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Ao colega, que eu mal conheço,

de nome exótico, vulgo JOÃO,


como gratidão por me mostrar o
quanto eu não sei Direito Penal e
como ele é um pequeno gênio
deste ramo do direito. E também
por me provar que nem todo
policial é um tosco bolsominion.

-Ana (ou detestável moça)

Uma conversa realista e sistemática entre prova, processo, dolo, erro e teorias da
causalidade.

A partir dos movimentos do século XIX que visavam a premente necessidade de afastamento
das ingerências do Estado- soberano na esfera social e jurídica dos cidadãos é que se sistematiza algumas ideias
fulcrais, não só do Direito Constitucional, mas, principalmente, do Direito Penal.

A fim de limitar o poder do Estado e evitar que as pessoas se destruíssem reciprocamente, era
necessário que além da rígida separação entre os poderes - esboçada por Aristóteles e formalizadas,
posteriormente por Montesquieu-, fossem assegurados direitos e liberdades aos cidadãos- nesse contexto é que
se verifica o surgimento do que se conhece por princípio da legalidade, pois à lei (lato sensu) foi dada tais
missões.

Porém percebeu-se, que apenas garantir direitos em uma lei escrita ou através de costumes
(usos reiterados apreendidos por uma certa sociedade em virtude da crença de sua obrigatoriedade) não era
suficiente. Era necessário um instrumento que possibilitasse a tutela destes direitos quando estes viessem a ser
violados; não só, um órgão imparcial dotado de coercibilidade e com a função de “fazer valer” aquela previsão
“normativa.

Nasce (ou ao menos se aperfeiçoa) o que se entende hoje sobre processo e jurisdição.

Para que se fale em processo, faz-se imperativo um breve estudo acerca do que é jurisdição.
Jurisdição é a função que determinado ente possui de aplicar a norma de caráter geral e abstrato ao caso
concreto de modo definitivo.

Deste breve conceito é possível a extração de algumas premissas: 1) Jurisdição é função, não
é poder (o poder é uno e indivisível); 2) só há coisa julgada quando a decisão é proferida por órgão dotado de
jurisdição; 3) modernamente a jurisdição não é atividade exercida apenas pelo Estado, mas também por
particulares, como se vê em relação aos juízos arbitrais ( com temperamentos pois não são dotados de
executoriedade/ coercibilidade); 4) a aplicação da norma ao fato é o que se entende por subsunção, que no
direito penal contemporâneo, é sinônimo de tipicidade formal.

Como o intuito desta “conversa” é fazer uma análise acerca do Direito Penal e do Direito
Processual Penal, desde já afirmo que a “jurisdição penal” no que tange a aplicação e execução da pena, só pode
ser feita pelo estado. O estado detém o monopólio da força, o ius puniendi.
Estabelecido os contornos deste breve estudo, pergunta que se faz é: “como acessar a
jurisdição?’ Simples: através do processo. Então o que é processo?

(In) felizmente essa resposta primeiro foi dada pelos civilistas.

O Primeiro a se debruçar acerca do tema foi Oskar Von Bulow (aquele dos pressupostos
processuais). Bulow entendia que a relação jurídico material não se confundia com a aquela relação estabelecida
no bojo de um processo, eram autônomas, por isso para ele o processo era uma relação de direito público, uma
relação intersubjetiva (faculdade, poder, direitos, deveres, ônus) qualificada pelo direito, pressupostos próprios,
distintos daqueles aferidos na relação jurídica de direito material que lhe serve de conteúdo. Curto: relação
jurídica material= credor x devedor/ relação jurídica processual= autor + réu + Estado-juiz (relação jurídica
angular ou triangular).

Diferentemente de James Goldschmdit, O processo seria assim caracterizado por um sistema


de possibilidades e de ônus. Embora um tanto confuso, Goldschmdit entendia que o processo não se confundia
com o direito material, pois nele era possível constatar um estado de incerteza, de indeterminação acerca das
obrigações daqueles que se encontram em conflito, até porque ninguém poderá prever o conteúdo da sentença:
um estado de guerra. Este conceito, como pode-se perceber se aproxima em demasia ao conceito de lide, objeto
do processo- motivo pelo qual, também não fora aceito. Mas reconhece-se o brilhantismo deste autor pois parte
dele a ideia de ônus da prova.

