de dentro das edificações ou se distanciando
dos muros das elites acadêmicas.
Na museologia social a ideia de participação da comunidade é
tão importante quanto o “objeto museológico”. Tanto o patrimônio
quanto a museologia social se justificam não por si mesmos ou pela

171
sua materialidade, mas pelos serviços e funções que prestam ao seu
pretexto. Desconstrói o padrão solene e convencional em que se es-
pera encontrar uma coleção e uma história que não pode ser tocada.
Em 2016, O IBRAM lançou a publicação “Pontos de Memória:
Metodologias e Práticas em Museologia Social”, de grande importância
no campo da museologia social. Utilizado como referência projetual
deste trabalho, a publicação apresenta todo o desenvolvimento do Pro-
grama Pontos de Memória lançado no ano de 2009, com o objetivo
de apresentar a construção da metodologia aplicada nos 12 primeiros
Pontos de Memória que foram implantados durante esse processo.

2.3 O PROGRAMA PONTOS DE MEMÓRIA

Segundo Pereira (2018), o desenvolvimento de políticas públicas


de cultura tornou o cenário dos museus mais propício para experi-
mentação de práticas populares de cultura e memória. O autor afirma
sobre o Programa Pontos de Memória que “esta iniciativa governa-
mental surge da Política Nacional de Museus, como necessidade de
valorização do protagonismo de grupos e comunidades como gestores
do seu próprio espaço” (PEREIRA, 2018, p. 109).
O Programa Pontos de Memória (PPM) foi instituído pelo Insti-
tuto Brasileiro de Museus em 2009, após sancionada a Lei de criação
do IBRAM, por meio do Ministério da Justiça, em conjunto com
o Programa “Mais Cultura” e “Cultura Viva” do Ministério da Cul-
tura – o Programa Pontos de Memória teve inspiração nos Pontos
de Cultura.
O Ministério da Justiça através do Programa Nacional de Segu-
rança Pública com Cidadania (PRONASCI) selecionou doze cidades
brasileiras para receber as ações do Programa Pontos de Memória:
Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Maceió, Porto Alegre,

172
Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Vitória e Fortaleza. As cidades indi-
cadas deveriam ter o perfil de lugares violentos e com alto índice de
homicídios, o que gerou dificuldade na atuação do programa, pois,
em algumas comunidades já se articulava trabalhos de valorização
da memória, enquanto em outras, o programa seria uma novidade.
Os doze primeiros projetos tornaram-se experiências piloto, que
constituíram os primeiros passos do programa e o IBRAM em 2016,
lançou a publicação “Pontos de Memória: Metodologias e Práticas em
Museologia Social”, na qual foram convidados os primeiros pontos
para relatarem suas experiências e expor seus projetos.
O Programa Pontos de Memórias atua como fomentador de
uma política pública de direito à memória, utilizando da memória
para intensificar a inclusão e transformação social de comunidades
tão ricas em história.

2.4 ESTUDO DE CASO: PONTO DE MEMÓRIA DA TERRA FIRME

O Ponto de Memória da Terra Firme, em Belém do Pará, foi


utilizado como referência no processo de desenvolvimento do Ponto
de Memória em Mazagão Velho, por ser uma das dozes primeiras
experiências selecionadas pelo IBRAM para participar do Programa
Pontos de Memória.
O bairro Terra Firme fica localizado na zona sul de Belém, po-
pularmente considerado como periferia, com sua ocupação inicial
datada da década de 40 do século XX. As organizações comunitárias,
ali atuantes, criaram movimentos para o reconhecimento da área
como bairro por meio da doação das terras pela união. O bairro
recebeu forte atuação do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG)
que está localizado nas proximidades. Utilizando da relação que o
MPEG exercia no bairro, o IBRAM entrou em contato com a equipe

173
do Museu Goeldi, servindo como referência de consultoria técnica.
O programa inicia os trabalhos no ano de 2009, com o objetivo de
identificar nos bairros do Guamá e na Terra Firme comunidades
engajadas na valorização da memória e patrimônio cultural.
O Conselho Gestor do Ponto de Memória da Terra Firme con-
duziu e ficou a cargo de consolidar o projeto dentro e fora do bairro.
Todo suporte técnico foi dado pelo IBRAM no início do programa,
com realização de oficinas de capacitação para os conselheiros, dando
caráter ao conselho gestor como iniciativa comunitária participativa
de caráter sociocultural-educacional através da museologia social
(ALCÂNTARA, 2016). Nos primeiros anos do programa, o museu
comunitário narrou as histórias do bairro através das ações museais
em busca do entendimento das potencialidades locais. Houve também
oficinas de capacitação abordando temas como: acervos e coleções;
museu e museologia.
O ponto de memória não tinha lugar e ter um espaço como
sede, com infraestrutura para as demandas das ações, para reuniões,
encontros e oficinas, ou um lugar para a salvaguarda do acervo tor-
naram-se seus primeiros desafios. Dessa forma, o projeto adquire
feições bem diferentes de um museu. Segundo Alcântara (2016):
“O Ponto de Memória da Terra Firme, como observamos, foge dos
padrões convencionais de museu, não possui muros, portas e janelas;
é um museu a céu aberto que acontece simultaneamente em todos
os espaços do bairro (ALCÂNTARA, 2016, p. 114).
Utilizando a museologia social, valoriza-se os principais sujeitos
culturais como parte da memória coletiva dentro ou fora da insti-
tuição, independentemente de haver um espaço adequado para as
ações do museu. Nesse sentido, o projeto arquitetônico por si só não
é suficiente para o funcionamento do museu, o profissional arquiteto
deve estar sempre em diálogo com os demais participantes, seja com
os profissionais da área da museologia, ou com a própria população

174
que irá utilizar, administrar e consumir os espaços projetados, para
alcançar uma arquitetura adequada aos seus usuários.

3. MAZAGÃO VELHO: BREVE CONTEXTO HISTÓRICO E


CULTURAL

Mazagão Velho localiza-se na margem direita do rio Vila Nova,


aproximadamente a sessenta quilômetros de Macapá, no sul do estado
do Amapá (Figura 1). Porém, para discorrer sobre a vila de Mazagão
Velho é necessário mencionar que a história de colonização se de-
sencadeia no século XVIII, no litoral da Costa Norte do continente
africano, quando a Coroa portuguesa decide desativar a fortaleza de
Mazagão em Marrocos e transferi-la para a região amazônica.
Figura 1 - Trecho compreendendo a rodovia AP- 010 que interliga o município de Macapá
até o distrito de Mazagão Velho.

Fonte: Guilherme Alfaia, 2020.

175
O projeto da cidade da Vila Nova de Mazagão, hoje conhecida
como Mazagão Velho, emerge com a transferência dos portugueses
migrantes vindo do Norte da África. A vila foi inaugurada no dia 23
de janeiro de 1770, e de canoas, entre maio de 1771 e maio de 1772,
as famílias e seus objetos eram levados gradualmente de Belém para
a Vila Nova de Mazagão (VIDAL, 2007).
No século XIX, a vila sofre com abandono da administração pela
coroa portuguesa, além das epidemias e com os conflitos políticos.
Decide-se fundar outra cidade: Mazagão Novo é fundada no dia 15
de novembro de 1915. Araújo (1998) relata que a nomenclatura da
Vila de Nova Mazagão:

Já no século XIX começou-se a instalação de um novo núcleo


urbano nas proximidades e aquela que fora baptizada de Nova
Mazagão, passou a ser chamada de Mazagão Velho em função
do que se criou, desta vez chamada apenas de Mazagão. A sede
do município transferiu-se para ali e ‘Mazagão Velho’ passou
a ser freguesia desta outra ‘Novíssima Mazagão’ (ARAÚJO,
1998, p. 286).

Hoje podemos encontrar uma Mazagão Velho transformada,


diferente dos tempos coloniais com costumes e manifestações ar-
raigados nas múltiplas facetas culturais que ali resistiram. A histo-
ricidade que permeia a trajetória cultural de Mazagão, ao longo de
aproximadamente 249 anos, expressa nos usos e costumes da tradição
local, influenciou a elaboração do programa de necessidades de um
museu para a cidade.
A expressão cultural que Mazagão Velho carrega é considerada
patrimônio material e imaterial da cidade. Desta forma, houve a
necessidade de catalogar algumas manifestações destacadas na comu-
nidade, tornando-se imprescindível para a compreensão do projeto
do ponto de cultura.

176
Dentro desta discussão buscou-se as definições do bem cultural
como processo constante de reflexão e relativização dos valores atri-
buídos ao patrimônio, perfazendo a distinção entre os bens eleitos pela
população e os bens institucionalizados, relacionando tais elementos
com o que se pode encontrar em Mazagão Velho.
No elo com o passado, onde os costumes e as produções dessa
relação são repassados de geração para geração, percebe-se o quão
íntima e ampla é a cultura, sendo percebida em diversos meios como
a oralidade, os conhecimentos tradicionais, os saberes, os sistemas
de valores, manifestações artísticas, etc. O Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) considera como cultura os
modos de criar, fazer e viver e como esses se relacionam:

A cultura engloba tanto a linguagem com que as pessoas


se comunicam, contam suas histórias, fazem seus poemas,
quanto a forma como constroem suas casas, preparam seus
alimentos, rezam, fazem festas. Enfim, suas crenças, suas vi-
sões de mundo, seus saberes e fazeres. Trata-se, portanto, de
um processo dinâmico de transmissão, de geração a geração,
de práticas, sentidos e valores, que se criam e recriam (ou são
criados e recriados) no presente, na busca de soluções para os
pequenos e grandes problemas que cada sociedade ou indiví-
duo enfrentam ao longo da existência (IPHAN, 2012, p. 7).

Pode-se encontrar em Mazagão Velho uma variedade de bens


culturais, segundo a oralidade, foram trazidos por seus ancestrais
vindos do continente africano, carregando influências portuguesas,
africanas e se misturando às indígenas. A manutenção das tradições
ocorre por meio da atuação da população local, a qual vem sendo
repassada de pai para filho, de geração em geração.

177
3.1 HERANÇAS DA VILA DE MAZAGÃO VELHO

A partir de entrevistas com fomentadores culturais de Maza-


gão Velho pôde-se compreender o programa de necessidades para
a produção do Ponto de Memória. Nesse momento, adentramos as
festividades que ocorrem no local, ligadas com a forte religiosidade
católica da vila, recheando o calendário da cidade com homenagens
dos devotos para os santos durando todo o ano.
Percebe-se a participação da maioria das famílias nas manifesta-
ções, pois, apesar de todas as festas terem um caráter religioso católico,
existem diversos tipos de atividades que antecedem cada manifestação
e que agregam a participação de parte da comunidade em alguma
etapa do processo de construção das manifestações, como oficinas de
produção de vestuário ou de música, a dança, o batuque, o marabaixo,
as encenações das festividades.
Em relação aos bens de cunho imaterial, destacam-se as festivi-
dades realizadas em Mazagão que são inauguradas no início do ano
e percorrem todo o calendário. Considerada a maior e mais impor-
tante festividade local, a festa de São Tiago encena a trajetória que
antecedeu a saída dos antigos mazaganenses da fortaleza de Mazagão
em Marrocos.
O diferencial dentro de cada expressão são os personagens nas
encenações, que podem ser identificados através dos vestuários. Cada
manifestação tem a sua indumentária específica, tanto o batuque
quanto o marabaixo. Além disso, as músicas produzidas dentro das
oficinas descrevem justamente a história da vila com suas letras. O
canto que ecoa da vila conta e propaga sua história. Dessa forma, a
dança, o canto e a música tornam-se fundamentais para a expressão
e compõem a produção cultural da vila.
Relativo aos bens materiais que se encontram na Vila de Maza-
gão Velho, é importante destacar que a vila fez parte de um projeto

178
colonial como forma de domínio territorial, seguindo os moldes
das cidades colonizadas por portugueses ao longo do século XVIII,
caracterizados pelas definições de quadras, pelo traçado das ruas or-
togonais, os lotes, as residências geminadas e as técnicas construtivas.
Destacam-se alguns exemplares de valor histórico-material, como as
imagens sacras mazaganenses de santos católicos antigos, os quais
podem ser encontrados tanto na igreja, quanto nas residências dos
moradores da vila.
Segundo Ribeiro (2016) algumas imagens são chamadas de “san-
tos antigos” e dependendo de seu estado de conservação a imagem
pode participar ou não da festividade que lhe representa.

[...] os santos antigos podem ser divididos em três tipos,


tendo como critérios o período de origem, a localização deles
na vila e a ligação com as representações do deslocamento.
Portanto, considero importante frisar que, tanto no interior
da igreja católica como nos domicílios dos habitantes desse
lugar, há várias imagens de santo e que apenas uma parte
delas foi identificada pela pesquisa do IPHAN como sendo
de ‘santos antigos’, embora os próprios moradores se refiram
a estas imagens dessa forma (RIBEIRO, 2016, p. 61).

O “Casarão Ayres” é considerado um remanescente com carac-


terísticas das edificações construídas na vila com elementos presentes
na arquitetura colonial-imperial brasileira do século XVIII. A casa
ainda preserva a tecnologia construtiva da taipa, bastante difundida
durante o período colonial, além da cobertura em duas águas com
cumeeira paralela a rua e as aberturas com acabamento superior em
arco abatido13.
Também é possível encontrar em Mazagão Velho dois paredões
e a fundação em ruínas da primeira igreja matriz feita em alvenaria
de pedra, que são pontos turísticos. Após arqueólogos escavarem
o local, foram encontrados diversos artefatos relevantes: peças de
13 Para conhecer mais sobre o Casarão, ver o capítulo 2.

179
vestuário, moedas, fragmentos de cerâmica, material religioso e ossada
humana, em parte datada do século XVIII e outros do século XIX
(RIBEIRO, 2016, p. 52).
Segundo Costa (2011), erguida posteriormente, a Igreja de Nossa
Senhora de Assunção teve sua construção iniciada a partir do ano
de 1933. A edificação foi construída na orla da cidade, em frente ao
rio Mutuacá, no local onde anteriormente funcionava o prédio da
prefeitura; a igreja preserva diversas imagens de santos que correspon-
dem às festividades que ocorrem na cidade (COSTA, 2011, p. 20).
Os cemitérios da cidade de Mazagão Velho são espaços onde são
guardados os restos mortais de algumas personalidades consideradas
ilustres, tornando-se mais um elo para entendimento do passado
como herança cultural da cidade. As formas de expressão cultural
individual ou coletivas, são elementos que fazem parte da vida so-
cial e constroem a identidade dos mazaganeneses e ligam-se com as
memórias estruturantes da comunidade.
O fomento através das políticas de preservação torna-se necessário
para garantir que produções que expõem e identificam bens culturais
reconhecidos oficialmente sejam conservados, em um território tão
extenso e de grande diversidade cultural como o Brasil. Essas ações
auxiliam na eficácia da salvaguarda dos bens, assegurando que os
agentes sociais possam continuar produzindo e transmitindo seu
trabalho e sua cultura.

4. PROPOSTA ARQUITETÔNICA DE UM PONTO DE


CULTURA EM TECNOLOGIA DE TERRA EM MAZAGÃO
VELHO – AP

O planejamento sintetizado no partido arquitetônico constitui-se


de um conjunto de informações e conceitos sobre o tema escolhido
- museologia social - e na coleta e análise de informações físicas e
ambientais do lote e da região a qual irá receber o ponto de memória,

180
neste caso, o distrito de Mazagão Velho. Baseado nas informações de
Neves (1989) sobre a adoção do partido arquitetônico na arquitetura,
a primeira etapa do planejamento arquitetônico deve dotar o projetista
de informações básicas, como dados teórico, referências, conceitos,
informações variáveis de terreno, prosseguindo com a segunda etapa
que consiste nas representações gráficas formuladas a partir da ideia
preliminar do edifício. O desenho arquitetônico é a representação
gráfica utilizada pelo projetista para se comunicar com o cliente.
A seguir, analisadas as informações cruciais para o entendimen-
to do projeto, como aquelas referentes ao local de implantação do
projeto, foram feitos estudos de referências projetuais que utilizam
terra na sua construção. Assim, foi gerado o programa de necessidades
e a concepção aprofundada veio a ser elaborada nas representações
gráficas do ponto de memória através das plantas e croquis. A seguir,
sintetizamos os principais condicionantes do projeto.

• Análise para implantação


O terreno possui dimensões de 15 metros de largura e 30 metros
de comprimento, distribuídos em uma área total de 450 m², apre-
sentando um formato retangular. Em relação à topografia local, o
lote escolhido possui solo plano com baixa necessidade de correção
em relação ao nível.

• Orientações quanto ao Sol e ventos


Para propor uma arquitetura que atenda ao conforto e desempe-
nho térmico adequados para os usuários, foram analisadas as caracte-
rísticas climáticas da região, levando em consideração radiação solar,
temperatura, ventos, precipitação e umidade relativa. Tais referências
configuram as características climáticas no Estado do Amapá, cuja
capital, Macapá, situa-se no marco zero da linha do Equador.
O lote escolhido possui acesso pela fachada principal ao noroeste,

181
de acordo com o Norte de referência; dessa forma, a trajetória do Sol
inicia-se pela fachada lateral leste e perpassa a fachada lateral oeste,
sendo essa a fachada mais crítica, pois recebe todo o sol da tarde
(Ver Figura 2). Como forma de sanar o desconforto térmico, reco-
menda-se utilização de vegetação, brises, pergolados e/ou coberturas
para tratamento. Os ventos predominantes em Mazagão Velho são
oriundos do Leste.
Figura 2 - Condicionantes Ambientais do Lote para implantação do Projeto Arquitetônico

Fonte: Guilherme Alfaia, 2020.

• Estudos de referência quanto à técnica construtiva


Para a proposta arquitetônica atribui-se o uso da terra como
material construtivo, de modo a integrá-la ao contexto da arquite-
tura, das técnicas e tradições que compõem a Arquitetura de terra.
As referências utilizadas são compostas por uma série de estudos que
fazem uso da terra com outros materiais, suas relações de memória,
identidade espacial, características e funções.

182
A eclosão da utilização da terra em técnicas construtivas no terri-
tório brasileiro se deu principalmente no período colonial, empregada
pela coroa portuguesa. Duas técnicas são as mais utilizadas no Brasil,
a taipa de pilão e a taipa de mão (MIRANDA et al., 2015, p. 3).
As técnicas construtivas que utilizam terra são tanto tradicionais
quanto contemporâneas e possuem características comuns. É possível
subdividi-las em três grupos de técnicas que usam terra: (a) monolí-
tico; (b) por unidades ou alvenaria de blocos; (c) e por enchimento
e/ou revestimento de estrutura portante.
A utilização da terra na forma monolítica consiste em uma es-
trutura continua que funciona como um único elemento resistente.
A taipa, por exemplo, é produzida com a utilização de terra úmida
compactada em cofragens (de madeira ou aço), em fiadas sucessivas,
de modo que a técnica atinge paredes com características mais escul-
turais (FERREIRA, 2015).
Conforme os estudos feitos por Torgal, Eires e Jalali (2009), a
utilização da técnica por unidades ou alvenaria de blocos, significa a
execução de paredes em alvenaria de terra utilizando blocos pré-fabri-
cadas, podendo variar de adobe (mecânico ou manual), bloco de terra
compactado tanto mecânico ou hidráulico a blocos de terra recortado
e extrudido, que consiste no recorte do bloco de terra diretamente do
solo em seu estado natural (TORGAL; EIRES; JALALI, 2009, p. 31).
A técnica construtiva de terra por enchimento e/ou revestimento
das estruturas, comumente chamada no Brasil de taipa de mão, pau a
pique ou barro armado, significa que em uma estrutura portante sem
função estrutural se utiliza terra no preenchimento ou acabamento.
Segundo Pisani (2004), o emprego da terra na construção tem
como vantagem a capacidade de absorver e perder rapidamente a
umidade; o barro consegue armazenar o calor quando exposto aos
raios e perde-o lentamente quando a temperatura externa estiver baixa.
Outra qualidade das construções com terra é que não contaminar

183
o ambiente, pois seu preparo necessita de 1% à 2% da energia des-
pendida com uma construção similar com concreto armado ou tijolo
cozido e o processo é totalmente reciclável. (PISANI, 2004, p. 10).
Do mesmo modo, o uso da terra como técnica construtiva possui
suas desvantagens: sua composição depende das características geoló-
gicas e climáticas da região, são necessários ensaios e correções com
aditivos, as construções com terra são mais permeáveis e estão mais
suscetíveis às águas e, durante a secagem, o solo sofre deformações
significativas, gerando fissuras e trincas (PISANI, 2004).
A investigação sobre o uso da terra na arquitetura surgiu com o
contato com um exemplar em Mazagão Velho, executado em taipa.
A edificação ainda mantém as características arquitetônicas que se
assemelham aos prédios que eram construídos no tempo do Brasil
colônia. Chamada de “Casarão Ayres”, atualmente é considera um
bem cultural de Mazagão Velho pois carrega consigo métodos verna-
culares relacionados ao saber-fazer de construções em terra.
Foram selecionadas as principais características encontradas nas
referências projetuais e que foram adotadas com o intuito de sanar
problemáticas, como: o tipo de fundação, a relação interno-externo
para configuração das áreas comuns, a utilização mista de técnicas
que usam a terra. Além disso, destaca-se o emprego de soluções bio-
climáticas adequada à região, visto a exposição da construção ao sol
parcialmente ao longo do ano.
Recomenda-se a combinação com outros materiais, no caso em
questão, a combinação de madeira-taipa é desejável para o fechamento
de vãos em que se assentam as esquadrias; a espessura das paredes deve
ser dimensionada em função de sua altura; a cobertura deve prolon-
gar-se em beirais largos ou varandas que garantam a estanqueidade
à água, principalmente em regiões mais chuvosas.
Como referências projetuais destacamos os seguintes projetos:
o Protótipo de Habitação no Canteiro Experimental da UFMS de

184
2013; o museu e a Casa Munita Gozales, localizado em uma área
de expansão urbana a cerca de vinte minutos da região central de
Santiago, em Batuco, Chile; a Escola Artesanal METI está localizada
em um pequeno vilarejo rural de Rudrapur, no norte de Bangladesh;
o projeto vencedor do Concurso Internacional de Ideias para um
Pavilhão em Terra em Niamey, capital de Níger, denominado Les
Pieds Sur Terre, ou em português “Com os Pés no Chão”.
Desta forma, o ponto de memória em Mazagão Velho emprega
um misto de tecnologias construtivas: concreto em sua fundação,
em algumas paredes utiliza-se a taipa mecanizada e a tradicional
(utilizando mão de obra local). Somente nos banheiros optou-se por
utilizar a alvenaria em toda sua estrutura.

• Programa de necessidades
A Proposta Arquitetônica de um Ponto de Memória em Mazagão
Velho tem como público-alvo os moradores da vila e fomentadores
culturais, como também as comunidades do entorno, habitantes
do Estado e turistas de todas as idades e gêneros. Para a realização e
elaboração do projeto, procurou-se agentes que auxiliaram no desen-
volvimento do programa. Primeiramente, ressalta-se o elo importante
de Josué Videiro como colaborador do projeto, o qual é um grande
fomentador cultural na vila de Mazagão Velho, possuidor de conhe-
cimentos, de histórias e memórias da vila, das festas tradicionais, dos
cantos e danças.
Josué Videiro disponibilizou para a reflexão do projeto o terreno
de locação da proposta projetual do ponto de cultura. Atualmente, o
lote comporta a “Associação Cultural Raízes do Marabaixo”, onde Vi-
deiro ocupa o cargo de presidente. O espaço é utilizado para realização
de atividades culturais e no apoio das festividades. Para composição
do programa de necessidades, nos baseamos em referências, como o

185
Guia para Projetos de Arquitetura de Museus (2020) e o manual de
Subsídios Para a Criação de Museus Municipais (2009) (Quadro 1).

Quadro 1 - Programa de Necessidades


AMBIENTE ATIVIDADES REALIZADAS
ESPAÇOS DE GESTÃO
Administração/Secretaria Gerir; administrar; atender;
Arquivo Guardar; organizar;
ESPAÇOS DE RECEPÇÃO
Comercializar; expor; informar;
Ponto de Vendas/Guarda-Volumes
guardar; estocar;
Hall de Entrada Recepcionar; informar; abrigar;
Copa Socializar; consumir; cozinhar;
Pátio Socializar; circular; abrigar;
ESPAÇOS DE EXPOSIÇÃO E VIVÊNCIA
Sala de Exposição de Longa e Curta Du- Expor; informar; abrigar; comuni-
ração car; socializar;
Abrigar; aprender; comunicar;
Sala de Ações Educativas e Culturais
socializar;
Biblioteca Aprender; ler; socializar; contem-
plar; relaxar;
Jardim Relaxar; contemplar; socializar;
descansar;
ESPAÇOS DE GESTÃO TÉCNICA E PESQUISA
Organizar; guardar; produzir;
Sala de Processos Técnicos divulgar; diagnósticos; montagem;
atividades;
Pesquisar; informar; difundir;
Sala de Pesquisa
produzir;
Reserva Técnica Guardar; abrigar; expor;
ESPAÇOS DE APOIO

186
Almoxarifado Guardar;
D.M.L (Depósito de Material de Lim- Armazenar; estocar;
peza)
Banheiro PNE Feminino Higienizar; Necessidades;
Banheiro PNE Masculino Higienizar, Necessidades;
Fonte: Guilherme Alfaia (2021).

• Setorização e organograma

A divisão do programa de necessidades foi realizada em 5 setores


ou espaços: Espaços de Gestão, Espaços de Exposição e Vivência,
Espaços de Recepção, Espaços de Gestão Técnica e Pesquisa e Espaços
de Apoio (Ver Figura 3).
Figura 3 - Setorização

Fonte: Guilherme Alfaia, 2021.

Os espaços de recepção realizam a integração entre os ambientes


externo e interno. A primeira camada realiza a gerência, ações técnicas
museológicas e atendimento. A segunda camada recebe o fluxo dos
usuários, além de realizar a programação do ponto de memória. A

187
última camada se resume em espaços de permanência e dão apoio às
necessidades dos usuários e às atividades.
Figura 4 - Organograma

Fonte: Guilherme Alfaia (2021).

• Plantas e perspectivas

A proposta arquitetônica em terra culminou num volume com


dois blocos, o primeiro bloco apresenta os ambientes de exposição,
administração e processos técnicos. O segundo bloco engloba as ações
culturais, educativas e de pesquisa, em conjunto com os ambientes
de apoio (Figuras 5 e 6).

188
Figura 5 - Perspectiva do Projeto do Ponto de Memória

Fonte: Guilherme Alfaia (2021).

Figura 6 - Planta Baixa do Projeto do Ponto de Memória

Fonte: Guilherme Alfaia (2021).

189
O hall de entrada é a principal linha que se percorre para aces-
sar os ambientes, além de ser o primeiro contato do usuário com o
ponto de memória (Figura 7). O ponto de vendas/guarda-volumes se
apresenta como um totem informativo e de controle. Os banheiros
ficam aos fundos do lote, possuindo acesso diretamente pelo hall de
entrada e/ou pelo jardim.
Figura 7 - Vista Lateral Direita

Fonte: Guilherme Alfaia (2021).

Figura 8 – Vista do Hall de Entrada e Corte Transversal do Ponto de Memória

Fonte: Guilherme Alfaia (2021).

190
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho de educação patrimonial e musealização do patrimônio


cultural em comunidades significa o fortalecimento das organizações
locais a partir da apropriação de suas memórias e de seu patrimônio
cultural, como instrumentos de luta e articulação comunitária. Dessa
forma, como ferramenta de valorização dos saberes tradicionais, a
proposição de um ponto de memória buscou potencializar a autoes-
tima dos detentores e o fortalecimento dos vínculos comunitários
em relação ao patrimônio, à memória e ao território em que os bens
culturais (material, imaterial e natural) estão inseridos.
A partir das pesquisas e estudos realizados, catalogou-se alguns
bens culturais que se encontram em Mazagão Velho, verificando
uma grande demanda de elementos cuja relevância abrangem desde
festividades religiosas à preservação do saber-fazer da taipa. A proposta
arquitetônica do ponto de memória em Mazagão Velho emerge da
tentativa de sanar problemáticas de espaços projetados dedicados a
ações educativas, de preservação e exposição de referências culturais.
Concebe-se um espaço adequado para a promoção e organização da
comunidade, imbuindo a população local de representatividade e
emancipação.

REFERÊNCIAS

ALCÂNTARA, Camila de Fátima Simão de Moura. Ponto de Me-


mória: Experiências etnográficas no museu diferente de Terra Firme,
Belém – PA. 2016. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Uni-
versidade Federal do Pará, Belém, 2016.

ARAÚJO, Renata Malcher de. As Cidades da Amazônia no Século


XVIII: Belém, Macapá, Mazagão. Porto: Faup Edições, 1998.

191
COSTA, Antônio Gilberto. Os Documentos Cartográficos e outras
Iconografias: Importância na Pesquisa do Patrimônio Cultural do
Brasil. In: 1º SIMPÓSIO BRASILEIRO DE CARTOGRAFIA HIS-
TÓRICA. Anais [...]. Paraty: Centro de Referência em Cartografia
Histórica, UFMG, 2011. p. 1 a 23. Disponível em: https://www.
ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/COSTA_ANTONIO_GIL-
BERTO.pdf

DESVALLÉS, André; MAIRESSE, François; SOARES, Bruno Bru-


lon; CURY, Marília Xavier. Conceitos-chave de Museologia. São
Paulo: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus, 2013.
FERREIRA, Luís Manuel Rodrigues. Arquitetura de Terra: Das
Técnicas Construtivas ao Desenvolvimento de Competências. 2015.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade
Fernando Pessoa, Porto, 2015.

IBRAN - INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. O que é mu-


seu. 2009. Disponível em: https://www.museus.gov.br/o-que-e-mu-
seu/. Acesso em: 27 ago. 2021.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.


Patrimônio Cultural Imaterial: Para saber mais. 3. ed. Brasília:
IPHAN, 2012.

LEITE, Pedro Pereira. A nova museologia e os movimentos sociais


em Portugal. Cadernos do CEOM, ano 27, n. 41, p. 193-223, 2014.
MIRANDA, Cybelle; CARVALHO, Ronaldo Marques de; SOU-
ZA, José; MACÊDO, Alcebíades; BESSA, Brena. A Preservação do
“Saber Fazer”: a Taipa de Mão do “Canto do Sabiá”. Arquitextos,
v. 179, p.1-12, 2015.

192
MOUTINHO, Mario. Sobre o Conceito de Museologia Social. Ca-
dernos de Sociomuseologia, v. 1, n. 1, p. 5-7, 1993.

NEVES, Laert Pedreira. Adoção do Partido na Arquitetura. Salva-


dor: Centro Editorial e Didático da UFBA,1989.

PEREIRA, Marcele Regina Nogueira. Museologia Decolonial: os


Pontos de Memória e a insurgência do fazer museal, Lisboa, 2018.
Tese (Doutorado em Museologia) – Faculdade de Ciências Sociais,
Educação e Administração, Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias, 2018.

PISANI, Maria Augusta Justi. Taipas: a arquitetura de Terra. Revista


Sinergia, v. 5, n. 1, p. 9-15, 2004.

POULOT, Dominique. Museu e Museologia. Belo Horizonte: Au-


têntica Editora, 2013.

RIBEIRO, Karina Nymara Brito. A Igreja, a Casa e o Culto aos San-


tos: As Esculturas Sacras Mazaganenses que atravessaram o Atlântico.
Dissertação (Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio
Cultural). Rio de Janeiro: IPHAN, 2016.

TORGAL, Fernando Pacheco; EIRES, Rute; JALALI, Said. Cons-


trução em Terra. Guimarães: TecMinho, 2009.

VIDAL, Laurent. Mazagão: a Cidade que atravessou o Atlântico.


São Paulo: Editora Martins Fontes, 2008.

193
UMA HABITAÇÃO PARA O TRÓPICO ÚMIDO:
projeto para um terreno estreito

Ronaldo Marques de Carvalho

Fábula de um arquiteto
A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente e portas e tecto.

O arquiteto: o que abre para o homem


(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por- onde, jamais portas-contra;
por onde livres :ar luz razão certa

João Cabral de Melo Neto

1.INTRODUÇÃO

Este capítulo resulta da monografia desenvolvida no Curso de


Especialização em Arquitetura nos Trópicos (CARVALHO, 1986) e
trata da elaboração de uma proposta de projeto arquitetônico para
uma habitação em terreno estreito, visando a sua adequação climática
em uma cidade do trópico úmido - Belém do Pará14.
O conhecimento da cidade, e suas raízes históricas quanto a
origem urbano-arquitetural, características climáticas, o estudo da
localização do terreno, da legislação urbana, do programa de neces-
sidades, dos partidos e o pré-dimensionamento são importantes para
o desenvolvimento da proposta arquitetônica. Pretende-se com este
trabalho contribuir com uma solução voltada ao projeto de habitações

14 Para saber mais, consulte MIRANDA, Cybelle Salvador; CARVALHO, Ronaldo


Marques de; TUTYIA, Dinah. Uma Formação em curso: esboços da graduação em Arquitetura
e Urbanismo. Belém: Universidade Federal do Pará, 2015, v.1.