A teoria do processo como uma entidade jurídica complexa na dicção de Giovanni Conso, se
materializaria através de um procedimento, cuja estrutura revela o encadeamento de atos, cada qual deles
guardando sua particular conceituação e função, todos, entretanto, vinculados por um nexo de antecedente e
consequente, que os articula finalisticamente, tendo-se em vista o resultado final típico perseguido - a prestação
jurisdicional. Para tal teoria, processo e procedimento se confundem.

Por fim, Elio Fazzalari: processo como procedimento em contraditório. Para ele só haveria
processo se houvesse parte contrária resistindo à pretensão do autor. Nota-se que modernamente temos
inúmeros processos em que não teremos nem resistência (jurisdição voluntária) e nem contraditório
(improcedência liminar do pedido). Neste sentido trata-se de um conceito incompleto.

Ressalta-se, porém que todos estes conceitos foi o que nos permitiu formular o conceito
moderno de processo: “processo é o conjunto de relações jurídicas que se ajustam e se concretizam por meio
do procedimento (não necessariamente em contraditório), cuja estrutura revela o encadeamento de atos, cada
qual deles guardando sua particular conceituação e função, todos, entretanto, vinculados por um nexo de
antecedente e consequente, que os articula por meio de uma unidade de escopo que a prestação da atividade
jurisdicional.”

Sim processo é um instrumento, uma garantia, que no Direito Processual Penal pode ser assim
definido: processo é o instrumento por meio do qual o autor ( titular da Ação Penal) exerce o direito de ação, o
réu exerce o direito de defesa (contraditório e ampla defesa são obrigatórios) e o estado a jurisdição (jus
puniendi). O direito penal é instrumento de coerção indireta. Não há pena sem processo, não há processo sem
acusação, não há crime sem previsão legal.

Neste momento, a autora desta peça teria dois caminhos: passar a análise da prova ou para a
análise do crime. Preferiu o segundo. Aventureira, ela!

Verifica-se, portanto, que frente a possibilidade restrita de uso de mecanismos de autotutela


e como modo de assegurar direitos, o processo é o instrumento necessário para que sendo este violado se
acesse a jurisdição estatal para fim de resguardá-lo.
Ocorre que no direito penal o que se protege é o bem jurídico e não o direito. Bem jurídico é
a relação entre o sujeito e o direito (propriedade= direito/ patrimônio= bem jurídico). Há autores, que vão além,
o direito penal tutela a validade e a vigência da norma, do sistema (?), das expectativas normativas, pois quando
de sua aplicação o bem jurídico já foi violado, não havendo nada a ser tutelado- por todos: Günther Jakobs.
Trata-se de uma afirmação bastante criticada, contudo, dotada de uma honestidade inegável.

O crime é um fenômeno criado e não dado. E no nosso ordenamento criado por quem exerce
o poder, legitimamente ou não, a lei foi o único instrumento criado até hoje que conseguiu, se não evitar, mas
abrandar o arbítrio estatal e de alguma forma permitir uma razoável vida em sociedade- o que Hobbes chamava
de guerra de todos contra todos, em outro contexto, pois absolutista.

Então para que se possa da cumprimento ao “contrato social” faz se necessário que não só leis
existam, mas que estas sejam cumpridas.

Assim, quando uma norma/ direito/ bem jurídico vem a ser reiteradamente violado, e os
demais ramos do direito não conseguem refrear estas condutas ilícitas, compete ao Direito Penal, incriminá-la
a fim de possibilitar a imposição de sanções mais gravosas, que atingem em maior intensidade a esfera jurídica
do indivíduo. É neste contexto que nascem os crimes e contravenções penais. Neste ensaio me limitarei a tratar
dos primeiros.

Crime é o fato típico, ilícito e culpável ( ou imputado a agente culpável) a luz do conceito
analítico de crime.

Para um conceito formal crime é a conduta prevista em lei, sancionada com pena de reclusão
ou detenção e/ou multa. Já em um conceito legal, crime é a conduta descrita na lei penal. E por fim, crime é a
conduta que lesiona ou coloca em perigo de lesão um bem jurídico penalmente tutelado sob a ameaça de uma
sanção penal.