194
em lotes estreitos, adequando-os aos condicionamentos climáticos
de Belém, e através de estudos compatíveis com nossa realidade sub-
sidiar a atividade profissional dos arquitetos. Ademais, o processo
metodológico do estudo servirá de referência didática às aulas de
projeto arquitetônico.
A beleza tropical, com seus rios, baías, igarapés, alagados, florestas,
campos e cidades, da Zona Bragantina à Ilha do Marajó, serve de subs-
trato à arquitetura. A Terra, na sua viagem pelo espaço, acompanha
seu guia maior, o sol, no movimento de rotação que consideramos
ser em torno de um eixo imaginário e no movimento de translação
que se processa em torno deste, que condiciona decisivamente a vida
como um todo. A partir do sol temos o dia e a noite, o clima de um
modo geral, os meridianos. Os Trópicos de Câncer e capricórnio
determinam um setor que se chama região tropical.
São as nossas Matas, nossos Rios, nossos Ilhas, nossos Ventos
nossa Fauna, nosso Sol, nosso Solo, nossos Recursos Minerais, nossos
Alagados, nossa forma de viver, que de fato devem se evidenciar na
criação dos espaços em que vivem os seres humanos.
A disponibilização de um terreno com suas características físicas,
dimensões e localização, priorizam antes de tudo a reflexão em torno
de uma proposta de projeto arquitetônico e, portanto, a análise do lote
urbano com seu contexto histórico e sua situação quanto à radiação
solar, aos ventos e precipitações pluviométricas contribuem para uma
boa solução. Então, partindo-se de uma necessidade real, pode-se
elaborar um programa de necessidades que define as características dos
partidos arquitetônicos prováveis e sua transformação em ambientes.
A adequação de um projeto se condicionará aos dispositivos legais
referentes ao uso do solo urbano, cabendo, portanto, uma análise
quanto a sua implantação em terrenos estreitos, procurando-se mos-
trar as várias alternativas de estabelecimento dos partidos gerais até
chegar aquele selecionado. De posse do partido escolhido, passamos

195
à proposta de implantação, levando em conta as soluções que pro-
piciem uma climatização natural que favoreça o aproveitamento da
vegetação e a captação dos ventos e a proteção contra os excessos da
radiação solar e da chuva.
Com o conhecimento e a definição de todos esses condicionantes,
o desenvolvimento do partido proposto leva à etapa da elaboração da
proposta final, na qual a escolha do sistema estrutural, as vedações,
coberturas, acabamentos e detalhes são planejados. Em cada um des-
ses itens, o conforto ambiental depende também de uma adequada
tecnologia propiciando o uso de materiais regionais.
Assim, a análise necessária para obter o melhor aproveitamento
dos ventos, proteção contra as chuvas e aos rigores da radiação solar,
torna-se possível utilizando-se observações in loco e com a aplicação
das técnicas de mascaramento solar (FONSECA, 1982).
As especificações do projeto serão apresentadas no decorrer do seu
desenvolvimento e as instalações complementares para consecução
de um projeto executivo não serão aqui consideradas, uma vez que
a proposta se refere a um anteprojeto e detalhes desta ordem viriam
com a definição imposta ao projeto executivo.
Então, adequar a arquitetura ao clima é antes de tudo criar condi-
ções a esta arquitetura de oferecer aos seus ocupantes, proteção contra
o sol, chuva, ruídos, poeiras e permitindo também proteção quanto
a segurança físico-psicológica. O sol também é necessário, porém
sem causar desconforto e o vento é fundamental para a aeração dos
ambientes, embora não exageradamente, de modo a não ocasionar
danos construtivos (IZARD, 1983).
No cotidiano de quem atua como profissional no campo do
planejamento arquitetônico, com destaque às habitações unifami-
liares, quer seja em grandes terrenos ou em terrenos reduzidos, o
reconhecimento dos fatores ambientais é essencial para que o abrigo
atenda aos requisitos de conforto humano ao longo de todo o ano.

196
2. A CIDADE E A ARQUITETURA

Santa Maria de Belém do Grão-Pará, assentada no estuário do


Amazonas sob o signo da fortificação do Castelo ou Presépio, cons-
truída às margens da baía do Guajará, confluindo com o igarapé
do Piri, guarda ainda hoje em parte da cidade alguns traços fisio-
nômicos arquitetônicos e urbanísticos do que foi há quatro séculos
passados. Localiza-se a uma latitude sul de 1º28’ e uma longitude
oeste de 48º27’, caracterizando-se climaticamente como uma cidade
do Trópico Úmido, situando sua área original em terreno que oscila
em altitude de 0 a 10 metros, por conseguinte, baixo, apresentando
uma malha líquida constituída por igarapés que a penetram como
se fossem ruas.
A cidade localiza-se numa ponta que se limita ao norte pela Baía
do Guajará e ao sul pelo rio Guamá e por estas características tem o
seu território com influência marcante das baixadas, que constituem
aproximadamente 40% do seu sítio. Os Terrenos da cidade são con-
sequentemente de baixa resistência estrutural. Possui clima quente e
úmido apresentando temperaturas que vão em média de 22º a 32ºc,
tendo umidade relativa que varia de 80 a 90º durante quase todo ano.
Implanta-se em contato com a densa floresta Amazônica; os ventos
predominantes de Este e Norte equilibram a ventilação durante a dia
e a noite e o índice pluviométrico, em média, está a 488 mm. O céu
apresenta-se na maioria dos meses com intensa nebulosidade, mas
com grande radiação solar.
A cidade de Belém, que se originou sob influência eminentemente
portuguesa, caracteriza-se com sua arquitetura primordial guardando
traços consequentes da matriz. Com o advento de novas tendências
arquitetônicas, a cidade passou a assimilar, tanto nos seus aspectos
urbanos quanto nos seus edifícios, novas influências europeias com
técnicas e materiais construtivos variados. Até o século XIX, foram

197
marcantes as adaptações europeias que respondiam aos anseios das
condições climáticas da região Amazônica (TOCANTINS, 1976).
No início do século XX até a sua metade, com os movimentos
da Arquitetura no Brasil apareceram novas tendências de projetação
e construção com influências internacionais, via sudeste brasileiro,
que logo foram assimiladas no Norte fazendo aparecer em Belém a
arquitetura dos bangalôs, das testadas, das lajes em concreto e dos
edifícios.
Atualmente, estudos são desenvolvidos sobre o clima da região
amazônica, e estes já permitem avaliar os condicionantes que deter-
minam a adequação do projeto às condições de conforto necessárias,
levando ao melhor desempenho das atividades humanas. Dentre estes,
destacam-se com maior agressividade climática ao organismo humano
a umidade e o excesso de radiação, que são consequências da localiza-
ção geográfica da região. Sendo assim, apesar das inovações quanto
às técnicas construtivas, a arquitetura moderna de Belém ainda não
é satisfatória, do ponto de vista do projeto e da construção, quanto
aos condicionantes e fatores climáticos, mostrando-se inadequada
ao conforto biológico.
Belém nos primeiros séculos de sua história teve influências mar-
cantes da arquitetura portuguesa e europeia com ligeiras adaptações
regionalistas e assim os chalés, ainda existentes, apresentando varandas
amplas, grandes beirais e muitas aberturas para a circulação do ar
no interior, de modo a proporcionar bem-estar em seus ocupantes
(CRUZ, 1971). Os materiais e as técnicas construtivas empregadas
pela arquitetura portuguesa tais como pedras, tijolos e telhas cerâmi-
cos contribuíram para amenizar os rigores do clima, propiciando nas
fachadas altas e largas janelas além da presença dos óculos ventilando
os porões e no interior fazendo circular ar através do forro, graças aos
vazados existentes entre o forro e a cobertura, usando o ático como
o meio de aeração, o qual funciona como um exaustor. No decorrer

198
da evolução de nossa arquitetura, com destaque às importações tipo-
lógicas e tecnológicas, muitas soluções vinham inspiradas em climas
temperados, com necessidade da adaptação ao clima tropical.

Figura 1: Uso de forros vazados

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (1980).

Azulejos nas fachadas, adornavam e minimizavam a transferência


do calor pelas paredes ao interior dos ambientes, venezianas permitiam
a circulação do ar mesmo em ambientes fechados, forros vazados
faziam fluir para o ático o ar quente. O piso em madeira elevado
do solo, ao mesmo tempo que isolava o prédio deste, permitia ao
ambiente um teor de frieza ajudados pelos óculos, proporcionando
um conforto térmico agradável.
Nas habitações unifamiliares construídas sobre lotes estreitos,
a solução era o tipo puxada, com corredor extenso que dava acesso
aos dormitórios, nos quais a ventilação e iluminação era indireta,

199
proporcionando um relativo conforto térmico que poderia ser con-
siderado agradável para um clima equatropical.

3. O LOTE URBANO

Belém teve o seu desenho inicial com ruas e travessas que se


interligavam formando quadras divididas em lotes que geralmente
apresentavam-se com pequena largura, 5 a 6 metros, e profundidades
que variavam de 30 a 50 metros. Com o crescimento e formação de
novos bairros, como a Campina e o Reduto, as tradições de lotea-
mento mantiveram as dimensões, regra geral e mesmo nos bairros
mais novos os lotes pouco aumentaram, principalmente no que diz
respeito a sua testada.
Com a posse de grandes áreas consideradas suburbanas, novos sí-
tios foram parcelados e o aparecimento de loteamentos fez surgir vilas,
passagens e alamedas que contribuíram para as pequenas dimensões
dos lotes urbanos. Com o avanço da cidade que passa a se estender
até a Primeira Légua Patrimonial no atual bairro do Marco, grandes
quadras são planejadas, embora o desmembramento destas quadras
acabasse por propiciar o aparecimento de lotes com predominância
de pouca largura.
Na arquitetura urbana existe um traço bem característico que é a
relação desta com o tipo de lote em que está implantada. A arquite-
tura se adapta melhor às modificações do plano econômico social do
que o lote, uma vez que a modificação deste exige em geral alteração
do traçado urbano. As cidades brasileiras, em geral seculares, como
é o caso de Belém apresentam os seus desenhos fundamentados em
antigos preceitos de urbanização, caracterizando, portanto, seus lotes
ainda hoje estas marcas.
É evidente que, pela anexação de antigos locais tidos como rurais
ao corpo urbano, nos dias de hoje passam estes lotes a compor um

200
conjunto com os antigos, criando a falsa impressão à primeira vista,
que a variação destes lotes é fruto de soluções da mesma época. O
lote, por estar ligado ao desenho urbano, está intimamente ligado
à rua. Nas cidades concebidas e construídas no século XX no Brasil
é bom notado a relação dos lotes com as vias, como no exemplo
de Brasília, cujas superquadras denotam bem a sua relação com os
prédios e as vias (REIS FILHO, 1978).

3.1 O LOTE COLONIAL

No período colonial, a nossa arquitetura residencial urbana ocu-


pava lotes com características bem definidas. Tomando como base
antigas tradições do urbanismo português, as cidades brasileiras ti-
nham aspecto uniforme, tal como ocorre em Belém, especialmente nos
bairros mais antigos (Cidade Velha e Campina), onde as residências
ocupam os limites dos lotes com as fachadas no alinhamento das
vias, delimitando o traçado das ruas. Não existia jardim, salvo nos
fundos dos terrenos, onde os quintais se faziam presentes como áreas
livres, até palácios foram construídos no período colonial com suas
fachadas no alinhamento das vias.
Figura 2: As edificações ocupavam os limites dos lotes

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (1980).

201
As casas térreas e sobrados, sempre construídos ao nível do chão,
originalmente com suas fachadas no alinhamento, demonstravam que
as ruas se constituíam num grande passeio onde os veículos da época
e os pedestres se misturavam; a ausência do verde nas ruas sempre foi
uma constante e o que se tinha era pedra, beiral as esquadrias e pare-
des. Segundo Reis Filho, “A uniformidade dos terrenos correspondia
à uniformidade dos partidos arquitetônicos: as casas eram construídas
de modo uniforme e, em certos casos, tal padronização era fixada nas
Cartas Régias ou em posturas municipais” (1978, p. 24).
Foi durante o século XVII que as posturas municipais portugue-
sas começaram a fixar para as residências dimensões e números de
aberturas, altura dos pavimentos e alinhamento com as edificações
vizinhas. Nesta época, tudo o que se fazia continuava sob a égide por-
tuguesa. As casas de um pavimento e os sobrados tinham as mesmas
características, sendo que as habitações em lotes de esquina tinham
privilégios de apresentar mais de duas fachadas com aberturas.

3.2 O LOTE NO SÉCULO XIX

Até meados de 1800, as cidades brasileiras sofrem influência


da transformação da colônia e o intercâmbio do Brasil com outros
países, no auge de uma revolução tecnológica e industrial, promove
as primeiras manifestações de mudança da tipologia da habitação
urbana. Entretanto, as edificações continuam ocupando os limites
naturais do lote e o alinhamento das ruas.
Mas, a partir da fundação da Academia de Belas Artes do Rio
de Janeiro, passa-se a absorver os padrões menos rígidos relativos à
implantação das edificações oriundas de outras nações europeias e
tendo como consequência a dissolução de laços rígidos com Por-
tugal. A presença da missão cultural francesa ao Brasil difunde a
arquitetura neoclássica, que passa a favorecer as novas concepções e

202
melhores soluções em lotes pequenos e a expansão para os grandes
lotes, gerando novos tipos de habitação com jardins laterais, gradis e
com a importação de materiais e equipamentos, as habitações ganham
nova aparência. Surgem os porões ventilados, pés direitos bastantes
elevados, uso de bandeira vazada sobre portas e janelas e o saguão
como opção de ventilação e iluminação libera uma lateral do terreno,
já se define melhor a adequação ao clima. Aí os beirais passam a ser
resguardados por platibandas na fachada principal e os interiores
passam a ser valorizados.
Na segunda metade do século XIX, ainda sob a influência da
missão francesa, predomina o ecletismo e, mesmo as habitações ur-
banas passam a ser construídas com tijolos e cobertas com telhas tipo
Marselha e a mecanização da construção e os operários remunera-
dos se especializam com mestres europeus e muito contribui para
os arremates de esquadrias, beirais que facilitaram a adequação da
arquitetura ao clima, embora neste momento os lotes passem a ter
dimensões mais generosas.
As residências libertam-se dos limites do lote, passando a ser
locadas no centro do terreno, de modo que as águas do telhado vol-
tam-se às laterais, surgindo os chalés que agora passam a ter o ático
ventilado graças ao uso dos “óculos”.

3.3 O LOTE NO SÉCULO XX

Após a 1ª guerra mundial surgem nas cidades brasileiras as gran-


des residências, alocadas em regiões afastadas do centro, que mesmo
durante o século XIX começou a se implantar como consequência de
herança de chácaras coloniais, em Belém foram marcantes as rocinhas.
Nas cidades começa a preocupação com o tráfego de veículos, fazendo
com que a expansão daquelas deem novos rumos ao desenho urbano e
o consequente uso do lote para edificações. Mas, devido as exigências

203
ainda se basearem nos antigos preceitos de construir embora usando
técnicas novas, persistiu o uso dos limites dos terrenos nas zonas
urbanas. Nas cidades com o advento da Art Nouveau passando pelo
neocolonial e caminhando ao modernismo, as habitações buscam
a libertação dos limites dos lotes levados pela necessidade de exibir
suas fachadas, propiciando sempre melhor a adequação ao clima. Até
1950 as habitações passam por uma verdadeira mistura de estilos.
O Modernismo se instala no país e em Belém os exemplares exis-
tentes até hoje definem bem uma arquitetura de linhas retas, grandes
testadas, painéis com poucas aberturas, vigas e pilares de concreto
armado, causando grande transtorno quanto à adequação ao clima.
De 1950 a 1970, a arquitetura difundida no Brasil e especifica-
mente em Belém, pouco se relaciona com o lote muito menos com
o clima tropical úmido. Tanto as habitações unifamiliares como os
edifícios de apartamentos começam a ser projetados e construídos
segundo influências de uma arquitetura internacional e o uso do
concreto, metal, vidro se faz de maneira indiscriminada, em que
o exibicionismo tecnológico sobrepuja a simplicidade coerente às
condições amazônicas. Mesmo nas cidades planejadas após 1950, as
tendências da arquitetura são de uma personalidade pouco coerente
com a realidade brasileira e a relação prédio x lote x via, não é com-
patível com os condicionantes locais.

4. LEGISLAÇÃO QUANTO AO USO DO SOLO URBANO


EM BELÉM

A Lei Municipal nº 7068 de 28 agosto de 1978 passa a ter nova


redação com a Lei nº 7.121 de 28 dezembro de 1979 e o Sistema
Normativo do Uso do Solo de Belém passa a ter como objetivo e
diretrizes: “A orientação e atuação da prefeitura na tarefa de coordenar
as atividades públicas e privadas desenvolvidas no território municipal

204
do modo a garantir ocupações e usos mais adequados através da
adoção de instrumentos de controle e avaliação”.
O Sistema Normativo do Uso do Solo de Belém é
constituído basicamente pelos instrumentos legislati-
vos relativos a:
1 – Organização do Solo Urbano
2 – Urbanização
3 – Edificação
4 - Instalações
5 – Controle do exercício das Funções
6 – Controle Administrativo

Entre os objetivos específicos atingidos pelo Sistema Normativo


do Uso do Solo, podemos destacar:
1 – Preservar-se as condições do meio ambiente e
construído.
2 – Preservar as condições ótimas de conforto e
salubridade.

Pela legislação em vigor a partir de 1979, os terrenos que apre-


sentassem testada inferior a 8 metros não poderiam ser edificados,
já que os afastamentos exigidos para a edificação não permitiriam
os objetivos específicos aqui selecionados principalmente o que se
refere a condições de conforto e salubridade. Fica estabelecido que
os lotes terão que apresentar no mínimo 10 x 25 m, sendo sua forma
retangular. Assim, todos e quaisquer lotes com menos de 8 metros
seriam considerados estreitos e grande parte dos terrenos a construir
ou oriundos de demolição de prédios não poderiam ser edificados.
Prendiam-se os legisladores aos condicionantes da arquitetura moder-
na, que previa a necessidade de circulação de ar e áreas não edificadas
nos lotes.

205
Considerando o percentual elevado de terrenos estreitos, na sua
maioria com menos de 6 metros, o direito à moradia e ao uso da
propriedade privada estava seriamente ameaçado na cidade. A partir
de portarias oriundas da municipalidade, vindo ao encontro prin-
cipalmente dos cidadãos, o terreno estreito passou a ser liberado e a
exigência inicial da obrigatoriedade dos afastamentos do prédio em
relação aos limites do lote foi desconsiderada e a construção até aos
limites do terreno permitida. Com isto, apresenta-se o desafio da
adequação do projeto ao clima, tirando-se partido da melhor forma
de captação dos ventos e proteção contra a insolação, fazendo com
que as dimensões mínimas de um lote não sejam contraditórias em
relação as exigências de conforto e salubridade.
Só a partir do advento da legislação relativa a loteamentos, es-
tabelecendo lotes com um mínimo de 10 metros de testada é que
áreas basicamente urbanas passaram a dispor de terrenos maiores.
Entretanto, com o incremento da iniciativa às invasões que atingiram
o ápice na década de 80, muitas glebas de propriedade de terceiros
foram desapropriadas pelo governo e loteadas para alojamento da
população, apresentando geralmente cada lote dimensões de 5 a 6
metros de frente por 25 de fundos. Fica assim autorizada a edificação
em lotes pequenos na cidade.
Portanto, a proposta de um projeto para terreno estreito é com-
patível com a realidade da cidade de Belém e converte-se em uma
necessidade de exercício de adequação de nossa arquitetura ao clima,
levando em conta as condições adversas onde as dimensões mínimas
dos terrenos tornam-se um desafio.

5. O PROJETO ARQUITETÔNICO

A concepção do projeto, produto final dos estudos desenvolvidos


ao longo do curso de especialização em Arquitetura nos Trópicos,

206
contou com a aplicação dos conhecimentos obtidos nos módulos
constantes no curso, enfatizando-se o de “Técnicas do Controle Am-
biental”, “Metodologia Projetual” e “Teoria da Arquitetura”, minis-
trados pelos professores Marcio Vilas Boas, Luiz Carlos Chichierchio,
Azael Rangel Camargo e Edgar Albuquerque Graeff, respectivamente.

5.1. LOCALIZAÇÃO DO TERRENO E DADOS METEOROLÓGICOS

Localiza-se na Passagem Maria dos Anjos Acatauassú Nunes,


situada entre as travessas Almirante Wandenkolk e Dom Romualdo
Coelho, no perímetro compreendido entre as avenidas Senador Le-
mos e Jerônimo Pimentel, no bairro do Umarizal, tendo a referida
passagem a largura de 7,00 metros, possuindo todos os serviços infra
estruturais básicos. O terreno apresenta como dimensões 6,00 metros
de frente com 40 metros de fundos, com forma retangular, possuindo
topografia plana, tendo como limites: a) nos fundos – muro de 4,00
metros de altura; b) nas laterais esquerda e direita, residências de um
pavimento. No seu entorno, além das edificações limítrofes existem
outras habitações de pequeno porte. O terreno, que originalmente
é oriundo de baixada, é parte de uma área que há décadas passadas
foi ocupado por uma “vacaria”. Por ocasião do loteamento, toda
área recebeu aterro de areia e de acordo com amostragens executadas
em sondagens em subsolo, apresenta-se com grande quantidade de
argila, o que é plenamente justificada pela proximidade desta área da
avenida Visconde de Souza Franco, que em épocas passadas foi um
dos muitos igarapés de Belém.
O lote apresenta-se com sua testada voltada para o quadrante
Noroeste, tendo a sua longitudinal a 30ºN.O. Os fundos, pela sua
regularidade, volta-se para o S.E., sua lateral direta para o quadrante
N.E. e a esquerda para o quadrante S.O. De acordo com os dados le-
vantados pelo Ministério da Aeronáutica e Ministério da Agricultura,

207
a ventilação na cidade de Belém apresenta-se de janeiro a dezembro,
com velocidade que vai até 5m/s incidindo sobre a cidade de Belém,
sendo que nos meses de janeiro, fevereiro, julho, agosto e dezembro
a velocidade é de 3m/s; de março a junho é de 2m/s; setembro e
novembro 4m/s somente em outubro atinge 5m/s.
Quanto a direção dos ventos a partir das 3 hs da madrugada
até o meio dia, provêm do Leste, entre o meio dia e 14horas, em
geral, existem uma calmaria e, a partir daí o vento provém do Norte,
canalizado pela baía do Marajó. A ventilação da tarde pelo fato de
não encontrar obstáculos atinge maior velocidade, ao contrário da
matutina que por terra enfrenta obstáculos vegetais e edificações. Pela
manhã, a ventilação incide a 110º e pela tarde 10º considerando o
eixo Norte/Sul.
O lote em questão, de acordo com a sua localização, recebe pre-
dominantemente os ventos matutinos na lateral direita e nos fundos
e vespertinos na lateral direita e testada. Em relação a lateral direita,
os ventos da manhã incidem aproximadamente com 60º e os da
tarde 40º.
A temperatura da cidade de Belém, de acordo com dados meteo-
rológicos apresenta em média, temperatura mínima de 23ºC e máxima
de 33ºC e Umidade relativa do ar média de 80%. De acordo com
os dados levantados, o mês de março é o menos insolado e o mês de
julho o mais insolado, ficando por conta de junho, julho, agosto e
setembro os maiores índices de insolação.
Utilizando-se a Carta Solar para Belém, é possível demonstrar
que sua testada e a lateral esquerda recebem, durante todo o ano,
insolação que começa às 12 hs, estando expostas ao sol no maior
tempo de intervalo crítico que vai de 10 às 16 horas.
Como em toda a região Amazônica, a cidade de Belém apresenta
no mês de março uma precipitação pluviométrica na casa dos 500
mm, sendo que de agosto a novembro as chuvas são mais reduzidas.

208
Os ângulos de incidência que predominam nas chuvas, além do
chuvisco em 90º, são 45º e 60º de Leste, sendo que em função do
vento geralmente nas chuvas eventuais do Norte/Sul chega a formar
até 30º com o solo. Levando em conta a situação do terreno onde
será implantado o projeto, observa-se que as chuvas mais frequentes
vêm de leste precipitando-se sobre a lateral direita e sobre os fundos.
A fachada principal voltada para o Norte sofre poucos efeitos de
chuvas que raramente vem deste hemisfério.

5.2 O PROGRAMA DE NECESSIDADES E O PRÉ-DIMENSIONAMENTO

De acordo com as necessidades dos clientes da habitação uni-


familiar, destinada ser habitada por um casal que possui duas filhas
e uma empregada doméstica, e em contato com os proprietários
do futuro imóvel, chegou-se ao seguinte programa e respectivo
pré-dimensionamento:
Quadro 1: Pré-dimensionamento dos ambientes

Ambientes M²
Sala de Estar 20
Sala de Refeição 15
Cozinha 12
Lavabo 1,5
Área de serviço 3
Quarto de Empregada 8
W.C. Serviço 2
Dormitório Casal (suíte) 14,5
Dormitório Filhas (suíte) 14,5
Estar íntimo 10
Fonte: elaborado pelo autor

209
Complementam o programa: varandas, garagem para um carro
e áreas de integração.
A partir do programa de necessidades e respectivo pré-dimensio-
namento, chegamos aos estudos correspondentes a área total cons-
truída e, desta forma, pode-se determinar a implantação do projeto
quanto a ocupação do lote.
Quadro 2: Áreas totais

Áreas M²
Área do lote 240
Área total edificação 112,5
Interligações Internas 11,5
Área Ocupada por Paredes 12
Área Total Construída 136
Fonte: elaborado pelo autor

Considerando que a estas áreas deverão ser acrescidas varandas,


áreas livres, jardins, garagem, escada e levado pela necessidade da
adequação climática, a ocupação do entorno do lote e à legislação
vigente na cidade, opta-se por uma setorização em que social e serviço
deverão ocupar o pavimento térreo, destinando-se ao setor íntimo
o pavimento superior com um a dois níveis. Após setorização e já
analisados os condicionantes do projeto, concluímos que, quanto ao
sol, vento e chuva, a disposição dos setores seria:

210
Figura 3: Setores do projeto

Fonte: Carvalho (1986, p. 70).

Em função das dimensões do terreno, principalmente no que


concerne à largura, o estudo do partido geral priorizará a aeração no
projeto, principalmente no que diz respeito à captação da ventila-
ção predominante, uma vez que a utilização de elementos vegetais é

211
restrita. Assim, o combate ao excesso de insolação deverá ser atingido
por meio do uso de beirais. O aproveitamento da ventilação também
será maximizado partindo-se da concepção com “ventilação cruzada”,
tirando partido de aberturas e detalhes arquitetônicos concebidos
no projeto.
Nesse sentido, foram realizados esboços formatando partidos
gerais em que os setores social e o serviço formam um bloco, o setor
íntimo um segundo pavimento e define-se então um terceiro piso
destinado a um especial escritório. Após a análise das necessidades e
condicionantes foram definidos os setores: social, íntimo e serviço,
além de um especial (escritório).
Figuras 4 e 5: Estudos nº 1 e nº 2

Fonte: Carvalho (1986, p. 73-74).

212
Figura 6: Estudo nº 3

Fonte: Carvalho (1986, p. 75).

Escolhendo o partido 3 como o mais adequado em função dos


condicionantes gerais estudados (aproveitamento de espaço, conforto
ambiental e legislação), iniciamos os estudos, levando às primeiras

213
concepções do projeto configurando-se plantas e elevações em forma
de esboço.
No nível 1 foram alocados os ambientes destinados aos setores
social e de serviço da casa. Entre os espaços social e serviço existem
áreas de interligação que se caracterizam em apresentar espaços laterais
que propiciarão um movimento de ar no interior.
No ambiente destinado ao jantar e acesso aos níveis superiores
foi criado um volume vazado com pé direito duplo que promoverá
ventilação ascendente, considerando-se que o nível 2 (mezanino),
onde se localiza o escritório, ocupa um volume construído de pequeno
porte. Chegando-se ao nível 3, que conterá apenas os dormitórios
com varandas, os banheiros e o hall em piso de madeira com 0,5 cm
de afastamento, complementa-se a boa aeração, mantendo-se as ilhas
de ventilação emanadas do pavimento térreo e no teto deste volume
central, um forro vazado em madeira, que retirará o ar quente do ático
e permitirá que, através de elementos vazados, também o ar quente
proveniente da carga térmica das telhas seja expulso.
A criação do setor íntimo no nível 3 prende-se ao fato de que as
edificações existentes nos limites laterais do terreno impedem a livre
circulação dos ventos até uma altura de 4 metros, com isso a libera-
ção de 3 paredes dos dormitórios os beneficia, bem como a altura. A
composição dos volumes da construção propicia aos níveis 1 e 2 maior
liberdade principalmente quanto a iluminação e ventilação natural.
Os efeitos do sol e da chuva e o aproveitamento dos ventos,
analisados previamente à concepção final da proposta, justificam os
detalhes de paredes cegas nos limites, dando ênfase para o poente,
de esquadrias em madeira e os elementos vazados em pisos e forros.
Paralelamente à concepção final vão sendo estudados os efeitos do sol,
chuva e aproveitamento dos ventos, que são demonstrados, gerando
os detalhes e explicitando a funcionalidade dos espaços.

214
Figuras 7, 8, 9, 10: Plantas e cobertura

Fonte: Carvalho (1986, p. 77-80).

215
Figura 11: Fachadas

Fonte: Carvalho (1986, p. 81)

Figura 12: Elevação lateral direita

Fonte: Carvalho (1986, p. 82)

216
Figura 13: Corte AA’

Fonte: Carvalho (1986, p. 84)

5.3 ANÁLISE DO PROJETO SEGUNDO A CARTA SOLAR

Por ocasião da análise da insolação na cidade de Belém e estudo


neste momento, as incidências relativas ao lote no qual se implanta
o projeto foram verificadas através do uso da carta solar. O estudo
de insolação em todas as fachadas foi efetuado utilizando-se como
meio de análise no terreno um prisma retangular, cuja base coincide
com a área total do terreno. Diante destes estudos, ainda utilizando
a carta solar para efeito de orientação do movimento do sol e com a
ajuda de um modelo em volume, foi representada a pré-proposta do
projeto, sendo analisada por meio de fotografias e, posteriormente,
através de análise de contornos gráficos em planta, uma comprovação
preliminar dos efeitos do sol durante o ano todo. Este estudo foi
desenvolvido tomando as fotografias e a posterior silhueta em planta
no horário das 15:00 horas, o que vem implicar por relacionamento
simétrico: o inverno para as 9:00 horas, ou seja, a fachada insolada
voltada na experiência para o poente estaria às 9:00 horas sombreada.

217
Figura 14: Estudo de mascaramento das fachadas

Fonte: Carvalho (1986, p. 91)

Nas fotografias anexas e nos contornos gráficos pode-se constatar a


insolação durante o ano. Demonstra-se que as fachadas frontal e lateral
esquerda serão fortemente insoladas, sendo que a lateral direita nunca
será insolada pela parte da tarde e a posterior sofrerá pequena insola-
ção no intervalo crítico de 9:00 às 15:00 horas, recebendo somente

218
nos meses de outubro, novembro, dezembro, janeiro e fevereiro a
insolação até as primeiras horas vespertinas, nunca ultrapassando
das 15:00 horas.
Figura 15: Maquetes com demonstração da incidência solar

Fonte: Carvalho (1986, p. 88)

Figura 16: Estudo de insolação do poente

Fonte: Carvalho (1986, p. 89)

219
De posse desta primeira análise da pré-proposta passa-se para os
estudos gráficos experimentais que indicarão como serão propostos
os elementos que propiciarão a proteção contra a incidência do sol.
É bom observar que estes estudos têm implicação também quanto a
captação dos ventos e a incidência da chuva.
Tomando como base a ideia preliminar da cobertura parte-se
para os primeiros estudos gráficos de mascaramento desta, relativo
aos beirais, considerando aqueles que protegerão o nível 3 do projeto
relativo aos dormitórios.
Outro beiral selecionado para estudo corresponde ao bloco poste-
rior da residência, levando em conta que esta, conforme análise ante-
rior, será insolada em alguns períodos pela parte da tarde, implicando
num exercício para proteção. Os outros beirais, como o da fachada
frontal, por exemplo, não merecem aqui o estudo de mascaramento,
uma vez que neste caso a garagem proposta, que se estende ao limite
frontal do lote, funcionará também como uma grande varanda que
antecede a sala de estar.
As fachadas laterais, com exceção do trecho correspondente a
cobertura dos dormitórios, não foram consideradas para efeito de
mascaramento, uma vez que grande parte destas, levado pelo próprio
condicionamento do lote, apresentam-se com “paredes cegas”.
Nos mascaramentos foram considerados apenas os aspectos re-
lativos à proteção horizontal, já que neste projeto o lote estreito
que já sofre influência das construções limítrofes laterais não seria
aconselhável a locação de elementos verticais, que prejudicariam a
ventilação. Contudo, se utiliza recursos relativos a elementos vazados
e venezianas entre outros, porém em áreas onde serão continuidade
das paredes e jamais nas varandas e na garagem, que precisam fun-
cionar como espaços cobertos livres de obstáculos verticais, levando
em conta de que o projeto está sendo implantado em terreno de
dimensões não generosas.

220
No mascaramento das fachadas frontal e lateral esquerda dos
dormitórios, foi previsto inicialmente o combate à insolação até às
16:00 horas, mas, de acordo com a graficação, verificou-se que ter-
-se-ia que projetar beirais maiores dando-se com isto proteção total à
própria varanda e a partir então daí, outro mascaramento foi estudado
considerando a incidência só a partir das 15:00 horas, que implicaria
numa menor proteção da varanda porém sem prejudicar o dormitório.
No mascaramento do bloco posterior referente ao setor de serviço
foi pensada incialmente a proteção a partir das 9:00 horas, o que
implicaria em beirais exageradamente grandes e considerando-se as
características da insolação matutina e a necessidade de alguma cap-
tação pela parte da manhã, partiu-se para a proposta final de proteger
a partir da 11:20 horas o que gerou um beiral de 85 cm.

5.4 EFEITOS DOS VENTOS E DAS CHUVAS NO PROJETO

Figura 17: Incidência da ventilação

Fonte: Carvalho (1986, p. 100).

221
Conforme o estudo de incidência da ventilação sobre o lote,
procurou-se resolver o projeto de maneira que a ventilação predo-
minante de Leste e do Norte circule através dos ambientes, passando
pelas áreas livres a fachada lateral direita que são maiores que a da
lateral esquerda, fazendo com o que os ventos tenham acesso aos
diferentes níveis e cruzem os ambientes abertos saindo pela outra
lateral. Para conseguir este efeito criou-se obstáculos que permitem
o direcionamento do vento atravessando os ambientes. A criação do
volume com pé direito duplo proporciona um deslocamento de ar
no sentido ascendente, levando em conta os elementos horizontais
vazados (piso e forro). A ventilação através dos áticos é permitida con-
siderando-se que tanto no bloco central como nos frontais e posterior
haverá comunicação através de elementos vazados. O posicionamento
privilegiado dos dormitórios permite pelos afastamentos, pela altura,
varandas e esquadrias, uma boa aeração.
A incidência da chuva sobre a habitação proposta, conforme
análise realizada, se faz sobre as fachadas lateral direita e posterior. A
maior preocupação relativa à chuva implica em garantir a boa aeração
dos ambientes mesmo durante a vigência pluvial. Para isto, a prote-
ção das esquadrias é conseguida com recuos em relação às paredes,
através de beirais e as varandas que complementam os dormitórios.
O pavimento inferior terá a proteção das habitações vizinhas,
embora os detalhes previstos no projeto criem independentemente
boa proteção. Os elementos que permitem aeração dos áticos e dos
ambientes do pavimento térreo sendo tijolo de boca, permitem uma
certa melhoria quanto a impenetrabilidade da chuva. Com o estudo
de forros aparentes e vazados e a possibilidade de algumas portas
e janelas permanecerem abertas durante a chuva, consegue-se um
satisfatório conforto térmico nos ambientes. A utilização do beiral
quebra-chuva/quebra-sol permite que se consiga também o conforto
proposto.

222
5.5 ESPECIFICAÇÕES E DETALHES DE COBERTURA

Toda a cobertura será em estrutura de madeira de lei, apoiada


nas extremidades sobre as paredes e pilaretes de concreto, sendo que
os apoios intermediários serão em castelos de alvenaria repousados
sobre a laje e onde não houver laje, as peças serão especificadas em
bitolas que resistam ao vão máximo de 6 metros, considerando que
as águas propostas no projeto não serão superiores a 3 metros de
apoio a apoio.
O madeiramento será em maçaranduba nas cumeeiras, terças e
frechais e nas estruturas referentes às treliças dos beirais das varandas
superiores. Os caibros serão de piquiá e as ripas, onde houver, de
pau-amarelo. A estrutura de telhado aparente referente a garagem a
às varandas constitui-se de caibros espaçados de tal maneira que o
canal fique apoiado no sentido longitudinal. Será utilizada a telha
cerâmica tipo capa/canal regional em toda a cobertura.
A cobertura do prédio apresenta-se como elemento de proteção
de 3 blocos: Acesso-social, serviço e íntimo. No acesso-social foram
criados 2 módulos de 2 águas cada, havendo uma integração entre eles
través de uma calha de concreto. Entre os apoios das extremidades das
águas serão assentados tijolos de topo que ocasionarão a ventilação
do ático sobre a laje da sala de estar e mesmo na garagem sem forro.
No bloco de serviço, também constituído de cobertura em duas
águas, tendo uma parte forrada e outra aparente, o tijolo de topo
permite a boa aeração e serão assentados dentro da mesma linha do
bloco 1.
No bloco central também será utilizado o tijolo de topo, inclusive
permitindo uma continuidade dos 3 áticos condicionando uma boa
renovação de ar que culmina com o forro vazado no eixão vertical
do bloco.

223
Figura 18: Detalhes de cobertura

Fonte: Carvalho (1986, p. 108-109)

5.6 ESQUADRIAS

As esquadrias serão projetadas de modo a permitir boa iluminação


e aeração. As janelas terão 70% de venezianas, sendo 50% na parte
de baixo e 20% na parte superior, sendo que entre os dois panos de
venezianas haverá 30% de vidro. As portas internas terão bandeiras
superiores em venezianas horizontais e na folha 30%; na sua parte
inferior será em veneziana a 30% e a parte superior em madeira ma-
ciça. Nas esquadrias internas será utilizando o mogno e nas externas
e áreas molhadas a sucupira.
A intenção de, nas janelas, se utilizar o vidro sempre numa posi-
ção intermediária tendendo para cima, é levado pela necessidade de
circulação do ar nos ambientes e a redução de carga térmica nestes,
proveniente da incidência dos raios solares sobre as fachadas. Todos

224
os vidros utilizados nas esquadrias serão especificados de maneira
a não devassar os ambientes. Receberá tratamento especial a janela
do escritório e dos dormitórios voltados para o nascente, que será
protegida por um nicho em lâmina de concreto.
Figura 19: Esquadrias

Fonte: Carvalho (1986, p 111)

225
5.7 ELEMENTOS VAZADOS E FORRO

Os elementos vazados considerados no projeto dizem respeito ao


tijolo de topo ou de boca, chanfrados, comporão painéis voltados para
o interior dos ambientes como também na parte superior dos forros,
objetivando a ventilação. Deve-se cuidar para que, na aplicação do
tijolo de topo, sua face externa obtenha ângulo oblíquo em relação
à parede, a fim de impedir a penetração da chuva no ático.
Figura 20: Tijolos de Boca

Fonte: Carvalho (1986, p 112).

226
Apresenta tratamento especial o forro do volume central, sobre o
hall que leva o térreo aos 2°e 3º níveis, sendo que ele se apresenta vaza-
do no centro, com uma estrutura em tronco de pirâmide arrematado
com lambris com 10cm de largura, aplicados de formas alternadas
no centro, contribuindo com um bom efeito estético e propiciando
a boa aeração dos ambientes e do bloco central.

Figura 21: Detalhe do forro do Hall

Fonte: Carvalho (1986, p 113)

5.8 PISO

Os pisos serão executados em lajota no 1º nível, no mezanino


e nos ambientes molhados, sendo que o piso do hall do nível 3 será
estruturado em concreto revestido com tábuas em angelim rajado.
Nos dormitórios será utilizada tábua corrida em pau-amarelo, assen-
tada sobre a laje. A escada será construída em concreto e terá o piso
revestido em pau-amarelo.

227
Figura 22: Estrutura do piso

Fonte: Carvalho (1986, p 114).

5.9 ESTRUTURAS E PROTEÇÃO DE PAREDES

Todo o prédio será estabilizado em concreto, desde as funda-


ções em blocos sobre estacas de madeira até os pilares, vigas, lajes e
calhas que muito facilitarão quanto a flexibilidade das divisões dos
ambientes.
Os elementos estruturais em concreto serão dimensionados de
acordo com as bitolas, em função dos esforços calculados, com aca-
bamento em concreto aparente, principalmente nas vigas e pilares.
Todos os elementos de concreto serão produzidos na própria
obra utilizando na sua confecção formas de madeira, sendo que as
paredes apresentarão revestimentos internos.
As paredes internas serão tratadas de acordo com as especificações
anexas e as paredes cegas nos limites do terreno terão tratamento

228
para evitar infiltrações e reduzir a transmissão de calor para dentro
da habitação.
As paredes laterais correspondentes ao nível 1 (sala de estar e o
setor de serviço) por estarem nos limites do terreno interfaciando
com as paredes do prédio vizinho, estarão protegidas da insolação;
entretanto, os efeitos relativos à infiltração só poderão ser combatidos
com o capeamento superior com telha de barro canal.
Nos painéis relativos aos dormitórios indo destes até o pavimento
térreo se procederá o revestimento em lajotas cerâmicas na sua parte
externa, protegendo contra os efeitos da umidade e da insolação,
reduzindo principalmente a carga térmica exterior que através da
condução prejudicaria o conforto térmico dos dormitórios.

6. COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS

Durante uma imensidão de tempo, muito lenta e gradativamente,


todo mundo vivo diversificou-se na extraordinária variedade de seres
que habitaram ou habitam a Terra, cada um deles adaptando-se a
um tipo peculiar de existência, a vida de uns dependendo da vida
dos demais, em um inter-relacionamento extremamente complexo,
uma verdadeira teia biológica no qual cada organismo interage com
os demais e com o habitat, formando ecossistemas em que, de alguma
forma, todos dependem de todos (CÂMARA, 1985).
O crescimento descontrolado da humanidade e de seu poder de
interferir na natureza levaram a biosfera à crise ambiental contempo-
rânea que se traduz pela rápida destruição de ecossistemas inteiros,
desequilíbrio ecológico, devastação florestal, desertificação, extinção
acelerada de plantas e animais, eliminação de solos agriculturáveis e
poluição do ar, da terra e das águas.
No Brasil, como também ocorre na grande maioria dos países em
desenvolvimento, a crise ambiental assume proporções gigantescas.

229
Temos, é verdade, uma legislação razoavelmente adequada para a
defesa das condições ambientais. Não obstante, observa-se facilmen-
te em todo país que nosso desenvolvimento está sendo feito a um
custo ecológico altíssimo, motivado pela impossibilidade dos órgãos
governamentais responsáveis exercerem um mínimo satisfatório de
controle e de fiscalização do cumprimento das disposições legais,
pela falta de sensibilidade da população para os problemas ecológi-
cos e sua gravidade, pela ignorância quase generalizada da legislação
e, principalmente, pela busca de lucros fáceis, a curto prazo, sem
qualquer preocupação com o uso racional dos recursos naturais e
sua preservação para o presente e futuro.

O Homem acha-se diante de uma crise ecológica. Esta crise


desenvolveu-se como consequência do crescimento desenfrea-
do da população. Ela não apenas ameaça novas chances de
encontrar um padrão adequado de vida para a atual população
mundial, como também ameaça as nossas expectativas de
continuar existindo como uma espécie.
Os sinais de advertência dessa crise aparecem em problemas
específicos tais como o desequilíbrio entre a produção de
alimentos e o crescimento da população, a redução da pro-
dutividade de grandes áreas de terra e água devido modifi-
cação climática quer regional ou global, como resultado das
atividades urbanas e práticas agrícolas, a destruição da vida
selvagem e a perturbação de comunidades bióticas, e o cres-
cente número de pragas e organismos daninhos (ARAÚJO
NETO, 1985, p. 2).

A concepção de uma Arquitetura ecologicamente amazônica re-


quer a fuga de projetos inadaptáveis ao clima tropical, que causam
problemas de higiene, saúde, bem-estar, que nem sempre são perce-
bidos pelos usuários ou proprietários, que pensam em desfrutar de
uma casa “moderna” ou “funcional”, como erroneamente julgam,
porque o moderno nem sempre coincide com o funcional e nem o

230
funcional se expressa daquela maneira no clima quente e úmido do
trópico amazônico.
Muitos fatores socioculturais, econômicos e históricos têm con-
tribuído para a constância destes problemas. Entretanto, em suas
raízes está a crescente exploração dos recursos naturais pelo Homem
e sua ignorância acerca dos processos naturais que são afetados por
esta exploração.
Os terrenos estreitos na cidade de Belém existem em decorrência
de um processo cultural emanado principalmente dos nossos coloni-
zadores. As soluções voltadas para a habitação pouco ou quase nada
refletem da cultura de civilizações nativas, salvo soluções empíricas,
regra geral, a tipologia rural. As construções em lotes estreitos, quando
apresentam bons resultados ainda se deve às habitações que adotam
soluções europeias que aos poucos foram evoluindo ao ponto de
criar detalhes que levaram a melhor adequação ambiental, a partir
do emprego de materiais e tecnologias locais.
As soluções para habitação em terrenos estreitos baseadas em pro-
jetos sem o devido conhecimento da climatologia do trópico úmido e
a consequente conscientização de que a arquitetura é um reflexo de um
habitat maior regional, tem gerado inadequações. Entretanto, a busca
de soluções naturais através de uma tecnologia e aproveitamento de
materiais regionais e também importados, expressos em detalhes, nas
áreas livres, dos elementos vazados e nas coberturas é fundamental.
Com estas soluções é possível usufruir da ventilação, protegendo da
chuva e combatendo a insolação e a aproveitando quando necessário.
Tais elementos permitirão ao arquiteto conceber uma arquitetura
equatorial que se assentará de maneira satisfatória mesmo em lotes
de dimensões reduzidas. E assim, sempre aprofundando estudos se
poderá chegar a adequação, seja em que espaço disponível for, a uma
arquitetura do trópico úmido, a uma Arquitetura Amazônica.

231
REFERÊNCIAS

ARAUJO NETO, Mario Diniz de. A Ecologia e a Crise ambiental.


Brasília: UNB, 1985.

CÂMARA, Ibsen. O Problema Ecológico no Brasil. Brasília: UNB,


1985.

CARVALHO, Benjamin de Araújo. A História da Arquitetura. Rio


de Janeiro: Tecnoprint Gráfica S.A, 1967.

CARVALHO, Ronaldo N. F. Marques de. Proposta para uma ha-


bitação a ser implantada em terreno estreito na cidade úmida
Belém do Pará. 1986. Monografia (Especialização em Arquitetura
nos Trópicos) – Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Uni-
versidade Federal do Pará, Belém, 1986.

CRUZ, Ernesto. As edificações de Belém. Belém: Conselho Estadual


de Cultura, 1971.

FONSECA, Marçal Ribeiro da. Desenho Solar. Bahia: Projeto Edi-


tores Associados, 1982.

IZARD, Jean-Louis. Arquitetura Bioclimática. Barcelona: Gustavo


Gilli, 1983.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil.


São Paulo: Perspectiva, 1970.

TOCANTINS, Leandro. Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Rio


de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

232
O CHALÉ DE ANTONIO LEMOS EMTRÊS DIMENSÕES:
memória, criptohistória e reabilitação paisagística

Cybelle Salvador Miranda


Rony Helder Nogueira Cordeiro
Flavia G. Marques de Carvalho

1. O SÍTIO DE LEMOS NO PRESENTE

O estudo de um exemplar de chalé desaparecido nos conduz a


descobertas acerca dos modos de morar na Belle Epoque paraense,
sendo seu proprietário o Intendente Antonio Lemos, o personagem
principal na política local da época. Neste imóvel, tombado pelo Esta-
do do Pará em 1999 devido a significância da memória do seu antigo
proprietário, revela mais valores que necessitam ser conhecidos. Um
deles situa-se na transferência de tecnologia das construções metálicas
exemplificada pela fachada da vivenda, e outro na significância do
jardim como representante histórico, cujos mosaicos embrechados
configuram uma técnica adotada nos jardins pitorescos do roman-
tismo. Na sondagem realizada com moradores do entorno, realizada
em 2017, detectou-se o desconhecimento acerca do espaço e de sua
relevância histórica, de modo que a proposta de intervenção no jar-
dim tem por intuito propiciar a utilização deste por um público mais
alargado, contribuindo para seu reconhecimento pela população.
Desde sua chegada à Belém, Lemos mostrou grande afeição pela
cidade, logo que assumiu a direção dos negócios do município, em
1897, procurando ornar e urbanizar a cidade, que até então pouco

233
havia progredido, implementando projetos que a remodelaram não
apenas em parâmetros estruturais, como também no cotidiano dos
cidadãos.
Em 1912, com a queda da cotação da borracha amazônica e,
consequentemente, a redução dos lucros arrecadados, desacelera-se
o ritmo de crescimento da cidade e Belém deixa de ser a capital refe-
rência do país. A administração de Lemos começa a sofrer restrições
no orçamento, dificultando seu governo. Mais tarde, o intendente é
deposto por seus adversários políticos, e no dia 29 de agosto, tem seu
palacete residencial incendiado (SARGES, 2002). Na Linha do tempo
pode-se acompanhar o processo de transferência de propriedade do
imóvel ao longo do século XX.

Figura 1: Linha do tempo dos proprietários dos terrenos do Chalé de Lemos

Fonte: elaborado por Raíssa Araújo (2020)

2. O CHALÉ DE ANTONIO JOSÉ DE LEMOS

O tipo Chalé foi um representante muito adotado nas constru-


ções residenciais de finais do século XIX e início do século XX em
Belém, sendo construídos em alvenaria e taipa, ou na técnica mista

234
de ferro e alvenaria, incorporando alguns novos conceitos, como a
pré-fabricação, a produção em série e a padronização. Tais exemplares
em ferro eram importados a partir de catálogos, sendo seus forne-
cedores situados nos Estados Unidos da América e na Europa, mais
especificamente da Grã-Bretanha e França (SILVA, 2019).
Como um desses exemplares, o Chalé de Lemos foi construído
para servir de residência ao Intendente e sua família; porém, confor-
me aduz Sarges (2002), também era, para ele, uma extensão de sua
intendência, de maneira que recebia lá tanto eleitores, autoridades e
correligionários, como a população em geral.
O sítio de sua construção está localizado na Avenida Gentil Bit-
tencourt, 418, entre as Travessas Dr. Morais e Benjamim Constant,
na área de entorno do Centro Histórico da cidade de Belém. A
edificação evidenciava-se por sua fachada em ferro, exemplar misto
e raro mesmo na sua época.

Figura 2: Chalé de ferro pertencente a Antonio José de Lemos

Fonte: Acervo Fórum Landi, s.d.

235
Na foto acima, observa-se a frente avarandada, com a construção
dum alpendre, peça originada nos bangalôs rurais indianos, cuja prin-
cipal funcionalidade era oferecer proteção climática. Foi incorporado
pelos ingleses na fabricação dos chalés de ferro e difundido mundial-
mente, principalmente para países de clima tropical, cumprindo a
mesma finalidade de abrigo das chuvas e atenuação dos raios de sol
para os moradores e o prédio em si. No caso específico de Lemos, o
alpendre destinava-se também ao lazer, às recepções de visitantes e às
reuniões. Ainda é possível observar que o Chalé era cercado por um
imenso jardim de árvores frutíferas de grande porte, bem conservado
e com clima bucólico, assemelhando-se ao tipo rocinha15.
O Chalé de Antonio Lemos não sobreviveu ao tempo, e os úl-
timos registros fotográficos do que foi a sua residência foram feitos
logo após seu assolamento. Nas fotos abaixo, em primeiro plano, é
possível observar que apenas o pórtico em ferro e a parte da alvenaria
da fachada principal restaram em pé. Todo o restante foi consumido
pelo fogo; e os objetos de valor e as obras de artes de seu interior, sa-
queadas. A destruição do chalé foi ocasionada por uma revolta popular
planejada por adversários políticos do Intendente no ano de 1912.
Desafortunadamente, não se sabe o paradeiro do pórtico em ferro,
o que poderia auxiliar na identificação da fábrica e país de origem.

15 Rocinhas foram casas suburbanas construídas em Belém, entre os séculos XVIII


e XIX, caracterizado por um ambiente bucólico e cercado de árvores silvestres e frutíferas
em grandes lotes de terra, localizados fora dos limites da cidade e semelhantes a uma casa de
campo ou um sítio. Ver SOARES, Roberto de La Rocque. Vivendas Rurais do Pará Rocinhas
e outras (do século XIX ao XX). Belém: Fundação Cultural do Município de Belém, 1996.

236
Figuras 3 e 4: Ruínas do chalé de ferro de Antonio Lemos

Fonte: Rocque, C. (1996, p. 374-375).

Figuras 5 e 6: Sala na residência de Lemos, com objetos de arte de sua coleção

Fonte: Acervo do Fórum Landi, s.d.

Avalia-se que o estudo do património desaparecido ou fragmen-


tado no tempo traz alguns desafios, entre eles, a impossibilidade de
estudo e investigação in loco e, ainda, a escassez de registros e docu-
mentos historiográficos. Ao que tudo indica, esse tipo de arquitetura
em ferro já era raríssima para a sua época, como se evidencia no
anúncio de venda dum chalé de ferro em Belém publicado no jornal
O Democrata, de 7 de julho de 1893 (edição 151, p. 3), que assim
descreve seus compartimentos: “Tres compartimentos inferiores, dois
quartos em seguida ao chalet, e tres ditos no pavimento superior,

237
além da cosinha, sentina e banheiro, edificado com esmero artístico
e bastante silidez”.
Quanto à memória e à conservação patrimonial da arte, mais
especificamente o patrimônio desaparecido ou mutilado pelas mais
diversas razões, Vítor Serrão (2001) ensina que isso não desvaloriza
sua importância histórica, sendo tema de estudo da cripto-história
da arte, explicando tratar-se dum conceito operativo aplicado a uma
longa prática desenvolvida no contexto da historiografia da arte que
sempre intuiu, no processo de suas investigações, a importância ca-
pital de algumas obras perdidas, no plano ideológico, iconológico,
técnico-construtivo e estético, de forma a promover sua caracterização
histórica, artística, cultural e estilística dos vários tempos.
Serrão (2017) defende que ignorar a análise destes monumentos
e obras de arte, total ou parcialmente desaparecidos ou fragmentados,
mesmo aqueles acervos reduzidos a mero projeto idealizado, preo-
cupando-se apenas com o património remanescente e esquecendo
as perdas verificadas ao longo do tempo, restrinjirá a definição de
panoramas de conjunto, capazes de caracterizar linhas evolutivas e
estilemas distintivos. Faltará sempre uma base comparativa suficien-
temente ampla, apta a iluminar as realidades da produção artísticas
em qualquer período histórico, território geográfico ou contexto.
Há que se apresentar a memória e o testemunho daquele que,
por motivo ou outro, já desapareceu sem que, por isso, deixe de
compor um tecido que demanda ser reconstituído como testemunho
integral de identidades. Assim, o conceito de fragmento assume uma
importância maior sob essa perspectiva, pois permite a sua análise, de
forma a trazer luz sobre os momentos de totalidade dos objetos em
estudo e movimentos de mudança no contexto das cidades.
Serrão classifica quatro tipos de análises para a reconstituição de
materiais perdidos no tempo, ainda que teoricamente, como forma
de recuperar a vivência do objeto e de todas as manifestações causadas

238
por esse património: criptanálise, dedução, reconstituição e incriação.
Para o Chalé em estudo, podem-se adotar pelo menos duas dessas
análises, a criptanálise e a dedução. Esta consiste em comprovar os
fatos encontrados que na maioria das vezes carecem de fontes com-
probatórias, valendo-se duma reflexão profunda sobre eles guiada
por outras determinantes com comprovação, permitindo a etapa da
dedução, feita a partir de um diálogo entre as fontes.
Serrão valida a análise do chalé através de suas cicatrizes e frag-
mentos, como os vestígios da fundação original, de maneira que
se podem identificar as dimensões e, ainda, a tipologia e o sistema
construtivo.
Voltando-se ao sítio original da residência de Lemos, lá se en-
contram construídas duas edificações remanescentes, em arquitetura
eclética: uma localizada à esquerda da entrada principal, consideran-
do-se a perspetiva da Avenida Gentil Bittencourt, onde funciona desde
1960 a sede estadual da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE); e a outra, de menor porte, localizada à direita
aos fundos do terreno, também do mesmo proprietário, a qual se
utiliza como sala para pequenos treinamentos e cursos em pesquisas
estatísticas. Ambas são construúdas com vedações em alvenaria de
tijolos, com argamassa de cimento e areia, pisos em madeira e ladri-
lho hidráulico, vigamento dos telhados, forros, portas e janelas em
madeira e telhas de barro.
Com base em monografias e trabalhos acadêmicos sobre a antiga
residência e, ainda, em informações constantes na escritura pública
do imóvel e documentos oficiais da Companhia de Desenvolvimento
e Administração da Área Metropolitana de Belém (CODEM), foi
possível iniciar a investigação do objeto, partindo-se da hipótese de
que os dois prédios remanescentes tivessem sido construídos após a
destruição do chalé. Posteriormente, com o avanço dos estudos, essa
hipótese mostrou-se inconsistente.

239
Os registos oficiais16 citam que, em 26 de junho de 1917, a Sra.
Inês Maria de Lemos, viúva de Antonio José de Lemos, falecido em
2 de outubro de 1913, fez o repasse do terreno, que continha edifi-
cações em ruínas, à Firma Comercial Berringer & Companhia. Por
sua vez, essa firma vendeu-os ao Sr. Fortunato José de Oliveira, na
mesma condição, em 15 de fevereiro de 1919.
Como o termo ruína está especificado no documento, ocorreria
o entendimento equivocado de que não haveria outros imóveis no
sítio. Imaginava-se que este proprietário, o Sr. Fortunato provavel-
mente seria o responsável pela futura construção dos prédios existentes
atualmente já que, quando o repassou ao Sr. Arthur Ferreira de Oli-
veira em 26 de janeiro de 1934, o terreno já se encontrava edificado,
conforme é citado em documentos da CODEM.
Entretanto, essa hipótese logo se mostrou falsa devido à locali-
zação de registro fotográfico da época em que o chalé e suas duas
edificações anexas aparecem lado a lado. Ainda se pode deduzir da
imagem dessa fotografia, comparando-a com os prédios em seu estado
hodierno, que o maior recebeu ampliações e reformas ao longo do
tempo, de forma que sua fachada foi modificada, mas que a edícula
preservou suas linhas originais.
A foto abaixo, sem registro de data, mas com possibilidade de
remontar ao início do século XX, já apresentava os três volumes
edificados. Ao lado direito da entrada principal, está o chalé com sua
fachada principal em destaque, composta dum pórtico em ferro, de
dois arcos laterais menores e dum grande arco frontal, que cobre a
varanda, com guarda-corpo também em ferro, todos suportados por
colunas do mesmo material, ao passo que paredes internas provavel-
mente foram construídas em alvenaria de tijolo.
Logo atrás, no terreno, observa-se um telhado com telhas tipo
capa/canal, ponto de cobertura dum prédio menor (anexo), construído
16 Documento oficial obtido junto a Companhia de Desenvolvimento e administração
da área metropolitana de Belém – CODEM – órgão vinculado à Prefeitura da Cidade.

240
em alvenaria de tijolo e composto dum único ambiente. Do lado es-
querdo, em frente a uma gruta localizada no jardim frontal, percebe-se
uma edificação com platibanda de linhas ecléticas.
Figura 7: Fachada principal da residência de Antonio José de Lemos

Fonte: Acervo do Fórum Landi.

Desmistificado o equívoco, ainda importava desvendar se as


duas construções eram anteriores ou contemporâneas ao Chalé de
Lemos. Com o avanço da investigação, deduziu-se que os dois pré-
dios, apesar de não terem registros de sua origem, já existiam antes
mesmo da construção do chalé. Registros oficiais do acervo de patri-
mónio fundiário da CODEM citam o transpasse de dois terrenos na
Avenida Gentil Bittencourt, 32 e 77, atual 418, este último à esquina
da Travessa Doutor Moraes, datado de 13 de fevereiro de 1906, em
nome do Senador Antonio José de Lemos.
Acreditava-se que os terrenos não teriam sido edificados até esta
data, o chalé teria sido a primeira edificação construída no sítio;
entretanto, um anúncio do Jornal A República, de 19/3/1893 (ed.

241
00886, p. 3), citava o leilão de duas casas à Estrada da Constituição
(atual Av. Gentil Bittencourt), canto com a travessa Dr. Moraes, ou
seja, mesma referência, e frente com a Villa Mac Dowell.
Em razão da coincidência de localização, pode-se supor que ambas
as casas preexistiam à construção do chalé de ferro, mas o que confirma
de fato essa hipótese é um documento encontrado no processo de
apelação à ação ordinária de indenização contra o Estado dos danos
causados ao património de Antonio José de Lemos e sua esposa Ignez
Maria de Lemos, pela revolta popular que se instalou, culminando
na destruição do chalé e saque de objetos. Nele, há um documento,
escrito na cidade do Rio de Janeiro, datado de 20 de janeiro de 1913 e
assinado pelo próprio Lemos, que detalha minuciosamente os imóveis
e os bens pertencentes ao Intendente e refere-se à casa de vivenda.
O processo de apelação, arquivado na íntegra no Centro de Me-
mória da Amazônia, é indubitavelmente o documento mais impor-
tante sobre o chalé e as edificações remanescentes, que mencionam
os imóveis, seus usos e, por consequência, o faustoso estilo de vida
das elites belenenses na passagem do século XIX para o século XX.

Casa de vivenda
No terreno havia três corpos de construcção assobradada.
Prédio recentemente reconstruído, situado à Avenida Gentil
Bittencourt. sob nsº 30 e 32, que tinham as duas antigas
casas convertidas numa só com a reconstrução, contendo ao
lado direito à entrada, 3 salas; aposentos para dormitorio,
vestuario e toilette; sala para banhos e (sentinas) water-clause
com as respectivas installações; dependencia para deposito de
viveres e vinhos; e, em seguida, completamente isolados salão
destinado à bibliothéca, garage pª carros de luxo, etc. Do lado
esquerdo à entrada: sala que era ocupada pela Secretaria do
Comando Superior da Guarda Nacional, vasto compartimen-
to para cosinha e dispensa com passadiço, coberto de telhas
de vidro, para o salão de jantar; aposentos para dormitorio.
O prédio achava-se isolado por jardins, que, além de ple-
namente cultivados, continham repuchos, caramanchoes,

242
latadas, uma gruta, (de cimento) um pavilhão para música,
etc. Na parte inferior do prédio, arvores frutiferas, lavanderia,
xxxx xxxx da cosinha, galinheiro, horta, compartimentos para
banheiro, (sentinas) water-clause do pessoal empregado, etc.
O prédio continha o seguinte: estraordinário numero de
objectos artistícos em ouro, prata, bronze, mármore, ala-
brastro; telas de pintores notáveis, quadros históricos, bustos
e estatuêtas em bronze, mármore de carrara, terra-côta e bis-
cuit; brilhantes e outras pedras preciosas em obras, medalhas
históricas, relogios de algibeira; comfim, notável número de
coisas, com variadissima applicação, recebida em presentes
e acumuladas durante mais de 20 annos.........
Mobiliário de luxo para 3 salas e os diversos aposentos e com-
partimentos, inclusive candieiros com lampadas electricas,
ventiladores, asionados por corrente electrica, tapetes, camas,
objectos de escriptório, etc.
Roupas diversas para uso.........
Roupa para cama, colchas de sêda e outras, sêdas finas, toalhas
e garda-napos para mesa.......
Uniforme de Coronel Chefe do Estado-Maior da Guarda
Nacional, inclusive dragonas, duas espadas sendo uma com
incustrações de ouro e cravejada de brilhantes e rubis (1º,
2º, 3º e 4º uniformes)
Tudo quanto compoe uma grande sala de jantar, inclusive
mesas proprias pª esse mistér, baixellas e faqueiro de prata,
apparelhos de louça fina (de porcellana de sevres e outras
procedencias), garrafas e copos de bacccarat, jarrões e outros
objectos decorativos.
Trens de cosinha e o mais necessário ao funccionamento
desta, xxxx xxxx mesas de marmore, armarios, despositos
para agua.
Viveres existentes na dispensa.....
Vinhos de diversas qualidade e marcas.
Carros de luxo, sendo duas victorias e um landeau e respec-
tivos arreios.....
Animais domesticos de creação.....
Moeda em papel, ouro e prata......”17
17 CMA. Centro de Memória da Amazônia. Processo de apelação à ação ordinária de
indemnização contra o Estado dos danos causados ao património de Antonio José de Lemos
e sua esposa Ignez Maria de Lemos, Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1913.