A respeito do conceito de crime, me interessa, para fins deste estudo o conceito analítico;
embora eu certamente tecerei críticas aos demais.

No fato típico a partir do finalismo de Hans Welzel é composto de conduta, relação de


causalidade, tipicidade e resultado. Na conduta reside os elementos subjetivos do conceito de crime, quais
sejam dolo e culpa.

Na ilicitude traz-se a ideia que o meu espectador não vai gostar muito mas adotamos a Teoria
dos elementos negativos do tipo. A ilicitude só existe, como conceito a partir do que a exclui, pois afinal a
tipicidade é indício da ilicitude. Por este motivo, não me debruçarei sobre o tema.

Na culpabilidade, as coisas começam a ficar um pouco mais interessantes, principalmente


quanto a questão do erro. Para a teoria finalista a culpabilidade é composta de imputabilidade, exigibilidade de
conduta diversa (ou conforme o direito) e potencial consciência da ilicitude.

Tendo como pressuposto a adoção por esta teoria, conforme os dizeres de Francisco Assis
Toledo na exposição de motivos da parte geral do Código Penal após a reforma de 1984, defino, finalmente o
núcleo deste estudo.

Começaremos pela conduta e seu conceito: conduta é o comportamento humano consciente


e voluntário dirigido a um fim. Este fim pode ser entendido como resultado que hora será naturalístico, mas que
sempre será jurídico. Pronto, chegamos ao Dolo e a Culpa.

Sim, dolo segundo o art. 18, I, CP: é consciência e vontade de praticar a conduta e produzir ou
ao menos assumir o risco de produzir o resultado. Já a culpa é retirada da conduta humana voluntária do agente
que inobservando seu dever objetivo de cautela, atenção ou diligência ordinária, ou especial, produz um
resultado não previsto mas previsível, ou se previsto, supõe levianamente que este não se realizaria ou que
poderia evitá-lo (art. 33, II, CPM).

Devidamente, conceituados ou não, as perguntas a serem feitas são: como se prova e quem
prova se aquele crime foi praticado a título doloso ou culposo?

Seguimos, então ao conceito de prova: “Prova é o conjunto de elementos produzidos pelas


partes ou determinados pelo juiz visando à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias.
Conforme refere Guilherme de Souza Nucci , o termo prova deriva do latim probatio, que significa ensaio,
verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação.” – Noberto Avena

No Brasil é pacífico entendimento que adotamos como sistema de valoração da o sistema da


persuasão racional ou livre convencimento motivado, como regra – art. 155, CPP. Como infere-se do que foi
acima exposto a prova é o elemento do qual se vale o juiz para proferir sua decisão.

Em um sistema acusatório, compete às parte o ônus de provar sua alegações. No processo


penal á acusação incumbe provar a materialidade, tipicidade, autoria, dolo e culpa? e à defesa resta provar as
causa excludentes de ilicitude, culpabilidade e outras circunstâncias que abandem a sanção. É a regra do art.
373, CPC em outros termos.

Abro um paragrafo para ressaltar que o art.156, CPP admite a produção de provas ex officio.
Fecho este “parênteses” desde já pois , não pretendo discutir se o Brasil adotou um Sistema Acusatório,
Inquisitorial ou Misto (Inquisitorial Garantista/francês).

Para a maioria da doutrina e da jurisprudência a prova do dolo e da culpa compete à acusação.


O que soa um tanto diabólico quando se analisa o dolo ( depois volto a tratar da culpa) através de uma
perspectiva psicológica-cognitiva ou simplesmente volitiva do conceito de dolo.

Por muitos anos diz-se que o Princípio que rege o processo penal é o princípio da busca pela
verdade rea / substancial, não é por menos que no caso de dúvida o réu é absolvido- já que é vedado o non
liquet, em tese.

Nesta ordem de ideias, se se busca a verdade real, como se prova o dolo?

Antes de responder esta questão é necessário saber o que é objeto DE prova no processo penal
e motivo de ser este o objeto e não outro.