243
O local exato de fixação do chalé no sítio foi preservado até a
presente data pois, apesar de ter sofrido diversas transferências de
proprietário, nada foi construído sobre a área original, mantendo
suas fundações inalteradas, permanecendo o canteiro em forma de
coração que antecedia o chalé.
Figura 8: Planta de situação da residência de Antonio José de Lemos, onde: 1 – Secretaria do
Comando Superior da Guarda Nacional, além de cozinha, dispensa e outros, 2 – Biblioteca
e 3 - Chalé.

Fonte: IBGE. Projeto de restauração da antiga residência do Intendente Antonio Lemos.

244
Figuras 9 e 10: Atual sede do IBGE no Pará e espaço de treinamento do IBGE.

Fonte: Cybelle Miranda, Ronaldo Marques de Carvalho (2015).

Observa-se que, das três edificações existentes no terreno, apenas


o chalé foi destruído. Além da residência de Lemos, foi incendiado
também o prédio do jornal A Província do Pará, de sua propriedade,
no motim que aconteceu na noite do dia 29 de agosto de 1912.

245
Há alguns registros fotográficos e vestígios de fundação da casa
original. Nelas é possível observar que o piso e o forro eram traba-
lhados em madeira e as paredes em alvenaria de tijolos. Pode ser
considerado um raro exemplar da arquitetura que mistura técnicas
tradicionais de construção e o emprego de materiais facilmente en-
contrados na região, a exemplo da madeira e o tijolo, e elementos em
ferro importados, com grande destaque e visibilidade para o meio
externo, fazendo um contraponto entre o novo e o antigo.
Derenji (1993) destaca que, para a época, o chalé sofreu uma
inversão na forma de emprego dos materiais, já que o mais comum
era as estruturas em ferro ficarem escondidas sob uma construção em
métodos tradicionais, como apresentado em muitos prédios contem-
porâneos a este; porém, no caso específico da residência de Lemos,
houve a intenção de destacar ou ostentar os materiais inovadores. A
autora ainda cita que a residência de Lemos talvez tenha sido o último
prédio residencial com fachada em ferro a ser construído em Belém.
Com base nas informações já coletadas, foi possível produzir
de forma aproximada parte da planta baixa da residência de Lemos,
conforme abaixo. Deduz-se que se tratava duma planta retangular,
com uma varanda à frente e alpendres nas laterais, três salas voltadas
para o convívio social e uma grande sala de jantar ao fundo. Os
demais cômodos não foram registrados em fotografias, impedindo
sua localização em planta.

246
Figura 11: Parte da planta baixa da residência de Antonio José de Lemos
elaborada mediante fotos da época e vestígios da fundação original

Fonte: Imagens do acervo Fórum Landi e planta baixa elaborada por Rony Cordeiro (2019).

247
Pode-se concluir que a arquitetura do chalé de Ferro foi impo-
nente para a sua época, provavelmente por ter pertencido a Antonio
Lemos, então ocupante da função mais proeminente da política na
cidade de Belém, e que, para além duma característica funcional,
ostentava poder e riqueza, trazendo um sentido de modernidade e
progresso. Nela, houve apropriação das tecnologias mais modernas e
construiu-se uma identidade e justificativa, para que as autoridades
municipais legitimassem historicamente a instalação dessas tecnolo-
gias, que ficaram representadas como símbolo de desenvolvimento
no imaginário coletivo tanto internamente, isto é, da sociedade local,
quanto externamente, isto é, dos habitantes doutras cidades.

3. ARQUITETURA E NATUREZA: SOBRE A PRESERVAÇÃO


DA MEMÓRIA DO JARDIM

O terreno da antiga residência do Intendente se localiza dentro


dos limites da área de bens imóveis tombados pela Fundação Cultural
do Município de Belém (FUMBEL), além de encontrar-se protegido
pela legislação federal, por pertencer à área de entorno do Cemitério
da Soledade (bem tombado pelo IPHAN desde 1964), tendo o imóvel
sua salvaguarda estabelecida pelo tombamento estadual do Depar-
tamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC)
em 1999. Em 2015, o prédio foi entregue após passar por obras de
reabilitação, cujo funcionamento foi parcialmente normalizado em
2016, porém nenhuma intervenção foi feita no jardim que contor-
na o prédio, ocupando toda extensão do terreno. A manutenção
limita-se ao serviço de poda e limpeza, exercido por profissionais
não especializados na função e o setor posterior do terreno serve de
estacionamento para os funcionários e depósito de veículos antigos.
O entendimento do bem patrimonializado demanda a análise
de suas áreas verdes, planejadas em consonância com os padrões do
romantismo adotado pelo proprietário em suas reformas urbanas, tais

248
como a criação da Praça Batista Campos, da Praça da República, do
Bosque municipal dentre outras intervenções. O tema dos jardins
históricos é ainda pouco explorado na cidade de Belém, muito embora
existam parques e jardins emblemáticos da chamada Era da Borracha,
que corresponde ao final do século XIX e início do século XX. Mais
raras ainda são pesquisas e proposições que visem interpretar, valori-
zar e promover soluções de projeto que tornem acessíveis jardins de
pequeno porte, de caráter privado ou de uso restrito a instituições.
Este é o caso do projeto de reabilitação paisagística do Jardim histórico
da casa de Antonio Lemos (CARVALHO, 2016).
Portanto, este trabalho visou pensar a cidade na escala da vizi-
nhança, ao mesmo tempo em que garante visibilidade ao espaço de
grande valor histórico, mas pouco reconhecido pela população que
transita ao seu redor. A integração entre pesquisa histórica e icono-
gráfica, inventário botânico, sondagem das necessidades do público,
e a análise de dados conferem às propostas de projeto a confiabilidade
em suas premissas e soluções, tratados com a sensibilidade que as
intervenções em ambientes históricos requerem.
Figura 12: Levantamento físico-cadastral por VANT

Fonte: Acervo Flavia Carvalho (2016)

249
Personagem que beira o mito, Lemos foi o responsável pela ‘mo-
dernização’ da cidade, e, muito preocupado com higiene e salubri-
dade, criou praças, bosques, arborizou avenidas com mangueiras, e
reservou ao habitar de sua família, uma fração do que planejou para
os espaços públicos da cidade. O projeto de reabilitação visa preservar
aspectos que conferem historicidade ao jardim, como o passeio dos
embrechados, bem como realizou o inventário das espécies vegetais
existentes hoje, de modo a inclui-las no projeto realizado. Deste
modo, a proposta buscou conciliar a criação de ambientes de lazer
contemplativo, referendadas por pesquisa de percepção com usuários
no entorno da edificação, com a criação de um gazebo que se inspira
nas linhas do chalé em ferro, já destruído, ocupado pela residência
do intendente, para o qual foi prevista a função de lanchonete para
servir aos moradores e usuários da vizinhança.
Figura 13: Imagem da maquete eletrônica da proposta de reabilitação

Fonte: CARVALHO (2016).


Tomando por referência o conceito de integridade exposto no
artigo Restauro e integridade: do concreto ao efêmero (SILVA, 2020):

250
‘Ao considerarmos a vegetação a principal matéria do jardim
histórico, e sendo ela capaz de transmitir sua imagem, a
integridade visual é considerada, até então, a mais indicada
para a verificação e, consequentemente, a conservação da
ideia [princípios de composição] de quem o projetou’ (p. 29).

O autor considera a integridade visual de um jardim histórico


como a que transmite uma emoção estética favorecida pela presença
da ideia de quem o concebeu, e sua presença garantirá a autenticidade
do bem. Assim, esta independe da autenticidade das espécies vegetais
(matéria) desde que as novas espécies possuam uma aproximação
plástica com às do projeto original. Um recurso apontado pelo autor
é o palimpsesto vegetal, formado a partir da fitocronologia do jardim
histórico, já que fornecerá a paleta vegetal histórica.
Portanto, o jardim de Antonio Lemos, exemplo ímpar de jardim
privado da Belle époque em Belém, ainda demanda investigação mais
profunda a fim de autenticar os componentes de sua significação
cultural. Contudo, a pesquisa e proposta de reabilitação desenvol-
vida no trabalho final de graduação elaborado por Flavia Marques
de Carvalho buscou referências em iconografia da época, a fim de
propor sua reabilitação como espaço histórico e atribuir utilização
compatível com uso social do espaço como área de Lazer contempla-
tivo. O trabalho identificou as características morfológicas do jardim
estudado e as associou ao seu período histórico, de modo a valorizar
estes elementos no projeto de revitalização e reabilitação do jardim,
tornando-o um ponto de atração aberto a visitações.

251
REFERÊNCIAS

CARVALHO, Flavia Beatriz Galende Marques de. Projeto de reabi-


litação paisagística do jardim histórico da casa de Antônio Lemos.
2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Arquitetura
e Urbanismo) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.

DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura do Ferro. Memória e


Questionamento. Belém: CEJUP, 1993.

ROCQUE, Carlos. Antônio Lemos e sua época: história política


do Pará. Belém: Editora Cejup, 1996.

SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do velho intendente. Belém:


Paka-Tatu, 2002.

SERRÃO, Vítor. A Cripto-História da Arte - análise de Obras de


Arte Inexistentes. Lisboa: Livros Horizonte, 2001.

SERRÃO, Vítor. Iconoclastia e cripto-história da arte: casos de estudo


e acertos teórico-metodológicos no património artístico português.
Artis on, n. 5, p. 8-24, 2017.

SILVA, Joelmir Marques da. Integridade visual nos monumentos


vivos: os jardins históricos de Roberto Burle Marx. 2017. Tese (Dou-
torado em Desenvolvimento Urbano) – Centro de Artes e Comuni-
cação, Universidade Federal de Pernambuco, 2017.

SILVA, Joelmir Marques da. Restauro e integridade: do concreto ao


efêmero. Anais do Museu Paulista, v. 28, p. 1-35, 2020.

252
SILVA, Simone Cravo da. Os pavilhões em ferro do mercado Bolo-
nha e Adolpho Lisboa: Patrimônio de uma arquitetura pré-fabricada.
2019. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculda-
de de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará, 2019.

253
POR UMA
ARQUITETURA
PARAENSE
NUM PROCESSO
DE INOVAÇÃO

254
255
E timologicamente, método significa a forma de se proceder ao
longo de um caminho (no andamento de um trabalho), a fim de
alcançar um objetivo pré-estabelecido. Método vem do grego meta
= longo + hodos = caminho.
A partir do desenvolvimento da informática, o projeto passa a
ser produto da eletrônica e programas variados apontam às novas
tomadas de decisão utilizando-se de modelos alternativos. Ao longo
dos movimentos da arquitetura, muitas metodologias projetuais já
foram postas em uso em que pensamentos, sentimentos, percepção
e intuição acabam por estar presentes no consciente do profissional
que produz arquitetura.
A criatividade humana está sujeita a uma gama de condições
e a imaginação é uma das capacidades do cérebro com grande im-
portância. A invenção segue um processo lógico em que a pesquisa
de dados, a associação dos dados, a avaliação ou crítica, bem como
a proposta compõem uma rede concatenada de ações e, a partir de
um método pode-se chegar à concretização de uma ideia a ser posta

256
em prática, seja ela de cunho teórico ou pragmático. Muitas soluções
dadas numa determinada invenção se processam no inconsciente.
Desta forma, ao desenvolvermos novas ideias, estamos diante
daquilo que chamamos de inovação. É impossível inovar sem que
haja um processo ou um produto diferenciado, de preferência, algo
que vá além daquilo que já foi pensado. Entretanto, é através da
inovação que se alcança novas fronteiras indo muito além daquilo
que já foi feito, buscando maiores atrativos com maneiras e formas
nunca antes atingidas.
O termo inovação,  é aplicável a processos e produtos, toda no-
vidade que se implanta no setor da produção, levado pelas pesquisas
e que aumenta a eficiência de processos produtivos ou implica na
concepção de um produto novo ou modificado. Assim, a inovação
de processos exige a adoção de métodos de produção novos ou de
algumas formas melhoradas, que podem envolver mudanças num
determinado equipamento ou na maneira da produção, ou simples-
mente uma combinação dessas mudanças, e que podem se derivar
do uso de um novo conhecimento.
A inovação de Produtos exige a produção de novos objetos com
características tecnológicas ou cujos usos pretendidos diferem daqueles
que foram produzidos anteriormente. Essas inovações podem envolver
tecnologias radicalmente novas, mas podem também basear-se na
combinação de tecnologias existentes em novos usos, derivadas da
utilização também de novos conhecimentos.
Neste módulo focalizamos quatro artigos que contribuem para
o processo de inovação, indo do uso da tecnologia computacional
no estudo da documentação patrimonial e sua reabilitação, passando
pelo desenvolvimento de novo método conceptivo e construtivo de
habitações que conduz à elaboração e construção de entes arquite-
tônicos decorrentes do elemento fundamental de sua sustentação
e estabilidade que é a estrutura constituída de materiais metálicos,

257
argilominerais e orgânicos. Por fim, propõe-se a concepção de um
novo componente arquitetônico voltado à execução de placas para
acabamentos de tetos.
Portanto, no artigo Uso da tecnologia BIM para a documenta-
ção do patrimônio: a Reabilitação do chalé 522 da Avenida Nazaré
enfatiza-se que a tipologia de uma edificação pode demonstrar a
cultura e as tecnologias coexistentes no período em que foi erguida.
Daí a importância em documentar e reabilitar edifícios que sirvam
de testemunho aos modos de construir a arquitetura de uma cidade.
A reabilitação pode ser considerada como um mecanismo que pode
reverter esse cenário, através da resolução de anomalias construtivas,
funcionais, higiênicas e de segurança, trazendo benefícios para os
centros urbanos, tais como o aproveitando da estrutura existente no
entorno e referência a memória da população. O objeto de estudo
do trabalho de conclusão de curso que inspirou este capítulo é um
imóvel com tipologia de chalé, localizado na Av. Nazaré, nº 522, em
Belém/PA, que se encontra em um estado avançado de deterioração,
condição que permanece desde 2010 até o ano da elaboração deste
livro. O desenvolvimento dessa proposta em ferramentas com tec-
nologia BIM poderia beneficiar os vários setores interessados, pois o
planejamento da obra seria mais rápido e o orçamento mais enxuto,
as perdas de materiais seriam menores e o gerenciamento do imóvel
pós-intervenção seria mais abrangente, culminando em uma durabili-
dade maior da vida útil da edificação. Somado a isso, o modelo gerado
para este fim é de grande importância para os estudos referentes à
própria edificação e a sua tipologia e poderiam contribuir tanto para
estudos arqueológicos com ênfase nessa tipologia, chegando às diversas
análises voltadas para o processo de reabilitação de edificações antigas.
No desenvolvimento do segundo artigo O método e a metodologia
projetual arquitetônica: do modernismo ao pluralismo contemporâ-
neo que trata da evolução da ciência e da tecnologia, destacam-se

258
novas formulações do método projetual em que a fabricação de ob-
jetos compondo sistemas de montagem observando uma sequência
com número de operações, além de programas mais complexos para
os edifícios, com técnicas construtivas mais arrojadas passa a exigir
um planejamento de novo processo que usa o projeto do projeto (o
meta-projeto). Há, desta maneira, um controle contínuo sobre o
processo que permite o seu aperfeiçoamento durante o seu desen-
volvimento, o que não ocorre no método tradicional, caracterizado
na ‘tentativa e erro’ que somente no fim da ação poderá ser corrigido
ou aperfeiçoado.
O artigo seguinte, Cobrindo grandes vãos: a utilização da madei-
ra, do metal e do concreto armado para a construção das estruturas,
demonstra que um componente essencial da arquitetura é sem dúvida
nenhuma a estrutura, que se corporificará desde as fundações, passan-
do pelos apoios externos, verticalizados ou não, indo até a cobertura,
tanto de um simples abrigo quanto da concepção de grandes espaços
destinados a diversos fins. Necessitam de sustentação e estabilidade,
que decorre de condicionantes constituintes das características dos
materiais utilizados, suas dimensões e composição. É necessário para
tal precaver-se a própria estabilidade da estrutura quanto ao seu peso
próprio e às sobrecargas, a que esta estará submetida. Os fenômenos da
natureza, tais como o vento, as descargas atmosféricas, os terremotos
entre outros, só serão resistidos pela arquitetura das edificações de
uma forma geral se a estrutura destas for bem projetada, calculada e
executada. E, desta maneira, o uso de diversos materiais estruturais
exige continuamente todo um processo de inovação quanto ao em-
prego de materiais orgânicos minerais e argilosos.
No artigo conclusivo desta coletânea, As placas do forro de estu-
que da antiga capela da Santa Casa de Misericórdia do Pará: elaboração
de protótipos como subsídio para reabilitação tem como objetivo
principal conceber uma argamassa mais leve e que substituísse a

259
argamassa à base de gesso utilizada no forro de estuque da Capela em
estudo. Procedeu-se o comparativo entre o peso próprio das duas pla-
cas: a original, contendo a base e os elementos ornamentais, e a nova
placa proposta com a argamassa correspondente ao concreto celular.
Os resultados alcançados foram promissores, tanto no sentido
da utilização sustentável de rejeitos de construção civil além de ou-
tros rejeitos da indústria moveleira e da indústria mineral quanto na
concepção inovadora dos modelos e no processo de montagem do
forro. A placa confeccionada com a argamassa proposta respondeu
aos objetivos almejados e assim a confecção de um protótipo sim-
plificado substitutivo das placas originais em estuque acabaram por
demandar um aprofundamento maior na pesquisa, quanto à forma
de reprodução dos motivos ornamentais, além de novas formas de
sustentação das placas no teto.
O módulo III: Por uma arquitetura paraense num processo de
inovação agrega estudos no campo do processo de projeto e das
tecnologias construtivas, demonstrando possibilidades diversas de
aplicação na atuação profissional do arquiteto, com ênfase no tra-
balho de reabilitação de edifícios antigos, cuja recuperação implica
em valorização da história e memória locais, além de incorporar
procedimentos sustentáveis e ambientalmente compatíveis.

260
USO DA TECNOLOGIA BIM PARA A
DOCUMENTAÇÃO DO PATRIMÔNIO:
a Reabilitação do chalé 522 da Avenida Nazaré

Bianca Barbosa do Nascimento


Cybelle Miranda

1. A DOCUMENTAÇÃO COMO MECANISMO DE


RECONHECIMENTO DA ARQUITETURA

A tipologia de uma edificação pode demonstrar a cultura e as


tecnologias coexistentes no período em que foi erguida. Daí a impor-
tância em documentar e reabilitar edifícios que sirvam de testemunho
aos modos de construir a arquitetura de uma cidade. A reabilitação
pode ser considerada como um mecanismo que pode reverter esse
cenário, através da resolução de anomalias construtivas, funcionais,
higiênicas e de segurança, trazendo benefícios para os centros urba-
nos, tais como o aproveitando da estrutura existente no entorno e
referência a memória da população. O objeto de estudo do trabalho
de conclusão de curso que inspirou este capítulo é um imóvel com
tipologia de chalé, localizado na Av. Nazaré, nº 522, em Belém/PA,
que se encontra em um estado avançado de deterioração, condição
que permanece desde 2010 até o ano da elaboração deste livro.

262
Figura 1: Chalé 522, situação atual

Fonte: Bianca Barbosa (2017).

O processo de documentação embasou o anteprojeto de reabi-


litação para o Chalé 522 com vistas a abrigar as atividades de exten-
são promovidas pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia
(PPGA) da Universidade Federal do Pará, utilizando a tecnologia
BIM, a fim de potencializar a criação de soluções tipológicas e cons-
trutivas e contribuindo para o conhecimento científico dessa tipologia
como integrante da história da arquitetura no Pará.
Nas primeiras décadas do século XX, mais precisamente a partir de
1920 até 1940, as tipologias conhecidas como chalés começaram a se
difundir amplamente pelos bairros centrais de Belém. Essa tipologia
era utilizada tanto por arquitetos reconhecidos como José Sidrim,
como em residências sem autoria definida, tendo por vantagens a
facilidade proporcionada pelas soluções construtivas adotadas, além
dos custos baixos para construção, uma grande variação de tamanhos
e de soluções para a cobertura (CAL, 1989).

263
A tipologia de chalé mais utilizada em Belém remetia às cons-
truções rurais europeias, onde a casa era isolada no lote, possuía
jogos de telhado que proporcionavam soluções volumétricas bastante
interessantes para a época, possuíam sótão, com óculos ou pequenas
janelas que ajudavam na ventilação, além da presença de sacadas.
Essas casas deixaram um legado arquitetônico muito significativo
para a cidade, no entanto, muitos exemplares encontram-se bastante
descaracterizados e, alguns casos, extremamente deteriorados.
Os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa em ques-
tão consistem na:

• Elaboração de referencial teórico sobre a arquitetura


eclética, explorando aspectos ligados à forma, a esté-
tica e a tipologia arquitetônica dessas edificações, bem
como sobre os processos de reabilitação em edificações
históricas e sobre o emprego de tecnologia BIM em
projetos de arquitetura;
• Levantamento de dados sobre a edificação a ser reabili-
tada e de alguns exemplos de chalés presentes na cidade
de Belém que possuam elementos arquitetônicos e
tipologias semelhantes;
• Análise de dados coletados sobre os chalés, levando em
consideração o referencial teórico elaborado;
• Concepção do anteprojeto de reabilitação do chalé da
Av. Nazaré, levando em conta as pesquisas realizadas
sobre a linguagem arquitetônica desta edificação e
sobre reabilitação.

264
2. O TIPO CHALÉ E SUA IMPORTÂNCIA PARA A
CARACTERIZAÇÃO DO BAIRRO DE NAZARÉ

O bairro de Nazaré surge a partir da Estrada de Nazaré, cami-


nho onde se implantaram no início do século XIX as rocinhas, casas
de campo da burguesia belemense1, as quais foram paulatinamente
substituídas por residências de partido neoclássico, muitas delas em
formato de vila (moradia em banda, para os portugueses), bem como
casas burguesas soltas no lote, em estilo neoclássico e eclético. O
predomínio da arquitetura residencial burguesa no bairro, além da
arborização com mangueiras das principais artérias, confere a este
uma distinção em relação aos demais sítios de Belém.
O bairro foi gradativamente ocupado pela elite belenense por estar
localizado em um “espaço geográfico privilegiado, pois corresponde
a um sítio alto e seco em relação ao topo do terreno onde se situa
Belém, que é em grande parte baixo e alagadiço” (AZEVEDO, 2015,
p. 57). Em 1920, a população do bairro era predominantemente da
elite local e as construções que serviam como residências destes eram
“na maioria composta por edificações confortáveis e com fino acaba-
mento, sendo algumas conhecidas sob a denominação de palacetes”
(AZEVEDO, 2015, p. 63).
Com o tempo, o bairro passou por várias intervenções urbanas e
arquitetônicas em busca da modernidade e do progresso. Sobre a evo-
lução urbana do bairro de Nazaré, Felipe Moreira Azevedo afirma que:

Com o agravamento do processo de descaracterização, hoje


se vê um hibridismo quanto à arquitetura no bairro de Na-
zaré, haja vista que determinados prédios são preservados,

1 Segundo SOARES, Roberto de La Rocque. Vivendas Rurais do Pará Rocinhas


e outras (do século XIX ao XX). Belém: Fundação Cultural do Município de Belém, 1996,
foram listadas 42 rocinhas na Avenida Nazaré, antiga Estrada de Nazaré, maior número de
exemplares encontrados nas pesquisas documentais.

265
principalmente pelo seu valor histórico, porém outros são
demolidos para a construção, em sua maioria, de novas edi-
ficações residenciais multifamiliares (AZEVEDO, 2015, p.
69).

Segundo Miranda e Carvalho (2009), o chalé, embora fosse ba-


seado em modelos importados da Europa, reformulou o modo de
morar da população belemense, substituindo as plantas coloniais por
partidos compostos “por uma série de compartimentos na residência
como a sala de música, de jantar, de jogos, além de separar os dor-
mitórios no piso superior. A liberação dos limites do lote, volume-
tria arrojada e adaptabilidade climática contribuíram às tendências
modernas futuras” (p. 3).
Muitas dessas construções pré-fabricadas possuíam características
tipológicas de residências rurais presentes em regiões europeias, que
continham um caráter romântico e pitoresco, e eram conhecidas
como chalé. Segundo Albernaz e Lima (1998), o chalé é uma tipo-
logia de casa que:

Tem como principais características o uso de madeira como


elemento estrutural e decorativo, a utilização da ornamen-
tação rendilhada, particularmente o LAMBREQUIM, o
empego de telhado de duas águas com amplos beirais e a
implantação em centro de terreno com empena voltada para
a via pública [...]. Sua presença é marcante nas cidades que
tiveram entre seus povoadores imigrantes alemães ou suíços
[...]. No Rio de Janeiro, antigo tipo de edificação popular que
utilizava a madeira como elemento de vedação. Foi muito
frequente na cidade em fins de século XIX [...]. Principal-
mente no interior do Rio Grande do Sul, casa de madeira
rural ou campestre. Em todos os sentidos é usada às vezes a
grafia francesa chalet (ALBERNAZ; LIMA, 1998, p. 141).

O chalé pode ser considerado como uma tipologia que remete aos
ideais de vida campestre, que eram disseminados durante a corrente

266
romântica no século XIX (CAMPOS, 2008 apud GLERIA, 2013).
Quanto às características pitorescas, Peter Collins (apud GLERIA,
2013) considera que esse tipo de edificação possuía um caráter pi-
toresco em decorrência da forte relação de complementação entre a
fachada com a paisagem natural em que ela estava inserida, remetendo
a um sentido mais pictórico da composição obtida entre arquitetura
e paisagem, referindo-se principalmente às construções rurais da In-
glaterra. A composição arquitetônica dessas residências não resultava
somente do arranjo espacial interno, era fundamental que a estética
dessas casas estivesse em harmonia com o entorno.
O autor também reconhece que o caráter pitoresco proporcio-
nou à tipologia arquitetônica em questão, uma liberdade maior em
relação à concepção projetual ao incorporar a assimetria tanto para a
composição das fachadas, quanto para a distribuição dos ambientes
em planta. Esse fator atribuiu ao projeto elementos como comple-
xidade, irregularidade e originalidade, bem como a integração deste
com o cenário paisagístico no qual a edificação estava inserida, já
que a própria paisagem não se comporta de maneira homogênea.
Com relação à concepção do partido, foram empregados conceitos
de racionalidade, funcionalidade, conforto, privacidade e intimidade,
prefigurando modos de morar modernos.
O partido arquitetônico dos chalés brasileiros contém muitos
elementos que referenciam aos chalés europeus, porém este tipo for
adaptado às preferências da sociedade local em detrimento a alguns
materiais e ornamentos. Reis Filho (1978) comenta que, apesar da
opção pelo uso da madeira como vedação nos chalés alpinos, no Brasil
as vedações eram feitas com paredes estruturais de tijolo aparente, por
conta do preconceito contra a madeira, que naquele período não era
considerada como um material nobre a ser usado nas residências de
uma sociedade mais abastada. Outros elementos, como a própria ma-
deira em ornamentos e arremates de elementos, revestimento cerâmico

267
(ladrilhos e azulejos), gradis, colunas e alpendres foram acrescentados
como forma de tornar a obra mais original e de contextualizar com o
modo de produzir, as técnicas construtivas e o repertório arquitetônico
conhecidos e utilizados naquela época.
Segundo Reis Filho (1978), as paredes eram construídas em al-
venaria de tijolo e cal, com espessura aproximada de 60 centímetros.
Os azulejos podiam ser encontrados nas paredes externas, enquanto
nas áreas molhadas, o uso de revestimento cerâmico, seja azulejo ou
ladrilho hidráulico, era bastante comum. A madeira era utilizada nos
pisos e nos forros: enquanto a madeira do forro, por vezes possuía o
encaixe “macho e fêmea” como forma de garantir um bom encaixe
da estrutura, o piso poderia ser em parquet com desenhos de variados
tipos de madeiras de tons diferentes. Quanto à cobertura, a estrutura
era geralmente em madeira, com a
forma de tesouras. As telhas poderiam ser tipo capa canal, entre-
tanto, pela inclinação dos telhados, era mais comum o uso de “telhas
de barro ou lâminas de ardósia, importadas de Marselha [...] para
evidenciar o abandono das soluções plásticas tradicionais” (REIS
FILHO, 1978, p. 160).
Quanto à disposição dos ambientes na planta, Carmen Cal (1989)
afirma que a configuração se dava através da divisão em saletas. Ge-
ralmente, os ambientes sociais como sala de estar e cozinha permane-
ciam no térreo, enquanto ambientes mais íntimos como os quartos,
localizavam-se no 1º pavimento. Esse tipo de divisão não condizia
muito à sociedade da época, que teve que se adaptar a esse tipo de
moradia. Em alguns casos, a escada era mal planejada, por ser íngreme
demais ou por estar mal posicionada na planta. Apesar disso, havia
uma preocupação quanto ao conforto da casa, seja pela utilização de
portas internas com bandeiras vazadas ou pelo pé direito alto.
As edificações com tipo chalé foram utilizadas até o início da
década de 50 do século XX, quando aos poucos foi sendo substituída

268
pelas casas tipo bangalô. Essas casas deixaram um legado arquitetônico
muito significativo para a cidade, que merece ser analisado e estudado
mais a fundo para entender melhor a evolução da forma de morar
da sociedade belenense.

3. DOCUMENTAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE


REABILITAÇÃO DE EDIFICAÇÕES HISTÓRICAS

Visando a proteção do patrimônio, seja em escala arquitetônica


ou urbanística, a Carta de Lisboa foi criada durante o 1º Encontro
Luso-Brasileiro de Reabilitação Urbana - Lisboa, ocorrido em outubro
de 1995. Essa carta visa o estabelecimento de princípios norteadores
para as intervenções e suas aplicações no patrimônio edificado. Entre
as definições e conceitos estipulados pela carta, a reabilitação de uma
edificação pode ser considerada como um mecanismo para “a recu-
peração e beneficiação de uma construção, resolvendo as anomalias
construtivas, funcionais, higiénicas e de segurança acumuladas ao
longo dos anos” (CARTA DE LISBOA, 1995), para melhorar o de-
sempenho da edificação, alcançando os níveis de exigência impostos
pela modernidade.
Para escolher o procedimento de intervenção mais adequado
para a edificação é necessário que haja um entendimento entre o tipo
de uso, o desempenho da edificação e a ação do tempo. O esquema
criado por Halberg (apud OLIVEIRA, 2013, p. 36), serve para en-
tender quais tipos de medidas são mais adequadas para o estado de
degradação que o edifício possui, bem como sobre as ações realizadas
(ou não) ao longo do ciclo de vida útil da edificação.
Paralelamente às realidades europeia e norte americana, a rea-
bilitação de edificações ainda é um processo de conservação pouco
utilizado no Brasil. As ações já realizadas são pontuais (a maior parte
voltada para habitações de interesse social e edificações institucionais)

269
e geralmente são incentivadas por órgãos públicos. Segundo o Projeto
REABILITA o processo de reabilitação de uma edificação não possui
leis específicas que incentivem essa forma de conservação no país e
a viabilização desse processo se dá por políticas públicas e linhas de
financiamento disponibilizadas pelo governo. A falta de qualificação
da mão de obra, o desconhecimento de como gerir um processo de
reabilitação aliado à especulação imobiliária nas áreas centrais, podem
ser identificados como algumas das dificuldades para a realização de
reabilitações em edificações antigas dos centros urbanos brasileiros
(OLIVEIRA, 2013).
A reabilitação de edifícios ganha importância pela análise conjunta
de uma série de variáveis. De um lado, ao defender e conservar o
patrimônio construído e, por outro dotá-lo de capacidade de res-
posta à contemporaneidade, integrando valores sociais, ambientais
e de sustentabilidade. Essa preocupação com a sustentabilidade está
cada vez mais presente na realização de intervenções de reabilitação
de edifícios ou mesmo urbanas (DELGADO, 2008).
A reabilitação também pode ser considerada um instrumento
capaz de trazer diversos benefícios para a cidade, principalmente para
os centros históricos, pois ao recompor as edificações degradadas nas
áreas mais centrais, aproveitando a estrutura já existente no entorno,
os resultados podem implicar na melhoria da paisagem urbana e na
preservação do patrimônio edificado da cidade. Além disso, ao rea-
lizar a reabilitação, os edifícios mais antigos serão capazes de suprir
os interesses por uma demanda de uso que poderia ser destinada à
construção de um prédio contemporâneo (OLIVEIRA, 2013).
Para que o processo de reabilitação inicie, é necessário buscar in-
formações arquitetônicas e construtivas das edificações que se queiram
reabilitar, a fim de analisar as condições da construção para averiguar
o nível de intervenção a ser realizada. Esse levantamento prévio pode
ajudar na conservação de elementos importantes da edificação, além

270
de estipular formas de intervenções mais sustentáveis e coerentes com
a estrutura preexistente.
Maria Joana Delgado afirma que

A caracterização arquitectónica e construtiva de um edifício


ou de um conjunto mais alargado pode ser feita de diversas
formas mas passa sempre pelo registro dos seus aspectos mais
relevantes. Para tal é necessário recorrer a levantamentos ar-
quitectónicos e estruturais que permitam proceder a uma
caracterização tipológica e morfológica, reconhecer o tipo
de construção, a época da construção, etc. Complementar-
mente poderão realizar-se inspecções (mais ou menos intru-
sivas), com recurso aos meios entendidos como adequados
(fotografia, medições, etc.) e eventualmente sondagens. Es-
tas permitem verificar o estado de conservação do edifício,
nomeadamente dos seus elementos primários, e com isso
determinar tudo aquilo que deverá ser substituído, reforçado
e acautelado impedindo a progressão da degradação. (DEL-
GADO, 2008, p. 14)
A sustentabilidade pode ser considerada como parte dos atrativos
da reabilitação. Morettini (apud OLIVEIRA, 2013) afirma que é ne-
cessário que os conhecimentos sobre sustentabilidade e as tecnologias
sustentáveis sejam empregados nas reabilitações para que possam
trazer benefícios para os usuários das edificações que passaram por esse
tipo de intervenção. A compatibilidade com a construção preexistente,
a gestão dos resíduos gerados durante a obra, além da otimização do
desempenho energético e do uso de água são fatores indispensáveis
quando se pensa em uma reabilitação sustentável (OLIVEIRA, 2013).
A construção civil é um setor da indústria com grande potencial
de poluição, de modo que, ao utilizar a construção sustentável em
novas edificações, incorporando diretrizes que estimulam o desen-
volvimento sustentável nos projetos, o projetista acaba ganhando
alternativas favoráveis aos custos da obra e na economia de materiais.
Ao optar pela reabilitação com diretrizes sustentáveis, ao invés de uma

271
construção nova, além da economia de materiais, há uma diminuição
na produção de rejeitos de obras, diminuindo o impacto ambiental
causado pela construção (CÓIAS, 2007).
Entretanto, deve-se levar em consideração que a reabilitação é um
processo mais complexo e específico, que exige um estudo maior da
edificação a ser reabilitada, para que as intervenções a serem realizadas
sejam compatíveis e adequados em relação a preexistência da edifica-
ção. O registro iconográfico é uma das ferramentas mais importantes
para a preservação da memória. Na arquitetura, esse registro, quando
bem feito, é essencial para toda e qualquer ação que se pretenda
executar com precisão. Quando se trata de edificações históricas e/
ou de interesse cultural, a representação cadastral se torna a base para
o planejamento de intervenções, para a análise histórico-crítica da
edificação e um retrato das suas transformações ocorridas ao longo
do tempo (OLIVEIRA, 2008).
O cadastro arquitetônico é uma ferramenta utilizada desde a
Grécia Antiga e os procedimentos utilizados abrangem o desenho
arquitetônico, tratados arquitetônicos que se propõem a armazenar
informações em texto e ilustrações sobre o objeto arquitetônico a ser
levantado, passando pela contribuição da engenharia militar através
de levantamentos precisos e chegando até à construção de maquetes
físicas (OLIVEIRA, 2008).
Os equipamentos e as técnicas utilizadas para o levantamento
passaram por várias evoluções, de modo a atender as necessidades e
as condições oferecidas em campo. Atualmente, instrumentos como
lapiseiras, pranchetas, trenas e prumos, ainda são indispensáveis para
a realização do cadastro (OLIVEIRA, 2008). Contudo, outras ferra-
mentas foram desenvolvidas para facilitar o processo de cadastramento
arquitetônico e urbanístico e fornecer informações mais precisas, que
são voltadas principalmente para o levantamento de áreas extensas,
de grandes edificações e para áreas de difícil acesso.

272
A triangulação, as coordenadas cartesianas e polares ou as poli-
gonais são métodos ainda muito utilizados para a obtenção de medi-
das em edificações históricas. Contudo, nem todas essas edificações
oferecem condições favoráveis para a execução desses métodos. A
dificuldade de acesso a um determinado cômodo de uma edificação
ou até a precariedade do sistema estrutural apresentado pelo edifício,
podem oferecer riscos à equipe responsável pelo cadastro, como é o
caso do Chalé em estudo.
Tais adversidades podem ser contornadas com a ajuda de ferra-
mentas capazes de obter dados precisos, sem que a equipe responsável
pelo levantamento precise se expor a riscos físicos. Segundo Luis
Mateus (2011), esses métodos podem ser considerados indiretos,
pois, ao contrário dos métodos diretos (no qual cada ponto registrado
no qual se adquire a informação foi cuidadosamente escolhido), a
informação coletada é obtida de zonas mais ou menos amplas, onde é
possível registrar uma quantidade de pontos muito maior em relação
aos métodos diretos. Como exemplos dos métodos indiretos estão a
fotogrametria e o 3D Laser Scanning.
Segundo a International Society for Photogrammetry and Remote
Sensing (apud PALERMO; LEITE, 2013), a fotogrametria é consi-
derada como “a arte, ciência e tecnologia de obtenção de informações
confiáveis sobre a superfície da Terra e outros objetos físicos através
de medições, análises e representações feitas a partir de fotografias”
(PALERMO; LEITE, 2013, p. 25). Com o desenvolvimento com-
putacional, a fotogrametria passou por evoluções que otimizaram o
processamento das informações. Atualmente a fotogrametria pode ser
realizada com informações de fotografias ou imagens digitais, seja por
câmeras digitais ou pela digitalização de filmes analógicos. Quanto
ao uso no levantamento cadastral, é possível utilizar a fotogrametria
aérea e/ou a terrestre (OLIVEIRA, 2008).

273
Para a execução do levantamento fotogramétrico aéreo é neces-
sário o apoio de um Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), onde
câmeras métricas especiais são acopladas e, a partir do percurso reali-
zado por esses veículos, são geradas as tomadas fotográficas inclinadas,
verticais e quase verticais2. Esse método de levantamento cadastral
vem sendo usado principalmente por profissionais da área do Plane-
jamento Urbano e Regional em decorrência da abrangência de áreas,
possibilitada por esse tipo de levantamento. No âmbito patrimonial,
a fotogrametria aérea tem sido usada para o estudo dos centros his-
tóricos das cidades.
A fotogrametria terrestre pode ser realizada com o uso de uma
câmera métrica ou com uma câmera fotográfica que possua uma boa
resolução. Após a realização das fotografias necessárias, as imagens
obtidas podem passar por um processo de retificação digital, onde
as mesmas são processadas em softwares de edição e estes deformam
a perspectiva para encontrar a verdadeira proporção do objeto a ser
levantado. Para isso, é necessário o conhecimento de pelo menos
uma das medidas do objeto, para que esta se torne um parâmetro
no processo de retificação. A restituição também se caracteriza como
um processo de manipulação da imagem semelhante à retificação,
sua diferença, no entanto, consiste no tamanho da imagem obtida
no término do processo, que deve ser do mesmo tamanho do objeto
levantado, demonstrando sua forma real em duas dimensões (OLI-
VEIRA, 2008).
O 3D Laser Scanning é uma técnica com alto grau de precisão,
que consiste em executar varreduras a laser no objeto a ser mensu-
rado, traduzindo a informação coletada em uma nuvem de pontos
que representa o volume apresentado pelo objeto. Essa técnica é
recomendada em caso de levantamentos muito complexos, como o
levantamento de conjuntos arquitetônicos e o levantamento de facha-
das de grande extensão ou que apresente muitos detalhes. Essa técnica
2 Ver uso desta técnica no Capítulo 10.

274
também pode ser combinada com a fotogrametria para potencializar
os resultados obtidos na coleta de informação (OLIVEIRA, 2008).
Em associação a tais técnicas, a criação de softwares voltados
para o desenho de arquitetura pode ser considerada como um dos
grandes acontecimentos no âmbito de representação da arquitetura.
A metodologia e a tecnologia proposta pelo Building Information
Modelling, ou tecnologia BIM, como é conhecida no Brasil, é um
grande avanço em termos tecnológicos para a construção e intervenção
em exemplares arquitetônicos.
Através da tecnologia BIM, é possível representar com mais
precisão os registros construtivos, intervenções e adaptações reali-
zadas na edificação. Essa tecnologia pode ser caracterizada como
um instrumento que permite a descrição dos aspectos geométricos e
construtivos, além da criação de cenários alternativos para ajudar na
gestão, através da construção da maquete virtual. Essa metodologia
de trabalho incorporada ao BIM também é capaz de caracterizar os
objetos ao máximo, ajudando no armazenamento das informações
e na criação de uma base de dados que abrange todo o ciclo da vida
de uma edificação (PEREIRA, 2015)
A tecnologia BIM permite a otimização dos desenhos, facilita
a análise e simulações de determinadas informações, atribui uma
maior precisão aos detalhes construtivos, permite a viabilidade de
uma construção de forma mais sustentável, reduzindo custos através
da quantificação dos materiais que serão utilizados no projeto. Outra
vantagem é a de proporcionar a interdisciplinaridade do projeto, por
meio da colaboração de outros profissionais que disponham desta
tecnologia (PEREIRA, 2015).
Contudo, o emprego do BIM não é comum em edificações pree-
xistentes, apesar da sua aplicação ser possível em edificações maio-
res e mais complexas em termos construtivos. Quando é utilizado,
a tecnologia pode ficar restrita ao monitoramento da performance

275
da edificação ou pode ser usada na criação de percursos virtuais. A
informação incompleta ou fragmentada, ou até mesmo obsoleta da
edificação preexistente, aliada as dificuldades no acesso ao BIM e a
uma mão-de-obra que tenha conhecimentos sobre o funcionamento
da tecnologia são fatores que acabam desestimulando seu uso. De
acordo com João Maria Pereira,

Apesar da estimativa digital de custos e da gestão de dados,


as funcionalidades BIM em desconstrução, as análises de vul-
nerabilidade e colapso, a gestão de emergências, a localização
ou documentação dos riscos ou materiais contaminantes ou
o planeamento do cenário de risco ainda são raros na litera-
tura deste tipo de artigos. Por outro lado, outras potenciais
funcionalidades da BIM não são cobertas ainda, como o pla-
neamento de execução de demolições ou do desenvolvimento
em obra, a gestão da reciclagem de materiais, as logísticas das
redes de reciclagem, a monitorização dos componentes de
risco ou o reportório automático às autoridades. (PEREIRA,
2015, p. 26).

A tecnologia BIM foi associada ao software Autodesk Revit 2016


como ferramenta usada no desenvolvimento de todas as etapas de
modelagem, desde os estudos de forma, passando pela modelagem do
chalé antes do incêndio com base nos arquivos em CAD existentes,
até a concepção das pranchas e da maquete eletrônica. A escolha pelo
uso do Revit para auxiliar no desenvolvimento do projeto se deu pela
familiaridade com a interface do software, além da disponibilidade no
acesso ao programa, já que a empresa responsável pela sua produção
(Autodesk) disponibiliza versões gratuitas do software para estudantes
de graduação de áreas criativas.

276
4. O CHALÉ DA AVENIDA NAZARÉ: CARACTERIZAÇÃO E
DIAGNÓSTICO

De acordo com o zoneamento proposto pelo Plano diretor da


cidade de Belém (2008), o bairro de Nazaré se encontra em zonas
diferentes. A maior parte do bairro está localizada dentro da Zona
de Ambiente Urbano 6 (ZAU 6), e uma pequena fração da Zona
de Ambiente Urbano 7 (ZAU 7). O quarteirão onde a edificação se
encontra está dentro da ZAU 7, bem próximo ao limite entre esta
zona com a ZAU 6 (Figura 20). A quadra está localizada no Setor II
da ZAU 7, que se caracteriza como uma zona de transição entre o
centro histórico e as demais áreas da cidade, com uma predominância
de imóveis de uso misto, apresentando uma diversidade arquitetônica.
Ela também é caracterizada pelo crescente processo de verticalização
da ocupação do uso do solo, bem como da degradação de imóveis
históricos presentes na área (BELÉM, 2008).
Figura 2: Localização do quarteirão do objeto de estudo dentro da ZAU 7.

Fonte: Anexo V – Zoneamento (BELÉM, 2008) alterado por Bianca Barbosa do Nascimento
(2016).
As informações colhidas para o levantamento documental
e cadastral foram obtidas nos laudos realizados pelo Sistema de

277
Gerenciamento dos Imóveis de Uso Especial da União e pelo Pri-
meiro Comando Aéreo Regional (I COMAR), que foram cedidos pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e
através do Cadastro Técnico Multifinalitário (CTM) disponibilizado
pela Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metro-
politana de Belém (CODEM). Quanto ao levantamento fotográfico,
as imagens mais antigas foram disponibilizadas pelo Departamento
do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Estado do Pará
(DPHAC-SECULT), datadas entre os anos de 2006 e 2010, e as
imagens mais recentes foram registradas durante visitas in loco nos
anos de 2014 e 2016.
A edificação está localizada em um lote com uma área de apro-
ximadamente 1.297,20 m², medindo 10,70 m de frente, 96,30 m
pela lateral esquerda, uma linha quebrada de três secções na lateral
direita, medindo 75,80 m, 9,90 m e 20,50 m respectivamente, e
21,20 m no travessão de fundos. A área construída é composta por
uma edificação do tipo chalé com aproximadamente 252,23 m² de
área construída, distribuídos em dois pavimentos, e uma edícula de
34,64 m².
Figura 3: Perspectiva esquemática da implantação do chalé e sua edícula no lote

Fonte: Bianca Barbosa do Nascimento (2017).

278
Após o processamento das informações obtidas e do desenho da
planta em AutoCAD, foi realizado em março de 2014 um levan-
tamento fotográfico que possibilitou a verificação das informações
obtidas. Esse levantamento foi executado através da visualização do
chalé a partir de um edifício comercial vizinho à edificação, pois não
haviam condições adequadas que permitissem o acesso em decor-
rência da quantidade de entulhos impedindo a entrada. A partir do
levantamento fotográfico foi possível confirmar que a edificação tem
características da arquitetura residencial com tipologia remetendo a
um chalé europeu, com paredes de vedação e estruturas em alvenaria
e a estrutura de piso do 1º pavimento e de telhado construídos em
madeira. A cobertura atual tanto da edificação principal, quanto da
edícula, é feita com telhas de fibrocimento.
A residência apresenta recuo e afastamentos em quase todas as
fachadas, com exceção da fachada oeste onde parte da edificação se en-
contra rente ao muro. O edifício principal apresenta perda significativa
do revestimento de cobertura, sendo que em alguns trechos é possível
observar apenas a presença de parte da estrutura de sustentação que
se encontra bastante comprometida, em razão da perda das estruturas
de madeira e ausência significativa de telhamento. Tal fator ocasiona
infiltração de umidade nas paredes, o que pode vir a comprometê-las,
uma vez que as mesmas apresentam função estrutural.
Há escoras ao longo da construção para evitar qualquer tipo
de risco de desmoronamento das paredes, em especial nas empenas
frontal e lateral, as quais apresentam perda de estruturas de madeira-
mento do telhado, podendo ocasionar a instabilidade dos elementos
de vedação. Foi possível perceber também que a divisão de ambientes
existentes se assemelha bastante a divisão original, segundo levanta-
mento realizado pelo I COMAR.
A partir da verificação do estado atual de conservação da edifi-
cação, que demonstrou o significativo nível de deterioração em que

279
ela se encontra, houve a necessidade de buscar referências para a
identificação dos elementos arquitetônicos presentes no chalé. Para
isso, foram utilizados os conhecimentos previamente obtidos a partir
da bibliografia consultada sobre este tipo, os registros fotográficos
feitos do chalé entre os anos de 2005 a 2011 cedidos pelo DPHAC,
e o levantamento fotográfico, realizado em agosto de 2016, do Res-
taurante Calamares, localizado na Av. Generalíssimo Deodoro, n.º
1133, também no bairro de Nazaré.
Figura 4: Restaurante Calamares

Fonte: Cybelle Miranda (2021).

280
A escolha do Restaurante se deu por conta das semelhanças tipo-
lógicas entre a edificação e o objeto de estudo, por serem construções
datadas da mesma época e pelo bom estado de conservação que o
restaurante apresenta nos dias atuais. Esses fatores possibilitarão a ve-
rificação de elementos estruturais e estéticos presentes no chalé da Av.
Nazaré que não puderem ser identificados nos registros do DPHAC.
Essas informações preliminares foram de grande importância
para a caracterização tipológica do chalé. Para Giulio Carlo Argan
“as tipologias arquitetônicas são diferenciadas segundo três grandes
categorias, a primeira das quais compreende configurações inteiras
de edifícios, a segunda, os grandes elementos construtivos, a tercei-
ra, os elementos decorativos” (ARGAN, 2004, p. 67). Com isso, as
informações adquiridas sobre o chalé serão divididas entre as três
categorias citadas anteriormente, de forma a viabilizar a análise desses
dados que servirão para entender o processo construtivo da edificação,
criando um embasamento mais concreto em relação às intervenções
a serem realizadas no imóvel.

4.1 ANÁLISE ESPACIAL

A partir dos desenhos obtidos nos laudos técnicos realizados no


chalé, foi possível reproduzir o desenho das plantas que possibilitou
a construção de uma maquete virtual da construção. No pavimento
térreo, alguns ambientes na parte posterior da planta apresentam
características construtivas que se diferenciam do restante da cons-
trução. Há diminuição da espessura da parede, em relação ao restante
do edifício, aliado ao tipo de esquadria e os revestimentos presentes
nesses ambientes, que é diferenciado em relação aos demais, somada
a própria distribuição desses ambientes.
A princípio, percebe-se que a distribuição espacial do chalé é
racionalizada, sendo a circulação realizada pelo interior dos cômodos;
o setor social é alocado no térreo, e o íntimo no primeiro pavimento.

281
Diferentemente dos ambientes do volume principal, a circulação no
setor de serviço é distribuída através de um corredor que conecta
os ambientes. A lógica construtiva utilizada no período, tal qual se
pode perceber nas casas dobradas Andrade Ramos (Ver capítulo 3),
era de manter no volume principal os setores nobres, e relega a um
volume térreo os serviços.
Figura 5: Plantas do Chalé - térreo e pavimento superior

Fonte: Bianca Barbosa do Nascimento (2017).


Quanto à abertura de vãos, os ambientes possuem esquadrias
distribuídas ao longo de todas as fachadas, com a predominância
das encontradas nas fachadas norte e leste, onde os afastamentos
permitem entrada de luz e ventilação. Na fachada norte que é a fa-
chada principal do chalé, há a predominância do uso de esquadrias

282
do tipo porta janela, maximizando a entrada de luz e ventilação para
os ambientes. Uma das divergências entre os levantamentos feitos
pelos órgãos é a presença de aberturas na fachada norte do chalé,
que estão documentadas apenas no levantamento fotográfico feito
pelo DPHAC em 2010. Pela falta de informações sobre os vãos e a
impossibilidade de verificar as medidas in loco, essas aberturas não
constam nas pranchas técnicas do diagnóstico.
Na fachada leste, há utilização de janelas comuns com peitoril de
aproximadamente 1,10 m; na fachada sul, encontram-se o balancim
da sala de banho e uma esquadria fixa ao longo da caixa da escada
com o propósito de otimizar a iluminação do espaço. Esse tipo de
esquadria é encontrado na caixa de escada do Restaurante Calamares.
Figura 6: Maquete eletrônica representando a fachada norte do Chalé

Fonte: Elaborado por Bianca Barbosa (2017).

283
A edícula abriga a garagem e alguns ambientes de serviço. A cir-
culação é bastante simplificada. Não há nenhum tipo de diferencial
arquitetônico que a destaque e, assim como os ambientes adjacentes
ao chalé, a edícula também apresenta as mesmas características cons-
trutivas (espessura da parede e tipo de esquadria).
Figura 7: Planta Baixa da Edícula do Chalé

Fonte: Bianca Barbosa do Nascimento (2017).

4.2 ANÁLISE ESTRUTURAL

De acordo com as informações obtidas no levantamento, o chalé


é construído em alvenaria estrutural e suas paredes internas e exter-
nas possuem 25 cm de espessura. As paredes externas possuem um
embasamento que é destacado pela textura em chapisco. Quanto
ao revestimento das paredes, acredita-se que sejam rebocadas e que
o acabamento seja finalizado com pintura. As paredes dos ambien-
tes de serviço adjacentes ao chalé e da edícula possuem 15 cm de
espessura. Com exceção da garagem, as paredes dos ambientes de

284
serviço possuem revestimento cerâmico de aproximadamente 1,50m
e acabamento com pintura.
Quanto ao piso, não há registros muito precisos sobre o material
constituinte devido à quantidade de entulhos e lixo que o recobrem,
então ao fazer uma análise comparativa com o Restaurante Calama-
res, onde boa parte dos pisos ainda estão conservados, observou-se a
utilização de pisos de madeira nas áreas comuns e íntimas. Os pisos
de madeira localizados no térreo, geralmente são de taco em desenho
tipo parquet, enquanto os pisos do 1º pavimento são de tábua corrida
em decorrência do assoalho no qual serão dispostas. Segundo Sylvio
de Vasconcellos (1979), o piso de tábuas corridas são assentados em
barrotes que estão sobre os baldrames, no caso da instalação em pisos
térreos. Essas tábuas, com espessura entre 10 e 15 cm, são pregadas
em meias madeiras que estão entre os barrotes. A junção entre esses
elementos pode ser de três tipos: os de junta seca, onde não há encaixe
entre as peças; os de meio fio, onde o encaixe de uma peça repousa
sobre o encaixe da outra peça; e os de macho e fêmea, onde o encaixe
de uma peça se conecta com o encaixe da outra peça.
Nas áreas molhadas, supõe-se que o revestimento utilizado era
o ladrilho hidráulico, assim como no Restaurante Calamares, por
ser a opção mais comum e viável oferecida durante o período de
construção dessas edificações.
Em relação ao forro, os resquícios ainda presentes no chalé su-
gerem que o material deste seja em madeira. A estrutura de susten-
tação do forro, bem como a estrutura de sustentação da cobertura
são constituídas por peças de madeira. A instalação dos forros de
madeira é semelhante a instalação do piso de tábua corrida descrita
por Vasconcellos (1979).
A estrutura do telhado do chalé é composta por tesouras de
madeira e pela trama composta pela terça, caibro e ripa. Quanto
à vedação da cobertura, acredita-se que inicialmente eram usadas

285
telhas francesas e que houve uma intervenção que as substituiu por
telhas de fibrocimento. Essa hipótese é reforçada por alguns indícios,
como a inclinação que a estrutura apresenta, bem como a cobertura
de outras edificações do tipo chalé, como o Restaurante Calamares,
que ainda conserva a cobertura com telhas francesas, além do fato de
que a produção de telhas de fibrocimento é um acontecimento mais
recente do que a provável data de construção do objeto de estudo.
Quanto à presença de escadas, o chalé possui uma escada externa
e outra interna. A escada externa é adossada à fachada, com degraus
em marmorite avermelhado. A escada interna é feita de madeira,
tem o formato de L, porém não possui patamares e seu guarda corpo
possui detalhes geométricos.

Figura 9: Detalhe do corrimão da escada interna

Fonte: Acervo DPHAC (2011).

286
4.3 ANÁLISE DA ORNAMENTAÇÃO

O chalé não possui uma ornamentação demasiadamente rebusca-


da. A fachada principal apresenta no hall de entrada colunas e pilas-
tras trapezoidais com a base retangular. No guarda corpo do térreo,
onde as esquadrias do tipo porta janela estão localizadas, há presença
de elementos triangulares vazados na alvenaria. Esses elementos são
executados em marmorite, um material usado em edificações daque-
le período em decorrência da sua textura diferenciada. Já o guarda
corpo da sacada do 1º pavimento é constituído por um conjunto de
balaústres, sendo que, abaixo do piso desta, existem quatro mísulas,
ou segundo Vasconcellos (1979) cães de cantaria, distribuídas ao logo
do comprimento da sacada.

Figura 10: Análise de ornamentação da fachada

Fonte: DPHAC, 2006 adaptado por Bianca Barbosa do Nascimento (2017).

287
Assim como no pavimento térreo, as esquadrias que dão acesso
à sacada também são portas janelas de madeira com vidro e vene-
zianas. A empena visível na fachada principal apresenta ornamentos
executados em massa, formando um conjunto composto por três
elementos triangulares ao redor de uma forma quadrada que simula a
abertura de ventilação existente em edificações com sótão. A fachada
também possui, ao longo do térreo e do 1º pavimento, ornamentos
de argamassa que remetem a pilastras.
Quanto a varanda, a falta de uma ornamentação no pilar e a pouca
inclinação da cobertura desta levam a suposição de que a casa sofreu
uma intervenção que transformou a sacada em varanda. As únicas
ornamentações perceptíveis estão presentes na base do guarda corpo
e na moldura que contorna a esquadria que dá acesso a esse espaço.
Quanto ao muro, este possui uma altura mediana, e tem uma base
de alvenaria com pilares distribuídos ao longo do comprimento do
muro. O gradil que compõe o portão de acesso à casa, o portão da
entrada para garagem e gradis fixados entre os pilares, possuem de-
senhos geométricos formados por retângulos e círculos circunscritos
em quadrados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento dessa proposta em ferramentas com tecno-


logia BIM poderia beneficiar os vários setores interessados. O pla-
nejamento da obra seria mais rápido e o orçamento mais enxuto, as
perdas de materiais seriam menores e o gerenciamento do imóvel
pós-intervenção seria mais abrangente, culminando em uma dura-
bilidade maior da vida útil da edificação.
Somado a isso, o modelo gerado para este fim seria de grande
importância para os estudos referentes à própria edificação e a sua
tipologia e poderiam contribuir tanto para estudos arqueológicos com

288
ênfase nessa tipologia, chegando às diversas análises voltadas para o
processo de reabilitação de edificações antigas.

REFERÊNCIAS

ALBERNAZ, Maria Paula, LIMA, Cecília Modesto. Dicionário


ilustrado de arquitetura. Volume I – A a I. São Paulo: Vicente
Wissenbach Editor, 1998.

ARGAN, Giulio Carlo. Sobre o conceito de tipologia arquitetônica.


In: ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e destino. 1. ed. São Paulo:
Editora Ática. 2004.

AZEVEDO, Felipe Moreira. A Linguagem Arquitetônica Tradi-


cionalista: estudo das residências neocoloniais no bairro de Nazaré,
em Belém do Pará (1910-1940). 2015. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.

BELÉM. Lei Municipal nº 7.709, de 18 de maio de 1994. Anexo


04 - Modelos urbanísticos do centro histórico de Belém e da sua
área de entorno (Instrumentos Complementares). Disponível em:
http://www.belem.pa.gov.br/segep/download/coletanea/Mapas/ch/
ch_anexo04b_mod
elo-urban%EDstico-no-CHB.dwf.

______. Lei Municipal n. 8.655/08, de 30 de junho de 2008. Plano


Diretor do Município de Belém. 2008. Disponível em: http://www.
belem.pa.gov.br/planodiretor/paginas/planodiretoratual.php. Acesso
em 08 ago. 2016.

289
______. Lei Municipal n. 8.655/08, de 30 de junho de 2008. Anexo
IX - Modelos urbanísticos do centro histórico de Belém e da sua
área de entorno. Disponível em: http://ww3.belem.pa.gov.br/www/
wp-content/uploads/Anexos-XI-X-XI.pdf

______. Lei Municipal n. 8.655/08, de 30 de junho de 2008. Ane-


xo V – Zoneamento. Disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/
planodiretor/Plano_diretor_atual/Anexo_vzoneamento.dwf.

CAL, Carmen Lúcia Valério. Esboço da Evolução da Arquitetura


Residencial em Belém, na Primeira Metade do Século. Revista do
Tecnológico, v. 2, p. 64-83, jan./jun.1989.

CARTA DE LISBOA SOBRE A REABILITAÇÃO URBANA IN-


TEGRADA (1995). 1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação
Urbana Lisboa, out. 1995. Disponível em:
http://www.culturanorte.pt/fotos/
editor2/1995__carta_de_lisboa_sobre_a_reabilitaca
o_urbana_integrada-1%C2%BA_encontro_lusobrasileiro_de_rea-
bilitacao_urbana.pdf>. Acesso em: 19 set. 2016.

CÓIAS, Vitor. Reabilitação: a melhor via para a construção susten-


tável. 2007. Disponível em: http://www.gecorpa.pt/Upload/Docu-
mentos/Reab_Sustent1.pdf. Acesso em: 25 ago. 2016.

DELGADO, Maria Joana Ferreira Cardoso Sardoeira. A Requalifica-


ção Arquitectónica na Reabilitação de Edifícios. Critérios Exigên-
ciais de Qualidade; Estudo de casos. 2008. Dissertação (Mestrado em
Reabilitação do Património Edificado) – Faculdade De Engenharia,
Universidade do Porto, Porto, 2008.

290
GLERIA, Ana Carolina. As Mudanças na Casa Rural do Oeste Paulis-
ta no Século XIX: a Presença do Pitoresco. Cadernos de Arquitetura
e Urbanismo, v. 20, n. 26, p. 38-53, 2013.

MATEUS, Luís Miguel Cotrim. Metodologias de levantamento


– Fotogrametria e Varrimento Laser 3D. 2011. Tese (Doutorado
em Arquitetura). Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica
de Lisboa. Lisboa, 2011. Disponível em: http://home.fa.ulisboa.
pt/~lmmateus/publicacoes/FAS.pdf

MIRANDA, Cybelle Salvador; CARVALHO, Ronaldo Marques


de. Dos mosaicos às curvas: a estética modernista na Arquitetura
residencial de Belém. Arquitextos, v. 112, p. 523 -531, 2009.

OLIVEIRA, Marco Antônio. Reabilitação de Edifícios. In: Méto-


do de Avaliação de Necessidades e Prioridades de Reabilitação
de Edifícios de Instituições Federais de Ensino Superior. 2013.
Dissertação (Mestrado em Geotecnia, Estruturas e Construção Civil)
– Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013. p. 28-67.

OLIVEIRA, Mario Mendonça de. A documentação como ferra-


menta de preservação da memória. Brasília: IPHAN/Programa
Monumenta, 2008.

PALERMO, Rodrigo de Ávila; LEITE, Taís Correia. Integração de


levantamento fotogramétrico aéreo com o uso de VANT e levan-
tamento terrestre para o mapeamento tridimensional das ruínas
de São Miguel das Missões. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em Engenharia Cartográfica) – Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.

291
PEREIRA, João Maria de Almeida Frescata Correia. Estado da Arte.
In: O Uso da Tecnologia BIM em Património Histórico um Caso
de Estudo: O Convento dos Capuchos da Caparica (Almada). 2015.
Dissertação (Mestrado Integrado em Arquitectura) – Instituto Supe-
rior Técnico, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2015. p. 6-38.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil.


São Paulo: Perspectiva, 1978.

VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil – Sistemas


Construtivos. Revisão e notas: Suzy de Mello. Belo Horizonte: Uni-
versidade Federal de Minas Gerais, 1979.

292
O MÉTODO E A METODOLOGIA PROJETUAL
ARQUITETÔNICA: do Modernismo ao Pluralismo
Contemporâneo

Ronaldo Marques de Carvalho

1. INTRODUÇÃO

“Um método é um procedimento regular explícito e possível de


ser repetido para conseguir-se alguma coisa seja material ou concep-
tual” (BUNGE apud STROETER, 1986, p. 145). Esta definição é
válida para a ciência, para a arte e para a arquitetura, uma vez que é
possível, mesmo na busca contínua de novas concepções seguirmos
um mesmo método.
Etimologicamente, método significa a forma de se proceder ao
longo de um caminho (no andamento de um trabalho), a fim de
alcançar um objetivo pré-estabelecido. Método vem do grego meta
= longo + hodos = caminho.
Ao se projetar em arquitetura, o método tradicional e mais uti-
lizado ainda é o do desenho que, na atualidade, avança com o uso
de programas computacionais. Para proceder tal método projetivo,
utiliza-se a escala que varia de acordo com as dimensões do objeto

293
em estudo, podendo ser ampliado, reduzido ou representado em di-
mensões reais. Neste método é utilizada uma concepção inicial, que
irá se modificando até chegar a uma solução tida como satisfatória,
de vez que o projeto de arquitetura poderá sempre ser avaliado e
sofrer modificações.
Para Stroeter (1986), no método tradicional o arquiteto pen-
sa desenhando, sente desenhando, desenha, descobre desenhando,
desenha descobrindo, constrói desenhando, molda as ideias no pa-
pel. Observa-se aí que o método na verdade se processa como uma
sequência de tentativas até se chegar a uma solução admitida como
final. Com o método tradicional do projeto, através de desenhos ou
modelos, foi introduzida uma distinção entre o ‘pensar’ e o ‘fazer’,
a concepção e a produção, trazendo vantagens através da divisão do
trabalho de acordo com a especialização, oportunizando a atuação
simultânea de várias pessoas (profissionais), dando margem, portanto,
ao aumento da velocidade na reprodução do objeto e, consequente-
mente, a redução do tempo.
Com a evolução da ciência e da tecnologia surgem novas formula-
ções do método projetual. A fabricação de objetos compondo sistemas
de montagem seguindo uma sequência com número de operações,
além de programas mais complexos para os edifícios, com técnicas
construtivas mais arrojadas, passa a exigir um planejamento de novo
processo que usa o projeto do projeto (o meta-projeto) (Figuras 1 e
2). Há, desta maneira, um controle contínuo sobre o processo que
permite o seu aperfeiçoamento durante o seu desenvolvimento, o que
não ocorre no método tradicional, caracterizado na ‘tentativa e erro’,
que somente no fim da ação poderá ser corrigido ou aperfeiçoado.