O objeto de prova é o fato, que não se confunde com objeto DA prova = fonte (pessoa ou coisa
da qual se extrai a prova). Não é mero jogo de palavra o fato de ser o fato objeto da prova. No Brasil, até onde
se sabe e muito se fala não é admitido a Responsabilidade Penal Objetiva, o nosso direito penal é o direito penal
do fato.

Há um professor que repete esse bordão, e em seguida dizia: Responsabilidade Subjetiva é a


que leva em conta o dolo e a culpa- o agente só pode ser punido se agir com dolo ou com culpa, quando admitida.
Noutro sentido, ao conceituar direito penal do autor afirmava que neste tipo de sistema pune-se o autor pelo
que ele é e não pelo que ele faz. O que causa um pouco de perplexidade.

Não há diferença ontológica entre estes dois institutos pois só há responsabilidade penal se
alguém pratica um fato descrito como crime na legislação penal. A responsabilidade ela é imputada através de
fatos objetivos e apreensíveis, pelo que é exteriorizado e não pelo que está na cabeça do agente.

Por isso a prova JAMAIS alcançará a verdade dos fatos, o processo penal assim como o civil
trabalha com interpretação dos fatos que são levados ao processo. À acusação compete levar à jurisdição penal
materialidade, tipicidade e autoria- dolo como consciência e vontade, aceitem ou não é presumido, pois é
extraído das circunstâncias que demonstram que o agente racional, dotado de uma inteligência média praticou
o fato descrito na lei com crime. As teorias volitivas e psicológicas não se sustentam. A conclusão acerca da
existência do dolo é feita a luz daquilo que normalmente acontece (quod plerumque accidit).

É absurda a ideia de que se busca verdade no processo penal e que por isso deve-se provar o
dolo do autor. A verdade é intangível quando externada, o que dirá quando ela depende da prova do que se
passa na psique do agente no momento da prática da conduta. Imputa-se fatos verossímeis, julga-se se o fato
imputado ao agente é verossímil ou não, e não se é verdadeiro ou falso.

E ninguém melhor do que Pietro Calamandrei um dos processualistas mais geniais de nosso
tempos para explicar a impossibilidade da verdade: aquilo que se vê é apenas aquilo que parece ser visto. Não
é verdade, mas verossimilhança, isto é, aparência (que pode ser ilusão) de verdade.

O conceito de verdade, por ser algo absoluto, somente pode ser atingido quando se tenha por
certo de que certa coisa passou-se de tal forma, excluindo-se, de pronto, qualquer outra possibilidade.

A única resposta possível após todas estas afirmações é a que à acusação pode ser até
atribuído o ônus de provar o dolo, mas não este dolo, volitivo, mas o dolo normativo como conhecimento, quero
dizer o dolo a partir de uma teoria normativa do conceito de dolo. Pois o que a acusação faz ou tenta é
demonstrar que o agente, em certo contexto, dotado de autodeterminação, de voluntariedade e de potencial
consciência da ilicitude conduziu-se no sentido de agir (ou se omitir) de modo contrário daquele que lhe era
exigido pelo direito.

O dolo natural do finalismo é improvável. Primeiro que a humanidade ainda não desenvolve
tecnologia suficiente para que se descubra o que se passa na cabeça de uma pessoa no presente, tampouco no
passado. E ainda que houvessem descoberto a produção de tal prova sem a observância do direito de não auto
incriminação seria ilícita e por isso não poderia ser usada para fins de atribuição nem do crime e nem da pena.

Por isso tão criticável a teoria limitada da culpabilidade no que diz respeito ao erro de tipo
permissivo como é posta e por isso tão confusa as ciências penais. O erro reside na ausência de potencial
consciência da ilicitude, seja ele qual for, poderia excluir o dolo, se este fosse normativo lege ferenda. Todavia,
lege lata é irracional dizer que exclui o dolo, pois, pela sistemática que os idealizadores da reforma do Código
Penal realizada em 1984 diz que este adotou, o erro, ao menos no que tange às descriminantes putativas só
podem excluir a culpabilidade.

Ainda é preciso falar sobre as teorias da causalidade e suas consequências jurídicas, mas isto
ficará para outro momento de êxtase e devaneios, pois a autora está cansada. (03:44)

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