294
Figura 1: Les Procedes Sigma – o projeto

Fonte: Lês Procedes Sigma. Paris: Edition Méthodes (1975, p. 18).

Figura 2: Sigma – a produção industrial

Fonte: Idem. p. 13.

Os principais enfoques sistemáticos utilizados, ainda nos dias


atuais, no planejamento e solução de problemas de projeto indicam

295
métodos que dependem da criatividade do projetista, apoiando-se
no procedimento racional desde a sua atuação de controlador do
processo, buscando soluções para problemas inéditos e complexos.
“A divisão do projeto constitui-se em três fases: análise, síntese e
avaliações” (JONES apud STROETER, 1986, p. 148).
Conclui-se que, na fase da análise são realizados os estudos pre-
liminares do projeto, na síntese ocorre a concretização das ideias
através da definição das formas e na avaliação há possibilidade de
refazer os estudos, buscando-se, desta maneira, a melhor solução
para a ‘proposta final’.

2. A METODOLOGIA PROJETUAL ARQUITETÔNICA

2.1 OS FUNDAMENTOS

Montenegro (1987), ao reportar o projeto como metodologia ou


criatividade, faz uma análise embasada no ensino do projeto na qual
se podem tirar algumas conclusões. O ensino do projeto e consequen-
temente, a maneira de projetar ao longo dos anos, busca a solução
do espaço habitado pelo homem baseando-se num programa de ne-
cessidades e, como consequência, surgem vários esboços concebidos
até chegar-se àquele que poderá ser o melhor. O método projetual
ou do ensino do projeto poderá ser considerado o mais simplório
possível ou como diria o autor, “não chega nem a ser um método”
(1987, p. 49).
O organograma e o fluxograma começam a direcionar o projeto
em que fatores de decisão passam a ser melhor visualizados. A partir
daí, são realizadas diversas sínteses através dos partidos gerais, estudos
de massa (volumes), e a inserção do objeto na paisagem com a análise
mais minuciosa do meio em que irá se implantar o edifício.
A partir do desenvolvimento da informática, o projeto passa a

296
ser produto da eletrônica e programas variados apontam as novas
tomadas de decisão, utilizando-se de modelos alternativos.
Ao longo dos movimentos da arquitetura, muitas metodologias
projetuais já foram postas em uso em que, pensamentos, sentimentos,
percepção e intuição acabam por estar presentes no consciente do
profissional que produz arquitetura. Tomando como referência Alan
Colquhoun, conclui-se que os métodos projetuais ainda em vigor são
intuitivos, pois o emprego de desenhos utilizados tradicionalmente
pelos arquitetos é incapaz de abordar uma contínua sobrecarga de
problemas cada vez mais complexos a serem solucionados. Sem ins-
trumentos de análise mais racionais, bem como classificações mais
apuradas, os projetistas adotam em seus processos de trabalho exem-
plos já testados quando buscam suas novas concepções (JENKS;
BAIRD, 1975).
A partir do melhor estudo das formas geométricas, apoiando-se
nos cálculos matemáticos, podem os arquitetos se utilizar de novos
métodos projetuais levando-os a uma evolução do fazer a arquitetura
e, com isto, fazendo surgir novas tendências.

2.2 NOS MOVIMENTOS DA ARQUITETURA MODERNA

Começando em 1910, movimentos revolucionários da arquitetura


como o cubismo e o futurismo levam a arquitetura moderna ao cami-
nho de um novo desenvolvimento. É claro que estas tendências vão
se consolidando no decorrer do processo da evolução da arquitetura
da primeira metade do século XX. A responsabilidade do arquiteto
diante da sociedade, a abordagem racionalista ou estrutural da ar-
quitetura e a tradição presente na instrução acadêmica a partir da
École des Beaux-Arts de Paris configuram-se como pontos decisivos
para a abertura de novas trilhas para a arquitetura, embora algumas
concepções ainda do século XIX se mantenham vivas.

297
No século XIX Durand afirmava “um edifício completo qualquer
não é, e não pode ser uma outra coisa senão o resultado da montagem
e reunião de um número maior ou menor de partes” (BANHAN,
1975, p. 26). Esta ideia é uma das bases neoclássicas internacionais
na qual a teoria arquitetônica moderna foi construída.
A técnica da arte de desenhar paredes, aberturas, pórticos, vãos,
telhados, arcos e escadas, entre outros, obedecem aos planos-tipo
que sistematizam em um novo momento a projetação arquitetural.
Sobre o posicionamento do arquiteto como profissional da ar-
quitetura, o direcionador das ações e métodos da projetação, Julien
Guadet afirma:
O arquiteto é hoje ou deverá ser vários homens num só: um
homem de ciência em todos os aspectos que dizem a cons-
trução e suas aplicações, um homem de ciência também em
seu profundo conhecimento de toda a herança da arquitetura
(BANHAM, 1975, p.29).

Percebe-se, desta forma, que ao longo da história, mesmo em épo-


cas mais remotas, há uma busca contínua de formas de materialização
da arquitetura através da sua construção, em que os processos meto-
dológicos, através do espírito criativo do homem levam às aplicações
do conhecimento na produção do objeto arquitetônico. Isto não quer
dizer que procedimentos projetuais, quer sejam clássicos quer sejam
modernos, possam na atualidade levar à produção de uma arquitetura
equivocada; entretanto, à medida que novos avanços do conhecimento
concebem novas tecnologias (dentre as quais a contínua evolução
da informática e todo o processo cibernético) estas contribuem para
a configuração de novos programas, que agilizarão e propiciarão a
imaginação criadora do arquiteto em conceber espaços habitáveis.
Retomando ao século XIX, as teorias sobre as construções diziam
que a inspiração grega era fundamental para a boa arquitetura, ra-
cional e correta, muito embora sem se proceder à cópia dos modelos

298
clássicos. Le Corbusier já comparava a arquitetura com a maquinaria
quando dizia ‘a casa é uma máquina de morar’ (Figura 3).
Figura 3: A cúpula de concreto- a máquina de morar

Fonte: COBIJO (1985, p. 98).

Sempre que se processa a projetação é fundamental também a


composição usando os materiais e as formas tradicionais de construir.
Toda composição constitui-se da junção de partes que irá formar um
todo, que deverá apresentar-se harmônico, como na música as notas
formam as melodias. Isto se fundamenta na concepção clássica da
arquitetura.
Os aspectos metodológicos na concepção do projeto, já no século
XX, passam a seguir um caminho bem mais racionalizado, a partir da
fundação da Bauhaus, escola alemã que decorre da fusão da Academia
de Belas-Artes e da Escola Konstgewerbe. Inicia suas ações conclaman-
do arquitetos, pintores e escultores para o cartesianato, divulgando
em alto e bom som que ‘o edifício completo é o objetivo fundamental
das artes visuais’ e que os edifícios são entidades compostas.
A ação desses profissionais é fundamental para todo o conjunto
arquitetônico. Os métodos da educação da Bauhaus correspondiam
ao ‘aprender fazendo’, todos os preconceitos deveriam ser subtraídos

299
da cabeça do aluno, levando-os a começar tudo do zero, deixando
também de lado a tradição. Este método, no que pese o apagar das
teorias e fundamentos do passado, constituiu-se de um conjunto
importante, uma vez que a criatividade era posta à prova a partir da
execução direta dos objetos, em que o projeto passa a ser elaborado
começando pelas ideias desagregadas de dogmas. O que importa é
a vocação para um material ou técnica, a libertação das habilidades
inatas, o culto das sensibilidades intuitivas, destruindo o treinamento
anterior.
Na década de 30 do século XX, o funcionalismo passa a gene-
ralizar a arquitetura vista como progressista, e ainda nos dias atuais
de alguma maneira percorre os corredores conceituais da arquitetura
concebida para a sociedade contemporânea. Le Corbusier é consi-
derado o criador do termo funcionalismo na arquitetura, uma vez
que, ao prefaciar o livro Architettura Razionale recomendou que, ao
invés de racional, se dissesse funcional. Vindo depois a enfatizar o
princípio da funcionalidade, com a frase ‘a forma segue a função’
(BANHAM, 1975).
É fácil entender no método projetual, a partir da funcionalidade,
em que a forma passa a exercer forte influência nas concepções dos
arquitetos, mesmo após a 1ª metade do século XX, destacando-se
no Brasil com as obras de Niemeyer, que ainda hoje retrata-se a nós
com obras em que a forma reflete o conteúdo do edifício e, por
conseguinte, a sua função (Figura 4).
As questões atinentes à metodologia projetual nos movimentos
modernos continuam fortemente embasadas desde a Bauhaus, em
que aquela necessidade da liberdade dos tabus estanqueadores, dos
dogmas classicistas, e da idolatria dos valores arquitetônicos do pas-
sado, refletem-se na sistematização a partir da análise do conteúdo.
No ato de projetar, a metodologia utilizada na Modernidade refe-
re-se ao fato do projetista, ao pensar em cada detalhe ou no todo

300
do objeto arquitetônico, estes devem ser analisados em decorrência
de suas funções tais como: a janela para ventilar e iluminar, abrir ao
exterior a perspectiva do entorno, além de prestar-se como parte de
um conjunto harmonioso.
Nesta linguagem arquitetônica, os ‘porques’ e os ‘para ques’ indu-
zem ao liberalismo das regras antiquadas e das configurações rígidas,
que passam a serem substituídas pelas soluções individualizadas com
morfologia variada, levando pela concepção livre e coerente as funções
que respondem aos programas decorrentes de um uso específico.
Na metodologia projetual da arquitetura moderna, a assimetria e a
dissonância permitem a fuga dos modelos simétricos clássicos. Um
quadro na parede já não é mais posto ao centro, a abertura de uma
porta também não se obriga ao meio, de uma janela idem (Figura 5).

Figura 5: O espaço assimétrico

Fonte: ZEVI (1984, p. 26).

301
Outra tendência arquitetônica relativa ao método projetual cor-
responde à decomposição do objeto projetado, apresentando-se como
paradigma: uma caixa estanque e fechada começa a ser produzida
em planos, que se movimentam com tal liberdade, o espaço passa a
propiciar uma gama de soluções, tais que a própria configuração plana
e retilínea assume o aspecto curvo de várias alternativas (Figura 6).
Figura 6: Decomposição

Fonte: ZEVI (1984, p. 44).

Ao projetar o Complexo Arquitetônico da Bauhaus em Dessau,


na Alemanha, Walter Gropius faz a desarticulação do volume do
edifício em três partes nas quais são projetados os dormitórios, as
salas de aula e o laboratório. Estas partes se posicionam em direções
diferentes, havendo a individualização dos componentes funcionais,
do conjunto arquitetônico e a dissonância dos volumes projetados.
Os arquitetos do começo do século XX, como Gropius e Corbu-
sier buscavam a necessidade de expansão da indústria com a produção

302
arquitetônica. Em 1923, Corbusier dizia: “a grande indústria deve
ocupar-se da construção e a estabelecer os elementos da casa sob a
base da produção em série” (DREW, 1973, p. 10).
Gropius parte também para a produção em série, quando de-
senvolve o conceito de casas construídas a partir de componentes
normalizados.

2.3 NO QUE PENSAM OS ARQUITETOS

A partir de depoimentos de arquitetos é possível compreender,


nos dias atuais deste terceiro milênio, as várias tendências da meto-
dologia projetual arquitetônica.
Neste artigo, escolhemos livremente quatro profissionais da ar-
quitetura, sendo dois pertencentes à terceira geração modernista e
dois da nova geração pós-moderna. Álvaro Joaquim de Melo Siza
Vieira, arquiteto português, e Milton José Pinheiro Monte, arquiteto
brasileiro, abrem uma etapa como representantes da terceira gera-
ção modernista; Reinaldo Jansen Silva e José Maria Coelho Bassalo,
ambos pertencentes à nova geração pós-moderna encerram o estudo
proposto.
Não foi possível entrevistar pessoalmente Siza, entretanto o artigo
“Arquitetura da simplicidade” publicado na Revista Arquitetura e
Urbanismo traduz de forma transparente as suas ideias, propiciando
a nossa análise quanto ao seu discurso. Quanto a Milton Monte, Rei-
naldo Jansen e José Bassalo, por tratarem-se de arquitetos paraenses,
foi possível contatá-los e realizar entrevistas ao vivo.
Passaremos, portanto, a discorrer sobre suas ideias a partir dos
informes produzidos nas entrevistas.

303
2.3.1 ÁLVARO SIZA

Siza é seguidor de uma metodologia projetual com uma caracte-


rística peculiar, em que, respeitando as culturas, topografias, climas
do lugar em que seus projetos são construídos, buscando sempre a
identificação de suas obras aos referendos locais (Figura 7).
Figura 7: Álvaro Siza

Fonte: Folha de São Paulo. Folha Ilustrada. 11 mar. 2000. p. 1.

Siza ganhou o prêmio Pritzker, Nobel da Arquitetura, possuindo


obras em diversos lugares do mundo, notadamente na Europa e Es-
tados Unidos, tendo projetado no Brasil, em Porto Alegre, o Museu
Iberê Camargo (Figura 8).
Figura 8: Projeto do Museu Iberê Camargo em Porto Alegre.

Fonte: Folha de São Paulo. Folha Ilustrada. 11 mar.2000, p. 1.

“Para Siza, é falsa a idéia de que o computador resolve problemas.


A rigidez na concepção do projeto às vezes é diabólica” (AU, p. 60).
Ele usa o método tradicional em seus projetos e, através da escultura,

304
se liberta das pressões do mundo moderno; na sua metodologia pro-
jetual a percepção visual com o reconhecimento do ambiente é parte
integrante das etapas da projetação, vindo logo em primeiro lugar.
O espaço a ser projetado deve impregnar o arquiteto, diz Siza, aí a
sensação do local onde se produz a obra é de fundamental importância
e os estudos de documentos e dados necessários ao bom desenvol-
vimento do projeto é prioritário. “O arquiteto da atualidade não
tem estilo e sim linguagem própria” (AU, p. 60). A forma orgânica
decorre em seu trabalho, de forma a conciliar suas preocupações já
explicitadas em seu discurso.

2.3.2 MILTON MONTE

Ao entrevistarmos Milton Monte numa sexta-feira, 26 de outubro


de 2003, constatamos sua formação de arquiteto e engenheiro civil,
além de professor universitário aposentado com especialização em
Arquitetura Tropical. Ficou evidenciado que suas concepções são
primordialmente voltadas ao ambiente amazônico, com toda sua
riqueza natural e sua fonte de inspiração (Figura 9). Monte realiza
sempre um estudo minucioso do entorno, bem como valoriza e apro-
veita a mão-de-obra do local, assim como os materiais disponíveis
para construção. Todo seu processo projetual desenvolve-se através
do método tradicional da projetação, que ele mesmo chama de ar-
tesanal e sua mesa de trabalho ainda apresenta réguas, esquadros,
lápis, papel e escala.
Após definir com clareza a concepção de seus projetos com as
formas prontas, leva o desenho à lápis ao seu estagiário, que o processa
no computador e, após o desenho produzido eletronicamente e co-
piado, Monte avalia e reavalia fazendo correções e consequentemente,
voltando ao desenhista eletrônico.

305
Figura 9: Milton Monte

Fonte: foto do autor (2003).

Monte considera-se, por suas próprias palavras, um arquiteto ama-


zônida, cita sua residência na ilha do Mosqueiro, praia do Ariramba,
a 60 Km de Belém via rodoviária, como seu grande laboratório e no
ato de projetar e construir gosta de viver o espaço continuamente.
Destacam-se como obras importantes produzidas por Monte, além
da residência citada por ele, a capela do Ariramba e a casa do Chapéu
Virado no Mosqueiro, a casa do Gadotti no Coqueiro (município
de Ananindeua, área metropolitana de Belém), além do premiado
projeto para o Interpass Clube, localizado na ilha do Mosqueiro –
Baía do Sol, com o qual recebeu o prêmio Arquiteto da América
Latina (Figura 10).
Suas obras apresentam grande desempenho tecnológico, nas quais
sobressaem os materiais regionais, notadamente a madeira nas mais
diversas formas e espécies, assim como a cerâmica. As coberturas em
estrutura desenvolvida com madeiras são o seu forte e os detalhes
arquitetônicos denotam o espírito do designer e detalhista Monte.

306
Figura 10: Casa do Gadotti

Fonte: fotos do autor (1991).

307
2.3.3 REINALDO JANSEN

Arquiteto e urbanista, nascido no Maranhão em 1947 e formado
na Universidade Federal do Pará, é especialista em estruturas, sendo
projetista de coberturas cujo forte é trabalhar com um sistema onde
a compressão e a tração aparecem nos elementos estruturais advindos
da geometria plana e objetos lineares (vetor ativo), bem como utiliza
em seus projetos os treliçados estruturais (Figura 11). (entrevista
realizada em 4 de dezembro de 2003)
Figura 11: Reinaldo Jansen

Fonte: foto do autor (2003).

Em suas atividades acadêmicas como professor da UFPA (agora


aposentado), sempre trabalhou com projetos estruturais utilizando
os mais diversos materiais, destacando, entretanto, o concreto e a
madeira, sendo que esta propicia os seus melhores projetos no estado
do Pará. Sendo suas obras mais marcantes o pavilhão de dança do
Clube da Aeronáutica (T-1) localizado na Avenida Júlio Cezar, no
qual o uso do pilão como destaque do sistema da cobertura em forma
circular permite abrir um grande vão. Outra obra importante é a boate
Lapinha, na qual usa também o sistema de pilão. Projetou para a
Universidade Federal do Pará a estrutura do Restaurante Universitário
e da Capela Ecumênica, e no espaço de lazer municipal “Ver-o-rio”

308
realizou o projeto Memorial dos povos indígenas, às margens da baía
do Guajará, em que mais uma vez o malocão em madeira é realçado
por um sistema que se destaca pelo uso do cavaco na cobertura e da
total estruturação em madeira (Figuras 12 e 13).
Figura 12: Memorial dos povos indígenas

Fonte: foto do autor (2003).

Figura 13: Vista interior.

Fonte: foto do autor (2003).

309
A metodologia projetual de Jansen apresenta-se no ato artesanal
do lápis e papel, utilizando-se numa segunda etapa o computador,
embora não faça uso de programas especiais. Para Jansen, “o compu-
tador é uma excelente ferramenta, usando sempre nas suas concepções
o equilíbrio e a resistência, além dos efeitos estéticos”. As soluções
estruturais que adota primam pela forma e pela simplicidade, bus-
cando sempre a melhor solução para a concepção do projeto. Jansen
afirma “A estrutura é uma leitura da função pura com embasamento
nos princípios estéticos básicos.” Todos os projetos de Jansen são
iniciados com o esboço em que a forma é que faz nascer a estrutura
necessária e este esboço é desenvolvido na mesa tradicionalmente
sendo, numa segunda etapa, passado para o desenho eletrônico que,
após, pode ser aperfeiçoado com o autor ao lado do digitador fazendo
os ajustes necessários.

2.3.4 JOSÉ BASSALO

Encerrando minha conversa com os arquitetos selecionados con-


forme citei no início, conversei com o arquiteto José Maria Coelho
Bassalo em 27 de outubro de 2003. Formado em 1985 pela Uni-
versidade Federal do Pará, portanto, fazendo parte de uma nova
geração de arquitetos paraenses; é professor Auxiliar IV da UFPA e
mestrando em engenharia civil. Bassalo é o típico arquiteto da geração
dos micros, tendo inclusive ensinado a disciplina Informática aplica-
da à arquitetura no Curso de Arquitetura da UFPA, trabalhando o
projeto arquitetônico com os alunos utilizando o programa Autocad
(Figura 14).
Destaca-se pela execução de projetos habitacionais, notadamente
na elaboração de projetos de edifícios multifamiliares na cidade de
Belém. Em sua metodologia projetual concebe o projeto a partir de
volumes escaneados, usando a planta-baixa como primeira etapa do

310
projeto, a partir daí só trabalha no computador. No programa com-
putacional revisa quantas vezes for necessário o projeto, contando para
isto com auxiliares e colaboradores, todos trabalhando diretamente
no computador. Seu escritório não dispõe de pranchetas, salvo uma
mesa que funciona como comando do próprio Bassalo. Nota-se,
desta forma, que Bassalo é o profissional da arquitetura que utiliza a
informática como processo projetual de uma forma radical.
Figura 14: José Bassalo

Fonte: Bassalo, 2004.

Abaixo, perguntas formuladas pelo autor e respondidas pelo


entrevistado por e-mail, bem como alguns exemplos do processo
projetual do profissional em destaque.

311
RC. Qual o programa que é usado?
JB. Uso, atualmente, para o projeto, o AutoCAD
como base de tudo. Mas também trabalhamos com
outros programas de renderização como o Accuren-
der e o ArtLantis. Também usamos o pacote Office
para textos, apresentações e planilhas orçamentárias.
RC. De que consta o programa?
JB. O AutoCAD é um programa para desenhos de di-
versas naturezas, o qual possui módulos 2D e 3D. É
um programa extenso, com muitos recursos para a pro-
dução de desenhos bidimensionais e tridimensionais.
RC. Quais os caminhos seguidos para a elaboração do projeto?
JB Os caminhos variam de acordo com a natureza do projeto,
mas, de maneira geral, os projetos nascem de croquis produ-
zidos à mão livre, croquis esses que podem ser plantas, cortes
ou perspectivas, os quais são imediatamente desenhados no
computador, onde são avaliados. Suas evoluções se fazem
tanto nos croquis, novamente, quanto no próprio ambiente
virtual, dependendo do caso. Definido o projeto, parte-se
para sua produção mais técnica, elaborando-se os desenhos
definitivos de plantas, cortes, elevações, detalhes, maquetes
eletrônicas e demais outros produtos que se façam necessários.
RC. Quando o projeto é trabalhado no computador - após que fase?
JB. Como já afirmei na resposta acima, o proje-
to é trabalhado no computador desde sua gêne-
se, em diálogo com os croquis feitos à mão livre.
RC. Como são feitas as avaliações - revisões do projeto?
JB. As avaliações das concepções são realizadas em discus-
sões frente aos modelos virtuais, investigados na própria
tela. Quanto às revisões no projeto pronto (se é que enten-
di a pergunta), são realizadas em “pré-plotagens”, ou seja,
em plantas plotadas. Normalmente, cada planta é plotada,
no mínimo, duas vezes. Uma para a revisão e uma final.
São comuns, entretanto, casos em que plantas são plotadas
3 ou mais vezes até ser considerada pronta para entrega.
RC. Cite um exemplo da sequência projetual.
JB. Segue, em anexo, uma sequência de desenhos e imagens
que exemplificam um caso típico.

312
As Figuras 15 a 18 correspondem às sequência metodológica
de concepção e desenho de um projeto de uma capela concebida e
projetada pelo arquiteto Bassalo.

Figura 15: Etapa 1- Croqui

Figura 16: Etapa 2 - Estudo

313
Figura 17: Etapa 3 - Projeto

Figura 18: Etapa 4- Obra construída.

Fonte: José Maria Bassalo.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arquitetura mundial vive nova fase crítica no período que se


inicia pelas duas grandes guerras mundiais do século XX, em que
os arquitetos considerados por Drew (1973) como sendo da Tercei-
ra Geração Modernista buscam renovações e maturidade na ânsia
da evolução da arquitetura. O próprio exibicionismo individual e
a vontade de atingir novos caminhos para a arquitetura levam os

314
profissionais deste período a busca de uma nova identidade, que os
desatrelam dos primeiros modernistas.
Aquele racionalismo dos fundadores da arquitetura moderna e
suas ditaduras de orientações pré-concebidas começam a se incom-
patibilizar com o entorno vivo e imutável. O pluralismo fruto das
diferenças implicará em nova expressão desinibidora do processo
criativo, buscando-se desta forma uma ordenação intrínseca e de-
mocrática do entorno.
Nesta nova fase da arquitetura, o racionalismo retoma o classi-
cismo e o misticismo, rejuvenescidos, em que a composição orgânica
espontânea de ordenação predomina a partir do uso da geometria e da
matemática, que decorre das novas conquistas desses conhecimentos.
Novos grupos de arquitetos se fundam com movimentos diversos,
como Archigram inglês e o Metabolismo japonês, posicionando-se
em regiões europeia e asiática, respectivamente. Estes novos grupos
privilegiam o simbolismo da forma arquitetônica, a desordem fruto da
própria desordem dos assentamentos urbanos buscando, entretanto,
uma auto-regulação de certa forma uma nova racionalidade para as
concepções e consequentemente para os métodos projetuais.
Nestes dias do século XXI, a arquitetura mais do que nunca
segue as diretrizes ecológicas e percorre novos caminhos cibernéticos
buscando a harmonização com a natureza e, consequentemente, com
as transformações sócio-políticas do mundo.

REFERÊNCIAS

BANHAM, Reyner. Teoria e projeto na primeira era da máquina.


São Paulo: Perspectiva, 1975.

COELHO NETTO, J. Teixeira. A construção dos sentidos na Ar-


quitetura. São Paulo: Perspectiva, 1997.

315
DREW, Philip. Tercera generación. La significación cambiante de
la arquitectura. Barcelona: Gustavo Gili, 1973.

FIGUEROLA, Valentina. Arquiteto da simplicidade. Entrevista. AU


Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, nº 113, ago. 2003, p. 60-61.

JENKS, C.; BAIRD, G. El significado en Arquitectura. Madrid:


Hermann Blume, 1975.

KAHN, Lloyd. COBIJO, Madrid: Herman Blume, 1985.

MONTENEGRO, Gildo A. A invenção do projeto. São Paulo:


Edgard Blücher, 1987.

ROSSI, Angela Maria Gabriella. Exemplos de flexibilidade na tipo-


logia habitacional. In: VII Encontro Nacional de Tecnologia do
Ambiente Construído/ Qualidade no Processo Construtivo. Floria-
nópolis: Associação Nacional de Tecnologia no Ambiente construído,
27-30 abr. 1998. p. 211-217.

STROETER, João Rodolfo. Arquitetura e teorias. São Paulo: Nobel,


1986.

ZEVI, Bruno. A linguagem moderna da Arquitectura. Lisboa: Pu-


blicações Dom Quixote, 1984.

316
COBRINDO GRANDES VÃOS: a utilização da madeira, do
metal e do concreto armado para a construção das estruturas

Ronaldo Marques de Carvalho

1. INTRODUÇÃO

As construções primitivas eram realizadas por pessoas hábeis e,


por conduzirem toda a sequência dos trabalhos com conhecimento
suficiente para sua total consecução eram chamados mestres-de-
obras. Ao desenvolverem suas atividades, não só através do comando,
como também com a execução dos serviços, transmitiam a seus
ajudantes-aprendizes e futuros seguidores as maneiras de fazer abrigos
utilizando os materiais acessíveis, oriundos de locais próximos.
Com estes materiais, através de aprendizados anteriores ou levados
pela criatividade dos mestres, faziam surgir técnicas adequadas na
construção dos abrigos.
Nestas construções, as técnicas utilizadas eram pouco registradas
e a maneira de fazer teria que ser transmitida do mestre para seu
ajudante, que passava para outros e assim sucessivamente. O fato de
muitos materiais primitivos serem de pouca durabilidadade propiciava
também a dificuldade do registro para a preservação dos modelos às
gerações futuras.
Nossos ancestrais ocupavam habitações primitivas como as copas
de árvores e interiores de cavernas existentes em áreas rochosas, aqui

317
bem mais fácil de se defender das intempéries e dos ataques dos
predadores, que eram em grande número. Nas cavernas também
havia a defesa quanto aos ataques do próprio homem, quando este
pertencia a uma outra tribo.
As necessidades humanas decorrentes das condições climáticas e
da busca de novas maneiras de obter alimentos, principalmente através
da produção agrícola, em que o homem se sedentariza, constituem
fatores primordiais para o aparecimento de novos instrumentos de
defesa e de trabalho, em que a agricultura é fundamental. Estes ins-
trumentos, principalmente aqueles produzidos já na Idade do Me-
tal, passam a constituir mudanças nas formas de construir os novos
abrigos e, a partir desta era, começam a prevalecer as construções em
madeira que facilitará a aplicação contínua, e logo os aglomerados
humanos passam a se multiplicar. Com o uso paralelo da pedra, o
homem adquire novas “asas” no caminho de renovar as formas de
construir o abrigo.
Aliás, por muitos séculos, o ser humano construiu seus abrigos
utilizando aqueles materiais mais abundantes in natura.
Na chamada pré-história, ainda na Idade do Metal, continuam
predominando as construções em madeira e pedra em que as pala-
fitas do neolítico e os dolmens megalíticos sobressaem-se na busca
de abrigos construídos em regiões diversas do mundo, tais como as
regiões da França, Alemanha e ilhas britânicas (CARVALHO, 1968)
(Figura 1).

Figura1: Casa de seringueiro –


Acre, de palha e paxiúba

Fonte: Costa; Mesquita


(1978, p. 54).

318
Denota-se, desta maneira, a incessante busca do homem às melho-
res condições de habitabilidade e, consequentemente, às novas formas
de construir sua morada. Embora as edificações mais necessárias ao
abrigo humano fossem as habitações, os prédios públicos e os palácios
acabaram por se constituir nos mais significativos exemplares da evo-
lução da arquitetura e das construções com grandes vãos (Figura 2).

Figura 2: Cobertura Parque do Utinga, Belém

Fonte: Ronaldo Marques de carvalho (2018)

319
2. OS MATERIAIS ESTRUTURAIS
2.1 GENERALIDADES

Um componente essencial da arquitetura é a estrutura, que se


corporificará desde as fundações, passando pelos apoios externos,
verticalizados ou não, indo até a cobertura, tanto de um simples
abrigo quanto da concepção de grandes espaços destinados a diversos
fins. Estes necessitam de sustentação e estabilidade, que decorre de
condicionantes constituintes das características dos materiais utiliza-
dos, suas dimensões e composição. É necessário para tal precaver-se
a própria estabilidade da estrutura quanto ao seu peso próprio e às
sobrecargas, a que esta estará submetida. Os fenômenos da natureza,
tais como o vento, as descargas atmosféricas, os terremotos entre ou-
tros, só serão resistidos pela arquitetura das edificações de uma forma
geral se a estrutura destas for bem projetada, calculada e executada.
Um dos grandes problemas que o homem teve que vencer ao
projetar seus abrigos ao longo do tempo foram os efeitos da gravidade
da Terra que, antes dos fenômenos variáveis da natureza se evidenciou
como o primeiro grande obstáculo. O curioso é que, mesmo sendo a
referência básica para a estabilidade no sentido da carga estrutural, é
também positivo na fixação da construção num determinado lugar,
uma vez que a atração gravitacional fixa o objeto à superfície da Terra.
Embora na pré-história o homem tenha realizado seus primeiros
ensaios na busca de soluções estruturais, foi na antiguidade que se
construíram edifícios que até os dias de hoje resistem ao tempo, graças
aos materiais utilizados. O Parthenon sustenta-se por uma sucessão
de colunas e vigamentos superiores (arquitraves) (Figura 3).
Neste exemplo, a estrutura faz parte da composição do edifício,
propiciando ao seu criador os arremates que buscam não só o adorno
estético, como também as formas de melhor aplicar as peças, dando
ao conjunto o equilíbrio necessário.

320
Figura 3: O Parthenon

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (2019).

No decorrer da evolução da arquitetura até os nossos dias, fica


patente que o conhecimento e domínio das questões estruturais dos
edifícios, por parte de arquitetos e engenheiros, é altamente signifi-
cativo e sem o qual é impossível avançar-se às concepções novas e,
mesmo as construções mais simples precisam desses conhecimentos.
Na estrutura de um modo geral como aqui especificamente, nas
coberturas, os materiais estruturais surgem ao longo da história numa
decorrência das descobertas realizadas pelo homem, logo, o uso da
madeira, da pedra, do metal e do concreto, vem numa decorrência
da própria quebra das fronteiras do conhecimento e das tecnologias.
A seguir serão feitos comentários sobre os materiais consagrados
fundamentais para a arquitetura e, consequentemente, para a constru-
ção de estruturas que comporão as coberturas para os grandes vãos.

2.2 A MADEIRA

Por muitos séculos o homem utiliza a madeira em diversos ins-


trumentos, mobiliários e estruturas construtivas. Na construção, sua

321
utilização como material estrutural decorre de sua capacidade de
absorver elevadas tensões de tração, além de suportar vãos acentuados
com pequena seção transversal, se comparada, por exemplo, com o
concreto armado. Isto permitiu ao longo do tempo que, por apresen-
tar-se às mãos na natureza, a madeira tenha servido ao homem numa
primeira instância no suprimento de suas necessidades construtivas.
Contemporaneamente, a madeira continua sendo utilizada em
grande escala em construções, inclusive pré-fabricadas, fundamen-
talmente em habitações unifamiliares, indo desde as fundações até
a cobertura, e é possível se construir uma casa completa totalmente
de madeira, sem precisar de outro material.
A madeira, quando usada estruturalmente, cabe tanto nas peças
verticais quanto horizontais, graças à sua resistência aos esforços de
compressão, tração e flexão. São inúmeros os exemplos de construções
ao longo do tempo em que esteios, vigas e outras peças de sustentação
utilizam-se da madeira com diversas técnicas e composições (figura 4).
Figura 4: Esforços de tração e compressão

Fonte: Cobijo (1985, p. 75).

Em usos diversos, a madeira poderá ser empregada não só no


estado natural após o corte com bitolas consideradas para a construção

322
através da industrialização, como também pelo seu aproveitamento
decorrente dos rejeitos industriais da própria madeira. Assim, é pos-
sível produzir a madeira em chapa com a fabricação de laminados,
compensados e aglomerados, propiciando ao construtor outras formas
e possibilidades de uso, bem como é possível aproveitar ao máximo
a produção da madeira por ser esta renovável.
A utilização da madeira como material de construção apresenta,
como todos os materiais, vantagens e desvantagens. Entre as vanta-
gens, a resistência para determinados usos, a rapidez de sua utilização
através do fácil transporte, corte e aplicação além da rendibilidade,
como também a flexibilidade decorrente da obtenção das mais diversas
formas, além da nobreza em si do material com inúmeras espécies.
Não nos propomos aqui a um estudo detalhado das diversas
vantagens da madeira, que por si só exigiria longas e exaustivas aná-
lises, principalmente quanto a sua resistência aos esforços de tração
e compressão que motivam os estudiosos da engenharia estrutural.
Entre as desvantagens da utilização da madeira, poderão ser en-
fatizadas a alterabilidade e a durabilidade. A alterabilidade decorre
dos movimentos, consequência da sua estrutura orgânica que, após
o corte, produz movimentos tais como retorcimento, dilatação, con-
trações que são resultado das variações térmicas e higrotérmicas por
ocasião da perda de parte da água e outras substâncias hídricas de
sua constituição.
Outra desvantagem destacada quanto ao uso deste nobre material
refere-se a sua durabilidade. A madeira, como todo material orgânico,
por mais dura que seja, não está isenta do ataque dos fungos, insetos
e outros seres predadores microscópicos. As variáveis ambientais tais
como excesso de umidade, excesso de radiação, além dos acidentes tal
como o incêndio, contribuem para a rápida consumição da madeira.
Diversos são os tratamentos industriais que buscam evitar os
efeitos causados por agentes ambientais na madeira, dentre os quais

323
a mineralização ou proteção com pinturas diversas. Sendo assim, a
tecnologia atual busca soluções à adequação do corte e da secagem
para evitar maiores prejuízos às peças industrializadas.
O uso de diversos componentes químicos contribui para a sua
preservação, além do acabamento com vernizes especiais. A maneira
de como utilizar a madeira e como tratá-la contra os microrganismos
e a umidade dependerá do conhecimento de cada profissional, uma
vez que a classificação das madeiras implica em características variáveis
em que cada espécie é própria a um determinado uso. Assim, existem
madeiras que vive melhor na água e outras no seco.

2.3 O METAL

Quanto ao uso do metal na arquitetura e nas construções de


um modo geral, é necessária uma compreensão das diversas formas
da aplicação deste material. Considerando que o metal em si, desde
os tempos remotos da história da humanidade, fora utilizado pelo
homem, embora em pequena escala nas construções e em maior quan-
tidade na forma mais pura do ferro e de outros metais, transformados
em ferramentas de ferro fundido. Somente a partir da Revolução
Industrial é que este material passa a ser aplicado nas construções,
já transformado em aço.
Nos primórdios do uso do ferro o homem trabalhava com o
ferro fundido, que ainda não era o aço, que somente muitos séculos
depois passou a ser produzido num processo de limpeza do minério
de ferro, com a eliminação das impurezas e com a forma líquida,
isenta dos elementos aditivos que o transformam em aço, voltando
ao estado sólido. A história da arquitetura nos mostra que o ferro
fundido, o minério puro, foi o primeiro material siderúrgico utilizado
na construção civil, sendo aplicado em esquadrias, adornos, calhas,
dutos, etc. A utilização do ferro com responsabilidade estrutural,

324
passando a ser trabalhado em escala industrial a partir do século XIX
é decorrência do grande surto da industrialização gerado pelo avanço
da Revolução Industrial (Figura 5).
Figura 5: Pavilhões em ferro Mercado Bolonha

Fonte: Cybelle Miranda (2017).


Os países que primeiro industrializaram em maior escala o ferro
foram a Inglaterra, a França e a Alemanha, fazendo surgir um desen-
volvimento do setor siderúrgico com o aparecimento dos processos
pioneiros que levam à produção do aço em grande escala.
As primeiras pontes metálicas foram construídas em ferro fun-
dido, como por exemplo a ponte sobre o rio Sevrn, na Inglaterra,
no ano de 1779, e com a evolução das ferrovias, grandes pontes são
construídas, bem como estações ferroviárias estruturadas em ferro,
propiciando estudos e pesquisas voltados para os cálculos e novas
tecnologias com o uso deste material.
Na Inglaterra, por volta de 1830, como consequência das edifi-
cações das estações ferroviárias, são iniciadas as construções de edi-
fícios em estruturas metálicas. O Palácio de Cristal, construído em
1850 em Londres, constituiu-se no primeiro pavilhão de exposições
universais com peças moldadas em ferro fundido, utilizando como
material de vedação o vidro. E em Paris o Mercado Central des Halles
é construído no ano de 1853.

325
Por volta de 1860, os primeiros processos de transformação do
ferro para obtenção do aço, a produção em escala industrial passa a
difundir este material e grandes monumentos são construídos. Em
1868, com a construção de uma ponte em aço sobre o rio Mississipi
no Estados Unidos, constituída de três arcos treliçados tendo no total
um vão de 159 metros, inaugura-se a nova era do ferro, que agora
deixa de ser utilizado com a predominância da mera fundição, e a
arquitetura e a engenharia civil passam a expor novas formas, alar-
gando enormemente as fronteiras da utilização do metal.
A Ponte do Brooklyn, em Nova York construída em 1883 com
487 metros de vão, entre outras, denota o arrojo agora possível graças à
utilização do aço e, em 1895, com a Escola de Chicago, inauguram-se
as construções de edifícios multifamiliares com diversos pavimentos e
a nova tecnologia da construção passa a ser usada nas grandes cidades
norte-americanas, com predominância dos edifícios comerciais.
A Torre Eiffel, construída em Paris, inaugurada em 1889, acaba
por ser o marco da construção em aço no século XIX, guardando até
hoje o valor inconteste da arquitetura metálica (Figura 6).
Figura 6: Torre Eiffel

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (2012).

326
Na atualidade, não existem restrições tecnológicas que
significativamente possam contrapor-se à construção de edifícios
em estrutura metálica usando o aço como referência básica no seu
corpo. As plataformas destinadas à exploração do petróleo em pleno
mar, entre outros exemplos, servem para corroborar esta afirmação.
O aço permite construção industrializada com o favorecimento de
facilitar todo tipo de obra, inclusive os edifícios altos. Assim, grandes
são as vantagens no uso do aço:

1. Mão de obra e equipamentos são usados de modo racional


e fácil controle, sem desperdícios;
2. Menores prazos para execução, graças à pré-fabricação;
3. Racionalização do canteiro de obras, com menores ris-
cos nos orçamentos do empreendimento quanto ao uso do
material;
4. Facilidade para o controle de qualidade;
5. Apresenta menores cargas, propiciando fundações mais
econômicas;
6. Vãos maiores em decorrência da resistência do aço, com
bitolas menores e peças mais esbeltas;

No caso do Brasil, o uso do aço tem grande perspectiva, uma


vez que nossa produção mineral, fundamentalmente na Serra dos
Carajás no Pará, dispõe-nos de grande escala produtiva até os pró-
ximos 500 anos.
Portanto, os edifícios construídos em aço obtêm singulares ca-
racterísticas, se adequando a qualquer meio, sendo importante e
necessária a utilização deste material nas construções contemporâneas.
Mas o aço também tem as suas desvantagens e a principal delas
é a corrosão, decorrente da combinação com os elementos atuantes
no meio ambiente, como o oxigênio e a água, que levam à formação
do óxido de ferro, fazendo o componente do aço, o ferro, retornar ao
estado primitivo permitindo que haja o enfraquecimento do material,
indo até a sua total decomposição. A oxidação na superfície gera

327
grandes feridas nas estruturas que se aprofundam, podendo causar a
perda total de uma determinada peça.
As tecnologias visando a preservação do ferro desenvolvem-se
continuamente e, assim, para eliminar ou reduzir a velocidade da
corrosão é possível produzir aços resistentes, utilizando revestimentos
zincados ou simplesmente pinturas não-metálicas bastante eficientes
nos cascos de navios, sujeitos à salinidade da água.
Assim como a madeira, o aço é material constituinte de vários
acessórios utilizados no caso específico da construção civil. Assim,
chapas, perfis, elementos de fixação como parafusos, barras, conectores
de cisalhamento, chumbadores, telhas de aço, estacas, esquadrias entre
outros, são feitos em aço. Atualmente, a soldagem é amplamente usada
nas junções do material, permitindo uniões de complexas geometrias,
com a consecução de estruturas mais leves. A soldagem aplicada é
a soldagem por fusão, onde as peças colam-se ou são coladas com
material próprio e assim, se fazendo únicas sem parafusos ou outros
componentes (Figura 7).
Figura 7: União com chapas parafusadas

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (2002).

328
2.4 O CONCRETO ARMADO

Começa a ser usado em 1868 após sua descoberta pelo jardineiro


Monier. É uma decorrência da utilização maciça do aço que acaba
por ser “o espírito do concreto armado”, que é armado em função das
redes e armações confeccionadas com vergalhões de aço. O concreto
poder ser simples, em que o cimento e areia formam um volume
que suportará a compressão, mas não a tração e armado, que já su-
portará além da compressão os esforços de tração, além do armado
protendido, consequência da evolução das grandes estruturas que
começaram pela construção de pontes e até os nossos dias com os
edifícios monumentais com os mais diversos fins. No concreto armado
protendido, as peças sustentam os esforços de tração e compressão
com pré-moldagem, assim como também são construídas para serem
usadas como divisórias e painéis, compondo todo o corpo de uma
edificação (Figura 8).

Figura 8: Laje pré-fabricada

Fonte: ARQ2. São Paulo: IAB, dez. 1987. p. 37.

329
O concreto protendido é a conquista mais atualizada do uso do
concreto armado e, graças a essa técnica, os edifícios pré-fabricados
podem ser produzidos em canteiros especiais que, com a ajuda de
guindastes quando necessário, vão sendo montados numa sequência
macro industrial.
Uma peça em concreto armado é solicitada por esforços cujo de-
sempenho do conjunto aglomerante, aglomerados, agregados e ferro
acabam por constituir, com uma dosagem adequada, um material
final homogêneo que trabalhará como um corpo único. “O concreto
armado provê o sistema trilítico de imensas possibilidades e inúmeras
modalidades construtivas(...)” (CARVALHO, 1968, p. 202).
A mistura de areia e cimento é muito utilizada na fabricação de
peças tais como blokrets, tijolos, elementos para acabamentos de
alpendres, cobogós, dentre outros, além do seu uso para confecção
de calçamentos que é mais comum. Nesta mistura, o cimento com-
põe com a areia uma massa que se uniformiza. Quando nesta massa
são adicionadas pedras como seixos, cacos, britas, passa-se a ter uma
mistura chamada de concreto magro.
A mistura referente ao concreto constituído de areia, cimento e
pedras miúdas, ou outros componentes que, quando lançados em
forma contendo no seu interior o aço, como por exemplo, o CA 50,
resulta num bloco que passa a ser o concreto armado.
Na fabricação do concreto armado protendido, todas as tensões
a que se submeterão as peças: vigas, pilares, lajes, são postas em prá-
tica no momento da confecção destas peças, que serão alocadas nos
pontos para os quais foram fabricados já preparados para suportar
as cargas previstas em cálculo.
Como todo material, o concreto armado apresenta vantagens
e desvantagens. O aspecto principal relativo à vantagem no uso do
concreto armado é a sua durabilidade, que supera a madeira e o ferro
que precisam de tratamentos especiais a fim de que se preservem. As

330
ações referentes à manutenção do concreto podem ser mais interva-
ladas, uma vez que este material resiste às intempéries como chuva,
Sol, vento, com mais segurança, principalmente no que se refere ao
conteúdo principal, o aço, que não é atingido pela oxidação. Quando
aplicados sobre a peça vernizes ou seladores apropriados, maior será
a proteção ao concreto.
Outra vantagem do concreto refere-se à sua facilidade de uso
em qualquer obra, seja ela pequena ou grande, basta que se tenha
os materiais necessários para a sua composição e moldagem, logo
estará pronta a peça desejada. A plasticidade do concreto é uma outra
vantagem que atinge as mais diversas aplicações e, na arquitetura, é
possível a fundição de partes curvas, retas, mistas, com dimensões
variadas, bastando que se saiba trabalhar o ferro e as formas.
A obtenção dos materiais componentes, pela grande escala de
produção que no Brasil espalha-se em quase todas as regiões, inclusive
o cimento, que com o ferro são inequivocamente os fundamentais
para a fabricação das peças de concreto armado e o acesso mais fácil
por parte da mão de obra e de materiais componentes necessários
como as madeiras para formas e outros, também facilitam a utiliza-
ção do concreto armado. No caso de acidentes como incêndios, por
exemplo, o concreto armado resiste por muito tempo ao fogo, assim
como não contribui para sua instalação e propagação.
Quanto às desvantagens, referente ao uso de outros materiais, im-
plica no maior peso próprio da estrutura, uma vez que, para se vencer
grandes vãos e sobrecargas é necessário que as peças tenham seções
maiores, principalmente aquelas que suportarão grandes esforços de
tração. É comum, para vencer um determinado vão, que as vigas de
concreto sejam mais pesadas que as de ferro ou madeira. Para locais
mais inacessíveis ou de difícil acesso, o transporte de peças, mesmo
pré-moldadas, exigirá maiores esforços e o uso de equipamentos es-
peciais. No caso de terremotos é inevitável o desmoronamento do

331
concreto, causando acidentes ainda mais danosos que o próprio abalo
sísmico. Entretanto, o concreto continua sendo usado em grande
escala na engenharia e na arquitetura em todo o mundo.

3. A ESTRUTURA E OS SISTEMAS ESTRUTURAIS

A estrutura configura-se o ponto chave para a sustentação do


corpo de uma edificação, o sistema estrutural refere-se a maneira
como peças se conjugam para formar uma determinada estrutura.
As soluções estruturais são diversas ao longo da evolução das
edificações e, no que concerne às coberturas, as armaduras que são
fundamentadas basicamente nos esforços de tração e compressão,
solucionam através dos tempos as coberturas, principalmente aquelas
cujas dimensões são consideradas grandes para serem vencidas por
peças unitárias, que para suportarem cargas e grandes dimensões
necessitariam de grandes seções (Figura 9).

Figura 9: Sistema protendido com cabos de estabilização transversais

Fonte: Engel (1981, p. 44).

Através da transferência de esforços, é possível criar uma estrutura


estável que, ao formar um conjunto solidário, suportará cargas que
serão transmitidas para os apoios, permitindo, com isto, seções mais
esbeltas que aquelas que seriam utilizadas de forma isolada.
Como primeiro conjunto solidário, as tesouras e treliças

332
conseguem formar uma armadura que propicia um conjunto harmô-
nico quanto à transmissão de cargas para dois pontos de sustentação
(apoios), assim como as treliças que, ao lançarem os esforços ao longo
das peças horizontais também levam-nas aos apoios. Dependendo
do uso do material e dos tipos, as peças das armaduras poderão ser
unidas através de parafusos transpassados nas peças, com auxílio de
chapas de união parafusadas ou não com soldas e outras junções
(Figura 10). Ao utilizarmos estes sistemas e, consequentemente, o
uso dos contraventamentos paralelos para proteção das estruturas
quanto ao equilíbrio, como principalmente com respeito às intem-
péries, é necessária a utilização de peças nos sentidos longitudinais e
transversais da cobertura.
Figura 10: Conexão no Centro George Pompidou Paris

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (2012)

Outra solução dada para cobrir grandes vãos é a cobertura estru-


turalizada com o uso de cabos que consiste na fixação destes no solo,
passando pela extremidade de pilares, permitindo assim que sobre
estes cabos passem vigas ou placas paralelas, formando uma superfície
poligonal chamada ‘parede de barril’ (Ver figura 9). Inúmeras soluções

333
podem ser dadas utilizando-se esta técnica, em que a cobertura de
cabos com nervuras em forma de arcos de sela ou de abóbadas são
as mais frequentes.
As armaduras espaciais, que são estruturas mais recentes usadas
para cobrir vãos nos quais o material de revestimento da cobertura é
preferencialmente constituído por substâncias leves. Estas estruturas,
mesmo sendo compostas por materiais com peso próprio pequeno
(ligas metálicas) apresentam-se em seu conjunto uma malha bastante
densa, que acabará por aumentar seu peso próprio, que será transmi-
tido para os apoios posicionados de acordo com as características do
projeto. Estas armaduras são montadas utilizando-se de conectores,
peças de formas poligonais diversas ou circulares que são atreladas
através de parafusos aos diversos pontos dos elementos de fixação
(figura 11).
Figura 11: Armadura espacial- Aeroporto de Belém.

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (2002).

Ainda sobre as armaduras espaciais, é possível destacar as chama-


das cúpulas Schwedler, que se fundamentam nas formas esféricas e
assim as cúpulas geodésicas muito utilizadas no mundo, inclusive em
espaços habitáveis, propiciando grandes e pequenos vãos. A utilização

334
deste sistema requer preferencialmente o uso do aço e de outras ligas
metálicas, embora sejam executadas também em madeira.
Figura12: Recomposição de forma geodesia no Parque do Utinga, Belém

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (2018).

Figura 13: Cúpulas Schwedler.

Fonte: Salvadori; Heller (1966, p. 140)

335
Nas concepções dos diversos sistemas estruturais, uma solução
que demanda séculos de uso é o arco, que nos primórdios das edi-
ficações foi construído em madeira in natura, depois em pedra e
posteriormente já na modernidade com os mais diversos materiais.
Os arcos podem ser construídos utilizando vários sistemas e com
materiais variados, podendo apresentar no seu corpo o treliçado e
o sanduichado, sendo os treliçados mais usados em madeira e aço
e os sanduichados em madeira. É comum a construção de arcos
para cobertura em concreto armado, que passam por um processo
de evolução indo à pré-fabricação. Uma combinação de arcos indo
até o piso permite criar abóbada de concreto chamada abóbada de
arcos. Entretanto, o uso reduzido de arcos em diagonal facilita a de-
finição de uma cobertura em abóbada seccionada. Quando os arcos
se encontram no centro, a partir de diagonais, estamos na presença
de cobertura em cúpula, também chamada de cobertura de arcos
radiais, neste caso cada arco é apoiado em bloco no solo, para o qual
é transmitida a carga total da cúpula.
Usando o concreto armado como predominância, as cascas apre-
sentam-se como estruturas resistentes à flexão com espessuras capazes
de suportar também cargas de compressão, corte e tração. As cascas
permitem a construção de cúpulas e coberturas curvas de formas
diversas com boa resistência mecânica. O curioso é que as cascas
podem ser construídas também em madeira e materiais plásticos,
embora ‘trabalhem’ melhor quando edificadas em concreto armado.
É possível obter inúmeras formas em casca tais como: sela de montar,
superfície de revolução elípticas e parabólicas e superfícies cilíndricas,
torais e cônicas.
Na formação de um sistema estrutural mais atualizado, a mem-
brana, embora inspirando-se nas antigas tendas, sem dúvida é uma
das mais recentes conquistas da tecnologia contemporânea. Origi-
nalmente compõe-se, na parte referente ao revestimento, de material

336
delgado com resistência à tração, sendo as lonas de materiais sintéticos,
emborrachados e plásticos tensionados através de conexões aos apoios
geralmente pré-construídos de aço. São diversas as formas de tração
executadas nestas coberturas e as antigas coberturas de circo, com
apoio central para a fixação de cabos indo até o chão são os primeiros
exemplos que evoluíram para as atuais membranas (Figura 14).
Figura 14: Membrana pré-tensionada na feira do Ver-o-peso

Fonte: Cybelle Miranda (2020)

Um exemplo também secular e simplificado de membrana é o


guarda-chuva, guarda-sol em que os elementos estruturais superiores
são apoiados por peças que tensionam as de sustentação da lona, fixan-
do-se no apoio central (cabo). Dentro de certos limites, a membrana
de um guarda-chuva absorve pressão superior e inferior. A cobertura
circular pré-tensionada é mais um exemplo de membrana.

4. EVIDENCIANDO USOS

São em grandes quantidades as edificações construídas utilizando


os mais diversos sistemas estruturais e materiais, conforme já tivemos
oportunidade de relatar. Desta forma, concluímos este artigo pondo

337
em evidência alguns projetos que merecem destaque como produtos
da criatividade, em que grandes vãos são vencidos, marcando desta
maneira a arquitetura contemporânea produzida no mundo a partir
de 1950, com destaque a alguns nomes da arquitetura internacional.
Em 1925 nasce na Alemanha Frei Otto, de 1948 a 1952 estuda
na Universidade Técnica de Berlim e em 1952 defende sua tese de
doutorado “As coberturas tensionadas”. Otto produziu inúmeras
obras, dentre as quais a cobertura do quiosque da música para a
Primeira Exposição Federal de Jardinagem de Kassel, Alemanha, Pavi-
lhão de Dança em Colônia (1957), Pavilhão de Exposição Hortícula
Internacional de Hamburgo (1963), Exposição Nacional da Suíça
(1964), Exposição da Alemanha (1967), Academia de Medicina da
Universidade de Ulm (1967) e cobertura para estádios para os jogos
de Munich (1972), entre outros.

Figura 15: Estádio Olímpico de Munich

Fonte: Drew (1973, p. 114).

Otto parcerizou inúmeros projetos com diversos arquitetos, den-


tre os quais Kenzo Tange e ainda é considerado o autor das mais
arrojadas coberturas em membrana, solucionando das mais simples
às mais complexas. Projetou membranas em forma de sombrinha com

338
apoio central em disposição invertida. As membranas projetadas e
construídas por ele trabalham com tensionamento, utilizando como
material de revestimento têxteis como a fibra de poliéster, que é fixada
por cabos com elementos de fixação em plástico e que são tensionados
nas pontas, com apoios muitas vezes centrais, constituindo-se de peças
em aço com a utilização de cabos fabricados com o mesmo material.
Jorn Utzon apresenta-se a partir da década de 50 do século XX
com o projeto Casa de Ópera de Sidney, Austrália; nascido na Dina-
marca, projeta inúmeras habitações, entre as quais a sua própria na
cidade de Hellenback (1952), Irlanda do Norte. No projeto de uma
residência em Holte, Copenhagen, Utzon pela primeira vez utiliza
vigas e pilares compondo um sistema pré-fabricado, sendo um dos
precursores do sistema pré-moldado em concreto na arquitetura no
mundo.
Ao conceber a Casa de Ópera de Sidney, marca radicalmente a
tendência de integração do edifício com seu entorno, em que a água
e o veleiro são suas fontes inspiradoras. Mas é na busca dos efeitos
sonoros que as abóbadas interligadas compõem um interior propício
aos espetáculos musicais e teatrais, que se conjugam numa ópera. A
cobertura é a fonte fundamental do conjunto, e se no interior elas
agem com objetivos específicos ao espetáculo teatral, no exterior a
impressão é similar à causada às vistas de um grande veleiro singrando
as ondas do mar, com suas velas tensionadas pelo vento. A forma
escultórica do volume é criada por uma profusão de cascas, formando
uma abóbada em cascata com sobreposições às vezes descontínuas e
opostas (figura 16).
A cobertura da ópera, embora livre, desenvolve-se como um
invólucro de um espaço interior, com uma função definida, como já
dissemos, à acústica e à cobertura com detalhes expostos ao exterior,
harmonizando-se na concepção ambígua da forma estética simbólica
e da função interior. O estudo geométrico aliado à matemática, se
faz presente de forma clara e forte.

339
Figura 16: Ópera de Sidney

Fonte: Mariana Sampaio (2020).

Kisho Noriaki Kurokawa, discípulo de Kenzo Tange, com quem


compõe equipe abrindo escritório em 1961 no Japão, em 1970, na
Exposição de Osaka mostra três edifícios que marcam suas concepções
em que casas pré-fabricadas de concreto armado fazem sua marca.
Continuando suas produções usando também a pré-fabricação, agora
em estrutura metálica, onde sobressaem as coberturas, exemplificamos
a Fábrica de Alimentos Nitto em Sagae, Japão em 1963, bem como o
pavilhão Toshiba, parte da Exposição 70 em Osaka. Nestes projetos,
as estruturas espaciais pré-moldadas em aço compõem-se de peças
articuladas por encaixes e parafusos (Figura 17).
Figura 17: Pavilhão Toshiba

Fonte: Drew (1973, p. 71).

340
No projeto da Fábrica Nitto, dá solução em estrutura metálica
modulada, predominando as peças verticais de sustentação da cobertu-
ra, possibilitando a ampliação do edifício. Assim, configura-se o efeito
multiplicador do módulo estrutural. No Pavilhão Toshiba, a estrutura
da cobertura toda articulada apoia-se em grandes bases construídas
em aço, apresentando no centro um grande volume suspenso, sob
o qual instalam-se boxes de exposição. A superestrutura é fabricada
com uma variante das células tetraédricas, de Alexander Graham
Bell e a arquitetura proposta por Kurokawa insere-se nas propostas
metabólicas antecipadas por Le Corbusier quando do desenho do
Centro Carpenter, em Harvard.

Figura 18: Centro Cívico de Hagi – Corte

Fonte: Drew (1973, p. 82).

Ainda sobre a arquitetura produzida no Japão pela geração pós-


-Tange, sobressai o nome de Kyonori Kikutake, nascido em 1928
e em 1948 ganhou o terceiro prêmio no Concurso para a igreja do
Centro da Paz de Hiroshima, no qual Tange obteve o segundo lugar.
Kikutake projeta diversos trabalhos, entre os quais o Centro Cívico
de Hagi em 1968, cuja estrutura espacial em aço compõe a cobertura
toda apoiada em base metálica (Figura 18).
Estes exemplos demonstram a flexibilidade no emprego de es-
truturas de cobertura, de modo a dinamizar as formas e soluções

341
espaciais arquitetônicas, tema que viemos a desenvolver em nosso
mestrado, e que pode ser consultado no artigo El método de diseño
y construción de la habitación unifamiliar empezando por la cubierta
(Carvalho; Miranda, 2020).

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Benjamin. Arquitetura no tempo e no espaço. Rio


de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1968.

CARVALHO, Ronaldo N. F. Marques de; MIRANDA, Cybelle S.


El método de diseño y construción de la habitación unifamiliar em-
pezando por la cubierta. Revista Latino-americana de Ambiente
Construído & Sustentabilidade, v. 1, p. 16-31, 2020. Disponível
em: http://https://www.amigosdanatureza.org.br/publicacoes/index.
php/rlaac_sustentabilidade/article/view/2535.

DREW, Philip. Tercera generación. La significación cambiante de


la arquitectura. Barcelona: Gustavo Gili, 1973.

ENGEL, Heino. Sistemas de Estruturas. São Paulo: Hemus Edi-


tora, s.d.

GOMES, Geraldo da Silva. Arquitetura do ferro no Brasil. São


Paulo: Nobel, 1986.

HART, F; HENN, W; SONTAG, H. El Atlas de la construcción


metálica. Casas de pisos. Barcelona: Gustavo Gili, 1976.

KAHN, Lloyd. COBIJO, Madrid, Herman Blume, 1985.

342
LA MADERA. Madrid; Editorial Blume, 1978.

PÉREZ, Fernando Cassinello. Construción, carpintería. Madrid:


Editorial Rueda, 1973.

SALVADORI, Morio; HELLER, Robert. Estruturas para Arqui-


tectos. Buenos Aires: Ediciones La Isla, 1966.

SOUZA, Renato Otílio Lopes de. A construção metálica. Belém,


s.d. (Trabalho mimeografado).

343
AS PLACAS DO FORRO DE ESTUQUE DA ANTIGA
CAPELA DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DO
PARÁ: elaboração de protótipos como subsídio para reabilitação

Bianca Barbosa do Nascimento


Larissa Silva Leal
Ronaldo Nonato Ferreira Marques de Carvalho

1.INTRODUÇÃO

O artigo em questão faz parte da pesquisa Forros na Arquitetura


Hospitalar em Belém e Portugal: o Estuque Decorativo Eclético, que
realiza estudos sobre o uso do estuque como técnica decorativa de
forros em instituições da saúde em Belém, a fim de elaborar alterna-
tivas contemporâneas para a reabilitação do forro estucado da Capela
da Santa Casa de Misericórdia.
A Capela se insere no Complexo hospitalar da Fundação Santa
Casa de Misericórdia do Pará, inaugurado em 1900, o qual se encontra
atualmente em processo de tombamento junto ao Departamento do
Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC) do Governo
de Estado do Pará. Dado o caráter histórico e artístico do forro, este
deve ser reabilitado, segundo a Carta de Veneza (1964) utilizando
técnicas modernas que tenham sido comprovadas cientificamente, no
caso de as técnicas tradicionais terem se mostrado inadequadas. Este
é o caso do forro da capela que, devido a fragilidade da argamassa

344
quando em contato com umidade e o elevado peso próprio do ma-
terial, desprendeu-se das estruturas de fixação.

2. CAPELA DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DO PARÁ:


ARQUITETURA E ESTADO DE CONSERVAÇÃO

A construção da capela da Santa Casa de Misericórdia do Pará,


localizada no conjunto arquitetônico da atual Santa Casa de Miseri-
córdia, no bairro do Umarizal, em Belém-PA, foi realizada entre os
anos de 1901 e 1910 (Figura 1). A arquitetura do hospital obedece ao
modelo pavilhonar, caracterizando-se esteticamente pelo Ecletismo,
com emprego de elementos clássicos.

Figura 1: Fachada da Capela da SCMPA voltada para a área externa.

Fonte: Bianca Barbosa (2016).

Arquitetonicamente, a capela tem forma retangular e ocupa um


pavimento, sendo ornamentada com formas clássicas, destacando-
-se as esquadrias em arco pleno. A cobertura é composta por duas
águas e encoberta por platibanda. O acesso à capela ocorre por uma

345
circulação interna ao hospital, sendo o vão emoldurado por ricos
elementos florais em estuque (SUDANI, 2014).
Os elementos integrados ao templo são três retábulos, um cen-
tral e dois laterais, que emolduram os nichos onde se localizavam as
imagens religiosas. O forro da sacristia é executado em lambri de
madeira, sendo que o forro em estuque se estende por toda nave até
o altar mor (SUDANI, 2014).
Figura 2: Porta do acesso principal e nave da Capela da SCMPA.

Fonte: Bianca Barbosa (2016).

A capela está desativada há aproximadamente 30 anos, sendo


acentuado seu estado de degradação, cujo elemento mais afetado

346
é o forro em estuque. A elevada umidade decorrente do alto índice
pluviométrico amazônico ocasionou infiltrações no telhado, o que
contribuiu para o apodrecimento da estrutura de sustentação do
forro (em madeira) e o descolamento das peças decoradas. A presença
de insetos xilófagos e o peso próprio da ornamentação são fatores
adicionais à decomposição do forro. Partes significativas do forro se
encontram danificadas e a estrutura encontra-se aparente e visivel-
mente inapropriada ao reaproveitamento.
Figura 3: Deterioração dos fasquiados e elementos presentes no forro da Capela da SCMPA

Fonte: Bianca Barbosa (2016).

347
3. OS FORROS ESTUCADOS E SUA REABILITAÇÃO

Segundo Caldas (2014), o estuque histórico é composto basica-


mente de cal, água e areia, com a adição de elementos como argila, pó
de mármore e, em alguns casos, a presença de aditivos como sangue
animal, urina, chifres moídos, açúcar, sal, dentre outros elementos que
ajudavam a liga a ter mais resistência, elasticidade e durabilidade. A
partir do século XVII, uma pasta composta por gesso, pó de mármore
e cal começou a ser utilizada nas ornamentações em estuque, de modo
a propiciar a plasticidade do gesso e a aceleração das sobreposições
das fases (FIGUEIREDO, 2008).
No Brasil, o estuque começou a ser difundido a partir da se-
gunda metade do século XIX, durante o Ecletismo, como elemento
decorativo de rebocos de alvenaria, forros, sancas, na composição de
cimalhas e sobrevergas, e na decoração interna, através da reprodução
de capitéis de colunas, frisos, molduras e elementos de ornamentação
fitomórfica.
Quanto a técnica para a execução dos forros estucados, a arga-
massa de estuque era estruturada em barrotes de madeira ou em telas
importadas do tipo Deployée. Para a aplicação da pasta, era importante
que a madeira da estrutura que recebesse a aplicação estivesse sempre
umedecida, para garantir uma boa ligação entre a estrutura portante e
o estuque. Tal procedimento serviria para impedir a absorção da água
do estuque pela estrutura, prevenindo rachaduras e/ou em perdas das
ligações da argamassa (CALDAS, 2014).
O aumento da consciência sobre a conservação desse tipo de
material se deu principalmente a partir do século XX, devido ao
desenvolvimento nos setores de reabilitação e de conservação e res-
tauro, que tornou visível o patrimônio como a ligação com o passado
coletivo e com os valores de identidade.

348
A reabilitação pode ser considerada um processo de melhoria das
condições de usabilidade do edifício, otimizando as instalações, rees-
truturando desde elementos decorativos a aspectos estruturais, com o
objetivo de alongar a vida útil do edifício. Além disso, a reabilitação
possui graus diferentes de intervenções, que vão desde a manuten-
ção de um determinado revestimento, passando pela substituição
parcial de um elemento por outro semelhante, até a remoção total
e substituição de um elemento ou revestimento (PEREIRA, 2010).
Para mais, é necessário assegurar a reversibilidade dessas interven-
ções e dar preferência aos materiais e soluções tecnológicas comprova-
dos, em detrimento de técnicas e produtos sofisticados. Assim como
é de grande importância ser efetivamente sustentável nas escolhas
dos materiais, técnicas e soluções construtivas para contribuir com o
melhoramento do desempenho da construção, não permitindo que
os atributos arquitetônicos, funcionais e construtivos sejam inferiores
aos preexistentes.
A documentação clara da realidade preexistente e todas as altera-
ções que serão introduzidas é necessária e promove a máxima coerência
construtiva, prevendo a melhor e maior utilização dos elementos e
partes da construção existente. Dessa forma, as intervenções não
irão alterar ou destruir as evidências culturais, históricas ou artísticas
detectadas no decorrer da obra.
Para qualquer tipo de intervenção que se proponha fazer em um
edifício, é necessário que haja compatibilidade entre os materiais e
sistemas construtivos atuais e os que foram empregados na construção
original. Além disso, essas intervenções devem objetivar a proteção
e preservação da identidade do patrimônio arquitetônico presente
na capela, através da reabilitação das suas particularidades com valor
significativo.

349
4. MÉTODOS, MATERIAIS E TÉCNICAS

A pesquisa em questão é de base experimental, combinada com


estudos bibliográficos acerca dos processos de reabilitação dos forros
históricos e materiais compatíveis com argamassas de estuque antigo.
Após a análise da placa do forro coletada na Capela, foram estudadas
as possíveis composições a ser utilizadas na reabilitação do forro em
estuque, adotando materiais antigos e contemporâneos para compor
as novas argamassas.
A fase experimental compôs-se de: definição dos traços das arga-
massas alternativas e ensaios de absorção e flexão; desenho de formas
esquemáticas para as placas, confecção das argamassas selecionadas;
ensaios das placas em escala reduzida e análise dos resultados dos
ensaios.
Segundo Sudani (2014), o forro predominante na Capela da
SCMPA é estucado e recebe um acabamento de tinta na cor rosa.
A partir das observações in loco, nota-se que o forro é sustentado
por um fasquiado de madeira (Figura 3), em uma malha feita “com
finas ripas de madeira espaçadas entre si” (MACDONALD, 2004),
no qual a argamassa está fixada nos espaços entre os fasquiados. Essa
estrutura de sustentação é geralmente fixada em barrotes de madei-
ra, presentes na estrutura da cobertura. A ornamentação do forro é
composta por uma moldura frisada com um florão ao centro, ambos
na cor branca (Figura 3). Esta combinação de elementos se repete de
forma modular ao longo do forro.
A amostra utilizada na análise de DR-X foi coletada em 2013 den-
tre as placas desprendidas do forro, que se encontravam amontoadas
no piso da capela. O fragmento coletado encontrava-se danificado
devido à queda da altura de cerca de 5 metros desde o forro, com
elementos faltantes, porém em condições adequadas para os estudos e
análises necessárias para pesquisa. Em agosto de 2016 foram realizadas

350
as análises, quando houve a retirada de uma pequena parte da amostra
para a execução da análise por DRX (Figura 4).

Figura 4: Localização das amostras obtidas no fragmento do forro para a análise por DRX

Fonte: Bianca Barbosa (2016).

351
Procedeu-se a raspagem das camadas do fragmento em uma pe-
neira #200, sendo obtidas nove amostras de materiais. Estas foram
encaminhadas ao Laboratório de Eco Compósitos, da Faculdade de
Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Pará (UFPA), para
caracterização por DRX.
No âmbito dos materiais eleitos para compor a argamassa propos-
ta, Rodrigues (2013) explica que a cal deriva de formação sedimentar
e metamórfica, advinda de rochas carbonáticas originadas pela decom-
posição de conchas somadas a outros elementos. A cal utilizada em
argamassas necessita da adição de areia silicosa ou calcária para evitar
a retração na secagem, servindo como lubrificante que une e diminui
o atrito entre os grãos de areia (PEREIRA, 2010; MELO, 2009).
Os resíduos de argila sílico-aluminosas empregados por Marques
de Carvalho (2014) são constituídos de cerâmica vermelha e restos
da construção civil. Através de um processo de britagem, moagem
e peneiramento, esses materiais chegam à granulometria ideal para
uso, utilizados como agregados em argamassas mistas e aglomerantes
em argamassas com cal pozolânica.
O pó de serragem é resíduo da indústria moveleira, e pode ser
incluído na produção de argamassas a fim de conferir maior resistência
à tração e ao impacto (DANTAS, 2004). O compósito pode agregar
dois ou mais materiais, porém é fundamental ter sua parte reforçada
com fibras que proporcionam resistência à parte ligante, além de
melhorar o isolamento térmico e acústico (MATOSKI, 2005).
O concreto celular, por sua vez, está classificado dentro dos con-
cretos leves de alto desempenho, pois se diferenciam dos convencio-
nais “pela redução da massa específica e alterações das propriedades
térmicas e acústicas” (MELO, 2009, p. 15). A massa específica é
diminuída conforme a quantidade de incorporadores de ar se injeta
na massa, Melo classifica o concreto celular “em dois grandes grupos,
aerados com agente espumígeno (espuma pré-formada) e os aerados
quimicamente (também chamados de gasosos), onde as diferenças
encontram-se no processo de formação dos poros e formas” (2009, p.

352
16). Ademais, a mistura do concreto celular é bem comum, contendo
cimento, areia, cal e materiais silicosos, além do pó de alumínio.

5. RESULTADOS
5.1 CARACTERIZAÇÃO POR DR-X

Após o DR-X, dividiu-se as amostras em três grupos: o primeiro


grupo, formado pelas amostras de n.º 04, 08 e 09, permite deduzir
que sejam compostas por vestígios de tintas presentes tanto no or-
namento em si, quanto no forro, e indicam a presença de cimento,
que pode ser atribuído a uma reparação executada posteriormente à
construção do forro.
O segundo grupo, formado pelas amostras de números 03, 06 e
07, apresentam caraterísticas provenientes de dois ou mais materiais.
A amostra n.º 03, por exemplo, se encontra entre os estratos do
ornamento e da camada de argamassa onde este está fixado; possui
coloração diferenciada que se presume ser resultante da interação
entre este material e a camada de tinta presente na superfície do forro.
Já o terceiro grupo, formado pelas amostras de n.º 01, 02 e 05,
caracteriza-se por conter amostras do ornamento (n.º 05), da arga-
massa de acabamento (n.º 02) e da argamassa de assentamento (n.º
01) (Figura 4).
Figura 5: Desenho esquemático do perfil do forro da Capela da SCMPA realizado com o
auxílio do CorelDRAW

Fonte: Bianca Barbosa (2017).

353
A amostra n.º 01 foi retirada da argamassa que faz a ligação da
estrutura, composta pelos fasquiados e os barrotes, com o acabamento
e os ornamentos. Essa argamassa, que possui uma coloração mais
escurecida, apresentou durante a raspagem fragmentos de diferentes
materiais, sendo identificados visualmente pedaços de conchas ma-
rinhas. Na caracterização (Figura 6), os padrões encontrados foram
a Gipsita (Ca S O4 !2), o Quartzo (Si O2) e Carlinite (Tl2 S), sendo
o primeiro componente do gesso e o segundo, componente da areia.
A terceira substância, sulfato de tálio, é um dos compostos quí-
micos presentes em pesticidas, porém devido à sua toxidade, atual-
mente está proibido para este fim. Supõem-se que o sulfato de tálio
esteja presente nessa amostra devido a sua aplicação, diretamente na
imunização do fasquiado ou indiretamente, na dedetização da capela.
A amostra n.º 02 se localiza acima de toda a camada da amostra
n.º 01. Ela apresenta uma coloração esbranquiçada e aparenta ser
uma argamassa mais porosa e com granulometria maior em relação
às demais. A caracterização aponta que sua composição é feita por
Calcita (Ca (C O3)), Gipsita (CaSO4. 2H2O) e Quartzo (Si O2),
o que indica que tal argamassa é composta por gesso, areia e cal.
A amostra n.º 05 corresponde ao material do ornamento presente
no forro, mais precisamente do florão, de onde a amostra foi coletada.
A caracterização indica que o ornamento é composto predominante-
mente por Gipsita (CaSO4. 2H2O), que é o principal componente
químico do gesso. A granulometria fina da amostra, que possui a
coloração branca, também reforça a ideia de que o ornamento é feito
com uma argamassa de gesso.

354
Figura 6: Difratograma das amostras n.º 01 e 02

Fonte: Laboratório de Eco-compósitos (2016).

5.2 TRAÇOS

Nesta etapa, procurou-se manter o equilíbrio da proporção dos


materiais em cada traço de argamassa a ser confeccionado. Deste
modo, chegou-se em três traços de argamassas, diferenciando-os pela
porcentagem ou pelo tipo dos materiais:

• Traço 01: com 30% de Cal, 40% de Resíduos de argilas


aluminosas/sílica (Rejeitos) e 30% de Pó de serragem;

• Traço 02: com 30% de Cal, 30% de Resíduos de argilas


aluminosas/sílica (Rejeitos) e 40% de Pó de serragem;

• Traço 03 (Concreto Celular): contendo 20% de Cal,


79,5% de Resíduos de argilas aluminosas/sílica (Rejei-
tos), 0,5% de pó de alumínio.

355
Assim, foram propostos corpos de prova com traços diferentes,
a fim de analisar e testar essas argamassas, submetidas aos ensaios de
flexão e absorção. Foram confeccionados 18 corpos de prova, sendo
necessários três corpos para cada ensaio, multiplicados pelos três tipos
de traços de argamassas.
Para se calcular a quantidade de material utilizado em cada corpo
de prova, cada traço e o total necessário de material, calculou-se o
volume dos corpos de prova, a partir das dimensões da forma onde
eles foram confeccionados. A forma possui medidas internas de 10cm
x 4,80cm x 2,25cm, com volume de 108 cm³; assim, utilizando-se
as proporções acima e o volume dos corpos de prova, chegou-se aos
volumes de todos os materiais.
Após essa etapa, multiplicou-se o volume pelo peso específico de
cada material, resultando na massa em gramas a ser usada em cada
corpo de prova. Para cada traço foram feitos seis corpos de prova
e se multiplicou esse total em gramas por seis, em que se chegou
à quantidade total necessária para se produzir os corpos de prova.

5.3 CONFECÇÃO DOS CORPOS DE PROVA

Os dezoito corpos de prova foram produzidos no LAMEMO/


UFPA utilizando formas em madeira com as mesmas dimensões da
forma em aço, esta disponível no Laboratório de Engenharia Quí-
mica da UFPA.
Para a confecção dos corpos de prova, foram peneirados o pó
de serragem, obtido em uma carpintaria em Belém do Pará e os
resíduos sílico-aluminosos, excedentes da pesquisa de doutoramento
(MARQUES DE CARVALHO, 2014), os quais haviam passado por
moagem. A peneiragem do pó de serragem foi realizada em uma
peneira 2mm; durante a peneiragem, constatou-se que a serragem
utilizada é formada por madeira vermelha, com predominância de

356
madeira branca (Cedro e Angelim). O mesmo processo foi realizado
com os rejeitos sílico-aluminosos, com peneira #100.
Posteriormente, os materiais utilizados em cada traço foram pe-
sados de acordo com as quantidades de massa para seis corpos de
prova. A primeira argamassa produzida foi a referente ao traço 1, com
cal, rejeitos e pó de serragem. Após a pesagem, os materiais foram
colocados em um recipiente de vidro com peso de 826g, onde foi
feita a mistura da argamassa com água. Eles totalizaram um peso de
868g sem água, após a mistura de água na argamassa verificou-se que
o peso subiu para 1,7kg. Em seguida, foi feito o preenchimento das
formas para os corpos de prova.
Para o traço 2, foram repetidos os mesmos procedimentos, pois os
materiais eram os mesmos, apenas em proporções diferentes do traço
1. Verificou-se que o peso dos materiais misturados e sem água era
de 848g, já com a mistura da água era de 1,9kg, ou seja, foi utilizada
uma maior quantidade de água. Para a argamassa em concreto celular,
foram usados a cal, os rejeitos e pó de alumínio. Misturados e sem
adição de água, esses materiais totalizaram 946 g, já com a água o
peso subiu para 1,4kg.
Figura 7: Formas preenchidas com as argamassas. Da esquerda para a direita: traços 01 (arga-
massa amarelada), 02 (argamassa mais escura) e Concreto Celular (argamassa rosada).

Fonte: Larissa Leal (2017).

357
Além dos seis corpos de prova necessários para os testes, foram
confeccionados mais dois de cada traço por segurança. Vale ressaltar
que é fácil observar a diferença das cores das argamassas, de acordo
com a predominância de cada material.
A argamassa do traço 1, (à esquerda na Figura 7) contém uma
coloração mais amarelada devido à utilização da serragem em sua
composição, sendo um pouco mais clara que a argamassa do traço
2, cuja tonalidade mais escura se dá em razão da maior quantidade
de serragem utilizada. O concreto celular, por sua vez, apresenta
uma tonalidade mais rosada, da cor dos resíduos silico-aluminosos,
material que predomina em quase 80% da argamassa.

5.4 ENSAIOS

Nas argamassas, as primeiras 24 horas foram fundamentais para


o processo de pega e seguiu-se o período da cura, totalizando 14 dias.

5.4.1 ENSAIO DE FLEXÃO

Os ensaios de flexão foram realizados em um equipamento de


medição de resistência à flexão de materiais cerâmicos, no Laboratório
de Engenharia Química da UFPA. Nesse equipamento, foi utilizado
um balde de 400g, o qual foi cheio aos poucos com água, produzin-
do esforços no corpo, até o rompimento dele. Foram utilizados três
corpos de prova para cada traço. Nos traços 1 e 2, os três corpos de
cada traço romperam com o peso do equipamento, 1,1kg (no ponto
de corte do equipamento).
O primeiro corpo de prova testado referente ao traço de Concreto
Celular suportou o peso do equipamento, de 1,1kg e mais 7,1kg,
referente ao peso do balde plástico com água, totalizando 8,2kg.
Já o segundo corpo de prova rompeu com um peso de 4,2kg mais

358
1,1kg do equipamento, totalizando 5,3kg. O terceiro corpo de prova
suportou um peso 8,2kg e mais o peso do equipamento de 1,1kg,
totalizando 9,3kg.
Figura 8: Equipamento de medição, durante os ensaios.

Foto: Larissa Leal (2017).

5.4.2 ENSAIO DE ABSORÇÃO

Após o período da cura, foram feitos os ensaios de absorção dos


corpos de prova. Estes corpos foram pesados um a um e depois sub-
mersos em água, sob temperatura média de 30°, durante 24 horas.
Os pesos dos corpos de prova antes e depois da imersão foram:
Quadro 1: Traços 1, 2 e 3 – peso antes e depois da imersão

359
Fonte: Larissa Leal (2017)

Figura 9: Pesagem dos corpos após imersão

Fonte: Larissa Leal (2017).

5.5 A ARGAMASSA PARA MOLDAGEM E A FORMA DA PLACA

A moldagem da placa foi feita com as argamassas corresponden-


tes ao traço 2 e traço 3, pois os resultados das análises de ambas as
argamassas foram satisfatórios. Após os ensaios de flexão e absorção
com as placas foi escolhido um traço de argamassa.
A placa original do forro é ornamentada em estuque de relevo,
com adornos florais sob a temática fitomorfa, segundo Sudani (2014).
Para a reprodução da moldagem dessas placas, os ornamentos foram
desconsiderados. Como a amostra da placa original está fragmen-
tada e incompleta, não foi possível precisar o peso e consequente-
mente o volume, mas de acordo com análises de proporções, foram

360
estabelecidas as seguintes medidas em centímetros para a moldagem
da placa, ainda para testes:
Figura 10: Molde da placa em tamanho real e reduzido

Fonte: Larissa Leal (2017).

A forma da nova placa pode ser descrita como um prisma retan-


gular e uma pirâmide com sua base centralizada no prisma, como
podem ser observados acima, com dimensões de 45 cm x 45 cm e uma
altura total de 9 cm. Para as placas de teste, o volume foi reduzido
para 25%, a fim de facilitar a confecção e testes das placas, além de
consumir um volume menor de material.
As formas foram confeccionadas em madeira e tiveram um emas-
samento para deixar a superfície mais lisa, que irá influenciar tanto
na desforma quanto no resultado dos ensaios.

5.6 MOLDAGEM DA PLACA

A quantidade de materiais necessários para a moldagem das placas


foi calculada de acordo com o volume delas, repetindo-se o processo

361
realizado com os corpos de prova. De acordo com os resultados dos
corpos de prova, foram alteradas proporções de alguns materiais:
nos dois tipos de argamassas produzidos, foram adicionados 5% de
cimento e a quantidade de pó de alumínio foi triplicada, em relação
às porcentagens iniciais.

• Traço 02: com 27,5% de Cal, 27,5% de Resíduos sí-


lico-aluminosos (Rejeitos), 40% de Pó de serragem e
5% de Cimento;

• Concreto Celular: contendo 23% de Cal, 70% de Re-


síduos sílico-aluminosos (Rejeitos), 1,6% de pó de alu-
mínio e 5,4% de Cimento.

Figura 11: Placas fundidas

Fonte: Larissa Leal (2017).

5.7 ENSAIOS

Primeiramente, a desforma das placas foi realizada com o uso


de um aparelho que emite calor direcionando o jato para o fundo
das formas, a fim de propiciar o descolamento das placas. Durante a

362
desforma, algumas placas fragmentaram em algumas partes, porém
não comprometeram os ensaios de flexão e absorção. Os mesmos
processos de ensaios que foram realizados no experimento com os
corpos de prova, foram reproduzidos com as placas, obtendo-se, con-
tudo, resultados diferentes.
Nos ensaios de flexão, as placas do traço 2, cujo peso é de 780g,
resistiram em média a 900 g e o rompimento das placas foi imedia-
to. Já as placas do traço 3, que pesaram em média 1kg, resistiram a
uma carga de 23kg. Para o ensaio de absorção, os corpos imergidos
foram coletados de fragmentos das placas após o ensaio de flexão.
Estes foram inicialmente pesados, e posteriormente submersos em
água durante 24 horas, à uma temperatura média de 30°C. Após
pesagem, obteve-se os seguintes resultados:
Quadro 02: Traços 2 e 3 - peso antes e depois da imersão dos fragmentos das placas

Fonte: Larissa Leal (2017).

6. DISCUSSÃO

Após as análises dos corpos de prova submetidos ao ensaio de


absorção, no traço 1, o corpo 1 aumentou 55 g ou 71% do seu peso
inicial, o corpo de prova 2 sofreu um aumento em seu peso de 62g
ou 77% do seu peso inicial e o corpo de prova 3 aumentou seu peso
em 60g ou 81% do seu peso inicial. O traço 2, obteve os seguintes
resultados: o corpo 1 aumentou 49g em relação ao seu peso inicial
ou 75%, o corpo 2 apresentou um aumento de 84,8% em relação ao

363
seu peso inicial, aumentando assim 56g, o corpo 3 teve um aumento
de 52g ou 74% no seu peso em relação ao peso inicial.
Sobre o traço 3, obtivera-se os seguintes dados: o corpo 1 aumen-
tou o peso em 76g ou 67% em relação ao seu peso inicial, o corpo
2 teve um aumento de 42g ou 33% em relação ao seu peso inicial.
Já o corpo tendo um aumento de apenas 10g ou 7% em relação ao
seu peso inicial.
Todos os traços apresentaram características favoráveis à utili-
zação da argamassa para a reprodução das placas. Porém, algumas
observações foram fundamentais para a escolha da argamassa que
será utilizada:

• Foi observada a diferença de coloração dos traços 1 e 2, que


são bem mais escuros que o traço 3, que é rosado. Entretanto,
qualquer traço que for escolhido necessitará de acabamento;

• Os corpos de prova dos traços 1 e 2 permaneceram com sua


forma intacta, diferentemente dos corpos de prova do traço
3, que liberaram mais matéria durante a imersão, em relação
aos outros traços;

• Sobre a perda de água após o ensaio de absorção, o traço 2


apresentou perda de água mais rápida que os outros traços.
O traço 2 também adquiriu mais dureza após a absorção;

• Com a pesagem dos corpos, após a cura total e durante os


ensaios de absorção percebeu-se que o traço 3 ficou mais
pesado que os outros dois traços;

• Nos ensaios de flexão, a argamassa mais favorável e que resistiu


a uma carga maior foi à correspondente ao traço 3, sendo
que a correspondente ao traço 1 foi a que rompeu mais ra-
pidamente com pouca carga e os corpos de prova do traço 2
romperam com uma carga um pouco maior.

364
Após a análise dos ensaios, chegou-se à conclusão de que a adição
de 5,4% de cimento nas argamassas traria uma dureza maior a elas.
Como os corpos de prova correspondentes ao traço 3 estavam mais
pesados, outra conclusão foi de que não houvera a criação suficiente
de bolhas de ar dentro da argamassa, triplicando-se assim a quanti-
dade de Pó de alumínio no traço 3. No que diz respeito à flexão, os
traços 1 e 2 resistem pelo menos ao peso próprio e o traço 3 é bem
favorável para suportar grandes quantidades de peso.
Portanto, a partir do desempenho dos ensaios realizados, optou-se
pelos traços 2 e 3 para confecção das placas, acrescidos de 5,4% de
cimento e a quantidade do pó de alumínio foi triplicada, em relação
à porcentagem inicial.
Na placa referente ao traço 2, a adição de cimento não foi eficaz,
pois ainda assim sua resistência à flexão foi muito baixa, pois a placa
não foi capaz de suportar seu próprio peso. No traço 3, o aumento
da quantidade de Pó de alumínio foi satisfatório, pois houve maior
criação de bolhas de ar no interior da argamassa, havendo, portanto,
uma expansão de cerca de 30%. A adição de cimento na placa resul-
tou em uma resistência mais elevada à flexão, sendo que as placas,
em média, suportaram 23kg. Assim, o traço 3 demonstrou melhor
desempenho, tendo sido a opção a ser utilizada na futura intervenção
de recomposição do forro em estuque.
O objetivo principal da pesquisa foi conceber uma argamassa
mais leve e que substituísse a argamassa à base de gesso utilizada no
forro de estuque da Capela da Santa Casa. Procedeu-se o comparativo
entre o peso próprio das duas placas: a original, contendo a base e
os elementos ornamentais, e a nova placa proposta com a argamassa
correspondente ao concreto celular.
O peso próprio das placas foi calculado a partir do fragmento da
placa original, comparando-o com a nova placa, levando em consi-
deração a proporcionalidade volumétrica de cada uma. A partir de

365
cálculo matemático, chegou-se a determinação de que o peso por
cm³ da placa proposta é de 1g/cm³, enquanto na original o valor é
de 1,3g/cm³.
Quanto a absorção, a placa proposta obteve o índice de 36%,
enquanto a placa original obteve o índice de 32%. É bom frisar que
a placa original é centenária e, portanto, com um longo período de
cura, enquanto a nova placa foi ensaiada com 14 dias de cura.
Figura 12: Fragmento da placa original e a placa proposta

Fonte: Ronaldo Marques de Carvalho (2017)

Apesar da placa confeccionada com a argamassa proposta respon-


der aos objetivos almejados neste estudo, a confecção de um protótipo
substitutivo das placas originais em estuque demanda aprofunda-
mento das pesquisas, quanto à forma de reprodução dos motivos
ornamentais, além de novas formas de sustentação das placas no teto.
Contudo, os resultados alcançados foram promissores, no sentido da
utilização sustentável de rejeitos de construção civil, além de outros
rejeitos da indústria moveleira e da indústria mineral.

366
REFERÊNCIAS

CALDAS, Wallace. Restauração de elementos em estuque. Ópera


prima arquitetura e restauro Ltda. s.d. Disponível em: <http://mar-
ciabraga.arq.br/voi/images/stories/pdf/estuque.pdf>. Acesso em: 29
de outubro de 2014.

CARTA DE VENEZA. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/


uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf.
Acesso em 28 nov. 2017.

FIGUEIREDO, Miguel. História do estuque. In: I ENCONTRO


SOBRE ESTUQUES PORTUGUESES, Livro de Actas [...]. Por-
to: Museu do estuque, 2008. p. 9-18. Disponível em: <http://www.
casaruibarbosa.gov.br/arquivos/file/LivroActas_final%20(2).pdf>.
Acesso em: 30 de outubro de 2014.

MACDONALD, Mary Lee. Reparação do estuque liso histórico:


Paredes e tetos. National park service. Preservation Briefs: Techni-
cal preservation services. Tradução: Antônio de Borja Araújo. Abril,
2004. Disponível em: <https://5cidade.files.wordpress.com/2008/04/
reparacao-do-estuque-liso-historico.pdf>. Acesso em: 02 de fevereiro
de 2015.

MARQUES DE CARVALHO, Ronaldo Nonato Ferreira. Reci-


clagem de Resíduos Industriais na Fabricação de Argamassas e
Placas Cerâmicas Premoldadas Fabricadas a Partir de Matriz Sí-
lico-Aluminosa destinadas a Construção Civil. Tese (Doutorado
em Engenharia de Recursos Naturais da Amazônia) – Instituto de
Tecnologia, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014.

367
MATOSKI, Adalberto. Utilização de Pó de Madeira com Granulo-
metria Controlada na Produção de Painéis de Cimento-Madeira.
2005. Tese (Doutorado em Engenharia Florestal) – Setor de Ciências
Agrárias, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. p. 8-17.
Disponível em: <http://www.floresta.ufpr.br/defesas/pdf_dr/2005/
t187_0240-D.pdf>. Acesso em: 31 de maio de 2017.

MELO, Guilherme Fábio de. Concreto celular polimérico: influên-


cia na adição de resíduo de poliéster insaturado termofixo. 2009.
Tese (Doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais) – Centro
de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2009. p. 15-40.

PEREIRA, Maria Emília Castro Fernandes Macedo Lopes. Reabi-


litação de Tectos Estucados Antigos. 2010. Dissertação (Mestra-
do em Engenharia Civil) – Faculdade de Engenharia, Universidade
do Porto, Porto. 2010. Disponível em: <https://repositorio-aberto.
up.pt/bitstream/10216/59387/1/000144627.pdf>. Acesso em: 18
de janeiro de 2017.

RODRIGUES, Paula Nader. Caracterização das Argamassas His-


tóricas da Ruína de São Miguel Arcanjo/RS. 2013. Dissertação
(Mestrado em Engenharia Civil) – Centro de Tecnologia, Universida-
de Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2013. p. 26-46. Disponível
em: <http://w3.ufsm.br/gepecon/diss/20dc6f1d3a5f7abc09758e-
998d34b2cc.pdf>. Acesso em: 20 de março de 2017.

SUDANI, Nathália. Capela antiga da Fundação Santa Casa de Mi-


sericórdia do Pará: Analise tipológica e estudos preliminares de reabi-
litação. Belém, 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado

368
em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de arquitetura e urbanis-
mo, Universidade Federal do Pará, Belém, 2014.

369
ORGANIZADORES

370
371
CYBELLE SALVADOR MIRANDA

Arquiteta e Urbanista, Doutora em Antropologia, com Pós-dou-


toramento em História da Arte pela Universidade de Lisboa; pro-
fessora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de
Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
do Pará e pesquisadora associada ao CLEPUL / UL; lidera o Grupo de
pesquisa Arquitetura, memória e Etnografia, com os temas Memória e
Patrimônio Cultural, Estética da Arquitetura Amazônia, Arquitetura
assistencial e saúde e coordena o Laboratório de Memória e Patri-
mônio Cultural (LAMEMO). Em 2018 publicou o livro Hospitais
e Saúde no Oitocentos: diálogos entre Brasil e Portugal, em parceria
com o professor Renato da Gama-Rosa Costa e em 2019 os livros
Olhares sensíveis ao Centro Histórico de Belém com Luiz de Jesus
Dias da Silva e organizou o livro O Cinema é mais real que a vida:
crônicas cinematográficas de Maiolino de Castro Miranda.

DINAH REIKO TUTYIA

Arquiteta e Urbanista (UFPA), professora do Curso de Arquitetu-


ra e Urbanismo da (UNIFAP), pesquisadora colaboradora do Labora-
tório de Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO/FAU-UFPA).
Possui mestrado em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFPA e é
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Uni-
versidade Federal do Pará (PPHIST-UFPA). Atua principalmente
nos seguintes temas: preservação do patrimônio cultural, história
da arquitetura na Amazônia, arquitetura vernacular na Amazônia.

372
RONALDO MARQUES DE CARVALHO

Arquiteto e urbanista, Especialista em Arquitetura nos trópicos,


Mestre em Ciências da Arquitetura e Doutor em Engenharia de Re-
cursos Naturais da Amazônia, com Pós-doutoramento em História
da Arte pela Universidade de Lisboa; professor da Faculdade de Ar-
quitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará e pesquisador
associado ao Grupo de pesquisa Arquitetura, memória e Etnografia
e ao Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO).

373
AUTORES

374
375
BEATRIZ MARTINS MANESCHY
Arquiteta e urbanista. Mestranda junto ao Programa de Pós-
-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFPA. Pesquisadora
do Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da UFPA.

BIANCA BARBOSA DO NASCIMENTO


Arquiteta e Urbanista graduada pela Universidade Federal do
Pará (UFPA), foi bolsista de iniciação científica do Laboratório de
Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO). Pós-graduanda em
Marketing Digital e Gestão de Projetos pelo Centro Universitário
Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Atua no desenvolvimento de
Projetos Arquitetônicos e de Interiores e Consultorias de Arquitetura
e Decoração.

FELIPE MOREIRA AZEVEDO


Arquiteto e Urbanista, graduado pela Universidade Federal do
Pará. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-
-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU), na Universidade
Federal do Pará (UFPA). Doutorando em Arquitetura e Urbanismo
pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PP-
GAU), na Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor do Centro
de Ensino Superior do Amapá (CEAP). Pesquisador e colaborador
do Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO)
- LAMEMO/FAU/UFPA.

FLAVIA GALENDE MARQUES DE CARVALHO


Arquiteta e urbanista pela UFPA. Foi bolsista de extensão do
Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO).

376
GUILHERME PANTOJA ALFAIA
Graduando em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal
do Amapá (UNIFAP)

LARISSA SILVA LEAL


Arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal do Pará.
Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-graduação
em Arquitetura e Urbanismo da UFPA. Integrante das pesquisas do
Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural, bem como do Grupo
Arquitetura, Memória, Etnografia (AME).

RAIMUNDO LOBATO MARQUES


Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Amapá
(UNIFAP)

RONY HELDER NOGUEIRA CORDEIRO


Arquiteto e urbanista pela Universidade da Amazônia (1999),
especialista em Gerenciamento e Gestão da Qualidade na Indús-
tria da Construção Civil pela Universidade Federal do Pará (2000),
mestrado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Pará
(2003) e doutorando do Programa Doutoral em História, Filosofia
e Património da Ciência e da Tecnologia da Faculdade de Ciência e
Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. É Chefe da Unidade
Estadual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no Pará,
atuando, no planejamento, coordenação, execução e controle das
atividades técnicas e administrativas.

377
esta obra foi composta em adobe
garamond pro, para a editora
folheando em novembro de 2021

Você também pode gostar